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A colecção «Ensaios e Documentos» procurará constituir um libérrimo

fórum destinado à discussão dosproblemas que preocupam o leitor dos nossos


dias. Aberta, por
vocação, a todos aqueles autores e a todas aquelas obras que desejam
acima de tudo explicar e compreender, esta colecção não escolherá trincheiras
nem tomará partido:
a sua única e intransigente defesa será a da liberdade de informar.
#FRANCESco Alberoni

Amo-te

Tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra

8.a Edição

BERTRAND EDITORA

VENDA NOVA 2001


#Título original: TI AMO Autor: Francesco Alberoni

1996 R.C.S. Libri & Grandi Opere S.p.A., Milano

Todos os direitos para a língua portuguesa, reservados por Bertrand


Editora, Loa.

Fotocomposição: Espaço 2 Gráfico

Impressão e Acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda.

Depósito Legai n.° 160.060/01 Acabou de imprimir-se em Janeiro! de 2001


ISBN 972-25-1016-9

ÍNDICE

1. O AMOR DE CASAL

Uma ciência do amor 13

Ligações amorosas 15

Donde partir? 16

Do enamoramento 18

O par amoroso 20

Invertamos a perspectiva 23

2. O ENAMORAMENTO > ; :

Porque nos enamoramos? 29

Quando nos enamoramos? 32

De quem nos enamoramos? 37

O amor à primeira vista 46


As afinidades electivas 50

Da amizade ao amor 53
#3. AS LIGAÇÕES AMOROSAS

O princípio do prazer 55

A perda 57

A indicação 61

O estado nascente 63

4. A COMUNIDADE

O «nós», a comunidade 69

Criação e destruição 70

Nascimento e moralidade 72

Macho e fêmea 74

Questões morais 76

5. O VERDADEIRO ENAMORAMENTO ....;.;:...;v..^........ 79

6. OUTRAS FORMAS DE AMOR

Amor idolátrico 88
Amor competitivo 97

Interesse económico e estatuto social 101

A falsificação 104

Amor-consolação 105

7. O EROTISMO <

O erotismo no enamoramento 109


Outras formas de amor erótico 113

Paixão erótica e enamoramento reprimido 116

Amor platónico 119

8. A PAIXÃO AMOROSA

O amor-paixãO 123

O amor secreto, a ilha dourada 126

9. OS CIÚMES ; v

Os ciúmes no enamoramento inicial 131

Ciúmes que reprimem o amor 134

Ciúmes que intensificam o amor 137


Os ciúmes do passado 139

O amor ciumento 142

10. A RENUNCIA

Enamoramento reprimido 149

A renúncia 153

Frustração e criação 157

A função do ódio 160

11. CONQUISTA E RECONQUISTA

Sedução 165

O enamoramento sucessivo 171

A reconquista 173

12. A CONSTRUÇÃO DO CASAL

Fusão e caracterização

As provas 173

A luta com o anjo 182


#Os pontos de não retorno
185

O pacto e a instituição de reciprocidade jgg

O casamento , 00

loo

13. A INSTITUIÇÃO; OBJECTWAÇÕES ESPIRITUAIS E MATERIAIS

A instituição 191

As regras devida 192

A prenda 195

De nómadas a sedentários 197

A mulher e a casa 199

Dissonâncias 202

14. TIPOS DE VIDA EM COMUM

Convivência quotidiana 205

Vidas separadas 206

A vida com os filhos 208

Os amantes 211
15. FIDELIDADE-INFIDELIDADE

• ’’ ’ ’í”’ ! • >•’ ’

Fidelidade e exclusividade 215

Desassossego sexual 217

O pacto de fidelidade 222

Vários amores 225

O casamento aberto 227

Ciclos amorosos 228

10

16. A CRISE PRECOCE

Porquê a crise?

Falta o enamoramento

Pseudo-enamoramento

Incompatibilidade de proj ecto

Factores externos
Enfraquecer o outro

Superação de um ponto de não retorno

233
233
239
241
242
243
246

17. O CASAL QUE DURA

Evoluir juntos 249

Amizade 252

Intimidade 254

Cumplicidade 258

18. A CRISE TARDIA

Porque acontece? 261

O regresso do passado 264

Evolução divergente 265

Competição e inveja 267


Despeites e provocações 269

Mudança dos ciclos vitais 271

O desenamoramento através de um estado nascente 273

19. O QUE É O AMOR 277

11
#w

20. O CASAL ENAMORADO

O casal enamorado

Sempre renascente

Uma comunidade viva

História e destino

Erotismo

Complexidade

283
285
290
291
293
296

O AMOR DE CASAL

Uma ciência do amor

Há muitos tipos de amor: o amor da mãe, o amor dos irmãos, o amor da


amizade. Mas nós vamos falar do amor erótico, da paixão amorosa, do amor
dos amantes, do amor
dos esposos, do amor de casal: o amor que nos faz dizer «amo-te».
Procuraremos compreender como surge, que formas adquire, como se
desenvolve, que problemas encontra,
porque decai ou porque se mantém. Com efeito, este amor pode nascer
lentamente da amizade ou aparecer bruscamente como uma flecha. Pode ser
uma paixão passageira
de poucos dias ou poucos meses. Ou durar muitos anos, até uma vida
inteira. Pode ser feito de sexualidade ardente ou de doce ternura. Pode
permanecer uma paixão
insatisfeita ou pode desembocar no casamento. Pode produzir um idílio ou
um conflito. Pode apagar-se na monotonia ou, pelo contrário, conservar a
frescura vibrante
das origens.

Quem ama, quem deseja ser amado, faz inúmeras perguntas, pois sabe
que a paixão, os ciúmes, os sonhos, os ideais, o erotismo, o amor, podem
tornar a sua vida maravilhosa
ou transformá-la num inferno. Os gestos que nos fazem felizes ou as
palavras que nos lançam no desespero provêm dos poucos seres humanos a
quem estamos ligados intensamente,
essencialmente.1 O maior dos triunfos pode ser envenenado por uma
palavra maldosa, por falta de atenção
12

1 É curioso ver como os estudiosos da família muitas vezes as ignoram


completamente. Veja-se, por exemplo, Pierpaolo Donati, Famiglia e politiche
sociali, Franco
Angeli, Milão 1981. William Goode, Famiglia e trasformazioni sociali, trad.
ital. Zanichelli, Bolonha 1982. Chiara Saraceno, Sociologia delia famiglia, II
Mulino,
Bolonha 1988. António Golini, La famiglia in Italia, ISTAT, Roma 1986.
Rossella Palomba, Vite di coppie e difigli, La Nuova Itália, Florença 1987. Marzio
Barbagli,
Provando e ríprovanda, II Mulino, Bolonha 1990. ,

13
#FRANCESCO ALBERONI

da pessoa amada. Como dar uma resposta a estas perguntas? Não existe
ainda uma teoria, uma ciência do amor, uma erossociologia.

No entanto, o casal adquiriu uma importância muito grande no mundo


moderno. Antigamente havia a família alargada, estavam os familiares. Hoje as
pessoas casam-se
porque «gostam», porque «estão enamoradas». E ficam juntas enquanto
continuam a gostar, enquanto se consideram ainda enamoradas. Até os filhos
já não são um motivo
suficiente para ficarem juntas, se «já não se amam». A cimentar a união
ficou apenas a ligação amorosa entre um homem e uma mulher. E isto une
dois indivíduos muito
mais livres, enriquecidos, maduros, cada um com a sua rede de relações,
o seu trabalho, as suas concepções políticas e religiosas. O casal é uma
unidade dinâmica,
um crisol criativo onde duas personalidades se fundem, se juntam,
discutem, completam-se para enfrentar um mundo cada vez mais complexo. O
amor é o mordente desta
tensão e desta união.

Mas o que é que significa «estou enamorado»? O que é que significa


«amo-te»?1 Há quem diga que se enamora continuamente, ou que está
sempre enamorado. Outros, pelo
contrário, defendem que na vida só nos podemos enamorar muito poucas
vezes. Às vezes acontece, depois de termos falado muito tempo com uma
pessoa, que esta nos confessa
ter tido numerosas relações, mas apenas um grande amor. Por trás das
palavras enamoramento, amor, gostar, afecto, ternura, paixão, atracção
erótica estão vários
significados. Pretendemos pôr ordem neste desordenado sistema de
experiências. Pretendemos criar as bases para uma verdadeira ciência do
amor. Criar uma casuística,
uma tipologia das formas de amor para que cada um possa reconhecer-se
nelas. Compreender de que processos surgiram e qual a sua possível evolução.
Fornecer um mapa,
uma explicação, um guia.

1 É impressionante ver que poucas investigações foram feitas sobre este


tema, que imprecisão há neste campo. Com algumas excepções,
naturalmente. E entre estas quero
recordar em particular o trabalho de Murray S. Davis, Intimate Relations,
The Free Press, Macmillan, Nova Iorque 1973. Dorothy Tennov, Love and
Limerence, Stein
and Day, Nova Iorque 1979. C. S. Lewis, / quattro amori, trad. ital. Jaka
Book, Milão 1982. R. G. Sternberg «A triangular Theory of Love», in
Psychological Review,
1986, 93, pp. 119-135. E, entre as obras mais recentes, Willy Pasini,
Intimità,

Mondadori, Milão 1991; Jurg Willi, Che cosa tiene insieme le cofpie, trad.
ital. Mondadori, Milão

1992. Gilbert Tordjman, La couple, Hachette, Paris 1992. Giorgio Abraham,


Un amore tutto nuo-

vo, Mondadori, Milão 1995.

14

AMO-TE

Ligações amorosas

Existem três tipos de ligações amorosas: as ligações fortes, as ligações


médias e as ligações fracas. As ligações fortes são as que se estabelecem
durante a infância
entre o filho e os pais, entre irmãos. As ligações fortes são exclusivas.
Ninguém pode ocupar o lugar da nossa mãe, do nosso pai ou do nosso filho. As
ligações fortes
resistem à mudança de carácter, à mudança de aspecto. O filho continua
a amar a mãe mesmo quando ela envelhece, fica mais feia ou adoece. A mãe
ou o pai continuam
a amar o filho mesmo se ele se tornar um delinquente ou um drogado,
mesmo se ficar desfigurado pela doença.
A única força capaz de estabelecer uma ligação forte fora da infância, fora
das ligações familiares, é o enamoramento. Duas pessoas que nunca se tinham
conhecido,
enamorando-se, tornam-se indispensáveis uma para a outra como um
filho para os pais. Isto é verdadeiramente um fenómeno desconcertante.

As ligações médias são as que estabelecemos com os amigos íntimos.


Com aquele em quem confiamos, com aqueles que gozam da nossa confiança.
A amizade é livre, desinteressada,
sem ciúmes, sem invejas que por vezes encontramos também entre
irmãos. Mas também a amizade mais forte é vulnerável. Se o amigo nos
enganar, nos trair, algo se quebrará
para sempre. Podemos perdoar-lhe, mas a nossa relação não volta a ser
luminosa como dantes. Se nos zangarmos com o nosso pai ou com a nossa
mãe, ou até com o nosso
irmão, a ligação resistirá à prova. Depois de algum tempo, tudo é
esquecido. Não acontece o mesmo com a amizade. Um confronto violento, os
insultos, as ameaças,
as ofensas, deixam uma lesão dificilmente curável. Podemos preferir um
amigo a um irmão, confiarmos mais naquele do que neste. No entanto, a
amizade continua a ser
uma ligação de segunda ordem. É vulnerável às ofensas morais e, quando
se quebra, quebra-se para sempre.

Por fim temos as ligações fracas. São as que estabelecemos com os


colegas de trabalho, com os vizinhos, com os amigos das férias. Muitas formas
de atracção erótica,
embora intensas, produzem ligações fracas. Uma pessoa pode agradar-
nos, podemos desejá-la loucamente, mas basta uma palavra grosseira, um
gesto vulgar e desdenhoso
e passa-nos a vontade de estar com ela. Por vezes, terminada a relação
sexual, gostaríamos de já estar longe dali.

15
#FRANCESCO ALBERONI

Ligações fracas não significa todavia que esqueçamos a relação. Pelo


contrário, podemos até recordá-la com prazer durante toda a vida. Algumas
experiências eróticas
ficam impressas em nós de forma indelével. Recordamos o olhar de
entendimento, o desejo, o contacto frenético entre os nossos corpos.
Recordamos com alguma nostalgia
que alguma coisa podia ter nascido dali. Entre duas pessoas que fizeram
amor mantém-se muitas vezes uma subtil ligação de confidência, até de
cumplicidade, que se
parece com a amizade. Ligação fraca significa só que não sentimos
necessidade de ficar com aquela pessoa, que não sentimos a sua falta. Que
não constituímos com
ela uma colectividade compacta, um «nós» solidário, unido por uma fé,
por um amor, por um dever, por um destino.

Donde partir? , ;

Então, donde devemos partir para a nossa investigação sobre o amor de


casal? De que tipos de ligação? O casal é uma relação estável, que permanece
no tempo. Por
isso devemos olhar para as ligações fortes. Se perguntarem às pessoas
por que casaram, respondem-vos «porque estava enamorada». Por isso
devemo-nos virar para o enamoramento.
No entanto, se folhearmos as revistas e os artigos sobre o amor de casal,
veremos que não falam dele, não o estudam. Prevalece a ideia, nascida com
Freud,1 de que
o amor surge pouco a pouco da atracção erótica satisfeita. Começa com a
troca de olhares. Se o outro responder da mesma forma, passar-se-á ao
encontro gradual dos
corpos: as mãos roçam uma na outra, apertam-se. Depois vem o primeiro
beijo, o primeiro encontro amoroso. Quando tudo corre bem, segue-se a
relação sexual, a fusão
física. Um pouco mais ainda e surge a ternura, a paixão, a intimidade.
Porque segundo estas teses, o amor é maior à medida que é melhor o
entendimento, a satisfação
recíproca. Enquanto o outro nos parece indispensável e sentimos como
dolorosa a sua falta. Nesse caso estamos enamorados. Em suma, o
enamoramento surgiria pouco
a pouco da satisfação recíproca.

1 Sigmund Freud, Psicóloga delíe làasítfíaMsi dell’Io. In Ofm Boringhieri,


Turim, vol. K, p. 299.

16

AMO-TE

Esta concepção gradualista do enamoramento é desmentida pela


realidade. O amor, depois de um começo gradual e incerto, normalmente
explode rapidamente. Com efeito,
em inglês e em francês utiliza-se a expressão fall in love e tomber
amoureux. Frequentemente duas pessoas enamoram-se antes de terem tido
experiências sexuais, desejam-se
antes de se terem conhecido a fundo, procuram-se até quando não são
correspondidas.1 A paixão amorosa não aumenta gradualmente em relação
com a recíproca satisfação
sexual. Irrompe inesperadamente entre dois estranhos e arrasta-os,
mesmo contra a sua vontade, um ao encontro do outro. E não é só desejo
sexual, não é só ternura.
É qualquer coisa de diferente. É um estado emotivo novo, desconhecido,
inesperado e inebriante. Sente-se o máximo da intensidade do amor, do
desejo, da paixão, precisamente
no início da relação. Exactamente ao contrário do que deveria acontecer
segundo o mecanismo do aumento gradual.

Para se compreender o processo amoroso não é preciso partir de baixo, da


atracção sexual, e depois subir gradualmente, mas sim partir de cima, da
explosão, do enamoramento.
O enamoramento não é só erotismo ou prazer. É uma experiência única e
inconfundível, uma perturbação radical da sensibilidade, da mente e do
coração, que une numa
só duas pessoas diferentes e afastadas. O enamoramento produz uma
transfiguração do mundo, uma experiência do sublime. E loucura, mas
também descoberta da própria
verdade, do próprio destino. É fome, desejo, mas, ao mesmo tempo,
impulso, heroísmo, esquecimento de si próprio. «Amo-te», para nós, para a
nossa tradição, não significa
só «gosto de ti», «quero-te», «desejote», «nutro afecto por ti», «agradas-
me», mas sim «tu para mim és o único rosto entre os infinitos rostos do
mundo, o único
sonhado, o único desejado, o único a que eu aspiro acima de qualquer
outra coisa e para sempre». Como diz o Cântico dos Cânticos: «Há sessenta
rainhas, oitenta concubinas
e jovens sem conta; mas a minha pomba, a minha perfeita, é única.»
Se nos quisermos limitar ao factos, devemos estudar o processo de
formação do casal partindo do enamoramento. Portanto, de um

1 Para explicar esta anomalia, também Freud teve de mudar a explicação


dada anteriormente. Diz-nos que o enamoramento não brota da sucessão de
experiências sexuais
agradáveis mas sim, pelo contrário, de um impulso sexual não realizado.
Não podendo satisfazer-se, o libido sexual explode e gera uma
sobrevalorização do objecto
amado. Sigmund Freud, Psicologia delle masse e analise dell’Io, cit., p.
300.

17
#FRANCESCO ALBERON1

acontecimento descontínuo, explosivo, extraordinário. Entendamo-nos,


não defendemos que todos os casais se formam deste modo. Há casais
baseados na atracção erótica,
no prazer de estarem juntos, no hábito, na ajuda recíproca, na
necessidade económica e noutros mecanismos que estudaremos
seguidamente. Mas o mecanismo fundamental
segundo o qual na vida adulta se formam as ligações amorosas fortes é o
enamoramento. -i

Do enamoramento

Quando estamos enamorados o nosso amado não se compara nem pode


ser substituído por nenhum outro. Ele é o único, absolutamente o único ser
vivo capaz de nos dar
alegria. Qualquer outro que nós encontremos, até mesmo o nosso ídolo
preferido, não é suficiente para nós. Se não estiver o nosso amado, o mundo
continua árido,
vazio. O enamorado que se interroga se é correspondido, o enamorado
que tira as pétalas dos malmequeres, sabe que nenhuma força conseguirá
extirpar-lhe o seu amor,
mas teme que o seu amado possa ainda ser seduzido, levado. Por isso lhe
pergunta continuamente: «Amas-me?» E não se cansa de ouvir a mesma
resposta: «Sim, amo-te.»
Porque aquela resposta é o único ponto fixo sobre o qual pode reconstruir
o mundo. Todo o seu universo mudou de centro, move-se em torno da pessoa
amada. O seu amor
é a condição prévia de qualquer outro desejo, de qualquer outra
actividade.

A pessoa enamorada encontra-se numa condição extraordinária. Vive uma


espécie de embriaguez, de êxtase. Platão considerava o enamoramento um
delírio inspirado pelo
deus, uma loucura divina. Como a inspiração artística e o dom da profecia.
O enamorado vê todas as coisas transfiguradas. A natureza, o ar, os rios, as
luzes, as
cores são mais luminosas, mais intensas. Sente-se impelido por uma força
cósmica que o leva para a sua meta e para o seu destino. As contradições da
vida diária
perdem sentido. Sente-se escravo e prisioneiro, e no entanto, ao mesmo
tempo, livre e feliz. Sofre, tortura-se, mas não gostaria de nunca, mas mesmo
nunca, renunciar
ao seu amor.
O enamoramento actua sobre a psique como a temperatura sobre os
metais. Torna-os fluidos, incandescentes e podem assim misturar-se, fundir-se
uns nos outros, adquirir
novas formas que depois

18

AMO-TE

se tornam permanentes. O amor torna as pessoas plásticas, molda-as,


transforma-as, une-as. Desta forma produz ligações fortes que podem resistir a
traumas, conflitos,
desilusões.

Podemos lutar contra o nosso amor, rejeitá-lo, fazer todos os esforços para
nos mantermos distantes da pessoa que amamos, para a esquecermos.
Podemos julgá-la má,
cruel, podemos odiá-la. Podemos considerar o nosso amor uma doença.
Atormentarmo-nos com a dúvida, os ciúmes. Mas o nosso amor continua igual.
ImpÕe-se-nos, prevalece.
É qualquer coisa que vai contra o juízo do entendimento ou que consegue
seduzi-lo subtilmente. Mesmo quando o nosso amado nos trata mal, estamos
sempre prontos para
encontrar uma desculpa. Pensamos que, se conseguíssemos tocar-lhe
certas cordas do seu coração, ele mudaria. O enamorado está convencido que
conhece o amado melhor
do que ele próprio. E pensa que, se ele se conhecesse da mesma forma,
não poderia deixar de retribuir o seu amor.
O enamoramento, mesmo que depois desapareça, faz-nos pensar que
amaremos para sempre, aconteça o que acontecer. Põe-nos logo na boca as
palavras do casamento. «Está
disposto a receber em matrimónio esta pessoa e amá-la nos bons e nos
maus momentos, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, até que a
morte vos separe?»

O enamoramento faz-nos amar o outro pelo que ele é, torna dignos de


amor até os seus defeitos, até as suas faltas, até as suas doenças.1 Quando
nos enamoramos é
como se abríssemos os olhos. Vemos um mundo maravilhoso e a pessoa
amada aparece-nos como um prodígio do ser. Cada ser é em si mesmo
perfeito, diferente dos outros,
único, inconfundível. Assim agradecemos ao nosso amado o facto de ele
existir, porque a sua existência enriquece-nos não só a nós próprios, como
também ao mundo.
Propércio escreveu: « Tu mihi sola domus, tu Cynthia sola parentes omnia
tu nostrae têmpora laetitiae.»2 Ele não diz só «gosto de ti, desejo-te», mas sim
«tu és
a minha única casa, tu és toda a minha família, tu és a delícia do nosso
tempo».

É assim que uma mãe vê o seu menino e o menino vê a sua mãe. No


entanto, a ligação do enamoramento emerge de improviso

1 Simone de Beauvoir, II secando sesso, trad. ital. il Saggiatore, Milão


1961.

2 Sexto Propércio, Elegias, trad. ital. Rizzoli, Milão 1989, p. 95.


19
#FRANCESCO ALBERONI

entre duas pessoas que nunca se tinham encontrado antes. Graças ao


enamoramento, dois desconhecidos sentem entre si uma afinidade profunda,
uma substância comum
que ultrapassa as suas pessoas conscientes. Por isso podem dizer um ao
outro: «Eu sou tu e tu és eu.» Em O Banquete, de Platão, Aristófanes explica
este tipo de
experiência dizendo que os seres humanos foram outrora uma unidade
indivisa, que Zeus separou depois em duas partes, permanentemente à
procura da metade perdida.

Todavia, ao contrário da ligação de sangue que «existe», que «é suposto»,


esta ligação é antes de mais para construir, para realizar. Os amantes sentem
a realização
do seu amor como um dever sagrado, um apelo igual ao da pátria, da fé.
A pessoa enamorada sente-se interiormente obrigada a empenhar-se, a
estabelecer um pacto,
um juramento. Por isso o amor não é só prazer, desejo, sentimento,
paixão, é também empenhamento, juramento, promessa. Não é só forçado a
«pensar para sempre», como
também é forçado a «empenhar-se para sempre». É projecto de
construção de qualquer coisa que se propõe durar no tempo. ,

O par amoroso :

O enamoramento existiu sempre ou apareceu só no mundo moderno?


Existiu sempre. A Bíblia fala-nos do amor de Abraão por Sara, de Jacob por
Raquel, da paixão da mulher
de Putifar por José, do enamoramento de David por Betsabé, de Sansão
por Dalila. Platão trata do enamoramento no Fedro, no Lists e em O Banquete,
No Lists, Hipótalo
está loucamente enamorado de Lísis, não pára de repetir o seu nome,
chama-a em sonhos, cora, canta de todas as formas, em versos e em prosa, a
beleza e os louvores.
No Fedro, depois de ter troçado durante bastante tempo, Sócrates de
repente fica sério, diz ter pecado contra o deus Eros e de ter de corrigir tudo o
que disse.
O amor não pode ser objecto de troça profana, porque nos foi dado pelos
deuses. O amor, tal como a adivinhação e a criação artística, é loucura divina.
Esta loucura
é um dom, uma revelação, um contacto com o mundo supremo das ideias.
Aquele que ama eleva-se do mundo e vislumbra a beleza absoluta. No amado
transparece a perfeição
eterna do deus. Por fim, em O Banquete, Diotima explica a

20

AMO-TE

Sócrates que o amor é desejo de imortalidade, porque tem como fim


apropriar-se perpetuamente do bem, e apropria-se dele gerando. É por isso
criação, ascensão em
direcção ao alto, em direcção ao

Absoluto.

No mundo romano encontramos o enamoramento nas poesias de Catulo e


de Propércio. Encontramo-lo no Maabarata indiano, em As Mil e Uma. Noites
árabo-islâmicas e em
toda a história da literatura do Ocidente desde a Vita Nuova, de Dante,
até à Lolita, de Nabokov. Em toda a parte esbarramos neste amor violento,
apaixonado, que
explode arrastando os dois amantes e os transporta para uma esfera
superior. O amor verdadeiro, o amor que une, apresenta-se como uma
experiência extraordinária,
revelação, paixão.

As investigações dos antropólogos reforçam a nossa tese. Helen Fisher


escreveu: «Também as populações que negam ter o conceito de ’amor’ ou
’enamoramento’ se comportam
de forma semelhante. Os Mangaianos da Polinésia não se importam muito
com quem é o seu parceiro sexual, mas se um jovem não obtiver autorização
para se casar com
a rapariga que ama, pode acontecer matar-se por desespero... Histórias
de amor, mitos, lendas, poesias, canções, manuais, poções, amuletos, litígios
de enamorados,
encontros, fugas e suicídios fazem parte da vida nas sociedades
tradicionais de todo o mundo».1 Numa investigação feita em 168 culturas, os
antropólogos William
Jankoviak e Edward Fischer conseguiram descobrir provas directas da
existência do amor romântico em 87 por cento de populações extremamente
diferentes umas das outras.2

Só há uma conclusão possível. O enamoramento é um facto universal e,


na tradição ocidental, é um factor essencial da formação do casal. É uma das
raízes espontâneas
da monogamia. Mas a sua relação com o casamento varia no tempo.
Durante milénios o casamento foi um acordo entre famílias. Pensava-se que o
amor surgiria depois
por efeito da proximidade, da ajuda recíproca e do nascimen-
1 Helen E. Fisher, Anatomia dell’amore, trad. ital. Longanesi, Milão 1992,
p. 47. E a autora acrescenta: «Também os Bern-Bern dos planaltos da Nova
Guiné não admitem
que sentem paixão, mas às vezes pode acontecer que uma rapariga se
recuse a desposar o homem que o pai escolheu para ela, fugindo, em
contrapartida, com o seu (verdadeiro
amor>. Os Tiv de África, que não têm um conceito formal para o amor,
chamam a esta paixão loucura.» Ibidem, p. 47.

2 Veja-se William Jankoviak e Edward Fischer, «A cross cultural perspective


on romantic love», in Ethnology, ^l(a..° 2) 1992, pp. 149-155. ,.,,,,.;,
, ,: < ,, , ,
#FRANCESCO ALBERONI

to dos filhos. O elogio do enamoramento é o produto da sociedade


burguesa, da emergência do indivíduo com a sua escolha pessoal. Vemo-lo
assomar-se na Florença do
século XIII, na poesia de Dante, dos trovadores, nos romances medievais,
no amor de Abelardo e Heloísa. No entanto, na Idade Média o casamento não
se baseia ainda
no enamoramento. A burguesia nascente está ainda profundamente
influenciada pelos modelos culturais senhoriais e do clero.

O tema do amor como base do casamento irrompe na literatura popular


do século XVIII. Mas no mundo intelectual só se afirma muito mais
lentamente.1 George Sand vê
o casamento como uMa prevaricação, um limite, uma prisão, e rejeita-o.
Stendhal trata de forma aprofundada várias formas de amor, mas não dedica
qualquer espaço
ao casamento de amor e à vida conjugal.2 O modelo do casamento
baseado no enamoramento generaliza-se a todas as classes sociais dos países
ocidentais no decurso
do século xix. E espalha-se por todo o mundo no século XX, sobretudo
graças ao cinema de Hollywood.

Nos recentes movimentos juvenis houve um impulso para a


promiscuidade e para a vida comunitária mas, com o regresso do indivíduo,
voltou o enamoramento, o casal
e o casamento. E hoje, com o prolongamento da vida, a emancipação
feminina, a diminuição da natalidade, ficou este tipo de amor como a única
força capaz

1 Dois conhecidos sociólogos preocuparam-se com o aparecimento do


amor neste período histórico. Niklas Luhmann, com o seu livro Amore
comepassione, trad. ital. Laterza,
Bari 1982 e Anthony Giddens com La trasformazione deWintimità, trad.
ital. H Mulino, Bolonha 1994. Mas nem um nem outro estão em condições de
dar uma explicação.
Por outro lado, o fenómeno é perfeitamente compreensível à luz duma
teoria que considere o enamoramento (seja ele chamado paixão ou amor
romântico) como um processo
colectivo que gera a formação dum casal. Enquanto são muito fortes as
famílias parentais, o casamento é combinado ou dominado por estas. Porém, a
dada altura, a
transformação económica e a divisão do trabalho enfraquecem estas
ligações tradicionais e então o casal forma-se com os mesmos mecanismos
com que emergem as outras
comunidades: o estado nascente e os processos de institucionalização.
Assiste-se então a um aumento da importância da paixão amorosa e a uma
epidemia de enamoramentos.
Veja-se esta tese em Francesco Alberoni, Génese, Bertrand Editora,
Lisboa.

2 Quem se antecipa aos tempos é Shakespeare. O enamoramento como


base do casamento está presente em todas as suas obras desde Romeu e
Julieta até Tanto Barulho por
nada e A Tempestade. Também Goethe e Manzoni dão voz à sensibilidade
popular. No Werther, de Goethe, o protagonista gostaria de desposar Lotte. E
isto reflecte um
episódio da vida do próprio Goethe que se enamorara de Charlotte Buff.
As afinidades electivas começam com um diálogo entre Eduardo e Carlota que,
depois do casamento
que lhes fora imposto pelas famílias, acabam por realizar o seu amor
casando-se. Em I Promessi Sposi (trad. port. Os Noivos), de Manzoni, Renzo e
Lúcia são dois
camponeses que se amam, e a Igreja luta para conseguir o seu
casamento contra as prepotências de Don Rodrigo.

22

AMO-TE

de unir, fundindo-os, dois indivíduos adultos, e fazer deles um casal


amoroso.

Invertamos a perspectiva

A maior parte dos sociólogos e dos psicólogos não compreendeu a


importância do enamoramento. Por exemplo, Ortega considera-o uma
imbecilidade temporária, uma angina
psíquica.1 Para Rougemont é uma obscura supervivência de uma heresia
medieval, que despreza o mundo e tende para a morte.2 Para Fromm, o
verdadeiro amor nasce da
vontade e admira-se com o facto de por vezes surgir do território
inflamado e irracional do enamoramento.3 Os psicólogos e os sociólogos
americanos consideram-no
um produto cultural recente.4 Enganam-se. Como já vimos, o
enamoramento sempre existiu.

Para a psicanálise, o enamoramento é fruto de um desejo sexual


frustrado, inibido à partida, e a fusão entre o amante e o amado é fruto da
regressão aos primeiríssimos
meses de vida, altura em que o único objecto é a mãe.5 Todos os
comportamentos dos ena-

1 José Ortega y Gasset, Saggi sull’amore, trad. ital. Sugarco, Milão 1984.

2 Denis deRougemont, L’amore e I’occidente, trad. ital. Rizzoli, Milão


1977. ’•.’•••’

3 Erich Fromm, L ’arte di amare, trad. ital. il Saggiatore, Milão 1966.

4 Penso que isto depende do facto de a língua inglesa não ter a palavra
«enamoramento», e quando a palavra falta muitas vezes falta também o
conceito. A atenção
fixou-se então nas formas históricas em que o amor se apresenta. A partir
de Stendhal utilizou-se o conceito de Amor-paixão. Por outro lado, o conceito
de Romantic
Love foi tirado da literatura. Basta ver como é analisado por Giddens
(Anthony Giddens, La trasformazione deWintimità, trad. ital. II Mulino, Bolonha
1994, pp. 51-57,
ou Steven Seidman, in Romantic Longings, Routledge, Nova Iorque 1991).
Foram feitas escalas para medir esta «ideologia romântica», como no caso de
I. M. Rubin, The
Social Psychology of Romantic Love, The Univ. of Michigan, Ph. D. Thesis.
Pouco a pouco, muitos acabaram por identificar romantic love e
enamoramento. Para evitar
este equívoco, Dorothy Tennov criou o infeliz neologismo limerence.

5 Esta tese é defendida por todos os psicanalistas. Veja-se por exemplo,


entre as centenas de citações possíveis, Jole Baldaro Verde e Gian Pranche
Pallanca, Illusioni
d’amore, Raffaello Cortina, Milão
1984. Também a teoria do amor como afeição não faz senão desenvolver
a mesma ideia. As pessoas enamoram-se e afeiçoam-se a substitutos dos pais
e estabelecem entre
si relações de entrega recíproca como as existentes entre a mãe e o filho.
Neste campo o leitor encontrará uma imensa bibliografia no livro de Lúcia
Carli, Attaccamento
e rapporto di coppia, Raffaello Cortina, Milão 1995. A presença deste
esquema também na psicanálise junguiana é visível nas valiosas obras de Aldo
Carotenuto, Eros
e patos, Bompiani, Milão 1987, Amare tradire, Bompiani, Milão 1991; Riti e
miti delia seduzione, Bompiani, Milão 1994. ., ...„•, ... . , ,.

23
#FRANCESCO ALBEROINI

morados são explicados por uma regressão. Não dizem os enamorados


palavrinhas doces, não utilizam eles meiguices? Não procuram o corpo um do
outro, ávidos da sua
pele, dos seus humores, como acontece entre o lactente e o seio
materno? Por outras palavras, o amado ou a amada são apenas substitutos da
mãe da primeira infância.

Também esta tese é insustentável. O enamoramento desenvolve a


criatividade, a inteligência, a capacidade de enfrentar os problemas do
concreto de forma adulta. É
realmente verdade que os enamorados tendem a unir-se física e
psiquicamente num só como fizeram na infância. Mas já não são crianças. A
palavra regressão deve ser
usada com prudência. Freud introduziu-a para explicar as neuroses e as
psicoses, experiências dolorosas, patológicas. E um processo que enfraquece
as capacidades
críticas, que faz viver no passado. Pelo contrário, o enamoramento é um
triunfo da alegria de viver, constitui um impulso em direcção ao futuro, faz
desejar o futuro,
faz projectar o futuro. Em relação à situação regressiva, bloqueada pela
neurose, o enamoramento é libertação, é cura.

Dois jovens que sempre viveram com a família, dependentes do pai e da


mãe, graças ao enamoramento encontram a força para a deixarem, para se
tornarem autónomos,
para criarem uma nova família. Graças ao enamoramento duas pessoas
que pertencem a nações, raças e religiões diferentes encontram a energia e a
coragem para romperem
com o seu próprio grupo social para formarem uma entidade nova na qual
são superados os ódios antigos e os preconceitos consolidados. O seu amor
rompe com o passado
e cria uma entidade social e cultural que antes não existia.
É este o nosso ponto de partida. Para compreendermos um fenómeno é
preciso ver qual é o seu significado profundo, o que é que ele provoca na vida
social. O erro
de fundo cometido em todos os estudos sobre o enamoramento foi o de o
estudarem como um facto psicológico, individual. Como alteração positiva ou
negativa da mente
e do coração. Como neurose ou como psicose, como estado emotivo
normal ou patológico. É como se observássemos um indivíduo durante uma
acção bélica, empenhado em
disparar contra os outros seres humanos ou em fazer ir pelos ares, com
explosivos, pontes e prédios. Para compreendermos a sua acção não devemos
pôr a nossa cabeça
em água com as suas emoções. Devemos procu-

24

AMO-TE

rar compreender o fenómeno da guerra, a sua dinâmica e a sua acção


sobre cada um dos indivíduos.

Se observarmos o indivíduo enamorado, e procurarmos compreender o


significado social do seu modo de ser e de agir, então aperceber-nos-emos que
aquele amor, aquelas
emoções destroem ligações e instauram outras. No fim já não são os dois
indivíduos de antes, mas sim duas pessoas novas, numa nova colectividade, o
casal. O modo
correcto de analisá-lo não é o da psicologia individual, mas sim o da
sociologia. Mais, e de forma particular, da sociologia dos movimentos
colectivos.1
Só desta forma poderemos compreender porque existem essas emoções
particulares, por que motivo os indivíduos passam por uma transformação tão
profunda, tão extraordinária,
do seu próprio ser. Porque eles, naquele momento, são os artífices e os
protagonistas dum novo nascimento, da repentina emergência, do repentino
surgimento duma
nova sociedade.

O ser humano nasce fisicamente da sua mãe, e forma com ela um par em
que ele é completamente dependente. Na linguagem vulgar costuma-se falar
deles dizendo, «vi
uma mulher com um menino ao colo». Aquele com indica que o menino é
um objecto e não um sujeito, é o prolongamento da mãe, sem a qual não
sobreviveria. Foi um erro
grave da psicanálise tomar esta relação como modelo paradigmático de
todas as outras. A história da sua relação é exactamente oposta à do
enamoramento. Com a passagem
do tempo e a maturação, a criança autonomiza-se e separa-se da mãe. No
enamoramento, pelo contrário, dois indivíduos adultos e autónomos unem-se e
fundem-se para
firmar uma nova entidade social.

A sociedade não nasce da mesma forma que o filho nasce da mãe. Nasce
do encontro-fusão de dois indivíduos adultos, herdeiros das suas próprias
sociedades de origem,
das suas tradições, que juntam as suas histórias pessoais e os seus
patrimónios culturais. Com a comunhão dos dois patrimónios culturais criam
algo de completamente
novo, um mutante social.
No acto sexual um homem e uma mulher abraçam-se, unem os seus
órgãos genitais, unem durante uns instantes os seus espíritos no

1 É a tese que defendi no meu livto Enãmsramento e Amor, Bertrand


Editora, Lisboa.

25
#FRANCESCO ALBERONI

êxtase do orgasmo, e isto é suficiente para fecundarem um óvulo, para


produzirem um embrião. Mas no enamoramento este processo de fusão
envolve toda a personalidade
e a história dos dois indivíduos que saem da união transformados e unidos
por um vínculo profundo, duradouro. Um vínculo que os leva a mudar, a
adaptar-se reciprocamente,
a encontrarem-se, a viver juntos, a reestruturarem todas as suas relações
sociais. O enamoramento é o protótipo e o paradigma deste nascimento social,
o big-bang,
o aparecimento duma nova entidade colectiva que, depois, recria o seu
próprio nicho ecológico e o seu próprio mundo.

Na realidade, a vida humana não tem um só nascimento, uma só infância,


é feita de vários renascimentos, de várias infâncias. Quando saímos da família
e entramos
no grupo de amigos da adolescência, quando nos enamoramos e
formamos um novo par, quando começamos um novo trabalho exaltante,
quando emigramos, quando participamos
numa transformação social, política, religiosa, então acontece um
renascimento que ao mesmo tempo diz respeito tanto ao indivíduo como à
colectividade. Nenhuma colectividade
pode nascer se por sua vez os indivíduos não renascerem. A experiência
extraordinária, a loucura divina do enamoramento, não é uma regressão ou
uma neurose, mas
sim a experiência do despertar, o incipit vita nova, quando tudo parece
possível como no primeiro dia da criação. O enamoramento é a experiência
íntima, subjectiva,
do nascimento, da criação dum novo mundo.

O enamoramento é o artífice do nascimento da mais pequena comunidade


possível, a formada só por duas pessoas. Mas é, ao mesmo tempo, o
renascimento do indivíduo
porque não pode haver nenhum indivíduo sem uma colectividade. Por isso
ele é nascimento, emergência, afirmação feliz, entusiasta do novo sujeito
individual e colectivo.
O grito do novo ser que se realiza construindo-se a si mesmo, como uma
biografia própria, com a sua história, a sua vida particular e especialíssima.

A vida, o nascer, é este o ponto central, essencial do enamoramento. O


nascer do indivíduo e o nascer da sua sociedade no momento em que ambos,
precisamente por
se assomarem ao ser, tendem para a perfeição e para a felicidade. Não
sabemos o que é que a criança sente ao nascer. Freud imaginou algo de
angustiante, o trauma
do nascimento, paradigma de todas as outras formas de an-

26

AMO-TE
gústia.1 Mas será verdade? Só temos a certeza do que sente o indivíduo
adulto que se renova e renasce na conversão religiosa, na descoberta, no
enamoramento, na
emergência de um novo grupo social. E não é angústia. Ele quebra um
invólucro que o encerra, sai dum constrangimento, duma prisão, duma
modalidade errada de ser
que se prolongou para além dos limites. É um despertar, um ver, uma
estupefacção. E o mundo que se apresenta parece-lhe extraordinariamente
belo, perfeito, predisposto
para ele que foi chamado a habitá-lo, a existir nele.

A caracterização, o nascimento não é uma separação dolorosa da grande


paz silenciosa, da felicidade amniótica. Não é uma dilaceração, um «ser
lançado ao mundo»,
Geworfen, como escreveu Heidegger.2 É um despertar, uma libertação,
um assomar-se não ao deserto, mas sim à Terra Prometida. Olhando em volta,
o renascido reconhece
o valor, a bondade de tudo o que existe. Maslow descreveu esta
experiência de alegria extática como Peak-Experience, como Experiência do
Ser.3 O Ser é em si mesmo
belo, o Ser é em si mesmo bom. E é neste universo maravilhoso que o
indivíduo nascente sente ter um lugar criado para ele, uma meta e um destino.

O nascimento do indivíduo adulto é um nascimento ao mesmo tempo do


indivíduo e da sua colectividade que se afirma no mundo. Portanto, não é um
acto de regressão,
mas sim de maturação individual e social. O amor de Heloísa e Abelardo,
de Dante por Beatriz, as histórias de amor contadas pelos poetas e pelos
dramaturgos, de
Shakespeare, a Goethe, a Manzoni, fazem parte dos passos em frente da
civilização.
’ Sigmund Freud, Tre saggi su/la teoria sessuale. In Opere cit, Vol IV p 531
T„J • „ ^ nalisi. In Opere àt., VOI. VIII p. 540. P In»°^° alia psicoa-

| Mamn Heidegger, Sein undZeu, trad. ital. (Essere e Tempo), Longanesi,


Mi]ão 19fj2 Abraham Maslow, Regions, Values and Peak-Experíence, Penguin
Books> ^^ ^

27
#O ENAMORAMENTO

Porque nos enamoramos? *•••< ; ;

Comecemos com um caso que, à primeira vista, parece feito de propósito


para demonstrar a teoria psicanalítica. Isto é, que o enamoramento é o fruto
duma sexualidade
reprimida que, num determinado momento, emerge de forma explosiva,
idealizando o objecto. É o caso de um jovem a quem chamaremos Student.
Este, antes de se enamorar,
tivera modestas experiências sexuais. Era tímido, inibido, com contínuas
fantasias eróticas. Depois de um amor apaixonado e infeliz, torna-se um
incansável Donjuan.
Contém todos os elementos para se chegar à conclusão de que o
enamoramento, quebrando as barreiras que o refreavam, permitiu que a sua
sexualidade comprimida se
exprimisse livremente.

Porém, se examinarmos com prudência os detalhes de tudo o que


aconteceu, descobrimos que não é assim. O nosso jovem entrou na
universidade, ultrapassou as primeiras
provas, foi bem sucedido. Um dia começa a sentir simpatia por uma
colega de curso, um desejo espasmódico de encontrá-la, de vê-la, de estar
com ela, de lhe falar.
Não há qualquer fantasia erótica especial, sonhos eróticos, nada. E feliz
quando está perto dela, pensa nela quando está longe. Mas não pensa que
esteja enamorado.
Não aplica esta palavra ao seu estado. E no entanto já teve uma
experiência de enamoramento infantil, uma experiência intensa, que recorda
muito bem.

Pouco a pouco o seu desejo aumenta, torna-se espasmódico, doloroso.


Então reconhece-o, consegue dar-lhe a sua designação própria: está
enamorado. Sente a necessidade
de o dizer à rapariga. Por isso, vai todas as tardes até à sua janela na
esperança de conseguir vê-la e poder falar com ela. Mas ela evita-o. Percebeu
muito bem
que

29
#FRANCESCO ALBERONI

aquele belo rapaz de olhos inquietos que caminha sob a sua janela, está
apaixonado por ela. E dado que não quer dar-lhe esperanças, procura nunca
encontrá-lo sozinha.
Durante meses andará na companhia dum amigo ou duma amiga. Ele
levará muitíssimo tempo a decifrar este comportamento como rejeição.

Agora interroguemo-nos: se o enamoramento é o sintoma duma pulsao


sexual, algo se devia ter manifestado. Será possível que o sintoma não faça
transparecer nada do
impulso que o gerou? O sintoma é um compromisso. Pois bem, o que é
que o atrai na mulher de quem se enamora? Não é o corpo. Não a deseja
eroticamente. Fascina-o
a sua forma de falar, o seu encanto, a narração da vída social que leva,
uma vida superior à sua, mais rica, mais interessante. Student é pobre, ela é
duma família
acomodada. Fala-lhe de lugares de férias, de automóveis, de viagens a
países estrangeiros com os amigos. Coisas em que ele nem sequer alguma vez
pensou mas que,
ditas por ela, o encantam, fazem com que ele vislumbre um mundo
maravilhoso. A mulher evoca-lhe um ambiente, uma forma de viver requintada
e faz com que ele o deseje.

Para que se está ele preparando quando se enamora? Para a expressão da


sua sexualidade ou para um tipo de vida social mais elevado, mais maduro?
Que exprime, como
sintoma, o seu enamoramento? A necessidade de um corpo feminino ou a
necessidade de sair do ambiente limitado, fechado em que sempre viveu, para
ter acesso, com
aquela mulher, a um outro modo de viver?

Ele aspira a uma nova vida. A sexualidade já existia antes e existirá


depois porque, como já dissemos, ele tinha uma grande carga erótica. Mas o
que interessa ao
nosso jovem, durante o enamoramento, é algo em que nunca tinha
pensado: uma verdadeira relação amorosa com a sua mulher. Uma intimidade
espiritual e física que poderia
continuar durante toda a vida, uma intimidade para sempre. Ele sente-se
preparado para este novo tipo de experiência que nunca tivera dantes.
Eis o essencial, o passo em frente decisivo, a «maturação» produzida pelo
enamoramento. Na mente deste homem está a nascer um projecto que
engloba a sua sexualidade
e vai mais além. Não é a necessidade duma mãe e dos seus cuidados,
mas sim o projecto duma vida em que, ele já adulto, vive com uma mulher
adulta. É o projecto duma
vida a dois. Uma vida social com a sua própria casa,

30

AMO-TE

os seus amigos, no mundo. Uma vida em que nunca pensara. Porque,


antes deste acontecimento, tinha sido filho, aluno duma escola, macho
desejoso duma mulher. Vivera
com os outros, mas nunca estivera disposto a compartilhar a sua
existência com outra pessoa, a ser marido, com todos os deveres, obrigações,
os compromissos que

isto comporta.

Uma mulher não teria agido como Student. Uma mulher teria
compreendido logo a natureza do seu desejo, porque está habituada desde a
infância a imaginar a sua vida
com o casamento e os filhos, porque foi educada a pensar em si como
membro dum casal. Mas este jovem rapaz não tivera este tipo de
pensamentos. Por isso o novo desejo
apresenta-se como uma irrupção estranha a que nem sequer sabe dar um
nome. Está a entrar em acção um programa genético, mas não o programa do
desejo sexual. O programa
do desejo duma vida no seio dum casal, como parte dum casal, no qual
ele não pode passar sem a outra parte, porque essa outra parte é a condição
da própria pensabilidade
do seu desejo. O seu enamoramento é um «eu» que se está tornando um
«nós». E é por isso que agora se sente a si mesmo como indivíduo isolado,
mutilado, incompleto.
Antes era um filho, um aluno, o membro dum grupo de amigos. Agora é
metade dum casal que aspira à existência.

Mas este amor nascente não é correspondido. É rejeitado imediatamente,


sem apelo nem agravo, no exacto momento em que se torna consciente.
Durante quase um ano Student
está louco de dor, não consegue compreender por que motivo um amor
tão grande é ignorado. O mundo parece-lhe absurdo, pensa no suicídio.

E a partir deste revés doloroso que Student desenvolve uma sexualidade


separada do amor. Quando compreende que a sua mulher nem sequer quer
encontrar-se com ele,
ele interroga-se por que motivo ela anda com outros homens, o que é que
estes terão mais do que ele e diferente dele. E pensa que o seu revés foi
devido à sua inexperiência,
à sua timidez. Olha em volta e vê que os jovens da sua idade são mais
seguros, sabem fazer a corte a uma rapariga. O seu interesse detém-se
sobretudo naquele que
lhe parece o mais maduro e mais desinibido do seu grupo: um Don Juan.
E, pela primeira vez, sente ciúmes. Porque pensa que, com a sua experiência,
o Don Juan poderia
conseguir onde ele fracassou. Então aproxima-se dele, ganha a simpatia
dele, faz de forma a tornar-se seu amigo. De-

31
#FRANCESCOALBERONÍ

pois, quando já tem a certeza da sua amizade, revela-lhe o seu amor, o


seu segredo. A um amigo pode-se pedir que não faça a corte à mulher que se
ama, pode-se até
pedir-lhe que dê uma ajuda. Entretanto, observa-o, estuda-o, imita-o.

A amizade e a identificação com o amigo permitem-lhe dar os primeiros


passos numa direcção completamente diferente da seguida antes de se
enamorar, e da que teria
seguido se o seu enamoramento tivesse sido correspondido. Para nunca
mais se encontrar na situação de amar uma mulher que ele não sabe
conquistar por inexperiência,
toma como modelo o amigo mais experiente. Vão juntos dançar,
conhecem raparigas. Tem muitas experiências sexuais. Mas sente muito pouco
prazer. Realmente não tem
qualquer interesse erótico. Tem-nas porque quer aprender. E aprende. É
um óptimo aluno, realiza progressos incríveis. Adquire segurança,
agressividade, fascínio.
Tem êxito, tem muitíssimas aventuras. Mas as mulheres que encontra não
são um substituto da mulher amada. Servem-lhe apenas para conhecer a
mentalidade da mulher,
para aprender a seduzi-la, para aprender a arte da escaramuça erótica,
para não voltar a cair no mesmo erro. Para não se apresentar sem estar
preparado ao encontro
do amor. A sexualidade e a sedução não são um fim, mas sim um meio. O
que é que nos ensinou este caso? Que o enamoramento não é simplesmente a
explosão duma sexualidade
proibida à partida. E menos ainda uma regressão. E uma maturação. A
passagem para uma vida a dois, para uma comunidade erótico-amorosa
adulta. No caso de Student
a tentativa falha. Então ele prepara-se para o novo encontro. E assim
acontece. Muitos, muitos anos depois enamorar-se-á irresistivelmente. E desta
vez será correspondido.
Viverá com a sua mulher uma extraordinária experiência erótica e feliz.

uando nos enamoramos?u ;.;

Enamoramo-nos quando estamos prontos para mudar, quando estamos


prontos a deixar uma experiência já feita e gasta, e temos o impulso vital para
realizar uma nova
exploração, para mudar de vida. Quando estamos prontos a tirar proveito
de capacidades que não tínhamos explorado, a explorar mundos que não
tínhamos explorado,
a realizar sonhos e desejos a que tínhamos renunciado. Enamoramo-

32

mt _AMO-TE__

-nos quando estamos profundamente insatisfeitos com o presente e temos


a energia interior para iniciar outra etapa da nossa existência. Alguns dizem
que se enamoram
constantemente, todos os meses, todos os anos. E impossível. Dão o
nome de enamoramento ao aparecimento repentino duma atracção, dum
desejo erótico. Chamam enamoramento
a uma paixoneta, a uma dessas atracções inesperadas que são apenas
explorações que depois não evoluem para um verdadeiro e autêntico
enamoramento.
O verdadeiro amor é diferente. Partamos do caso que nos conta Dino
Buzzati, no seu romance Un amore. Um homem de meia-idade, António, depois
duma vida solitária,
enamora-se loucamente duma jovem prostituta. Porquê? Explica-o ele
próprio, no final do livro, quando Laide, a prostituta de quem se enamorou e de
quem teve uns
ciúmes loucos, fica grávida. Então ele, finalmente, sente uma sensação de
paz e compreende. Compreende que, até ao momento de ficar enamorado, a
sua vida fora uma
vida incompleta, mutilada. Renunciara sempre às mulheres, ao amor,
porque nunca tivera a coragem de arriscar. O amor por Laide não é portanto
uma acto de loucura,
mas sim um acto de maturidade que devia ter acontecido muitos anos
antes. «Que tinha sido Laide», conclui, «senão a concentração numa única
pessoa dos desejos que
tinham crescido e fermentado durante tantos anos e nunca satisfeitos?»1
O desejo de todas as mulheres que nunca tivera a força ou a capacidade de
fazer suas. «Encontrava-se
com elas, pareciam-lhe criaturas inacessíveis, era inútil pensar, de
qualquer forma não teriam reparado nele... Bastava que ele lhes dirigisse uma
palavra para elas
parecerem aborrecidas, os seus próprios olhares causavam-lhe mal-estar,
assim que ele as fixava elas voltavam a cabeça para o outro lado.»2 Por isso,
António renunciou
durante toda a vida a seduzi-las, a conquistá-las, renunciou ao seu amor.
Contentou-se sempre com relações com prostitutas. Até ao limiar da velhice,
quando, inesperadamente,
algo dentro dele se rebela, quebra as barreiras e leva-o a desejar
loucamente não uma mulher paga a dinheiro, mas uma mulher só para ele,
uma mulher que o ame. «Mas
não era estranho e cómico que esta obsessão lhe viesse na delicada idade
dos cinquenta anos?»3, in-

’ Dino Buzzati, Un amore, Mondadori, Milão 1966, p. 254.

2 Ibidem, p. 255.

3 Ibidem, p. 256.

•í-;
#FRANCESCO ALBERONI

terroga-se. Não. O enamoramento é a última tentativa desesperada de


mudar de vida, de também ele ter tudo o que outros tinham tido antes, de ter
acesso a ser um
ser humano completo e a uma dignidade a que todos os homens têm
direito a aspirar.

O caso de António não é substancialmente diferente do de Student.


Antonio é velho, Student é novo, mas ambos passam do desejo sexual para o
desejo de formar um casal.
O enamoramento é um acto de maturidade que em Student acontece aos
vinte anos, em António muito tarde, quando o fim já está próximo. Porém, em
ambos o enamoramento
acontece apenas quando se acumulou tanta recusa do passado e tanto
desejo de vida, tanto impulso vital que torna possível um novo salto em frente,
um novo renascimento,
com todos os riscos que este comporta.
Há portanto períodos em que a pessoa não está em condição de se
enamorar, seja qual for o estímulo, seja qual for a sedução. Um deles é o da
depressão. O deprimido
não consegue enamorar-se porque não tem impulso vital, não tem
suficiente desejo de viver,1 não tem esperança. Para nos enamorarmos é
preciso pelo menos um vislumbre
de esperança de vir a ser correspondido.2 O mesmo acontece também
depois da morte duma pessoa profundamente amada, no luto, quando a
energia vital se concentra na
cura da ferida,3 e o mundo parece sem qualquer atractivo.

A outra situação em que não nos podemos enamorar é quando já estamos


enamorados. Porque o amor do nosso amado ou da nossa amada é a fonte dos
nossos desejos. Com
ele desejamos comer, dançar, estar com os amigos. Sem ele o nosso
espírito esvazia-se de qualquer desejo, fica petrificado. Quando estamos
enamorados, só gostamos
de outra pessoa se tivermos a certeza de ser correspondidos pelo nosso
amado. No exacto momento em que duvidarmos disso, desaparece o desejo e
mergulhamos na mais
absoluta solidão. A pessoa amada não é um objecto de amar

1 Ludwig G. Biswanger, Tre forme di esistenza mancata, trad. ital.


Garzanti, Milão 1978.

2 É a tese exposta por Stendhal em Dell’amore, trad. ital. Garzanti, Milão


1972. Na nossa teoria o enamoramenro surge através de numerosas
explorações. Em cada exploração
a pessoa avalia a possibilidade de ser correspondido. Se tem a certeza
que não o é, o enamoramento não se dá. Mas também pode cometer um erro.
Interpretar uma atitude
amistosa ou gentil, ou uma resposta erótica, como disponibilidade para o
amor recíproco.

3 Sigmund Freud, Lutto e melanconia, in Opere, Introduzione alia


psicoanalisi, vol. VIII, p. 102.

34

AMO-TE

entre muitos. É a porta’ que nos dá acesso a todos os outros objectos.

Se uma pessoa nos disser que estava enamorada de alguém mas que
depois, repentinamente, se enamorou de outra, devemos duvidar muito sobre
o primeiro tipo de enamoramento
e duvidar igualmente do segundo. Enamorar-se significa escolher alguém
acima de qualquer outro, vivê-lo como o único, o insubstituível, aquele com
quem nenhum outro
poderá ser comparado. Roland Barthes escreveu: «O outro que eu amo e
que me fascina é atopos. Eu não posso classificá-lo, porque ele é precisamente
o Único, a Imagem
irrepetível que corresponde milagrosamente ao meu desejo.»2 Quando
alguém diz que está enamorado de duas pessoas pretende na realidade dizer
outras coisas: por exemplo,
que gosta de uma, mas enamorou-se de outra. Ou então que anda a fazer
explorações amorosas. Com efeito o enamoramento começa sempre com
explorações, tentativas,
parte das quais não se desenvolvem. Nestas explorações uma pessoa
pode ver-se e ficar insegura entre dois pólos de atracção. Mas não se pode
dizer ainda que está
enamorada.
Para que se esteja enamorado é preciso sentir um mal-estar com o
presente, o lento acumular-se duma tensão, muita energia vital e, por fim, um
factor desencadeante,
um estímulo adequado. Em termos sociológicos dá-se a crise da relação
entre o sujeito e a sua comunidade, e depois algo que empurra o sujeito para
um novo tipo de
vida, até atingir um limiar, um ponto de ruptura, onde ele se lança na
novidade. O verdadeiro enamoramento é precedido por uma crise das relações
existentes, pela
impressão de ter errado, por uma impressão de irrealidade, de falta de
autenticidade. E, ao mesmo tempo, pela grande saudade duma vida mais
verdadeira, mais intensa,
mais real.

No romance de Edith Wharton, A Idade da Inocência, o jovem Archer


Newland vai casar com May, mas chega vinda da Europa a condessa Olenska,
uma mulher fascinante,
misteriosa. Começa então a duvidar do seu mundo. Os seus valores
parecem-lhe convencionais, falsos, sem autenticidade. Archer casa com May,
mas, du-

1 A expressão pana aparece também na linguagem religiosa. Nas


ladainhas, Nossa Senhora é chamada Janua cceli, porta do céu. No mundo
islâmico, bah é a porta de acesso
à divindade. O sultão-califa é chamado A Porta Sublime.

2 Roland Barthes, Frammenti di un discurso amoroso, trad. ital. Einaudi,


Turim 1979, p. 38.

35
#FRANCESCO ALBERONI

rante a cerimónia nupcial, reflectindo sobre si mesmo, sobre o que está a


fazer, tem a impressão de que tudo é irreal. E repete para si mesmo que
nalguma parte do
mundo «deve haver gente verdadeira, ... a quem acontecem coisas
verdadeiras...»1

Em O Amante de Lady Chatterley? Constance casa durante a guerra.


Acabada a guerra o marido volta para casa paralisado e impotente. Vão viver
para uma quinta situada
numa obscura bacia mineira. Ela acha aquele lugar horrível, angustiante.
A velha casa parece-lhe mumificada, morta. «Quanto ao resto nenhum calor de
sentimento dava
unidade profunda àquele organismo. A casa parecia triste como uma
estrada abandonada. Não se podia falar de vida... os criados... eram espectros,
não tinham existência
concreta.»3 O marido explica-lhe que «o que conta é a longa união de
toda uma vida, é a vida em comum... Eu e tu estamos casados aconteça o que
acontecer. Estamos
habituados um ao outro. E o hábito, na minha opinião, tem uma
importância mais vital que qualquer fugaz excitação... Pouco a pouco, à força
de viver juntos, duas
pessoas atingem uma espécie de uníssono, de tão intimamente unidas
que a ela estão. Este é o verdadeiro segredo do casamento».4 Mas ela tem
uma sensação de vazio
ainda maior, de total inutilidade: «Todas as coisas do mundo, da vida,
pareciam esgotadas: e a sua insatisfação era mais antiga que as colinas.»5 E
nesse momento
que aparece Mellors, o guarda-caça, que se tornará o seu amante. Com
ele terminará a sensação de irrealidade e de morte. Por ele abandonará o
marido, e com ele criará
uma nova vida e uma nova comunidade.

A distância que aqui, como na maior parte dos casos, amadurece


interiormente, algumas vezes pode ser devida a forÇas externas. Todos sabem
que durante umas longas
férias as paixões e os enamoramentos são muito frequentes. Porque as
férias são como uma ilha, separadas do resto do mundo. As ligações habituais
abrandam e o impulso
vital procura recriar outras novas. Pelo mesmo motivo é mais provável o
enamoramento quando um jovem ou uma jovem vão para a universidade. E
um mundo novo, uma nova
vida que,

ir

AMO-TE

’ Edith Wharton, L’eta aeU’innocenza, trad. ital. Corbaccio, Milão 1993, p.


156.

2 David Herbert Lawrence, L’amante di lady Chatterley, trad. ital.


Mondadori, Milão 1946, pp. 25-27.

3 Ibidem.

4 Ibidem, p. 58. ,’’.’..

5 Ibidem, pp. 62-63. -^ , , ;., ’ ,,’,:< . :- ;>


normalmente, se começa com um amor. Algumas pessoas enamoram-se
quando mudam de trabalho e de cidade, sobretudo se ficam muito tempo
longe da mulher ou do marido.
Estão abertas à novidade, cheias de vida, desejosas de fazer alguma
coisa. As velhas relações parecem distantes, debilitadas. O marido ou a mulher
não participam
dos seus problemas, não podem ser o companheiro e o cúmplice. Ao
passo que no trabalho há um colega, homem ou mulher, com quem passam os
dias juntos, com quem lutam,
com quem fazem projectos, com quem viajam. Pouco a pouco tornam-se
amigos, entram em intimidades, inclusivamente eróticas. E é fácil então que se
enamorem um do
outro. E uma coisa que acontece com alguma frequência aos artistas de
cinema, quando trabalham durante meses lado a lado com um colega do outro
sexo, num país estrangeiro.
Talvez até representando uma história de amor. Neste caso encontram-se
numa situação que reúne ao mesmo tempo a comunhão de interesses, o
isolamento das férias e
a intimidade.

De tudo o que dissemos conclui-se um corolário fundamental: quando


uma pessoa muda, se transforma, tem experiências profundamente novas,
acaba por se encontrar na
condição de se poder enamorar outra vez. Portanto, uma vida longa e
intensa muito dificilmente se pode caracterizar por um único amor. É verdade
que há casais que
continuam a amar-se durante toda a vida. Mas também nestes é provável
que, pelo menos um dos dois, tenha uma experiência de enamoramento por
outra pessoa. Mesmo
que depois decida renunciar a ela para não pôr em crise a sua relação
fundamental.

De quem nos enamoramos?

A psicanálise defende que nós nos enamoramos de alguém que nos faz
lembrar as pessoas amadas durante a infância. O homem enamora-se duma
mulher que reproduz psicológica
ou fisicamente o modelo materno. A mulher, o modelo paterno. Pode ser
também outra pessoa, desde que pertença à infância. O paradigma da
psicanálise exige que tudo
o que de importante aconteça na vida adulta tenha de ser a réplica de
algo que aconteceu na vida infantil. Para a psicanálise tudo é recordação.
Também o enamoramento.

36

37
#FRANCESCO ALBERONI

Para explicar isto, os psicanalistas citam normalmente o ensaio de Freud O


Delírio e os Sonhos na Gradiva de Wilhelm Jensen? Eis brevemente a história.
Um jovem
arqueólogo, Norbert Hanold, descobre um baixo-relevo de Pompeia que
representa uma jovem a caminhar. Fica fascinado por ela e dá-lhe um nome:
«Gradiva», a que avança.
Num estado de delírio dirige-se a Pompeia onde, diante da casa de
Meleagro, vê caminhar a jovem do baixo-relevo. Primeiro pensa que se trata
duma visão, depois dum
fantasma, por fim descobre que é uma mulher real, chama-se Zoe, que
demonstra conhecê-lo muito bem. É a própria Zoe, que lhe desvenda o
mistério. Os dois tinham
sido colegas de infância, tinham brincado juntos, gostavam um do outro e,
depois, tinham deixado de se ver. Quando Hanold encontrou o baixo-relevo
pompeiano ficou
fascinado precisamente porque Gradiva se parecia com Zoe. A história
acaba com o casamento de Hanold e Zoe, enamorados e felizes.

Para a maior parte dos psicanalistas de cada vez que nos enamoramos
somos atraídos por algo que nos faz lembrar a nossa mãe ou outra pessoa
amada. São sempre as
imagens e os amores do nosso passado que guiam o nosso futuro.2 Uma
versão actualizada desta mesma teoria é-nos dada por John Money, para quem
as crianças desenvolvem
um mapa do amor entre os cinco e os oito anos. Tendo por base as
experiências tidas constróem uma imagem mental do companheiro ideal, das
situações que acham sedutoras
e excitantes. Depois, quando encontram alguém que corresponde a estes
requisitos ideais, enamoram-se.3

A concepção que expomos neste livro vai na direcção oposta. O amor,


mesmo partindo dos desejos e dos sonhos do passado, é chamado, evocado do
futuro. Os grandes
amores são acelerações do

1 Sigmund Freud, Opere, Boringhieri, Turim vol. V, pp. 256-336.

1 Já fizemos referência à corrente de pensamento que considera a ligação


amorosa como desenvolvimento e elaboração da afeição materna tal como foi
estudado por John
Bowlby. As obras de referência deste ponto de vista são John Bowlby, vol.
I: L ’attaccamento atta madre, trad. ital. Boringhieri, Turim 1972. John Bowlby,
vol. II:
La separazione dália madre, trad. ital. Boringhieri, Turim 1975 e John
Bowlby, Costruzione e rottura dei legami affettivi, trad. ital. Rafiàello Cortina,
Milão 1982.
Sobre o tema todo veja-se também Lúcia Carli, Attaccamento e rapporto
di coppia, Rafíaello Cortina, Milão 1995.

’John Money, Lovemaps: Clinical Concepts of’Sexual/Erotic Health and


Pathology, Paraphilia, and Gender Transposition in Childhood, Adolescence and
Maturity, Irving
Publishers, Nova Iorque 1986; Amore e mal d’amore, trad. ital. Feltrinelli,
Milão 1983.

38

AMO-TE

processo de mudança, movimento para a frente. Tendem a substituir a


velha sociedade por uma nova, a velha relação erótica d :teriorada por uma
nova, criando um novo
casal, uma nova comuniDade. Naturalmente podem falhar, mas a sua
intenção, o seu significADO. está na exploração duma possibilidade de vida
mais plena.

O enamoramento acontece quando encontramos alguém que nos ajuda a


crescer, a realizar novas possibilidades. A ir numa direcção que responde às
nossas exigências
inferiores, aos impulsos que a sociedade exerce em nós. O facto de a
pessoa amada se parecer com a nossa mãe, a nossa tia ou com qualquer outra
imagem infantil,
é apenas o meio, o instrumento pelo qual se manifesta o impulso vital. Se
realmente temos sonhos, se amámos ou admirámos um actor ou uma actriz
famosa, a pessoa
de quem nos enamoramos faz com que nos lembremos deles. Mas
escolhemo-la a ela porque chega no momento oportuno, porque, pelo menos
no plano simbólico, nos parece
idónea para resolver o nosso problema existencial.

Wilhelm Meister, um famoso personagem de Goethe,1 quando era novo lia


a Jerusalém Libertada e chorava quando chegava à cena em que Tancredo fere
mortalmente Clorinda
que ele ama e, desesperado, se inclina sobre ela. Wilhelm sonhava com
uma mulher guerreira como Clorinda. Certo dia, no teatro, vê uma jovem
actriz, Mariane, a declamar,
vestida de oficial, com um casaco vermelho e um chapéu com penas. Uma
imagem de guerreira moderna que corresponde a Clorinda. Enamora-se dela,
segue-a e torna-se
ele próprio actor.2

O que é que significa isto? Que Wilhelm Meister se enamora porque


encontrou uma mulher vestida de homem que lhe faz lembrar Clorinda? É
verdade, mas com o acréscimo
de a ter encontrado num teatro e de ela ser actriz. E de ele, Wilhelm
Meister, já ter sonhado com o teatro, já ter sonhado com uma vida livre onde
exprimir a sua
fantasia e a sua vocação teatral. Assim aquele casaco põe em acção a sua
fantasia infantil, a sua necessidade de amor e a sua vocação artística. Mariane
não é só
a imagem mental da mulher

1 Wolfgang Goethe escreveu três livros com este personagem: La


missione teatrale di Wilhelm Meister (1777), Gli anni di noviziato di Wilhelm
Meister (1797) e Gli
anni dipellegrinaggio di Wilhelm Meister (no qual trabalha até 1829).

2 Pietro Citati, Goethe, Adelphi, Milão 1990, p. 73.

39
#FRANCESCO ALBERONI

ideal, Clorinda, mas também a evocação duma possibilidade, duma


vocação, dum destino.

Todas as grandes mudanças da vida de Wilhelm Meister são marcadas por


um amor. Quando Mariane o abandona, ele vive durante anos uma existência
árida e sem alegria
até que a encontra de novo numa companhia de teatro. Junta-se a ela,
feliz, e enamora-se de Philine, simples, alegre e despreocupada. Com ela
realiza a sua vocação
teatral: torna-se chefe duma companhia de teatro própria. E a segunda
etapa, à qual se segue uma terceira, na qual entrará para a sociedade dos
nobres e para o mundo
da cultura. Para o conseguir enamora-se de Nadine. Também aqui se põe
em acção uma lembrança infantil. Quando era criança ficava muito tempo
diante dum quadro do
avô que representava o jovem Antíoco, doente, aos pés da rainha
Estratonice. Um dia, quando ia num bosque, Meister é agredido e ferido.
Quando recupera os sentidos
vê debruçada sobre si uma jovem amazona, Nadine, rodeada de soldados.
Naquela imagem fundem-se duas recordações: o príncipe doente do quadro e
Clorinda agonizante.1
E assim se enamora de Nadine. Que, no entanto, não é actriz, mas sim a
irmã do nobre Lotário de quem é hóspede. Nadine casa com ele e Meister
entra para uma nova
sociedade, impregnado dos valores da maçonaria e do iluminismo.

Portanto podemo-nos enamorar de alguém que nos evoca uma imagem


infantil, uma pessoa sonhada, um ideal, um personagem dos romances, do
cinema, da televisão, um divo
ou uma diva. Mas o que conta é o seu significado simbólico naquele
momento, a porta do futuro que abre. Erica Jong observa que muitas
feministas, muitas escritoras
se enamoraram loucamente de indivíduos maus, de rebeldes. De facto,
escreve: «As jovens mulheres sonham com o amor e a paixão da mesma forma
que os homens têm sonhos
de conquista, porque esses sonhos são necessários para se sair de casa e
crescer... E como poderemos compreender que as feministas mais intrépidas
tenham sido as
amantes mais intrépidas? Enganamo-nos se pensarmos que elas o foram
só por causa dessa coisa de serem vítimas. Elas eram, em primeiro lugar,
aventureiras.»2 Não,
elas enamoravam-se do que dispunha o seu destino.

AMO-TE

1 Ibidem, pp. 62-63.


2 Erica Jong, Paura dei cinquanta, trad, «at Bompiani, MilW» 19941pp.
293-296.

Se o indivíduo já está pronto para uma mudança radical, basta um


estímulo mínimo, quase um pretexto para desencadear o enamoramento.
Enamoramo-nos verdadeiramente
da primeira pessoa que passa naquele instante, como acontecia a quem
bebia na fonte do amor, situada na floresta de Ardenna do Orlando Furioso.’
Temos um exemplo
disto no caso a que chamarei O homem de Turim.

O homem de Turim casara sem estar verdadeiramente enamorado.


Sofrera uma enorme desilusão amorosa e, depois de alguns anos, encontra
uma mulher meiga, materna, em
cujos braços se sente seguro. Depois do casamento lança-se ao trabalho
de forma obsessiva renunciando às suas aspirações artísticas. Tem êxito,
ganha muito, está
satisfeito com a posição que conseguiu atingir, com o prestígio social
obtido. Mas sente que traiu a sua vocação. Vestiu uma couraça que não
consegue tirar e que
o sufoca. Quanto mais tempo passa mais acha a sua mulher feia,
intelectualmente pobre. O seu corpo repele-o. Tem relações sexuais por dever,
e só sente prazer com
as prostitutas. Na profissão entra em conflito com o seu patrão. Sente-se
incompreendido, perseguido. Começa a apresentar graves sintomas
psicossomáticos e inicia
uma psicoterapia. Tudo isto num período de efervescências políticas e
sociais. Certa tarde em que, mais taciturno e só do que habitualmente, erra
sem destino pela
cidade, encontra um amigo que o leva a um círculo cultural de vanguarda.
Aqui há uma mulher nova muito viva, desenfreada, que se diverte a espicaçá-
lo. Diz que quer
ser realizadora. Convida-o para ir com ela ao teatro. Ele aceita. É um
ambiente desconhecido que o atrai e o atordoa. Continuam a falar até de
manhã. De tudo, da
vida, do amor, do destino. Ela é uma rebelde, leva-o a libertar-se de todas
as peias, a ser livre, a fazer o que deseja. Beijam-se, fazem amor. E ele
apercebe-se
que está enamorado.

É um amor-revolta, um amor que subverte o tipo de vida equilibrado,


sério, que se impusera. Como o descrito por Buzzati no seu romance Un
amare. E uma revolta contra
o tipo de vida que fez até

1 E questo hanno causato due fontane

enedidiversoaffettohanno liquore ’ -; ’.’::, • ,

ambe in Ardenna, e non sono lontane; . . :;:; , : ’j;::: ’’••:’’. ;, i -í

d amoroso disio 1’una empie il core; f .;, , . .; ., , ;

chi beve all’altram, senza amor rimane

e volge tutto in ghiaccio il primo ardore. • : * * • -. • •

Ludovico Ariosto, Orlando Furioso, Utet, Turim 1969, canto I, JS, p|i.iS4-
63. ? < •
40

41
#FRANCESCO ALBERONI

àquele momento, que acontece quando a tensão atingiu um limiar crítico.


Neste ponto as qualidades da pessoa que desencadeia o enamoramento
contam relativamente pouco.
Devem apenas simbolizar um modo de vida livre, feliz, representar a
transgressão. Não é necessário que haja uma afinidade intelectual e emotiva
profunda.

Nos casos que vimos até agora o impulso para a mudança foi tão forte
que o estímulo provoca imediatamente o enamoramento. Mas, normalmente,
pelo contrário, o indivíduo
não está preparado, a pessoa que encontra não é o adequado, ou faltam
outras condições. Então o processo de enamoramento pára no estádio inicial e
apresenta-se como
paixão breve, ardente. Pouco depois esvanece-se. E algum tempo depois,
o indivíduo sente-se atraído por outra pessoa. Anda ainda à procura de alguém
capaz de lhe
resolver o problema, de dar uma resposta adequada às suas perguntas.
Por isso faz novas tentativas, novas explorações.

Como no caso a que chamarei A mulher de Milão. Viera da província,


casara com um gerente ambicioso que se dedicara de corpo e alma à sua
profissão. Nunca estivera
enamorada, mas gostava dele, dava-lhe segurança e uma boa posição
social. Tem dois filhos dele. Nos últimos anos o marido lança-se nos negócios e
ganha muito. Ela
torna-se uma mulher rica, mas sozinha. Tem dinheiro para gastar, mas
aborrece-se. O marido anda sempre ocupado com os seus negócios e, quando
regressa a casa, dedica-se
aos filhos.

Um dia encontra um jovem colega do marido que, por cortesia, lhe faz um
pouco a corte. Ela descobre-se como mulher. Sente-se invadida por um desejo
irresistível.
Quase perde a cabeça por ele. Porém, as vicissitudes da vida separam-
nos, e nada acontece. Mas teria sido suficiente mais insistência por parte do
outro e a oportunidade
de ficarem sozinhos para que se desencadeasse o enamoramento. A
mulher de Milão falha a sua primeira exploração. Mas mantém-se com uma
frenética vontade de viver.
Emagrece, vai ao esteticista, gasta rios de dinheiro em vestidos,
rejuvenesce, olha para os homens com olhos de avidez. Numa festa que dá em
sua casa, está presente
um conhecido muito bonito, um conhecido Don Juan. Sabe falar às
mulheres com voz sedutora, toca piano, canta. Ela compara-o com o
aborrecimento do marido que olha
para ela silenciosamente. Sente-se invadida por uma grande cólera e pelo
desejo de traí-lo, de castigá-lo, de se vingar dos seus silêncios, da aridez da
sua relação.

42

AMO-TE

O Don Juan convida-a para ir a sua casa, têm duas ou três relações
sexuais. Está perturbada. Tem a certeza de que está enamorada. Escreve-lhe
cartas apaixonadas
a que ele não responde. Mais, aparece cada vez menos, diz que tem de
fazer longas viagens. Um dia, numa localidade de férias, encontra-o com uma
amante. Compreende
que a trai e a trairá sempre. Furiosa, acusa-o, ele expulsa-a. E o fim.

Depois de algum tempo, faz um cruzeiro com amigas. Conhece um jovem


engenheiro alemão apaixonado por música clássica. Também desta vez está
prestes a enamorar-se.
Mas o alemão regressa à Alemanha e nunca mais aparece. Ela fica com
uma profunda tristeza e com a sensação de que anda à procura do homem da
sua vida. Enfurecida
com as frustrações, deita as culpas ao consorte que representa a causa da
sua infelicidade. Acusa-o de ser velho, feio e seco. Acusa-o de a ter violado.
Pede a separação.
Entretanto encontra um jovem brilhante e agressivo, em princípio de
carreira. Ele fica apanhado por esta mulher elegantíssima, enérgica, que pode
ser a oportunidade
da sua vida. Ela sente-se forte, livre, enamorada. Obtido o divórcio, casa
com ele.

No entanto, o enamoramento não é sempre uma revolta contra uma vida


diária aborrecida e reprimida. Às vezes é o caminho para descobrir um novo
mundo, como no caso
a que chamaremos O empresário japonês. Vai para o Japão para uma
multinacional e com um contrato de vários anos. Os seus colegas só estão à
espera do momento de
voltar para a Europa. Ele sente-se ao mesmo tempo atraído e repelido.
Sente o fascínio dum país que se mantém para ele fechado, inacessível.
Começa a estudar a sua
língua, a frequentar os seus teatros. Tem até pequenas aventuras em que
saboreia um erotismo diferente, misterioso. Mas sente-se sozinho, triste. E no
entanto também
cheio de vida, ávido de algo que não sabe definir.

Naquele momento conhece uma jovem professora universitária casada,


mas em crise com o marido que não ama. É um homem rígido, tradicionalista,
enquanto ela pretende
mudar e se sente fascinada pela vida ocidental. Começam uma relação
que ambos pensam manter no plano da amizade erótica. Mas enamoram-se.
Ele fica conquistado pela
força do erotismo asiático. Esta mulher parece-lhe uma gueixa, e perita
em artes eróticas perturbadoras e misteriosas. Sabe cobrir e descobrir o seu
corpo, movê-lo
de forma a torná-lo desejável como nenhuma cortesã ocidental saberia
fazer. Ao mesmo

43
#FRANCESCO ALBERON1

tempo tem uma pureza de paixão, um fulgor, uma determinação que lhe
faz lembrar os samurais. Tem a impressão de ter descoberto nela a essência da
feminilidade, uma
feminilidade totalmente ignorada no Ocidente. Através daquela
feminilidade consegue penetrar, com um acto imediato de identificação, no
mundo asiático como se tivesse
caído um muro, uma barreira. Já não se sente só ocidental, mas também
japonês e sente uma sensação de extraordinário enriquecimento.
Quando uMa pessoa está enamorada, recebe da outra um fluxo incrível de
informações. É uma vida inteira, é o mundo visto a partir duma outra vida que
surge dentro
dela. Uma experiência assim só podem tê-la os pais acompanhando os
filhos que crescem, participando nas suas brincadeiras, compartilhando os
seus gostos, as suas
músicas preferidas. Com efeito, nós dizemos que os pais mantêm-se
jovens com os seus filhos. Mas tudo isto se desenvolve ao longo dos anos. No
enamoramento, pelo
contrário, a irrupção da vida duma outra pessoa acontece também em
poucos meses. É como o abrir-se de um novo universo, porque cada ser
humano é um universo. Por
isso amar significa renascer também neste sentido, que nos tornamos
outro, nos desdobramos, temos uma segunda vida paralela com a nossa.

No encontro entre pessoas provenientes de culturas diferentes, transvaza-


se toda a cultura alheia que nos penetra, nos arrasta, nos enriquece, nos deixa
estupefactos
e admirados. Porque já não a conhecemos de fora, mas sim de dentro,
como se nós próprios tivéssemos sido educados no seu seio desde a infância.
Tornam-se nossos
os gestos mais reservados, as poesiazinhas infantis, as meiguices, as
relações entre familiares, os caminhos, as praças, as cores do céu. E não só os
de agora, também
os do passado, os vistos pelos olhos do nosso amado quando ele era
criança. Encontrando-se, enamorando-se, O empresário japonês e a sua
mulher fazem esta experiência.
Ele penetra no mundo oriental. Ela, no ocidental. Cada um ajuda o outro a
completar-se e atingir a sua meta.
Para contrapor de forma sintética o nosso ponto de vista ao da
psicanálise, dizemos que o indivíduo não se enamora do seu passado, mas sim
do seu futuro, daquilo
que pode vir a ser.

A coisa aparecerá com clareza também neste outro exemplo a que


chamaremos A rapariga que queria estudar. Nascida muito po-

44

AMO-TE

bre numa província desolada do Sul, desejara sempre ardentemente


estudar, ir para a universidade, ser escritora. Mas parecia um sonho
impossível. Até que o acaso
faz com que ela vá a Roma, onde entra em contacto com aquela
quantidade enorme de pessoas que vive nas margens do mundo do
espectáculo, cinema e televisão. Onde
são possíveis fortunas repentinas, mas onde se encontram também
indivíduos que vivem de expedientes, de imbróglios, e ilusões. É um ambiente
em que uma mulher se
deve entregar facilmente se quiser obter favores. A nossa rapariga, que é
muito bonita, é logo rodeada por vários homens que lhe prometem uma
carreira veloz.

Certo dia encontra um funcionário da televisão que lhe faz a corte, e por
quem se sente atraída. É inteligente, culto, atormentado. Ela fica fascinada
com a sua
cultura. Vê-o como um mestre. Com ele conhece intelectuais e artistas.
Vive uma espécie de embriaguez. Mas ele é casado, quer manter boas relações
com a mulher rica
e poderosa. Pouco a pouco a rapariga descobre que por detrás da sua
cultura existe também cobardia e corrupção. E, certa tarde, descobre que tem
uma amante. Amargurada,
decide abandoná-lo.

Vai para Milão, contenta-se com um trabalho modesto como empregada e


inscreve-se na universidade. Aqui descobre a cultura académica, séria,
profunda. É um encontro
entusiasmante, é o que tinha sonhado. Trabalha de dia, estuda à noite,
mas é feliz. Embora todos lhe façam um pouco a corte, estudantes e
professores, evita-os,
vive isolada durante anos como uma vestal. Até que encontra um grande
estudioso, um homem excepcional. Anda com ele, aprecia-o, admira-o.
Trabalham juntos sem terem
relações eróticas. Surge entre eles uma autêntica intimidade espiritual.
Ele tem a atitude de quem aprecia a sua inteligência, a sua seriedade moral, a
sua coragem.
Conversam muito. Tornam-se amigos. Uma noite, ao caminharem ao longo
dos Navigli, tem a impressão de haver uma luz diferente no ar e sente-se
invadida por uma sensação
de paz e de felicidade. Quando ele se inclina para a beijar, compreende
que aquele será o seu grande amor. «Era como se tivesse chegado à meta»,
conta ela, «como
se tivesse chegado a casa.»

Também neste caso a preparação foi longa, houve muitas explorações. A


rapariga que queria estudar já tinha abandonado todos os caminhos mais
fáceis, aprendera a
reconhecer as coisas de valor. E o homem de quem se enamora não é «o
primeiro que aparece». É real-
45
#FRANCESCO ALBERONI

mente o «mais adequado». É ele que faz com que ela se torne aquilo para
que se tinha preparado.

Nós temos uma vaga percepção das nossas capacidades e do nosso


destino. E algumas pessoas têm-na numa medida mais elevada. A rapariga
que queria estudar tinha-a
elevadíssima desde a infância. Então olhara demasiado alto em relação às
suas possibilidades do momento. Mas hoje podemos dizer que tinha olhado
para o alto porque
o seu destino era subir.

O amor à primeira vista ;

Podemo-nos enamorar de repente, até em poucos dias, inclusivamente


em poucas horas, duma pessoa que nunca vimos antes. A esta experiência dá-
se o nome de amor à
primeira vista. Tivemos um exemplo típico disto no caso de O homem de
Turim para quem tudo se alterou no decurso duma noite. Estudando outros
casos de amor à primeira
vista apercebi-me, no entanto, que normalmente isto só acontece depois
dum determinado número de explorações, depois duma série de tentativas e
erros.

Vê-se isso muito bem no caso a que chamarei O homem ambicioso, um


empresário que casara com uma mulher feiinha mas muito rica, e que atingiu
o cimo duma instituição
na companhia de um aventureiro sem escrúpulos. Tem poder, prestígio,
riqueza e vive rodeado de mulheres muito belas que fazem com que a sua
mulher lhe pareça insignificante.
Ele engana-a. E ela, em compensação, de vez em quando foge de casa
com os filhos. Depois o império do aventureiro desmorona-se e desmorona-se
também o seu casamento.
Sentindo-se livre, vai viver com uma mulher muito bonita e muito mais
nova do que ele, mas acaba depressa. Tenta com outra, também esta jovem e
vistosa. Mas sente-se
sozinho e vazio. Nesta altura encontra um amigo que lhe propõe a entrada
como sócio para a sua agência de publicidade. Ele aceita com entusiasmo. A
nova actividade
agrada-lhe, faz projectos, viaja muito. Um dia, no aeroporto de Roma,
encontra uma lindíssima senhora alemã. Fazem a viagem juntos até Milão. É o
amor à primeira
vista. O homem ambicioso compreende, desconcertado, perturbado, que
na sua vida nunca se enamorara realmente. Pensara sempre apenas no
dinheiro e na car-

AMO-TE

reira. Vira sempre as mulheres como trofeus a exibir. Pelo contrário, este
novo sentimento que sente agora é amor, e por este amor vale a pena lutar
até ao fim.
Segue-a por toda a Alemanha fazendo-lhe uma corte descarada, sem
olhar a tempo, a dinheiro, sem parar, até que por fim ela se divorcia do marido
e casa com ele.
Um casamento bem sucedido. O caso de O homem ambicioso mostra-nos
que o amor à primeira vista é realmente o último acto dum longo processo de
procura, enquanto o
indivíduo não atinge o grau de maturação necessária e não encontra a
pessoa que corresponde às suas profundas exigências.

Momentos de descontinuidade. Mas a expressão «amor à primeira vista» é


também usada com outro significado. Como momento mágico em que ficamos
apanhados, arrebatados,
fascinados. Nesta segunda acepção não coincide com o enamoramento, é
apenas um momento do processo. Com efeito, em todos os enamoramentos,
inclusivamente naqueles
que se desenvolvem de forma gradual entre conhecidos e entre amigos,
temos a impressão de que há um momento muito especial em que acontece a
mudança. Como se se
ligasse um interruptor, como se se acendesse uma luz, como se caísse um
véu. Daí expressões como tomber amoureux, fall in love.

Donde provém esta impressão de descontinuidade! Para responder


examinemos um caso de que já falámos: o homem de Turim. O homem de
Turim defende que se enamorou no
exacto momento em que a rapariga que o arrastou na corrida nocturna,
depois de lhe ter contado a sua infância, lhe deita os braços ao pescoço e
desata a chorar.
Realmente, este gesto não teria qualquer consequência se ele não a
tivesse reencontrado nos dias seguintes, e se não tivessem ido viver juntos.
Por isso, o momento
fatal só é reconhecido a posteriori, depois. Enquanto o vivia, ele não se
apercebia que estava a acontecer nele qualquer coisa de irreversível. Sentia
uma emoção
particularmente intensa, mas nada mais. E no entanto foi aquele choro a
abrir a porta ao amor, a fazer cair as barreiras com que ele se defendia, a abrir
uma brecha,
sem a qual o processo não teria podido continuar.

Vejamos agora outro caso, a que chamarei O homem de Bári. Trata-se


dum indivíduo que vive longe da mulher. Um dia encontra uma jovem que o
toca pela sua forma de
olhar. Um olhar irónico, sedutor e inquietante. Não a torna a ver durante
muitos meses. Entretanto a relação com a mulher deteriorou-se. Quando a
encontra

46

47
#FRANCESCO ALBERONI

outra vez, convida-a para jantar, saem, abraça-a, beijam-se. Ele sente o
corpo macio e redondo da jovem encostado ao seu. É uma sensação
fortíssima. Porém, até este
momento, não podemos dizer que O homem de Bári esteja enamorado. Se
não a tivesse visto mais, permaneceria apenas uma recordação agradável. Mas
precisamente naqueles
dias recebe, de repente, uma notícia que faz precipitar as suas relações
com a mulher. Fica transtornado, encolerizado. Encontra de novo a rapariga e
desta vez deixa
correr. Vão para um motel onde ele a despe. Quando a vê nua na cama
fica como que fulminado pela beleza do seu seio. Depois dirá sempre que foi
naquele momento que
ele se enamorou dela. Nós, pelo contrário, recordamos que meses antes
ficara preso dos seus olhos. Depois do abraço do seu corpo. A «fulminação do
seio» acontece
só quando, depois da grave ruptura com a mulher, ele se abandona à
atracção, deixa cair todas as suas defesas.

Estes momentos de descontinuidade são por isso instantes em que o


indivíduo se abandona, se abre. Nós resistimos sempre ao amor, ao impulso de
nos deixarmos ir.
Não percebemos os estímulos que nos solicitam. Mas há um momento em
que abandonamos as defesas, nos abrimos, nos rendemos. Um pouco como
acontece na hipnose, em
que o indivíduo, numa determinada altura, deixa de se defender e
colabora com o hipnotizador. Enquanto realmente não se quer deixar
hipnotizar fecha-se de forma
impenetrável.

O que é então o amor à primeira vista? O fruto da decisão do abandono


total, sem reservas, ao processo de fascinação. Quando, pelo contrário, o
indivíduo se defende
da sedução amorosa, quando não quer ceder, o processo acontece por
etapas sucessivas, por pequenas revelações sucessivas, por momentos de
descontinuidade suces-

sivos.

É como no caso de O homem prudente. Este homem era um sobrevivente


de dois divórcios e, para além disso, na sua vida sempre fora muito ciumento.
Erguera, portanto,
enormes barreiras contra um novo enamoramento. Conhece uma jovem
mulher, lindíssima, com quem trabalha durante um ano sem sequer a ver
como possível objecto erótico.
Tem atitudes de apreço por ela, de estimá-la, intelectual e moralmente.
Tornam-se amigos, falam longamente. Certa tarde, numa recepção, ele olha
para ela enquanto
ela se inclina a servir os hóspedes e, de repente, fica preso da beleza da
suas costas e

AMO-TE

das suas pernas. «Vê-a» pela primeira vez. Uma segunda violenta
revelação acontece quando lhe aparece bronzeada em fato de banho. Fica
literalmente perturbado pela
sua beleza. Mas só mais tarde compreende que está loucamente
enamorado. Quando já vive com ela, teve uma ligeiríssima altercação. Sai de
casa para se dirigir ao
trabalho e, de repente, é invadido pelo terror de que ela, irritada, não o
queira ver mais. Louco de angústia, vai a correr buscá-la e encontra-a a sorrir e
serena.
Aperta-a contra si a tremer. Também a última barreira caiu. Agora sabe
que aquela mulher lhe é indispensável, que não pode viver sem ela.

Portanto, o amor nasce do mais profundo e olha para o futuro. Mas exige
que o sujeito o aceite, o queira. No conflito entre o processo de enamoramento
e as resistências
do sujeito, há como que saltos, cedências descontínuas, tomadas de
consciência imprevistas. O homem de Turim compreende logo que está
enamorado. Autodefine-se logo
desta forma. O homem de Bári só o faz depois de ter recebido uma notícia
que perturba a sua vida. Student, pelo contrário, apercebe-se só muito tarde,
porque o seu
amor é um amor não correspondido. Por fim, O homem prudente defende-
se mesmo se a sua mulher o ama.

O amor à primeira vista não é, portanto, um fenómeno neurótico, como


dizem muitos psicanalistas. Estes defendem que no amor à primeira vista nós
não conhecemos a
outra pessoa, para quem aquilo que vemos nela é uma projecção nossa.
Entretanto, quando a conhecemos bem, o nosso amor surge do princípio de
realidade. Os casos
que contámos desmentem-no. A pessoa que vemos no enamoramento é
sempre algo de misterioso e de desconhecido que chama por nós. Também
quando nos enamoramos de um
amigo ou de uma amiga, há sempre um instante milagroso em que a
vemos com olhos novos e descobrimos, de repente, que tem qualidades
extraordinárias, que antes não
tínhamos notado.

O maior perigo oculto no enamoramento imprevisto deriva do facto de os


dois enamorados poderem ter projectos completamente diferentes e não o
saberem. É o que acontece
aos protagonistas do filme de Visconti, Obsessão. Ele é um camionista,
quer viajar, conhecer o mundo. Ela é uma mulher nova, bela, casada com um
homem rico, velho
e bruto. Enamoram-se. Matam o velho marido, fingindo um acidente.
Estão livres para se amar. Mas precisamente agora que

49
#FRANCESCO ALBERONI
podem fazer o que querem surge entre eles uma divergência. Ele só a
quer a ela, não lhe interessa a casa e o restaurante. Quer continuar a viajar
com a mulher amada.
Mas ela tem outro projecto. Saboreou o prazer de ser a dona de casa, o
prazer de possuir bens. E quer compartilhá-los com o homem que ama. Ele não
quer ficar no
lugar do crime, sabe que é perigoso, mais cedo ou mais tarde serão
descobertos. Ela, pelo contrário, não quer sair dali, quer saborear o prazer do
bem-estar. Aquela
casa é o símbolo da sua conquista, do resgate. Ele agora procura partir,
distrair-se com outra mulher. Mas é inútil. O apelo do amor é mais forte. Volta
atrás. Agora
também ela compreendeu que têm de partir. Mas já é demasiado tarde.
Fogem perseguidos pela polícia, o automóvel despenha-se num precipício e ela
morre nos seus braços.

As afinidades electivas ;

No filme O Piano, de Jane Campion, uma jovem inglesa é dada como


mulher a um agricultor da Nova Zelândia. A jovem é muda desde os seis anos,
comunica por gestos,
por escrito e toca piano apaixonadamente. Quando chega à costa
desembarcam também o seu piano, que, no entanto, não pode ser
transportado na selva e fica na praia.
Dado que o marido e as cunhadas não lhe prestam ouvidos, pede a um
vizinho que a acompanhe para o poder tocar outra vez. O vizinho aceita. Juntos
na praia, ouve-a
tocar e fica profundamente impressionado. Adquire então o instrumento
ao marido. Transporta-o da praia para sua casa, manda-o afinar e, depois,
pede à mulher que
lhe dê lições de piano.

Vendo-a tocar é invadido por um desejo irresistível, arrasador, dela, dos


seus sons, do seu corpo. Percebendo que para aquela mulher o piano
representa a vida, faz-lhe
chantagem: concorda em dar-Iho se ela lhe deixar ver as costas nuas, se
se deixar tocar, se se deitar nua ao lado dele. Propõe-lhe que compre o piano
com o próprio
corpo, peça a peça. E ela aceita. Porém, a determinada altura o homem
apercebe-se que está realmente enamorado e, então, tem uma crise.
Envergonha-se de ter abusado
da sua necessidade, envergonha-se de a ter tratado como uma prostituta.
Dá-lhe o piano e vai-se embora. Porque a ama, não quer que ela faça seja o
que for contra
a

AMO-TE

sua livre vontade. Nesta altura também a mulher descobre que o -una.
Ama-o porque ele foi o único que a compreendeu, que compreendeu a sua
linguagem. Depois de um
confronto violento com o marido, foge com ele. Durante a viagem, ela
decide libertar-se completamente do passado e manda deitar o piano ao mar.
Mas este, ao cair,
arrasta-a consigo. Não tinha reparado que um tornozelo ficara preso à
corda que o mantinha ligado à barca. Porém, num desesperado acto de
vontade consegue libertar-se
da corda e vem à superfície. Agora é livre do seu passado e, junto do seu
amado, poderá recomeçar uma nova vida na Europa.
Neste delicioso conto, o amor surge tendo por base uma afinidade
electiva. O homem ficou fascinado com a mulher que toca piano: com o seu
corpo, com o seu rosto
e com a forma como ela se exprime - a música. Uma arte desconhecida
que lhe revela a sua própria alma e a alma dela. A música é algo que têm em
comum de forma exclusiva.
Só eles a compreendem. O marido pensa apenas em adquirir terrenos e
espera que o amor conjugal nasça da proximidade. Entretanto, ele, embora a
trate como uma prostituta,
deseja-a na sua totalidade, corpo e espírito. Porque a música é o seu
espírito. Ele é o primeiro homem que não separa o seu corpo da sua música,
que funde sexualidade
e arte. Este desperta o erotismo da mulher, fá-lo irromper e,
contemporaneamente, volta a dar-lhe o uso da palavra. O que os une é por
isso afinidade profunda: o
respeito recíproco das suas essências físicas e espirituais.

Um outro exemplo de real afinidade electiva é o do compositor Giuseppe


Verdi e da soprano Giuseppina Strepponi. Verdi nascera numa pequena aldeia
da região de Emilia,
era pobre. Pagara-lhe os estudos um homem generoso, cuja filha
desposou depois. Mas as dificuldades da vida e as incompreensões de que fora
vítima criaram-Ihe um
carácter fechado e taciturno. Tal como para a jovem de O Piano, a sua
forma de expressão não era a palavra, mas sim a música. o que intui
Giuseppina Strepponi,
uma cantora bonita e famosa, no jovem compositor desconfiado. Penetra
na sua alma e evoca-lhe o cântico mais belo. Do mesmo modo, Verdi vislumbra
em Strepponi a
realização da sua música e o coroamento de todos os valores de lealdade
e de simplicidade em que acreditava. Viverão juntos toda a vida e ele nunca a
abandonarA.

Este tipo de afinidade não deve ser confundido com Que

50

51
#FRANCESCO ALBERONI

tem todos os enamorados e que provém das propriedades do estado


nascente amoroso. Com efeito, todos os enamorados têm a impressão de que
existe entre eles uma afinidade
profunda, até uma essência comum. É como se um deles tivesse andado
sempre à procura do amado e, finalmente, o tivesse reconhecido no meio de
milhares de rostos
da multidão. O reconhecimento é um fenómeno que pode ser explicado
tendo presente que na fase inicial do enamoramento não sofremos uma
profunda transformação emotiva
e mental. A nossa sensibilidade dilata-se e tornamo-nos capazes de
compreender, apreciar, amar o ser em si mesmo. É como se intuíssemos a
essência do outro, a que
ele próprio não conhece. E é esta essência que nós reconhecemos. Mas
este reconhecimento não significa que exista entre nós uma afinidade pessoal
profunda, uma comunhão
de gostos, de valores. O enamoramento pode atrair também pessoas que
só descobrem as suas diferenças depois.
É o que acontece a Madame Bovary. Ela não ama o seu marido e sente-se
incompreendida na povoação onde vive. Lê livros românticos, histórias de
amor, sonha com aventuras,
viagens. Um dia, à casa em frente da sua, chega um jovem estudante
num notário, Léon, com quem começa a falar de Paris, do mar, das viagens.
Tem então a sensação
de ter encontrado alguém que tem a sua mesma sensibilidade, os seus
mesmos valores. Mas será verdade? Não. Léon é jovem, tem a sensibilidade e
os sonhos de um rapaz.
Mas não tem nem carácter, nem espírito de aventura. De facto acabará
por viver à custa dela e nem sequer chega a aperceber-se da tragédia da
mulher que o ama. Não
há qualquer verdadeira afinidade electiva, apenas uma vaga concordância
de aspirações, de sonhos.

O mesmo acontece no caso do grande compositor sinfónico Gustav Mahler


e da sua mulher Alma. Mahler dirige a Ópera da Corte de Viena. É famoso
como músico, mas a
sua grande música não é ainda compreendida. Luta desesperadamente
por afirmá-la e procura na pessoa amada também uma aliada, uma cúmplice.
Alma tem vinte e dois
anos. E belíssima, inteligente, fascinante e também ela compõe. Embora
aprecie e admire o director de orquestra, não compreende, não lhe agrada a
sua música. Embora
esteja loucamente enamorado, Mahler escreve-lhe algumas cartas
dramáticas onde lhe expõe, com extrema clareza, o seu plano artístico. Para o
realizar tem de fazer
um esforço terrível, um trabalho sobre-humano, e tem

52
AMO-TE

necessidade dela, da sua ajuda. Pede-lhe para renunciar à música que


agrada a todos e dedicar-se à que ele está a criar.1 A mulher aceita, casa com
ele, mas, no
íntimo, não está realmente convencida. Poucos meses depois, já é infeliz.
O marido não lhe agrada fisicamente, sente a falta dos seus amigos e
admiradores, da sua
música. Entre os dois não há realmente qualquer afinidade electiva. No
fim, Alma enamora-se de Gropius e, pouco tempo depois, Mahler morre.

Da amizade ao amor <:;• ;

Há também uma forma de amor que desabrocha, pouco a pouco, da


amizade. Um amor que não se apresenta como explosão entre dois
desconhecidos, mas no qual as pessoas
se encontram primeiro no terreno delicado da estima e da confidência
recíproca. Depois assoma o desejo erótico. E o erotismo a princípio é apenas
um acréscimo, ou
um desejo de se conhecerem melhor. De facto só a intimidade erótica
revela aspectos desconhecidos e profundos da pessoa. A confiança da amizade
permite um abandono
sereno. Não há nenhuma encenação, nenhuma necessidade de seduzir,
de se mostrar.

No amor à primeira vista fulminante e terrível, os enamorados não se


conhecem. São dois desconhecidos fascinados pela sua afinidade e pela sua
diversidade e que
realmente nada sabem um do outro. Por outro lado, no enamoramento
que nasce da amizade, já existe uma afinidade electiva e um fundamento
sólido de confidência, de
estima, de confiança.

Atenção. Também no caso da amizade o enamoramento continua a ser um


facto imprevisto e imprevisível. Desabrocha por si só, brota do mundo interior,
do fundo. Há
sempre um momento mágico em que o amigo ou a amiga que julgávamos
conhecer muito bem, nos aparece de repente diferente e maravilhoso. Distante
e ao mesmo tempo metidos
naquele mistério que só o enamoramento sabe descobrir nos seres
humanos. Este enamorarnento é absolutamente idêntico, na sua estrutura, ao
que surge entre dois desconhecidos.
No entanto, a amizade, a longa e serena amizade, dá-lhe algo de precioso,
tão precioso como o próprio estado nascente. Porque o

1 Françoise Giroud, Alma Mahler, o 1’arte di essere amata, trad. ital. G


irzanti, Milão 1989, pp. 48-54.

53
#FRANCESCO ALBERONI

enamoramento não é um acto, é um processo. É uma sucessão de


revelações e de perguntas, é uma sucessão de angústias, é uma sucessão de
provas. O enamoramento, para
se tornar amor, deve conhecer também aquilo que a outra pessoa é
empiricamente. Podemo-nos enamorar de alguém que se revela diferente de
como nós o tínhamos imaginado.
Que nos decepciona, que nos desilude. Tudo isto com o tempo se
descobre. Como podemos fazer para saber que o outro nos ama? Que o outro
não nos mente? Fazemos perguntas,
fazemos experiências, e o outro fá-las a nós. Só assim o amor se torna
conhecimento verdadeiro e não sonho. O amor, para durar, tem de ser
também confiança, também
estima. Isto é, deve adquirir algumas das propriedades da amizade.

O amor que surge da amizade já percorreu uma etapa deste caminho. Nós
conhecemos o nosso amigo, os seus limites, mas também as suas virtudes.
Temos sobretudo confiança
nele, na sua lealdade. Se não fosse assim, não seria nosso amigo. A
amizade possui uma substância moral. É com estes conhecimentos, com estas
silenciosas seguranças
morais que pode contar o amor nascente. O amor permanece turvação,
receio, permanece comoção, choro, permanece desejo inefável de ter o nosso
amado em nós. Mas ao
lado destes sentimentos, entrelaçados neles, a amizade insere neles a
confiança, a confiança recíproca e o respeito da liberdade. O enamoramento
que nasce no meio
da amizade é, por isso, mais límpido e mais sereno.

AS LIGAÇÕES AMOROSAS

Quais são os mecanismos fundamentais em que se baseia o amor? Todas


as formas de amor? De que depende também o enamoramento, a formação do
casal e o seu destino?
São estes: o princípio do prazer, a perda, a indicação e o estado nascente.

O princípio do prazer

Comecemos com o princípio do prazer. É o ponto de partida mais comum,


mais universalmente aceite. Nós ligamo-nos às pessoas que satisfazem as
nossas necessidades
e os nossos desejos. Se uma pessoa nos dá prazer teremos a tendência a
voltar de novo para junto dela, a estar mais tempo com ela e a estabelecer
relações mais estreitas.
O prazer reforça a ligação, a frustração enfraquece-o. Este mecanismo
está na base dos reflexos condicionados e de todas as teorias da
aprendizagem. É tendo por
base este mecanismo que a criança se afeiçoa aos pais, porque estes
satisfazem todas as suas necessidades básicas, alimentam-na, mantêm-na
viva, dão-lhe o afecto
de que ela precisa. É também o mecanismo que está na base da amizade.
Tornamo-nos amigos de quem é simpático connosco, de quem nos
compreende, de quem nos ouve,
de quem está ao nosso lado nos momentos de alegria, de tensão e de dor.
Estar com o amigo dá-nos prazer, diverte-nos, faz-nos sentir bem. Cada
encontro com o amigo
ajuda-nos a descobrir algo de nós próprios e do mundo.1 Enriquece-

54

1 Francesco Alberoni, A Amizade, Bertrand Editora, Lisboa 1984.

55
#FRANCESCO ALBERONI

mo-nos com a sua experiência e reforçamo-nos graças à sua


solidariedade. Confiamos no amigo, recorremos a ele em caso de necessidade,
para lhe confiarmos um problema
ou um segredo. E, dado que responde às nossas perguntas, satisfaz as
nossas exigências, com o tempo reforça-se a ligação. Se, por outro lado, o
amigo nos decepciona,
nos engana, nos trai, a ligação enfraquece e, a determinada altura,
estilhaça-se.

Cada encontro erótico agradável, cada êxtase conseguido reforça a nossa


necessidade do outro. Se a experiência de prazer for bilateral, estabelecer-se-á
entre as
duas pessoas uma ligação duradoura. Cada um procurará ser agradável,
agradar ao outro, torná-lo feliz. Evitará todas as situações desagradáveis, fará
com que o encontro
seja alegre, perfeito. Perfeito para ambos, para que possam voltar a
encontrar-se, continuar a sua relação.

O amor desabrocha quando encontramos uma pessoa que tem as


qualidades que para nós são importantes, que satisfazem desejos, sonhos,
ambições profundas que se formaram
no decurso da nossa vida, a partir da mais tenra infância, na relação com
os pais.1 Necessidades reais e necessidades simbólicas, às vezes conscientes,
outras vezes
inconscientes. Para que o amor seja bilateral é preciso que estas
necessidades recíprocas sejam correspondidas. Mas a vida amorosa do casal
requer também uma actividade
inteligente, uma gestão da relação. Cada um deve perceber o que agrada
ao outro, ter em conta as suas exigências, as suas esperanças, os seus receios.
Só assim a
satisfação recíproca atinge o máximo.

Mas o princípio do prazer sozinho não é suficiente para explicar

O enamoramento. Porque este mecanismo precisa de tempo para criar


ligações fortes. A ligação torna-se mais forte à medida que se repete a
satisfação recíproca, à
medida que o tempo passa. Tal como acontece na relação entre filhos e
pais, entre amigos. A ligação forte é o resultado duma história que correu bem.
Por outro lado
podemo-nos enamorar num tempo curtíssimo duma pessoa que não
conhecemos, que não sabemos se nos ama e que, por vezes, nos faz sofrer
atrozmente. O amor do enamoramento
apresenta-se como algo que se apodera de nós, que nos liga contra a
nossa vontade. Por ve-

1 É a teoria já citada de John Money, Lovemaps: Clinical Concepts of


Sexual/Erotic Health and Pathology, Paraphilia, and Gender Transposition in
Childhood, Adolescence
and Maturity, Irving Publishers, Nova Iorque 1986. . . . , , ,..•. ,. •

56

AMO-TE

zes como uma loucura, como uma doença de que nos queremos libertar.
Por isso amamos pessoas em quem não temos confiança, que nos traem. E
continuamos a amá-las apesar
da dor, apesar do desespero apesar do ódio. Como dizia Madame de La
Fayette da princesa dê Clèves: «Ela ficava perturbada ao vê-lo, e todavia ficava
contente. E
parecia-lhe odiá-lo pela dor que aquele pensamento lhe provocava.»1

A perda • ; ; •

O segundo mecanismo é o da perda. Muitas vezes apercebemo-nos de


que uma pessoa nos é indispensável apenas quando corremos o risco de
perdê-la, quando se afasta
de nós ou quando um poder negativo, a doença, a violência, a morte no-la
tira. Vejamos um exemplo. Há pais cansados, fartos, encolerizados com um
filho rebelde,
que não estuda, que não obedece. Gritam-lhe. Um dia, porém, de repente,
descobrem que o rapaz desapareceu. Esquecem-se imediatamente das
repreensões, das iras. Deixam
tudo para se porem a procurá-lo. Pensam apenas encontrá-lo. Apercebem-
se de que o amam desesperadamente, e que tudo o resto não tinha qualquer
importância. O-ser-que-se-perde
torna-se um objecto absoluto de amor. O seu reencontro torna a condição
necessária para que todas as outras coisas possam readquirir sentido.
Encontrá-lo torna-se
o fim último e o resto torna-se um meio para realizar aquele fim. Por isso
ele hierarquiza todas as outras relações, separa o que é essencial do que não é
essencial.
Se o filho é encontrado poucas horas depois, então a angústia e o desejo
diluem-se como um pesadelo. Fica no entanto um resíduo: agora sabem que
para eles é essencial,
que o amam. Se, por outro lado, a investigação continua espasmódica
durante dias e dias, meses e meses, então toda a sua vida diária é
reestruturada em relação ao
objectivo de encontrá-lo, de voltar a abraçá-lo.

Este tipo de experiência revela-nos que o objecto amado é mais


importante que nós próprios, e tanto é assim que, para o salvar estamos
dispostos a sacrificar a nossa
vida. A perda cria uma descontinuidade: dum lado está o essencial, do
outro, o que não é essencial.

’ Madame de La Fayette, Lapnncipessa di Clèves, trad. ital. Rizzoli, Milão


1986, p. 156.
51
#FRANCESCO ALBERONI

E os dois planos são incomensuráveis, incomparáveis. Estamos no reino


dos absolutos, onde vigora a lei do tudo ou nada.

O mecanismo da perda não funciona só para os objectos individuais de


amor. A perda revela-nos também o valor dos nossos objectos colectivos. O
valor da nossa pátria,
do nosso grupo étnico, da liberdade, aparece-nos quando está ameaçado,
quando um inimigo nos invade ou mata algum dos nossos. Então por eles
estamos dispostos a
lutar até à morte. Em Masada, os zelotas, sitiados, mataram os seus
familiares e depois suicidaram-se para não serem feitos escravos pelos
Romanos. Os Romanos optaram
por morrer no incêndio de Sagunto para não caírem prisioneiros dos
Cartagineses. No extermínio dos Tutsi, no Ruanda, muitas mães preferiram
matar os filhos para
não os verem torturados e despedaçados à catanada.

Existem duas situações diferentes de perda. Na primeira não existe um


adversário, um inimigo que nos ameaça, que quer apoderar-se ou destruir os
nossos objectos
de amor. E o caso da criança que se perde. É o caso da doença. É o caso
da angústia que sentimos quando temos a sensação de que a pessoa amada
se esquece de nós,
já não nos ama. Na segunda situação, a perda depende de um agressor,
de um inimigo que ataca e ameaça o nosso objecto de amor. Como no rapto ou
na invasão. Os ciúmes
são o produto dos dois componentes. De facto, para que haja ciúmes tem
de haver um rival, alguém que nos tira o nosso objecto de amor e se põe no
nosso lugar. Mas
é preciso também a cumplicidade, o consentimento da pessoa amada.
Nos ciúmes temos medo que o nosso amado prefira o outro a nós. Por isso a
nossa agressividade pode
dirigir-se tanto contra quem amamos como contra aquele que o leva
consigo. Para indicar a força que nos tira a pessoa amada, seja aquela de que
espécie for (perda,
doença, sedutor ou inimigo), usaremos a seguinte expressão: o poder do
negativo.

Na perda descobrimos que amamos alguém que, na realidade, já


amávamos antes. A perda é uma espécie de brutal e dramática confirmação do
que já devíamos saber. Na
realidade, a experiência da perda não nos revela só um amor
preexistente. Acrescenta qualquer coisa, faz com que captemos mais
profundamente a importância do objecto.
Liga-nos mais ao objecto amado. Por conseguinte, a ligação amorosa
reforça-se com uma sucessão de experiências de perda. A mãe espera
ansiosamente o seu filho ainda
antes dele nascer e

AMO-TE

assim protege-o dos perigos, das doenças, salva-o, fá-lo nascer. Depois
alimenta-o, vigia-o, embala-o quando chora, cuida dele quando pensa que ele
está doente.
Enquanto dorme fica ao lado dele receando que acorde e chore de medo.
Protege-o, defende-o de todos os perigos sempre à espreita. Salva-o do poder
do negativo. E
descobre-o todas as vezes como fim último, como valor. E eis, portanto, a
importantíssima conclusão a que chegámos. A perda não se limita a
desvendar-nos um amor
que já existe, contribui a criá-lo.

Dissemos, quando falámos do mecanismo do prazer, que a ligação


amorosa é o precipitado histórico das experiências positivas por que
passámos. Podemos acrescentar
que os nossos objectos de amor são também o precipitado histórico da
luta que mantivemos por sua causa contra os poderes do negativo. Por isso
amamos o que nos deu
prazer, mas amamos também o que salvámos do nada. Aquilo a que
demos vida e que conservámos com vida.

Amamos o que, por meio do nosso trabalho, do nosso esforço, da nossa


dedicação, se tornou uma objectivação de nós próprios, o lugar onde
colocámos o melhor das nossas
energias vitais. Amamos o produto da nossa generosidade, a dádiva da
nossa vida que, objectivando-se em algo que é outro fora de nós, se torna mais
importante que
nós próprios.

Os pais amam os filhos porque os alimentaram, defenderam, porque


passaram noites sem dormir à sua cabeceira, porque perante um perigo, uma
ameaça, puseram-nos sempre
em primeiro lugar, porque fizeram deles um fim último e consideraram
tudo o resto apenas um meio. Porque estiveram dispostos a dar a vida por
eles. Amamos a nossa
pátria e o nosso partido porque nos batemos, perdemos tempo da nossa
vida e estivemos sempre dispostos a sacrificá-

-la por eles.

Por este motivo o amor que os filhos têm pelos pais é diferente do amor
que os pais têm pelos filhos. O amor dos filhos nasce do princípio do prazer,
isto é, da
satisfação das necessidades. Como a amizade ou a ligação erótica. O dos
pais, pelo seu lado, nasce da dedicação, do esquecimento de si. Como o amor
da pátria. É
óbvio que os dois mecanismos muitas vezes misturam-se e o amor
concreto surge de ambos. Os pais são felizes pela doçura e pelo afecto dos
seus filhos. Os filhos
estão ansiosos pela vida dos seus pais e fazem tudo para não os fazerem
sofrer e viverem felizes. Mas

58

59
#FRANCESCO ALBERONI

é importante ter presente que os princípios geradores do amor são


separados.

Ao contrário do mecanismo do prazer, que produz uma ligação cada vez


mais forte à medida que é satisfeito, o mecanismo da perda está submetido a
um processo de saturação.
A luta para mantermos vivo alguém que amamos produz sofrimento. E se
a luta se torna muito longa, se o sofrimento se torna muito grande, revoltamo-
nos, defendemo-nos.
E o caso do doente crónico, do doente incurável de quem cuidamos com
paciência e devoção. A princípio o nosso amor aumenta, mas depois, quando a
situação se prolonga,
quando não há melhoras ou quando o êxito se torna inevitável, a pena e o
sofrimento começam a pesar sobre nós cada vez mais. Pouco a pouco,
acontece então o distanciamento.
E começamos a desejar que aquela tortura acabe.

O mecanismo da perda é, na sua essência, uma luta. E quando já não há


esperança de vitória, quando a luta aparece sem objectivos, o mecanismo
esgota-se. Mas há pelo
menos mais duas situações em que um amor baseado na perda se
desvanece ou se transforma até em rancor. O primeiro é quando, depois de
termos lutado muito, somos
recompensados com a ingratidão. O segundo, quando nos apercebemos
de que a outra pessoa fez chantagem connosco, fingiu estar doente ou
provocou ciúmes para nos manter
agarrados.

Na perda ligamo-nos àquilo que retemos, a algo que nos é tirado. É uma
defesa face a um poder externo, o poder do negativo. Mas existe também uma
tendência a apoderarmo-nos
do que é dos outros, a alargar o seu território, a subjugar, a dominar, a
vencer. O animal defende o seu território do agressor externo mas, ao mesmo
tempo, procura
invadir o território de outro. Uma tendência à afirmação. Estamos a pensar
em duas figuras como Don Juan e Casanova. Estes ardem de amor, de desejo,
de paixão por
uma mulher. E por isso assediam-na com a sua sedução. Porém, uma vez
que a mulher se entregou, «capitulou», o seu interesse desaparece. A
afirmação esgota o seu
efeito na vitória. Não cria amor estável.

Muitas mulheres afirmaram-se através da sedução. Quando seduzimos


alguém, quando o outro nos ama, adquirimos um enorme poder sobre ele. E
algumas mulheres gostam
deste poder. Gostam de se sentir amadas, adoradas. Gostam de dominar.
Françoise Giroud atribui este carácter a Alma Mahler, a mulher do grande
compositor

60

AMO-TE

vienense. O pintor Klimt, quando ainda não era famoso, enamora,se dela.
Mas Alma mantém-no em suspenso, atrai-o e repele-o, e ele corre atrás dela
adorando-a. Depois
é o regresso do seu professor de música, Zemlinsky. «Este», escreve
Giroud, «enlouqueceu-a. Deixando-se abraçar, acariciar permitindo-lhe todas
as liberdades, falando
de noivado, recusando o casamento, divertindo-se a torto e a direito.
Mantendo com ele uma correspondência inflamada, tortura-o durante dois
anos.»1 Também o caso
de Lou Salome - de quem falaremos longamente a seguir - é do mesmo
tipo. Quer ser amada por Ree, por Nietzsche, por Andreas, manter todos unidos
a si, todos a adorarem-na,
sem se entregar nunca. E em todos estes casos o verdadeiro mecanismo
que cria amor, dependência, é o que retém, conserva: o mecanismo da perda.

A indicação ;
Este mecanismo foi analisado de forma aprofundada por René Girard,2
que o colocou na base de toda a sua teoria sociofilosófica. Para Girard todos os
nossos desejos
nascem porque imitamos, fazemos nossos os desejos dos outros.
Imaginemos dois irmãozinhos. Demos uma maçã ao primeiro e nada ao
segundo. Pouco depois o segundo quer
a maçã para ele. Não é porque tenha fome, mas por o outro a ter primeiro.
Identificou-se com o irmão e realizou o seu desejo. «O homem deseja
intensamente», escreve
Girard, «mas não sabe exactamente o quê, pois ele deseja o ser, um ser
de que se sente privado e de quem um outro lhe parece possuidor. A pessoa
espera do outro
que lhe diga o que deve desejar... Não é com as palavras, é com o seu
próprio desejo que o modelo indica à pessoa o objecto supremamente
desejável.»3 São os outros,
com o seu desejo que nos indicam o que é desejável.

Nós queremos uma coisa só porque nos identificamos com outrem que
deseja a mesma coisa. E é precisamente por desejarmos exactamente o seu
mesmo objecto que entramos
em competição

Françoise Giroud, Alma Mahler, o I’arte di essere amata, trad. ital.


Garzanti, Milão 1989.

Deste autor ver em particular René Girard, Menzogna romântica e verità


romanzesca, trad. ital. Mon-

dadori, Milão 1964, La víolenza e U sacro, trad. ital. Adelphi, Milão 1980.

René Girard, La violenza e U sacro, cit., p. 193. ; = :», i>


6lt
#FRANCESCO ALBERONI

com ele. Encontramo-lo no caminho como adversário. «A rivalidade»,


escreve Girard, «não é fruto duma convergência acidental dos dois desejos
sobre o mesmo objecto.
A pessoa deseja o objecto porque o deseja o próprio rival. Desejando este
ou aquele objecto, o rival indica-o ao sujeito como desejável»’ e, ao mesmo
tempo, corta-Lhe
a estrada porque o quer ele. Todo o amor é por isso triangular. É
construído com ciúmes e com competição.

Segundo Girard, enamoramo-nos sempre de alguém que já é amado por


outra pessoa (o mediador) e que no-lo indica como desejável precisamente
com o seu amor. A pessoa
amada aparece-nos como extraordinária e misteriosa porque no-la impõe
o desejo do mediador. O indivíduo exalta, transfigura, torna divina uma pessoa
quanto mais
ela é amada, admirada, pelos outros.

É o amor-vaidade de que nos fala Stendhal. O enamorado só se apercebe


desta ilusão quando consegue alcançar a sua meta. Quando a pessoa amada
por fim lhe diz que
sim, quando o adversário, finalmente derrotado, desaparece. Mas então
desaparece também o desejo. Desaparecido o antagonista de quem
tomávamos o desejo, também a
nossa idealização desaparece.
Como veremos, este mecanismo é importante para explicar certas formas
de amor competitivo ou o amor pelos ídolos de cada um. Estes são amados,
adorados por milhões
de pessoas. E esta indicação colectiva que os faz aparecer aos nossos
olhos como belos, desejáveis, extraordinários. Mas isto actua também nas
situações normais.
Todos conhecemos o provérbio que diz: «A galinha do vizinho é melhor do
que a minha.»

Princípio do prazer, perda e indicação são três mecanismos indispensáveis


para explicar a experiência amorosa. Mas, por si só, não são suficientes para
explicar
como é possível o enamoramento imprevisto. Com efeito, o mecanismo do
prazer requer tempo. Requer que tenha havido numerosas experiências
positivas capazes de reforçar
o desejo. A perda pressupõe uma ligação anterior. E, por fim, a indicação
não consegue explicar por que motivo muitas vezes nos enamoramos de quem
não nos é indicado
por ninguém e sem que haja rivais. Devemos por isso identificar um outro
mecanismo fundamental, o mais importante de todos, até agora desconhecido:
o estado nascente.

AMO-TE

O estado nascente

Qual é o princípio base do estado nascente? A passagem da desordem à


ordem. A solução dum problema.1 Arthur Koestler, no seu livro L’atto delia
creazzione, escreve:
«Quando a vida nos põe um problema, enfrentamo-lo de acordo com um
código de regras que no passado nos serviu para enfrentar problemas
análogos... Porém... a novidade
pode chegar a um ponto... a um nível de tanta complexidade que torne
impossível a solução com as regras do jogo aplicadas às situações passadas.
Quando isso acontece
dizemos que a situação está bloqueada... Uma situação bloqueada
aumenta a tensão dum desejo frustrado... Até que o acaso ou a intuição
fornecem uma ligação com uma
matriz totalmente diferente.»2 Então nós vemos, descobrimos algo de
completamente novo.

Mas qual é o problema cuja solução é o enamoramento? É este: nós, seres


humanos, desde a infância temos necessidade de objectos de amor absolutos
e totais. Como
a nossa mãe, Deus, a pátria, o partido. Qualquer coisa de mais importante
do que nós e que nos
transcende.

Mas todos os objectos concretos de amor são limitados e tornam-se, com


frequência, opressivos e frustrantes. Além disso, quanto mais importantes são
para nós, mais
possibilidade há de nos desiludirem. Se uma coisa nos interessa pouco,
também pouco mal nos pode fazer. Se, pelo contrário, é essencial para nós,
também uma desatenção
sua nos fere. Assim acabamos por ter sentimentos agressivos em relação
às pessoas que amamos. Os filhos em relação aos pais, as mulheres em
relação aos maridos.
E vice-versa. A este duplo sentimento Freud deu o nome de ambivalência.
A ambivalência é confusão, desordem e provoca-nos sofrimento.3 Então
procuramos di-
1 Ibidem.

62

Na elaboração do conceito de «estado nascente» utilizei em especial as


investigações de Max Wertneimer sobre a solução dos problemas. Mais em
geral sobre a psicologia
da forma, veja-se Kurt Koffka, Elemento di psicologia delia forma, trad.
ital. Boringhieri, Turim 1977. Wolfgang Kohler, Psicologia delia Gestalt, trad.
ital. Feltrinelli,
Milão 1961. Caetano Kanizsa, Grammatica dei vedere, II Mulino, Bolonha
1980. E, por fim, Max Wertheimer, Ilpensiero produttivo, trad. ital. Ed. Univ. Fi-

orentina, Florença 1965.

1 Arthur Koestler, L ’atto delia creazzione, trad. ital. Ubaldini, Roma 1975,
p. 110.
3 Tive de introduzir este princípio para explicar o processo explosivo dos
movimentos colectivos e do

enamoramento. A teoria completa dos três princípios da dinâmica é


exposta em Francesco Alberoni,

Génese, Bertrand Editora, Lisboa.

63
#FRANCESCO ALBERONI
minuí-la idealizando os nossos objectos de amor, lançando sobre nós a
culpa de tudo o que acontece ou atribuindo-a a causas externas.1 O marido
sente-se culpado
se a sua mulher anda nervosa. A mulher procura justificar com o cansaço,
com o trabalho, com as preocupações, o mau humor do marido. Chamaremos
a todos os mecanismos
com que lançamos para cima de nós a agressividade que não desferimos
contra o nosso objecto de amor mecanismos depressivos. Chamaremos a
todos com os quais descarregamos
a agressividade sobre qualquer objecto externo mecanismos
persecutivos.2

Os nossos objectos de amor (marido, mulher amante, filhos, partido,


igreja, tudo com que nos identificamos e amamos) são sempre, por isso, uma
construção ideal,
o produto duma elaboração. São colocados num mito pessoal,
continuamente reelaborado, retocado para reduzir as tensões, para os fazer
parecer bons, resplandecentes,
para baixar o nível de ambivalência. Mas este trabalho contínuo de
reparação, de ajustamento, de compromissos práticos e de revisões ideais,
nalguns casos pode falhar.
Durante a vida mudamos, o que antes nos ia bem agora já não nos serve.
Novas experiências fazem nascer em nós novas exigências. Depois de ter
atingido uma meta,
afloram dentro de nós todos os desejos a que tivemos de renunciar.
Também as pessoas que amamos se modificam. Tornam-se diferentes, desejam
outras coisas, incompatíveis
com as que nos agradam. Por isso se deterioram as relações de casal. Por
isso as pessoas rompem com velhos amigos, divorciam-se, zangam-se com os
filhos. Ou continuam
a fingir que tudo está como dantes quando na realidade tudo está
profundamente mudado. Continuam a representar uma comédia em que já não
sabem o que é verdade e
o que é mentira. Já nem sabem o que querem.

É esta a situação de ambivalência, de desordem, de entropia, em que


falham tanto os mecanismos depressivos como os persecutivos, porque já não
conseguem idealizar
os objectos de amor. O problema é insolúvel com os mecanismos
tradicionais. Estes entraram em so-

AMO-TE

1 A idealização, segundo esta teoria, é fruto dos mecanismos de defesa


contra a ambivalência. São de tipo depressivo e persecutivo. Veja-se a
exposição completa
em Francesco Alberoni, Génese, cit., Bertrand Editora, Lisboa.

2 São uma elaboração da posição depressiva e esquizoparanóica de


Melanie Klein. Veja-se sobre este tema os trabalhos de Franco Fornari, Lu vita
affettiva originaria
dei bambino, Feltrinelli, Milão 1963 e o já citado Génese. - • •

hrecarga. Segue-se uma sensação de vazio, de inutilidade, de falhanço. Os


impulsos vitais não sabem para onde dirigir-se. Erram à toa, procuram novos
caminhos. O
indivíduo tem a experiência duma GRande potencialidade desperdiçada.
Tem a sensação de que só os outros é que são felizes. Vê-os a rir-se, a divertir-
se, e sente
uma inveja pungente. É como se os seus desejos profundos já não
pudessem revelar-se-lhe directamente. Percebe-os nos outros. No deserto da
ambivalência e da desordem
sente à sua volta desejos e paixões incomensuráveis, felicidades que lhe
são proibidas. E assim que muitas vezes se vêem os adolescentes. Cheios de
vida, mas incapazes
de dar a esta vida os seus objectos e as suas metas.

A solução deste problema é sempre uma redefinição de si próprio e do


mundo. Pode ser uma conversão religiosa. De repente, o indivíduo descobre
que todas as coisas
que o faziam sofrer nada valem. Que os caminhos que ele percorria eram
errados. Na nova seita, na nova igreja, tudo é mais simples e claro. Ou pode
ser uma conversão
política. Também aqui ele encontra o que é essencial e subordina o resto
àquilo que realmente tem mais valor.

Pode ser, finalmente, o enamoramento. Então a sua meta última é uma


pessoa, porque é através dela que vislumbra tudo o que é desejável e a
perfeição do seu ser.
O estado nascente assinala o momento em que o velho mundo,
desordenado e ambivalente perde valor e aparece um novo, resplandecente e
luminoso. É o momento da morte
e do renascimento.

No início do estado nascente a primeira experiência é a da estupefacção.


Ficamos estupefactos porque o mundo habitual ficou estranho para nós, sem
qualquer valor.
E às vezes ficamos dominados por uma sensação de tristeza, de
precariedade. Mas logo a seguir nos invade uma grande alegria. Sentimos
afluir em nós todas as energias
vitais da terra e é como se todas as coisas magicamente reflorescessem.
No estado nascente do enamoramento este renascimento da vida passa pelo
contacto e pela relação
com uma pessoa bem definida. Ela é a única porta de acesso ao novo
mundo.

Enquanto nos aproximamos do nosso amor, sentimo-nos finalmente


autênticos, livres. Ao mesmo tempo, sentimos que a nossa liberdade só pode
realizar-se fazendo aquilo
a que somos chamados: realizar o nosso destino. Até à morte. A literatura
amorosa que nos fala tão frequentemente da morte não revela um jogo
macabro ou

64

65
#FRANCESCO ALBERON!

um sinal de neurose do narrador, é antes o sintoma de que no


enamoramento é posto em questão o significado da vida. Colocamo-nos
realmente a pergunta metafísica:
«Quem somos nós? Porque estamos aqui? Que valor tem a vida?» A nossa
existência já não nos aparece como uma coisa natural, que é assim porque o
mundo é assim, mas
sim como uma aventura em que nos envolvemos e que podemos recusar.
Um caminho em que nos metemos quase por acaso, mas que podemos mudar.
O nosso passado volta-nos
à mente e analisamo-lo, julgamo-lo. O estado nascente é também o dia do
juízo.
Lentamente, estabelece-se na nossa consciência uma divisão entre o que
é essencial e o que, pelo contrário, não o é. Na vida diária tudo nos parece
essencial, até
as coisas mais parvas. Porém, no estado nascente apercebemo-nos de
como são inúteis e vãs muitas preocupações que antes nos afligiam, quando
as comparamos com aquilo
que está a ser para nós o supremo bem, o próprio sentido da vida.

Até na pessoa mais cansada o amor é como um despertar. O mundo


revela-se espantoso. Quem está a passar por este estado já não consegue
voltar a viver no inerte tom
cinzento do passado. O enamorado deseja amar mesmo que sofra, mesmo
que se atormente. A vida sem amor parece-lhe árida, morta, insuportável. A
pessoa que amamos
não é só mais bela e desejável que as outras. É a porta, a única porta para
entrar neste novo mundo, para ter acesso a esta vida mais intensa. É através
dela, na
presença dela, graças a ela, que encontramos o ponto de contacto com a
fonte última das coisas, com a natureza, com o cosmos, com o absoluto. Então,
a nossa linguagem
habitual torna-se inadequada para exprimir esta realidade interior.
Espontaneamente, descobrimos a linguagem do presságio, da poesia, do mito.

O estado nascente não é nunca um chegar, é um vislumbrar. É como no


caso de Moisés, o maior dos profetas, a quem foi concedido ver apenas de
longe a Terra Prometida
e não atingi-la. A pessoa amada está infinitamente próxima de nós, mas
também infinitamente distante. Entre todas as pessoas é para nós a mais
querida. E, no entanto,
vemo-la como uma meta ideal incognoscível e inalcançável. Se nos ama
não é realmente porque nós o mereçamos. Mas por uma espécie de milagre. O
seu amor é uma graça.
Esta mesma pessoa é portadora dum poder extraordinário que nos deixa

66

AMO-TE

maravilhados, que nos parece incrível. Como um sonho que pudesse


desvanecer-se.

A força do estado nascente é um poder redentor que transfigura todas as


coisas. Na pessoa amada nós amamos até os defeitos, até as faltas, até os
órgãos internos,
os rins, o fígado, o baço. A pessoa verdadeiramente enamorada gostaria
de acariciá-los, beijá-los como beija os lábios, os seios, o sexo. É errado falar
de idealização.
É uma transfiguração, uma redenção daquilo que normalmente é
considerado inferior. O que está escondido é trazido cá para fora, para o
mesmo plano do que é nobre,
socialmente admirado.

O enamoramento recíproco é o reconhecimento de duas pessoas que


entram em estado nascente e que plasmam de novo a sua vida a partir do
outro. Para que haja enamoramento
bilateral é necessário, portanto, que também o outro esteja disposto a
responder, a abrir-se da mesma forma, a renascer.
O processo de estado nascente normalmente começa num dos dois e
depois desencadeia-se no segundo, quebrando o seu estado de equilíbrio
instável. O estado nascente
tem uma capacidade formidável de comunicação. É um poder de sedução
extraordinário que assalta o seu objecto e o arrasta consigo. Coisa que Dante
compreendeu muito
bem. Com efeito, Francesca diz: «Amor que a nenhum amado amar
perdoa.»

O enamoramento recíproco não é, portanto, o reconhecimento de duas


pessoas em condições normais, com as suas qualidades definidas. Mas sim o
reconhecimento de duas
pessoas num estado extraordinário, o estado nascente. Duas pessoas que
vislumbram o fim da separação do sujeito e do objecto, o êxtase absoluto, a
perfeição. Por
isso eles são, um para o outro, por um lado seres em carne e osso, com
nome, apelidos e morada, com necessidades, fraquezas, Por outro, são
poderes transcendentes
através dos quais passa a vida na sua totalidade.1

Lou Salomé escreveu: «No fundo, o amante não está interessado em


saber como é verdadeiramente arnado [...] basta-lhe saber que o outro o torna
milagrosamente feliz.
De que forma não o sabe. Os dois permanecem um mistério um para o
outro.» Lou Andreas Salomé, La matéria erotica, trad. ital. Editori Riuniti, Roma
1985, p. 26.
Sobre a incognoscibilidade da pessoa amada veja-se Roland Barthes,
Frammenti di un discurso amoroso, trad. ital. Einaudi, Turim 1978 e Alain
Finkielkraut, La sagesse
de 1’amour, Gallimard, Paris 1984.

&
#4

A COMUNIDADE

O «nós», a comunidade

Com o estado nascente origina-se um tipo particular de processo social a


que chamamos movimento colectivo. O movimento colectivo produz, num
ímpeto de fé e de emoção,
uma nova comunidade.1 A nossa tese é que o enamoRAmento é o mais
simples dos movimentos colectivos. Ele é formado só por duas pessoas e não
produz uma igreja, uma
seita ou um partido, mas sim o casal. O casal é por isso a mais pequena
das comunidades.

No estado nascente os indivíduos, anteriormente diferentes, isolados,


separados, em competição, sentem ter uma afinidade profunda, de ter a
mesma meta, o mesmo sonho,
o mesmo destino. Este processo começa antes de ser constituída uma
ideologia, uma explicação do mundo. Eles reconhecem-se não porque tenham
as mesmas
•1 Existem três tipos de formações sociais: a Sociedade, a Comunidade e
o Movimento. As primeiras duas foram descritas pelo sociólogo alemão Tonnies
(Ferdinand Tonnies,
Comunità e società, trad. ital. Comunità, Milão 1963). A comunidade
preexiste ao indivíduo e funda-se na tradição. O indivíduo nasce nela e está
ligado a outros
membros por uma comunhão de sentimentos, emoções, ideias. São
comunidades a família, a nação, a cidade-estado, a igreja. Por outro lado, a
sociedade é algo que os
indivíduos constróem com a vontade, com a razão, através dum acordo,
dum contrato. Pensemos numa sociedade por acções, numa associação
desportiva.

O terceiro tipo de formação social, o movimento colectivo, Tonnies não o


conhecia. Tem algo da comunidade, porque os seus membros têm em comum
sentimentos e valores.
Mas não se baseia na tradição. Nasce como a sociedade, mas não é
construído friamente pela razão com um acordo, um pacto. Irrompe pelo
impulso das emoções, da fé
e da paixão. No seu início, quem entra a fazer parte dele vive uma
experiência de libertação, de renascimento, de revelação. Precisamente aquela
conversão, aquela
mudança interior que descrevemos como estado nascente. E todos os que
se encontram neste estado reconhecem-se entre si e tendem a fundir-se, a
produzir uma comunidade
dotada de altíssima solidariedade. A instituição é ao mesmo tempo uma
comunidade pelos vínculos emotivos entre os seus membros, e uma sociedade
pelos acordos e contratos
que a regulam.

69
#

FRANCESCO ALBERONI
ideias, mas porque têm o mesmo impulso, a mesma esperança. E tendem
a unir-se, a fundir-se, a formar uma colectividade compacta, uma comunidade,
um nós solidário.

Os movimentos, no seu estado nascente, são instáveis, mutáveis, mas


com o passar do tempo tendem a tornar-se estruturas sociais permanentes
muitíssimo sólidas: as
instituições. Instituição é o que foi escolhido, querido, definido. Mas a
instituição, no movimento, não nasce só da razão, nasce do encontro
dramático da esperança
utópica do estado nascente e da necessidade de viver e realizar-se no
mundo. Exemplos de movimentos colectivos são o cristianismo, o calvinismo, o
metodismo, o cartismo,
o marxismo, mas também os movimentos nacionais. Eles criam as
comunidades a que chamamos seitas, igrejas, partidos, sindicatos, nações.

Também o casal começa com o estado nascente do enamoramento, mas


depois pode estabilizar e tornar-se uma instituição. O estado nascente do
enamoramento tem propriedades
particulares em relação aos outros. Antes de mais o erotismo. As pessoas
amam-se em todos os processos de estado nascente, mas só no
enamoramento é que existe a
felicidade erótica, o jogo amoroso, a fusão física dos corpos e dos
espíritos. Além disso, o enamoramento cria uma ligação íntima, intensa,
alegre, entre duas pessoas
exactamente iguais. No estado nascente de grupo emerge um chefe
carismático, no enamoramento, pelo contrário, cada um é o chefe carismático
do outro, não existe
hierarquia.

Criação e destruição ,
Até agora descrevemos o enamoramento como uma força que cria, que
une. Mas ele é também uma força que divide, que destrói. Para Tristão e Isolda,
para Lancelote
e Genebra, para Paolo e Francesca o enamoramento é uma força criativa
que une, para o rei Marcos, para o rei Artur, para o marido de Francesca da
Rimini este mesmo
amor é traição, adultério, ruína. O amor actua aqui como poder
revolucionário que destrói as ligações mais sagradas do casamento e da
fidelidade ao próprio rei.
O amor de Lancelote pela rainha Genebra, mulher do rei Artur, produz
violência e ruínas que envolvem não só os amantes, como toda a sociedade. É
com aquele adultério
que co-

AMO-TE

meça a série das guerras e das tragédias que no fim destroem o

reino.1

O estado nascente amoroso é a tentativa de mudar radicalmente

a própria vida, precisamente como faz um grande movimento co .ectivo


na sociedade. É animado por um entusiasmo irreprimível. E quem participa
dele tem a sensação
de que todos os males, todas as injustiças podem ser resolvidos. Por isso
choca nas instituições existentes e procura criar outras relações sociais. Nos
casos extremos
o movimento subverte realmente o existente e destrói impiedosamen-
te o passado.2

Todos os enamoramentos são potencialmente revolucionários. O seu


efeito é sempre duplo. Aquilo que para alguns é alegria, libertação,
renascimento, para outros é
devastação e ruína. Produzem inevitavelmente confronto, conflito entre os
que pertencem à nova comunidade emergente e os que se encontram na
dilacerada. Conflito
que pode ser muito ligeiro no caso de dois jovens enamorados que não
tenham a oposição das famílias e vão tranquilamente viver juntos ou casar.
Eles só revolucionam
as suas vidas, sem romper brutalmente com o passado. E muito diferente
se os enamorados forem casados, ou se estiverem ligados por compromissos
ou leis sagradas
como a ordem sacerdotal.

No enamoramento está sempre presente a violência. Tudo o que destrói


as ligações passadas, tudo o que subverte as relações existentes é violento. O
enamorado não
quer fazer o mal. Mas para realizar o seu sonho, para dar vida à nova
comunidade pode fazê-lo. Pode ferir pessoas que até há pouco tempo lhe eram
queridas. Provocar-lhes
uma dor terrível, destroçar-lhes o coração. A esta dor Simone de Beauvoir
deu voz no livro Una donna spezzata.

’ Veja-se o ensaio sobre o adultério de Tony Tanner, L’adulterto nel


romanza, Marietti, Génova 1990.

1 O cristianismo é visto pelos cristãos como o florescimento do judaísmo.


Mas para os judeus foi uma fractura da comunidade hebraica, uma terrível
heresia, que provocou
inumeráveis danos ao povo israelita. A Reforma protestante pode ser vista
como a criação dum novo cristianismo, a emergência duma pluralidade de
comunidades religiosas,
os luteranos, os calvinistas, os anabaptistas e depois, por aí adiante, até
aos metodistas, aos baptistas reformados. Mas também pode ser considerada
como sendo
a desintegração da Igreja Católica medieval, a perda irreparável da sua
unidade. O bolchevismo afirmou-se desintegrando o sistema político russo,
destruindo os sociais-revolucionár

ios, o Partido dos Camponeses, o Bund. Os movimentos juvenis dos anos


60, pensemos só nos hippies, subverteram a universidade, puseram em crise
as velhas associações,
modificaram as relações no seio da família. E o mesmo aconteceu com o
feminismo que uniu as mulheres, mas alterando, destruindo, modificando
relações entre os sexos.

70
71
#FRANCESCO ALBERONI

Nascimento e moralidade

Neste século, sob a influência da psicanálise, difundiu-se a ideia de que


todas as experiências entusiasmantes e exaltantes, todos os impulsos
apaixonados de coração,
as emoções mais profundas, são apenas sobrevivências infantis. Mas não
é assim. A experiência exaltante que se vive no estado nascente, quando nos
apercebemos que
estamos em contacto com o absoluto, com a essência, quando
vislumbramos a harmonia que existe entre natureza e cosmos, entre prazer e
dever, é uma propriedade fundamental
da mente humana.

A vida humana não tem só um nascimento, só uma infância, é feita de


vários renascimentos, de várias infâncias. O estado nascente é, todas as
vezes, uma morte-renascimento,
a destruição e a reestruturação do sujeito e do seu mundo. Isto acontece
no enamoramento individual, que é um novo imprinting, na descoberta
científica, na conversão
religiosa, na emergência de um novo grupo político, religioso, científico.

A experiência extraordinária, o incipit vita nuova, é um rejuvenescimento


do indivíduo e do seu cosmos em que tudo regressa intenso e vibrante,
transbordante de
vida. Um salto em frente, uma saída do existente, do quotidiano, um
vislumbre de um modo extraordinário de ser, que o sujeito, ou o grupo,
procura depois realizar
no mundo. A evolução, a perfeição e a liberdade não são o resultado da
renúncia ao sonho para nos adaptarmos à realidade, mas sim da tentativa de
realizar o sonho
dentro da realidade. De plasmar a realidade no sonho, no ideal.

O homem sabe superar o existente e pode viver numa dimensão onde


tudo aspira à sua perfeição. A ideia do paraíso terrestre não é só a recordação
da infância, algo
de regressivo a superar. Se não houvesse esta aspiração altíssima, este
sonho extraordinário, não poderia existir nenhum sonho, nenhum ideal e
nenhuma civilização.
A ideia do paraíso terrestre é a estrela polar que guia o homem em
direcção à perfeição. Todas as sociedades envelhecem, endurecem, ficam
esclerosadas, exactamente
como qualquer indivíduo. Então emerge do seu seio um poder
regenerador que as subverte, as destrói, para criar uma identidade nova. Este
poder apresenta-se como
um despertar, o vislumbre duma vida nova. É esta visão que dá à
sociedade, aos povos, à história, o seu carácter evolutivo. Os movimentos, as
suas es-

72

» AMO-TE -,,.,.,„-„

neranças, as suas utopias foram o fermento que levaram os homens a


procurar realizar, inclusivamente através de infinitos erros e falhas, sociedades
melhores e mais
justas. Foi sob o seu impulso que surgiram os grandes ideais da
humanidade. O poder regenerador revela-se no momento inicial, como intuição
imprevista, como clarão,
depois como luz resplandecente, difusa, solar, universal, que se estende a
todos, abraça o universo inteiro. O estado nascente é, portanto, visão de um
mundo novo.
E quem viu esse mundo quer transportá-lo para esta terra. Por isso faz um
projecto concreto, histórico. Algo do ideal é sempre realizado também na
acção concreta
sob a forma de instituição. A instituição é, em parte, a guardiã e a
herdeira da promessa do estado nascente.

Mas o que está a nascer contrapõe-se sempre a qualquer coisa. O que se


liberta é sempre libertação de qualquer coisa. Nascer significa também
destruir. O poder regenerador
que quer o que é novo contrapõe-se com raiva, às vezes ferozmente, a
quem lhe põe obstáculos. Os enamorados amam o mundo, o universo,
desejam que todos os seres
vivos sejam felizes, mas não suportam serem separados e estão dispostos
a tudo para realizarem o seu amor.

O enamorado descobre que o mundo é um paraíso, mas também um


obstáculo. O novo mundo vem ao seu encontro com toda a sua magnificência,
grávido de promessas. Mas
coloca-lhe deveres desmedidos. Ele apercebe-se que não pode realizar
tudo o que vislumbrou. Terá de enfrentar o existente, subjugá-lo, destruí-lo
para não ser por
ele vencido. Ou ceder, chegar a compromissos. Os enamorados sonham
com que todos os amem, que todos os aprovem. Ficam dolorosamente
afectados quando descobrem que
não é verdade. Movem-se no velho mundo como crianças ingénuas. Vêem,
aterrados, os obstáculos que o velho mundo coloca para impedir o seu novo
modo de ser. Os obstáculos
que amontoa no seu caminho. Então pelejam selvaticamente para não
serem sufocados, para não serem detidos. Mas não são indiferentes. Não são
ávidos e sem moral.
Pelo contrário, são sensíveis ao mal, à dor.

O estado nascente, precisamente porque dá um valor absoluto a tudo


aquilo que amamos, tanto o que é novo como o que é velho, mostra-nos com
horror a escolha a fazer.
Porque não é uma escolha entre melhor e pior, entre bem e mal, mas sim
entre dois bens no esplendor do primeiro dia. Por este motivo a escolha
apresenta-se

73
#FRANCESCO ALBERONI

como dilema.1 Todo o ser que renasce, no seu assomar-se ao mundo,


encontra-se como o seu progenitor no jardim do Éden e tem de fazer uma
escolha que o afastará do
Paraíso. Seja qual for a escolha que fizer - obedecer ao seu grupo ou
afirmar-se a si mesmo, escolher o novo amor ou manter-se fiel ao velho -, uma
das duas alternativas
acaba por ser má. A partir de então estará cindido. O dever e o prazer
seguirão dois caminhos diferentes. Terá de ganhar a vida com o suor do seu
rosto, isto é,
com a vigilância, a suspeita, a luta. Mas ficará com a recordação de algo
infinitamente mais elevado e mais belo.

A moralidade que emerge do estado nascente não tem um só rosto, tem


dois opostos.2 O primeiro rosto da moralidade é o que precede a escolha e a
recusa. Ela quer
existir sem negar, existir sem destruir, existir sem se contrapor. Aspira a
um mundo diferente, indivisível, a um mundo harmónico, conciliado. Tende a
evitar a separação
absoluta entre bem e mal. Tende a evitar o juízo. O segundo rosto é o da
moralidade do viver. Ela justifica a luta, a resistência, dá-lhe legitimidade. É a
moralidade
que divide o inimigo do inimigo, que julga e que condena.

Macho efèmea

O enamoramento é idêntico no homem e na mulher, no jovem como no


velho, no homossexual e no heterossexual. Mas a sensação de culpa, o dilema,
é profundamente influenciado
pela cultura, pela história, pelo tipo de moralidade aprendida. Apesar da
progressiva aproximação dos dois sexos, neste momento histórico
permanecem as diferenças.3
Em geral a mulher considera o amor um acto positivo, moral. A sua moral
tradicional diz-lhe: se amares alguém vai com ele. No homem, pelo contrário, o
amor pertence
ao domínio

1 O nascimento da moralidade do dilema ético é exposto em Francesco


Alberoni, Enamoramento e Amor, cit. e, sobretudo, As Razões do Bem e do Mal,
Bertrand Editora,
Lisboa. A descrição que faz do enamoramento Dorothy Tennov em Love
and Limerence, Stern and Day, Nova Iorque 1979, é incompleta porque ignora
esta natureza conflitiva.
Tennov descreve o idílio, não a realidade concreta do amor.

2 Veja-se Francesco Alberoni, Valores, Bertrand Editora, Lisboa.


3 Veja-se o capítulo «Differenza sessuale», in James Q. Wilson, II senso
morale, trad. ital. Comunità, Milão 1995. . . ..,,-......

74

AMO-TE

do prazer. A sua moral tradicional diz-lhe: sê fiel aos acordos, cuida dos
que dependem de ti, não faças sofrer os que te amam e que dependem do teu
sustento. No
homem só o enamoramento produz uma parcial legitimação do amor. É
como uma explosão que subverte as regras morais correntes. Ele sente
interiormente ter o direito
de seguir o seu amor. Mas até neste caso a outra moral, a moral da
responsabilidade, continua a agir.1 Por isso, muitas vezes o homem
enamorado continua a preocupar-se
com a pessoa que deixa, sente-se responsável pelo seu sofrimento. E é a
nova amada que o leva a deixar a outra. Normalmente, é a mulher que lhe
explica que tem o
direito de o fazer, mais ainda, que tem o dever, porque se ficar com a
outra, não a amando, só lhe pode fazer mal.

É errado ver neste comportamento uma especial competitividade


feminina em relação ao próprio sexo. A mulher simplesmente pensa que, se se
ama alguém só se deve amar
esse alguém e que não há outras obrigações éticas a respeitar. Indo com
quem ama, a mulher respeitou todas as suas obrigações morais. Pelo
contrário, o homem aprendeu
durante milhares e milhares de anos, que o seu primeiro dever é para com
a comunidade, a família, a mulher, os filhos. E que o erotismo é mais outra
coisa. Algo
que pode obter da mulher ou das concubinas ou das escravas. Algo que
pode obter também com a guerra e o saque. Mas tudo isto não deve interferir
nos seus deveres
primários, que não são eróticos.

Quando as mulheres dizem que os homens são mais hesitantes, incertos,


dubitativos que elas nas coisas do amor, dizem a verdade. Elas são pelo sim ou
pelo não, sem
posições intermédias. E quando uma relação acabou, acabou para
sempre, não continuam a sentir deveres de solidariedade para com quem
deixaram de amar. No seu livro,
Françoise Giroud faz dizer à sua protagonista a propósito do marido: «Ele
não percebia nada de psicologia feminina. Não saberia ele que uma mulher
que deixa de amar
faz desaparecer o objecto do seu amor? Que o elimina?»2

Pelo contrário, o homem foi habituado durante milénios a

’ No divertido livro de Maria Venturi, Vamore s’impara: come conquistare e


tenersi un uomo, Rizzoli, Milão 1989, todas as estratégias para manter o
marido e rechaçar
a rival baseiam-se no sentimento de culpa do homem. Põem-no em acção,
aumentam-no, exasperam-no. Estes mesmos mecanismos não são aplicáveis à
mulher. A menos que
esta não tenha de renunciar aos filhos.

2 Françoise Giroud, Mio caríssimo amore, trad. ital. Rizzoli, Milão 1995, p.
62.

75
#FRANCESCO ALBERONI
achar que tinha responsabilidades, deveres e direitos que continuam
mesmo depois. Só recentemente, com o desaparecimento do patriarcado, com
a independência feminina,
com a diminuição da natalidade, com a assistência social, tanto os pesos
como as pretensões tradicionais da responsabilidade masculina vão-se
atenuando. O que resta
é um hábito mental, um tipo de sensibilidade moral que já não tem uma
justificação objectiva. Por isso o modelo feminino tende a prevalecer cada vez
mais. E o homem
sente a sua incerteza, a sua indecisão, não como uma virtude, mas como
uma fraqueza culpável. Vive a sua incerteza, mais uma vez e paradoxalmente,
como sentimento
de culpa. , . ...

Questões moraiss

O mundo antigo tinha regras morais rígidas no campo do erotismo e do


amor. Proibia o incesto, estabelecia obrigações matrimoniais, condenava o
adultério, a ruptura
da promessa de casamento, estabelecia a obrigação de desposar a
rapariga que ficasse grávida. Estas regras envelheceram e perdem importância
todos os dias. As relações
eróticas e amorosas são deixadas cada vez mais à livre expressão
individual, à preferência, ao prazer. Vemo-lo nos adolescentes. Se um rapaz se
apaixonar por uma
rapariga mais bonita não terá problemas em deixar a anterior. Se uma
rapariga encontrar outro que lhe agrade mais, di-lo-á ao rapaz com quem
anda. E se ele continuar
a amá-la, se sofrer, se suicidar? É problema dele. No campo amoroso o
indivíduo não se sente responsável pelo que sente ou faz o outro.
Este tipo de comportamento dos adolescentes está a estender-se à vida
adulta. A moral apresentada pelas séries televisivas e pelas telenovelas
defende claramente
que a única força que mantém o casamento unido é o amor. O amor
justifica tudo. A nova moral só tem um mandamento: «Vai aonde te leva o
coração.»1 Quando alguém
já não ama, quando é dominado pela cólera e pelo ódio, segue sem se
voltar para observar a dor e a devastação que deixou atrás de si. O resultado é
que na vida real
os mundos do amor e do erotismo são cada vez mais dominados pela
lógica da preferência e da prepo-

AMO-TE

tência. Tomemos como exemplo o caso de uma mulher que ajudou o


marido a fazer carreira, que lhe deu filhos e o ama com ternura, gle enamora-
se de uma rapariga mais
nova e casa com ela. A mulher começa a beber e alguns anos depois
morre de cirrose hepática. O ex-marido não se considera moralmente
responsável por esta morte.
Tomemos outro caso: um homem de sessenta anos tem um desaire
financeiro, adoece e então a mulher que vive com ele abandona-o. Ele morre
de enfarte. Também neste
caso ela não se considera minimamente culpada dado que já não o
amava. Mas tudo isto é justo?
É óbvio que não há nenhum contrato, nenhuma lei moral que nos possa
impor que amemos uma pessoa que não amamos. Mas disto não se depreende
automaticamente que não
sejamos responsáveis pelas consequências provocadas pelas nossas
acções. Fazê-lo significa violar os princípios morais fundamentais da nossa
civilização: o mandamento
bíblico de não fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem a
nós, o ensinamento de Kant de agir de acordo com a máxima que gostaríamos
de ver aplicada
por todos, a ética da responsabilidade de Max Weber. Nós somos sempre
responsáveis pelo mal que provocamos aos outros e devemos procurar reduzi-
lo ao mínimo. Se
é verdade que não podemos obrigar-nos a amar quem não amamos, é
igualmente verdade que podemos agir com prudência, tratá-lo com gentileza,
ajudá-lo na necessidade,
respeitar a sua dignidade e o seu valor.

Muitos defendem que o amor não é comandado. Depende do tipo de


amor. Muitos grandes amores são apenas paixonetas, caprichos, paixões
passageiras. Até o verdadeiro
enamoramento começa sempre com explorações e tem necessidade, para
se desenvolver, do nosso consentimento, da nossa cumplicidade. Que dizer
então das falsidades,
do egoísmo, das maldades feitas em nome do amor? Quando há amor
pelo meio, teremos de justificar todas as torpezas? Por outro lado, hoje um
grande número de pessoas
defende que aonde o leva o coração é sempre justo, sempre legítimo,
indignam-se quando ouvem falar da responsabilidade.

1 Como no livro de Susanna Tamaro, Va’dove ti porta ilcuore,


Baldini&Castoldi, Milão 1994.
76

77
#O VERDADEIRO ENAMORAMENTO

Como fazer para distinguir um verdadeiro enamoramento de um falso


enamoramento, de uma paixão? Haverá uma experiência típica, inconfundível
do enamoramento verdadeiro?
Nós pensamos que sim. O verdadeiro enamoramento é dominado pelo
mecanismo do estado nascente, os outros não. Se examinarmos com atenção
a experiência típica do estado
nascente, teremos a chave para compreender se nos encontramos
perante um verdadeiro enamoramento. Esta experiência é mais complexa,
mas vale a pena conhecê-la. Examinemo-la
em pormenor. Só quando encontrarmos todas as características aqui
enumeradas, poderemos falar de verdadeiro enamoramento. Nos outros casos
não.

1) Experiência de libertação. Temos a sensação que acabou um período de


prisão. Rompemos as correntes, saímos para o ar livre. Saboreamos a
liberdade. Estávamos
dominados, por preguiça, por passividade, por medo. Obrigávamo-nos a
fazer o que os outros nos pediam. Seguíamos as suas regras e não as nossas
mais profundas aspirações.
Já não éramos nós próprios. Estávamos fechados, pouco a pouco, numa
prisão invisível. Agora arrancámos as barras e tornámo-nos finalmente o que
queremos ser.
2) A iluminação. É como se tivesse caído, quase por magia, um véu que
nos cegava. Agora sabemos quais são os nossos verdadeiros desejos. Agora
conhecemos a nossa
verdadeira essência. Sabemos o que é justo, o que é bem fazer.
Estávamos cegos, adormecidos, como quase todos os que nos circundam. E
que agora vemos com estupefacção
porque nos parece impossível que se contentem com o que sao e com o
que têm. Outrora nós também éramos assim, não era-
#FRANCESCO ALBERONI

mós verdadeiros, não estávamos vivos. Agora sabemos o que significa


viver verdadeiramente. E que tudo depende do amor. O amor é um dom
maravilhoso, mesmo fazendo
sofrer. Perdê-lo significa voltar para o meio dos cegos, na condição dos
zombies.

3) O único. O nosso amado não é comparável com mais ninguém. E o


único, absolutamente o único ser vivo que podemos amar. Qualquer outro que
encontremos, mesmo que
seja o nosso ídolo preferido, não pode substituí-lo. Não encontraremos
mais ninguém como ele, melhor do que ele. Se formos correspondidos, se ele
nos amar, ficamos
maravilhados com a incrível e a extraordinária sorte que nos coube.
Sentimos que nos foi dado algo que nem sequer tínhamos imaginado poder
obter. Por isso todas
as mulheres enamoradas encontram realmente o príncipe azul que só
existe nas fábulas. Todos os homens enamorados encontram a actriz divina, a
rainha inacessível
para a qual nunca teriam ousado olhar. O dom é tão grande, tão incrível,
que nem conseguimos acreditar. Por isso surge em nós a determinação de o
proteger contra
todas as adversidades, de o cultivar com extremo cuidado.

4) Realidade-contingência. Agora que conseguimos ver a essência das


coisas sabemos que tudo é animado por uma força ascendente que aspira à
felicidade, à alegria,
a tornar todas as coisas harmónicas e perfeitas. Esta é a verdade
profunda do real. A dor, a imperfeição, a malvadez são por isso apenas
aparência, contingência.
Um dia desaparecerão. Para nós, para todos. E afirmar-se-ão a verdade do
amor e a felicidade. Por isso é preciso ter confiança e resistir na esperança.

5) A experiência do ser. Sentimos que todas as coisas existentes, todos os


seres animados e inanimados têm um sentido. Em tudo respira o sopro do
absoluto. Tudo
é belo quando é iluminado pela luz do ser. O ser é em si belo, lógico,
necessário, admirável, estupendo. Por isso todas as coisas existentes, uma
colina, uma árvore,
uma folha, uma muralha ao pôr do Sol, até um insecto, nos parecem
comoventemente belas.

6) A liberdade-destino. Quando amamos, entramos na grande respiração


do universo. Tornamo-nos parte do seu movimento e da sua harmonia.
Sentimo-nos agitados, atravessados
por uma força transcendente. Somos como uma nota musical duma
grande sinfonia. E, no entanto, não nos sentimos prisioneiros. Pelo contrário,

AMO-TE

sentimo-nos livres e amamos soberanamente esta nossa liberdade. Indo


em direcção ao nosso amado respondemos ao chamamento do ser. Realizamos
ao mesmo tempo a nossa
vontade e o nosso destino. Ser livres é querer o máximo bem, é querer o
próprio destino. Ninguém é «escravo» do seu amor. Porque é a sua verdade, o
seu chamamento,
o seu destino.

7) O amor cósmico. Quando estamos enamorados, amamos todas as


coisas. As montanhas, as plantas, os rios, todos os seres vivos. Debruçamo-nos
sobre o mundo cheios
de compreensão e de amor. Amamos ainda mais as pessoas que nos
rodeiam, e gostaríamos de fazer todos felizes. Sentimos que dever e prazer
deveriam coincidir. Quando
isto é impossível, quando nos é imposto escolher entre o nosso amado e
as outras pessoas que amamos, então ficamos dilacerados, divididos. É o
dilema ético. Muitas
pessoas renunciam ao seu amor, algumas suicidam-se com o amado,
porque o dilema ético parece-lhes irresolúvel. Para salvar o amor renunciam à
vida. Mas quem é forte,
quem quer salvar a vida e o amor, dedica-se a encontrar uma solução
aceitável para todos. Quem está verdadeiramente enamorado está disposto a
suportar renúncias,
a fazer sacrifícios. E se fizer mal a alguém, tem sentimento de culpa, dor.

8) O renascimento. A pessoa enamorada rompe o círculo mágico que a


mantinha ligada, como um autómato, à sua comunidade. Modifica as relações
que teve até àquele
momento. Torna-se diferente, um outro homem, uma outra mulher. O
velho indivíduo morreu, no seu lugar está a nascer um novo. Sofreu uma
mudança interior, a metanóia
de que nos fala S. Paulo, a morte-renascimento. O enamorado é um
renascido. Não há verdadeiro enamoramento se não houver esta experiência
de renascimento.
9) Autenticidade e pureza. Dado que o nosso velho Eu, ávido, inautêntico
e falso morreu, nós queremos ser autênticos, puros. As pessoas enamoradas
dizem a verdade
por necessidade interior. Não mentem, nem para si próprias, como
acontecia no passado. O verdadeiro enamorado é fresco, ligeiro, plástico. Já
não é ávido, avarento,
invejoso porque só lhe interessa o seu amor. O sentido desta experiência
está encerrado na frase religiosa: «Procura o reino de Deus e o resto ser-te-á
dado por
acréscimo.» Precisamente por ter vislumbrado a essência da vida não
teme os obstáculos. Sente que poderá superar todas as dificuldades, todas as
incompreensões,
todos os ódios.

80

81
FRANCESCO ALBERONI

Este sentimento de invulnerabilidade não turva a sua razão. Pelo


contrário, é paciente, atento, engenhoso.

10) O essencial é a pessoa amada. Enquanto antes tinha milhares de


exigências, milhares de hábitos, agora que está enamorado parecem-lhe
fúteis. Não liga nada ao
que tem, como está vestido, como viaja. Basta-lhe o essencial Essencial é
o que serve para agradar ao amado, para o fazer feliz, para viver ao lado dele.
Pensa realmente
que lhe basta «o amor e uma cabana». O enamorado sabe prescindir,
sabe renunciar, contenta-se com pouco. Suporta serenamente o cansaço, o
sono, a fome. Se, por outro
lado, continuar ávido, se não souber renunciar, quer dizer que não está
enamorado. Se se lamentar, quer dizer que não está enamorado.

11) O comunismo amoroso. Se alguém se enamora duma pessoa rica, é


feliz por esta pessoa ser rica e não se importa de ser pobre. Não quer tornar-se
rico como ela,
não quer tornar-se ela. Se, pelo contrário, é ele a ser rico, sente o dever
de dar, de reduzir a desigualdade. As pessoas verdadeiramente enamoradas
não fazem uma
contabilidade do dar e do ter. Cada um «dá segundo as suas
possibilidades e cada um recebe segundo as suas necessidades».1 Coisa só
possível se ambos os enamorados
autolimitarem as suas necessidades materiais. Fazem-no porque são
felizes, por estarem juntos e têm necessidade de muito pouco. Comem uma
sanduíche a olhar um para
o outro e parece-lhes divinal, ficam numa pensãozinha reles e parece-lhes
um palácio.

Quando existe avidez ou avareza, não existe verdadeiro enamoramento.


Além disso, no enamoramento são mantidas cuidadosamente afastadas as
pretensões de todos os
outros membros da família, do clã, do partido. No estado nascente
entramos como indivíduos. Há, portanto, um excesso de recursos em relação
às necessidades. Se se
verificar escassez, se um dos dois pedir demasiado, quer dizer que não
está enamorado.
12) A historicização. Dado que renascemos, construímos a nossa nova
identidade, voltamos ao nosso passado para compreender tudo o que nos
aconteceu, para julgar
tudo o que realizámos. Para compreender o que nos afastou do caminho
certo, e como encontrá-

AMOTE

É a mesma definição que usa Karl Marx em L’ideologia tedesca, trad. ital.
Editori Riuniti, Roma
1956.- • .,.••. ., ,, ... . .,-,•. .. ,., ..,-.-•, ......... . ....... .., ;

mós o verdadeiro amor. É a historicização. Todos os velhos traumas, as


velhas dores, os velhos amores se dissipam, privados de valor Emergimos
novos, sem rancores
e sem vínculos. Os enamorados realizam este processo em conjunto,
contando um ao outro a própria vida. Confiam um ao outro as fraquezas, os
erros. Descobrem também
os traços, os presságios do amor que hoje os une. Através da narração do
amado, cada um vê o mundo como ele o viu. Desta forma fundam juntos não
só os seus próprios
presentes como também as suas vidas passadas. Integram-nas,
harmonizam-nas até construírem uma história comum, terem uma comum
identidade no

tempo.
13) O amor como uma graça. Mesmo que nos tenhamos esforçado por
conquistá-lo, se o outro nos ama, vivemo-lo como um milagre, um dom, uma
graça. O amor não tem explicação.
É um acto totalmente livre. Por isso queremos que o outro nos ame
livremente. Mesmo quando queremos aprisioná-lo, atá-lo, para que fique
connosco, pois queremos
que nos diga espontaneamente: «amo-te». O «filtro de amor» dos mitos é
algo que transforma o espírito do amado em nosso favor, que provoca nele a
mesma mudança,
a mesma metanoia que nós sofremos. Não é pensado como uma
escravidão, mas como uma libertação. Ele, ao beber a poção mágica, vê-nos
como somos verdadeiramente.

14) A igualdade. No enamoramento, cada um é único para o outro,


insubstituível, aquele que vale mais do que todos os outros. Por isso cada um
sente-se no topo do
mundo. Em termos sociológicos cada um é o chefe carismático do outro e
não pode ser substituído. Os enamorados são, pois, absolutamente iguais. Não
é concebível
entre eles uma diferença de grau ou de hierarquia.

15) O tempo. A pessoa amada é como a aurora: dá início à nossa nova


vida. É como o pôr do Sol: é o seu limite. Portanto, é toda a nossa vida, como
um dia de sol:
começa com ele e acaba com ele. E o princípio do tempo e o fim do
tempo. Sabemos que o destino, dando-nos aquele amor, nos deu o máximo.
Por isso a única coisa que
esperamos é caminhar a seu lado no futuro, enfrentando todos os
contratempos e todas as dificuldades. Podemos imaginar toda a nossa vida
junto dele, até à morte.
A sua duração não conta. Uma vida com o nosso amor é, de qualquer
forma, completa, perfeita. O amor e o tempo são a mesma coisa.

83
#FRANCESCO ALBERONI

Mais do que renunciar ao nosso amor estamos dispostos a morrer. Ao


mesmo tempo estamos cheios de desejo de viver. Mas só com o nosso amado.
O ciclo da nova vida
começa e termina com ele. Esta impossibilidade de imaginar o tempo sem
ele enche-nos de terror. Viver sem ele significa cair, precipitar-se no abismo.
Enquanto que
com ele podemos crescer, melhorar, elevar-nos.

16) Transfiguração. No enamoramento transfiguramos a pessoa amada.


Na transfiguração temos, no mesmo instante, uma dupla experiência: todas as
coisas que existem
são maravilhosas e, ao mesmo tempo perfectíveis, movem-se em direcção
a um ponto mais alto. É desta forma que a mãe olha para o seu filho doente.
Ela sabe que se
trata duma doença. Gostaria de o ver com saúde, gostaria de

O poder curar. E no entanto não pode deixar de ver aquela carinha pálida,
aquele corpinho desfalecido como belo, encantador. A transfiguração faz-nos
amar o existente
à luz do Ser. Não confundamos a transfiguração com a idealização. Na
idealização encontramos na pessoa amada valores reconhecidos. Pomos de
lado os seus defeitos,
eliminamo-los e destacamos apenas as qualidades, exageramo-las.
É a transfiguração que nos permite, quando estamos enamorados, amar o
outro tal como ele é, de nos fundirmos com ele. Aceitamos o seu corpo, o seu
espírito. Abrimo-nos,
estamos dispostos a mudar, a plasmar-nos segundo os seus desejos.
Queremos ser perfeitos aos seus olhos.

17) Aperfeiçoamento. Descobrimos em nós uma força que nos impele a


superar-nos. Vislumbro a minha e a sua essência. E a sua essência não é só o
que se manifesta
agora, mas todas as possibilidades que estão escondidas nele e que ele
próprio desconhece.1 E como se o meu dever fosse o de tornar a pessoa
amada semelhante àquilo
que Deus pode ter tido em mente para ele.2 Por isso eu levo-o a mudar.
Mas o mesmo processo actua sobre mim. Também eu quero fazer emergir a
minha verdade profunda,
realizar a minha essência. Por isso sou forçado a procurá-la, não só
naquilo que ele me indica, como também em mim mesmo, em espírito de
verdade.

Cada um quer ser perfeito para agradar ao amado. Ouve-o e molda-se


segundo os seus desejos. Mas, ao mesmo tempo, procura a

1 Cfr. Jurg Willi, Che cosa tiene insieme lê coppie, trad. ital. Mondadori,
Milão 1992.

1 Verena Kast, Paare, Beziehungsphantasien oder: Wie Gõtter sich in


Menchen Spiegeln, Krenz, Estugarda, 1984, trad. ital. La coppia, Ed. Red, Como
1991.

AMO-TE
sua verdadeira vocação. E nesta procura pode chocar com a procura do
amado. Ambos tendem essencialmente para a perfeição pessoal e para a do
outro,1 mas o que vêem
e propõem, umas vezes coincide outras vezes opõe-se. Segue um
processo complexo que não pode ser chamado adaptação recíproca, porque é
muito mais: é um acto de re-nascimento,
uma re-invenção, re-criação de si e do outro, e da

própria relação.

Neste processo de co-criação pode haver muitos mal-entendidos, erros,


ajustamentos, correcções, recomeços. Porque o outro pode não ter as
possibilidades que vislumbrei
nele, e eu as que ele me atribuiu. Porque algumas coisas que pareciam
verdadeiras mostram ser falsas. O estado nascente é uma exploração do
possível. Com a acção
desta exploração, o possível fica reduzido. Aparece o impossível: a
«realidade» em contraste com a fantasia, a esperança.

O casal só se forma e dura se esta «realidade» não entrar em contraste


mortal com a transfiguração, não a anular. No casal feliz a transfiguração
continua. Só que
não se estende ao possível todo. Foram determinados pelos âmbitos de
impossibilidade, pelos confins. Mas no interior o fluxo vital renova-se
perenemente.

18) A fusão. É o encontro místico que se basta a si mesmo, que está


pronto a dobrar-se sobre si mesmo. O que conta é o contacto com o absoluto, o
êxtase. O seu tempo
é o presente, o seu desejo é parar o tempo, o nunc stans, o eterno.
Quando o tempo pára, as coisas revelam a perfeição da sua essência, e
acabam todas as aspirações
porque se está para lá do desejo.

A fusão é fusão dos corpos, identidade dos espíritos. Queima, ilumina.


Como uma água milagrosa purifica, como um sacramento torna invencível e
invulnerável. O indivíduo
entrega-se a algo que o transcende e no qual se realize. Os dois corpos,
antes de se juntarem, tornam-se sagrados, sacrum facere, consagração,
santuário. Agora cumpre-se
o milagre do contacto entre o céu e a terra, da fusão com o universo. O
céu e a terra são chamados a testemunhar, e olham abençoando. É isto o
casamento, a união
consagrada. É a celebração do casal nupcial e da natureza, já sem
distinção. É a união da diversidade de que nascem todas as coisas. É
transubstanciação: o

84

’ Sobre a procura da perfeição estética própria e do outro veja-se Sasha


«fan», Q»,TteMb»***®

Forms of Socioerotic Life, Pro manuscripto, Univ. de Telavive 1995.


,;•;, /;;’!« ,;-

85
#FRANCESCO ALBERONI
corpo torna-se divino, juntaNDO-se ao outrO.

e simboliza tudo aquilo que

nasce e geRMINa

19) O projecto. Da fosão surge O projecto: QUEREM ESTAR juntos,


Mão na mão, os dois amantes percorrem os caminhos do mundo que parece
totalmente belo e novo.
Tudo é resplandecente à luz das luzes nupciais. O ser está predisposto
para acolher a vida nascente. Antes de tudo era puramente germe,
potencialidade. O projecto
é definição. O projecto projecta-se no tempo. O tempo nasce com o
projecto. O tempo sai do nunc stans, do eterno sob forma de projecto.

O projecto germina, surge absolutamente livre e caprichoso como


movimento em direcção ao mundo, como jogo no mundo. O projecto é possível
porque o mundo se transfigurou,
disposto a acolhê-lo. Não é esforço, sofrimento. É dança, criatividade.
Pode gerar uma actividade frenética, a construção duma casa, duma família.
Ou o fechar-se
numa torre (o amor e uma cabana) na floresta (como no mito de Tristão e
Isolda)- Mas tudo é feito em nome desse encontro, dessa união mística,
vivificante. Ela é
a matriz e a fonte, ela é o princípio e o fim último. Todas as outras
determinações, a construção da casa ou de refúgio, o partir ou o ficar, são tudo
caminhos que
partem dela, modos de estar no mundo, encarnações da sua sacralidade,
emanações.
Na produção destas coisas entra em jogo a cultura, a experiência
acumulada, os medos, as angústias ou os amores infantis, as desilusões
sofridas, os sonhos, os desejos
insatisfeitos. O projecto é o produto da fusão e da sua vontade de viver,
de se tornar matéria viva, natureza, corpo, estrutura. É a sua encarnação no
mundo, a sua
realização no mundo. E germinação, marca deixada pelo impulso criativo,
pelo impose vital que procura a sua perfeição mas que de qualquer forma se
objectiva em algo
que vive, que permanece.

20) O dilema ético. O absoluto, vislumbrado, tem de encarnar-se. O


enamoramento não é só idílio. Não é só andar a sonhar para lá do bem e do
mal. E realizar o bem
no mundo, e isto implica descobrir a moralidade. A moralidade apresenta-
se sempre como escolha entre coisas que, à luz do ser, têm a mesma
dignidade. Quem ama gostaria
que todos fossem felizes. Mas torna alguns infelizes. Por isso é forçado a
enfrentar o dilema. Que é uma lenta e cansativa procura não daquilo que é
bem ena absoluto,
mas daquilo que reduz o mal, o sofrimento. ,.

81

OUTRAS FORMAS DE AMOR

Juntamente com o verdadeiro enamoramento existem os falsos


enamoramentos, as paixões, outras formas de amor. Temos de aprender a
identificá-las, a distingui-las.
No verdadeiro enamoramento o estado nascente subordina a si todos os
outros mecanismos. Nas outras formas amorosas actua, normalmente, só um.
Por exemplo, quando
o estado amoroso é determinado só pelo mecanismo da indicação temos
as formas de amor idolátrico. Quando, por outro lado, só actua o mecanismo
da perda, tem-se o
amor competitivo que tem necessidade de uma ameaça, de uma
dificuldade ou de um rival. Nos casos em que actua só o mecanismo do prazer
tem-se as paixões eróticas.1
Existem, então, formas de amor em que actuam outros factores. Examiná-
las-emos todas neste e no próximo capítulo. ; : • i • ’,: -

1 O processo é ilustrada

Princípio do prazer

Pseudo-enamoramente erótico

Verdadeiro enamoramento

-. Estado Nascente
Aferda

Amor competitivo

87

. Indicação

Pseudo-enamoramento idolátrico
#FRANCESCOALBERONI
V

AMO-TE

Amor idolátrico

1) A adorado idolatries É posta em movimento pelo mecanismo da


indicação. Dirige-se para aquele que todos conhecem, que todos indicam,
aquele que todos adoram. Nos
movimentos políticos, sociais ou religiosos, nas igrejas, nos cultos, nas
seitas, o chefe carismático, o líder, o sacerdote, o marabu, o guru, anda
sempre rodeado
por uma multidão de seguidores adoradores. Mas também os
multimilionários, os actores cinematográficos, os grandes cantores, os
campeões desportivos, aqueles a quem
na Itália chamamos divos, são admirados, amados, desejados. Nas
mulheres esta admiração torna-se muitas vezes desejo erótico.

Em todas as sociedades, em todos os grupos, existe uma hierarquia


erótica que tem no vértice pessoas consideradas mais desejáveis e, em baixo,
as que o são menos.
A categoria erótica é a posição ocupada por uma pessoa nesta escala de
preferibilidade. Alguns encontram-se no vértice da classificação internacional,
outros no
da nacional, outros no da local.

As pessoas da mesma categoria erótica são permutáveis, ao passo que as


da categoria erótica superior prevalecem sobre as da categoria erótica inferior.
No filme
de Woody Allen, A Rosa Púrpura do Cairo, há uma pobre dona de casa que
adora um personagem do ecrã, um explorador. A determinada altura este sai
do ecrã e faz-lhe
a corte. Ela enamora-se logo dele. Mas depois chega o actor em carne e
osso, cjue é ainda mais atraente que o personagem. Agora é ele a ser amado.
A determinada
altura quer um quer outro vão-se embora. A pobre mulher, desiludida,
regressa à sala de cinema onde aconteceu o milagre. Ali projecta-se um novo
filme com Fred Astaire
quç dança com Ginger Rogers. E ela fica imediatamente fascinada. Num
instante esquece-se dos amores anteriores.

A categoria- erótica é Uma qualidade social que faz esquecer as


preferências individuais. E o produto da opinião colectiva. Todos os indivíduos
têm, portanto, as
suas formas pessoais de reagir aos estímulos eróticos. Há sempre quem
não seja sensível ao fascínio das estrelas e das divas- A maior parte de nós, no
entanto, fica
influenciado pelos gostos colectivos.

As investigações sobre o idolatrismo até agora realizadas1 mostram que


as raparigas são mais influenciadas, na sua escolha amorosa, pela categoria
erótica do que
os rapazes. O seu erotismo, quando se desperta, tende para o alto. São
atraídas imediatamente pelas pessoas que na sua pequena comunidade têm a
categoria erótica
mais elevada, mas também pelas estrelas internacionais. Por isso a jovem
sonha com o campeão de ténis local e com Tom Cruise. Os outros são tidos em
consideração
apenas porque tem de ser, por necessidade. Este mecanismo é
antiquíssimo. Desde que o mundo é mundo que o macho procura todas as
fêmeas. A fêmea, por seu lado, embeleza-se,
provocadora, de forma a atrair o maior número de machos e, sobretudo,
os mais valiosos. Depois escolhe o melhor.

Também os rapazes se sentem atraídos pelas actrizes muito bonitas e


universalmente apreciadas. Mas não acreditam que uma mulher tão bela, tão
fascinante, tão famosa
possa interessar-se por eles. E mesmo que isso acontecesse, não teriam
nada que oferecer-lhe, não saberiam como mante-la. Falta, portanto, um dos
factores basilares
do enamoramento: a esperança. Esta renúncia acaba por se estender
também às suas colegas mais bonitas e mais procuradas. Muitos machos
acabam por renunciar à grande
beleza, aquela que todos admiram e querem. Deixam-na para os astros,
os ricos, os poderosos. Habituam-se a olhar para outros lados, onde podem
encontrar um sorriso
só para eles. Renunciando à beleza não aprendem sequer a analisá-la, a
distinguir entre beleza e atracção erótica. O erotismo masculino habitua-se a
reagir a um
número limitado de estímulos físicos, bastante grosseiros. Excita-se com
um decote pronunciado, com uma cabeleira, com umas pernas muito
compridas, ou até curtas,
se cruzadas de forma provocadora.2

As raparigas, pelo seu lado, desfazem-se todas para que repare nelas o
artista local, o filho do rico industrial, o campeão desportivo, aquele que todos
acham bonito.
Com os outros não sabem o que fazer. Não lhes concedem sequer um
olhar. Esta opção corajosa de apontarem para o alto tem também uma
vertente negativa. Porque muitas
vezes vêem-se forçadas a contentarem-se com um homem

1 Edgar Morin, I divi, trad. ital. Garzanti, Milão 1958. Francesco Alberoni,
Vélite senza potere, Vita e Pensiero, Milão 1963; nova edição Bompiani, Milão
1973.
Francesco Alberoni, Ilvolo nuzialf, Garzanti, Milão 1992. Adoring Audience,
Routledge, Londres 1991.

2 E um tema desenvolvido em Francesco Alberoni, O Erotismo, Bertrand


Editora, Lisboa.

88

89
#FRANCESCO ALBERONI

que não corresponde aos seus ideais. Daí o manto de decepção que se vê
muitas vezes nas jovens casadas.1

2) As propriedades extraordinárias que a pessoa vê no seu ídolo não são o


produto da sua transfiguração pessoal mas sim da indicação colectiva. E a
sociedade que
o declara assim, que lho aponta como figura exemplar, divinal. A adoração
idolátríca é um processo colectivo que leva a amar aquilo que a colectividade
já escolheu.
Muitas raparigas são mais atraídas por um ídolo do que pelo rapaz em
carne e osso com quem andam. Mas não podemos dizer que estejam
enamoradas dele. Porque o processo
não foi posto em movimento pela sua transfiguração amorosa pessoal,
não foi gerado pelo seu estado nascente pessoal. Elas participam do sonho
colectivo, vêem o que
a sociedade lhes indica como sendo o melhor.

Milhões de mulheres russas morreram de amores por Lenine ou Estaline,


como as italianas por Mussolini, as alemãs por Hitler e as americanas por
Franklin Roosevelt
ou por John F. Kennedy. Todos os indivíduos amam o chefe, mas as
mulheres acrescentam-lhe um interesse erótico pessoal semelhante ao sentido
pelos ídolos. Aqui é
a sociedade, o gabinete de propaganda, que se encarrega de fazer aquilo
que na transfiguração amorosa é feito pelo indivíduo singular.

Na transfiguração amorosa pessoal, pelo contrário, somos capazes de


encontrar valores do nosso amado, seja ele quem for. Seja qual for o juízo que
façam dele os
outros. Uma mulher pode enamorar-se dum homem muito feio, dum
delinquente, dum rejeitado da sociedade. Um homem, duma prostituta, duma
drogada. Porque é o ser em
si mesmo que parece admirável ao enamorado, e também a sua miséria,
também a sua doença. Como a mãe que continua a amar e a achar bonito o
seu filho deficiente.
E não se pode dizer que esteja errada. Porque a sua sensibilidade
acentuou-se mais, porque ela vê algo que os outros não vêem. O amor abre-
lhe uma porta de conhecimento
que está fechada para quem não ama. O enamorado descobre na pessoa
amada aquilo que ela vale, e afirma-o diante de toda a gente. Quando olha
para a sua mulher, acha-a
preferível à mais bela e mais famosa das estrelas. Se tivesse de escolher,
não teria dúvidas, escolhia-a a ela. O enamoramento rebela-se contra o
sistema de avaliação
erótica colectivo, contrapõe-lhe a sua própria ordem de valores. Não se
incli-

1 Veja-se Francesco Alberoni, O Voo Nupcial, Bertrand Editora.

90

AMO-TE

na perante o carisma que todos reconhecem, gera, como um verdadeiro


movimento colectivo, a sua figura carismática pessoal, e coloca-a acima das
outras. O amante
vê na amada os sinais luminosos do carisma que fazem dela a única
pessoa dotada de valor: a eleita.

3) Idolatria e ciúmes. É muito raro uma pessoa encontrar o seu ídolo


preferido e que este se enamore dela. Normalmente o ídolo permanece
distante. Permanece objecto
duma adoração à distância que não se torna um verdadeiro e autêntico
enamoramento. Na adoração idolátrica a pessoa adoradora não sofre por não
ser correspondida.
Algumas vezes há assomos de ciúmes mas, no conjunto, a fã aceita que o
seu amado tenha uma mulher, uma namorada e até muitas amantes
ocasionais. Porque está longe,
porque não pode actuar sobre ele, porque, faça o que fizer, não pode
suscitar o seu amor. Na «idolatria», a distância física e social confina o amor
nascente ao
reino do imaginário, da fantasia, do sonho, ao lugar da satisfação
alucinatória dos desejos.

Só nos enamoramos de alguém quando, com razão ou não, pensamos


poder ser amados. Quando podemos esperar reciprocidade. Quando não a
esperamos, estamos no campo da
adoração idolátrica, e não do enamoramento. Neste caso, se o outro não
nos amar, não sofremos. Ao passo que no verdadeiro enamoramento, se o
outro não nos amar,
sofremos terrivelmente.

Normalmente a fã sabe muito bem que o caminho que a leva ao ídolo ou


ao chefe lhe está vedado. Por isso se contenta com amá-lo à distância.
Contenta-se com uma fotografia,
com um póster, ou com vê-lo nos ecrãs. Porém, se conseguir aproximar-se
dele, o seu desejo aumentará. Mas também neste caso sabe que muito
dificilmente poderá ser
correspondida. Por isso se contenta até com uma relação sexual, que vive
como um privilégio. Por vezes lança-se nos braços dele para não o deixar fugir.
Há mulheres
que fazem uma verdadeira e autêntica colecção de celebridades. Nestes
casos não actua só o mecanismo da indicação, mas sim o desejo de mostrar o
seu poder de sedução,
de dominar. Só quando a fã se apercebe que o seu ídolo a ama também é
que se torna exclusiva e ciumenta.

4) A paixão idolátrica. Apresenta-se como um verdadeiro enamoramento,


mesmo que a transfiguração seja produzida apenas pela indicação colectiva.
Pode descobrir-se
que não é um enamoramento verdadeiro vendo se existem os caracteres
da experiência fundamen-
91
#FRANCESCO ALbeRONi

tal do estado nascente, descrita no capítulo quinto. De qualquer forma, no


fim o pseudo-enamoramento desmascara-se porque, terminado o aplauso
social, o amor desvanece-se.
A pessoa verdadeiramente enamorada luta contra a sociedade, a
apaixonada pelo ídolo segue as suas orientações, sujeita-se às suas fantasias.
Quando encontra o seu
ídolo, quando pode viver a seu lado na vida diária, apercebe-se que não o
conhece, descobre que ele é diferente do que vira no cinema, na televisão, de
como lho
tinham descrito os outros. E muitas vezes sente uma grande desilusão.

Como acontece com uma jovem a que chamarei A fã. Sempre adorara um
conhecido actor de Hollywood. Era o seu ideal, pensava estar enamorada dele.
Dado que frequentava
o casino e o ambiente do espectáculo, um dia teve a sorte de o encontrar.
Deita-se de cabeça para a aventura, sedu-lo, começa uma relação erótica. Mas
que desilusão!
O homem joga excessivamente, bebe, embebeda-se, assim que acaba de
fazer amor adormece e ressona. Além disso tem uma pele feia e com mau
cheiro. A nossa rapariga,
que julgava ter tocado no céu com um dedo, depois de alguns dias fica
muito feliz por levá-lo ao aeroporto e nunca mais o ver.

A paixão idolátrica pode acontecer também por alguém que não pertença
ao mundo do espectáculo. É o que mostra o caso de A rapariga que procura
marido. Quando tinha
doze-treze anos esta rapariga tinha tido uma grande paixão pelo cantor Al
Bano. Só o via a ele, tinha o quarto cheio de posters seus e sonhava encontrar-
se com ele.
Até que alguns anos depois encontra um artista local, admiradíssimo
pelas suas amigas, também por causa do seu automóvel descapotável. Al
Bano é esquecido e ela
fica totalmente presa ao novo amor, a quem faz uma corte desenfreada.
Segue-o, aproxima-se dele, arma-lhe ciladas, submete-se a todos os seus
caprichos, torna-se
escrava dele, aceita as situações mais humilhantes. Até que, por fim,
vence. Ele torna-se gentil, atencioso, enamora-se, e quer casar com ela.
Apresenta-a aos familiares,
vivem juntos. Então ela começa a ver os seus defeitos. Acha-o
desmazelado, banal, sem qualquer encanto. Ao tornar-se um homem
doméstico já não é o ídolo inacessível
e disputado pelas outras.

E eis então que no horizonte, uma tarde, aparece um novo ídolo. É piloto
de aviação. Belo, alto, moreno, com o rosto de um actor de Hollywood,
também ele adorado
pelas mulheres. O que sobretudo a faz enlouquecer é a divisa. «Enamora-
se» perdidamente e o seu

AMO-TE

amor pelo namorado transforma-se em desgosto, em aversão. Nunca mais


o quer ver, não responde às suas cartas e aos seus telefonemas.

Arder, arder de amor é o que esta jovem deseja, mas o seu amor não é
capaz de transfigurar uma pessoa qualquer. Tem necessariamente de escolher
como objecto de amor
aquele que lhe é mostrado nela admiração das outras mulheres. E embora
ela não saiba, o seu enamoramento não é verdadeiro. Com efeito, assim que
se sente amada,
assim que o seu amado deixa de ser inatingível, o seu amor desvanece-
se. E está disposta a deitar-se nos braços de um novo ídolo com ou sem
divisas.

De um caso análogo fala-nos também a psicóloga americana Dorothy


Tennov. No entanto, Tennov confunde a paixão erótico-amorosa com o
verdadeiro enamoramento. Desde
as primeiras páginas do seu livro Love and Limerence, falando de uma
estudante

que passava facilmente de um amor para o outro, escreve: «Terry estava


sempre enamorada de alguém. Na sexta classe teve uma terrível paixoneta
por Smith Adam, o
rapaz mais popular da escola... a seguir houve outros em estreita
sucessão de tal forma que a dor de um amor desaparecia com o aparecimento
de um novo.»1 Tennov
troca paixão por enamoramento. O seu conceito de limerence não tem em
si nenhum elemento para distinguir duas experiências tão diferentes.
5) Enamoramento idolátrico. Também é possível que a indicação seja um
ponto de partida de um verdadeiro enamoramento. Neste caso tem mais
facilidade em transfigurar
a pessoa amada, porque a sociedade indica-lhe como sendo
extraordinária, superior. É o caso de uma rapariga sul-africana, de vinte e dois
anos, muito rica, noiva,
que devia casar poucos dias depois. Chamar-lhe-emos A noiva. Era Verão
e ela estava de férias com os pais e o noivo. Uma noite vai a uma discoteca
onde actua um
cantor que ela sempre admirara, desde menina. E apercebe-se, com
estupefacção, que ele olha para ela, a procura com os olhos. Ela já está
perturbada pelas suas canções,
pela sua proximidade. Um amigo apresenta-lho, ele senta-se à sua mesa.
Depois dedica-lhe uma canção de amor e convida-a para os ensaios do seu
concerto, faz-lhe
a corte. A rapariga sente uma atracção irresistível. Este homem é o seu
sonho, o seu ideal. Perante ele a imagem do novo esfuma-se. É um amor à
primeira vista. Nos
dias se-

1 Dorothy Tennov, love and limerence, cit., p. 47.

93

92
#FRANCESCO ALBERONI

guintes volta a vê-lo. Os pais e os amigos preocupam-se, procuram


dissuadi-la. Mas ela não cede. Rompe o noivado e vai viver com ele. Dois
meses depois casam-se.

É claro que se o ídolo não se tivesse interessado por ela e, sobretudo, se


não lhe tivesse feito a corte, tudo teria ficado no âmbito da fantasia. Teria
conservado
apenas uma recordação romântica do seu ídolo. Mas neste caso o ídolo
actua na realidade como só poderia ter agido no sonho duma adolescente.
Aproxima-se dela, procura-a,
diz-lhe que a deseja, que a ama. Como é que se faz para resistir a um
estímulo tão intenso? Como se faz quando encontramos o nosso ideal? A noiva
encontrou o seu
ideal e este não a desiludiu. Neste caso a indicação desencadeia o estado
nascente e o enamoramento.

No entanto, entre o verdadeiro enamoramento idolátrico e o


enamoramento normal mantém-se uma subtil distinção. No enamoramento
normal a pessoa amada fica sempre
um pouco surpreendida, maravilhada ao ver que o outro acha admiráveis
todos os pormenores do seu rosto, todos os seus gestos, todos os seus
pensamentos. Esta adoração
sem motivo, gratuita, dá-lhe uma segurança profunda, análoga à que teve
em criança quando se sentia amada pelos pais, quando sentia ter um valor
próprio graças ao
seu amor. Esta admiração inesperada, esta confiança tem o efeito de a
levar a fazer mais, a melhorar-se, para ser digna dela.

O ídolo, pelo contrário, já está nos píncaros, já é consciente do seu valor.


Todos lhe gritam isso. E isto pode criar problemas no processo de
enamoramento. Porque
o enamoramento verdadeiro é um renascimento, um recomeço em que
nós reexaminamos criticamente toda a nossa vida passada. Quem está
demasiado no alto, quem está demasiado
seguro de si pode dizer: «Eu sou assim, aceita-me como sou sem me
discutires.»

Para que haja amor, é preciso que o amante faça germinar possibilidades
latentes ou oprimidas do nosso ser. Tem de oferecer algo de novo. O que é que
dá um homem
qualquer a Marilyn Monroe, a Claudia Schiffer, ou a Kim Bassinger se lhes
disser que são bonitas? Nada. Elas já sabem que são bonitas. O que é que lhes
pode dizer
que milhares de outros homens não tenham já dito? Que presentes lhes
pode dar que milhares de outros homens não tenham já dado?

O amor tem necessidade de vislumbrar algo de desejado e não atingido,


algo que esperava desabrochar. Algo que promete uma di-

94

AMO-TE

latação da experiência, uma vida digna de ser vivida. Pode ser a beleza, a
força, a inteligência, a arte, a estupefacção, o excesso, o risco ou o poder. Em
Orlando
Furioso, Angélica, adorada por todos os poderosos, escolhe um simples
soldado, Medoro, porque é o mais bonito. Marilyn Monroe escolhe primeiro Joe
Di Maggio, o desporto,
depois Arthur Miller, a cultura, e por fim Kennedy, o poder. Como
Cleopatra, que se tinha enamorado de César.

6) Chefe carismático e ídolo. As relações entre os seguidores e o seu chefe


carismático são diferentes das que os fãs têm em relação ao seu ídolo. No
movimento colectivo
os seguidores não amam só o chefe, mas também a própria colectividade.
Os católicos amam e admiram o Papa, mas também a sua Igreja. Os
muçulmanos estão emocionalmente
ligados não só ao seu ima, mas também à umma, a comunidade dos
crentes. Em suma, no movimento não é só o chefe a ser extraordinário,
carismático. São carismáticos
o próprio movimento, a própria comunidade.’

Pelo contrário, a relação que se estabelece entre o ídolo e os seus


seguidores é de tipo estelar.2 O ídolo é o centro e todos os outros o

! Se quisermos representar num gráfico as ligações amorosas que existem


no interior do movimento, não temos só as estelares entre o chefe e os
seguidores, mas uma
ligação de cada um com a colectividade inteira. Mais, o amor que se
estabelece entre cada um dos membros não é, propriamente falando, um amor
entre indivíduos, é
mediado pela colectividade. Veja-se a ilustração:

1 Veja-se a ilustração

95
#FRANCESCO ALBeRONI

admiram, adoram e amam só a ele. Os fãs de Rodolfo Valentino, de Clark


Gable, de Paul Newman, de Tom Cruise, de Frank Sinatra, ou de Luciano
Pavarotti estão ligados
ao seu ídolo como indivíduos a um indivíduo.

Freud fez um grave erro na sua teoria das massas.1 Ele imagina que o
grupo se forma porque todos os filhos estão ligados individualmente ao pai,
como os fãs ao seu
ídolo. E, dado que têm em comum o mesmo objecto de amor e de
identificação, identificam-se também horizontalmente entre si. Portanto, o
chefe é indispensável para
a existência do seu grupo. Mas então o que é que leva os irmãos, como
ele próprio escreve em Totem e Tabu,2 a rebelar-se e a matar o chefe? Odiando
o chefe, rompendo
com ele, deixam de ser um grupo. Como podem então organizar-se para o
matar? Freud não conseguiu dar solução a este problema.

A nossa teoria dos movimentos, sim. Cortadas as relações com o pai,


acontece um estado nascente que junta cada um dos irmãos num novo grupo.
Um «grupo revolucionário»,
uma «irmandade conjurada» em que emerge um novo chefe. Esta
mudança foi bem representada por Shakespeare na sua obra Júlio César. Em
muitos dos seguidores de César
a admiração transformou-se em ódio, em ressentimento. Eles querem a
sua morte mas nenhum deles, só por si, tem a coragem de erguer o punhal. Só
conseguem isso quando
formam um grupo que se alia em torno dum novo chefe, Brutus. Elaboram
uma ideologia que justifica o seu gesto e juram lealdade entre si. Depois,
assim que César
é morto no senado, com as adagas ainda a fumegar de sangue, repetem o
rito da conjuratio apertando as mãos ensanguentadas.

Os seus sentimentos para com um ídolo ou para com um chefe são muito
diferentes. O chefe do movimento viveu como aquele que nos conduz para o
futuro, para a salvação.
Pelo contrário, os admiradores de Paul Newman, de Madonna, ou de
Richard Gere podem estremecer quando os encontram, podem sentir
verdadeiros e autênticos sentimentos
de adoração, mas não têm a sensação de um destino colectivo. Por isso,
no terreno erótico-amoroso não há diferença entre chefe carismático e ídolo.
Eis a razão porque
só usámos uma única
1 Sigmund Freud, Psicologia delle masse e analisi dett’Io, cit.

2 Sigmund Freud, Totem e Tabu, in Opere, vol. VII.

96

AMO-TE

expressão, amor idolátríco, para indicar todos os tipos de interesse


amoroso por aquele que é admirado, amado, adorado por um grande número
de pessoas, seja ele
um chefe carismático ou um ídolo.

Amor competitivo

O amor competitivo é aquele em que a pessoa só arde de amor se


encontrar um obstáculo, se o outro lhe disse que não, se existir um rival, um
pai, um marido, uma
mulher que lhe barra o caminho. Quando este obstáculo desaparece,
quando atingiu a meta, o seu amor esvai-se. O amor competitivo é, portanto,
produto da prevalência,
dos mecanismos da perda e da afirmação sobre os outros mecanismos
amorosos.

Ao contrário do que acontece no caso do amor idolátrico, um verdadeiro


enamoramento competitivo é muito raro. Normalmente, só vemos formas de
pseudo-enamoramento
ou paixão erótico-amorosa competitiva. São formas de paixão muito
difundidas, se bem que não na forma extrema de Don Juan e de Casanova. Don
Juan é uma figura literária,
mas Giacomo Casanova é um personagem histórico que até nos deixou as
suas célebres Memorie.1 Casanova arde de amor por uma mulher, está
absolutamente convencido
de estar enamorado e usa todos os estratagemas, todas as lisonjas para a
conquistar, mas mal ela cede, o seu amor desaparece. No filme O Regresso de
Casanova, com
Alain Delon, o grande aventureiro veneziano é representado já com meia-
idade. Chega a uma villa onde vive uma mulher a quem ele amou só por uma
noite, enquanto ela
continua a amá-lo por toda a vida e esperou o seu regresso. Ao vê-lo
pensa que ele voltou por ela, mas não é verdade. Casanova diz-lhe que está
enamorado da sua
sobrinha que tem vinte anos. Uma rapariga moderna, estudiosa, que o
rejeita, o despreza. Até porque está enamorada de um jovem tenente com
quem passa ardentes noites
de amor. Louco de paixão, Casanova experimenta todas as hipóteses,
procura até suscitar nela piedade, compaixão. Mas inutilmente. Então, na
última noite, antes da
partida, Casanova joga com o jovem uma partida de cartas e ganha-lhe
uma quantia de dinheiro

1 Giacomo Casanova, Mtntórit.

97
#FRANCESCO AlBeRONI

que o jovem não tem. Por conta do débito pede-lhe as suas roupas para
poder entrar no escuro no quarto da rapariga. O jovem aceita e Casanova, com
este estratagema,
consegue possuí-la. De manhã, a sua paixão desapareceu. Entra para a
sua carruagem e parte. Mas fora da villa espera-o, furibundo, o jovem tenente
que o desafia
para um duelo. Casanova enfrenta-o e mata-o.

O exemplo não precisa de muitos comentários. Casanova não está


realmente enamorado da jovem. Deseja-a porque ela lhe diz que não, e porque
existe um rival. Não há
nenhum estado nascente, nenhum processo de fusão. Domina sobretudo
o desejo de afirmar o seu poder sedutor e a competição. E de facto este
grande amor acaba quando
possui a rapariga e mata o adversário.

O pseudo-enamoramento competitivo é muito comum tanto nos homens


como nas mulheres. No livro de Cario Castellaneta Lê donne di una vita,1 o
protagonista, Stefano,
enamora-se de forma apaixonada de Ida, uma mulher casada. Convence-a
a deixar o marido, a ir viver com ele, mas, pouco tempo depois apercebe-se
que já não a ama.
Voltará a desejá-la só depois de ela se casar com outro. Também com os
outros amores acontece o mesmo. Com Flora, com Valeria, que deixa o marido
e os filhos, mas
de quem se cansa mal ela se comporta como uma mulher que o espera,
fiel e ciumenta, quando se faz tarde. E ele, precisamente no dia em que vai
adquirir a casa onde
deveriam ir viver juntos, encontra Giorgina. Também com Giorgina passa
um período de amor louco e extático. Que no entanto dura enquanto ele não
se sente amado.
Então está pronto para uma outra aventura.
Não é diferente o caso duma jovem que, nas conversas, te confia
desesperadamente que anda ainda à procura de um homem que queira casar
com ela. Já a encontrámos.
É A rapariga que procura marido. Não fala de outra coisa, não pensa
noutra coisa, põe até anúncios de casamento. «Enamora-se» continuamente,
mas nenhum casa com
ela. Ao ouvir a história da sua vida, porém, emerge um quadro mais
complexo. Quando era menina apaixonava-se pelas estrelas de cinema e por
cantores. O seu primeiro
amor foi um artista local que deixou por um piloto. Também este é um
pequeno ídolo, admirado e cortejado pelas raparigas. Perde a cabeça por ele,
faz lou-

1 Cario Castellaneta, Lê donne ai una. vita, Mondadori, Milão 1993.

AMO-TE

curas, sedu-lo, depois cansa-se. Depois volta às fantasias dos ídolos.


Pouco tempo depois toma-se de amores por um conhecido advogado rico e
casado. Como no caso
anterior, faz-lhe uma corte impiedosa. Consegue seduzi-lo, torna-se sua
amante, mas não se contenta com uma aventura erótica, quer tornar pública a
relação, e ele
acaba com tudo. Entretanto encontra outros homens que, por beleza,
cultura, inteligência e estatuto estão ao seu nível. Alguns fazem-lhe a corte,
um queria até casar
com ela. Mas ela não tem interesse neles. Olha sempre para mais alto,
procura alguém de categoria erótica mais elevada. Apaixona-se por um
advogado, por um ginecologista,
por um professor universitário, sempre famosos, sempre ricos, sempre
casados. Lança-se na aventura sem reservas, consegue ir para a cama com
eles. Então começa a
comportar-se como uma «esposazinha» enamorada, não só em privado,
mas também em público, com os conhecidos, os amigos. Até que o «noivo» de
turno se aborrece e

a deixa.

Por outras palavras, todas as vezes que esta rapariga consegue


verdadeiramente fazer com que outro se enamore dela, todas as vezes que o
homem está disposto a casar
com ela, ela cansa-se, faz marcha atrás, perde todo o interesse. Pelo
contrário, o seu erotismo e o seu amor excitam-se quando o outro é rico,
poderoso, casado,
isto é, quando pode mostrar o seu poder de sedução, o seu fascínio
erótico e, em particular, quando tem de vencer outras mulheres.

Se A rapariga que procura marido, apesar de todas as desilusões, repete o


mesmo esquema, significa que tem prazer nisso. O prazer consiste
precisamente em conseguir
seduzir o homem eroticamente. Em arrebatá-lo, nem que seja só por um
momento, à sua mulher, ao seu ambiente. É a conquista que a excita, a
sedução. Aquelas que ela
descreve como sendo uma sucessão de derrotas amorosas, porque todos
os homens que ama não querem casar com ela, são na realidade outras tantas
vitórias.

Um outro caso semelhante, Nicolle, é-nos descrito por Jeanne


Cressanges.1 Nicolle enamora-se de homens tão difíceis de alcançar, que
outras teriam renunciado. Mas
ela consegue superar todos os obstáculos com a sedução e a tenacidade.
Um homem casado, depois da sua encarniçada corte, está prestes a divorciar-
se da mulher.

1 Jeanne Cressanges, Tutto quello che k donne non hanno mai detto, trad.
ital. Rizzoli, Milão 1983, p. 91.

99
#FRANCESCO ALBerONI

Um turco, para casar com ela chega a naturalizar-se francês, um


cadastrado redime-se. Mas todas as vezes, quando a vitória está ao alcance da
mão, quando pode acontecer
o casamento, ela perde todo o interesse, descobre que já não está
enamorada. As coisas continuam desta forma até que aparece um
personagem, Paul, ainda mais difícil
que os outros. Encantador, misterioso, inacessível. Alguns dizem que se
trata dum espião. Nicolle fica louca por este homem do mistério que se lhe
escapa de todas
as formas. Faz-lhe uma corte impiedosa durante dois anos e, por fim, casa
com ele. Casa porque, na realidade, ele continua a escapar-se-lhe
psicologicamente, porque
a sua vitória não é definitiva, e o casamento é o primeiro sinal tangível do
seu êxito. Depois de algum tempo o enigma desvenda-se: aquele homem tão
misterioso e
inacessível na realidade é um louco. Um esquizofrénico paranóico com
crises depressivas. Com efeito, suicida-se.

Todos os casos que examinámos são casos de paixão. Mas haverá


também algum verdadeiro enamoramento competitivo? Nos personagens
dominados pelo mecanismo da competitividade
só é possível algo de parecido com o enamoramento se eles forem
contínua e repetidamente vencidos. Se o seu amado nunca se abandonar
completamente e os afastar,
mantém-nos em suspenso. Mantém-se vivo, talvez artificialmente, um
rival. Então o amor pode durar muitos anos. É o que nos conta Cario
Castellaneta no seu romance
Passione d’amore.1 Diego enamora-se e continua a amar Leonetta apenas
porque ela se lhe entrega e, ao mesmo tempo, se lhe escapa.

Nos encontros amorosos, Leonetta conta-lhe os seus amores, os seus


vícios, as suas preferências, as suas experiências com os outros amantes. E
Diego perturba-se
e excita-se, estimulado por um contínuo desafio. Leonetta é casada e não
renuncia ao marido. Não renuncia porque está habituada à riqueza, precisa
dela para ser
ela mesma, uma rainha que se dá. Precisa dela para ser bonita. Vivendo
com Diego teria de se adaptar à mediocridade, renunciar aos seus vestidos
muito caros, ao
grande cabeleireiro, à esteticista pessoal. Mas Leonetta mantém o marido
também por outro motivo. Ela sabe que Diego precisa do obstáculo, do rival,
da luta. Sabe
que ela só lhe interessa como presa a arrebatar a outro homem. Sabe que
o

1 Cario Castellaneta, Passiène d’amore, Móndadori, Milão 1987.

100

AMO-Te
louco amor de Diego, que no entanto já dura há muitos anos, se
desvaneceria no momento em que ela, a deusa inacessível, se tornasse uma
posse segura. Então parecer-lhe-ia
insípida e aborrecida.

Neste ponto temos de fazer uma distinção. No caso de Nicolle, a paixão


amorosa nasce da necessidade de demonstrar a sua capacidade sedutora.
Sente-se atraída por
Paul, o homem misterioso, porque ele é inacessível, frio, porque ele não
responde ao seu amor. Ela quer mostrar a si mesma que é uma sedutora e,
portanto, o seu
desejo torna-se o máximo, paroxístico, em relação a um esquizofrénico
incapaz de amar. A rapariga que procura marido, pelo contrário, deseja afirmar
a sua superioridade
sobre as outras mulheres, sobre as rivais. O caso de Diego e Leonetta está
realmente no limite. Porque é um grande amor que dura há dez, vinte anos. E
contém muitos
elementos do verdadeiro enamoramento: a fusão, o desejo duma vida em
comum. Mas todos reprimidos, bloqueados pelo infernal mecanismo.

Por último vejamos o que acontece num livro e num filme que tiveram
grande importância na história das emoções femininas, E Tudo o Vento Levou.
À primeira vista
o amor de Scarlet O’Hara por Ashley parece de tipo competitivo, porque
dura enquanto ele é fiel à mulher e desaparece no momento em que Melanie
morre. Na realidade,
Scarlet enamora-se de Ashley antes de saber que ele é noivo de Melanie e
continua a esperar conquistá-lo mesmo depois, porque ele, na verdade, nunca
a rejeita claramente.
Também a relação entre Rhett e Scarlet é psicologicamente correcta.
Scarlet não pode enamorar-se de Rhett porque já está enamorada de Ashley.
Poderá fazê-lo apenas
quando tiver acabado este amor. Pelo contrário, o amor de Rhett por
Scarlet baseia-se na percepção duma profunda afinidade entre eles. Ele
compreende que juntos
poderão fazer coisas extraordinárias. Porém, Scarlet quer afirmar a sua
personalidade, a sua independência e tem medo de ser esmagada pela
personalidade de Rhett.
Por isso, se tiver de casar com alguém que não ame, escolherá homens
fracos e submissos.

Interesse económico e estatuto social

A riqueza, a classe social, ter automóvel, casa, barcos de luxo, o nível de


vida e o vestuário contribuem pam tomar uma pessoa mais

101
#FRANCESCO AlberONI

AMO-TE

atraente. São tudo factores que podem desencadear o enamoramento. O


enamoramento surge também de sonhos, esperanças, aspirações sociais. Na
fábula da Gata Borralheira,
o príncipe enamora-se da rapariga pobre apenas porque ela, graças à
fada, participa na sua festa com um vestido maravilhoso. Se ela tivesse
aparecido com o aspecto
habitual, nem sequer teria reparado nela. Assim, no Pigmalião de Shaw,
Higgins primeiro despreza a rapariga suja e ignorante que tirou das ruas. Só se
enamora quando
ela lhe aparece elegante e educada. Já vimos que Student se enamora
duma colega da universidade que pertence a um ambiente social superior ao
seu. Nesta escolha
não há qualquer cálculo, qualquer interesse económico. A rapariga
simboliza o mundo que o atrai, o tipo de vida que o fascina.

Na literatura encontramos a descrição de muitos enamoramentos que


foram iniciados, desencadeados ou facilitados pela riqueza. Por exemplo, O
Grande Gatsby, de Francis
Scott Fitzgerald. Gatsby tem vinte anos quando vê Daisy pela primeira
vez. Vê-a durante uma recepção a que ele vai com outros oficiais. Ele é muito
pobre, mas a
farda torna todos iguais. Fica atordoado pela casa dela, porque nunca as
vira tão bonitas. Fica comovido, extasiado, maravilhado.1 E a rica e lindíssima
Daisy retribui
o seu amor não sabendo quem ele é. Gatsby partirá depois para a frente
de batalha, perdê-la-á de vista. Ela casará. Mas ele continuará a amá-la. Por
isso faz tudo,
acumula uma fortuna para poder conquistá-la. Há muito de autobiográfico
nesta história, porque também Fitzgerald se tinha enamorado de Zelda Sayre,
a filha dum rico
magistrado, quando fazia o serviço militar em Alabama. Então Zelda era
inacessível, pertencia a um ambiente social mais elevado que o seu. Só
consegue casar com
ela depois do êxito do seu romance This Side of Paradise.

A riqueza entra, portanto, no verdadeiro enamoramento como uma das


componentes que permitem o desencadear do estado nascente. Exactamente
como o prazer erótico,
a educação das maneiras ou o fascínio da farda ou do poder. As pessoas
que, no seu inconsciente projecto vital, sempre sonharam com uma vida mais
elevada, tendem
a enamorar-se de alguém que a simbolize. O escritor Honoré de Balzac,
quanto tem vinte e dois anos enamora-se de Laure de Berry, que tem quarenta
e quatro. Elena
Gianini Belotti explica isto

1 Francis Scott Fitzgerald, IlgnMt Gatsby, Bad. ital. Monda*», MO&» »5ftpi
1571

muito bem desta forma: «Se o pequeno-burguês Honoré se enamora da


aristocrata Laure de Berry, isso acontece porque está deslumbrado e se sente
atraído por aquele
estilo de vida e por aquele ambiente social a que está ansioso de
pertencer: tem fome de atenções, solicitações, estímulos, cuidados assíduos
com os quais alimentar
o próBprio talento ainda em bruto parta o refinar e exprimir. Tem urgência
iem obter a compensação para os males infligidos pelo seu ambiente •de
origem. Tem urgência
em ganhar o reconhecimento dos seus •próprios dons, de cujo valor é
consciente. Todas estas exigências não Ipodem realmente ser satisfeitas por
jovens inexperientes,
ingénuas, H privadas de liberdade, mais necessitadas de ajuda do que
capazes de

B ajudar.»1

l Mas muitas vezes a riqueza e o interesse económico não são a porta de


um verdadeiro amor. Também há aqueles que se enamoram friamente por
puro interesse. Como
o caçador de dotes que finge estar enamorado da herdeira, ou a arrivista
social que finge estar enamorada do milionário. Como faz Scarlet O’Hara em E
Tudo o Vento
Levou quando, para salvar a propriedade de Tara, seduz friamente um rico
negociante e casa com ele.

O interesse só por si, sem amor, não está realmente em condições de


criar uma relação de casal estável. Não é fácil aguentar um fingimento durante
anos a fio. O
homem que não gosta da mulher é forçado a inventar todo o tipo de
desculpas para não parecer impotente. A mulher passa por um estado de
irritação e de repulsa física.
No romance Paolo e Francesca, Rosa Giannetta Alberoni2 descreve o
esforço feito por uma mulher que casou com um homem rico e famoso. Pouco
a pouco o seu corpo revolta-se.
Sente aversão pelo seu cheiro, pelo contacto das suas mãos, até ao
momento em que o seu amor se torna ódio.

Mas entre a situação em que a riqueza é um elemento desencadeador do


estado nascente e o puro cálculo económico existem muitas formas
intermédias. Existem muitos
casos de paixão amorosa nos quais a riqueza e os seus símbolos - um
carro desportivo, um barco de luxo, uma casa sumptuosa, um nível de vida
milionário, presentes
impressionantes - produzem uma atracção semelhante à do

102

1 Elena Gianini Belotti, Amore epregituiizio, Mondadori, Milão 1992, p.


5>2.
2 Rosa Giannetta Alberoni, Paolo e Francesco, Rizzoli, Milão 1994.
••••,.’•-.

103

#FRANCESCO AlBERONI

chefe carismático ou do ídolo. Parece enamoramento mas não é. Por


conseguinte, uma vez atingida a meta, uma vez obtida a riqueza, o amor
rapidamente desaparece para
deixar o lugar ao desejo de independência, de autonomia. À vontade de
ter todo aquele dinheiro para si. As pessoas muito ricas, como os ídolos,
andam sempre rodeadas
de amores que se lançam nos seus braços, que declaram o seu amor. Mas
será amor ou entusiasmo? Ou simples cálculo? Por isso tendem a casar no seu
próprio ambiente,
entre iguais.

A falsificação •..’•,--.\,-:;-\; , •’., >,;, .<.;;.„.v.,./.

No verdadeiro enamoramento cada um procura a verdade. Procura dentro


de si para exprimir as suas exigências mais profundas, aquilo que deseja
autenticamente, e não
mente nem a si mesmo nem ao amado. De vez em quando pode
desempenhar o papel do inacessível para seduzir o outro, para o cativar, para
o pôr à prova. Mas, logo a
seguir, toma as medidas necessárias e abandona-se ao desejo de se
revelar sem reservas com uma confissão autêntica. Mas também há pessoas
que têm necessidade de
compensar os defeitos e os medos, e então, em vez de expor as suas
verdadeiras ansiedades, escondem-nas e mostram qualidades que não têm.
Se o processo acontecer nos dois, e cada um ficar agarrado à sua mentira,
dá-se aquilo a que os psicólogos chamam colusão. Colusão vem de cum-ludere
e significa
entendimento secreto para se enganarem reciprocamente. Cada um
compensa a sua falta pondo em acção um falso eu. E o outro aceita-o, encara-
o como bom para, por sua
vez, fazer aceitar a falsa imagem de si que também põe em acção. Assim,
ambos fingem e não podem deixar de fingir.

Também neste caso estamos perante um processo de enamoramento


incompleto ou de pseudo-enamoramento. O estado nascente não vai até ao
fim porque é bloqueado pela
mentira. O processo de historicização não pode continuar. Por isso, o
passado não é libertado, não é redimido e acabará por voltar, reproduzindo a
situação de que
o sujeito tentara fugir.

Peguemos num caso exposto por J. Willi.1 Um jovem tinha um

Jurg Willi, La collusione di coppia, trad. ital. Franco Angeli, Milão 19$J, pp.
50*37.

104

AMO-TE

pai fraco e impotente e uma mãe agressiva. Com medo de cair na mesma
situação, procura tornar-se o oposto do pai. Mostra-se activo, forte, seguro de
si. Também a
que virá a ser sua mulher tivera um pai fraco e uma mãe dominante,
masculina. Como reacção desenvolvera uma atitude feminina, frágil, doentia.
Os dois encontram-se
num restaurante frequentado por estudantes. Ele repara nela, gosta dela,
mas não sabe como aproximar-se, fica paralisado pela timidez. Depois ganha
coragem e convida-a
para tomarem um café. Ela, que o julgara fraco, fica surpreendida por este
acto e tem uma impressão de segurança viril. Assim ambos começam a
mostrar ao outro qualidades
que não têm: ele a força, ela a fraqueza. Depois do casamento exageram
na sua encenação. A mulher torna-se tão fraca que adoece e tem de ser
hospitalizada. Nesta
altura ele já não consegue mostrar uma força que nunca tivera, e tem um
colapso nervoso. A mulher então reage agressivamente. Ambos acabam por
revelar a sua verdadeira
natureza e encontram-se assim na situação que tinham querido evitar: ele
passivo, ela dominante.

As vezes uma relação amorosa começa como um engano, uma


falsificação, mas depois explode o verdadeiro enamoramento que faz emergir
a verdade. Este tema já foi objecto
de muitas comédias brilhantes como Os Homens Preferem as Loiras, com
Jack Lemmon, Tony Curtis e Marilyn Monroe. Tony Curtis finge-se milionário
para conquistar Marilyn.
Jack Lemmon é cúmplice do disfarce do amigo. Na realidade são todos
músicos duma pequena orquestra que, sem querer, assistiram a um homicídio
por parte de uns gangsters.
Estes procuram-nos para os eliminar e descobrem-nos precisamente
quando Tony Curtis acaba de conquistar Marilyn. Os dois jovens vêem-se
obrigados a fugir e então
Tony Curtis revela-lhe a sua verdadeira identidade. Mas Marilyn não se
importa. E ambos descobrem que estão verdadeiramente enamorados.

Amor-consolação i :

É o pseudo-enamoramento que se segue a uma desilusão amorosa.


Depois da dolorosa fase da petrificação, o nosso impulso vital retoma forças e
nós procuramos novos
objectos de amor. Mas a ferida é demasiado recente e ainda não nos
podemos enamorar. Então anda-

105
#FRANCESCO Alberoni

mós à procura duma pessoa animadora, que goste de nós, a quem nos
possamos abandonar sem receio. Não quer dizer que esta pessoa tenha de ser
monótona e aborrecida.
Pelo contrário, normalmente procuramos alguém que seja cheia de vida,
que nos estimule, que nos tire da nossa vida diária. Mas queremos que seja ele
a esforçar-se
primeiro e mais profundamente. Procuramos alguém que nos ame e nós
deixamo-nos amar.

Já falámos de O homem de Turim. Sofrera uma enorme desilusão amorosa


que deixara uma ferida aberta durante muitos anos Quer enamorar-se outra
vez para se esquecer
daquele amor infeliz e a determinada altura, sente-se atraído por uma
jovem francesa muito bonita. Pensa que a ama, mas a distância e as
dificuldades económicas
impedem-no de continuar a relação. Segue-se uma aventura erótica com
uma colega que acaba rapidamente porque tanto ele como ela se vêem
obrigados a admitir que não
estão enamorados. Assim fica-lhe no coração uma necessidade de amor
seguro, cálido, afectuoso. O substituto do grande amor que perdera. Nesta
altura encontra uma
jovem viva, simpática, alegre. Dado que ele lhe fala da sua forte
necessidade de amor, ela responde enamorando-se. Apresenta-o aos seus,
uma família abastada que
o acolhe com afecto. Ficam noivos e depois, quase com naturalidade,
casam-se. A mulher dedica-se à casa e ele continua serenamente no seu
trabalho. Sem qualquer
conflito, sem qualquer altercação. O homem de Turim juraria, de boa-fé,
que amava a sua namorada e depois sua mulher. Na realidade só gostava
muito dela. Mas continuava
a amar a outra. E não se teria libertado deste amor senão com um novo
grande enamoramento. Só o enamoramento tem o poder de penetrar no
passado e redimi-lo. Assim,
depois do casamento, apercebe-se que estima a sua mulher, que se
afeiçoou a ela, mas que ela não lhe agrada fisicamente e não o enriquece
espiritualmente. Começa
um período confuso e atormentado que só termina quando se enamora
loucamente de outra.

Mais dramática é a História de Chiara. Chiara vivia em Nápoles. Era muito


bonita e os pais apaparicavam-na. Não fazia nada em casa. Era a rainha da
escola e do quarteirão.
Aos dezoito anos, por ocasião duma estada em casa duma tia de Milão,
conhece um rapaz de vinte anos. Enamoram-se. Depois de regressar a
Nápoles, escrevem-se, telefonam-se
durante meses. Ele vai vê-la, mas não tão amiú-
106

AMO-TE

de como ambos desejam. O rapaz tem um trabalho modesto, não pode


dar-se a esse luxo. E não agrada aos pais de Chiara. Querem para ela alguém
de mais acima. Chiara
não tem força para deixar a família e ir para junto dele. Chora, não sai do
seu quarto. Os seus pais deixam passar o tempo. Têm a certeza que a filha
esquecerá aquilo.
O rapaz de Milão nunca mais aparece. Passam alguns anos. Durante outra
visita à tia do Norte, Chiara encontra um homem que lhe é apresentado como
sendo um rico proprietário
lombardo. Desta vez os pais estão de acordo, empurram para o
casamento. E ela aceita, porque tem uma grande vontade de amor e este
homem diz-lhe que a ama. Mas também
porque ele vive perto de Milão e assim parece-lhe estar mais perto do seu
grande amor perdido.

Casa com ele. Mas o homem é só um camponês abastado que vive numa
quinta onde cria animais. A sua casa é feia, suja, próxima dos estábulos.
Cheira mal. Os currais
estão cheios de lama. Ela, habituada à cidade, servida e mimada, não
sabe como enfrentar aqueles pesados trabalhos manuais. Fica logo grávida.
Vê-se assim com uma
criança nos braços, mal vestida, despenteada num lugar de pesadelo.
Chora todos os dias e o pai, que compreende o erro que fez, vai vê-la muitas
vezes. Leva-lhe
vestidos, faz-lhe companhia. Mas numa enevoada tarde de Inverno, o
pobre homem é atropelado por um automóvel e morre. Chiara, aterrada, pega
na criança e foge para
Milão à procura de ajuda. Levam-na outra vez para casa. Ela delira. Depois
fecha-se num silêncio absoluto, num silêncio catatónico. Um dia abre a porta e
afasta-se,
alucinada e sem sequer um casaco. Perde-se assim, no gelo da planície
lombarda, e ninguém volta a encontrá-la.

107
#7

O EROTISMO

O erotismo no enamoramento .

No enamoramento, o nosso erotismo, a nossa sexualidade, tornam-se


paroxísticos, extraordinários. O corpo da pessoa amada parece-nos divino,
sagrado e só nos queremos
unir a ele num só. Os enamorados podem viver dias e dias abraçados, a
fazer amor. E o seu desejo, mal acaba de ser satisfeito, torna-se mais forte do
que antes.
Nós estamos habituados a pensar no desejo como na comida, no beber,
no dormir, nos quais o desejo, uma vez satisfeito, se acalma, desaparece. Toda
a psicanálise
concebe o desejo como uma tensão que se descarrega. Pelo contrário, no
estado nascente amoroso nós queremos amar mais, desejamos desejar mais.
A felicidade não é
procurada na descarga da tensão, mas sim no seu aumento, no seu
perene acréscimo.1
No enamoramento o erotismo diário é multiplicado por cem, por mil. Toda
a vida é erotizada. O corpo da amada torna-se um mundo que te acolhe, no
qual vives, torna-se
a fonte da tua alimentação, e todas as coisas que produz são
maravilhosas. Os psicanalistas explicam isso com a recordação da criança que
vive no corpo da mãe, que
se alimenta dos seus seios. Eu penso mais que se desencadeia o mesmo
programa genético que torna possível na criança a procura da mãe e, no
adulto, a procura do
amado.

Por vezes, o enamoramento começa como obsessivo, irresistível desejo


sexual. E só depois se revela como paixão amorosa. No livro

1 Uma preciosa descrição do erotismo amoroso foi feita por Sasha


Weitman, On The Elementary Forms of the Socioerotic Life, cit. Caracteriza-se
por: agrado, natureza,
jocosidade, generosidade, prazer de dar, desejo de beleza para si e para o
outro.

109
#FRANCESCO ALBERONi

de Woods Kennedy, Un anno d’amore? um rapaz enamora-se descobrindo


a beleza da sua mulher e a sexualidade. É uma sexualidade excessiva,
irresistível que explode
no primeiro contacto com o seio feminino, ao olhar admirado e adorador o
corpo da mulher, ao descobrir nele agradecido a forma dos mamilos, o monte
de Vénus, as
covinhas sacrais, os grandes e os pequenos lábios. Um universo delicioso
cada vez mais desejado, cada vez mais amado à medida que mais possuído.
Também no caso de
O homem de Bárí um grande amor começa com uma fulminação erótica.

Mas o mais estupendo retrato da sexualidade que se torna amor é o do


livro Lolita, de Nabokov. Nabokov, graças à ironia, consegue exprimir o desejo
sexual paroxístico,
louco, obsessivo, sem sequer nos fazer suspeitar que seja o início de um
grande amor. Humbert está seduzido pelo corpo da rapariguinha de doze anos,
a ninfazinha,
como ele lhe chama. Escreve assim: «A minha beleza estendeu-se de
bruços mostrando-me, mostrando aos milhares de olhos esbugalhados no meu
sangue que vê, as omoplatas
ligeiramente levantadas, e o florescimento ao longo da curvatura da
espinha dorsal e inchaços da tensão, estreitas nádegas vestidas de negro, e o
perfil das coxas
de alunazinha.»2 Uma noite, enquanto está sentado ao lado da mãe de
Lolita na varanda e a criança se insinua entre eles dois, aproveita: «Aproveitei
os meus gestos
invisíveis para tocar na mão, nas costas, e numa bailarina de lã e tule com
que ela se divertia, continuando a fincá-la no meu colo; e por fim, depois de ter
envolvido
completamente o meu luminoso tesouro nesta trama de carícias etéreas,
ousei acariciar-lhe a perna nua ao longo da penugem de groselheira da canela,
e eu ria baixinho
das minhas brincadeiras, e tremia, e escondia aqueles receios, e uma ou
duas vezes senti com os lábios velozes a tepidez dos cabelos dela.»3 O amor
apresenta-se
só como desejo sexual que aproveita todas as situações. Uma vez,
brincando com uma revista, consegue atrair Lolita para junto de si. «Um
momento depois, na simulada
tentativa de agarrá-la, ela caiu toda em cima de mim. Agarrei-lhe no pulso
fino, ossudo. A revista caiu no pavimento como uma galinha assustada.
Libertou-se contor-

1 Robert Woods Kennedy, Un anno d’amore, trad. ital. Rizzoli, Milão 1973.

1 Vladimir Nabokov, Lolita, trad. ital. Mondadori, Milão 1066, p. 60.

1 Ibidem, p. 64. .. .,.,,, ,. .......

110

AMO-TE

cendo-se, atirou-se para trás e apoiou-se, arregaçada, no ângulo direito do


divã. Depois, com perfeita simplicidade, a pequena descarada estendeu as
pernas no meu
colo. Eu estava já num estado de excitação que roçava a loucura. Mas eu
tinha também a manha do doido.»1 Segue-se a mais incrível descrição das
manobras com que
ele obtém o orgasmo, um verdadeiro êxtase erótico que depois se repete
outras vezes, sempre roubado, sempre escondido, sem que nunca apareça um
movimento afectuoso
do espírito, um pensamento de amor. Só o desejo, obcecado, turvo, que
Humbert sente como proibido, obsceno, mas ao qual não sabe resistir e que
satisfaz com toda
a espécie de aldrabices, até casar com a mãe para estar perto da filha. E
depois, numa corrida louca através dos Estados Unidos, de um lugar turístico a
outro, de
um cinema a outro, enchendo-a de gelados, impedindo-a de ir à escola,
de se encontrar com qualquer rapaz da sua idade, contratando as suas
prestações sexuais. «Como
era agradável levar o café e depois recusar-lho enquanto não tivesse
cumprido o seu dever matinal. E eu era um amigo tão solícito, um pai tão
afectuoso, um pediatra
tão hábil em satisfazer todas as necessidades do pequeno e moreno corpo
da minha moreninha! Apenas um único rancor eu podia ter contra a natureza,
a impossibilidade
de virar de dentro para fora a minha Lolita e aplicar os lábios vorazes no
seu jovem útero, no seu desconhecido coração, no seu nacarado fígado, nos
cachos marítimos
dos pulmões, nos belos rins gémeos.»2 Aqui, não obstante a ironia,
reconhecemos o sinal inconfundível do enamoramento. O amante ama tudo,
absolutamente tudo da pessoa
amada, também os seus órgãos, também as suas vísceras.
Cuidadosamente escondido pelo artifício literário vemos que esta paixão
erótica é amor total.

Outras vezes, pelo contrário, o enamoramento começa como atracção


espiritual, languidez, desejo de proximidade. Vimo-lo no caso de Student. Ou
sob a forma de amizade,
de ternura, de estima, como no caso de O homem prudente. Porque
Student estava numa fase da sua vida em que amadurecia nele a necessidade
de ter uma mulher, de viver
com uma mulher. O homem prudente, pelo contrário, estava habituado a
procurar a sexualidade sem se deixar envolver
1 Ibidem, p. 80.

2 Ibidem, p. 205.

111
#FRANCESCO Alberoni

emotivamente. O enamoramento avança só depois de a amizade, a


estima, a confiança, a confidência terem deixado cair as defesas e os medos.

Podemos agora colocar esta pergunta. Quando uma pessoa está


verdadeira e profundamente enamorada pode ter desejo sexual por outra
pessoa e trair quem ama? É verdade
que há grandes diferenças individuais. Mas colocada nos termos em que a
colocámos, isto é, de pura possibilidade, a resposta é sim. E é sim, sobretudo
para o homem.
Pelo menos na nossa época histórica, para a mulher. Pode acontecer que
com a progressiva adopção dos modelos de tipo masculino esta diferença
desapareça. Por agora
existe. A mulher prefere sentir-se cortejada e desejada e, depois, escolher,
dizer que sim ou que não. Se está enamorada, a sua escolha já está feita e
recusa qualquer
outra proposta. O homem, pelo seu lado, tem um esquema oposto. Ele
procura, propõe. Quando está enamorado todo o mundo lhe parece belo, em
todas as mulheres transparece
algo da sua amada. Se se deixar levar pelo seu sentimento espontâneo, o
homem enamorado estará disposto a abraçá-las a todas. Ele está, por isso,
paradoxalmente,
disponível também para um encontro erótico, se a outra mulher o mimar,
o animar, o convidar. Não toma ele a iniciativa, mas pode ceder à sedução.
Esta disponibilidade
erótica do homem cessa logo que pensar que perde o amor da sua
amada. Então todo o seu erotismo se desvanece.

Quando a mulher intui que o homem que a ama teve uma relação erótica
com outra, fica cheia de cólera. A sua cólera não provém só dos ciúmes, do
sentimento de posse,
mas sim da consciência de que aquela carga erótica foi ela que lha deu.
Foi ela que, com o seu amor, lhe forneceu a energia vital que o tornou
disponível ao apelo
erótico. Por isso sente-se vítima dum roubo duma potência sagrada. Algo
que ele avilta, dissipa, profana dando a qualquer uma. E desejaria castigá-lo
com furor.
Com efeito, o homem, para descrever o estado colérico da sua mulher
traída, diz: «Parece uma fera.» E, enquanto o diz, treme, porque tem medo de
a perder, de ser
abandonado por um acto ao qual ele não dá qualquer valor. E no entanto
sabe que ela não só o ameaça, como é capaz de destruir realmente o seu
amor. Por isso toma
cuidado, promete-lhe não voltar a fazer, ser fiel.

Para a mulher enamorada, um acto sexual fora do casal é uma

112
AMO-Te

Bprofanação. Porque ela consagra o seu corpo ao amado, e tem horror do


contacto com um «corpo estranho». Vive o corpo do amado como parte do seu
corpo que, no amor,
se transfigurou. Renascida no amor quer ser pura com o corpo, com o
coração, com a mente. Este corpo amoroso espiritualizado pertence
exclusivamente a ambos. IH
Tornou-se um santuário que tem de ser protegido de todo o contacto
blasfemo. Um santuário do qual o homem se deve aproximar com o respeito
devido.

Todos os gestos da mulher enamorada são ritos sagrados. Consagra o seu


corpo e o espaço que o rodeia. Torna sagrado o leito em que fazem amor.
Ninguém se pode aproximar
dele. Ninguém pode dormir nele, nem mesmo os pais, os irmãos. No seu
leito de mulher enamorada só poderá entrar o fruto do poder sagrado gerado
por ambos: os filhos.

Outras formas de amor erótico /;>’,/ ,; ;

A aventura erótica é uma experiência em que o indivíduo não se empenha


até ao máximo, não se põe em jogo, não aceita unir-se com o outro, de
corresponder. E, além
disso, é a prazo. O indivíduo sabe, desde o início, que aquela experiência
terá uma duração limitada. A ideia de aventura engloba já o seu fim. O
movimento da aventura
erótico-amorosa escreve-se no passado: «Foi bonito.» É o caso da senhora
que vai de férias ao Clube Méditerranée e encontra um homem que lhe
agrada. O marido está
longe. A relação com ele tornou-se monótona. Agora ela experimenta a
emoção da aventura romântica, da transgressão, do proibido, do êxtase
amoroso. Mas sabe que
tudo acabará no regresso. Para o seu parceiro, talvez tudo seja mais
simples. Ele procurava apenas o prazer sexual e submeteu-se à encenação
romântica para agradar
àquela mulher. Mas, se dependesse dele, teria passado sem ela.
A aventura amorosa. Também há casos em que a relação amorosa é muito
intensa. É um verdadeiro e autêntico enamoramento inicial que, porém, não
vais mais além, porque
o sujeito não consegue imaginar um futuro. Não pode elaborar um
projecto. Então o processo bloqueia. Mas se não existisse esse obstáculo, esse
impedimento, poderia
vir a ser também um verdadeiro grande amor. Esta expe-

ls,. 113
#FRANCESCO Al.Ui-RONI

riência foi bem ilustrada por Elena Gianini Belotti,1 que estudou os amores
em que os homens são muito mais novos do que elas. Na nossa sociedade este
tipo de relação
é ainda considerado anómalo ou excepcional. A mulher está à espera que
o jovem que ela ama, mais cedo ou mais tarde, acabe por se cansar e
enamorar-se de outra.
Por isso ela reprime o seu enamoramento, impede-o de se tornar um
projecto para sempre. Ouçamos o que dizem algumas destas mulheres. Marta
afirma: «Nunca pensei
que o meu caso com Marco pudesse durar muito tempo, sempre que
pensava nele, e não era só por ele ser mais novo, era porque todos os amores
acabam e eu tenho uma
tendência muito grande para ficar sozinha.»2 E Sandra: «Estou
convencida que uma bela história não pode ser senão limitada no tempo. As
ligações de casal são para
mim um horror e com o tempo tudo se malogra. Interessa-me mais a
intensidade do que a duração, prefiro a precariedade e a insegurança à
estabilidade e à previsibilidade,
que me aborrecem. Com os homens mais novos nunca fiz projectos, pois
eu já sabia que eram casos que acabariam muito depressa.» Elisabetta diz: «A
relação entre mim
e Riccardo era sem quaisquer projectos, havia consciência disso por parte
de ambos, embora nunca verbalizada, do seu infalível fim. Eu não contava com
a duração,
mas sim com a intensidade enquanto durasse. Pensava que, mais cedo ou
mais tarde, ele enamorar-se-ia duma mulher mais nova.» E Laura: «Impus-me
a mim mesmo não pensar
nunca num futuro com ele, de o deixar livre para ter outras relações,
porque, devido à diferença de idades, parecia-me que eu o estava a bloquear
numa relação impossível.»3

A paixão erótica, pelo contrário, não é uma aventura a prazo. A pessoa


fica profundamente envolvida e gostaria de continuar.

o desejo e o prazer sexual tornam-se importantíssimos, perpassam toda a


sua vida. Quando pensa no outro deseja-o e, quando estão juntos, não se
cansa de fazer amor.
Mas a paixão erótica baseia-se essencialmente no princípio do prazer, sem
haver estado nascente. Entra por isso nas formas de pseudo-enamoramento.

Normalmente, na paixão erótica, nós sentimo-nos atraídos sexualmente


por uma pessoa que intelectualmente nada nos diz, ou

’Elena Gianini Belotti, Amore epregiudizio, Mondadori, Milão 1992. , f

1 Ibidem, ’”
3Ibictem,p.225. ’•’•’’” ’ ’ ’ >-:°l l ’••**•• ’ : ’<- ’”
•*’•••’•’• ’-’f- «-1’- ’•’ ’WtòÍV’S :
AMO-TE

em quem não podemos confiar, ou que tem hábitos, amigos, que não
aceitamos. Não queremos unir a nossa vida à sua, não pensamos construir
com ela algo de maravilhoso.
Agrada-nos, desejamo-la, desejamos o seu corpo, os seus beijos,
desejamos rebolar-nos com ela a fazer amor. E este desejo pode ser tão forte
que nos faça pensar
que não podemos prescindir dela, que estamos enamorados. Mas basta
que uma vez ou outra o encontro não seja agradável, basta uma
incompreensão, uma rixa e algo se
quebra. Porque tudo se baseia no princípio do prazer e este requer um
reforço contínuo.

Quando na paixão erótica o sujeito decide pôr na prática uma relação


permanente, uma verdadeira intimidade espiritual, uma vida a dois, o amor
fica comprometido.
E o primeiro sintoma da ruptura é precisamente o aparecimento do
erotismo. O erotismo da paixão pode manifestar-se apenas quando pode
pensar-se livre, descontínuo,
separado do resto. Se for forçado a pensar-se duradouro, eterno, tem de
ser inserido na expressão «amo-te», enfraquece ou

desvanece-se.

É o caso de um homem a quem chamarei O comandante, pois tinha um


alto posto militar. O comandante tinha saído duma grave desilusão amorosa.
Enamorara-se duma mulher
que pusera em crise a sua carreira militar e estivera prestes a arruiná-lo.
Depois de um período de atroz sofrimento, procura a companhia duma mulher
que corresponde
a todas as suas fantasias eróticas mais destravadas. Alta, loira, bela,
sensual, com uns grandes seios, uma personagem tipo Anita Ekberg de La
Dolce Vita de Fellini.
Uma mulher de carácter meigo, um pouco estúpida, que tivera inúmeros
galanteadores. A relação dura quase dois anos. Vêem-se ocasionalmente e
vivem jornadas de orgia
erótica. A mulher tem uma casa situada sobre a falésia, amigos ricos e
amantes da transgressão. Tudo elementos que contribuem para aumentar o
erotismo. As suas relações
são boas, de camaradagem, cheias de confiança. A mulher gosta daquele
homem, da sua farda, da sua patente. Um dia propõe-lhe viverem juntos e, se
ele quiser, casar-se.
A proposta não desagradou ao comandante. Aquela mulher dá-lhe
serenidade e, mais ainda, satisfaz os seus sentidos e a sua vaidade. Por isso
vai para junto dela,
começam a vida em comum. A primeira impressão é positiva. Ela é
amável, o ambiente é divertido. Porém, com muita surpresa sua, poucos dias
depois descobre que o
seu interesse erótico diminui. Em duas

Stt

115
#FRANCESCO ALBERONI

semanas desaparece quase completamente. Ao mesmo tempo tem um


sentimento de vazio, de inutilidade, de aborrecimento. Tem a impressão de se
ter enganado em qualquer
coisa. Leva algum tempo a compreender que não lhe interessa viver com
aquela mulher. Ela não lhe ensina nada, não lhe dá nada, o seu mundo é-lhe
estranho. A vida
com ela seria estúpida, privada de sentido. Não consegue imaginar um
futuro. Gosta dela apenas como amante ocasional. Na realidade não está
enamorado dela.

Paixão erótica e enamoramento reprimido

As vezes o enamoramento encontra um obstáculo interno insuperável.


Então não avança para a fusão total, autolimita-se, fica restrito ao sector
erótico.

Dá-nos um exemplo disto o romance de Marguerite Duras, O Amante. A


rapariga, uma jovem de quinze anos que provém duma família empobrecida e
em desagregação, estuda
numa escola de Saigão. Durante uma viagem encontra um jovem chinês
de trinta anos. É riquíssimo, belo, amável, educado. Segue-o na sua
garçonnière. Fá-lo para fugir
à angústia da tensão com a mãe, aos conflitos com os irmãos, à pobreza,
à dureza do colégio. Mas também para provar que o seu corpo tem valor, e
porque aquele homem
a atrai. Ele está loucamente enamorado. Mas é chinês. O seu pai, um
riquíssimo comerciante, nunca dará autorização para casar com uma ocidental.
Já combinou o seu
casamento com uma rapariga chinesa da sua mesma região. E, um dia,
impor-lhe-á que abandone a sua amante europeia.

Naquela garçonnière desenrolam-se encontros eróticos febris, esgotantes.


A rapariga está completamente envolvida: «Desejo-o. Digo-lhe o desejo que
tenho dele...
Digo-lhe eu no seu lugar porque ele não sabe que tem uma suprema
elegância... (Porém) descubro que ele não tem força de me amar contra a
vontade do pai, de pegar
em mim, de levar-me embora. Chora porque não encontra a força para me
amar para além do medo... Assim, sabendo que é impossível um futuro em
comum, evitaremos falar
do futuro.»1

1 Marguerite Duras, L’amattte, trad. itát. Pétóinelli, Milão 1985, p; 8Q-5Íi

116

l AMO-TE

O estado nascente amoroso não é só fusão. Também é projecto de


transformação do mundo, criação duma colectividade que constrói o seu nicho
ecológico. Se este processo
for bloqueado, regride, transforma-se e adapta-se. Neste caso os
obstáculos são três. Um provém dos familiares da rapariga que fazem tudo
para explorar e humilhar
o «chinês». O outro, do jovem chinês, que tem medo de

I ser acusado de ter seduzido uma menor branca. O terceiro, do pai.


Assim, os seus encontros mantêm-se secretos, confinados à fusão erótico-
espasmódica, paroxística.
Mas ele sabe que a ama e pede ao pai «que o deixe viver também a ele,
por uma vez, aquela paixão, aquela loucura, aquele amor desmedido pela
menina branca».1 Mas
o pai é inabalável.

Procura, então, afastar-se dela. Mas agora é ela a suplicar e ele «grita-lhe
que esteja calada, que já não a quer, que não quer ter mais prazer com ela, e
ei-los
de novo abraçados, acorrentados juntos pelo medo, e eis o medo a diluir-
se, e eis que cedem mais uma vez com lágrimas, desesperados, felizes».2 Mas
o êxtase erótico
não atravessa as paredes do quarto. A fusão dos corpos não se torna
fusão dos espíritos, recriação do mundo. Apesar de estar sempre prestes a sê-
lo, o amor esgota
toda a sua carga subversiva na sexualidade.

Comprometida aos olhos de ambas as comunidades, a rapariga tem de


deixar Saigão e voltar para França. Não se interroga se o ama. Sente-se
dominada pela dúvida apenas
quando já está no avião, na viagem de regresso. Certa noite desata a
chorar e tem vontade de se atirar ao mar. Mas é só um brilhozinho, um
pequeno clarão. Já em
Paris, não sente mais a sua falta. Muitos anos depois, o seu amante
chinês, tendo ido a Paris com a mulher, telefona-lhe. Diz-lhe que a sua vida foi
irremediavelmente
marcada por aquele amor. Que sempre a amou, que a ama ainda e que a
amaria até à morte.3

Por um lado temos um grande amor impedido do exterior e do interior.


Para ele, chinês, a rapariga é o Ocidente, é o valor, é a perdição, é revoltar-se
contra o pai,
é morrer e renascer. E uma aspiração à totalidade. O seu erotismo é um
lutar desesperadamente contra as barreiras do impossível. Na rapariga, pelo
contrário, o processo
pára antes. O enamoramento não consegue desabrochar

Ibidem, p. 89.
Ibidem, p. 107. ’ ’v’;*:’’-’;’”• ’ ; ’•’•’’• ’•’ ’•’•’•”• •’< > ;’ r /
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Ibidem, p. 123. -.<<: :V ». • ’ V!rv,w>.?-; .,;,,• •-/•.•,••’•;.’•••>


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117
#FRANCESCO ALBERONI

porque ela não se sente atraída pelo mundo chinês como ele pelo
ocidental. E sobretudo porque não consegue imaginar o futuro num instante
sequer. Ele espera e renuncia,
ela não começa sequer a esperar. Então deixa-se envolver no erotismo,
mas separa-o do resto. A sua paixão torna-se uma paixão erótica. Que, no
entanto, é o produto
de um enamoramento que faltou ou abortou.

Vejamos agora o caso de uma mulher que, pelo seu lado, se contenta com
a relação erótica com um homem que ela admira muito, um ídolo. Chamar-lhe-
ei A admiradora.
Um dia, durante uma viagem, encontram-se lado a lado numa sala escura
e as suas mãos encontram-se. Em vez de as afastarem, apertam-nas. É o sinal
do interesse erótico
recíproco que explode de repente, violentamente. Abraçam-se, fazem
amor de forma irresistível e continuarão assim durante alguns anos, uma vez
por mês, em frenéticos
encontros sexuais. Conversam, falam do seu trabalho, abraçam-se, mas
não há uma vez em que um diga ao outro «amo-te», ou «gosto de ti». Não há
projecto, não há futuro.
Entre eles estabeleceu-se um acordo tácito para não o fazerem, porque
destruiria a relação.
Porém, também neste caso as posições do homem e da mulher são
diferentes. O homem sente-se atraído apenas sexualmente. Gosta do corpo
dela, da forma como faz amor.
Gosta porque o recebe em segredo, sem lhe pedir nada, sem o
comprometer, sem pretender enriquecer a relação erótica com elementos
emotivos. Mas não a considera à
sua altura, quer do ponto de vista físico, quer cultural.

Para a mulher é diferente. Gosta loucamente daquele homem, iria viver


com ele, ficaria orgulhosa mostrando-se ao lado dele, casaria com ele. Mas
sabe que é impossível.
Então aceita-o assim como ele se oferece, e aceita ser como ele a quer.
Contenta-se com uma relação puramente sexual. Por vezes gostaria de lhe
dizer «amo-te», mas
sabe que isso seria o fim. E então aceita ter apenas o seu corpo e a sua
amizade. Molda os seus desejos na medida do possível, aprende a extrair
prazer da fusão
sexual. Reduz até a sua paixão amorosa à dimensão duma aventura. Sabe
que tudo acabará. Não quer forçar a sorte. Expulsa da sua mente qualquer
pensamento de amor
e consegue.

Dado que o bloqueou durante muito tempo, o estado nascente não se


acende. Mais, até está orgulhosa da sua conquista. Ela que foi capaz de
agarrar, como amante, um
homem extraordinário, um homem desejado por muitas mulheres. Um
homem que a deseja, que a

AMO-TE
esttima e a enche de prazer. Considera-se afortunada E não põe em risco
o que tem. Resiste até à tentação de se vangloriar peranTe as amigas. Desta
forma, os seus
encontros eróticos sãofelizes, serenos, durante muito tempo. E muitos
anos depois sobreviverá entre eles uma confiante amizade.

Amor platónico

É o tipo de amor em que é deixado livre o encontro emotivo, espiritual,


mas é bloqueada a sexualidade e a fusão sexual. Um caso conhecido e
importante pelos personagens
que estiveram envolvidos é o de Lou Salome.1 Lou era filha dum general
do czar. Tinha um fascínio extraordinário e uma extraordinária inteligência.
Tendo vivido
no meio de cinco irmãos, adorada pelo pai, cedo compreendera que, se se
casasse, se tivesse filhos, tornar-se-ia como as outras mulheres, escrava,
dependente do
marido. Mas ela queria conservar a sua independência. Por isso procurará
sempre outro tipo de relação amorosa, uma comunhão espiritual sem
sexualidade, sem filhos
e sem deveres E de fidelidade. Experimenta a sua fórmula muito cedo
quando, ainda

muito jovem, fica fascinada pelo pastor protestante da sua comuni-

• dade, Gillot. Torna-se sua aluna assídua e adoradora. Abraça-o, senta-se


nos seus joelhos, devora as palavras da sua boca. Outra rapariga teria
concluído que estava
enamorada. Mas Lou não pensa isso, não quer isso, isso não faz parte do
seu projecto amoroso. Quem se enamora é Gillot, que lhe pede para casar com
ele. Lou rejeita-o
e decide até deixar Sampetersburgo. Vai para Zurique, onde encontra um
filósofo, Paul Rée, com quem se repete a mesma história. Estamos em 1882,
Lou tem vinte e
um anos. Rée pede-lhe para casar com ele, ela propõe viverem juntos
como amigos fraternos, até com uma terceira pessoa numa comunidade
espiritual.

O terceiro será Friedrich Nietzsche que tinha então trinta e oito anos.
Também Nietzsche se enamora imediatamente de Lou, um grande amor,
irresistível, exclusivo,
que ilumina a sua vida como um quente sol luminoso. Com ciúmes de Rée,
Nietzsche faz tudo para

1 H. F. Peters, Mia sorella, mia sfosa. La vita, di Lou Atíitm Sa&m/i «ai. tal,
Mondadori, Mifâo

1979.

118

119
#FRANCESCO albweroni

ficar sozinho com Lou e consegue-o no Sacro Monte de Orta. Declara-lhe o


seu amor e talvez tenha até recebido um casto beijo. Convence-se de que é
correspondido,
é feliz, fica transformado, radioso, pensa desposá-la e ter um filho dela.
Mas Lou tem sempre na mente o seu projecto. De facto, propõe-lhe irem os
três viver juntos
em Viena. É amável, persuasiva. O filósofo, contra a vontade, concorda.
Mas Lou zanga-se com o irmão de Nietzsche e vai viver com Rée para Berlim,
onde é bem recebida
na comunidade intelectual e faz outras conquistas. Mas conservando
sempre a sua castidade. Nietzsche espera inutilmente, escreve-lhe cartas de
amor, cartas dolorosas,
às quais ela não responde. Quando compreende que Lou não o ama
permanecerá atormentado.

A casta vida em comum com Rée continua durante muito tempo, embora
Rée, que está realmente enamorado, sofra atrozmente. A dada altura não
aguenta mais e vai-se embora.
Alguns anos depois suicida-se. Em 1887 Lou encontra Friedrich Carl
Andreas, um estudioso alemão-persa. Também ele se enamora dela e lhe pede
para casar. Lou recusa,
mas, depois duma tentativa séria de suicídio de Andreas, concorda com a
condição de não ter relações sexuais, de viverem como dois bons amigos.
Andreas aceita, esperando
que a situação mude, mas será totalmente inútil. Manter-se-ão casados
qua-

renta anos sem se tocarem.

Poderemos então dizer que Lou Salomé se enamorou verdadeiramente de


Rée, de Nietzsche e de Andreas? Tendo por base a nossa concepção de
enamoramento, não. Ela diz
que os ama, mas nunca nenhum deles se torna o único, aquele que é
preferível a qualquer outro. Nenhum se torna a porta para a felicidade, para o
ser. Em Lou trata-se
duma exploração. Talvez comece a atear-se o estado nascente, mas Lou
interrompe-o imediatamente, dá-lhe outra orientação. Exclui o amar uma única
pessoa, procura
uma pluralidade de amigos. Gostaria de viver na mesma casa, no mesmo
quarto com Rée, com Nietzsche, com Andreas, com outros. Tudo isto nada tem
a ver com o enamoramento.
Pelo contrário, exprime a estrutura típica da amizade: não uma
comunidade fechada, mas sim uma rede aberta. Na amizade, a energia vital
não pára nunca num ponto,
percorre uma rede, acende-a num nó, depois noutro, depois noutro ainda.
E a rede, aliás, nunca termina. Lou, assim que inicia uma relação, começa
outra, e mais outra
ainda. Parte, regressa, volta a par-

120

AMO-Te

tir com um ou com outro sem ter qualquer problema. Na amizade sem
exclusividade, não há ciúmes. São sempre possíveis novos comportamentos,
novas amizades. A amizade
é uma filigrana de
enamorado quer estar sempre com a amada e sofre com a suaausência.
O do enamoramento é denso, contínuo, espasmódico. Ocomportamento
amizade, por seu lado, é
descontínuo granular. podem separar-se em qualquer momento, ficarem
longe ate anos e, ao” encontrarem-se, continuarem o discurso deixado
suspenso. Dado que a
sua relação não se baseia na fusão o tempo não conta.1 O amor platónico
de Lou Salome, ”rtTnTnão é um enamoramento. É uma forma de pseudo-
enamoramento. Na realidade,
é uma amizade dessexualizada.

1 Veja-se Francesco Alberoni, A Amizade, cit.

121
#

A PAIXÃO AMOROSA

O amor-paixão •;

O que é a paixão amorosa ou o amor-paixão?1 Um tipo de enamoramento


desesperado, paroxístico, irresistível. Paixão vem de padecer, sofrer. O amor-
paixão é como uma
loucura, como uma doença da qual nos defendemos. Por isso, a tradição
imaginou que talvez dependesse de um filtro. Ludovico Ariosto, em Orlando
Furioso, diz que
na floresta de Ardenna existem duas fontes: uma do amor e outra do ódio.
Se alguém beber da fonte do amor enamorar-se-á da primeira pessoa que
encontrar. Orlando
bebe da fonte do amor e enamora-se de Angélica.

Também no mito de Tristão e Isolda o enamoramento é devido a um filtro


de amor. A história é conhecida. Tristão cresce órfão na corte de Marcos, rei da
Cornualha,
mata o gigante Morholt que aterroriza o país, mas é ferido. As ondas
levam-no à Irlanda, onde é tratado e curado pela princesa Isolda, a loira.
Depois de muitos
anos, o rei Marcos manda-o à Irlanda para trazer Isolda como sua noiva.
Na viagem de regresso bebem o filtro de amor que fora preparado para os
esposos e enamoram-se
loucamente um do outro. Mesmo assim Tristão conduz Isolda junto do rei.
Isolda torna-se rai-

1 O conceito de amor-paixão foi introduzido por Stendhal e coincide em


grande medida com o nosso conceito de enamoramemo. Stendhal, DeU’amore,
trad, ital. Garzanti,
Milão 1956. Não nos esqueçamos que em francês falta a expressão
enamoramento. Existia o arcaico s’enamourerz o substantivo enamouration,
mas nunca mais foram usados.
Em inglês existe a expressão to be enamoured o/que significa «estar
enamorado de», mas não é de uso corrente. As duas línguas quiseram
sublinhar não o processo,
mas sim a descontinuidade: tomber amourex, fall in love. Roland Barthes
defendia que seria oportuno reintroduzir em francês a expressão
enamouration. Pelo mesmo
motivo eu defendo que também em inglês se deveria poder usar, pelo
menos a nível científico, The Nascem State of Love, to be enamoured, e
Enamouration. Mas ninguém
até agora o fez.

123
#FRANCESCO ALBeRONI

nhã, mas o seu amor continua. Eles então fogem para uma floresta onde
vivem até o filtro acabar de fazer efeito. Tendo regressado à corte, o amor
renova-se. Depois
de muitas aventuras, Tristão casa com uma outra Isolda, a Isolda das
brancas mãos. Mas dado que está sempre enamorado de Isolda, a loira, não
consuma o casamento.
Ferido de morte, manda vir a amada rainha da Cornualha que chega de
vela branca erguida, símbolo de esperança. Mas a mulher, ciumenta, diz-lhe
que a vela é negra.
Tristão morre. A loira Isolda morre também ela abraçada ao seu amante.

O caso de Tristão é um caso de impedimento extremo, porque se lhe


opõem a inviolabilidade do matrimónio e a fidelidade ao rei. Outras vezes os
impedimentos são inferiores.
No livro de Tolstoi, Ana Karenina, a sociedade hostiliza o divórcio. Ana é
casada com um alto funcionário e tem um filho. O amor por Vronski irrompe
brutalmente
na sua vida, arrasa-a. Gosta do marido que é uma óptima pessoa e,
durante muito tempo, dominado pelo dilema. Depois, quando se apercebe de
que espera um filho de
Vronski, fala-lhe do seu amor e separa-se. Quando nasce a menina e ela
está prestes a morrer, o marido propõe-lhe que regresse com ele. Então,
Vronski tenta o suicídio.
Nesta altura Ana decide divorciar-se e ir viver com o homem a quem ama.
Marginalizados pela sociedade de Sampetersburgo, mudam-se para o campo,
onde vivem como dois
desterrados. Mas a ela basta-lhe o amor, a Vronski não. Tem saudade da
vida militar, dos seus camaradas. Ana também sofre, sente a falta do filho que
ficou com o
marido. Mas, sobretudo, está angustiada pelo facto de se aperceber que
Vronski anda distraído, a sua mente está algures, pensa na vida de outros
tempos. Para ele
o exílio amoroso tornou-se uma espécie de prisão. Ana, não se sentindo já
amada, mata-se.
Quando é que o enamoramento assume uma forma paroxística, passional?
Quando lhe são colocados obstáculos. A paixão amorosa ateia-se quando um
verdadeiro amor encontra
obstáculos tanto externos como internos. Não é suficiente um
impedimento exterior. É preciso também o conflito interior, o dilema.

Os dramas amorosos da Idade Média são a expressão de um conflito


mortal entre o indivíduo e a sociedade da época. O enamoramento é a
expressão da escolha do indivíduo
contra as exposições, as regras da colectividade em que vive. Os
casamentos eram combinados pelas famílias por razões económicas ou
dinásticas desde que

124

Iram crianças. No clero era obrigatório o celibato. Por isso, o


enainoramento apresentava-se como uma infracção das mais sagradas legras
sociais e era antitético
à mesma ordem matrimonial. Mas este [poder nascente não podia ainda
subverter a ordem constituída. O enamoramento não tinha ainda a força para
se tornar a base do
[casamento. Até Heloísa, ao princípio, recusa casar com Abelardo, i
porque pensa que o casamento nada tem a ver com o amor. Ela asI pira a uma
união dos corpos,
dos corações e da inteligência cujo E exemplo não vê nas famílias à sua
volta.1

E O amor de Tristão e Isolda, de Lancelote e Genebra ilustram l este


estado de conflito cujos episódios da tragédia de Abelardo e He| loisa ou de
Paolo e
Francesca são os exemplos históricos concretos. A paixão é o produto
duma luta mortal pelo seu amor e que, de facto, termina precisamente com a
morte. A aproximação
entre amor e morte é o produto de um drama social, a falência duma
missão revolucionária.

De Rougemont engana-se quando, partindo destes exemplos,

defende que a paixão amorosa é um desejo de morte. Ele observa que os


amantes estão cheios de contradições. Amam-se e lutam contra o seu amor,
arrependem-se e continuam
a pecar, mentem e declaram-se inocentes, afastam-se e depois
aproximam-se: «Na realidade», conclui, «todos os grandes amantes se sentem
transportados para lá do
bem e do mal, numa espécie de transcendência que paira sobre as nossas
comuns condições, num absoluto inefável, incompatível com as leis do mundo,
mas que para eles
é mais real que este mundo. A fatalidade que os domina, à qual se
abandonam gemendo, suprime a contraposição do bem e do mal, condu-los
realmente para lá da origem
de todos os valores morais, para lá do prazer e do sofrimento, para lá da
esfera em que se distingue, no seio da qual os

contrários se excluem.»2

Nós aprendemos que estas extraordinárias propriedades são típicas do


estado nascente. Com efeito, no estado nascente não valem as dicotomias da
vida diária. Ele
vai efectivamente «para lá do bem e do mal»,3 e o dever coincide com o
prazer. Mas o estado nascente
1’ Etienne Gilson, Eloisa ed Abelardo, trad. ital. Einaudi, Turim 1950. Maria
Teresa Fumagalli Brocchieri, Eloisa e Abelardo, Mondadori, Milão 1984.
1 Denis de Rougemont, L’amore e I’occidente, cit., pp. 83-84.
3 Veja-se o capítulo «O misticismo», in Francesco Alberoni, Génese,
Bertrand Editora, Lisboa. >,

125
#FRANCESCO ALBERONI

está sempre também em projecto, é sempre reestruturação da vida


quotidiana. Desce ao mundo, faz-se instituição. Quando este projecto falha,
quando lhes é barrado
o caminho da construção duma comunidade, prevalece o desejo de morte.
A morte é uma alternativa que os enamorados têm sempre presente, porque
sentem que não podem
viver sem a pessoa amada. Porque sabem que existe algo que é mais
importante que a sua vida pessoal. Mas isto não significa em absoluto que eles
desejem morrer.
Eles desejam viver, desejam desesperadamente viver. Têm um ideal de
vida a que não podem renunciar.

No romance Lolita, a paixão nasce porque Humbert não consegue fazer-se


amar pela rapariguinha. Está convencido que ela não pode amá-lo porque é
demasiado nova e
ele um homem adulto. Na realidade ela ama outro e foge com ele.
Humbert só a reencontra anos depois, envelhecida, grávida, e apercebe-se que
continua a amá-la, que
a teria amado para sempre. Mas Lolita está apagada, destruída pelo
grande amor que a desiludiu, pelo homem que «destruiu o seu coração».
Então Humbert deixa-lhe
o pouco dinheiro que ainda tem e vai matar quem lhe fez tanto mal e
destruir a sua vida. A história que, ao princípio, parece um acontecimento
erótico banal, mostra-se
como uma paixão, uma tentativa de transformação revolucionária para
ambos. E que, para ambos, falha.

O amor secreto, a ilha dourada

Para explorar este aspecto utilizarei a vida e os livros editados e inéditos


de um escritor cujo nome não posso dizer. Chamar-lhe-ei O escritor. São livros
escritos
quando um amor acabou, quando a alma é dominada pela dor de o ter
perdido. Mas são livros de amor, livros nos quais se exprime a paixão. Uma
paixão recordada, revivida.
O amor é este recordar, reviver.

O homem de quem falo nunca se separou da mulher, nunca se divorciou.


Teve os seus amores ocultos. O enamoramento nunca pôde por isso
desabrochar na formação dum
casal, na criação duma casa, duma ménage. Procurou outro caminho,
exprimiu-se doutra forma. Produziu uma relação clandestina. Este tipo de
relação ia bem para ele.
Foi sempre a mulher quem se cansou, quem

126

AMO-TE

pôs fim à relação e que, em dois dos casos, acabou por casar com
outro.
Trata-se, portanto, de um enamoramento verdadeiro, de amor verdadeiro,
mas no qual o sujeito decidiu irrevogavelmente que não romperá com a
mulher mesmo que a sua
amante lho peça. Um amor que não é projectado para se tornar uma vida
social em co-mum, mas como relação secreta, cercado por altas muralhas de
silêncio e de dissimulação.
A instituição para que tende e na qual desemboca não é a convivência e o
casamento, mas sim a figura da
amante clandestina.

A relação amorosa é separada do mundo, protegida na sua pureza,


arrebatada à vida de todos os dias, aos discursos das pessoas, ao controlo
social. Então todo o dever
e todo o esforço ficam de fora e todo o bem, todo o desenfreamento, toda
a liberdade e toda alegria ficam dentro. É como o domingo, ou o sábado, ou a
sexta-feira,
o dia do Senhor, o momento do contacto com a divindade, o sagrado,
separado do profano. Este tipo de amor não aspira a modificar o existente,
mas sim a fugir dele.
Aspira à perfeição do encontro místico. O seu modelo não é a família, mas
sim o convento, ou então o culto mistérico orgiástico e secreto, que separa do
mundo. Os
encontros amorosos são orgias sagradas protegidas pelo segredo
iniciatico. O seu modelo não é a celebração nupcial manifesta, a casa aberta
aos amigos, mas sim a
seita em que os adeptos estão ligados por uma fraternidade jurada, e até
pela obrigação da dissimulação. Como os Dõhnmeh, judeus da seita de
Sabbatai Zevi que durante
séculos fingiram ser muçulmanos, celebrando em segredo a sua
verdadeira fé.
Amor secreto, clandestino, protegido, isolado. Todos os deveres conjugais
foram cumpridos, todos os trabalhos profissionais foram terminados. E então é
concedida,
merecida, a festa da alma, do corpo, a festa final. Tudo o resto, todos os
deveres mundanos são apenas actos rituais, gestos cerimoniosos necessários
para consagrar
o espaço-tempo sagrado do amor, que é prémio supremo e fim último,
paraíso na terra. Como o navegador que se submete a canseiras inenarráveis,
que enfrenta perigos
terríveis, mas volta a casa um dia para se encontrar com a sua amada.
Como o foragido que corre perigo de morte para ver a sua mulher às
escondidas.

Uma outra analogia é a da mulher que teve um filho e o meteu

127
#FRANCKSCO AI.Blí

KONI

num colégio distante. Por ele faz um trabalho abjecto, miserável, torna-se
prostituta. Não se importa com as canseiras, não se importa com a vergonha
ou o sacrifício.
Tudo adquire um significado tendo em vista aquele encontro. Foi ela que o
deu à luz, que o alimentou, que o cuidou na doença, que o mantém longe da
miséria da vida.
Está disposta a fazer seja o que for para o preservar da contaminação da
sua existência. Aceita todos os deveres, cumpre-os até escrupulosamente para
não pôr em
perigo aquilo que lhe interessa acima de tudo. E não o quer ao pé de si
porque a sua vida não é adequada para ele, porque corromperia a sua relação
que só pode continuar
perfeita se ele estiver longe e não souber.

O encontro, neste tipo de amor, tem um valor em si, não é um meio, mas
sim o fim, não é uma etapa, mas sim a meta. Não se projecta no futuro, não
faz projectos.
De cada vez poderia ser o último, e por isso é saboreado até ao fim. Nisto
conserva as características que encontrámos no estado nascente. O nunc
stans, o presente.
Os enamorados abraçam-se como se aquela fosse a última vez. E estão
sempre dispostos a aceitar a morte, porque o que eles estão a viver é a
essência da vida. O fruto
mais precioso da vida em relação ao qual tudo o resto é um instrumento
frio, inerte. Mas no estado nascente esta experiência transforma-se logo no
seu contrário,
em impulso para o futuro, projecto. Aqui, fecha-se em si mesmo.
Exactamente como na mística. A mística não é um estado nascente, é uma
instituição5 e, como instituição,
conserva algo da experiência original, é a sua guardiã, mas perde o resto.
Neste caso retém o presente e perde o futuro. É necessário, então, que esse
encontro seja
o absoluto, o incomparável, aquilo que sacia a verdadeira sede. E basta
uma golada dessa água para se viver no deserto.

Para evocar o amado distante pode ser suficiente um símbolo, um pedaço


de céu azul, uma fotografia amarelecida, uma carta. É suficiente para aquecer
o coração, para
fazer afluir todas as energias milagrosas da vida. Esse símbolo é o apoio
para viver, aquilo que nos mantém vivo. O que confere sentido à vida. é com
essa recordação,
com esse símbolo, com esse talismã que conseguiremos atravessar o mar,
o oceano, a floresta. Há gente que traz sempre consigo qualquer coisa do
amado, da amada,
ou do filho. É bonito este amor da espera, este amor dedicado, este amor
distante, esta fidelidade do coração.

Os encontros ocasionais, secretos, conservam um carácter extraordinário


também para o erotismo. Se esses encontros tivessem de se tornar diários, se
a relação tivesse
de ser manifesta, se o amante tivesse de se tornar marido ou mulher,
talvez o encantamento se desvanecesse. Algumas paixões eróticas muito
intensas conseguem durar
muitos anos precisamente porque são descontínuas e secretas, porque
não têm de se transformar em projecto de quotidianidade. E então assumem
alguns caracteres do
estado nascente, da paixão.

É o caso do livro Passione d’amore, de Carlo Castellaneta. Diego sonha


com tirar Leonetta ao marido, de ir viver com ela, de fazê-la sua esposa, de ter
uma casa
onde receber os amigos. Mas Leonetta não quer. Comporta-se como O
escritor. Quer que Diego continue a ser o amante que ela só vê de vez em
quando, em encontros inflamados
e apaixonados. Ama-o, mas sabe que se fosse viver com ele tudo se
degradaria rapidamente na banalidade do dia a dia. No encontro amoroso
apresenta-se sempre a ele
como uma deusa, lindíssima, como uma sacerdotisa do amor. Isto requer
riqueza, preparação, cuidados. Tudo coisas mantidas longe, escondidas. Por
isso Leonetta não
quer renunciar ao marido rico. Porque lhe dá os meios com os quais
conservar a sua beleza. E não se importa se, para ter estes meios, tiver de ter
relações sexuais
com ele. Porque se desenvolvem num plano diferente, no do dever
conjugal. O plano dos deveres mundanos, dos actos rituais necessários para
consagrar e garantir o
tempo sagrado da paixão de amor. Intervalada, protegida, secreta.

128

129

#OS CIÚMES

Os ciúme no enamoramento inicial

Há ciúmes no estado nascente do enamoramento? Alguém responde que


há sempre, porque o enamorado pergunta logo «Amas-me, amas-me?». E
desfolha o malmequer, ora dominado
pela esperança, ora pelo medo. Mas isto não são ciúmes. Quando somos
dominados pelos ciúmes, temos medo que o nosso amado ame outra pessoa,
prefira outro a nós.
Nos ciúmes existe um rival. Enquanto o enamorado não tiver na cabeça
um rival, tem simplesmente medo de não ser correspondido.

O enamoramento é acompanhado por uma inconfundível sensação de


aflição. Porque o máximo bem que conseguimos alcançar pode-nos escapar,
pode desvanecer-se. Dado que
sabemos que não merecemos o seu amor, porque o amor aparece-nos
como um dom, uma graça totalmente gratuita, tememos que ele possa mudar
de ideia, voltar a ser aquilo
que era antes de nos conhecer. Temos a certeza das coisas que
conseguimos explicar, controlar, sobre as quais temos um poder. Mas não
conhecemos, não temos qualquer
poder sobre a pessoa amada. Num momento parece-nos mais próxima de
nós e logo no momento seguinte nos parece uma divindade inacessível.
Esperança e confiança, receio
e apreensão, estes são os sentimentos dominantes do amor nascente. O
enamoramento permite aceder ao máximo do erotismo mas, ao mesmo
tempo, faz vislumbrar a sua
superação. O corpo, a beleza, o prazer sexual, os beijos, o contacto da
pele, o abraço, tudo aquilo que no erotismo é realização, cumprimento, no
enamoramento é
um meio para qualquer coisa diferente, para ir mais além, em direcção à
essência da pessoa amada, em direcção a um valor inefável. Constitui um
percurso, uma via,
um meio.

131
#FRANCESCOalberoNi

Às vezes um amor começa como uma aventura. Como uma intensa e


excitante experiência erótica. Pode também continuar assim durante muito
tempo. Mas se, a uma determinada
altura, um dos dois, ou até ambos se enamoram, acontece uma mudança
profunda. O gesto erótico seguro, triunfal, torna-se hesitante. O desejo sexual
cede o lugar
a uma espera ansiosa do corpo, à vontade de chorar, à comoção. A outra
pessoa, que agora está mais próxima de nós, tornou-se-nos mais desejável e
mais distante.
Olhamos para ela e parece-nos vê-la pela primeira vez. Todas as vezes
como se fosse a primeira vez. Parece-nos que só conhecemos dela o aspecto
mais superficial.
Pensávamos que tínhamos visto tudo e não tínhamos visto nada. O seu
corpo, as suas mãos, os seus olhos falam-nos duma infinidade desconhecida.
Enquanto estamos com
ela, enquanto a temos nos nossos braços, enquanto fazemos amor,
ultrapassamos este abismo. Mas assim que nos vamos embora ou ela se vai
embora, assim que estamos
longe, é como se pudéssemos perder o caminho para a reencontrarmos.
Então temos necessidade de vê-la, de tocá-la, de falar-lhe, de ouvirmos dizer
«amo-te».

Tudo isto não é ciúme.1 É medo de nos perdermos a nós próprios, de


perdermos o sentido da nossa vida. O amor revela-nos a infinita complexidade,
a infinita riqueza
da outra pessoa. Porque captamos dela tudo o que ela foi, tudo o que
podia ter sido, tudo o que é agora e o que poderá vir a ser no futuro. O amor
revela-nos os
infinitos possíveis de que é constituído o indivíduo, a sua total
improbabilidade e, portanto, o milagre da sua existência e do nosso encontro.
No amor a estupefacção
maravilhada é consciência desta total precariedade do ser e, ao mesmo
tempo, consciência de que no outro está o fundamento de que necessitamos
desesperadamente.
Daí o nosso desejo de retê-lo, de nos abraçarmos, de ficar unidos, de nos
fundirmos um no outro.
Não reflectimos suficientemente sobre o carácter extraordinário de tudo o
que acontece no enamoramento correspondido. Identificamos a pessoa que
vale mais do que
qualquer outro ser vivente. O que está próximo do absoluto, do divino.
Pois bem, esta pessoa, esta divindade, dentre os infinitos seres deste mundo
precisamente
escolhe-nos a nós e ama-nos. Através do amor o homem mais hu-

’ Sobre os ciúmes vej»-sej?«eçr Van ScjBUners, La gelosia, trad. ital.


I^WtasfeBári 199Í.

132

AMO-TE

milde e mais infeliz é o eleito de Vénus, a deusa da beleza e do amor. E a


mulher mais insignificante e mais sozinha recebe o seu anúncio: «Tu és bendita
entre as
mulheres.» Por isso é tão terrível a falência do amor, o abandono. Por isso
os ciúmes são tão terríveis.

Os ciúmes não são um furto. Não somos ciumentos porque nos seja tirada
qualquer coisa que consideramos nossa. Nós não somos ciumentos da pessoa
que nos é raptada,
nem do raptor. Nós só temos ciúmes quando é a própria pessoa que
amamos a deixar-se raptar, seduzir, levar por outro, quando o prefere a nós.
Os ciúmes são sempre
uma traição da exclusividade.
Muitos psicólogos criticam os ciúmes dizendo que a nossa pretensão de
exclusividade é absurda. Mas porque é que somos exclusivos? Nenhum de nós
pensa ser o mais
belo ou o mais inteligente do mundo. Nenhuma das nossas virtudes,
medida com o padrão do mundo, nos torna preferíveis aos outros. Face a
qualquer critério de valor
mundano aquilo que somos é sempre muito pouca coisa. E, no entanto,
nós gostamos de nós próprios, apreciamo-nos porque sentimos que, lá no
fundo, em nós há um valor,
uma unicidade insubstituível. No enamoramento esta unicidade, esta
exclusividade, é reconhecida, aprovada, confirmada. O amado, amando-nos,
dá à nossa individualidade
fundamento de ser, dignidade de valor.

Ciumento é aquele que se apercebe que, com razão ou não, ele não é o
único, o exclusivo, para a pessoa amada, tal como ela o é para ele. Que ela
encontra noutra
pessoa o valor que devia ter encontrado só nele. Que o outro possui
qualidades essenciais aos olhos dela: uma habilidade que a diverte, que a
torna alegre, que a
encanta, que a comove. Ou então que o outro é mais bonito, mais novo,
mais inteligente. Então sente-se esvaziado de todo o conteúdo, de todo o valor.
Sente-se nada,
precisamente porque ela lhe ensinara que era tudo. Porque o exaltara até
onde nunca pensara elevar-se. E agora tira-lhe a primogenitura acabada de
conceder, derruba-o
do trono a que o associara. Expulsa-o do paraíso, mergulha-o no abismo e
ergue outro no seu lugar.
Algumas vezes, no amor nascente, os ciúmes estimulam a vontade.
Levam o enamorado a lutar pelo seu amor. Isto acontece quando há
esperança. Mas uma recusa muito
grave paralisa-o, porque o convence de que não vale nada e de nada
poder pedir.

133
#FRANCESCO AlBeRONi

Felizmente, no enamoramento correspondido os dois têm os mesmos


problemas, os dois têm necessidade da mesma garantia. E ambos estão
prontos a dá-la. Basta que o
seu amado lhe murmure, em tom sincero: «Amo-te, amo-te só a ti», para
se acalmar, para fazer desaparecer todos os fantasmas. O amor nascente é
confiante, fala com
espírito de verdade e pensa que o outro também faz o mesmo. Por isso os
ciúmes têm pouca importância no verdadeiro enamoramento bilateral, porque
o nosso amado nos
acalma logo, e nós acalmamo-lo a ele. Se os ciúmes se instalarem no
enamoramento inicial, isso significa que na realidade não se está
completamente enamorado. Que
se está ainda incerto, que constitui uma prova demasiado grande, que
procura fugir.

Ciúmes que reprimem o amor

Já contámos a história de Student, um jovem enamorado duma colega sua


que não é correspondido. Pensando que o seu insucesso era fruto da sua
inexperiência, dedica-se
a aprender a arte do sedutor e consegue. Mantém a sexualidade separada
do amor. Durante toda a sua vida este homem terá apenas mulheres que o
amam e que lhe são
totalmente fiéis. Quando lhe acontecer apaixonar-se de mulheres também
muito bonitas, mas que têm outro homem ou que ele pensa que lhe possam
ser infiéis, acabará
sempre por abandoná-las. Mais, não chegará sequer ao enamoramento.
Parará antes, ao nível da paixão erótica. Não ultrapassará o limiar mínimo que
desencadeia o estado
nascente. Dado que no primeiro enamoramento não foi correspondido e
sofreu muito, nos outros não se abandonará mais sem estar absolutamente
certo de ser correspondido
de forrna exclusiva, para lá de qualquer dúvida.

Este comportamento diz-nos que a ascensão do estado nascente requer,


se não um acto de vontade, pelo menos um abaixamento, um consentimento,
a diminuição da vigilância.
Um pouco como acontece na hipnose em que, se a pessoa está alerta e
não quer deixar-se hipnotizar, frustra todas as tentativas do hipnotizador. Para
que a hipnose
tenha êxito é preciso uma adesão de estado, do estado de vigília ao
estado de sono hipnótico. O sono hipnótico é muito diferente do estado
nascente, é passivo, provado
de criatividade e ex-

134

AMO-TE

tremamente breve. Mas a analogia serve-nos para compreender a


natureza descontínua do enamoramento verdadeiro.
Student, com medo dos ciúmes, não se enamora. Mas há quem se
enamore e, com medo dos ciúmes, destrua a pessoa que ama. Foi o que
aconteceu a uma mulher muito bonita,
a quem chamarei A aventureira. Esta mulher, que teve uma vida
aventureira e numerosos amantes, teve apenas um único grande amor, de
quem ainda hoje, vinte anos depois,
tem saudades. A aventureira deixa a casa dos pais muito cedo. Vai viver
com uma amiga para a Suíça onde começa uma actividade comercial.
Encontra o homem amado quando
tem dezanove anos. Ele é um médico doze anos mais velho do que ela. É
um amor repentino, irresistível.

A jovem é bonita, provocante, apaixonada, rebelde e orgulhosa. Para o


homem, que vive ainda com os pais e está iniciando uma sólida carreira
hospitalar, ela é o
símbolo da liberdade erótica, da transgressão. Um pouco como acontece
com O homem de Turim, com António, o protagonista do romance Un amore,
de Buzzati.

Ela é ainda virgem, mas entrega-se-lhe sem hesitar. Diz-lho depois, mas
ele não acredita porque agiu com demasiada naturalidade, com demasiada
insolência. Ele deseja-a,
está louco por ela, mas não a acha adequada como esposa. Porque é
demasiado independente, demasiado desinibida. Porque não corresponde aos
cânones bem-pensantes
burgueses. Viaja, diz-lhe tudo o que lhe passa pela cabeça. E embora ela
nunca o traia, ele está convencido de que tem amantes em todos os lados.
Persegue-a com
perguntas a que a jovem responde, orgulhosamente, dizendo que isso é
com ela, que ela pode fazer o que lhe apetecer, que é livre. De qualquer modo,
para diminuir
as suas ansiedades, quando vai em trabalho ao estrangeiro, dizlhe que vai
a casa duma tia. Depois ele descobre a mentira, e desencadeia-se a crise.
Separam-se durante
quinze dias, um mês. Ele procura esquecê-la depressa com outra mulher.
Ela não. Está ofendida pela sua desconfiança, mas não pensa vingar-se.

Depois fazem outra vez as pazes, vivem um período de êxtase erótico,


que ainda hoje esta mulher não consegue recordar sem se comover. Enquanto
ele os considera intermezzi,
paraísos dourados destinados a acabar. Algumas vezes tentou casar com
ela, mas depois
fez marcha atrás, convencido, bem no seu fundo, que ela era uma
dissoluta, uma ninfomaníaca. Mas esta imagem de desinibição li-
135
#FRANCHSCO Al.Iil

KONI

cenciosa atrai-o. Pede-lhe para falar dos seus amantes, das suas
experiências com outros homens. E como ela se cala, pois nada tem a dizer-
lhe, lança-a para os braços
dos seus amigos, para ver como reage e, ao mesmo tempo, para
encontrar um alibi para a deixar. Uma vez, num barco, pede-lhe para ter uma
relação sexual com um amigo
comum. Explica-lhe que considera aquilo uma prova de amor. Ela,
ingenuamente, cede. Nesta altura os ciúmes do homem tornam-se
paroxísticos.
Ama-a, não pode prescindir dela. Mas ao mesmo tempo acha que este seu
amor é uma doença. Por isso decide cortar. Às escondidas, começa uma
relação com uma colega.
Durante o período natalício, A aventureira tem de ir a Beirute numa
viagem de negócios. O homem pede-lhe para desistir, para ir à montanha com
ele. É uma espécie
de prova de «última instância», um ponto de não retorno. Mas para ela é
só um pedido absurdo, dado que tomou aquele compromisso há muito tempo.
Explica-lhe que tem
mesmo de ir, e vai. Quando regressa não o encontra. Não responde ao
telefone, os amigos não o voltaram a ver. Parece ter-se evaporado. Ela fica
desesperada. Passam-se
meses. Um dia ele telefona-lhe e diz-lhe friamente que se casou e vive
noutra cidade. Ela nem quer acreditar, parece-lhe absurdo, impossível.
Informa-se, consegue
obter o novo número de telefone dele. Telefona. Responde-lhe uma mulher
que lhe diz ser a esposa.

Neste caso os ciúmes nascem do facto de este homem estar fascinado


pela vida aventureira, pela liberdade e pelo anticonformismo da mulher. Mas
tem medo dela. Decide
defender-se desde o princípio. Vive o seu amor como uma paixão, como
uma doença. Não consegue ver nele a base para um casamento e para uma
família. Engana-se, porque
a jovem, apesar de ter um temperamento impetuoso, ama-o
perdidamente e é-lhe sempre fiel.

Mas há pessoas que suportam muito bem os ciúmes. Nas formas de amor
competitivo os ciúmes e a presença de um rival constituem um elemento
excitante e até uma componente
essencial do estado amoroso. Para estas pessoas o amor é conquista,
sedução, luta. Existe uma determinada literatura erótica feminina, a chamada
literatura cor-de-rosa,
em que há sempre uma rival. A protagonista está enamorada de um
homem que ela pensa que já está enamorado de outra. Então sofre, mas não
renuncia ao seu amor. Faz
tudo para fi-

136

AMO-TE

car perto dele, para lhe agradar, para o conquistar. Mas, ao contrário da
rival que usa as mais manhosas artes da sedução, a heroína é sincera,
honesta. No fim o
amor acaba por vencer no coração do homem, conquistado pela sua
beleza e pelas suas virtudes.

Esta capacidade de esperar que também no outro desperte o amor, esta


capacidade de manter refreados os ciúmes para impedir que se transformem
em sentimento destrutivo,
parece-me uma qualidade mais feminina do que masculina. A aplicação
sistemática da sedução para fazer com que o outro se enamore, para
conquistá-lo, é muito mais
discutida nas revistas e nos livros destinados às mulheres. Por outro lado,
durante milhares de anos, a mulher nunca se adaptou a ir com qualquer um.
Procurou sempre
conquistar o melhor homem, o mais atraente, o socialmente mais
apreciado. Não poderia fazê-lo se não tivesse aprendido a esperar, a resistir, a
controlar os seus
ciúmes em relação às rivais.
Ciúmes que intensificam o amor

Muitas pessoas consideram os ciúmes um estímulo para o amor. Para


conquistar a pessoa amada ou para a manter ligada, provocam-lhe ciúmes.
Isto é, estimulam nela
o mecanismo da perda. Para todos estes é válido o verso de Ludovico
Ariosto: «no amor vence quem foge». Vence quem não ama, quem se faz
procurar, quem provoca os
ciúmes do outro.

Vejamos o caso de A porteira de Siena. Esta mulher, já não muito nova


mas agradável, tinha um marido bêbedo de quem, finalmente, consegue
divorciar-se. Tendo ficado
sozinha conhece um homem mais novo de quem ela gosta muito e que
decidiu manter agarrado a todo o custo. Mas o trabalho dela obriga-a a ficar
parada enquanto ele
viaja. E, como se sabe, nas viagens poderia encontrar outras mulheres, ter
outras aventuras e até esquecê-la. Para impedir esta eventualidade, A porteira
de Siena
usa a técnica de não se fazer encontrar, de fazer com que a procurem, de
fazer-se desejar, de criar no homem uma contínua incerteza. Ele telefona-lhe
para dizer
que a ama, para se certificar que ela está em casa e ela não atende, deixa
tocar o telefone. Depois, quando ele por fim a encontra, conta-lhe que saíra
com uma amiga,
que encontrara um conhecido. Anda

137
#FRANCESCO AlBeRONI
sempre radiosa, alegre, mas vaga. Dá-lhe a impressão de ter muitas
pessoas à volta, de ser cortejada e desejada. Assim mantém-no sempre um
pouco apreensivo. Depois
abraça-o, beija-o, diz-lhe que o ama, tranquiliza-o. Ele passa então da
ansiedade à alegria, da dúvida à felicidade e deseja-a cada vez mais
intensamente. Graças
a este estratagema a sua relação que, provavelmente mergulharia
rapidamente na monotonia e na traição, durou muitos anos e desembocou no
casamento.

Mas, como já dissemos, há dois tipos de reacção radicalmente diferentes.


Se o homem de A porteira de Siena se agarra ainda mais à mulher que o
mantém em suspenso,
no caso de O homem de Bárí algo corre mal. Este homem tinha-se
enamorado de uma mulher mais nova. Mas tinha graves problemas
económicos e familiares. Desejava ir
viver com ela, pensava casar com ela, mas não podia fazê-lo nos tempos
mais próximos. Ainda tinha de ultrapassar muitas dificuldades. Assim ganhava
tempo. A rapariga,
num primeiro período, não o pressiona. Também ela tem uma antiga
relação que mantém com dificuldade e por isso aceita manter o novo amor em
segredo, reservado. Mas
com o passar do tempo, decide abandonar o velho amante para se
entregar toda ao novo ardente enamorado. No entanto, o homem está ainda
indeciso, adia. Ela gostaria
de forçá-lo a decidir. Mas, em vez de lhe dizer que o ama e que está
decidida a segui-lo para toda a parte, a enfrentar com ele até uma vida difícil e
dura, escolhe
o estratagema de lhe provocar ciúmes. Faz-lhe compreender, com
alusões, que há outro homem que lhe faz a corte. Para se tornar mais
desejável, começa também a recusar-se-lhe
sexualmente. O homem de Bárí procura um esclarecimento, mas ela
mantém-se intencionalmente evasiva. Passa-se assim quase um ano em que
se alternam momentos de amor
apaixonado e de frieza. O estratagema da mulher, durante um certo
período, tem efeito. O homem torna-se ciumento, procura-a a seguir, escreve-
lhe cartas apaixonadas.
Mas o período de prova é demasiado longo. Com a continuação da
ambiguidade e da recusa sexual, ele convence-se de que ela tem
efectivamente outro amante. E no seu
coração decide romper para sempre. Depois de noites de insónia, depois
de um último encontro amoroso frenético, parte para uma longa viagem de
trabalho no estrangeiro,
e não aparece mais. Durante mais de um ano vive num pesadelo. Mas não
a procura mais.

138

AMO-TE

Os ciúmes do passado

Muitos estudiosos consideram como patológico ter ciúmes do passado.


Com efeito, para quê ter ciúmes de alguém que já não nos ameaça, que não
nos pode provocar qualquer
mal? O que é que nos interessa que o nosso homem ou a nossa mulher
tenham tido amores e amantes? Porque inquietarmo-nos por não termos sido
nós os preferidos, os
únicos, mesmo quando ainda não nos conhecíamos. Não será este tipo de
ciúmes a prova de um espírito possessivo, de uma
avidez infantil, patológica?
Para responder temos de partir do facto de nós, quando nos enamoramos,
querermos saber tudo do outro. Os enamorados pas-

sam horas e horas, dias e dias a contarem mutuamente os particulares da


sua vida passada. Porque gostariam de se conhecer desde princípio. Cada um
gostaria de
ver como era o outro em criança, na adolescência, segui-lo em todos os
momentos da vida, estar sempre com ele. É a historicização, um aspecto do
processo de fusão.
Cada um procura penetrar no outro para ver o mundo com os seus
prófcDrios olhos. Para assim conseguir vê-lo conjuntamente, para ter a
mesma visão do mundo.

Cada um fala também das suas experiências amorosas. E o outro muitas


vezes quer conhecer os pormenores até se identificar com ele, com os seus
amantes, as suas
sensações. E aqui que está a raiz

dos ciúmes do passado. Na procura obsessiva de um conhecimento


recíproco completo. E sobretudo na forma como este processo é rea-

lizado.

No enamoramento normal, no normal processo de historíciza-

ção, cada um conta o passado não para criar uma barreira ao amor
nascente, mas para destruir os obstáculos. Enquanto conta, o enamorado
tira valor às experiências feitas no passado. Na essência diz
ao amado: aconteceu tudo isto, mas agora acabou, acabou para sempre.
Eu transformei-me noutra pessoa, renasci e agora, para mim, só contas tu.
Com o processo de
historicização os enamorados destroem todos os velhos traumas, as
velhas dores, e os velhos amores e emergem livres, puros. A historicização
move-se para o passado
para o redimir e permite ir para o futuro sem ligações.

A historicização tem o objectivo de fazer emergir o homem novo. O


convertido percorre a sua vida passada para descobrir onde

139
#FRANCESCO ALBeRONI

errou e quando começou a avistar os indícios da verdade. É o que faz


Santo Agostinho nas Confissões. Os dois enamorados que contam um ao outro
a vida vivida antes
de se conhecerem, fazem-no para se tornarem pessoas novas, para
renascerem. Para transmitirem ao outro tudo o que no seu passado enriquece,
intensifica o seu amor.
E não o que o destrói. Eles escolhem e sublinham as experiências, os
episódios, os sentimentos que são integráveis no novo amor e tiram valor,
desvalorizam os que
se lhe opõem. Por isso recordam os amores passados, mas para os
esvaziarem de significado. A historicização não é regressão nem lembrança. É
criação duma tradição
comum, é escolha de valores, descoberta de um destino. Por isso ambos
escolhem as coisas que antecipam, que indicam, como profecias, o amor que
estão a viver. Exactamente
como faz Tito Lívio quando, na história de Roma, escolhe os mitos
edificantes, ou como faz Virgílio quando, desde a fuga de Tróia ao encontro
com Dido, descobre
os sinais do futuro destino de César Augusto.
Os ciúmes do passado aparecem quando este processo não é concluído ou
é desviado. Um famoso caso de ciúmes do passado é o de Sônia Tolstoi. Sônia
tinha dezoito anos,
estava loucamente enamorada de Tolstoi que lhe parecia uma espécie de
divindade. Era o maior escritor russo, famoso, adorado por todos. Estamos
claramente perante
um enamoramento idolátrico. Também Tolstoi está enamorado. Devia ter
casado com a irmã mais velha de Sônia, mas continua fascinado por ela.
Durante muito tempo não
cede ao seu enamoramento. Considera-se muito velho para uma jovem de
dezoito anos, ele que tem trinta e quatro. No fim, cede. Entrega-lhe uma carta
onde lhe pede
para casar com ele. Tendo recebido uma resposta afirmativa, desconcerta
toda a gente fixando a data do casamento para daí a sete dias. Depois sente
logo a necessidade
de se mostrar à sua noiva exactamente como é, sem esconder nada da
sua vida passada, nem as coisas piores, mais abjectas. Se o amor superar esta
prova, diz ele para
si mesmo, então significará que ela me ama verdadeiramente, que a base
do nosso casamento é sólida. Por isso entrega-lhe os seus diários onde
apontou tudo, absolutamente
tudo o que fez até àquele momento.

Estamos em condições de compreender o seu gesto. Tolstoi está


verdadeiramente enamorado e, depois de se ter defendido durante muito
tempo, cede ao seu amor. Agora
quer pôr em comum com a

140

AMO-TE
pessoa amada o seu passado. Mas não lhe conta a sua vida pouco a
pouco, não a analisa com ela de forma crítica. Não faz com ela um lento e
paciente trabalho de selecção
e desvalorização. Limita-se a entregar-lhe os diários. E ela lê-os, com
espanto, que ele delapidou fortunas, teve amantes de todo o tipo, ciganas,
prostitutas, amigas
da sua mãe, criadas, camponesas que vivem na sua casa. Fica
perturbada. Nos diários revela-se-lhe um homem que ela não conhecia, e líque
tem de aceitar tal como
é, sem discutir. E como se ele lhe disseste: «Vê, eu sou assim, tens de me
tomar como sou.»

No enamoramento idolátrico a relação nunca é paritária. Há •um que é


superior e outro que é inferior. Existe o perigo de a pessoa Hque se sente
superior se considerar
perfeita, pretender ser aceite tal como é, não se pôr em questão, como
acontece com o enamoraBmento paritário. E é precisamente isto que Tolstoi
faz. Ele, entreBgando
os seus diários à jovem Sônia, não faz qualquer revisão da sua vida. Não
descobre nela os traços do seu verdadeiro amor, não idenBtifica os caminhos
errados, não
os recusa. Não se torna um homem

novo, totalmente disponível para o novo amor, purificado do passaBdo.


Atira para cima de Sônia o seu passado sem recusar nada dele.

Sônia, depois de ter passado a noite a ler os diários, encontra-se com ele
de manhã com os olhos vermelhos de tanto chorar. Nada diz, tranquiliza-o,
perdoa-lhe.
Mas sente que se realizou qualquer coisa
de irreparável. Ficará marcada para toda a sua vida por aquela profa-

nação1

A historicização do estado nascente é o instrumento que impede ao


passado de ameaçar o presente. O meio para o pôr em comum e neutralizar o
seu poder maléfico.
Por isso é o mecanismo espontâneo para neutralizar, e para sempre, os
ciúmes retrospectivos. Para fazer com que o amor possa perpassar toda a vida,
tanto o passado
B como o futuro. Mas quanta delicadeza, quanta prudência, quanta
fantasia ela requer para levar a cabo este seu precioso trabalho! Al guns
enamorados não pedem
nada, outros pedem demasiado. OuBtros querem saber demasiados
pormenores que pesarão como rochedos sobre o seu amor. Outros ainda
guardam no coração dúvidas que
pesarão depois. Nestes casos a historicização não desenvolveu a | sua
tarefa. O passado continua a pender sobre o presente. A verda-

1 Henri Troyat, Tolstoj, trad. ital. Rizzoli, Milão 1969, vol. I, p. 319.

141
#FRANCESCO alberoni

deira historicização tem como objectivo redimir o passado para aplanar o


caminho ao amor, para lhe dar bases sólidas.

Que absurdo é dizer que o amor que quer possuir o passado da pessoa
amada é neurótico ou patológico! O amor irrompe em direcção ao passado e
em direcção ao futuro.
Os dois enamorados gostariam de se ter conhecido desde sempre. Em O
Banquete, Aristófanes diz que o amor surge entre duas metades do mesmo
indivíduo, separado por
Zeus. E que se procuram até se fundirem para reencontrarem a unidade
perdida. A historicização permite precisamente este milagre e nada tem em
absoluto de patológico,
pelo contrário, é a própria essência da normalidade amorosa. A patologia
surge quando se leva a cabo a historicização. Os ciúmes do passado são o
sintoma de que
não aconteceu a redenção do passado. Que não conseguimos renascer no
amor. Que o amor não desceu até à profundidade necessária para criar uma
pessoa nova.

O amor ciumento

Há um tipo de amor que parece alimentar-se de ciúmes, do qual é uma


componente essencial. E não estou a falar daquele tipo de amor que se
alimenta da rivalidade,
que vive de rivalidade, que é desejo de conquista e de afirmação sobre
um rival. Neste os ciúmes são excitação, estímulo. No tipo de amor de que
falamos, pelo contrário,
os ciúmes são verdadeiro sofrimento e surge da convicção de que entre
quem ama e o amado há uma diferença abismal, irrecuperável. Uma diferença
que no entanto só
existe para ele, só o atormenta a ele. Os outros podem ter acesso ao
corpo ou à alma da pessoa amada. Mas estes outros não são um rival
específico, são legiões.

Recordemos o caso de Student. A dada altura apercebe-se que a sua


amada o evita, faz tudo para não se encontrarem sozinhos, está sempre na
companhia de alguém. Todos
lhe servem, menos ele. A rapariga comporta-se deste modo porque se
apercebeu que Student está enamorado dela, e quer evitar-lhe uma recusa
desagradável. Mas o rapaz
percebe que o gesto exterior esconde uma incomunicabilidade total.
Percebe que ignora tudo dela, tudo das mulheres. Não sabe o que dizer e como
dizer, que gestos
fazer, enquanto vê que os outros

142

AMO-TE

sabem desenvencilhar-se muito bem. É válido para Student aquilo que


Buzzati escreve: «Via-as com os outros, de braço dado com os outros, à mesa
com os outros, de
carro com os outros e quando ele as fixava, chateadas, viravam a cabeça
para o outro lado. E com que homens estavam? Com milionários, com estrelas
do cinema, com
apolos? Não. Eram uns brutamontes quaisquer sem graça nenhuma, ou
com barriga, ou analfabetos que só sabiam falar de futebol, vulgares, feios até,
mas que, era evidente,
tinham ar de quem conhecia as duas ou três cretinices que agradavam às
mulheres.»1

Student é um rapaz sem experiência. Não sabe o que fazer, sente-se


desarmado. António é um homem de cinquenta anos que se enamora de uma
prostituta muito nova. Mas
também ele não sabe de que falar, que oferecer-lhe, além de dinheiro.
Não sabe como tornar-se interessante e fazer com que ela se divirta. Por isso
torna-se ciumento,
não dos clientes, que têm com ela a mesma relação fria, mediada pelo
dinheiro, mas daqueles com que Laide está espontaneamente, porque se sente
atraída por eles.
Por exemplo, de um rapaz que ela diz ser seu primo, mas que ele pensa
ser seu amante. Os seus ciúmes surgem de um sentimento de falta profundo,
essencial, do seu
ser. Algo que os outros têm e ele não. E então deseja ser como eles, e
teme-os, e odeia-os e odeia a mulher que os prefere a ele.

Em Lolita, de Nabokov, o protagonista Humbert seduz a sua


Elita com doces, levando-a ao cinema, a localidades turísticas. E só deseja
que ela lhe conceda o seu corpo e não se vá embora. Hum: não espera, ao
contrário de
António, que Lolita lhe retribua. pode pensar que Lolita se possa
enamorar dele como ele se enamorou dela. Está convencido que entre eles há
uma diferença abissal
sensibilidade, de desejos, de programas. Uma diferença ontológica
natureza, irrecuperável. Ele é adulto, ela é uma criança com desejos e gostos
de criança. Por isso
tem medo que a levem com eles da sua idade. E odeia-os, evita-os como
se fossem a peste. Depois ti medo que ela se canse, que se aborreça com a
vida que a obriga
iver. Não faz projectos a longo prazo, matuta estratagemas para a nanter
consigo dia após dia, hora após hora. Como um doente de icro que luta para
prolongar o mais
possível a vida, nem que seja um só instante, enquanto puder.

1 Dino Buzzati, Un amore, cit-, p. 255-

143
#FRANCESCO ALBERONI
Por conseguinte, não tem um rival adulto. Não tem medo que possa vir
outro homem capaz de obter de Lolita o amor que ele sabe não poder obter.
Quando tem a sensação
de estar a ser seguido, sente-se ameaçado, perseguido, em perigo, mas
nunca pensa, mas mesmo nunca, que Lolita possa amar apaixonadamente
aquele que a segue. Não
imagina, não consegue imaginar uma realidade muito diferente. Daí a
continuação dramática, a necessidade de compreender, a alucinante
investigação que faz com que
pareça um paranóico. Até que vem a saber, anos depois, quando tudo
acabou, que na realidade aquela menina estava enamorada de um homem
adulto, de uma personalidade
célebre, de um dramaturgo, um artista. Que o amava há muito tempo e
que combinara com ele a fuga. Só quando sabe estas coisas é que Humbert
tem um rival. Um rival
que destruiu a sua vida e a de Lolita. Então os seus ciúmes transformam-
se em punição, em vingança. Procura-o e mata-o.

Também em Proust encontramos o mesmo tipo de ciúmes difusos,


obcecados, inquietantes. E, no entanto, na relação de Swann com Odette e
com Albertine, não devia existir
unia diferença existencial, uma incomunicabilidade total. São duas
mulheres educadas, da sua mesma classe social. Mas Swann sente que Odette
se lhe escapa, que tem
uma vida secreta, que, logo que ele se afasta, ela pode receber outro
amante. No aspecto exterior, Odette é uma elegante senhora da boa
sociedade parisiense. Ao
mesmo tempo, logo por detrás desta fachada de normalidade transparece
uma devassidão desmedida, um turbilhão de lupanar, de prostíbulo. Também
Albertine tem este
aspecto duplo, solar e obscuro, um duplo rosto fugaz. Comporta-se
impecavelmente, mas por debaixo vislumbra-se uma vida secreta, dissoluta,
indizível. De qualquer
modo, as duas parecem incapazes de amar Swann com um amor
recíproco, claro, solar. Ele só pode instalar-se marginalmente entre a
oficialidade formal e o seu erotismo
turvo, obscuro, abissal.

António sabe que não pode deixar Laide nem um instante. Humbert sabe
que basta um instante e logo alguém pode roubar-lhe a sua Lolita. Ou então,
que ela pode partir
pelo motivo mais fútil, nem que seja só para ver um filme, ou por ter
encontrado um rapaz com quem conversar. Também Swann tinha de estar
sempre em cima de Odette,
não abandoná-la um momento sequer. E o mesmo é válido para Albertine.
Albertine é, pela sua natureza, promíscua,

AMO-TE

ambígua, mentirosa. Nunca lhe promete o seu amor eterno e exclusivo, e,


mesmo quando parece que o ama, poderia desaparecer sem
uma palavra de adeus.

Tudo fica claro quando, pela biografia de Proust, nós sabemos que, na
realidade, as figuras femininas de Odette e Albertine escondem amores
homossexuais. Proust
não nos diz como seduz Odette e Albertine. Coisa que, por sua vez, é feita
por Buzzati e Nabokov. Mas ao sabermos que se trata duma relação
homossexual, podemos
imaginar que os corrompa com o dinheiro. Tal como Humbert faz com
Lolita e António com Laide. É verdade, pode até acontecer que eles sejam
homossexuais como ele,
mas que não o amam da mesma forma, que lhe sejam infiéis, que
também se entreguem sexualmente a outros. E isso não é suficiente para ele,
porque quer um amor verdadeiro,
exclusivo. E não consegue obtê-lo, sabe que não o pode obrr. O amante
secreto conserva a sua liberdade, a sua ambiguidade, o u insondável mistério.
O amor homossexual,
na época de Proust, era muito mais culpabilizado e proibido que hoje.
Proust enamorado aspira criar um casal amoroso, mas a sociedade não o
permite. O próprio mundo
homossexual não o considera possível. Ele procura um amor que os
costumes, os hábitos, a própria falta de uma linguagem oficial impedem de se
tornar manifesto. É
no fundo a mesma dificuldade que Roland Barthes denuncia em
Fragmentos de Um Discurso Amoroso. O amor, diz ele, não pode ser teorizado,
traduzido em fórmulas. Só
pode ser nomeado por fragmentos. Mas isto acontece não porque seja
assim a natureza do amor em geral, mas porque este particular tipo de amor
em que ele pensa não
é previsto pelo costume, não é regulado por normas éticas, leis, vínculos
oficiais, casamentos, divórcios. Porque, para esse tipo de amor, não existem
sequer palavras
oficiais, dizíveis. Princípios, leis e palavras que existem para o amor
heterossexual. Mantém-se por isso um amor secreto, proibido, e também
irregular, selvagem,
promíscuo. Um amor no qual não pode exigir, pedir em voz alta a
reciprocidade, a fidelidade.
Num ensaio muito bonito de Paul Robinson, Caro PauL,1 um professor
conduz um aluno a reconhecer a sua homossexualidade. O aluno diz-lhe que
estava enamorado do seu
colega de quarto e fi-

1 Paul Robinson, Caro Pai

:«4 in AÃ. W., Omosessualità, trad. ital. Feltrinelli, Milão 1981.

145

144
#FRANCESCO AlberONi

cara profundamente decepcionado. O professor explica-lhe que ele errou


ao procurar logo o amor. De facto, no mundo gay o sexo surge primeiro que o
amor. A estrutura
da vida gay exige pôr de lado o romantismo, requer que se frequente
certos bares, se façam experiências eróticas quase impessoais. Por isso, o
aluno tem de reconhecer
primeiro em si próprio a vocação, o apelo homossexual e tem de entrar na
vida gay aceitando as suas regras iniciáticas, que são regras de
promiscuidade. Só no fim
é que poderá também realizar uma experiência de amor individual,
romântico.

Já se passaram muitos anos desde a época do texto de Robinson. A


homossexualidade é muito mais aceite, interveio a experiência da sida. Hoje
existem casais gay em
tudo semelhantes aos heterossexuais.1 Estão a difundir-se também os
casamentos gay. Aquilo que primeiro era um magma colectivo confuso e
promíscuo é institucionalizado
em termos de amor de casal. Para compreender a tormentosa mistura de
amor e ciúmes, a necessidade de exclusividade e o fundo obscuro de
promiscuidade de Proust,
é preciso voltar atrás um século, às relações sociais daquela época. No
seu mundo, o enamoramento homossexual é um amor não previsto, não
pensável, que não pode
tornar-se casal. Apresenta-se como desejo de possuir em todo o lado e
para sempre algo que, pela sua natureza, não se pode nomear, não se pode
possuir, foge. Algo
a que não se pode dirigir apelos morais, com o qual não se pode fazer
acordos e cuja resposta nunca se saberá qual é porque, no fundo, não poderá
compreender a pergunta
que lhe é colocada, ou ri-se dela.

Em todos os casos que examinámos - Student, Buzzati, Nabokov e Proust -


vimos que o amor se enche de ciúmes quando não consegue pensar-se,
definir-se, tornar-se
um projecto. O estado nascente quer encarnar, quer tornar-se
colectividade, compromisso, acordo, instituição. Quando este impulso encontra
obstáculos no seu caminho
torna-se paixão amorosa. Mas quando não consegue sequer imaginar o
seu futuro, quando lhe faltam os códigos, a linguagem para comunicar, então
não sabe o que é na
reali-

1 Veja-se a boa investigação de Letitia Anne Peplau, onde são comparados


casais homossexuais masculinos, femininos e casais heterossexuais «What
Homosexuals Want»,
«Psychology Today», Março
1981. Veja-se também o capítulo «Between Pleasure and Community», in
Steven Seidman, Romantic Longings, Routledge, Nova Iorque 1991. - J J’ • • ”•
;?

14«

AMO-te

Lade o outro e o que quer. Vive um desejo espasmódico, irresistivel que,


no entanto, se abate contra o mistério. O objecto amado nice- he então
ambíguo, desconhecido
e inatingível. Alguns auPt’ como Barthes e Lacan, descreveram este tipo
particular de amor como se ele fosse a forma universal de amor.

147
#10

A RENÚNCIA

Enamoramento reprimido

No enamoramento estão sempre em jogo duas forças: uma que nos


empurra para a frente e uma que nos retém. O jogo destas forças é em parte
inconsciente e em parte
consciente. Se aceito um convite para jantar de alguém que não me
agrada, significa que estou disponível para uma exploração. Se decidi manter-
me fiel ao amado,
recusarei o convite. Mesmo quando sinto uma atracção erótica muito
forte, tenho sempre a possibilidade de recuar. Além das resistências
conscientes existem também
as inconscientes. Os amores à primeira vista, as revelações, os momentos
de descontinuidade, correspondem a outros tantos instantes de abrandamento
das defesas,
de cessação da vigilância.

O processo amoroso pode parar na fase de exploração. Ou prosseguir e


tornar-se uma paixão. Pode também continuar até ao momento em que se
acende o estado nascente
e se torna irreversível. Mas há também casos em que, uns instantes antes
de superar o ponto de irreversibilidade, prevalecem as forças que o travam.
Então o estado
nascente atenua-se, apaga-se, o enamoramento aborta. Este processo
pode ser representado pela figura seguinte: :

149
#FRANCESCO AlbeRONI

NSTITUIÇÃO

Examinemos um caso em que se acende o estado nascente mas não se


atinge o ponto de irreversibilidade. Chamar-lhe-emos A rapariga de Roma. Esta
jovem vive em Roma,
tem namorado e falta pouco para casar. O namorado é bonito, rico,
simpático, e a sua relação é óptima. Não tem dúvidas sobre a sua futura vida
de casada. Mas o namorado,
a dada altura, vai ao estrangeiro com o pai. No país estrangeiro encontra
muitas dificuldades e entra em crise. A rapariga vê-o alguns meses depois e
parece não
reconhecê-lo, porque está diante duma pessoa fraca, sempre a lamentar-
se, que não sabe enfrentar virilmente as dificuldades da vida. Fica com
dúvidas. Como será
realmente a sua vida juntos? Viva, aventureira como sonhara, ou triste e
monótona?

Naquele período vai a Veneza a casa de uns familiares. Encontra um


homem de temperamento artístico, inquieto e sonhador que vive uma vida
desordenada. Faz projectos,
tem sonhos. Mostra-lhe a sua cidade, fala-lhe dela de forma pungente. A
rapariga descobre Veneza através dele, fica fascinada com a sua beleza. É
amor. Mas amor
por quem? Pelo homem ou pela cidade? Não consegue distinguir. O
homem que a conduz é a porta para ela ver um mundo encantado, para
vislumbrar uma vida feita de aventura,
de sonhos e de arte.

Esta jovem estivera muito enamorada, quando ainda era muitíssimo nova,
de um homem que a tratara de forma cruel. Renunciara

150

AMO-TE

a ele com dor e com raiva. Anos depois conhecera o namorado. O seu
encontro não fora um encontro apaixonado. Mas dele nascera um amor sereno
e animador. Ele era
rico, amável. Ela queria ter meninos. Ele seria um marido e um pai
adequado. Veneza faz reemergir o passado, reabre a ferida, reacende os
antigos desejos frustrados.
Começa assim um amor sob o lema da aventura e do sonho. É a revelação
de um mundo maravilhoso, desconhecido, intenso, a abertura de um cofre
secreto, encerrado no
fundo da sua alma. Veneza é uma forma de perceber, de sentir. O
encontro erótico em Veneza é uma passagem da prosa à poesia, do profano ao
sagrado, da banalidade
diária ao campo da arte, do sublime, onde a alma se dilata, onde tudo se
torna pungente, precário e divino.

Estamos, por isso, perante um verdadeiro e autêntico enamoramento


inicial. É uma viagem no passado e no destino. Séculos de história, uma
floresta de símbolos atropelam-se
na sua mente. Já não é ela própria. Tornou-se uma das heroínas do
passado.

Mas este enamoramento inicial a dada altura contém-se e regride. O


homem vive em Veneza, mas é também ambivalente para com esta cidade
que não lhe dá trabalho. Vai
a Roma, por causa da sua actividade, onde tenta estabelecer-se. Fala-lhe
disso cada vez mais, pois pensa que ela o pode ajudar com os seus
conhecimentos. •l
Além disso é pobre. Ou parece. Nunca lhe dá uma prenda, nem Hum dos
inumeráveis e maravilhosos objectos que Murano produz. HNem mesmo uma
flor. Quando vão ao restaurante,
até ao café, ele unnca paga. E verdade que ele tem pouco dinheiro, mas a
rapariga sabe que, no lugar dele, pediria dinheiro emprestado, ficava a dever.
Além disso,
o homem levanta-se tarde, não faz planos concretos, mas apenas vagos
projectos. Quando se trata de trabalho, é só lamentações, desiste logo e é
preguiçoso.
O amor, para continuar, tem necessidade de alguns elementos positivos
para se alimentar. Até este momento aquele homem foi a

porta para entrar num mundo desconhecido, num passado glorioso,


numa vida alternativa mais rica, mais intensa, carregada de ressonâncias
míticas. Os amores entre
pessoas de nacionalidades, línguas ou religiões diferentes desvendam-
nos a força específica do amor H como porta de entrada para uma outra
modalidade cultural de
ser.

Mas isto acontece se o amado acreditar nela, for activo, decidido, vital.
Por sua vez, a rapariga pouco a pouco apercebe-se que, na reali-

151
#FRANCESCO ALBeRONI

dade, Veneza já não interessa a este homem. Ele quer ir para Roma,
sonha e procura um lugar de trabalho na televisão ou numa empresa pública.
Espera que ela o ajude.
E por isso começa a dizer mal de Veneza, onde quem tem inteligência e
capacidades não consegue fazer carreira. Até que um dia também nela o
sentimento de decadência,
de fracasso, ecoa repentinamente sobre a cidade. Tem a impressão de que
é uma cidade agonizante.

Então começa a vê-lo com outros olhos. Já não suporta as suas


lamentações contínuas, a sua avareza, o seu ávido procurar de trabalho com a
sua ajuda. Enquanto Veneza
lhe mostra os seus muros fendidos, as suas águas podres, ele parece-lhe
um pobrezinho à procura de abrigo. A rapariga ter-se-ia enamorado
verdadeiramente se ele
fosse capaz de a levar a viver no seu mundo, de a fazer renascer nele.
Mas ele puxa-a para trás, leva-a de novo para o lugar que ela queria
abandonar. Ela compreende,
com lucidez, que para viver em Roma é infinitamente melhor o namorado
bonito, rico e generoso. Ela quer ter filhos e dar-lhes uma vida abastada.
Porque terá ela
perdido a cabeça com um casado? Que doença mental momentânea a
atacou? Tinha sido o outro, o amor que não conseguira realizar quando ainda
era muito nova, a mostrar-se
no veneziano. Um sonho vislumbrado na sua adolescência que a tentou de
novo. Um sonho enganador que a podia ter levado à ruína. Tinha-se libertado
dele e não devia
ceder a uma nova encarnação sua. Nem o velho amor nem o novo lhe
podem dar o que quer que seja. São um sortilégio, uma ilusão.

Muitas mulheres, precisamente por haver no seu projecto casa e filhos,


são mais críticas, mais prudentes em relação a um novo amor do que os
homens. Vimos que elas
satisfazem o seu desejo de amor sob a forma de sonhos acordadas, lendo
romances cor-de-rosa, vendo um filme de amor, acompanhando as
telenovelas, sonhando com um
ídolo.1 Desta forma têm sempre na mente um ideal e, até estarem
profundamente enamoradas, comparam o que lhe faz a corte com esse ideal.
São mais exigentes e têm
um sentido prático mais forte. É precisamente graças a este sentido
prático que A rapariga de Roma desfaz a ilusão antes que ela se torne
irreversível.
Este exemplo mostra-nos que a paixão amorosa, mesmo quando
1 Francesco Alberoni, O VooNupctaí Benrand Editora, Lisboa.,

152

AMO-Te,

alenta cois as internas e externas para contimuar o jogo de rnecessidade

cão. Ou, como neste caso, aborta.

A renúncia

Mas o que é que acontece quando o processo amoroso ultrapassa o ponto


de irreversibilidade? Agora a pessoa tornou-se metade de um casal em
formação. Já não tem uma
identidade separada, mas sim apenas juntamente com outro. Sente o
outro como a verdade de si mesmo, como a essência de si mesmo. A renúncia
ao seu amor é, então,
perder o que é mais importante do seu eu empírico. Nesta fase, o preço
da separação é uma verdadeira catástrofe do eu, o esvaziamento de todo o
sentido e de todo
o valor, a petrificação.

Mas as circunstâncias da vida, os problemas que nascem da relação,


podem criar uma situação tão dolorosa, tão cheia de sentimento de culpa, tão
privada de futuro
que a pessoa decide igualmente renunciar ao seu amor. Cortar a ligação.
Vimo-lo no caso de O homem de Bári. Convencido de que não era amado,
preferiu cortar a relação
em vez de ficar envenenado pelos ciúmes. A renúncia é feita para evitar
uma dor, e chamá-la-emos egoísta. Mas outras pessoas renunciam ao seu
amor para não fazerem
sofrer alguém que amam. Se estão casadas, a mulher, o marido e os
filhos. Divididas entre dois amores igualmente fortes, cortam o ’ilema ético
escolhendo o antigo
mundo e renunciando ao novo. neste caso falaremos de renúncia altruísta.
Em qualquer dos casos, a renúncia é sempre a escolha da alterativa que
prefere o velho ao
novo, a instituição ao estado nascente. k)m este gesto, o sujeito realiza
um acto moralmente gravíssimo. <om efeito, o estado nascente é um contacto
com o absoluto,
e é à ia luz que também os anteriores objectos de amor adquirem valor.
Ima vez destruído o contacto com o objecto amado, também estes mores,
estes desejos desaparecem
ou enfraquecem. No caso da reúncia egoísta gera-se um sentimento de
solidão, de vazio total. Mas no caso da renúncia altruísta o efeito é ainda mais
devastador,
por-

153
#FRANCESCO alberoni

AMO-Te

que, assim que se efectuou a renúncia, o sujeito torna-se incapaz de amar


também aqueles por quem se sacrificou, por quem sacrificou o seu amor. Já
não sabe por
que o fez e tem a impressão de ter cometido um mal gravíssimo,
irreparável, de ter destruído o próprio significado da vida. Tudo se torna vazio,
sem valor, espectral.
Para agir pode apenas limitar-se a copiar os gestos dos outros, repetir o
que aprendeu, por puro hábito. Não sente mais sentimentos verdadeiros. Actua
como se fosse
um actor. Sente-se um autómato, uma marioneta. É a petrificação. O
único sentimento verdadeiro, profundo, é a saudade duma realidade perdida.

Renúncia egoísta. O enamoramento que duvida das qualidades do amor


do amado tem de escolher entre continuar a amá-lo sem esperança e procurar
não amá-lo. Afastar-se
dele mesmo sabendo que o ama, enfrentar o terrível período da perda do
objecto de amor: o suicídio psíquico. Antes procurará lutar, conquistá-lo,
seduzi-lo, usando
todo o seu fascínio, a sua capacidade de persuasão. Mas quando
compreendeu que o outro não o ama, pode empunhar a espada do
afastamento. A força que lhe resta ainda
lhe permite cortar as mãos que se estendem para o amado, cegar os
olhos que o procuram por todo o lado.

Para reflectir sobre outros casos de renúncia egoísta utilizaremos o


trabalho do conhecido psiquiatra Caruso, La separazione degli amanti.1 Nesta
obra, o autor diz-nos
que só quer falar de renúncias efectuadas por ambos os amantes. Na
realidade, estudando atentamente todos os casos, vê-se que a decisão de
cortar a relação é tomada
sempre por um só. Comecemos pelo exemplo do Dr. IBN. Chamar-lhe-
emos Caruso IBN. E um homem casado e sem filhos que se enamora de uma
mulher, identificada por MAI.
Por motivos e dúvidas não muito claros, ele decide abandonar a amante. A
mulher procura adaptar-se à sua opção, procura compreendê-la, mas continua
profundamente
enamorada. De longe escreve-lhe cartas lancinantes: «Tu és o único. Tu és
o meu primeiro homem. Tu és o meu mundo. Tu és a minha felicidade. Tu és a
minha vida.
Amo-te mais que ao sol e mais que à luz. Sem ti o Sol é frio e a luz é
escura. Tu és o grande Deus que troveja sobre o mundo.» E «Tu és o meu
tempo feliz, o meu
mundo bonito».2 A separação parece ter destruído a jovem mu-

1 Igor A. Caruso, La separazione degli amanti, trad. ital. Einaudi, Turim


1988.

2 Ibidem, p. 81.

154

iher física e psiquicamente. Os dois amantes procuraram encontrar-se


algumas vezes. Mas Caruso IBN está inseguro, atormentado, decide todas as
vezes separar-se de
novo. No fim divorcia-se da mulher. Mas em vez de ir a correr para junto
de MAI e deitar-se nos seus braços, diz-lho friamente por telefone e nunca mais
aparece.
Depois de algum tempo a jovem mata-se sem deixar qualquer carta de
despedida. Portanto, não há nenhuma separação consensual. Caruso IBNé um
psicopata que atormenta
com as suas dúvidas a mulher que o ama e abandona-a. Ela luta
desesperadamente pelo seu amor, mas depois, quando compreende que
fracassou, suicida-se. Não se trata
realmente de uma separação consensual, mas sim de renúncia unilateral
de tipo egoísta.

Um outro caso de Caruso, A senhora RJK[ renuncia ao seu amor porque


não compreendeu a profundidade do seu sentimento. Está prestes a casar com
uma personalidade
importante, mais velho ddo que ela, que conhece há tempos e que ela
idealizou. O seu compromisso é uma mistura de compromisso matrimonial
combinado belas famílias
e de idealização idolátrica. Porém, pouco antes da ceHrimónia nupcial,
encontra um jovem por quem perde a cabeça. •Considera aquilo uma paixão.
Não se dá conta que
este é que é um verdadeiro amor, e não aquele pelo noivo. Por isso
renuncia a ele e casa-se. Logo a seguir apercebe-se que sofre terrivelmente e
compreende que cometeu
um gravíssimo erro. Uma situação que nos faz
lembrar a do filme Quarto com Vista sobre a Cidade. Em Florença, uma
jovem inglesa enamora-se de um rapaz da sua mesma idade. Mas está
comprometida com uma personalidade
bem e extremamente aborrecido. Depois de regressar à pátria, encontra
de novo o

rapaz conhecido em Florença, mas procura de todas as formas es-


conder a si mesma o amor que sente por ele. Mais, pretende até acelerar
o casamento. Por sorte, a dada altura, apercebe-se que não ama o namorado
e evita o erro
de A senhora RIKde Caruso.

• Renúncia altruísta. Também aqui utilizaremos um caso de Ca-

• ruso. O do Dr. CD Chimico. Chamar-lhe-emos Caruso CD.2 Trata-


• -se de um homem de trinta e seis anos, casado e pai de dois filhos | que
se enamora de uma aluna sua de dezoito anos. A relação torna-

’ Ibidem, p. 41.

1 Ibidem, pp. 36-37.

155
#FRANCESCO ALBlí

•:RON[

-se conhecida. A mulher dele reage como uma louca, o seu círculo critica-
o. Depois de três meses atormentados ele chega à conclusão de que o seu
amor é impossível.
Convence a rapariga a ir-se embora. Ela parte. Mas, assim que ela está
longe, ele sente uma dor imensa. Escreve-lhe sem parar, ela responde-lhe que
o ama. Ele convida-a
a refazer a vida, a procurar outro amor. Mas ao mesmo tempo fica
ciumento, atormenta-se. A correspondência prolonga-se mais de dois anos. É
evidente que Caruso CD
está profundamente enamorado, mas o seu amor entra em conflito mortal
com os amores e os deveres sobre os quais se baseia a sua vida: a mulher, os
filhos, os colegas,
o apreço social. Além disso, a rapariga é muito nova. Estamos perante um
caso típico de dilema ético. Ele tem de escolher entre a via luminosa do novo
amor ou ficar
com os velhos objectos de amor. Escolhendo estes, e renunciando àquele,
cai no estado a que chamámos estado de petrificação. É o que ele nos mostra
quando escreve:
«Eu tinha perdido algo de grande e de feliz que a minha razão não
consegue explicar de todo. É como se me tivesse metido com o olhar dentro de
outro mundo e tivesse
pago por isso. Não sei exactamente o que acontecia naquele mundo:
provavelmente a pura alegria... sem se preocupar eternamente com o que é
lícito e proibido.»1 Uma
experiência que conhecemos, porque é a experiência típica do estado
nascente, que transporta para além do bem e do mal. Mas o estado nascente é
duplo: também o velho
mundo, também os velhos amores continuam a existir. A pessoa
enamorada pretende realizar o seu amor sem fazer mal a ninguém. No «novo
mundo» todos deveriam ser felizes.
Pelo contrário, o novo amor dilacera a velha sociedade, cria dor. Caruso
CD é atormentado peio sentimento de culpa em relação à mulher, em relação
aos filhos, mas
também em relação à rapariga de quem está enamorado, porque, dizem-
lhe e ele próprio diz a si mesmo, que ela é muito nova, que só lhe faz mal, que
ela tem o direito
de ter uma vida própria. Não é só uma escolha entre a rapariga e a
mulher, entre a rapariga e os filhos. É uma escolha entre a velha vida sem
brilho, mas na qual
ninguém sofria, e a nova, na qual ele é feliz, mas todos sofrem. É uma
escolha entre o que os outros e ele próprio consideram normal e a loucura, a
aventura. Por
isso, a opção surge como dilema, porque tem de ser feita

’ Ibidem, p. 92.

AMO-TE
entre duas alternativas que não deveriam existir. É como pedir a uma
mãe, a quem raptaram os filhos, que escolha qual dos dois tem
de ser morto.

Na maior parte dos casos o enamorado escolhe a pessoa amada,


rompendo, portanto, com os outros objectos de amor, mas tendo o cuidado de
lhes fazer o menos mal possível.
No caso de Caruso CD, pelo contrário, ele escolhe os velhos objectos de
amor e renuncia ao novo. Sacrifica o novo mundo nascente ao velho mundo
existente. Destrói
o ideal, o possível, para manter vivo o que já existe. Um processo que,
com o desencadear da petrificação, na maioria das vezes fracassa. Depois de
um verdadeiro
enamoramento é muito difícil que o anterior casamento possa ser
revitalizado. A pessoa que renunciou ao seu amor continua a estar
inconscientemente enamorada. É
como se aquele amor ficasse encerrado dentro de um sepulcro de pedra.

Do ponto de vista prático segue-se, de qualquer forma, uma conclusão:


quando uma pessoa casada pretende salvar o seu casamento é bom que evite
as tentações ou interrompa
o processo de enamoramento logo à nascença, na fase de exploração.
Antes de ter atingido o ponto de irreversibilidade.

Frustração e criação ;s ••.;.-,...•;...••< , : - :

O que acontece quando nos enamoramos e não somos correspondidos? A


petrificação? Não. A petrificação é um drama moral, uma opção em que somos
culpados de ter destruído
o que valia mais do que qualquer outra coisa. Mas se é a pessoa amada a
deixar-nos, ou a não querer saber de nós, e nós fizemos tudo para a retermos,
então já não
estamos no mundo da renúncia, mas no puro e simples da perda. O
estudado por Freud em Lutto e melãnconid e analisado nos mínimos
pormenores por Bowlby.2 Mas com
uma diferença que estes autores não podiam ter examinado: que, no
nosso caso, está em acção um estado nascente. No estado nascente o sujeito
deu início a uma mudança.
Nele operam energias extraordinárias.

1 Sigmund Freud, Lutto e melanconia, Opere, vol. VIII, p. 102.

2 John Bowlby, La separazione delia madre, trad. ital. Boringhieri, Turim


1975 e Costruzione erottura dei legami affettivi, trad. ital. Raffaello Cortina,
Milão
1982. :,i:i> , í. Ç ••, ’•

•tSK

157
#iea ex-

FRANCESCO AlBErONI

A perda produz uma enorme dor, mas não interrompe o processo de


transformação iniciado muito tempo antes. Por isso, não se trata da
experiência do simples luto.
É o colapso de um processo de ordenação, de finalização do cosmos. É a
erupção da desordem na ordem que estava a emergir. Mas o poder ordenador
está ainda em acção.
Voltemos ao caso de Student. Student, quando se apercebe que a sua
rapariga não o ama, fica dominado por uma dor atroz e pela experiência
perturbante de que o mundo
é regido por leis injustas, absurdas. Ele exprime isso dizendo que Deus
«criou o mundo quando estava bêbedo». Student pensa no suicídio. Vai para a
alta montanha
e imagina-se avançando num determinado glaciar e caminhando até ao
desfalecimento, deixando-se depois morrer enregelado. Mas não se mata.
Volta para casa, lança-se
ao estudo e, como já vimos, começa um processo de transformação de si
mesmo. Identifica-se co’m um amigo, faz novas experiências, aprende com
uma velocidade vertiginosa
e, em pouco tempo, realiza uma verdadeira e autêntica metamorfose. O
impulso de renovação do estado nascente amoroso, mesmo não podendo
realizar o seu projecto,
a construção do casal, não se perde, encontra outra via, outra meta. Este
processo não cura a pessoa do seu enamoramento. Só um novo
enamoramento pode fazê-lo. Mas
possibilita a criação, o progresso e a maturação.

É com estes conceitos em mente que podemos estudar as actividades


criativas que se seguem ao fracasso de um amor nascente. O primeiro caso
que nos vem à mente é
o de Goethe. Goethe enamorara-se de Charlotte Buff. E sofre uma enorme
desilusão quando a jovem se casa. Também Goethe atravessa um período de
desespero e pensa
no suicídio. Mas, em vez de se suicidar, escreve o romance Werther, no
qual um jovem se enamora, exactamente como acontecera com ele, de uma
jovem que se chama Charlotte.
E, quando ela se casa com outro, suicida-se. Os psicólogos puseram em
evidência que imaginando, fantasiando o suicídio, Goethe evitou ter de o
praticar realmente.
E que o livro é a satisfação alucinatória de um desejo, é o exorcismo de
um acto projectado. Muito bem. Mas a nós interessa-nos outra coisa: depois da
terrível desilusão,
Goethe torna-se capaz de uma extraordinária actividade criativa e
transformadora. O Werther é uma obra-prima. Produz um efeito perturbante
em toda a geração europeia.
Dá início a uma nova época não só na vida

AMO-TE

de Goethe, como na literatura. Por isso podemos dizer que o poder criador
do estado nascente do amor por Charlotte não se esgota com o
desaparecimento do seu objecto
individual de amor, continua na sua obra de transformação do sujeito e do
mundo. Mas a plasticidade do estado nascente permite processos
criati•vos que não
são a substituição da fantasia da acção real como no [caso de Goethe.
Segundo a nossa teoria, o estado nascente pode enveredar também por um
caminho criador totalmente
diferente. Vejamos um exemplo famoso. Estamos em 1883. O grande
filósofo alemão Nietzsche tem trinta e oito anos quando se enamora de Lou
Salome. Lou não faz intenção
de casar. Quer fazer uma comunidade espiritual com dois amigos: Rée e
Nietzsche. Mas tanto Rée como Nietzsche estão enamorados dela, desejam-na
de forma exclusiva,
e ambos querem casar-se com ela. Lou joga durante muito tempo com os
dois. E Nietzsche, a dada altura, convence-se que é correspondido. Vive um
período de alegria
e de esperança. É feliz, ama a vida, deseja um filho. Mas Lou afasta-se,
faz-se esperar, no fim vai-se embora com Rée para Berlim. Depois de inúteis
tentativas de
restabelecer as relações, Nietzsche compreende que a perdeu para
sempre. Fica perturbado. Quer fugir, esconder-se. Tem pesadelos, sofre de
insónia, enche-se de sedativos.
Sente-se sozinho, desterrado, perdeu a confiança em si mesmo. O que
escreveu, a sua filosofia desmorona-se, esvazia-se de sentido. Mas é
precisamente agora, no momento
mais dramático e doloroso da sua existência, que escreve duma penada,
em poucos dias, em Fevereiro de 1884,1 uma obra extraordinária, incrível,
uma obra destinada
a influenciar toda a história do Ocidente: Assim Falava Zaratustra. Não é a
história de um amor fracassado, não é a fantasia de um suicídio. É a criação de
uma nova
filosofia e de uma nova religião. O anúncio do advento duma outra
espécie humana, com outra mentalidade, outra moral: o super-homem. O
poder criador do estado nascente
amoroso, desviado do seu fim, o de criar um casal, explode na criação de
um mundo, de um novo céu e de uma nova terra.
Destas vicissitudes surge uma consequência prática: para curar de um
enamoramento desiludido, a terapia eficaz está em continuar o processo de
transformação já iniciado.
Ou melhor, em acelerar a

158

H. F. Peters, Mia sorelLi, mia sfosa. La vita di Lou Andreas Salome, cit. p.
203.

159
#FRANCESCO AlberONI

mudança explorando novas vias. Sobretudo em empenhar-se numa


grande tarefa que requer energia e criatividade. Só assim as forças libertadas
do estado nascente têm
a possibilidade de se canalizarem num novo projecto. E a dor, a raiva, a
vontade de resgate ou de vingança tornam-se poderes construtivos.

A função do ódio

Porque é que o amor se transforma tão facilmente em ódio? Por que


motivo muitas vezes termina de forma violenta e com litígios enormes? Por
que motivo estão os divórcios
tão cheios de agressividade, de rancor, de vinganças? Mais, em geral,
qual é a função do ódio na destruição da relação amorosa frustrante e
desencantada, na cura
da dor do abandono?

No enamoramento, duas pessoas que pertenciam a sociedades diferentes


cortam com as suas ligações anteriores para formarem uma nova comunidade.
E a partir desse momento
tendem a juntar-se, a formar uma unidade compacta, um novo organismo
vivo com uma identidade própria. Como uma seita, um partido, uma nação. E
sob a forma de comunidade
que constróem juntos a sua casa, escolhem juntos os amigos, enfrentam
juntos a vida. Juntos edificam algo que pertence simultaneamente a ambos, ao
seu nós, algo
de indivisível e que cada um considera absolutamente seu.
A frustração, a traição, os ciúmes, a renúncia, o abandono rompem com
esta colectividade. Dilaceram tanto o sujeito colectivo como cada um dos
sujeitos individuais
que o compõem. Ambos são amputados duma parte da sua vida. Eles
gostariam de voltar atrás, mas não o podem fazer. Então cada um é forçado a
reconstruir um novo eu
numa nova colectividade, diferente da anterior. Mas desta vez não existe
o estado nascente. Não existe o processo que cria uma nova comunidade
alegre enquanto destrói
a antiga. Para dar lugar ao novo, o sujeito tem antes de destruir
activamente tudo o que existe. E o que foi criado pelo amor só pode ser
destruído por uma paixão
igualmente violenta, o ódio. O ódio como libertação, o ódio como
destruição, o ódio que separa, quebra e. aniquila. O ódio que destrói a
comunidade amorosa para
deixar espaço a outro tipo de vida. É esta a função do ódio: destruir o que
o estado nascente tinha criado.

160

AMO-TE

Mas uma comunidade não existe só no presente. Está enraizada no


passado e prolonga-se no futuro. Por isso o processo de destruição tem de
aprofundar no passado e
projectar-se no amanhã. Por isso se dá uma segunda historicização em
que cada um volta a percorrer a sua vida para destruir dentro de si o valor da
relação deteriorada,
para aniquilar recordações agradáveis, desenterrar só os desagradáveis,
para justificar a escolha feita. Como na guerra, em que ambos os contendores
se esquecem
das coisas que os uniram e recordam apenas as discórdias, as culpas, as
injustiças sofridas, para alimentar o desejo de luta.

A vingança. Uma das formas como se manifesta o ódio é a vingança. Esta,


tal como a historicização do estado nascente, tem o poder de ligar o passado e
o futuro.
Mas fá-lo de forma oposta. No estado nascente evocamos o passado
porque nos fornece modelos positivos para resolver os problemas do futuro,
porque nos dá força.
Todos os movimentos religiosos remetem para o período divino das
origens do movimento. Por exemplo, o islâmico quando Maomé conduzia o seu
povo, o cristão quando
Jesus andava no mundo. Revivendo aquela época sagrada e religiosa,
encontram a força para edificar um futuro resplandecente. Na vingança, pelo
contrário, olhamos
para o passado como para algo de negativo, de abominável, e usamos o
futuro para destruir o que nele acontecer, para saldar uma conta que ficou em
suspenso. Vingar-se
significa remeter para o futuro um acto de destruição que devíamos ter
realizado logo, mas que não pudemos fazer. A vingança mantém vivo o
passado, mas mantém-no
vivo sob a forma de dever de destruição. A vingança dá um grande prazer,
porque nos permite imaginar fazer mal ao outro inúmeras vezes. O ódio não
tem o poder de
refazer o passado, confia-o à vingança futura. Não pode destruí-lo agora,
como faz o estado nascente do amor. Em vez de enfraquecê-lo, reforça-o,
eterniza-o. O resgate.
Temos de distinguir o resgate da vingança. No resgate nós remetemos
para o futuro a solução de um nó não resolvido do passado. Não usamos a
destruição, mas sim a
construção. O Grande Gatsby acumula uma fortuna porque quer
conquistar o amor da
mulher que amou e que não pôde desposar quando era pobre. Adquire
uma vivenda ao lado da sua e dá festas extraordinárias. Até ue ela, cheia de
curiosidade, vai ter
com ele e o seu amor recomeça, m O Monte dos Vendavais, Heathcliff é
um enjeitado. Tendo cresci-

161
#FRANCESCO ALBErONI

do em casa como um filho, brinca juntamente com Catherine, constróem


um mundo fantástico só deles e enamoram-se. Mas ela também se sente
atraída pela vida luxuosa,
pela dança. Um dia diz, com desprezo, que nunca se casará com um moço
de estrebaria. Ele ouve-a escondido e fica perturbado. Vai-se embora. Só
voltará anos depois,
quando já é rico. Compra a quinta que fora de Catherine. É animado por
um desejo de reconquistar o amor da rapariga. As recordações que o guiam
são as recordações
de uma infância e de uma adolescência passada juntos, recordações
felizes. Só tem uma recordação negativa, que pode ser anulada reatando o fio
do amor. E é o que
acontece, porque Catherine, antes de morrer, confessa-lhe que sempre o
amou.

As alianças. Tal como o amor, também o ódio é um facto colectivo. Ele


separa-nos de quem amámos e une-nos a todos os que nos possam ajudar a
causar prejuízos ao
inimigo. O ódio, mais ainda do que o amor, procura aliados, pessoas,
instituições que estejam do seu lado. Que justifiquem, sustentem a sua guerra.
O ódio une os
aliados e produz entre eles uma espécie de amor febril, que continua a
existir enquanto houver um inimigo comum. Um amor que desaparece com o
desaparecimento do
adversário.

Quando acontece a ruptura do casal, os dois procuram a solidariedade dos


amigos. Pedem-lhes que cortem as relações com a pessoa dantes amada e
hoje odiada. E sentem
prazer quando alguém fala mal dela. Pedem ajuda para actos de
vingança, de represália. No fim dum amor acontecem por isso inversões de
alianças, de traições, como
durante as guerras. Alguns que antes eram amigos, aliados, tornam-se
agora inimigos. E alguns inimigos tornam-se aliados. Entretanto, a história é
manipulada, reescrita,
para a adaptarem à nova situação.

O esquecimento. Para tratar um amor desiludido, para extinguir a


vingança tem de entrar em acção outro mecanismo: o esquecimento. O
esquecimento gostaria de destruir,
mas tem de se contentar com esquecer, com criar uma remoção, uma
amnésia, para que não se despertem as dores e os desejos de vingança.

A psicanálise habituou-nos a ver o esquecimento como remoção, como


um fenómeno patológico. Na realidade, ele tem também uma preciosa função
vital. Permite-nos apagar,
nem que seja só provisoriamente, uma parte da nossa vida, deixando-nos
livres para
162

AMO-TE

construir novas relações sociais, para fazer novos projectos. É verdade


que uma parte da nossa energia vital fica aprisionada no inconsiente, mas a
outra parte pode
expandir-se. Com o esquecimento efectuamos uma espécie de
desdobramento da personalidade. Esquecemo-nos duma parte da velha
personalidade e, entretanto, começamos
a construir uma nova. E para o fazer utilizamos os desejos, os sonhos, os
impulsos a que tínhamos renunciado. Pomos a render capacidades que não
tínhamos explorado.
Nem sempre uma desilu-
Isão de amor se traduz numa catástrofe depressiva. O sujeito pode utilizá-
la para desenvolver novos recursos, novas possibilidades, para recomeçar a
vida. O esquecimento
nunca consegue curar a ferida profunda que ficou na alma. Mantém-se a
sensação de ter perdido algo de essencial. A ferida só pode ser curada
regressando ao passado
com a capacidade de redimi-lo. Uma coisa que nem a psicanálise mais
profunda consegue fazer. Só um novo estado nascente o consegue. Portanto,

I um novo enamoramento, ou uma verdadeira conversão religiosa ou


política. Só neste caso é que o processo de historícização atravessa a barreira
do tempo e dissolve
as dores e os ódios aprisionados.

163
#11
CONQUISTA E RECONQUISTA

Sedução •

Para realizarmos os nossos sonhos, os nossos programas temos de


convencer os outros, levá-los a estar do nosso lado. Se tomarmos a palavra
sedução no seu significado
mais amplo, como se-ducere, conduzir consigo, temos que dizer que
estamos sempre metidos numa actividade de sedução.1

Mas há também um significado mais restrito da palavra. O que é indicado


pelas actividades e pela encenação que fazemos para nos tornarmos
interessantes e atraentes
no plano erótico. Também os animais, na estação dos amores, enfeitam-se
de cores vistosas, emitem odores especiais e põem em prática rituais de
acasalamento. Nos
seres humanos estas actividades são culturais e voluntárias, e por isso
diferentes de sociedade para sociedade, de época para época, de indivíduo
para indivíduo.
Em vez das cores vistosas está o vestuário elegante e o automóvel. No
lugar das feromonas temos a loção da barba e os perfumes, a maquilhagem.
Quanto ao galanteio,
a humanidade deu livre curso à fantasia inventando milhares de formas e
rituais.

Todos os enamorados desejam ardentemente conquistar a pessoa amada


e usam todos os recursos da sua inteligência e da sua experiência para se
fazerem amar. Assim,
o mais desprevenido dos homens, a mais tímida das mulheres, arriscam
tudo por tudo. Desencadeiam mecanismos primordiais, programas genéticos. A
mulher torna-se mais
bonita, os olhos ficam luminosos, lânguidos. Torna-se mais meiga,
paciente, sorridente. O homem, arrojado, im-

’ Aldo Carotenuto, Riti e mití delia seduzione, Bompiani, Milão 1994.

165
#FRANCESCO Alberoni

parável. No filme Novo Cinema Paraíso, de Giuseppe Tornatore, quando o


rapaz de catorze anos se enamora, durante muitos meses passa as noites
diante da casa de sua
amada.

Mas o enamoramento também nos torna tímidos, respeitosos. Adoramos a


pessoa amada, nem temos coragem para lhe tocar ao de leve com a mão.
Quando nos diz que não,
ficamos paralisados, não conseguimos ultrapassar a resistência,
transformar o não em sim. Os rapazes muito novos muitas vezes não sabem
como comportar-se Por isso,
quando se enamoram ternamente duma colega de escola, agem de forma
tão desajeitada que fazem com que ela fuja e acabe nos braços de outro mais
brilhante e esperto
que eles. A dada altura, até o enamorado mais desprevenido compreende
que, se quiser conquistar o coração da mulher amada, tem de ganhar coragem
e encontrar as palavras
adequadas para convidá-la a sair com ele, enviar-lhe um ramo de flores,
levá-la a um restaurante. Melhor ainda se for de moto ou de automóvel para
não a obrigar
a fazer o percurso de eléctrico ou a pé e à chuva. Em suma, o amor puro,
desinteressado, sincero, ingénuo, não é suficiente para suscitar o interesse do
amado. É
preciso a arte da sedução.

A relação do enamorado com a sedução é contraditória. Por um lado,


gostaria de ser amado pelo que é, sem fazer o que quer que seja, apenas pelo
facto de existir.
Por outro, está disposto a usar todos os meios para conquistar a pessoa
amada; até um filtro de amor, até a hipnose, até o engano e até a ameaça.
Mas ao mesmo tempo
não quer que o outro lhe responda «amo-te», porque esteja hipnotizado
ou por medo, mas sim porque o ama deveras. O verdadeiro enamoramento
quer a liberdade.

Por isso, todos os enamorados, para se tornarem atraentes aos olhos da


pessoa amada, estão dispostos a fingir, a exagerar as suas capacidades. Esta
encenação choca
contra o desejo de ser sincero, de mostrar o seu espírito até ao mais
profundo, de confessar-lhe as suas fraquezas, os seus defeitos. O resultado
desta dupla tendência
é extraordinário. Todos os enamorados se esforçam por pôr em evidência
aquela que consideram ser a melhor parte de si mesmos. E fazem tudo para se
adequarem, para
estarem à altura desta imagem ideal. Essencialmente, esforçam-se para
serem aqueles que gostariam de ser. Surge um enorme impulso para o
melhoramento de si.

Mas não chega. O enamorado sabe que a pessoa amada tem so-

166

AMO-TE
nhos, desejos, aspirações, ideais a que ele corresponde apenas em parte.
Ouve com atenção o que ela lhe diz, toma nota de tudo o que ela elogia ou
critica. Por estes
elementos procura saber qual é o modelo ideal que ela tem na mente, e
esforça-se para se adequar a ele, para o realizar. Por isso acaba por se
encontrar entre duas
tendências. Por um lado quer realizar o seu ideal. Por outro quer tornar-se
aquilo que a pessoa amada sonha, deseja, corresponder ao seu próprio ideal.
Põe-se, portanto,
em movimento um processo de contínuo repensar o seu modelo, a sua
imagem, aquilo que é justo ser. E, dado que esta actividade se dá nos dois,
gera-se uma procura
bilateral na qual ambos, por ensaio e erro, procuram o milagroso ponto de
encontro entre as suas exigências profundas e as do outro. Entre os seus
sonhos e os do
amado. Até chegarem a ter desejos comuns, sonhos comuns.

Para as mulheres, o conflito entre espontaneidade e sedução é ainda mais


forte. Elas aprendem muito cedo como a sedução é importante. Aprendem-no
desde crianças.
Apercebem-se que com um olhar, com um sorriso, com um pequeno gesto
podem obter mais do que com milhares de birras. Depois vêem que os homens
mais inteligentes e
mais fortes ficam desarmados com as denguices, as provocações, as
carícias de mulheres medíocres e desinibidas. Compreendem que os homens
são facilmente seduzidos
no plano puramente sexual. Que ficam encantados a olhar para um seio
feminino.
Em suma, dão-se conta que, para conquistar o seu homem, é essencial a
aparência, o encanto, a capacidade de se fazer admirar, desejar. Mas quando
estão enamoradas
gostariam também de ser elas próprias, sinceras, simples. Também a
rapariga verdadeiramente enamorada usa desajeitadamente as artes da
sedução. O que ela consegue
fazer bem é pôr-se bonita, agradável, meiga. Mas depois o coração bate-
lhe com força, tem vontade de chorar, gostaria de fugir. Fica assustada quando
se apercebe
que o homem que ela ama olha, cheio de desejo, para uma sua amiga que
lhe mostra as pernas provocadoras. Ou que se vira para ver uma prostituta
muito pouco vestida.
Então agita-se, tenta tudo, transforma-se numa vamp. Arrisca tudo por
tudo. Mas gostaria que não fosse assim, porque se ela pudesse seguir o seu
impulso gostaria
de esperar, confiante, que ele abrisse os olhos e a amasse só a ela.

167
#FRANCeSCO AlbeRONI

No mais profundo do espírito feminino há o medo, dilacerante, de que o


amor verdadeiro, sincero, simples, compense, porque o homem só é sensível
ao artifício, à
manipulação feminina. Este dilema feminino é expresso na literatura e na
mitologia por duas figuras arquetípicas: A Bela Adormecida e A Bruxa. A
primeira espera,
bonita e pura, o homem dos seus sonhos. A outra, experimentada, sem
escrúpulos, conquista o coração do homem com os seus encantamentos. A
mulher enamorada identifica-se
com a primeira. Gostaria de esperar, com os olhos fechados, imóvel, o
beijo do amado que chega em cima de um cavalo branco, e partir com ele.
Este desejo de ser
procurada sem manipular, leva-a muitas vezes a assistir aterrada à
perigosa aproximação da rival. Sem poder fazer o que quer que seja, sem
poder pôr de sobreaviso
o amado. Ela sabe que de nada serve dizer-lhe: «Protege-te daquela, das
suas intrigas.» O homem não iria acreditar. E ela faria figura de ciumenta. Ou,
pior, de
uma mulher invejosa da beleza da outra. A mulher encontra-se todas as
vezes no decurso da sua vida perante o dilema: que caminho seguir? O
ingénuo, dos sentimentos
sinceros, ou o da manipulação?

Grande parte da literatura cor-de-rosa versa sobre este problema. A


heroína, que ama com coração puro, encontra o caminho obstruído por uma
rival sem escrúpulos
que não está verdadeiramente enamorada, mas que não hesita em usar
as artes da sedução. E tudo faz pensar que o homem se deixe enredar,
enganar, seduzir. A história
desenvolve-se entre equívocos e incompreensões em que várias vezes ela
é tentada a renunciar porque o homem cede, não compreende. Mas resiste e,
no fim, o amor verdadeiro,
o sentimento generoso e sincero triunfa.1

A arte da sedução é melhor exercida quando se usa mais a inteligência,


quando mais se reprimem as paixões. Porque desta forma sabemos ultrapassar
as recusas, escolher
o momento mais adequado, usar desinibidamente os gestos e as palavras
idóneas. Uma antiga lenda, retomada no filme Una esfrega in paradiso, com
James Stewart e Kim
Novak, diz que a bruxa não pode enamorar-se. Se se enamorar perde os
seus poderes.

É verdade, os grandes sedutores mantêm os seus sentimentos reprimidos.


Uma das obras mais fascinantes sobre a importância da

1 Francesco Alberoni, Q Erotismo, Bertrand Editora, Lisboa 1986.

168

AMO-Te:

frieza emotiva na sedução é Ligações Perigosas. Os protagonistas são dois


«libertinos», uma mulher, a marquesa de Merteuil e o visconde de Valmont.
Dedicam todo
o seu tempo a manipular os sentimentos dos outros para que eles se
enamorem e, desta forma, torná-los escravos ou conduzi-los à ruína. Sabem
utilizar os jogos psicológicos
mais requintados para suscitarem o amor: a lisonja, a adulação, fazem
apelo à compaixão, à ternura, fingem um amor sem limites, uma dedicação
total, encenam falsas
partidas, falsos suicídios, simulam nobres renúncias, sentimentos
religiosos. Depois, atingido o seu objectivo, utilizam o seu poder para
finalidades turvas, como,
por exemplo, vingarem-se de alguém. Ou simplesmente para vencerem
Buma aposta, para se rirem com os outros nas costas do ingénuo que
Bcaiu na cilada.

B Para o conseguir, o sedutor não pode ter sentimentos sinceros, Btem


de fingir sempre. Numa carta ao visconde de Valmont, a marBquesa de
Merteuil escreve:
«O meu primeiro cuidado foi conquistar
apenas as homenagens dos homens que não me agradavam. Serviam-me
para obter as honras da resistência; entretanto abandonava-me sem medo ao
amante preferido. Mas
como a este, com o pretexto duma minha fingida timidez, nunca permiti
que me acompanhasse em sociedade, os olhos de todos estavam sempre fixos
no amante desventurado.»2
Dos amantes felizes, para que não fosB sem perigosos, obtinha sempre
algum segredo, para os poder ameaÇar e fazer chantagem. «Se eu sentia
algum prazer», acrescenta,
«estudava a forma de ter um ar sereno e alegre; levei o meu zelo até
obter dores voluntárias para procurar assumir, no entretanto, a expressão do
prazer. Empreguei
o mesmo cuidado e maior esforço para reprimir os sintomas de uma
alegria inesperada. Assim consegui ter na minha fisionomia aquele absoluto
domínio com que, às vezes,
vos espantei tanto...»3
Podemos agora interrogar-nos por que motivo, se a frieza é assim tão
importante, o enamoramento sincero é tantas vezes correspondido? E
encontramos a resposta estudando
o mecanismo sedutor usado pelo libertino. O sedutor finge estar
enamorado e finge ter todas as virtudes que a sociedade daquele momento
considera mais

1 Pierre-A. F. Choderlos de Laclos, Lê relazionipericolose, trad. kal.


Garzanti, Milão 1979.

2 Ibidem, p. 171.

3 Ibidem,?. 167. .’ : .: ,.,.’; -..;.,,.


169
#FRANCESCO ALBerONI

nobres. Com efeito, o estado nascente do enamoramento tem um


extraordinário poder de contágio. A frase de Dante «Amor que a nenhum
amado amar perdoa» é verdadeira.
O enamoramento tem um poder sedutor intrínseco que fascina quem está
predisposto.
O sedutor finge, portanto, estar enamorado, mas tem o cuidado de não
fazer nenhum gesto que provoque alarme na outra pessoa, que a ponha à
defesa. Com efeito, o
enamoramento é um abandono perigoso, e todos nós nos defendemos
dele. O sedutor contorna astutamente todas as defesas. Repete que ele nada
pede, que nada quer, que
está preparado para desaparecer em qualquer momento. Recordam-se
como se comporta a sedutora do filme Atracção Fatal?

O verdadeiro enamorado, pelo contrário, normalmente é emotivo,


exigente, opressivo e, ao mesmo tempo, inseguro, tímido. Insiste, conjura,
depois gagueja, treme,
chora. O enamoramento nunca é uma brincadeira, nunca é um jogo. Se há
uma coisa que os enamorados não conhecem, é o humorismo. O enamorado
faz tudo a sério. Põe
em jogo a sua vida, e pede ao outro que ponha em jogo a sua. Quem não
está preparado para o fazer, quem não se sente suficientemente atraído,
retrocede, defende-se.
Às vezes foge para não alimentar esperanças injustificadas. Isto não
acontece com o sedutor, porque este sabe parar a tempo, sabe esperar,
animar. Nunca cria ansiedades
e medos. Precisamente por isso, quando uma pessoa tem dúvidas e
resistências, acaba facilmente por se enamorar do sedutor do que de quem a
ama verdadeiramente.

Quando encontramos uma pessoa enamorada e não temos vontade de


corresponder aos seus sentimentos, muitas vezes preferimos estar juntos
duma pessoa que não nos compromete.
Alguém que nos divirta e com quem possa nascer uma amizade, ou com
quem possamos ter uma aventura erótica. Até porque, dizemos nós, se o outro
estiver verdadeiramente
enamorado esperará por mim, superará a prova. Com efeito, o verdadeiro
amor é tenaz, não se rende facilmente. Mas nas fases iniciais, quando é pouco
mais que uma
exploração, o amor também é frágil. Sobretudo em certas pessoas
ciumentas e inseguras.

O verdadeiro amor deve sempre defender-se da falsa sedução. Na


pergunta recorrente «Amas-me?» existe também esta questão: «Estás a sério
ou a brincar, és sincero
ou estás a enganar-me?» E não é fácil encontrar a resposta. Por isso, no
amor, defendemo-nos, faze-

170

AMO-TE

mos provas, esperamos, procuramos decifrar o comportamento do


outro. O amor não é só dádiva. É também inteligência, acção para
conquistar a pessoa amada, para superar as dificuldades, para rechaCar os
ataques, para derrotar
os rivais que querem apoderar-se de quem amamos. E também
descoberta das verdadeiras monções do ou tro É decifração, escavação em
profundidade no mundo da possível
mentira. É, enfim, acção sobre nós mesmos, metamorfose,
aperfeiçoamento, superação das provas. Todos os romances, todos os filmes
de amor são a narração desta aventura
interior e exterior, desta procura, desta luta contra nós mesmos e contra o
mundo.

O enamoramento sucessivo .

Há também um enamoramento que só aparece depois de uma longa


frequência, de um conhecimento aprofundado, de uma parte da vida em
comum. Normalmente um dos dois já
está enamorado, enquanto o segundo ainda está inseguro, titubeante. É
muito mais raro que duas pessoas se enamorem contemporaneamente depois
de uma longa fase de
convivência.

Por isso, no enamoramento sucessivo há uma pessoa enamorada que


procura despertar o amor em alguém que resiste, que não responde. E a uma
dada altura consegue. O
caso mais simples é aquele em que o outro, na realidade, estava pronto a
enamorar-se mas defendia-se do amor. Como fazia O homem prudente, que
queria estar absolutamente
seguro, e tinha medo de se ir embora, porque a mulher de quem estava
enamorado era lindíssima e, portanto, admirada, cortejada. Mas ela estava
profundamente enamorada,
tinha compreendido os seus problemas e soubera esperar, sorridente e
calma, que os seus medos desaparecessem.
Mais complexo é o caso em que a pessoa enamorada decide conquistar
alguém que não está preparado, que não está predisposto a enamorar-se. Dá-
nos um exemplo disso
A rapariga que procura marido. Depois de uma paixão idolátrica pelo
cantor Al Bano, sente-se atraída por um artista local, admiradíssimo, que nem
sequer olha para
ela. Ela então estuda todas as suas deslocações, conhece os

1 Veja-se Roland Bardies, Frammenri di un discorso amoroso, trad. ital.


Einaudi, Turim 1978.

171
#FRANCESCO AlbERONI

seus amigos e faz de forma a encontrá-lo todas as noites. Na rua, nos


negócios, nos locais de dança. Prepara-se todas as vezes com cuidado, vai ao
cabeleireiro,
maquilha-se perfeitamente, veste os vestidos rnais elegantes e
provocadores. Ao dançar utiliza todas as técnicas de adulação e de lisonja de
que é capaz e sedu-lo
sexualmente. Depois de entrar em sua casa e já na cama, faz de sua
escrava, satisfaz todos os caprichos dele, todas as suas extravagâncias. Leva-
lhe presentes continuamente.
Faz de criada dele, arranja-lhe a roupa, vai às compras, prepara-lhe as
refeições. E não se esquece de lhe levar flores todos os dias. Ele trata-a mal,
mas ela sorri.
Não volta a olhar para qualquer outro homem e conta-lhe que no passado
houve milhares de galanteadores, mas que nunca amou nenhum.
Pouco a pouco instala-se na sua vida. Mas dizendo-lhe sempre que não
quer causar-lhe incómodos, que não espera nada, que está disposta a ir-se
embora se ele lhe
pedir. Faz de amante, de criada, de secretária dele. Toma nota até dos
seus encontros amorosos, sem nunca se mostrar ciumenta.

Porém, para despertar o enamoramento, nós temos de falar não só no


presente, como também no passado e no futuro do sujeito. O jovem de que
falamos vem de uma família
camponesa, sólida e tradicional a que está muito ligado. Uma família em
que uma grande mulher faz todos os trabalhos domésticos, obedece ao
marido, está sempre disposta,
sempre serviçal. Com o seu comportamento humilde e cerimonioso, A
rapariga que procura marido encena exactamente este modelo de mulher
ideal. Ela pergunta-lhe até
pela sua família, pela sua mãe. Ele mostra-lhe fotografias, ela fica toda
babada. Diz que tem a certeza de que a sua mãe é uma mulher extraordinária,
que gostaria
de conhecê-la, mas não tem coragem de lhe pedir. Assim, no fim, ele leva-
a a sua casa, onde ela realiza prodígios de adulação e demonstra todas as suas
qualidades
de potencial nora dona de casa, submissa e fiel. A mãe, conquistada,
começa a falar bem dela ao filho. E este, pela primeira vez, olha para ela com
outros olhos
e encara a hipótese de casar com ela. Antes nunca pensara nisso. Para ele
era uma amante cómoda. Agora, repentinamente, «vê» as extraordinárias
qualidades domésticas
da rapariga. Até a sua mãe lhe mostra isso, como duvidar então? E assim
se enamora.
Outro exemplo de enamoramento sucessivo é o do marido de A formada
em leis. Ele era um grande advogado do Norte. Um advo-

172

AMO-TE

gado frio e calculista. Ela, uma jovem do Sul. Tendo chegado a Milão logo
depois da formatura, encontra o grande advogado e fica fascinada por ele. É o
seu ideal,
o seu mestre, o seu ídolo. Um amor idolátrico que podia ter sido um
verdadeiro enamoramento recíproco, se ele estivesse disponível. Mas o
homem é naturalmente fechado,
reservado. Além disso, saído de uma desilusão amorosa. Procura
companhia, consolação. A rapariga começa então uma obra de sedução
sistemática, incessante, sem tréguas.
Ele fala-lhe da outra, choraminga, ela ouve pacientemente. Ele muda de
humor, ela não reage. Ele deixa-a de lado, não a leva em público, não a
apresenta aos amigos,
e quando o faz não lhe dirige a palavra. Tem relações sexuais apressadas
e, depois, não aparece durante semanas. Ela nunca perde ii calma. Apresenta-
se a ele sempre
elegante, sempre encantadora, Idisposta a satisfazer todos os seus
caprichos, todos os seus desejos, •Ele diz-lhe que nunca casará e ela
responde, sorridente, que
gosta de estar com ele assim como está agora. Ajuda-o no seu trabalho,
aceita Itarefas delicadas. Pouco a pouco conquista a confiança deste homem
jdifícil, fechado,
rotineiro.
Passam assim dois anos. Vivem como marido e mulher, mas ele continua
a não falar de casamento. Até que ela se apercebe que espera uma criança.
Então acontece nele
uma metamorfose. Olha para leia com olhos novos. Não só lhe pede para
casar com ele, como
quer casar logo. Porque é o filho que lhe interessa. No seu projecto i não
era suficiente uma amante devota, uma assistente fiel, era preci-
só também a sacralidade da mãe. E ela dá-lhe mais dois filhos. Nesta
altura ele enamora-se. O seu projecto amoroso, o seu modelo de comunidade
amorosa não era a
mulher, era a família. E assim só se enamora da sua mulher quando ela se
tornou uma mãe rodeada de I filhos, só quando se tornou o núcleo da sua
família. Agora é
feliz e i está seguro. Dedica-se de alma e corpo ao seu trabalho. Nunca
tem férias. Ganha rios de dinheiro que lhe entrega a ela, porque investe na
família». É
feliz.

A reconquista

As curiosas propriedades do estado nascente permitem-nos explicar um


outro fenómeno aparentemente paradoxal: ser possível recon-

173
#FRANCESCO AlBerONI

quistar uma pessoa que está a ficar enamorada de outra. Tudo é simples
quando os dois estão ainda na fase de exploração. Porque o processo é
reversível. Quando as
pessoas dizem que se enamoram constantemente, ou que amam duas ou
três pessoas simultaneamente é porque andam a fazer explorações. Quando
uma destas explorações
corre mal, encontra algum obstáculo, alguma decepção, o sujeito começa
outra. Por vezes avança com muitas ao mesmo tempo.

Há inúmeras peças de teatro, romances e filmes que descrevem esta


situação de fazer a corte, na qual todas as relações são instáveis e reversíveis.
As pessoas escolhem-se,
deixam-se, experimentam com outra, depois regressam ao primeiro. O
fenómeno não muda quando o sujeito é casado. Mas uma incompreensão,
algum desentendimento com
a amante, e o marido ou a mulher traída podem retomar o seu lugar no
coração do amado. Mas tudo isto não é ainda enamoramento. O
enamoramento verdadeiro acontece
quando se ultrapassa o ponto de irreversibilidade. Nessa altura os dados
estão lançados e não pode haver reconsiderações.

Num livro divertido, Maria Venturi ensina a uma mulher as estratégias a


adoptar para reconquistar o marido que está a ficar enamorado de outra
mulher. Aquelas sugestões
podem ser perfeitamente sobrepostas às que já tinham sido descobertas
pela marquesa de Merteuil em Ligações Perigosas: controlar completamente as
suas emoções, saber
fingir, saber encenar a indiferença ou a paixão conforme as necessidades.
O primeiro elemento da estratégia é ignorar ostensivamente a relação e mudar
completamente
o seu próprio comportamento. Por um lado voltar a ser fresca, jovem,
ingénua, enamorada e, por outro, nova, desconcertante, imprevisível. O
segundo, apostar no violento
sentimento de culpa, no dilema ético, pelos quais o homem se sente
dilacerado, destroçado. Venturi diz: «A mulher deve parecer ao marido nobre,
distante, resignada,
boa, generosa. Trair uma mulher castrante, opressiva, que está sempre a
lamentar-se e sem amabilidade parece-lhe uma autodefesa quase moral. Pelo
contrário, aperceber-se
que está a fazer sofrer uma companheira digna, compreensiva e dotada
de surpreendentes recursos, atira-o para o domínio dos sentimento de
culpa.»1 Neste ponto a
amante começa a apertar para que ele tome uma decisão, se apresse

1 Maria Venturi, L’amore si impara, Rizzoli, Milão 1988, p. 323.

174

AMO-TE

a deixar a mulher. E isto faz com que, pouco a pouco, se invertam os


papéis. A amante torna-se opressiva, repetitiva, já não representa a novidade,
a alternativa,
a liberdade. Agora é a própria mulher que lhe dá um sentimento de
leveza, que lhe perspectiva uma vida mais fácil. Se o estado nascente tiver
apenas começado, se
o processo estiver na fase de exploração, esta estratégia, normalmente,
tem êxito.

O que Venturi não diz, e normalmente nem sequer os outros autores


dizem, é o que acontece a seguir. A mulher triunfou no esforço de sedução.
Venceu. Mas agora encontra-se
numa situação psicológica de um atleta que treinou durante muito tempo,
que se concentrou no objectivo final e obteve um trofeu. Agora quer relaxar,
deseja um repouso
restaurador. Levou a cabo um esforço titânico, pretende uma recompensa.
Acha que lhe são devidas desculpas pelas feridas abertas pela traição, pela
humilhação. E
está cansada da encenação que teve de fazer para inventar uma nova
identidade. Quer roltar a ser ela própria, sem mais mentiras.
Mas não pode fazê-lo. Porque o marido espera que ela continue a ser
como lhe apareceu quando a reconquistou. Espera mais alegria, mais
liberdade, mais novidade.
Além disso não quer passar por discussões ou recriminações. Quer aquela
mulher nova que se lhe revelou. Considera autênticas a nova identidade e as
virtudes que
descobriu. Considera-as verdadeiras, ao ponto de censurar a sua cegueira,
i sua falta de sensibilidade por não as ter descoberto antes.

A mulher venceu mas, se quiser manter vivo o amor do marido, é forçada


a manter a nova identidade que ela criou para o reconquistar. Não pode agir
como uma actriz
que, depois de ter acabado de representar o seu papel no palco, volta a
ser aquilo que é na vida real. Tem de continuar a representar aquele papel
sempre, fazer
dele a sua segunda natureza, melhor, a sua verdadeira natureza. A
anterior tem de desaparecer. Mas conseguirá manter uma identidade
construída para um objectivo
preciso? Conseguirá aguentar tanto esforço durante muito tempo por um
trofeu já conquistado, possuído? Para justificar um esforço tão grande o seu
amado deve ser
muito especial, uma espécie de divindade a quem ela oferece em
sacrifício a sua identidade passada.
Por isso, normalmente a mulher renuncia a este esforço. Deixa de fingir,
censura duramente o marido, exige desculpas e um pouco de expiação. Assim,
as suas relações
voltam rapidamente a ficar envenenadas.

175
#FRANCeSCO AlbeRONI

E se o marido estava verdadeiramente enamorado da outra mulher? Se já


tinha ultrapassado o ponto de irreversibilidade? Para o arrebatar à outra, ela
tem de apostar
no seu sentimento de culpa. Criar nele um dilema. Até que se realize a
renúncia. Mas, neste caso, ele volta para casa num estado de petrificação,
vazio, aniquilado.
E a mulher, que lutou tanto para o ter de novo, vê-se ao lado de um
homem ausente, com o olhar apagado, sem forças. Com este homem é fácil
enfurecer-se, vingar-se
das humilhações sofridas. E, dado que não reage, também é fácil voltar a
ser a de antes. A princípio sente-se aliviada, mas pouco a pouco descobre que
a sua vida
é uma vida vazia. É impossível fazer renascer o amor. E intui que está em
marcha uma nova possibilidade: assim que ele estiver curado do luto da perda,
assim que
ele tiver recuperado a energia vital, utilizá-la-á para fugir outra vez. Para
trair, ou para se enamorar de novo.

Descrevemos todo o processo no feminino. Mas não muda se quem se


enamorar for a mulher e for o marido a procurar reconquistá-la. A única
diferença diz respeito à
natureza do sentimento de culpa. Uma mulher, normalmente, não tem
sentimento de culpa quando deixa um homem a quem já não ama. Só é
dilacerada pelo dilema por causa
do amor dos filhos.

176

12

A CONSTRUÇÃO DO CASAL

Fusão e caracterização

Os enamorados são empurrados um para outro por uma força que tende a
uni-los para criarem uma nova entidade, o casal. Mas cada um continua a ser
um indivíduo com
a sua história pessoal particular, com os seus pais, os seus irmãos, os
seus objectos de amor, as suas crenças, os seus sonhos, as suas aspirações.
Até no maior
amor existe sempre confronto dialéctico entre a força que tende para a
fusão e a que tende para a individuação. A primeira pretende a realização do
grupo, a segunda
a realização do indivíduo. E por isso que os enamorados parecem
extremamente altruístas e extremamente egoístas. Cada um quer
profundamente a sua felicidade, quer
arrebatar a sua felicidade ao outro. Mas para se realizar ele próprio, tem
de querer o outro, tem de aceitá-lo, amá-lo, plasmar-se nele.

A extraordinária alegria que os enamorados sentem permite exercer


enormes pressões recíprocas. Num jogo de estica e encolhe, de avanços e
retrocessos, de contínuas
descobertas de si mesmos, chegam a constituir uma visão comum do
mundo e um projecto de vida comum. Já em meados dos anos 60 Berger e
Kellner1 tinham afirmado que
quando duas pessoas se casam estas comprometem-se num trabalho de
reestruturação das suas relações sociais. O que os dois autores não
compreenderam - pois faltava-lhes
os conceitos de estado nascente e de movimento - é que o motor deste
processo não é o casamento, a instituição, mas sim o processo criativo do
enamoramento. Os dois
autores aplicam ao casal nascente o esquema da sociedade que se baseia
na realização de um fim. Também dois

1 Peter Berger, M. Kellner, «Marriage and the Construction of Reality», in


Diogenes, 46, 1964.

177
#FRacesco AlBerONI

sócis de um negócio que decidem começar um novo empreendimento


económico têm de reestruturar as suas relações sociais. A mesma coisa é
válida para duas pessoas que
vão coabitar no mesmo apartamento.

O que caracteriza, o enamoramento não é uma simples reestruturação,


um reajustamento das relações sociais. A pessoa amada não é um sócio de
negócios, nem um colega
da escola. É o objecto único, o centro absoluto de referência, a porta para
ter acesso a uma nova região do ser, a única em que vale a pena viver. É ao
mesmo tempo
o chefe carismático e o seguidor, o profeta e o companheiro de viagem
em direcção à Terra Prometida. O enamoramento é um recomeço novo, um
partir de novo do zero,
no qual tudo, a vida, a família, as crenças são reformuladas para se criar
uma nova concepção do viver. A criação do casal é uma refundação, é um
renascimento. Novo
indivíduo e nova colectividade nascem juntos. O novo «nós» e os novos
«eu mesmo» e «tu mesmo» não se constróem através de adaptações
racionais, desenvolvem-se por
intuição, por revelação.

O casal nascente é um furacão de energia vibrante, de emoções, de


esperanças, de dúvidas, de sonhos, de entusiasmos e de medos. É a partir
deste crisol incandescente,
no qual se encontram as forças que tendem para a fusão e as que tendem
para a individuação, que emerge a nova colectividade que se estrutura, que se
estabiliza.
Mas como se forma o travejamento estável da relação de casal? Como se
passa do estado fluido, exaltante e cheio de incertezas, para a relação
amorosa confiante e
segura? Do enamoramento ao

-
amor?
As provas
Do enamoramento passa-se ao amor através de uma série de provas.
Provas que nos pomos a nós próprios, provas que pomos ao outro, provas que
nos são impostas pelo
sistema externo. Algumas destas provas são cruciais. Se forem superadas,
o enamoramento continua no regime de certezas diárias a que chamamos
amor. Se não forem
superadas surge algo diferente: a renúncia, a petrificação ou o
desenamoramento.

AMO-TE

Se o enamoramento se tornar amor, as provas parecem-nos leves, quase


um jogo. Quando as provas são superadas, projectamos na nossa recordação a
continuidade do amor
que vivemos. Quando não são superadas, projectamos para trás os
sofrimentos do actual
desamor.

Provas da verdade. Entre estas provas encontramos, acima de tudo, as


que pomos a nós próprios: as provas da verdade. Quando estamos a ficar
enamorados procuramos
sempre resistir ao amor, não nos queremos meter completamente nas
mãos do outro. Temos medo de não ser correspondidos. Dado que o amor do
outro nos parece uma «graça»
não merecida, receamos que não nos seja dada precisamente quando a
desejamos ardentemente, quando não podemos prescindir dela. Além disso
podemos ser torturados
por sentimentos de culpa em relação aos pais, ou em relação ao nosso
marido, à nossa esposa, aos nossos filhos. Ou temos medo que a pessoa
amada seja diferente do
que parece.

A princípio, o enamoramento não é um estado constante, mas uma


sucessão de clarões e visões. O objecto de amor aparece-nos, fascina-nos, e
logo parece desaparecer.
Às vezes dizemos para nós mesmos: «Talvez seja apenas uma paixão.» Na
fase nascente do amor sentimo-nos inseguros, procuramos a pessoa amada,
mas desejamos também
esquecê-la. Nos momentos de felicidade, o medo de nos perdermos
revela-se em pensamentos extravagantes. Dizemos para nós: «Já atingi o
máximo que podia conseguir,
agora posso voltar a ser o que era, levando comigo apenas a recordação.
Já obtive tudo o que queria, para mim chega.» Ou acontece acordarmos de
manhã e termos a
impressão de já não estarmos enamorados. «Acabou tudo», dizemos, «era
só uma ilusão.» Depois, de repente, a pessoa amada volta à nossa mente e
descobrimos que a
desejamos desesperadamente. Assustados com medo de que ela já não
queira saber nada de nós, vamos a correr telefonar-lhe com o coração na
garganta.

Só há uma forma de saber se estamos verdadeiramente enamorados:


afastar-se, procurar esquecer o amado e ver o que é que acontece. Se não
conseguirmos esquecer, se
nos sentirmos dominados por um verdadeiro desespero, então significa
que amamos verdadeiramente. Superámos a prova da verdade. O
afastamento, para significar alguma
coisa tem de ser real. E tem de ser real o impulso interior

178

179
#FRANCESCO ALbeRONI
que nos obriga a voltar. Mas o nosso amado pode interpretar o nosso
afastamento como desinteresse. Pode procurar consolo noutro, ou desenvolver
sentimentos de rancor
e de vingança.

Contrariamente ao que muitos pensam, o enamoramento não surge de


forma solar, triunfante. Afirma-se apenas superando obstáculos, contornando-
os, percorrendo caminhos
difíceis. Nas fases iniciais do enamoramento os dois enamorados, antes de
se abandonarem, podem também dar passos atrás. Por exemplo, regressar a
um amante anterior,
ou tentar uma nova aventura. Se o período da prova for curto, se o outro
tiver a força de esperar, o processo continua.

O verdadeiro amor avança pouco a pouco por entre as incertezas, dos


ciúmes, superando as situações triangulares.

Quando o amor é difícil, contrariado, o indivíduo luta para ter aquilo que
ama, e então todas as formas de paixão ligeira, todas as formas de amor
inautêntico, são
deitadas fora. Os obstáculos seleccionam as formas de amor mais forte.
Um amor contrariado é um amor que superou as provas. E a prova que nós
pomos voluntariamente
no caminho do nosso amor é um obstáculo que serve para escolher o
verdadeiro do falso.

As provas da verdade são sempre perigosas. Se me afastar para me pôr à


prova, e o outro também fizer a mesma coisa, nascerá um cortejo de
equívocos. Para não se
correr este risco será necessário que pelo menos um dos dois esteja
seguro do seu amor e saiba encontrar comportamentos e palavras adequadas
para que o outro compreenda
se o seu sentimento é verdadeiro. O homem prudente tinha saído de um
casamento desastroso e tinha medo de cometer outro erro. Por isso, antes de
se abandonar ao
novo amor, põe duramente à prova a força de espírito da jovem a quem
ama. Desaparece durante longos períodos de tempo. A mulher, que está
sinceramente enamorada,
adopta a estratégia da paciência. Quando volta, ele encontra-a sempre
bonita e sorridente, como se tivesse ido embora no dia anterior. Ela
compreendeu que ele tem
os nervos em franja e anima-o, ajuda-o a resolver os seus problemas
profissionais e domésticos, preocupa-se com a sua saúde. Pouco a pouco a sua
casa torna-se o
porto sereno onde ele pode aliviar as suas ansiedades. Um dia O homem
prudente adoece, corre perigo. Então ela pede-lhe para parar. Ele aceita e pára
de fugir. ,.....„.,-.

AMO-TE

Provas da reciprocidade. Chegámos assim ao segundo tipo de provas: as


provas da reciprocidade. Se amamos desejamos também ser amados. Por isso
continuamos a interrogar-nos,
desfolhando o malmequer: «Ama-me, não me ama.» Tudo o que o outro
faz, todos os seus gestos, todos os matizes do seu comportamento são objecto
de análise contínua.
O enamorado estuda, analisa, interpreta. «Se fizer assim significa que... se
não fizer assim significa que...» Desde as coisas mais simples, como, por
exemplo, se
chega adiantado ou atrasado, desde o facto de olhar ou não olhar para
outra pessoa. Mas o significado nunca é límpido. Pode chegar atrasado e
ofegante, e então que
significará isso? Que se tinha esquecido de mim, ou que correu como um
desenfreado e por isso o seu atraso é uma prova de amor? O enamorado,
perseguido pelo medo,
torna-se um investigador. Mas também quando a prova lhe parece
negativa, basta uma explicação, um olhar, uma carícia do amado para fazer
com que se esqueça da angústia,
para o tranquilizar.

Mas também há provas de reciprocidade difíceis de superar. O homem


prudente foge cheio de ansiedade e de sentimento de culpa. Põe à prova o seu
amor mas, sobretudo,
põe duramente à prova a mulher amada. A prova de reciprocidade a que
se submete a jovem é difícil. Para a superar tem necessidade de paciência, de
serenidade de
espírito, de coragem e de fidelidade. Como consegue, o seu amor
consolida-se feliz. Mas uma outra pessoa podia ter destruído tudo apenas
fazendo com que ele não
a encontrasse quando voltasse, ou saindo na companhia de outro.

E se ela também tivesse necessidade de garantias? E se também ela


pusesse uma prova da reciprocidade quando ele estava a fazer uma prova da
verdade? Isto é, se lhe
tivesse dito: «Se me amas verdadeiramente não te vás embora. Se te
fores embora nunca mais me verás!» O que é que aconteceria? Provavelmente
teria ficado, mas, com
a impressão de chantagem, de perigosa ameaça. Ficaria, com uma
dúvida, com um rancor destinado a amadurecer com o tempo. Há provas de
reciprocidade particularmente
perigosas. São as que põem à prova o outro com os ciúmes. No caso de O
homem de Bãri o amor acaba quando a mulher lhe diz que existe outro que lhe
faz a. corte,
e se lhe recusa sexualmente. Usa a mentira para o obrigar a escolher. Mas
ele não compreende a intenção escondida. Julga que ela está verdadeiramente
enamorada de
outro. Por isso decide re-

181
#FRANCESCO alberONI

nunciar e parte, embora dominado pelo desespero. Noutros casos, porém,


a arma dos ciúmes funciona. Mas existe sempre o perigo de ficarem
recordações angustiosas,
feridas, cicatrizes destinadas a actuarem no futuro negativamente sobre a
relação.

As provas sobre o projecto. Cada um dos enamorados deseja realizar o


mais possível o futuro que vislumbrou, e elabora um projecto. Mas os dois
projectos podem não
coincidir. Cada um dos dois deseja que o seu seja reconhecido. A pergunta
«Amas-me?» significa também: «Aceitas entrar no meu projecto?» E todas as
vezes que um
responde: «Sim, amo-te», na realidade está a dizer-lhe: «Modifico o meu
projecto, vou contigo, aceito o teu pedido, renuncio a algo que eu queria,
quero juntamente
contigo o que tu quiseres.» Mas ao mesmo tempo pede-lhe: «O que é que
tu mudas de ti mesmo, como é que vens ao meu encontro?»
O «amas-me» subentende o pedido: «Queres-me com todo o peso da
minha realidade concreta, os meus sonhos, e realizá-los juntos?» O projecto
que cada um faz para si
implica o outro: é um projecto de vida também para o outro. É a proposta
daquilo que se deve querer conjuntamente.

A luta com o anjo ; >, ,

O enamoramento tende para a fusão de duas pessoas diferentes, que


conservam a sua liberdade e a sua inconfundível especificidade. Queremos ser
amados como seres
únicos, extraordinários, insubstituíveis. No amor não nos devemos limitar,
mas sim expandir-nos, não devemos renunciar à nossa essência, mas sim
realizá-la, não
devemos cortar as nossas possibilidades, mas sim levá-las a cabo. A
pessoa amada também nos interessa porque é absolutamente diferente,
incomparável. E assim deve
continuar, resplandecente e soberanamente livre. Sentimo-nos fascinados
pelo que ela é, por tudo o que dela se nos revela. Portanto, estamos dispostos
a adoptar
o seu ponto de vista, a modificarmo-nos nós próprios.

Para que haja enamoramento é preciso que haja diversidade. Mas ao


mesmo tempo o enamoramento tende a superar a diversidade, a fundir os dois
amantes, fazer deles
uma entidade colectiva única, com uma única vontade. Cada um
desenvolve uma concepção

182

AMO-TE -,-,. ,.,..„


de si e do outro, deles os dois, do seu destino. E cada um pressiona o
outro para que se comporte como ele gostaria, para que se adapte aos ideais
que ele criou.
Com efeito, nós vemos concentradas no amado todas as pessoas que
desejámos e admirámos. Todas as recordações, todos os desejos eróticos,
mesmo os mais fugazes que
tivemos no passado. O nosso amado é a síntese de todos os ideais, de
todas as figuras do cinema, da literatura, de todas as mulheres e de todos os
homens, de todos
os ídolos. E, por momentos, parece-nos reconhecê-los nele.

No enamoramento verifica-se o paradoxo de cada um, mesmo vendo o


seu amado como um ser perfeito, é estar também convencido de que, com a
sua ajuda, virá a ser ainda
mais perfeito. Atingirá um ponto ainda mais alto. Por isso pressionamo-lo,
impelimo-lo a mudar. Mas ele pode viver de forma diferente, resistir-nos,
propor-nos outras
vias possíveis. O amor é, portanto, uma luta, mas luta interna pelo próprio
amor. É a luta com o anjo}

Um exemplo de luta com o anjo é-nos oferecido pelo caso a que


chamaremos A mulher que queria um filho. Esta mulher é jovem, inquieta,
rebelde, curiosa, anticonformista.
É audaz, sabe lutar até ao fim por aquilo que quer e por aquilo em que
acredita. Até agora só teve algumas relações eróticas com os da sua idade,
mas nenhuma experiência
profunda amorosa. Não encontrou ainda quem procura, um homem mais
maduro, mais inteligente, um homem com quem enfrentar o mundo e com
quem realizar-se. O homem da
sua vida, o cavaleiro errante com quem andar à aventura. Um dia
encontra um personagem considerável, mais velho que ela, muito conhecido
no seu ambiente. Até àquele
momento o homem só dedicou a sua vida ao trabalho. Não teve
juventude. Casou-se sem estar enamorado, e assumiu todos os deveres de
uma grande família do Sul. Mas
quando encontra a jovem mulher, aquele modo de viver tornou-se
insuportável. Estão ambos prontos para a mudança. No primeiro convite para
jantar surge o amor à primeira
vista. Lançam-se irresistivelmente um nos braçosum do outro.

Ela diz-lhe que não tem medo de nada, que está disposta a segui-lo para
todo o lado. Não lhe pede nada, não faz planos. O seu encontro podia ser a
aventura duma
semana ou duma vida. O homem

FranCesco Alberoni, Enamoramento e Amor, Bertrand Editora, Lisboa.

183
#FRANCESCO ALBERONI

está como que fulminado pela sua energia e pela sua determinação. Fica
fascinado pela forma como põe em jogo a sua vida. Ele sonhara durante muito
tempo com libertar-se
de todos os compromissos que o escravizavam, de mandar para o diabo
as contínuas exigências que todos lhe faziam. Mas nunca se abandonara. As
palavras da mulher
seduzem-no, inflamam-no. Não se dá conta que a disponibilidade da
rapariga é fruto da sua juventude, da falta de compromissos, de deveres. Aos
seus olhos ela torna-se
o símbolo de uma forma de viver livre e feliz.
Porém, no ímpeto da paixão que nasce, a mulher sente imediatamente
outro desejo: ter um filho. E diz-lho: «Tu até te podes ir embora», diz ela, «o
importante é eu
ficar com o filho. Eu educo-o, será meu. Não tens de preocupar-te.» Mas o
homem, que já tem filhos e se sente esmagado pelas suas responsabilidades
familiares, fica
perturbado. Procura uma mulher nova com quem andar em liberdade
como nunca o pôde fazer, e não uma mãe com um berço. Sabe que, se tivesse
um filho, não conseguiria,
teria de ocupar-se deles. Sabe o que significa ter uma família. Sabe o que
significa responsabilidades. Ama esta mulher, mas o seu projecto de vida é
totalmente
diferente daquele que ela lhe está a propor. Não fales mais desse tema,
por favor. É a luta com o anjo: o confronto de dois projectos entre pessoas
enamoradas.

No período que se segue o homem vê-se entre o novo amor e os deveres


familiares como entre a espada e a parede. Comenta-o com a mulher,
esforçam-se para salvar o
casamento. Fazem uma psicoterapia familiar. Corta as relações com a
jovem, não a vê. Sofre atrozmente, mas está decidido a acabar com a relação.
Ela, no entanto,
está determinada. Persegue-o, instala-se não muito longe de sua casa,
procura um trabalho e encontra-o. Tranquiliza-o de novo: não quer nada dele,
não tem planos
para o futuro. Por isso recomeçam a ver-se. Ela, no entanto, não toma
precauções e fica grávida. O seu desejo do filho acabou por vencer. É de novo
a luta com o
anjo.
Sob as suas pressões, a rapariga cede mais uma vez, aborta e garante-lhe
que não voltará a acontecer, que foi um engano casual. No entanto usa todos
os instrumentos
da sedução e da lógica para o convencer a abandonar a mulher e os filhos
e ir viver com ela. O confronto é adiado algum tempo, com mais uma
psicoterapia. Também
esta é uma luta com o anjo, e é ela que vence. Ele separa-

184

AMO-TE

;e. A mulher aceita o divórcio. Vão viver juntos e ela demonstra ser uma
óptima companheira, devotada e amorosa. Finalmente feliz.
pontos de não retorno: há coisas que é impossível querer juntos. Coisas
que, se forem traídaS, serão traídos os valores em nome dos quais ocorreu o
enamoramento.
São os pontos de não retorno. Se a pessoa amada nos impuser superá-los
e nós aceitarmos, será como se renunciássemos à nossa essência. Já falámos
de alguns casos
de amor que foram embater num ponto de não retorno. Recordemos o de
Mahler, o grande compositor sinfónico. O público e os críticos não
compreendiam a sua música.
Mas ele lutava, seguro de que no futuro seria apreciada. Um dia apercebe-
se que também Alma, a mulher de quem está enamorado, pensa como os
outros. Então escreve-lhe
uma carta lindíssima e terrível onde lhe pede para renunciar às suas
críticas. Sabe que estas críticas lhe tirariam a força para combater. Aquilo para
ele é um ponto
de não retorno.
Retomemos agora o caso de A mulher que queria um filho. Deixámo-la
contente porque, finalmente, tem o homem a quem ama. Porém, alguns anos
depois, o desejo do filho
regressa. Porque este sempre foi o seu projecto de vida, porque este é a
forma como concebeu o seu amor desde o início. A maternidade torna-se uma
ideia que a atormenta,
obsessiva. E se já for demasiado velha, se já não puder tê-los? Procura
afastar o desejo, porque sabe que o marido não quer. Porém, como substituto
do filho, põe-se
a criar cães, gatos, refaz a seguir a decoração da casa. Prepara e volta a
preparar o «ninho». É mais um confronto silencioso, doloroso. Continua a luta
com o anjo.

Para ela o filho é um ponto de não retorno. Mas é-o também o marido que
resiste a todo o transe. Até que ela, a dada altura, adoece. Então o homem,
arrasado, cheio
de sentimentos de culpa, já não tem coragem para se opor
«irracionalmente» àquilo que considera como um legítimo desejo feminino. A
mulher fica grávida mas, ao mesmo
tempo, está preocupada. Esconde a gravidez e, depois do nascimento de
uma criança, fará tudo para que a sua presença não seja pesada.

185
#FRANCESCO alberONI

Sujeita-se a todas as canseiras, comporta-se de forma heróica. Porém,


embora o marido a aprecie no plano moral e a estime profundamente, algo na
sua relação amorosa
mudou. Já não é a companheira com quem desafiou o mundo, a mulher da
louca aventura. Tornou-se uma mãe que cuida da filha. E também ele adora
esta menina. Mas, enquanto
o seu amor paterno cresce, o seu erotismo começa a declinar. Uma nova
psicoterapia explica a ambos o absurdo da situação: o analista desvenda ao
homem que projecta
sobre a mulher a relação assexuada que tivera com a sua mãe. Mas a
descoberta não muda a realidade. A paixão erótica não volta. O fogo do grande
amor apagou-se.
Retoma as relações com a ex-mulher, com os filhos anteriores, que
gostaria de ver juntos, ao lado da nova menina, numa única grande família.
Tendo que ser pai, sê-lo-á
da mesma forma para todos. Deve-se aceitar o dever, aceitá-lo-á da
mesma forma para todos.

Este exemplo mostra-nos um grande amor e o confronto de dois projectos


de vida que mergulham as suas raízes na história passada dos dois sujeitos,
nos seus sonhos.
Dois projectos incompatíveis. Realizar o projecto do outro significa, para
cada um deles, superar um ponto de não retorno. Não obstante o amor, a sua
relação é condenada.

O pacto e a instituição de reciprocidade

Nós encontramos um ponto de não retorno quando o outro nos pede para
renunciar a uma coisa que para nós é essencial. Uma coisa tornada essencial
precisamente pelo
novo amor, e sem a qual o amor deixa de ter sentido. A Bíblia dá-nos um
bom exemplo. Abraão tinha desejado sobre todas as coisas ter um filho de
Sara, e Deus concedera-lho
milagrosamente. Mas um dia Deus põe-no à prova. Pede-lhe para lhe
sacrificar o filho, aquilo que ele mais ama. É o dilema: a escolha entre duas
alternativas entre
as quais não é possível qualquer escolha.
Quando a posta em jogo é um ponto de não retorno, cada um pede ao
outro uma rendição sem condições, a perda do sentido da sua vida, do seu
amor, de tudo. Quem tem
de passar pela prova resiste desesperadamente. Se quem a coloca estiver
decidido a ir até ao fim, o amor corre um risco mortal. ;,

186

AMO-TE

Em casos deste género o amor só pode continuar se se encontrar outra


solução. Porque quem põe aprova acaba por ser vítima dela. a imagem bíblica
Deus põe à prova
Abraão, mas ao mesmo tempo Abraão põe à prova o seu Deus. Com
efeito, o que é que aconteceria a Deus se Abraão matasse o filho? Nunca mais
seria um Deus de amor,
mas sim um Deus cruel, sanguinário. Como os deuses do passado que
pediam sacrifícios humanos e que Ele viera substituir. Também Moisés é posto
à prova pelo seu Deus,
quando lhe pede para se lançar às águas do mar Vermelho. E Moisés,
aceitando o convite, põe à prova Deus, porque Ele não pode dizer «lança-te» »
depois deixar que
as águas afoguem o seu povo. Um Deus que agisse assim seria um
enganador, um demónio.

A chave da solução está nisto: o ponto de não retorno é pedido, Binas não
deve ser recebido. É um cheque assinado que nunca será leBvantado. Abraão
vai mesmo matar
o filho, mas Deus impede-o. BloBqueia o seu gesto fazendo com que lhe
apareça um anjo e um cabrito. O anjo convida-o a sacrificar o animal no lugar
do filho. Abraão
está disposto a sacrificar a Deus aquilo que lhe é mais querido. Mas a
Deus basta-lhe a intenção. Deus e Abraão superaram a prova. AmBbos tiveram
a demonstração
de amor. Mas ambos efectuaram uma
renúncia essencial: encontraram e reconheceram um limite insuperáBvel
do outro. O amor recíproco torna-se possível quando o ponto de uM não
retorno do outro é tomado
como seu limite autêntico, querido como seu autêntico limite.
E O pacto é o reconhecimento do limite das nossas pretensões e E dos
direitos inalienáveis do outro. Confirma, com um compromisso
solene, a nossa unidade e, ao mesmo tempo, estabelece como um E
compromisso solene o respeito pelas nossas diversidades. Com o pacE to cada
um saberá que o outro
não lhe pedirá o que não pode pedir. Esta certeza, encontrada no
desespero, é o ponto firme da confiança recíproca: a instituição de
reciprocidade. Sei que amo
e não posso não amar, sei que tenho um limite que não posso deixar de
ter, e aceito-o. E Mas aceito-o com todo o impulso da minha paixão, da minha
dedicação, sem
reservas. O pacto é um abraço, é um juramento.

O amor surge em torno da instituição, em torno do pacto. O processo


descrito não acontece uma só vez, mas muitas vezes. O confronto termina
sempre com um pacto.
As novas certezas tornam-se o ponto de partida para reorganizar a
existência diária.

187
#FRANCESCO ALBERONI

, graças a estas propriedades extraordinárias do enamoramento que o


casal, se superar as provas, cria uma visão comum do mundo e um código de
comportamento que garante
a sua duração. A primeira corresponde à ideologia dos grandes
movimentos. A segunda à sua carta constitucional, ao seu estatuto1 A energia
criativa e fluida do estado
nascente objectiva-se numa estrutura, transforma-se em princípios,
regras, pactos, normas, compromissos solenes. Estes pactos têm o poder de
durar precisamente por
surgirem no clima incandescente da paixão, no momento máximo da
união e do impulso criativo.

O casamento

o desenvolvimento do amor de casal requer uma contribuição da vontade.


O amor consolida-se se o quisermos, se o acolhermos, se o ajudarmos, se nos
empenharmos em
fazê-lo durar, em torná-lo estável. Quando estamos enamorados
queremos estar com a pessoa amada. Mas também no maior enamoramento
actua sempre em nós uma força que
se olhe opõe. E mesmo quando, através das provas da verdade e de
reciprocidade, chegámos à conclusão de que a amamos e que ela nos ama,
mesmo neste ponto podemos
continuar a resistir ao nosso amor.

Por isso temos de ter um momento da escolha, um momento em que


excluímos qualquer outra alternativa. E não é suficiente nós decidirmos, é
preciso que o outro também
decida. Dois enamorados podem ter projectos diferentes sobre a duração
do seu amor, sobre a sua vida. Um deles pensa num amor para sempre, com
casamento e uma casa.
Mas o outro não tem vontade de se empenhar nem sequer mentalmente
de uma forma tão total. Está enamorado, mas gostaria de poder escolher dia
após dia o que fazer.
Nasce uma luta que, em caso positivo, termina com uma decisão comum,
com um pacto: o pacto de continuidade. O pacto de continuidade é, por isso,
um momento essencial
da vida amorosa. É aquele em que os enamorados constróem o projecto
comum de continuarem a amar-se, pondo de lado todas as mudanças de
opinião, todas as indecisões.

1 O pacto amoroso é o correspondente à constituição dos grandes


movimentos colectivos. A constituição põe limites insuperáveis à soberania do
grupo, à sua violência
totalitária. É aquilo a que se submete até o soberano

188

AMO-TE

Mas, podemos perguntar, o que é um pacto feito entre duas pessoas no


silêncio da sua casa? Os amantes juram um ao outro: «Amo-te, amar-te-ei para
sempre, nunca mais
te abandonarei.» Mas o estado de espírito muda. Às vezes basta uma
briga, e o amor transforma-se em ódio. E não há qualquer testemunha,
qualquer lei, qualquer tribunal
que possa impor o respeito pelo compromisso tomado. Poderá existir um
pacto puramente subjectivo, do qual não tenhamos que dar contas a ninguém,
e que nos faça sentir
igualmente obrigados?

Sim. No plano moral. Kant indica-nos a regra moral assim: «Age de acordo
com a máxima que tu gostarias de erigir em norma universal.» O legislador da
moral é o próprio
sujeito. E o tribunal da moral não é exterior, mas sim interior, está na
mente e no coração. Por isso o pacto entre os dois amantes é um acto moral. O
casal, embora
baseado no amor, na paixão, não pode continuar se não se traduzir em
moralidade. A moralidade, no entanto, não é só um facto subjectivo. No
princípio - «Age de acordo
com uma máxima que gostarias de erigir em norma universal» - está
implícito que pensamos em todos os outros, que nos comprometemos perante
eles. Os enamorados orgulham-se
de se mostrar em público, consideram o seu amor exemplar. E estão
dispostos a assumir compromissos em público. Até se chegar ao assumido
perante o Estado ou a divindade:
o casamento.

Há casais estáveis e fortes também sem o casamento, também sem a


necessidade de sanções legais, mais, até contrapondo-se à lei. Nas afinidades
electivas de Goethe,
o Conde e a Baronesa são um casal enamorado extremamente unido. Não
se escondem, viajam juntos, mas não querem sentir-se obrigados,
constrangidos pelos vínculos
externos da lei matrimonial. Mas o casamento também é importante
numa sociedade em que pode ser dissolvido facilmente com o divórcio. Indica
uma intenção de continuar,
de durar. De fazer as escolhas, os actos, de cultivar os sentimentos que
reforçam o seu amor. De evitar os que o enfraquecem.
Com o casamento os dois amantes introduzem voluntariamente um
terceiro elemento, um poder externo, o Estado, e alienam nele algumas das
suas vontades compartilhadas.
Uma parte do casal já não existe só na mente e no coração dos indivíduos
que o compõem, existe também fora, e nenhum deles pode modificá-la
individualmente. O casamento
é o protótipo e o símbolo de todas as actividades que adquirem existência
autónoma, das objectivaçÕes do casal.

189
#13

A INSTITUIÇÃO: OBJECTIVAÇÕES ESPIRITUAIS E MATERIais


instituição ’ ’•••

Instituído significa escolhido, decidido, afirmado, estabilizado. JÁ


instituição serve para tornar estáveis as escolhas feitas sem ter de voltar às
decisões tomadas,
sem ter de forçar o querer do outro. As instituições fixam a vontade,
objectivam-na. Traduzem-se emobjectivaçÕes espirituais e materiais.

Quais são as objectivações espirituais do amor? Já conhecemos


algumas. A prova da verdade na qual chego à certeza de que amo
verIdadeiramente aquela pessoa.
A prova de reciprocidade com a qual me jconvenço que o meu amor é
correspondido. O pacto de continuidade que os enamorados estabelecem para
tornarem duradouro o
seu amor e para o defenderem das ciladas externas. O processo de
fusão e de edificação de uma identidade nova l não é harmónico, gradual,
contínuo. Como qualquer
processo vital, [avança por tentativas e erros. Tem momentos de crise e
momentos I de estagnação. E tem também acelerações bruscas. As
adaptações re| cíprocas mais
importantes são as que emergem precisamente das crisés. São os actos
criativos, as soluções pensadas e aceites por ambos. E há também as
objectivações materiais.
O casal é uma entidade viva que actua no mundo. Produz, compra
objectos, realiza acções. Ambos trabalham, em casa e fora. Constróem uma
casa, decoram-na segundo
os seus gostos, as suas exigências. Têm filhos, educam-nos, dão-lhes
estudos. Participam na actividade política, colaboram na actividade de
associações ou de confissões
religiosas. Viajam, vão de férias. Estabelecem relações com os amigos,
com os colegas, com os vizinhos. Modificam o ambiente material e social em
que vivem. Isto
é, criam o seu nicho ecológico. Também nesta

191
#FRANCESCO ALBERONi

actividade construtiva os dois sujeitos estão em relação dinâmica:


convergem e divergem, exprimem a sua identidade pessoal e colectiva.
Objectivam, comparando-se,
o seu querer e o seu agir. Constróem um percurso, deixando uma marca
do seu existir juntos no mundo.

As regras de vida

As objectivaçoes espirituais mais simples são as regras de vida que se


estabelecem no seio do casal. Normalmente, quando duas pessoas estão
muito enamoradas, nenhum
deles tenta impor ao outro regras rígidas. Ambos estão dispostos a mudar,
a modificar-se, a explorar novas formas de vida. E, no entanto, a convivência
diária produz
um conjunto de normas elaboradas pouco a pouco, por tentativas e erros.
Algumas nascem da lenta adaptação recíproca, da hábito, sem que haja
discussões. Quem acorda
primeiro, leva o café à cama para o outro que não consegue abrir os
olhos. Cada um escolhe o seu lugar preferido diante da televisão, e depois
continua a usá-lo
durante anos. Se um deles nunca bebe vinho e o outro só ocasionalmente
o utiliza, a garrafa acaba por desaparecer da mesa. Reaparece apenas quando
há convidados
para jantar.

Existem também regras, comportamentos que um ensina e o outro


aprende. E é sobretudo a mulher quem desenvolve o trabalho de ensinar, de
educar o homem na vida a
dois. Ela tem uma ideia muito mais clara do que ele sobre como deve ser
a sua vida comum. Sabe muito bem como deve comportar-se, sabe como
gostaria que ele mudasse.
Assim, pouco a pouco, leva-o a fazer o que ela quer com sugestões, com
gestos apropriados, usando uma subtil arte diplomática. Como no caso de
Anna e Maurizio. Conheceram-se
há pouco, estão enamorados. Ele vai ter com ela à tardinha. E, como
gosta de correr e tem pouco tempo, chega ao pé dela em fato de treino, suado
e ofegante. Assim
que chega abraça-a, levanta-a, começa a despi-la à entrada e acabam
abraçados na alcatifa, na cama, no sofá, onde calha. Ela gosta muito de fazer
amor com ele. Mas
está na dúvida, gostaria de lhe pedir que tomasse um banho, que se
lavasse. Mas como travar o seu impulso amoroso e dizer-lhe: «Olha, querido,
cheiras mal, por favor
lava-te, põe perfume!» Por isso Anna

192
l

AMO-TE

finge que não é nada, mas decide no seu íntimo fazer com que ele mude
aquele costume quando forem casados. Utilizará toda a sua arte feminina para
lhe ensinar como
se deve comportar. E será uma verdadeira reeducação. Anna não gosta de
fazer de mãe dele. Gostaria de ser a sua amante, a sua cúmplice. Pensa o que
pensam todas
as mulheres jovens. Mas tem de se submeter à realidade. Ama-o, não
quer renunciar a ele, fará também, de mãe dele.

Às vezes esta subtil diplomacia educativa não tem êxito. Então o processo
só pode avançar com crises e uma decisão consciente. O homem, habituado a
espalhar todos
os seus objectos pela casa, porque havia uma mãe que os apanhava
amorosamente, continua a fazê-lo com a mulher. Ela procura educá-lo com
paciência, apanha-os, faz
com que ele os encontre arrumados. Mostra-lhe onde estão as gavetas,
mostra-lhe onde pôs os sapatos dele. Mas ele continua no seu velho costume,
torna-se ainda mais
desarrumado. A tensão aumenta até que a mulher reage: «Eu não sou tua
mãe, não sou tua criada.» A partir daquele momento ele tem de aceitar,
conscientemente, não
voltar a fazer aquilo.

As relações eróticas são ainda mais delicadas. A mulher quer fazer amor
quando está descansada, quando tem tempo pela frente. E tem necessidade
de primeiro ser acarinhada,
acariciada. Depois oferece-se. Depois do acto sexual gosta de ficar a falar
na penumbra, abraçada ao seu amado. O homem, pelo contrário, tem um
esquema mental diferente.
Quer agarrá-la de repente, tirar-lhe a roupa, repetir o acto sexual com
violência, mesmo que ela diga que não, que está cansada. Porque está
convencido que ela gosta
deste jogo, que está excitada como ele. Está convencido que a sua recusa
é um resto de pudicícia infantil. Mas insiste. Ela procura transmitir-lhe os seus
desejos
com expressões alusivas, de forma simbólica. Mas não consegue. Chega-
se assim a um ponto em que o problema se apresenta como crise. Então só
através de um esclarecimento
e de um pacto é que o casal estabelece um limite ao processo de
confusão entre o que deseja um e o que deseja o outro, e encontra algo que
agrada aos dois. Só o
pacto é que permite que o processo de fusão continue sem que um se
imponha ao outro.1

1 Veja-se, sobre o significado do litígio, Murray S. Davis: «II litígio:


meccanismo integrativo di un’intimita in pericolo», «Rassegna Italiana di
sociologia», ano
XIII, 2, Abril-Junho 1972, pp. 327-339.

193
#FRANCESCO ALBERONI
No casal acontece o que acontece nos movimentos políticos ou religiosos.
No princípio há sempre uma unanimidade espontânea em torno do chefe
carismático. Mas esta
unanimidade, com o tempo, torna-se uma ditadura, torna-se opressão.
Então é necessário voltar a dar a palavra às pessoas, deixar emergir as
divergências e os conflitos
com o método democrático. Só assim se restabelece o consenso sobre os
valores de fundo.

Na vida de casal existem muitos momentos deste tipo. Porque nenhum se


mantém idêntico a si mesmo, porque surgem novas exigências, novos desejos.
A vida em comum
coloca sempre novos problemas e, portanto, o processo de construção das
regras de vida não é diferente do de um Estado que modifica as suas leis,
introduz novas,
reinterpreta as do passado. A estabilidade do casal não é estática, é
dinâmica.

Hábito, ensino, crise e pacto são os processos que produzem as regras da


convivência amorosa. E este tipo de regras, precisamente por nascerem do
amor, não são uma
perda, um ceder, um anular-se. Mas sim uma conquista, um
enriquecimento. A forma de fazer avançar o processo de fusão.

No processo que descrevemos, as regras emergem da experiência


amorosa e da convivência. Mas há casos em que são definidas
antecipadamente no contrato matrimonial.
No contrato matrimonial são enumerados de forma meticulosa os direitos
e os deveres de cada cônjuge. De quem são as recíprocas propriedades, como
pode usá-las cada
um. Em que confissão religiosa devem ser educados os filhos. Mas
também pormenores mais íntimos, como, por exemplo, dormir na mesma
cama ou em camas separadas, se
se pode fumar na sala, se se pode ter animais em casa, que tipo de
amigos convidar. O contrato matrimonial pressupõe personalidades que sabem
exactamente o que querem
e que não estão dispostas a ceder um milímetro à outra. Este tipo de
contrato estava muito espalhado entre as famílias aristocráticas, onde o
casamento servia para
alicerçar uma relação política, ou entre pessoas de religiões diferentes,
para regular os possíveis conflitos. Na nossa época é redigido quando estão em
jogo fortes
interesses económicos ou quando os cônjuges não se amam e confiam
pouco um
no outro.

AMO-TE

A prenda

A mais simples das objectivações materiais individuais do amor é a


prenda. Todos os enamorados desejam dar prendas à sua amada, e as
mulheres ao seu homem. No enamoramento
a prenda é sempre uma oferta de si mesmo, um símbolo do seu próprio eu
que é entregue à pessoa amada. É por isso que ela é dada com ansiedade. É
por isso que observamos
como é que ela é recebida, se agrada. Se o outro a aprecia, nos agradece,
nos beija, então ficamos felizes, porque significa que nos ama, que merecemos
o seu amor.
Se, pelo contrário, lhe dá uma olhadela distraída e a põe de lado, é como
se nos pusesse de lado também a nós. Por isso as pessoas verdadeiramente
enamoradas dizem
sempre que a prenda é muito bonita, mesmo quando não corresponde ao
seu gosto. E não lhes custa nada fazer isso: aquela prenda é o símbolo do
amado, e o nosso amado
parece-nos sempre bonito. Se recebemos uma prenda excêntrica ou de
mau gosto procuramos descobrir nela algum significado simbólico.

A princípio, os enamorados dão prendas que não correspondem


exactamente aos gostos do outro, porque não os conhecem. E sobretudo
porque cada um oferece aquilo que,
aos seus olhos, deveria tornar o amado ainda mais bonito e desejável.
Compra a prenda guiado pelos seus sonhos, pelas suas fantasias eróticas. Por
isso um homem
pode oferecer à amada um casaco de pele excessivamente vistoso, que
ela não vestirá nunca em público. Só o experimentará para ele e, no fim, usá-
lo-ão como tapete
para fazer amor. Com aquela prenda ele quis realizar um sonho juvenil.
Aquele casaco de pele luxuoso é o símbolo das estrelas de cinema que
perturbaram as suas noites
de rapaz, do seu fascínio, da sua beleza. As mulheres enamoradas são
igualmente excessivas e excêntricas. Sobretudo as jovens. Quando se
enamoram de um homem maduro
oferecem-lhe roupa própria para adolescentes e que o tornam ridículo.
Mas para eles está lindíssimo.

Pouco a pouco a necessidade de tornar mais bonito o amado segundo os


nossos cânones, diminui. Aprendemos a conhecer os seus gostos, a respeitá-
los. Por isso, com
o passar do tempo, as pessoas que se amam acabam por ter preferências
semelhantes e por construírem uma estética comum.

194

195
#FRANCESCO AlBeRONi

A prenda pertence à área do extraordinário.1 Deve afastar-se da vida


diária. É uma interrupção, uma festa. Por isso deve ser apresentada num
embrulho próprio, com
fitinhas, flores. Deve assinalar a diferença em relação ao mundo habitual e
pôr em movimento o ritual da espera. «O que será?», interroga-se quem a
recebe. E, enquanto
a desembrulha, desata os nós, a sua curiosidade aumenta. Um aparte
importante da prenda é precisamente este prévio saborear. Enquanto quem dá
se interroga: «Vai
gostar, não vai gostar?» e espera ansiosamente a alegria estupefacta do
outro. Por isso o ritual da prenda requer sempre que se minimize o que se dá:
«É só uma prendinha,
uma brincadeira, apenas um símbolo», para evitar que o outro fique
depois desiludido.

Em todas as relações a prenda é sempre dirigida ao outro como indivíduo,


tem em mira o seu valor pessoal. A prenda de amor vê o outro como sujeito
erótico, apreciado
eroticamente. Quando o marido, nos anos da mulher, lhe oferece um
objecto para a casa, um tacho, um serviço de pratos, uma toalha, realiza um
gesto de recusa da
mulher como amante. É como se lhe ofere-
cesse uma vassoura.
Há presentes que só aparentemente são individuais, pois na realidade
simbolizam o casal e a sua união. E o caso do anel. Quando um enamorado
oferece à mulher um
colar, pode apresentá-lo como sendo «uma coisinha engraçada», apesar
de ser um símbolo dele próprio que quer ver sempre colocado no seu pescoço.
E o mesmo quando
a mulher oferece um relógio ou uma carteira. Porque é algo de que nunca
se separa. Mas quando alguém oferece um anel, o símbolo é claro. Propõe-lhe
um compromisso
vinculador. Diz-lhe: «Queres ligar a tua vida à minha?» E o outro,
aceitando-o, responde: «Sim, quero.»

As vezes este símbolo suscita medo e vontade de fugir. Isto verifica-se


sobretudo nas pessoas que tiveram experiências desagradáveis. Um amigo
meu, durante toda
a sua vida usara sempre a aliança de casamento. Depois do divórcio,
libertou-se dela com grande alívio. «Sou livre!», dizia-me ele, mostrando-me a
mão. Depois de
alguns anos encontra uma mulher que lhe agrada muito, de quem se
enamora. Uma noite ela traz-lhe, como prenda, um lindíssimo anel an-

1 Marcel Mauss, Saggio sul dano, trad. ital. Einaudi, Turim 1960.

AMO-TE

tigo, comprado num antiquário. Ele admira-o e, sorrindo, coloca-o no


dedo. No dia seguinte, quando chega ao emprego, um colega pergunta-lhe, a
rir, se aquele é um
anel de noivado. Parece desmoronar-se. Murmura uma espécie de
explicação confusa dizendo que pertencia a um tio morto, e mete-o no bolso.
Mas aquela palavra, «noivado»,
fica-lhe esculpida na mente, porque lhe faz lembrar o casamento que
acabara mal. Só depois, quando já tem a certeza da dimensão do seu amor, o
aceita e o usa com
orgulho.

De nómadas a sedentários

A princípio, o ambiente conta pouco no enamoramento. Só conta a pessoa


amada. Só o seu rosto, os seus olhos, o seu corpo, as suas carícias. Tudo o
resto não é essencial.
Os enamorados encontram-se onde e quando podem, numa estação de
comboio, num cinema, num restaurante. Abraçam-se na esquina duma rua.
Este ambiente, por mais miserável
que seja, é transfigurado pela pessoa amada. À distância de vários anos
recordá-lo-ão como muito lindo, maravilhoso.

Depois, espontaneamente, partem à procura da beleza da natureza e são


sensíveis a ela. Esta beleza ecoa com a sua beleza interior. Uma planície sem
fim, um precipício
rochoso, o campo iluminado pelo luar, um pôr do Sol no mar. O amor não
cria só na nossa mente metáforas poéticas, aguça o nosso gosto estético, a
nossa capacidade
de percepção. Os enamorados sabem ver coisas que nunca mais verão,
cores que nunca mais poderão encontrar. E essas sensações são indeléveis.
Mesmo quando um amor
acaba ’mal. A sua destruição nada pode contra esta transfiguração do
mundo.
Porém, durante algum tempo, os enamorados não se afeiçoam aos
lugares que depois se tornarão os santuários do seu amor. Porque a sua
energia vital é tão grande que
têm a certeza que não pararão de encontrar outros. Deixam todas as
coisas bonitas sem saudade, certos de que há outras à sua espera. Todo o
mundo é a sua pátria,
qualquer buraco a sua casa. Os enamorados são como os homens da
infância da civilização: recolectores, nómadas.

Depois sentem a necessidade de um ambiente mais adequado, que seja


mais exclusivamente seu. No homem apresenta-se como

196

197
#FRANCESCO ALBERONI

desejo de voltar aos lugares dos primeiros encontros que, pouco a pouco,
se tornam cheios de significado, consagrados ao seu amor. Na mulher como
desejo de ter uma
casa só para eles os dois, algo bonito, um ninho. Provavelmente porque é
a mulher quem, na nossa civilização, pensou durante mais tempo no amor
como convivência,
pensou durante mais tempo, desde criança, como deverá ser a sua casa.
A casa é o seu próprio corpo objectivado. O seu corpo acolhedor.

Fazer juntos, construir juntos, objectivar significa fazer durar o seu amor.
Mas também antes o amor queria durar. Mas pensava durar nos corações. O
que é que significa
a passagem para a casa? É como que a passagem do nomadismo para a
construção das cidades.1 A cidade não se desloca como o acampamento. Com
o nascimento da cidade
os homens não se adaptam passivamente ao seu ambiente, não
acompanham as suas vicissitudes climáticas. Desviam e canalizam os rios,
irrigam as terras, obtêm os produtos
de que têm necessidade através do comércio e da navegação.
Transformando o mundo de forma irreversível para o adaptar às suas
exigências. Isto significa que já não
enfrentam os problemas à medida que se apresentam, prevêem-nos.
Preparam antecipadamente um repertório de soluções para os enfrentarem.

Para efectuar esta passagem da fase nómada à sedentária, o casal tem


necessidade de um período de vida em comum e do estudo atento do que é
útil. Isto comporta uma
mudança de atitude mental. Os enamorados deixam-se levar pela
corrente, o casal sedentário não só constrói um barco, como traça uma rota,
prevê onde abastecer-se
nos portos. Por isso ambos têm de desenvolver uma orientação concreta,
pragmática. Têm de desenvolver a reflexão, a memória, o cálculo.

Nesta segunda fase o casal procura o que lhe é útil, o que lhe agrada, faz
de forma a ter à sua disposição todos os objectos que poderão servir para a
sua vida,
para a tornar mais cómoda, segura. Modifica também o ambiente social
em que vive. Estabelece relações

1 As três etapas que descrevemos são as mesmas que foram descritas em


primeiro lugar por Giambattista Viço em La scienza nuova, no início do século
XVIII (Rizzoli,
Milão 1988). Veja-se também Rosa Giannetta Alberoni, Gli esploratorí del
tempo, Rizzoli, Milão 1994. Segundo Viço, a sociedade passa ciclicamente por
três fases:
a primeira é a dos deuses, a segunda é a dos heróis e a terceira é dos
homens. À primeira corresponde a necessidade, à segunda a comodidade, à
terceira o luxo.

198

AMO-TE

com alguns vizinhos e com alguns conhecidos, selecciona os amigos l a


cultivar e as pessoas com quem fazer negócios.

A terceira fase da civilização é a construção da cidade monumental. Com


os palácios, os templos, as termas, o luxo. No casal, esta fase corresponde a
uma descoberta
do belo. Recordemos que, ao princípio, tudo é bonito porque tudo é
transfigurado pelo amor. Esta primeira fase é contemplativa. A segunda fase,
pelo contrário, é
activa, pragmática. Nela dominam as exigências funcionais, a procura da
comodidade. Na terceira fase volta o desejo do belo e o espírito contemplativo.
Mas o casal
possui um gosto estético próprio e constrói activamente o belo à sua
volta. O belo que na primeira fase era um dom, agora é uma conquista, uma
objectivação espiritual.

Alguns, os que não sabem renovar-se, renascer, podem depois entrar na


fase da decadência. Já não são capazes de ver a beleza no mundo que os
circunda. Porque se
apagou a chama do amor nascente que transfigura e torna mágicas as
coisas. Já não são capazes de criar o belo, não o procuram. Agarram-se ao
hábito, desconfiam das
novidades. Não mudam nada na sua casa, não a renovam. E têm um alibi
para esta estagnação: todos os objectos têm de ficar idênticos porque estão
carregados de recordações
felizes. Assim vivem entre velhas paredes rachadas, com tapeçarias
amarelecidas, velhas poltronas que já não vêem. Só um renascimento, um
despertar pode abaná-los
deste torpor e voltar a dar-lhes a força de recomeçar a viver.

A mulher e a casa. , • , , ; r •;.•;•, ;; ; x

Para uma mulher enamorada construir e decorar a casa é um acto de


amor. Muitas vezes é ela que escolhe cada um dos móveis e todos os inúmeros
objectos que serão
úteis na sua vida futura. Escolhe-os de forma a que a casa agrade ao seu
homem, para que ele se encontre nela comodamente, para que se sinta bem
em todos os momentos
da sua vida. Na sua mente vê já onde vão ficar sentados para ver juntos a
televisão. Imagina a sala com a toalha bordada onde receberão os amigos,
qual será o lugar
do marido, e qual o seu. E o quarto de dormir, com os lençóis às flores
como os campos na Primavera, as cobertas lindas, os cobertores quentes, as
colchas para o
frio. E o quarto das crianças que hao-de vir, com as paredes pintadas e a
alca-

199
#FRANCESCO ALBErONI
tifa quentinha para se sentirem bem. Depois a casa de banho onde
recorta um pouco de espaço para si, para maquilhar-se, para ficar mais bonita.
E o espaço para ele,
para a sua máquina de barbear, para a sua loção. E depois vêm os outros
ambientes, como a cozinha, onde terá de trabalhar sobretudo ela, cómoda,
espaçosa, com tudo
o que pensa ser-lhe útil. E pensará nos alimentos que poderá cozinhar. Se
o marido tiver uma actividade intelectual, procurará que ele tenha o seu
escritório, ao
passo que, se for um desportista, encontrará espaços no guarda-roupa ou
em armários próprios para os seus objectos.

Na arrumação da casa a mulher exprime a sua visão do mundo, o seu


ideal de vida privada e o tipo de relações sociais que pretende instaurar. E
sobretudo prolonga
o seu corpo. Cada objecto é uma parte de si. A sua pele termina na
pintura das paredes, nos cortinados. Por isso é ela quem, normalmente, cuida
da casa, da sua manutenção.
Fá-lo como se fosse o seu corpo. Por isso não quer que entrem estranhos
se ela não estiver arrumada, apresentável. Da mesma forma que ela não se
mostraria a estranhos
em chinelos e despenteada. E da mesma forma que perfuma o seu corpo
para si e para o marido, da mesma forma tem horror aos maus cheiros que
possam ficar nos cortinados,
nos sofás, na cozinha. E procura que não haja. Vigia a suj idade. Receia os
maus cheiros e a suj idade como se fossem doenças infecciosas. Por isso fica
de mau humor
se a limpeza feita pela empregada for superficial, se muda de sítio os
objectos, se estraga um tapete ou parte qualquer coisa a que ela atribui um
significado simbólico
especial. Sente o gesto negligente, desdenhoso da outra mulher como
uma ofensa pessoal que tem dificuldade em esquecer. Como não se esquece
de um visita desajeitada
que lhe suja a alcatifa. Vive cada acto que deturpa a sua casa como uma
violência pessoal. Se os ladrões entrarem em sua casa, vive isso como um
estupro, uma profanação.
Muitas mulheres, depois de um roubo, não querem continuar a viver
naquela casa, desinfectam-na, mudam a decoração.1

Para a mulher, a construção e a gestão da casa é também uma forma de


erotismo. Porque ela transmite o seu amor não só mudando de penteado, a
maquilhagem dos olhos,
ou vestindo uma blusa

1 Veja-se Luisa Leonini, L’identitasmarríta, II Mulino, Bolonha 1988.

200

AMO-TE

acabada de passar. Mas também fazendo a cama com novos lençóis,


pondo flores frescas, espalhando essências perfumadas pela casa fora. Ou
então preparando um prato
de que o marido gosta muito.

Muitas vezes o homem não compreende o requintado trabalho que a


mulher realiza para tornar a casa harmoniosa, acolhedora. Não compreende
que se trata de uma obra
de arte continuamente renovada, e que compromete a sua mente e o seu
coração. E se entrar em casa distraído, se deitar a sua roupa suja pelo
caminho, ela sente isso
como desinteresse em relação à sua pessoa, como desprezo pelo seu
trabalho criativo, e fica amargurada e ofendida.

Se um homem se enamorar de uma mulher que já tem casa, vai viver com
ela sem criar muitas preocupações. Não pretende dar-lhe a sua marca, não
sente necessidade disso.
Acomoda-se a ela. É como se ela o acolhesse nos seus braços, no seu
leito, no seu corpo. Pelo contrário, se a mulher for viver para a casa do
homem, sente a necessidade
de lhe dar um cunho seu. Se não puder transformá-la segundo a sua
sensibilidade, se não conseguir torná-la como que um vestido à sua medida,
encontrar-se-á insatisfeita,
fechar-se-á dentro de si mesma, tornar-se-á muito muito pequenina, e não
poderá haver concórdia nem harmonia no casal. Até o amor mais apaixonado
acabará por se
apagar. É o caso de Marina e Alberto. Encontram-se quando são duas
pessoas adultas, cada um com um passado para esquecer. Ele é viúvo, ela é
divorciada. Saem juntos,
sentem-se bem juntos. Ela está enamorada. Tem a certeza de ter
encontrado o homem com quem sempre sonhou. Ele é afectuoso, cobre-a de
presentes, de atenções. A dada
altura é até ele que a convida para ir viver na sua grande vivenda. Ela
aceita, mas, assim que entra nela, tem um sentimento de gelo: naquela casa
está presente
por toda a parte a primeira mulher. Há fotografias dela por todos os lados,
os objectos dela, os móveis, tudo fala dela. Marina, com receio, pergunta-lhe
se pode
renovar a decoração. Ele responde-lhe que fá-lo-ão depois e, entretanto,
convence-a a vender o apartamento onde ela viveu com o ex-marido. Não quer
que volte para
lá, proíbe-lhe falar dele. Pouco a pouco, Marina compreende que ele quer
destruir o seu passado para a fazer entrar no dele. Aquela casa para onde a
levou é a casa
da primeira mulher e nunca será a sua. É o corpo, o sepulcro da primeira
mulher, e ele força-a a entrar nele, a ser ela. Por isso não a ama e nunca a
amará. Não
lhe resta senão fugir.

201
#FRANCESCO ALBeRONI

Dissonâncias

Os conflitos e as divergências entre os cônjuges materializam-se na casa


como dissonâncias e desarmonias. Do exame da sua habitação pode-se
compreender se as duas
pessoas são compatíveis ou incompatíveis. Recordo o caso de dois
advogados muito enamorados mas também muito diferentes. Ele sistemático e
racional, ela exibicionista
e cigana. Na sua casa um quarto estava limpo e arrumadíssimo, o do lado
caótico e sujo. Um só tinha objectos essenciais e funcionais, o outro parecia o
quarto de
arrumações dum ferro-velho. Apesar do seu amor, tinham uma concepção
irreconciliável da vida. E, com efeito, acabaram por se separar. Ao contrário,
recordo o caso
de um casal de estilistas sempre em desacordo. Ela prudente, esquiva, ele
aventureiro, temerário. Mas a sua casa tinha um cunho artístico unitário e
extremamente
rigoroso. Apesar dos conflitos, as suas personalidades eram
complementares e um corrigia o outro. Ainda vivem juntos.
Pela casa vê-se como um dos dois prevalece sobre o outro, impõe-lhe os
seus gostos, esmaga-o. Apercebemo-nos disso porque só há um estilo
dominante que invade sem
excepções tudo o que é visível, manifesto. Mas se observarem
atentamente os pormenores, por exemplo, na casa de banho da mulher ou no
escritório do homem, encontrarão
as sobrevivências de outro estilo diferente do primeiro. Algo ao mesmo
tempo fora de lugar e patético. Por exemplo, flores artificiais e uma imagem
antiga numa casa
onde tudo é moderno e em esquadria. Ou então um computador
ultramoderno num canto, quase escondido por objectos de loja de
antiguidades.

Pela casa pode-se ver também em que medida um homem está


enamorado de outra mulher. Porque, nesse caso, comporta-se como um
hóspede. Está quase sempre de viagem,
volta muito tarde. Desinteressa-se de tudo e diz à mulher com
magnanimidade: «Faz tu, querida, sabes fazer muito bem.» Quando está
presente reduz ao mínimo o espaço
que ocupa. À mesa fica sentado na ponta da cadeira. Na cama deita-se à
beirinha. Nos armários amontoa as suas camisas e os fatos num canto. Nunca
deixa por aí os
seus objectos, os sinais da sua presença. Tira até as suas fotografias.
Pouco a pouco, na casa mantém-se apenas a presença da mulher e dos filhos.
E ele, é como
se nunca lá tivesse estado.

202

AMO-TE
Não acontece o mesmo quando o marido tem um trabalho em que está
ausente durante longos períodos de tempo. Neste caso a mulher enamorada
conserva por todos os lados
a sua presença simbólica. As suas fotografias, os seus vestígios, os seus
objectos desportivos, os seus cachimbos. Vê-se que o espera e todas as suas
coisas estão
preparadas para quando ele regressar.

Quando, pelo contrário, é a mulher que tem um amante, esta ao se


desleixa com a casa, torna-a ainda mais bonita. Expulsa o mado. Quando o vê
sente repugnância,
parece-lhe um estranho que ivade o seu espaço com o seu corpanzil e os
seus casacos. Como um ladrão que profana a sua intimidade. Faz então tudo
para lhe tornar
a vida desagradável. Levanta-se cedo de manhã e faz um barulho dos
diabos. Se ele volta tarde à noite, faz com que ele encontre a porta do quarto
fechada. Esquece-se
de lhe preparar a comida ou deixa-lha fria. Ou então tira-lhe os pratos
enquanto está a comer, com gestos de impaciência, mesmo que ele ainda não
tenha terminado.
Esquece-se da roupa dele na lavandaria ou queima-a ao passar a ferro.
Diz-lhe que cheira mal. Ralha-lhe por ter deixado os chinelos nojentos fora de
sítio. Pouco
a pouco, a casa torna-se toda dela. E dá-lhe o seu próprio cunho como se
já estivesse separada.

203

#14
TIPOS DE VIDA EM COMUM

Convivencia quotidiana

Há pessoas que vivem sempre juntas. Vivem na mesma casa, dor|mem na


mesma cama, erguem-se à mesma hora de manhã, lêem os mesmos jornais,
vão trabalhar no mesmo sítio,
comem lado a lado ao almoço e à noite. Vão dormir à mesma hora à noite.
Têm os mesmos amigos. Quando um tem de fazer uma viagem o outro
acompanha-o. Estão habituados
a discutir as experiências que fizeram, a comentar o comportamento das
pessoas que encontraram. Vão juntos comprar a roupa. Ele aconselha-a a ela e
ela aconselha-o
a ele. Escolhem conjuntamente o lugar onde viver, a decoração, onde e
como passar as férias. São reciprocamente fiéis e fazem-no sem esforço
porque gostam um do
outro, porque se sentem atraídos sexualmente um pelo outro.

Esta intimidade não é o simples produto do estado de fusão amorosa. É o


produto de uma progressiva, gradual aproximação que os leva, pouco a pouco,
a descobrir que
juntos estão melhor, que juntos reforçam as suas energias, as suas
capacidades intelectuais e vitais. Quando um está cansado, o outro vai ajudá-
lo, quando um está
irritado e perde a paciência, o outro mantém a calma e o equilíbrio. Cada
um adquiriu confiança na capacidade de julgamento do outro. Viu-o estar à
prova e sabe
que pode confiar nele. Se não puder ir pessoalmente, manda-o no seu
lugar, porque sabe que agirá da melhor forma. Até porque depois terão a
possibilidade de comparar
os seus pontos de vista e chegar a um resultado comum. Dado que um é
homem e o outro é mulher, as suas sensibilidades são complementares. Cada
um vê aspectos que
escapariam ao outro e, ao discutirem sobre uma coisa, têm uma
capacidade de penetração maior

205
#FRANCESCO ALbERONI

do que teriam separadamente. Com o tempo habituaram-se também a


tolerar os seus defeitos menores e a corrigir os piores. Aprenderam a brincar, a
evitar os temas
irritantes, a desculpar-se, a remediar os erros.

Vivem essencialmente como normalmente imaginamos que vivem os


enamorados. Sempre juntos, sempre de mãos dadas. E no entanto continuam
duas personalidades separadas,
distintas, duas individualidades inconfundíveis. Como observou Murray
Davis, é precisamente o facto de terem assim tantas coisas em comum que
lhes permite focar,
tornar mais diferentes os elementos pessoais que os caracterizam. O ser
humano, observa ele, tem a capacidade de decompor-se em inúmeras partes e
sentir cada uma
desta como sendo o seu eu. Graças a esta sinédoque psíquica uma pessoa
pode dar-se totalmente e, ao mesmo tempo, manter-se ela própria, detendo
apenas as componentes
que a caracterizam.

Por isso é completamente errado falar, nestes casos, de união simbólica,


como fazem alguns psicanalistas. Mesmo estando unidos de forma muitíssimo
estreita, eles
mantêm-se diferentes e livres. Cada um conserva alguns dos seus gostos
alimentares específicos. Tem os seus ritmos biológicos, mesmo quando
aprendeu a harmonizá-los
com os da pessoa amada. Tem os seus filmes e os seus autores preferidos,
tem opiniões filosóficas, políticas e religiosas próprias. Naturalmente está
muito aberto
às ideias do outro, compreende as suas razões e, quando discute com ele,
mostra paciência e respeito. Em suma, vê o mundo com os seus olhos e, ao
mesmo tempo, é
capaz de vê-lo com os do outro. A sua relação não é de contínuo consenso
ininterrupto, mas de contínuo diálogo ininterrupto, confronto, no qual há
inumeráveis convergências
e também divergências. Daí discussões que enriquecem os dois.

Vidas separadas ~’>--

No filme África Minha, o realizador Sidney Pollak conta a vida da escritora


dinamarquesa Karen Blixen. Karen enamora-se perdidamente do primo Hans
von Blixen-Finecke.
Não é correspondida e

1 Murray S. Davis, Ató*«f-áítów^ Macmillan, The Free Pw-ss, Wtist&étíg»


1972, pp. 170-171.

206

AMO-TE

então, para conservar pelo menos a sombra, o halo do seu amor juvenil,
casa com o irmão gémeo Bror. Em África o casamento com Bror fracassa. Bror
é volúvel e cínico,
persegue todas as mulheres, tanto faz brancas como pretas. Adoece de
sífilis. Um dia Karen encontra Denys Finch Hatton, um aristocrata inglês, e
enamora-se dele.
Mas não vivem juntos como marido e mulher, não constróem juntos uma
casa. A casa é a de Karen. E ela embeleza-a para ele, torna-a acolhedora. Finch
caça elefantes
e leões, dedica-se ao comércio, parte para viagens de poucos dias ou
meses. Quando volta, encontra nela serenidade e refugio. Karen é feliz.
«Quando chega Denys,
a morte não é nada... sou feliz, perfeitamente feliz, tão feliz que para viver
esta semana vale a pena ter vivido e suportado, ter estado doente... Estou
ligada
a Denys para a eternidade, a amar a terra que ele pisa.»1 Karen sofre por
este contínuo fugir de Denys, gostaria que ele estivesse ao pé dela. Mas aceita
o seu modo
de amar, dizendo para si mesma que Denys é como Ariel, que tem a
natureza do ar. Por isso, o seu amor continua até à sua morte. Sempre feito de
encontros, e não
de permanências, de quotidianidade.

Também Erica Jong recorda uma experiência amorosa em que ela e o seu
amante vivem separados. É o caso de Piero, de que fala no romance La ballata
di ogni donna.
A estrutura típica dos romances e da experiência pessoal de Jong é
sempre a mesma. A mulher enamora-se, tem uma experiência erótica
extraordinária. Casa-se. Depois
de algum tempo, o marido começa a ser-lhe infiel. Ela não suporta e
abandona-o depois de fortes conflitos. Segue-se uma fase de promiscuidade
sexual, em que faz
todo o tipo de experiências, vai com qualquer tipo de homens. Espera vir
a ter uma relação puramente sexual sem envolvimento emotivo, aquilo a que
chama «a foda
sem controlo». Mas fica desiludida, amargurada. Nesta altura enamora-se
de outro homem, torna-se monogâmica, casa-se e vai viver com ele. Depois
disso, recomeça
o ciclo.

No caso de Piero, pelo contrário, não casa com ele. Ele já é casado e ela
não pretende que ele se divorcie. Nem sequer vão viver juntos. Ficam amantes
à «moda europeia».
Ele vai, vem, regressa. «Quando se ia embora», escreve, «eu não tinha a
certeza que ele voltaria. Esta é uma história que não tem fim. Se ele
aparecesse hoje

1 De cartas de Karen Blixen extraídas por Pietro Citati, Ritratri diámtjie,


Mzzoli, Mite 1992, p. 248.

207
#FRANCHSCO ALBerONI

aqui e me acariciasse, eu ficaria de novo enfeitiçada e paralisada naquela


floresta, naquela lagoa, naquela confusão.»1 «Poderia eu viver ao lado do deus
dos bosques?
Só parte do tempo. Ele não aceitaria ficar comigo a tempo inteiro. E eu
aceitei as suas condições, continuando a viver a minha vida.»2

Jong aspira a uma relação contínua mas, depois de tantas desilusões que
ela atribui aos homens, renuncia. Contenta-se. É uma situação semelhante à
de Blixen. E Jong,
no livro Paura dei cinquanta, teoriza-a segundo o modelo que
descrevemos como ilha dourada: «A paixão deve manter-se separada dos
empecilhos da vida corrente para
se manter paixão. A vida diária tende a prevalecer e a expulsar a paixão.
A vida corrente é a mais pertinaz de todas as ervas ruins».3

A vida com os filhos


o nascimento e a presença dos filhos tem um efeito diferente na vida do
casal segundo o projecto inicial. Antigamente, um casamento e, muitas vezes,
até um amor,
não tinham sentido sem filhos. Porque o desejava o homem, porque o
desejava a mulher. Ambos o consideravam a expressão, a objectivação mais
importante da sua ligação.
Abraão, mesmo amando Sara, atormentava-se por ela não poder ter
filhos, e aceita ter um de Agar. Nos nossos dias, o desejo de filhos é muito
reduzido. Na Europa
são poucos os homens que se enamoram pensando ter filhos. Estou a
lembrar-me de um artista do Sul, a quem chamaremos O escultor, para quem
os filhos eram essenciais.
Uma vez perdera literalmente a cabeça por uma rapariga lindíssima que
seria para ele a mulher ideal. Só que esta crescera desde pequena numa
família pobre e educara
sozinha quatro irmãos mais novos. Por isso, não queria em absoluto ter
filhos. Quando o escultor compreende que ela é inabalável começa a afastar-se
e, pouco a pouco,
o seu amor aborta.

Se, pelo contrário, o homem exclui explicitamente os filhos do seu


projecto amoroso, a sua presença pode matar o seu erotismo. Isto acontece
sobretudo nas formas
de amor-revolta, como no caso
1 Erica Jong, Paura dei cinquanta, trad. ital. Bompiani, Milão 1994, p. 162.

2 Ibidem, p. 163.

3 Ibidem. ....... .. ...:•. .., , .1

208

AMO-TE

de O homem de Turim ou de António, de Buzzati. Porque ele procura o


erotismo das amantes: louco, desenfreado, e não aceita freios e disciplina. Se
houver crianças
deve controlar-se, esconder-se, ter horários, calar. Já não pode explodir,
não pode constituir, no espaço doméstico, o excesso dionisíaco, o paraíso
urrante, a fusão
total e exclusiva com a mulher, sem que haja o que quer que seja pelo
meio. Em muitos homens, a convivência diária com os filhos, a educação, os
horários, a cerimónia,
os olhos indiscretos, destroem, pouco a pouco, o erotismo como área
separada do desregramento e da transgressão. Destroem, na essência, aquilo
que torna para o homem
o erotismo erotismo e não outra coisa.

Na mulher esta exigência de separação, de especificidade, normalmente,


é menor. Porque se sente nascida para procriar. Nela afecto, ternura,
emotividade e erotismo
andam juntos. E tem a impressão que não só não há oposição entre as
várias áreas, como também se potenciam mutuamente. Para muitas mulheres
a gravidez é uma expressão
do amor pelo marido. Espera que este admire a sua nova beleza de
gestante e sofre se não acontecer. Para muitas mulheres o nascimento do filho
completa o seu amor.
Algumas só se sentem plenamente enamoradas quando também são
mães.1 Tudo se desenrola sob o signo da continuidade, do acréscimo. Para
demonstrar ao marido um amor
maior, a mãe acha natural levar a criança para entre os dois na cama,
acariciá-la, apertá-la contra ao peito. Pois espera que, ao acordar, o marido
seja cavalheiro,
se lembre de lhe mandar ramos de flores. Não se apercebe sequer que o
marido desejaria outro tipo de erotismo, exclusivamente virado para ele.
Também o homem está
emocionado pelo contacto com o corpo macio da criança, mas esta
emoção não tem qualquer relação, qualquer semelhança com o desejo que
sente pelo seu corpo excitado
de mulher, pelo seu cheiro, pelos espasmos do seu ventre, pelas suas
coxas. A visão da mãe com a criança, por seu lado, aumenta nele outra forma
de amor. Um amor
compenetrado de dever, de responsabilidade. Algo que o macho da
espécie humana aprendeu no longo processo da sua humanização quando,
como caçador e guerreiro, tinha
de defender o território e, juntamente com este, a mulher e as crianças
desarmadas e fracas.

1 Há um divertido conto de Patricia Highsmith, «La fattrice», in Piccole


storie di misoginia, trad, ital, La Tartaruga, Milão 1984, pp. 39-49, no qual a
mulher exprime
toda a sua feminilidade ao fazer filhos, até que o marido enlouquece. , . :;
,: . . .!’:’ i ; f: . . ’’

209
#FRANCESCO ALBerONI

E um amor que se parece com o amor materno, mas não tem as suas
virtudes sensoriais, tácteis, cinestésicas e, sobretudo, nada tem de erótico.E
um amor vigilante,
feito de cuidados, de atenções escondidas. E um amor que se manifesta
em acções, e não em carícias. E um amor que se exprime na defesa em
relação dos perigos externos,
cujo símbolo mais adequado é a sentinela que vigia, fora do campo,
durante a noite. É, por isso, um amor que não é minimamente tocado pela
distância, que não tem
necessidade da proximidade física, do contacto. Este tipo de amor cresce
com o passar dos anos, cresce com o nascimento dos filhos, cresce com a vida
em comum. É
um amor alicerçado pelas recordações compartilhadas, por terem
combatido juntos contra a adversidade. É entretecido de intimidade intelectual
e espiritual, de habituação
ao diálogo. Desta forma a mulher torna-se para o homem a outra
«metade», como se dizia antigamente.

E no entanto este amor tão verdadeiro, tão profundo, pode não ter
absolutamente nada de erótico. O homem, assim, pode ver-se a amar
profundamente uma pessoa que
lhe é indispensável, mas em relação à qual não sente qualquer atracção
sexual. Ou até repugnância. Então pode fazer amor com todas as outras
mulheres do mundo menos
com aquela, ou fá-lo porque se obriga a isso, por dever. Quando sai, ou
viaja, não pode deixar de olhar para as outras. E mesmo quando na
comparação acha que a sua
mulher é melhor, e até mais bela, não consegue deixar de desejar outros
corpos, outros contactos. Não estão em jogo a estima, o reconhecimento, o
afecto. Continua
a apreciar-lhe as extraordinárias qualidades intelectuais e morais, o
requinte, o gosto. Pode considerar preciosos os seus conselhos. Não gostaria,
sobretudo, de
lhe fazer algum mal, e sofre com a sua indiferença, culpabiliza-se.

E verdade que este conjunto de sentimentos pertence à área do amor.


Aquele homem pode dizer que ama aquela mulher. Mas é-lhe eroticamente
estranha, não consegue
satisfazer a sua necessidade de erotismo. Uma necessidade que se
mantém intacta como a fome, como a sede, e que o dilacera.

Nas mulheres é menos frequente este tipo de dilaceração. Para elas


erotismo e amor são gémeos. Quando perdem qualquer interesse erótico pelo
marido, normalmente
é porque já não o amam. Então não desejam vê-lo. Se, pelo contrário, o
amarem, continuarão a

210

AMO-TE

esperar dele um gesto romântico, uma carícia, um abraço, uma atenção


amorosa que, para elas, é erotismo. Ao passo que para o homem o erotismo é
outra coisa. O cavalheirismo
não é erotismo, as flores não são erotismo, a gentileza não é erotismo, a
carícia não é erotismo. O erotismo, para o homem, é uma região separada,
resplandecente
e tormentosa, sempre desejada e sempre fugidia, que aparece e
desaparece como uma miragem.

O drama específico do homem foi o de amar uma pessoa e desejar outra,


e sentir isto como culpa. Culpa não expiável, pecado original a que procura pôr
cobro aumentando
as suas responsabilidades, os seus cuidados e os seus deveres. Tudo
inútil, porque não é isto que lhe é pedido. É-lhe pedido que una duas coisas
que nele se dividem
caprichosamente. Este conflito é a causa da autodisciplina que os homens
sempre se impuseram desde a Antiguidade.1 Do governo de si mesmo, da
repressão sexual que
sempre consideram meritória. Já o tínhamos visto e encontramo-lo agora
outra vez: na mulher, erotismo e moral andam de acordo, no homem não.

Os amantes

Entre as muitas formas de construir um casal está também aquele de não


dissolver a sua anterior relação, de não se separarem, de não se divorciarem, e
estabelecerem
uma relação clandestina. Há milhares de motivos para agir desta forma.
Porque no conjunto um deles está satisfeito com o seu casamento, para não
causar dor à mulher
ou ao marido, para evitar problemas com os filhos, para não enfrentar as
grandes despesas do divórcio, para não renunciar a uma bela casa, a uma vida
acomodada.
Ou também apenas porque não tem a certeza de estar verdadeiramente
enamorado da nova pessoa, ou não tem a certeza de ser correspondido. Ou
porque deseja uma aventura,
uma coisa diferente. Não algo que seja uma alternativa, mas sim algo que
se acrescenta ao que já existe.
O erotismo é estimulado pela diversidade, pela novidade.2 Na maior parte
dos casos, no casamento, depois de um determinado

1 Michel Foucault, L’uso deipiaceri, trad. ital. FeltrinelH, Milão 1984.

2 Trata-se de um fenómeno espalhado por todo o mundo animal, veja-se


Lynn Margulis Dorion Sagan, La danza misteriosa, trad. ital. Mondadori, Milão
1992. •• i

211
#FRANCESCO ALBERONI

número de anos, o estímulo erótico perde força, ao passo que desperta


em contacto com pessoas novas e diferentes. É assim que nasce a aventura, a
paixão erótica.
É assim que se estabelece uma relação que não leva à separação ou ao
divórcio, mas que serve para enriquecer a vida diária com um sabor perdido. A
pessoa encontra
no amante o desejo ardente, a emoção da espera, o abandono total
desenfreado, o prazer agitado e perturbante que já não sente com o marido ou
com a mulher. E desta
forma tem a impressão de tomar algo que lhe é devido, e que o outro já
não é capaz de lhe dar.

Se não existir enamoramento, a relação com a amante envolve só uma


parte da pessoa. Os dois amantes não põem em comum toda a sua vida, todo
o seu passado. Não aspiram
a uma comunhão total da alma, a ter os mesmos gostos, os mesmos
princípios. Não contam um ao outro as pequenas coisas da sua existência, não
comparam os seus juízos
sobre outras pessoas do seu ambiente, não lêem os mesmos livros, não
confiam os seus pensamentos secretos. Não têm de construir uma vida
comum, um mundo comum. Entre
eles há confiança, mas não há fusão. A sua intimidade diz respeito
essencialmente ao corpo, ao sexo. Não modificam o ambiente físico e social
que os circunda. Podem
encontrar-se na casa de um ou do outro, ou numa pensão, o lugar não
tem importância. O que conta é a relação, e não as suas objectivações.

A sua intimidade é limitada também no tempo. Encontram-se em


determinados dias, a determinadas horas e só querem agradar-se
reciprocamente, satisfazerem-se de sexo,
de erotismo. Os amantes saboreiam antecipadamente o encontro e
preparam-se com cuidado para o encontro amoroso. A mulher veste com
elegância, vai ao cabeleireiro,
maquilha-se. O homem faz a barba, põe perfume, leva flores ou um
presente. Cada encontro é um ritual de namoro a que se segue depois a orgia
erótica, desenfreada,
com a roupa espalhada pelo quarto e os corpos nus abraçados. Como
acontece nos primeiros tempos do amor. Com a frescura da surpresa e do
início. Faz parte do prazer
da relação entre amantes o de marcarem encontros secretos, num
apartamento escondido, ou numa pensão afastada. O prazer de um fim-de-
semana, de uma viagem incógnitos,
uma espécie de viagem de núpcias tornada mais excitante pelo segredo,
pelo facto de roubar aquele prazer aos outros.

212

AMO-TE
A vida conjugal é feita também de repreensões, de represálias, de
pequenas vinganças. Há quem, indo com a amante, castigue mentalmente o
cônjuge pelas suas faltas,
pelos seus defeitos. Às vezes isto é um alibi para a sua consciência. Mas
outras vezes é precisamente o prazer de o trair. Quando a tensão doméstica é
mais forte,
os dois amantes troçam dos maridos e das mulheres traídas. Troçam do
mundo, afirmam o seu prazer contra os deveres conjugais, familiares, a sua
liberdade desenfreada
contra as obrigações sociais. Não é uma subversão como o
enamoramento, é uma consagração da relação oficial, da instituição. E há
quem sinta prazer levando a amante
para a cama da mulher ou do marido, e quem o faça precisamente para o
profanar, para ofender, desvalorizar simbolicamente a outra pessoa, tomar
obscenamente o seu
lugar e escarnecendo dela.

Noutros casos, encontramos nas relações entre amantes aquele tipo de


amor que descrevemos como ilha dourada. Relação amorosa separada do
mundo, protegida na sua
pureza, onde todo o dever, toda o cansaço ficam de fora, e todo o bem,
toda a alegria ficam dentro. Onde só deve haver festa. Amor que não tem
como modelo a família,
a vida profana, mas sim o culto mistérico com as orgias secretas
protegidas pelo segredo iniciático. Amor cujo modelo não é a celebração
nupcial manifesta, a casa
aberta aos amigos, mas sim a seita em que os adeptos estão ligados por
uma fraternidade jurada, pela obrigação do fingimento. Amor secreto,
clandestino, protegido.
Amor-prémio quando os deveres conjugais foram cumpridos, os trabalhos
profissionais terminados. Então é concedida a festa da alma e do corpo, o
festejo.

A relação com a amante pode continuar durante muito tempo, anos até. E
se algumas vezes enfraquece até quase desvanecer-se, noutros casos reforça-
se. Pouco a pouco
a intimidade torna-se mais profunda, a confiança recíproca aumenta,
estabelece-se uma verdadeira amizade. E o lugar do encontro torna-se uma
verdadeira e autêntica
casa. Uma segunda casa que se soma à primeira: a casa da segunda
mulher ou do segundo marido. Às vezes destas relações nascem também
filhos. Criam-se assim duas
famílias, escondidas uma da outra. E vivem até na mesma cidade.

213
#
15

FIDELIDADE-INFIDELIDADE

Fidelidade e exclusividade
No amor fidelidade significa exclusividade: amor por uma só pessoa,
relações sexuais só com ela. Como no monoteísmo absoluto: «Não terás outro
Deus além de mim.»
Pelo contrário, no politeísmo posso ser fiel a mais de uma divindade.
Como na amizade. Ser fiel a um amigo significa conservar intacto no tempo o
meu amor, a minha
lealdade, a minha ajuda. Não significa não ter outros amigos.1
Na nossa tradição, a fidelidade tem uma dupla origem. Uma, deriva do
conceito de posse exclusiva. Na época patriarcal a mulher pertence ao homem
e, se o trair, tem
de ser morta. A outra raiz, pelo seu lado, é a da fidelidade exclusiva à
tribo, à pátria, à fé, ao chefe. Este tipo de fidelidade é pedida tanto pelos
movimentos
políticos e religiosos como pelos enamorados. Amor individual e amor pelo
chefe carismático divinizado são feitos da mesma substância.

Com a fidelidade comunico ao meu amado que ele vale mais que qualquer
outra pessoa, que é o meu único bem, o meu único desejo. Quando o
enamorado fica todas as noites
diante da casa da sua amada está a comunicar-lhe que ela é a única coisa
no mundo que conta verdadeiramente. Que ela lhe é indispensável sempre,
em todos os instantes.

E se o outro não souber que eu lhe sou fiel? O que é que significa ser fiel a
alguém que não é consciente disso? A fidelidade, neste

Também há tradições amorosas em que fidelidade não significa


exclusividade. Por exemplo, nas sociedades poligâmicas entre os Sénoufo
Nafata da Costa do Marfim não
existe casamento. Os homens, à noite, vão visitar as «amigas». Neste
caso a fidelidade tem o mesmo significado de amizade. É fiel quem volta,
quem não se esquece,
quem ajuda. Veja-se Andras Zempleni, L amie et 1’étranger, in Cécile
Wajsbrot, Lafidetité, Ed. Autrement, Paris 1990, p. 57.

215
#FRANCESCO alberONI
caso, torna-se uma relação comigo próprio. É um acto que realizo em mim
próprio. Expulso do meu pensamento qualquer outra presença, qualquer outro
desejo, para deixar
lugar só para ele, que se torna o seu protagonista absoluto e privilegiado.
Alargo a minha alma, o meu coração, excluindo dele tudo o que possa
incomodar, comprometer
o meu amor, afastar-me dele. Elimino qualquer possível sedução, qualquer
possível tentação. Crio uma barreira protectora em torno do meu amor.

Mas o enamorado que fica todas as noites diante da casa da amada


durante quanto tempo poderá fazê-lo? E no momento em que deixa de fazê-lo,
significará que o seu
amor acabou? Não, temos de trabalhar, comer, dormir, manter relações
sociais, produzir, criar. Pode ser-se fiel e exclusivo fazendo todas estas coisas.
Mas até que
ponto? A mulher de um cientista meu amigo defendia que ele a traía com
as suas investigações. «A quem é que amas mais», perguntava ela, «a mim ou
às tuas cobaias?»
E, provavelmente, tinha razão, porque ele ficava absorvido pelas suas
investigações. Não tinha aventuras nem amantes, mas voltava tarde à noite e,
muitas vezes,
ia ao laboratório até ao sábado e ao domingo.

A fidelidade implica sempre uma dedicação de energias, um dispêndio de


si em prol do amado. É dono de si, dono do seu tempo, dono das suas
atenções, dos seus pensamentos.
Também para o amigo - que decerto nada quer em exclusividade - a
fidelidade requer um mínimo de recordação, de atenções, de cuidados. O fiel
do deus faz-lhe oferendas,
dirige-lhe orações, agradece-lhe pelos dons recebidos.
Há também as relações com o outro sexo. Quando funciona a infidelidade?
Em que ponto a relação com o outro pode ser considerada subtracção de algo
que nos é devido
em exclusividade? Na nossa sociedade abraçar outro homem na dança
não é infidelidade, como não é infidelidade beijá-lo na face quando nos
encontramos ou nos despedimos.
Não é infidelidade fazer uma viagem com um colega do outro sexo por
razoes de trabalho. Mas sê-lo-á ir todas as noites a sua casa para conversas
privadas, mesmo
sem qualquer relação sexual? Quando é que a amizade e a relação
espiritual entre um homem e uma mulher ultrapassam o nível que leva a falar
de infidelidade? Se a
relação entre os dois cônjuges for rica e o diálogo intenso e contínuo,
então também a amizade espiritual com outra pessoa não cria pró-

AMO-TE
216

blemas. Mas se o seu trabalho é pobre, basta uma conversa apaixonada


para suscitar ciúmes. Como aconteceu a uma mulher a quem chamarei A
escritora. Alguns anos depois
do casamento e do nascimento de dois filhos, começa a escrever. Convida
para irem a sua casa outros artistas para falarem do que estão a fazer. Está
convencida de
agradar ainda mais ao marido. Pensa envolvê-lo naquilo. Mas ele, que é
empresário, reage muito mal, sente-se excluído. O casamento vai por água
abaixo e acabam por
divorciar-se.
Há por fim as relações sexuais propriamente ditas. Durante milénios as
relações sexuais que o marido tinha fora do casamento, com as criadas e com
as prostitutas,
não foram consideradas actos de infidelidade. Mas os da mulher eram.
Hoje os dois sexos estão equiparados. No entanto há ainda quem julgue
insignificante uma relação
sexual ocasional sem envolvimento emotivo. Outros, pelo contrário,
consideram uma traição até um simples beijo na boca.

A fidelidade pode ser vista também sob o aspecto do sofrimento que


infligimos aos outros. Quem é infiel não sofre. Sofre quem foi traído, sobretudo
se for fiel.
Mas só sofre se tiver conhecimento da nossa infidelidade. E se não o
souber? Se eu mentir tão bem que lhe dê a impressão que só o amo a ele, e
este engano têm êxito
durante toda a vida? O que é mais importante moralmente, dizer a
verdade ou não fazer sofrer?

A infidelidade pode ser uma forma de vingança. Há gente que realiza um


acto de infidelidade quando se sente posta de lado ou tratada mal. O homem
de Turim, todas
as vezes que se zangava com a mulher, ia com uma prostituta. O
comandante ia ter com uma das muitas amigas com quem tivera uma amizade
erótica. Há também a infidelidade
como instrumento de justiça de talião. Castigo-te com a infidelidade,
porque foste infiel. Vingo-me da tua infidelidade sendo-te infiel. E, para tornar
mais cruel
a vingança, para te ferir mortalmente, faço-o diante dos teus olhos.

Desassossego sexual • < ; :


Com o enamoramento dois indivíduos escolhem-se de forma electiva,
preferem-se a qualquer outro, e fazem um compromisso recípro|co de
fidelidade. Mas esta força é
sempre contrariada por uma força

217
#FRANCESCO AlBERONI

oposta: pelo desejo sexual por pessoas novas, diferentes, interessantes. O


amor que une de forma exclusiva tem como perene adversário a tendência
exploradora presente
em cada indivíduo, homem ou mulher.

Na nossa investigação sobre o amor partimos do enamoramento, da


exclusividade, da monogamia. Mas podíamos ter partido também da tendência
exploradora. Considerar
o enamoramento e o amor como interrupção de uma tendência
exploradora inscrita no nosso património biológico. Em quase todas as
espécies animais, e particularmente
nos mamíferos, o macho produz e difunde milhões de espermatozóides.
Na base do seu comportamento sexual está o princípio de inseminação de
todas as fêmeas que for
possível. A fêmea, pelo contrário, anda à procura de um macho dotado do
melhor património genético, para garantir uma prole forte e vencedora.

A tentação erótica pode despertar também no mais fiel dos maridos, na


mais virtuosa das mulheres. Este erotismo desperta precisamente como
transgressão, traição,
aventura, desordem. Repentina atracção por uma pessoa que, noutras
circunstâncias, não teria suscitado o nosso interesse. Desejo ardente, fome de
sentir o contacto
de um corpo desconhecido ou proibido, prazer de seduzir, de ser
seduzidos, jogo erótico, emoção, transgressão.

O que é que sempre empurrou os homens casados, com filhos, com


responsabilidades familiares, a procurar aventuras eróticas perigosas, às vezes
catastróficas? O que
é que empurrou muitas mulheres casadas a correr o risco de serem
mortas por uma acusação de adultério? E hoje o que é que leva tantas pessoas
a correr o risco de
uma infecção pela sida? Imaginamos que deve haver na base algum
motivo grave, uma profunda insatisfação do casamento, ou então um grande
amor apaixonado. Não, normalmente
não é o amor, não é o desespero. É um motivo mais fútil, um prazer mais
caprichoso, gratuito. É o gosto pelo novo, pela diversidade, um impulso
primordial e irracional.
Foi esta obscura força que fascinou Freud e o levou a pôr a sexualidade na
base de todas as actividades humanas. Porque lhe parecia que era o poder
mais dificilmente
disciplinável, canalizável, dominável.

A palavra sexualidade sugere-nos a ideia de um impulso como a fome, a


sede, o sono. De uma tensão que quer descarregar e, uma vez descarregada,
desaparece. Mas,
no ser humano, a sexualidade é

AMO-TE

fecundada pela fantasia, alimentada de amor e ódio, emoções,


esperanças, paixões, alegrias, angústias, repugnâncias, sonhos e projectos. A
sexualidade, tornada erotismo,
transforma-se em poder inquietante, caprichoso, desmedido, que desafia
o perigo, porque é alimentada por uma fantasia inesgotável. Todos nós
desejamos uma vida mais
intensa. Desejamos ver novos países, desejamos novos encontros.
Desejamos não só viver mais tempo, como também viver mais vidas. O que
nos caracteriza é uma inquietação
de procura, uma tendência a transcendermo-nos. O erotismo nasce
quando esta tendência, divina e demoníaca, irrompe na sexualidade e nos faz
vislumbrar o maravilhoso,
o extraordinário, a revelação de algo assombrosamente novo.
Compreendeu-o muito bem Bataille1 que considerou o erotismo sinónimo de
transgressão e violação de um
tabu. Por isso considera impossível um erotismo canalizado na
normalidade e na instituição.

Enquanto o enamoramento não conhece diferenças de sexo, de idade e de


país, a tendência exploradora continua a ser bastante diferente nos dois sexos.
O homem é mais
estimulado pela diversidade, a mulher pela qualidade. O homem sente-se
fascinado pelo corpo da mulher. Basta um vestido que tapa ou destapa o seio,
o deixa vislumbrar.
Basta uma mini-saia que mostre as nádegas quando se inclina. Ou uma
saia com uma racha que se abre quando anda. Além disso o homem procura
sobretudo o sexo, o puro
prazer sexual. Até alguns actores de Hollywood, que têm tantas
admiradoras, frequentam as prostitutas.

A mulher, por outro lado, mesmo quando admira a beleza escultórica de


um corpo masculino, não se contenta com isso. Para se tornar erótico, para
acender o seu desejo,
aquele corpo, aquele sexo, tem de haver galanteio, deve prometer uma
relação íntima. A mulher é excitada pelo desejo que o homem tem por ela. O
verdadeiro Don Juan
faz sentir a cada mulher que ela é única, extraordinária. Contagia-a com o
seu desejo. O erotismo feminino é sempre uma fantasia amorosa, na qual a
relação sexual
é um momento. Na realidade, fique bem claro, a mulher é potencialmente
tão promíscua como o homem. Tem necessidade de tanta variedade como ele.
Faria amor sempre
com novos homens. O que é que a bloqueia?

1 Georges Bataille, L’erotisrrw, Bad.,kal. Sugar, Milão 1967.

218

219
#FRANCESCO albERONÍ

O facto de não encontrar o homem adequado. Porque é muito, muito mais


exigente que o homem. Só se sente atraída por homens palpitantes de vida e
cheios de desejo,
de paixão por ela. Por isso, a mulher procura excitar o homem. Mostra-se,
dança. A dança erótica, a dança dos sete véus, a dança do ventre, a dança
desenfreada na
discoteca, são femininas. Às vezes a mulher sente mais prazer ao ver o
efeito do seu poder sedutor do que no acto sexual em si mesmo. Uma coisa
que o homem não compreende.

No entanto, é precisamente esta tendência exploradora, errabunda,


destruidora, esta desordem que, a dada altura, em ambos os sexos se traduz
por poder criativo,
unificador. Da desordem, repentinamente, nasce a ordem. A explosão
erótica transgressora do enamoramento produz a fusão do casal e a
exclusividade. O enamoramento,
o «amo-te», interrompe então a procura e gera, pelo contrário, uma
estrutura estável, uma entidade permanente, um casal fiel. Para o homem,
mais atraído pela diversidade
como tal, o enamoramento é por isso um acontecimento mais
surpreendente, mais perturbante que na mulher.

Na nossa época muitas pessoas vivem durante uma parte mais ou menos
importante da sua vida de forma promíscua, têm ao mesmo tempo relações
sexuais com muitas outras.
E houve sempre movimentos políticos e religiosos que procuraram pôr em
prática no seu interior o amor livre. Por esse motivo opuseram-se às relações
de casal exclusivas
e viram o enamoramento com suspeição. Comunidades ideológicas
promíscuas deste tipo encontram-se entre os Irmãos do Espírito Livre, na Idade
Média, entre os Franquistas,
uma seita judaica nascida do movimento messiânico de Sabbatai Zevi. No
século passado, surgiram nos Estados Unidos as comunidades Nashoba e
Oneida. Outro florescimento
de comunidades promíscuas ocorreu nos movimentos juvenis dos anos
60-70. Talvez o máximo da promiscuidade se tenha dado nas comunidades
gay, nas quais a sexualidade
separada do amor foi durante algum tempo uma condição de iniciação.
Um processo análogo aconteceu nas comunidades de singles que surgiram nos
anos 70 e nos primeiros
anos da década de oitenta.1
1 Veja-se Gay Talese, La donna d’altri, trad. ital. Mondadori, Milão 1980. E
Francesco Albertmi, O Erotismo, Bertrand Editora, Lisboa. ’” ’•>•’•’ ...-
•:•.<•’••>•••-•”••

220

AMO-TE

Actualmente são muito frequentes as redes de amizade erótica. Cada


indivíduo tem relações sexuais regulares ou irregulares com um dado número
de amigos do outro
sexo. Estes, por sua vez, têm com outros. Cria-se assim uma rede muito
vasta, na qual vários amigos têm relações sexuais com a mesma pessoa. Às
vezes sabendo-o,
outras vezes não. Estas redes erótico-amigáveis são mais frequentes
entre os jovens, entre solteiros. Mas também há entre pessoas casadas.
Quando, nestas redes amigáveis,
duas pessoas se enamoram, interrompem as relações eróticas com os
outros. Mas basta que o casal encontre uma dificuldade para reemergirem os
velhos hábitos. Se um
casal quiser manter-se fiel, tem de abandonar a rede das amizades
eróticas e frequentar apenas as não eróticas.

O erotismo, enquanto transgride e infringe, explora procurando outras


ligações possíveis, outras relações, outros amores. Cada encontro erótico, até
um simples olhar,
um desejo que se agita, uma frase de galanteio, um contacto fugaz com a
mão, com o braço, com o corpo do outro é um potencial início de algo de
diferente. Como se
estivesse em germe um possível amor, uma possível relação, e portanto,
uma possível nova vida.
Por isso, as pessoas que amam, normalmente, são ciumentas e não
suportam que o seu amado olhe, faça a corte, tenha uma relação sexual com
outra pessoa. Porque aquela
relação nunca é, nunca pode ser puramente física, nem mesmo a relação
ocasional com a prostituta. é sempre um encontro de almas, uma abertura
amorosa ao outro, tornado
possível precisamente pela relação sexual, pela máxima intimidade dos
corpos, pela sua fusão. Porque a relação sexual, mesmo quando acontece
entre dois desconhecidos,
queima todas as etapas das convenções sociais. Há um momento em que
o homem e a mulher, até então empenhados no ritual social que regula o
vestuário, as palavras,
os gestos, as distâncias, se desembaraçam deles. Despem-se e, despindo-
se das roupas: despem-se de todas as regras. Pelo que podem beijar-se,
penetrar-se de todas
as formas, contorcer-se, gritar, dizer frases obscenas, chupar e misturar os
seus líquidos, fazer tudo o que não só é proibido, como também considerado
repugnante
na vida social. E nesta intimidade tornam-se possíveis confissões que
estão normalmente escondidas. Até o mais simples namoro, o flirt mais
moderado, estabelecem
uma intimidade, uma relação, um património comum de recordações. ,.,..,.

221
#FRANCESCO ALBERONI

Na maioria dos casais fiéis o desassossego sexual exprime-se no plano


das fantasias. Até as pessoas que se amam profundamente podem sentir-se
atraídas por alguém
mais, e fantasiam ter uma relação com ele. A fantasia neste caso substitui
a acção, toma o seu lugar e permite continuar fiel ao amado. Muitos homens
vêem com voracidade
revistas ou filmes pornográficos, muitas mulheres vivem aventuras
eróticas nos filmes ou nas telenovelas. Muitas vezes atraiçoam-se até durante
o acto sexual. Algumas
mulheres imaginam estar com o ídolo do seu coração, ou com um amante
anterior. Algumas fantasiam estar a ser violadas. Os homens fantasiam
pormenores de relações
já vividas. Todas estas fantasias normalmente desaparecem com a
aproximação do orgasmo. São como que uma exploração preparatória. Depois
as lembranças, os sonhos,
as fantasias concentram-se na pessoa amada, confluem nela, lançam
sobre ela a energia, a evocação das fantasias do passado. Por isso até os
membros do casal mais
fiel se traem no plano do imaginário. Podem manter a sua relação
monogâmica apenas com a condição de manterem cuidadosamente em
segredo para um e para o outro o
seu mundo fantástico.

Muito diferente é a situação entre os que não se amam. Neste caso as


fantasias eróticas não convergem sobre a pessoa amada, divergem sempre
cada vez mais. E para
atingir o orgasmo, cada um tem de imaginar estar com alguém que não
está ali. Uma situação que, mais cedo ou mais tarde, produz a impotência ou a
recusa.

O pacto de fidelidade
No ser humano encontram-se duas tendências. A primeira caracteriza-se
pela vagabundagem sexual, pela procura da novidade, pela promiscuidade. A
segunda, pelo enamoramento,
que estabelece uma ligação amorosa exclusiva e duradoura. Mas o estado
nascente amoroso tem de tornar-se projecto, instituição. E há tantos projectos
possíveis,
tantas instituições possíveis. Dois enamorados podem decidir não viverem
juntos, podem decidir não dormirem juntos. Podem também decidir serem
totalmente livres,
terem relações sexuais e amorosas com quem quiserem. Um facto raro,
porque normalmente, quando estamos enamorados queremos o outro só para
nós. Mas pode acontecer.

AMO-TE

A escritora George Sand encontra Alfred de Musset em 1833, pando ela


tem trinta anos e ele vinte e dois. Enamoram-se, partem >ara a Itália. Mas
cada um considera-se
livre, não atado por pactos lê fidelidade. Chegados a Génova, George
Sand adoece e Alfred ibandona-a para ir às prostitutas do porto. A mesma
coisa se repete ;m
Florença e, sobretudo, em Veneza, onde ela fica sozinha no quarto,
enquanto Alfred se dedica às actrizes e às bailarinas. Nesta dtura entra em
cena o médico italiano
Pagello, que a cura e, aproveitando a indiferença de Musset, começa uma
relação com ela. As Ipartes invertem-se. Alfred adoece e George,
restabelecida, torna-se
tunante de Pagello. Alfred é forçado a regressar a França. George Sand e
Pagello fazem então uma viagem aos Alpes e juntam-se a ele em Paris só
muito tempo depois.
Aqui a relação entre Sand e Musset recomeça com dificuldade. No mesmo
período acaba também a relação com Pagello.

George Sand e Alfred de Musset estavam realmente enamorados?


Provavelmente, sim. Mas a verdade é que nenhum deles fez o mínimo esforço
para ser fiel ao outro, para
dar um carácter monogâmico à sua relação. Assim que George adoeceu,
Alfred, aborrecido, entregou-se a outras mulheres e ela, para lhe demonstrar
que estava ao mesmo
nível que ele, comportou-se da mesma forma com o seu médico. Assim, a
sua relação deteriorou-se rapidamente.

Para que o enamoramento se torne um amor exclusivo, fiel, é Dreciso que


ambos queiram. O amor, em relação ao estado nascente do enamoramento, é
instituição, isto
é, é algo escolhido, querido. E o produto de um pacto. Se não for
explicitamente estabelecido um pacto de fidelidade, o estado nascente pode
gerar outros tipos de
relações.

A fidelidade do casal é profundamente influenciada pela cultura. O casal


mantém-se fiel se a sociedade indicar a fidelidade e a duração como um
modelo a seguir.
Se, pelo contrário, a criticar, se propuser como modelo a poligamia, a
promiscuidade, o casal aberto ou a vida de solteiro, então o casal amoroso fica
comprometido.
Os apoios culturais externos ao casal são fundamentais. O enamoramento
é um estado plástico. Se não for a cultura a indicar-lhes para formarem um
casal, uma casa,
uma família, não o formarão. Os dois procuram-se, mas não sabem o que
fazer. Heloísa não queria casar com Abelardo porque ela pensava que o
casamento não tinha qualquer
relação com

222

223
#FRANCeSCO ALBERONI
era uma corrupção sua. Uma ideia que continuou a existir durante muito
tempo, até na época romântica. Outra ideia culturalmente aprendida é que o
erotismo tem
de desaparecer no casamento concebido como instrumento para ter uma
prole.

Recentemente espalhou-se uma ideologia contrária ao casal e à fidelidade


conjugal. Esta ideologia difundiu-se de forma extremamente rápida nos anos
70, com a revolução
sexual e o feminismo. Falarei apenas de um dos inumeráveis casos
semelhantes daquele período. Eram dois casais de jovens profunda e
ternamente enamorados. Chamar-lhes-ei
Bruno e Bruna, Cario e Carla. Com a chegada do feminismo, Bruna
começa a frequentar um grupo de autoconsciência feminista onde lhe é
explicado que a fidelidade sexual
é uma coisa reaccionária. Arrasta consigo Carla e começam a ter juntas
relações sexuais com outros homens nas suas próprias casas. Os respectivos
maridos têm de
esperar do outro lado da porta que elas acabem. Pouco a pouco os
encontros sexuais tornam-se múltiplos. À noite o chão está coberto de corpos
abraçados. Depois de
alguns meses, Carla começa a vomitar e tem uma crise de anorexia. O
marido torna-se taciturno, encontra outro trabalho, vai viver para outra cidade
e dois anos depois
enamora-se de outra mulher. Carla acaba rebentada.

Bruno-, pelo contrário, resiste à prova. Fica do outro lado da porta até de
manhã para não perturbar a mulher que realiza os seus deveres eróticos com o
homem de
turno. Quando nasce uma criança, trata dela como uma mãe.
Seguidamente ele e Bruna separam-se, mas nenhum deles se enamora outra
vez. Ficam amigos, um pouco tristes.
Quando Bruno morre, Bruna chora muito, porque ele fora o seu único e
verdadeiro amor.

A tendência espontânea do enamoramento para a exclusividade e para a


fidelidade só se transforma em fidelidade efectiva apenas se for desejada,
querida, requerida
e incorporada no pacto como ponto de não retorno. Este é um ponto
muito importante. O pacto de fidelidade forma-se quando se efectua o
processo de fusão e as emoções
e as promessas são como lava ardente, metal líquido que entra no molde
e assume uma forma definitiva. E o correspondente à constituição dos países
democráticos escrita
na época entusiástica da libertação, e cuja recordação se mantém
profundamente inscrita nas mentes e nos corações. , „ . ,
AMO-Te

O compromisso de fidelidade, como todos os outros compromissos de


casal, tem de ser renovado com o tempo. A instituição é o produto desta
reconfirmação do pacto.
Se isto acontecer, se o pacto foi respeitado durante muito tempo, produz
uma mudança profunda da relação erótica. Pouco a pouco ambos renunciam a
ter fantasias de
traição, não se expõem a tentações, e aprendem a procurar a beleza e o
prazer no corpo do outro. Permitam-me uma analogia. Há pessoas que gostam
de viajar, que procuram
continuamente novas paisagens. E cansam-se, aborrecem-se se forem
obrigadas a estar sempre no mesmo lugar. Ao passo que outras pessoas se
«enamoram» de uma determinada
paisagem ou até só do seu jardim. Descobrem nele a infinita
complexidade. Sabem apreciar os matizes das cores das diferentes estações, a
alegria das flores que nascem.
E não se pode dizer que a sua emoção estética seja inferior à de quem
contempla as cataratas do Iguaçu, ou os picos dos Alpes.

Vários amores ;

Há meios onde a infidelidade, embora provocando sofrimento, não é


considerada um motivo suficiente para o divórcio. Acontece com frequência no
mundo da aristocracia
e da grande burguesia europeia, onde estão em jogo títulos nobiliárquicos
e fortunas imensas. Não se trata de um casamento aberto. Os dois cônjuges
não têm que contar
nada um ao outro. Cada um finge nada saber, na condição de que o outro
continue a cumprir os seus deveres familiares e saiba manter as aparências. É
neste meio que
se coloca o caso de A princesa. Nascida numa família camponesa, tinha
uma inteligência extraordinária, era lindíssima e dotada de uma vitalidade
irresistível. Aos
dezasseis anos vence um concurso de beleza, torna-se manequim.
Durante um desfile encontra um aristocrata riquíssimo que se enamora dela. E
realmente o príncipe
azul. Ela fica fascinada, enamora-se dele. Ele apresenta-a ao pai, um
velho industrial de génio que, surpreendido pela personalidade da jovem, dá o
seu consentimento
ao casamento, apesar das objecções de irmãos e familiares. Começa uma
vida maravilhosa feita de recepções, viagens, iate, entre magnates, artistas,
cabeças coroadas.
É uma dona de casa perfeita e, em dez anos, traz ao mundo vários filhos.
A família está orgulhosa.

224

225
#FRANCESCO AlBERONi

Torna-se uma das protagonistas da vida mundana do seu país, admirada,


cortejada. Um dia apercebe-se que o marido a trai com uma íntima amiga sua.
Se seguisse o seu
primeiro impulso tê-lo-ia lançado pelas escadas abaixo e depois pediria o
divórcio. Mas contém-se. Sabe que no seu meio não se acaba com um
casamento por tão pouco.
Não se põe em crise a família, os filhos, o título, a empresa. Mas algo se
quebrou. Viaja sempre sozinha cada vez mais, leva uma vida mais intensa. E
assim encontra
um grande pintor, um dos homens mais famosos do seu tempo. Ele tem
vinte anos mais do que ela, é casado. Sente-se envelhecer. De vez em quando
chegam admiradoras
que se lançam nos seus braços. Mas não se prende a nenhuma. Vive
retirado entre as suas telas. Mas ela transmite-lhe uma irresistível vontade de
viver e ele enamora-se
dela.

Também ela está pronta para um enamoramento. Mas resiste. Continua a


ser uma boa mulher, uma boa mãe, quer merecer o lugar elevado que
conquistou. Mas o enamoramento
produz no artista um verdadeiro e autêntico renascimento. Tendo deixado
de lado o velho mundo político e a ideologia, fica totalmente absorvido,
arrebatado pela
beleza da mulher a quem ama, reconstrói em torno dela todo o seu
mundo pictórico. Durante vinte anos só a pintará a ela. Cria obras prodigiosas.
A princesa sente-se
arrastada por este amor, por esta adoração, por este fluxo criativo. Torna-
se a sua amante discreta. A mulher do pintor nada sabe. O marido de A
princesa não sabe
ou não quer saber. E ela ama os dois, embora com um amor diferente. O
primeiro feito de sólida ternura, o outro de sonho, de impulso místico.

Estará enamorada? Sim, se bem que de forma controlada. Deixa-se amar


mais do que amar. Nunca projectam viver juntos. O seu amor desenvolve-se
todo no espaço fechado
do estúdio. Ela viaja, chega, parte, fica algumas horas, depois sai e
continua a sua vida. A ele bastam-lhe os encontros extáticos. Porque mergulha
de novo na criação,
alimenta-se dela. Quando ela está ausente, recria-a. Mas para ela não é
suficiente. Ela gostaria de levá-lo para o turbilhão da sua actividade mundana,
unir as suas
vidas, talvez ter um filho.

Assim renasce, silenciosa, uma obscura insatisfação. É então que

encontra o grande Donjuan, o homem mais belo do país, e enamora-se


dele. Desta vez é uma explosão erótica. Mas também esta rela- ção não se
traduz em convivência.
Ela continua a encontrar-se com

226

AMO-TE

o pintor de quem gosta profundamente. Ele está ciumento. Mas nunca sai
de casa e é fácil fazer com que ele nada saiba. E mesmo que soubesse,
provavelmente nada faria,
continuaria a amá-la. Porque é casado e não se quer divorciar, não tem
coragem de causar uma dor tão grande à mulher que envelheceu com ele.
Porque vive absorvido
pela sua arte, com a qual a recria continuamente. O seu amor é do tipo
ilha dourada, onde só conta o que acontece naquele momento, onde o mundo
exterior é mantido
fora, afastado. É um tipo de amor que pode até alimentar-se da ideia de
que o seu homem ou a sua mulher têm relações com outros. Porque se
apodera dela com a sua
criação, arrebata-a ao mundo, eterniza-a, e assim a torna exclusivamente
sua.

Esta situação continua durante uns dez anos, até o grande pintor morrer.
Então, repentinamente, A princesa apercebe-se de ter perdido a pessoa mais
importante da
sua vida. Porque toda a sua juventude, toda a sua beleza está nos seus
quadros. Porque ele, imortal, a tornou imortal. Em pouco tempo os outros
amores desvanecem-se.
Agora está verdadeiramente enamorada dele. Separa-se do marido,
abandona o amante, fica sozinha.

O casamento aberto

Em vez de falar em abstracto, vou começar por ilustrar um caso concreto:


o de Giovanna e Donato. Ele é americano, ela é italiana. Conheceram-se nos
Estados Unidos
no final dos anos 60 quando estava difundida entre os jovens a ideologia
da vida em comunidade e eram condenados como burgueses a monogamia e
os ciúmes. No momento
do casamento fizeram um pacto: cada um era livre de ter relações
amorosas e sexuais com qualquer outra pessoa desde que respeitasse três
condições. A primeira, contar
todas as suas experiências, até ao pormenor, ao cônjuge. A segunda,
manter com ele relações eróticas e de amizade. A terceira assistirem-se
mutuamente, cuidarem
dos filhos e não pedirem nem a separação nem o divórcio. Em suma, uma
monogamia permissiva no plano erótico, mas muitíssimo rígida no dos
compromissos familiares.
Durante vinte anos este esquema funcionou. Cada um deles tem
numerosas relações eróticas com outras pessoas. A mulher ena-

22FRANCESCO ALBERONi

mora-se várias vezes, mas diz logo ao homem que ama que nunca irá
viver com ele, e que nunca lhe será fiel. Ele, a princípio, aceita, depois faz
algumas tentativas
para a convencer a renunciar à sua promessa. No final começa por sua
vez a traí-la e acaba por afastar-se.

O compromisso de ter de contar todos os seus pensamentos, todos os


seus sentimentos, todos os seus projectos, de dar a conhecer ao outro cônjuge
o seu amante, impediu
sempre a ambos que desenvolvessem um projecto amoroso alternativo. E
tornou impraticável também o modelo do amor-refúgio, da ilha dourada
afastada do mundo. Por
isso, os enamoramentos de Giovanna ficaram sempre no nível
exploratório e nunca ameaçaram o seu casamento.

Em compensação, com o seu casamento aberto, eles criaram numerosos


problemas aos seus amigos. Porque tendiam a exportar o seu modelo de
convivência. Cada um fazia
a corte ao marido ou à mulher do amigo como se isso fosse a coisa mais
natural do mundo. E depois, se o outro aceitava ter relações sexuais com ele,
ia logo dizer,
dando todos os pormenores, ao outro cônjuge. Com as consequências que
podem imaginar.

Ciclos amorosos
Algumas pessoas são eroticamente vagabundas, são levadas à
promiscuidade. Outras, por sua vez, tendem a estabelecer ligações sólidas e
duradouras. Mas durante a
vida todos nós atravessamos mais ou menos períodos em que predomina
o primeiro tipo de tendência e períodos em que se afirma o segundo. Períodos
de vagabundagem
erótica e emotiva, de procura, de promiscuidade, e períodos de amor
monogâmico forte e fiel.1

Dadas as enormes diferenças individuais, este esquema pode variar


muito. Há homens e mulheres em que predomina a promiscuidade, ao passo
que noutros predomina a
monogamia. Há pessoas em que a separação entre fase monogâmica e
fase promíscua é clara.

1 A forma geral dos ciclos amorosos é; portanto, a seguinte:

228

AMO-TE

Noutras, pelo contrário, é confusa. Por isso identificámos uma série de


casos típicos.

1) Promiscuidade absoluta. Só se encontram com facilidade casos de


promiscuidade absoluta em casais que se casaram muito novos com
casamento aberto e que o respeitaram.
Um exemplo é-nos dado por Giovanna e Donato. Às vezes a
promiscuidade é interrompida por breves períodos monogâmicos. Como no
caso de Hugo Hefner, o fundador da
revista Play Boy. Hefner casara muito novo. Assim, temos uma primeira
fase monogâmica. Segue-se depois uma longa fase poligâmica quando elabora
a revista Play Boy
e cria em Chicago um verdadeiro harém, donde todos os meses escolhe a
sua favorita que apresenta nua ao público da sua revista. No entanto, duas
vezes sente uma
afeição mais forte: primeiro com Baby Benton, de Los Angeles, e depois
com Karen Christy, de Chicago. São duas curtas fases monogâmicas. O conflito
entre as duas
mulheres fá-lo, contudo, regressar rapidamente à sua habitual
promiscuidade.1

Os casos mais típicos de promiscuidade absoluta encontramo-los nalguns


artistas que atingiram o êxito muito novos. Por exemplo, Elvis Presley, que,
depois do triunfo,
levou sempre uma vida totalmente promíscua, mesmo no período do
casamento com Priscilla. A última fase da sua vida caracteriza-se por uma
sucessão contínua de orgias
e drogas, até à morte.2

2) Amores substitutos. As experiências eróticas ou passionals sucedem-se


como os elos duma corrente. Um exemplo disto é-nos dado pela vida de
George Sand. Casada
sem amor com Casimir Dudevant, consegue impor-lhe uma espécie de
casamento aberto e tem uma primeira relação com Jules Sandeau. A relação
com Sandeau acaba por se
sobrepor à relação com Prosper Merimé, seguindo-se Alfred de Musset e o
italiano Pagello. Depois de regressar a Paris, George Sand enamora-se do
político Michel
de Bourges, ao qual se

1 Gay Talese, La donna, d’altri, trad. içai. Mondadori, Milão 1980.

2 Albert Goldman, Elvis Presley, trad. ital. Mondadori, Milão 1983. O


esquema da promiscuidade absoluta pode ser visualizado pela seguinte
ilustração:

229
#FRANCESCO AIJBERONI

seguem Leroux e Chopin. Tudo isto num período de oito anos, desde 1830
até 1838.’

Outro exemplo é-nos dado pela vida de D’Annunzio. Depois de um


enamoramento adolescente com Giselda Zucconi, D’Annunzio enamora-se da
jovem marquesa Maria Hardouin
de Galles. O que determinou esta atracção foi o elevado nível social da
jovem. Em pouco tempo, D Annunzio cansa-se da vida conjugal e enamora-se,
desta vez profundamente,
de Barbara Leoni. Estamos em 1887. Até àquele momento escrevera
apenas poesias. O enamoramento marca uma nova fase vital e uma nova fase
criativa. Escreve os romances:
// Trionfo delia Morte, H Piacere e LInnocente. Acabada a sua história de
amor com Barbara Leoni, passa por um intervalo conjugal com Maria Gravina,
que lhe dá mais
dois filhos. Depois acontece o encontro com Eleonora Duse. É para ela que
ele escreve as peças de teatro: La città morta, II sogno di un mattino di
primavera, La
Gioconda, Francesca da Rimini. Na última fase da sua vida, D’Annunzio
não se volta a enamorar. Dedica-se à guerra e à política, e leva uma vida
totalmente promíscua.2

3) Vários amantes simultâneos. É uma modalidade muito espalhada, de


que vimos um exemplo no caso de A princesa. Depois duma fase monogâmica,
a pessoa enamora-se
uma segunda vez, ou simplesmente inicia uma nova relação erótica sem
interromper a relação anterior. E continua assim. Desta forma tem uma relação
principal e, simultaneamente,
uma ou mais relações com amantes que continuam. No México, nas
classes abastadas, era comum entre os homens o hábito de comprar uma casa
para cada nova amante. Mas
aumentando ou enriquecendo ao mesmo tempo a da mulher e das
amantes anteriores, de forma a conservar a hierarquia de estatuto. Em suma,
uma modalidade informal de
poligamia.3

1 Joseph Barry, George Sand, trad. ital. Dall’Oglio, Milão 1980.

2 O esquema das amores substitutos pode ser representado com a


ilustração que se segue:

Podemos representar esta modalidade com a seguinte figura:


v
230

”VA-

AMO-TE

4) Longas fases amorosas. O exemplo típico é Goethe, que durante a sua


juventude teve vários amores não correspondidos. Em especial um com
Charlotte Buff, noiva
e depois casada com o seu amigo Kestner. O produto destas experiências
é transferido para Die Leiden desjungen Werther. Já famoso, conhece em
Frankfurt o príncipe
Carlos Augusto que o convida a ir a Weimar, onde será o seu braço direito
no governo do pequeno Estado. Aqui conhece Charlotte von Stein, uma mulher
mais velha do
que ele, culta e requintada. Enamora-se dela e têm uma longa relação. É
com ela que alcança a maturidade e se torna um homem de Estado. Porém,
aos trinta e sete
anos revolta-se, parte às escondidas para uma viagem à Itália que dura
quase dois anos. Quando regressa a Weimar, a sua relação con Charlotte von
Stein chega ao
fim. Enamora-se de Christiane Vulpius que, ao contrário de Charlotte, é
viva, gosta de vestidos coloridos, de jóias vistosas, da boa comida. Entra numa
terceira
fase em que não viaja, faz vida doméstica, dedica-se à botânica, à física,
às ciências naturais.1

5) Procura promíscua e final monogâmico. É um tipo de experiência


frequente nas pessoas muito dotadas que partem duma posição social muito
baixa. Nos primeiros tempos
não são tidos em consideração, sofrem várias frustrações e acabam por se
contentar com um amor-consolação. Depois, com o sucesso, vivem uma
espécie de embriaguez
e deixam-se levar por excessos. Casam, divorciam-se, têm numerosas
amantes. Só na maturidade é que encontram a pessoa com quem realmente
têm afinidades electivas.
Segue-se então uma fase monogâmica estável.2

6) Único grande amor. Também há pessoas que têm um único grande


amor na vida e se mantêm fiéis a ele. É o caso de Giuseppe Verdi. Depois de
ter estado casado, sem
amor, com a filha do seu

” Neste caso a forma é representada deste modo:

W v

v/

\ lorni.i pode ser representada deste modo:

mi
#FRANCESCO ALBERONI

benfeitor, enamora-se da soprano Giuseppina Strepponi que tem


confiança nele e o acompanha desde o início da sua carreira. Vive«o sempre
juntos até à morte de Giuseppina.
O único incidente neste percurso monogâmico é o enamoramento
repentino, e manti do provavelmente no nível platónico, pela soprano Teresa
Stol Não e muito diferente
o caso de Freud.1

1 Ernest Jones, Vita e epm <ti Freud, «tad. ital. H Saggiature, MilSo 1962.

232

15

A CRISE PRECOCE

Porquê a crise? ’ •;••: ’•-<’:• : ,, ; • : •••, • ;,•’.:

As investigações efectuadas sobre a vida matrimonial mostram que a


crise e o divórcio acontecem em todas as culturas e em todas as sociedades,
sobretudo nos primeiros
anos.1 Porquê? Muitos explicam isto com o facto de os processos
amorosos serem o fruto de factores emocionais, de sonhos infantis e, portanto,
de escolhas impulsivas,
irracionais. Nós, pelo contrário, defendemos que, na maior parte dos
casos, a crise precoce do casal acontece porque não foi estabelecida uma
ligação amorosa forte.
Isto é, porque não havia um verdadeiro enamoramento. É verdade que
também há casos em que a crise acontece apesar do enamoramento. Isto dá-
se quando as divergências
sobre o projecto são demasiado grandes. ,
Falta o enamoramento ; ,<

Muitos casais correm mal muito simplesmente porque as duas pessoas


que «se juntam» não estavam verdadeiramente enamoradas. Examinemos
quatro destas situações.

1) A exploração amorosa. O enamoramento começa sempre sob a forma


de explorações. Acende-se um interesse, uma paixoneta, uma emoção intensa.
Cada um procura ser
agradável ao outro. Não lhe pede para fazer trabalhos difíceis, ajuda-o
até. Não o censura, não o repreende, faz até elogios. Não lhe dá ordens, pelo
contrário,
mostra-se serviçal. No período do namoro dedicamo-nos inteira-

’ Veja-se Helen Fisher, Anatomia dell’amore, cit., pp. 52-55.

233
#FRANCESCO AlbeRONI

mente à outra pessoa. Não trabalhamos, não acumulamos recursos,


gastamo-los. Como nas férias, como nos feriados. Comportamo-nos como
grandes senhores. Preocupamo-nos
apenas com o corpo, com a beleza, com o erotismo e com o amor.

Porém, se os dois começam a encontrar-se regularmente, se vão viver


juntos, voltam os problemas da vida diária. Voltam o trabalho, o cansaço, as
preocupações. E
aquelas duas pessoas, que primeiro tinham todo o tempo para pensarem
só no jogo amoroso, agora têm de enfrentar os problemas práticos do mundo.
Cada um tem de pedir
ao outro coisas, critica-o, repreende-o, recorda-lhe os seus deveres.
Emergem os caracteres, as diferenças de hábitos. Muitos jovens vivem hoje
com a família durante
muito tempo, ajudados e tratados pelos pais. Não estão habituados a
enfrentar as pequenas dificuldades da vida, limpar, lavar, cozinhar, fazer a
cama, trabalhar
e gastar com cautela o pouco dinheiro. Se não existir um verdadeiro
enamoramento, em pouco tempo a poesia desaparece e o amor apaga-se.

No seu estudo sobre Quando 1’amore finisce, Donata Francescato


apresenta-nos muitos casos deste tipo. Por exemplo, Teresa diz: «Visto que me
divertia quando o via
ao sábado e ao domingo... pensava eu que se estivesse com ele durante
toda a semana ou toda a vida... seria ainda melhor e eu tornar-me-ia uma
pessoa melhor.»1 E
Valeria: «Casar com o meu marido foi um acto impulsivo. Gostava tanto de
fazer amor com ele, achava-o bonito, encantador, imprevisível [... Mas]
nenhum de nós os
dois suportava estar atado tão novo, os nossos amigos eram todos livres e
nós não. Estávamos habituados a que nos servissem em casa das nossas
mães... em suma, crescendo
fui-me dando conta que era uma farsa, uma coisa inconsistente.»2

2) Fantasias românticas de casamento. As adolescentes têm um nível de


aspiração amorosa extremamente elevado. Muitas delas têm fantasias
amorosas com os seus ídolos
do espectáculo. Algumas acabam por se enamorar e casar com um
homem que consideram claramente inferior ao ideal. E casam-se sem estar
enamoradas, embora depois não
o admitam. Desejam estar, querem o grande amor. Mas, dado que não o
têm, dado que o homem real é um remédio em relação ao ideal,
autoconvencem-se que sentem uma
paixão que não sentem. Algumas

AMO-TE

pensam no vestido branco, na recepção sumptuosa, na admiração das


amigas, na entrada para o mundo das mulheres casadas. Isto é, concebem a
cerimónia nupcial, a instituição
como aquilo que deveria produzir o nascer, o desabrochar do amor.
Naturalmente, a transformação mágica não acontece com o casamento. A
paixão não aumenta, o marido
não se transforma num irresistível sedutor. Quando estão juntos não têm
para dizer nada mais do que tinham antes. Quando estão sozinhos as horas
nunca mais passam,
aborrecem-se. Cada um descobre que o outro continua a ser o mesmo,
com os seus hábitos, os seus defeitos, os seus preconceitos. Seguem-se a
decepção, a raiva, a
censura, as rixas, as recriminações, as acusações. Poucos meses depois,
ou um ano, começam os preparativos do divórcio.1

Lembrarei o caso de Afilha do banqueiro. Era bonita, arrogante, segura de


si. Nunca se enamorara, apesar de ter tido muitos namoros, ou paixonetas.
Fenómenos que,
na nossa terminologia, são explorações. Mas sentia-se incompleta, desde
criança que sonhara com um grande amor e com o casamento. Um grande
casamento. Com o vestido
branco, com centenas de convidados. Tornar-se uma «senhora» com um
marido, com uma casa. Ser adulta. O rapaz que ela tinha agradava-lhe
fisicamente, faziam amor
com alegria. Cada um vivia com os seus pais que pensavam em tudo.
Tinham feito juntos umas férias bonitas, umas férias românticas em que se
davam as mãos e diziam
que eram noivos, e todos olhavam para eles com simpatia. Estava
convencida que, com o casamento, o seu amor tornar-se-ia ainda maior.

Queria estar enamorada, pensava que estava. Mas um exame atento do


seu comportamento mostrava que não havia em absoluto estado nascente.
Não tinha começado a transformação
radical de si que permite plasmar-se ao outro, fundir-se com ele, formar
uma comunidade nova, capaz de se afirmar no mundo com lutas e sacrifícios
porque sabe que
transporta em si um destino e uma meta. Continuara a ser ela própria,
uma jovem habituada às comodidades. Na sua fantasia tinha de ser o
casamento a pôr em movimento,
a desencadear, desvendar, fazer nascer o amor. O casamento, isto é, a
instituição, tinha de fazer o milagre do estado nascente. Um erro incrível,
embora frequente,
sobretudo nas jovens.

1 Donata Francescato, Quando 1’amore finisce, II Mulino, Bolonha 1992, p.


73.
1 Ibidem, p. 70.

234

1 Veja-se Francesco Alberoni, O Voo Nupcial, Bertrand Editora.


235
#FRANCESCO AlBERONI

3) Noutros casos, pelo contrário, falta o enamoramento porque a pessoa


decidiu escolher a pessoa mais adequada utilizando a razão. Dalma Heyn
apresenta-nos o caso
de June, a qual, quando deseja ter um filho, considera justo casar-se.
Então escolhe um marido de bem, adequado, equilibrado, prestável. Logo
depois do casamento
apercebe-se que não o suporta e divorcia-se. Mais interessante ainda é o
caso de Connie, uma adolescente que considera o sexo uma conquista e um
dever. Para ser
moderna e emancipada, faz amor com centenas de homens diferentes. A
dada altura decide que tem de ter cabeça, ser também ela uma mulher adulta,
séria, casar-se.
Põe-se por isso à procura de um marido adequado e, para não errar, para
não se deixar influenciar pelo sentimento ou pelo erotismo, escolhe um que lhe
parece calmo,
sério, mas que não lhe suscita qualquer emoção e qualquer atracção
erótica. O resultado, naturalmente, é catastrófico.1

Este tipo de escolha a frio, racional, acontece muito frequentemente


depois de uma desilusão amorosa. Falámos disso no capítulo sobre o amor-
consolação, onde vimos
o caso de O homem de Turim. Primeiro levara uma má vida e desregrada.
Mas passado um determinado número de anos, sentira a necessidade do calor
de um afecto sincero,
do amor devotado de uma mulher. Começou então a andar com uma
colega da escola muito simpática e gentil, que o tratava com meiguice, que o
adorava. Não estava enamorado
dela, mas apreciava muito as suas qualidades humanas. Era generosa,
sincera, alegre, fiel. Seria uma óptima mulher. Sexualmente atraía-o pouco.
Havia mulheres muito
mais bonitas e desejáveis, mas sabia que não se pode ter tudo na vida.
Aliás, dizia para si mesmo que o amor aumenta com o conhecimento recíproco.
E ele, com esta
mulher, sentia-se seguro, protegido, amado. Casa com ela, têm filhos.
Mas, como sabemos, alguns anos depois enamora-se de outra. Para concluir,
recordemos a dramática
História de Chiara. Depois de uma desilusão amorosa aceita casar com um
homem que vive perto de Milão apenas porque lhe faz lembrar o grande amor
perdido. Depois
da morte do pai, foge de casa numa noite de Inverno, e nunca mais
ninguém soube nada dela.

4) Quando só um dos dois ama. Para a formação do casal amoro-

1 Dalma Heyn, Ilsilenzio erótico deUe mogli, trad. ital. Frassinelli, Milão,
pp. 33 é 81.

236

AMO-TE

so é preciso que haja reciprocidade. Sem reciprocidade o processo de


fusão mantém-se parcial, não acontece o processo de historicização, e o pacto
não tem a dramática
importância que possui quando é assumido por duas pessoas que se
amam realmente. Uma longa tradição de sabedoria popular diz que o amor de
um desperta o amor do
outro, talvez isto acontecesse no passado, nas sociedades camponesas.
Hoje tanto os homens como as mulheres continuam eroticamente jovens pelo
menos até aos sessenta
anos. Vivem rodeados de estímulos, têm muitas possibilidades de
encontro. Quem não ama sente-se sacrificado, prisioneiro. Pode sentir ternura,
às vezes reconhecimento.
Mas é muito, muito difícil que estes sentimentos se transformem em
amor.

Vejamos o caso a que chamaremos A mulher do médico. Era uma jovem


que vivera sem pai e com uma mãe autoritária. Bonita, formosa, atraíra
sempre a atenção dos homens.
A mãe, considerando a beleza da filha um precioso capital a investir,
dissuadira-a sempre de se amarrar a um homem que não fosse muito rico.
Assim, tinham passado
os anos e a jovem chegara aos trinta anos, sempre bonita, mas já
preocupada com a sua beleza que ia desaparecendo.

Uma noite, na discoteca, encontra um médico. Este tivera desde novo


automóveis desportivos e de luxo. Ainda agora gasta grande parte do que
ganha em carros muito
caros. Dá a todos a sensação de ser rico. Na altura em que ela o encontra
está a atravessar um período de desenfreamento erótico, de procura. Vai às
discotecas,
nunca volta a casa antes das três da madrugada. Sente-se atraído por
todo o tipo de mulheres. Passa de uma paixão para a outra. Na realidade está
pronto para uma
mudança radical, para um novo enamoramento.
Ela fica atraída por ele. Não lhe agrada fisicamente, mas fica fascinada
pelos seus carros fabulosos, pela sua vida de grande senhor. A mãe informa-se
e acaba por
saber que o homem está prestes a receber uma grande herança, isto é,
que é riquíssimo. Isto tem um efeito excitante na nossa jovem que vê
finalmente realizar-se
um sonho longamente cultivado: casar com um milionário.

No primeiro encontro, quando o médico a vê alta, bela, cabeleira ruiva,


seio imponente, fica fulminado. Convida-a para sair no carro luxuoso e as
pessoas viram-se
para os ver. Nunca tivera uma

237
#FRANCESCO ALBERONI

mulher assim, é uma diva, uma deusa. E esta deusa aceita-o, faz amor, e
está decidida a ir viver com ele. Nunca sentira tanto orgulho, tanta sensação
de poder. A
posse da beleza, da beleza que todos admiram, que todos olham, que
todos querem mas que só ele tem, dá-lhe vertigens. É como Paris que possuiu
Helena, a mulher mais
bela do mundo. O seu desejo alimenta-se com os desejos de todos os
homens que, ao verem-na, a querem. A sua situação é comparável à da jovem
que encontrou o seu
grande ídolo, que é escolhida por ele, e que caminha orgulhosamente a
seu lado, seguida pelos olhares invejosos de todas as outras mulheres. Mas a
sua adoração idolátrica
torna-se verdadeiro amor. Desejo de fusão, de dedicação. «Esta mulher»,
pensa ele, «é a que eu sempre procurei, e que amarei para sempre.»
Ela, pelo seu lado, não está enamorada. Fisicamente, ele não lhe agrada,
não faz com que ela se volte para ver. Sente-se atraída pela sua vida luxuosa,
pelos seus
automóveis faraónicos, pela sua exuberância. Diverte-se e, sobretudo, vê
nele um futuro de riqueza, para si, para a sua família, para os seus futuros
filhos. A rapariga
está numa idade da vida em que tem de tomar uma decisão se quiser ser
mãe. E ela quer ser. Fica grávida. E por isso casam-se.

Depois, a desilusão. Vivendo dia a dia ao lado do marido apercebe-se que,


na realidade, ele não é tão rico como ela pensava. Ganha bem, tem bons
carros, dá-lhe presentes
generosos, porque a ama loucamente, mas não é um milionário. Por
detrás dos seus gestos grandiosos, está apenas a sua profissão de médico, o
que ganha dia a dia
com o seu trabalho. Esta descoberta traumatiza-a. Sente-se dominada por
uma cólera violenta. Tem até um movimento de repugnância dele, do seu
corpo, da relação sexual.
Quando nasce o filho, dedica-se a ele obsessivamente e não concede nem
mais um olhar ao marido. Acusa-o de ser sovina e egoísta, censura-o em
público. O casamento
está prestes a acabar irremediavelmente quando o homem reage. Explica-
lhe que ele nunca lhe dissera que era rico, que nunca tentou enganá-la. Que
tem de escolher
se quer um pai para o seu filho ou viver sozinha. Ele ama-a e será um bom
pai. Escolha, mas com clareza e sem mudanças de opinião. Posta perante uma
alternativa
tão clara, a mulher decide ficar. Mas, como não o ama, o casamento está
condenado.

238
AMO-TE

Pseudo-enamoramento

Muitas vezes o casal entra rapidamente em crise porque ambos


confundiram um pseudo-enamoramento por um enamoramento verdadeiro. No
pseudo-enamoramento as pessoas
pensam que estão enamoradas. Só um exame atento é que mostra que
não existem todos os elementos do estado nascente. As formas mais
frequentes de pseudo-enamoramento
são: o amor competitivo, o amor idolátrico, a paixão erótica.

O amor competitivo. Neste tipo de amor o verdadeiro sentimento que


está por detrás é a competição. Desejamos ardentemente alguém que
pertença a outro, alguém que
nos ofereça resistência. O desejo é alimentado pelo obstáculo, pela luta.

O amor competitivo tem três formas: a primeira é o desejo de conquista,


de sedução. Vimos exemplos disto nas personagens de Diego e Stefano nos
romances de Catellaneta,
e do duque de Nemours, no romance A Princesa de Clèves. O amor de tipo
competitivo é nefasto para a formação do casal, porque desaparece assim que
é correspondido.

O segundo tipo de amor competitivo é alimentado pelo desejo de


afirmação da própria superioridade sobre o rival. Como faz Casanova no filme
de Alain Delon, como
faz a A rapariga que procura marido. Também este tipo de amor
desaparece no momento em que o rival ou a rival é derrotado.
O terceiro tipo de amor competitivo é o que surge no casal aliado contra
um adversário, um inimigo. E encontramo-lo com alguma frequência entre os
jovens que querem
libertar-se da tutela da família, emancipar-se, tornar-se autónomos. Dá-
nos um exemplo disto Jurg Willi.1 O filho de um rico comerciante judeu casara
com uma alemã
católica. Os pais procuram, com ameaças e com lisonjas, dissuadi-lo. Mas
sem resultado. Os dois casam-se em segredo e vivem durante muitos anos em
perfeita harmonia.
Consolida-os a luta contra os pais dele, contras as suas pressões, contra o
seu ostracismo. Um dia, no entanto, estes resignam-se e recebem
afectuosamente a esposa.
Nesse momento o jovem tem uma crise violenta e as suas relações com a
mulher deterioram-se repentinamente.

’ Jurg Willi, La coUuasatíS Offia, ead. ital. Franco Angeli, MS5iri993, P-179.

239
#FRANCESCO ALBERONI

2) A paixão idolátrica. Falámos durante muito tempo do amor idolátrico


falando de adolescentes. A fragilidade do amor idolátrico deriva do facto de a
afeição pelo
ídolo depender da indicação da sociedade. Tende a desaparecer quando
desaparece a adoração colectiva. Mas desaparece também quando, com a
proximidade e a vida em
comum, a pessoa amada se apresenta na sua realidade de homem ou de
mulher comum, com as virtudes e os defeitos da pessoa normal. As qualidades
extraordinárias do
ídolo não são fruto da nossa transfiguração pessoal, isto é, da capacidade
que nós adquirimos no estado nascente de apreciar, de amar aquilo que é, o
ser em si mesmo,
de captarmos a sua extraordinária e única beleza. Na paixão idolátrica não
vemos o ser, mas o que a sociedade projectou sobre o ídolo. Portanto, ao
encontrarmo-nos
a sós com ele, podemos ter uma terrível desilusão. Imaginávamo-lo forte,
generoso e destemido, mas é avarento, medroso e falso. Pensávamos que era
meigo e educado,
mas é brutal e arrogante. Além disso tenhamos presente que a relação
com um ídolo é desequilibrada, que ele (ou ela) considera-se superior, pensa
ter mais direitos.

Por fim, com frequência, a pessoa que casou com uma personalidade
importante, com um ídolo, começa a desejar a sua própria notoriedade, a sua
própria fama. Quando
vai às recepções fica aborrecida por se ver posta de lado enquanto todos
vão a correr para junto dele. As mulheres, normalmente, suportam esta
desigualdade melhor
do que os homens. Estão mais habituadas a contentarem-se com ser «a
mulher de». Mas para os homens é diferente. Como mostra o caso de O
homem da cantora. Ela é uma
das maiores cantoras do país. Lindíssima, inteligente e misteriosa. Ele é
um arquitecto brilhante. Conhece-a numa noite quando canta e fica encantado
com ela. Um
amor à primeira vista. Faz-lhe uma corte apaixonada e ela, que está a
entrar numa nova fase da sua vida, corresponde ao seu amor. Aceita ir viver
logo com ele, e
até casar. Mas o homem entra em crise. Porque quando saem juntos todos
olham para ela. Porque, no palco, ela é o alvo dos focos e ele fica ignorado a
um canto. Não
se adapta. Não aceita ser «o homem de...», o «marido de...». Por isso
recusa a vida em comum. Comporta-se como um solteiro. Obriga-a a
encontrarem-se de vez em quando,
como dois amantes clandestinos.

3) A paixão erótica. Estudámos vários casos de paixão erótica. No homem


caracteriza-se por um prazer sexual desenfreado que no

240

AMO-TE

entanto nunca se torna nascente e projecto comum de vida. Na mulher


alimenta-se muitas vezes de componentes idolátricas. Como no caso da
Carmen, da ópera de Bizet.
Carmen é ardente, tem vontade de amar e de ser amada. Don José
agrada-lhe porque é bonito, porque veste uma farda, porque a ajuda a fugir.
Que não está enamoraIda
dele é coisa que se vê quando ele, assim que sai da prisão por sua [causa,
gostaria de voltar para o quartel para não ser preso outra vez. I Ela ri-se dele e
obriga-o,
com a sedução, a desertar, a segui-la com os contrabandistas. Ela não
renuncia a nada, ele a tudo. Sendo agora um desertor, o homem fica
destroçado, triste. E
Carmen cansa-se dele. Tem já na sua cabeça um novo amor: o toureiro
Escamillo. Um caso típico de paixão erótica é o de um homem de negócios i
italiano que vai
ao carnaval do Rio de Janeiro e fica fascinado, erotiIcamente enfeitiçado
por uma mulata muito nova. Vou chamar-lhe l O homem do Rio. Convencido de
que está loucamente
enamorado, uma semana depois convence-a a ir com ele para Itália. Às
escondiIdas da mulher, aloja-a num apartamento de Milão. Dá-lhe uma
[quantia considerável todos
os meses, que ela envia regularmente l para a família no Brasil. A jovem
vive sozinha, fala mal o italiano e l sofre de solidão. Sente falta da mãe, dos
irmãos e
das amigas. Tornou-se triste. Perdeu toda a vivacidade, todo o encanto,
todo o erotismo transbordante que tinha durante o Carnaval. O homem aper-
cebe-se que a sua brasileira tem um corpo minúsculo, magro, com [seios
pequenos, quase uma menina. Então, em vez de impulso [ sexual, sente por
ela ternura paternal.
Depois de alguns meses, a rapariga pede-lhe a chorar que a deixe voltar
para o Brasil. Ele sente-se (aliviado. Oferece-lhe uma enorme quantia em
dinheiro e acompanha-a
ao aeroporto. Mantêm-se com relações afectuosas. Voltam a ver-se mais
uma vez no Brasil. Mas do grande amor nem rasto.

Incompatibilidadedeprojecto < ,

A crise do casal também pode acontecer quando houve verdadeiro


enamoramento. Portanto, estado nascente, fusão, historicização, I pacto. Mas
se o estado nascente
nos tornar plásticos, adaptáveis um Ião outro, então permaneceremos
personalidades distintas, com sonhos, aspirações, sentimentos, projectos vitais
diferentes e
distintos.

241
#FRANCESCO ALBErONi
Já falámos da luta com o anjo e das divisões, dos dramas que ela pode
provocar. Já examinámos diversos casos. Agora limitamo-nos a recordar o de
Tolstoi e da sua
mulher Sônia. Depois do casamento vão viver para a quinta de Jasnaja
Poliana. É o reino de Tolstoi, dos seus hábitos. Um lugar onde impera a
desordem total, a sujidade,
onde os camponeses dormem nos corredores e o cozinheiro é um bêbado.
Sônia sente-se atraída pelo génio caprichoso de Tolstoi, mas gostaria de fazer
dele um marido
normal. Pega nas rédeas da casa e procura transformá-la numa residência
elegante. Tolstoi interpreta estas suas exigências como coquetismo. Por isso
nenhum dos dois
consegue realizar o projecto de vida que tinha na ideia. Ela quer uma vida
alegre, mundana. Ele, uma simples vida camponesa. Ela procura um homem
com quem ter um
encontro espiritual, ele uma mulher com quem ter relações sexuais, que
vista roupa humilde, que renuncie à vida social e só se preocupe com a casa e
os filhos, sem
pretensões intelectuais. No entanto, quando se enamorara dela, Tolstoi
sentira-se atraído precisamente pela sua vivacidade, pela sua alegria, pela sua
elegância.
Agora quer anular nela aquilo que o seduzira: a alegria, a espontaneidade,
o desejo de diversão, de prazer.1 E como cada um dá a ler ao outro o diário
onde escreve
as suas dúvidas e os seus rancores, começam desde os primeiros meses
de casamento os confrontos violentos.

Factores externos
No enamoramento tomamos nas nossas próprias mãos o nosso destino de
indivíduos. Libertamo-nos dos condicionamentos da família, do ambiente
social. Procuramos um
caminho nosso. Mas às vezes estas forças sociais censuram-nos, forçam-
nos a regressar àquilo que nós éramos. Então também o amor desaparece. O
livro de Woods Kennedy2
Un anno d’amore narra o amor entre dois jovens americanos de dezoito
anos em Paris. O ambiente é o ambiente desordenado da diaspora intelectual
americana de Fitzgerald,
Pound, Henry Miller e Hemingway. Ele é duma família rica e nunca teve
experiên-

AMO-TE

1 Henri Troyat, Tolstoi, trad. ital. Rizzoli, Milão 1969, vol. I, p. 335.

2 Robert Woods Kennedy, Un anno d’amore, trad, ital Rizzoli, Milão 1973.

242

cias sexuais. Ela, Sarah, por outro lado, provém do mundo do espectáculo
de variedades de Nova Iorque, foi a amante de um realizador e, depois de uma
doença venérea,
não pode ter mais filhos. Mas é lindíssima, muito meiga. Desvenda-lhe o
corpo feminino, ensina-lhe o amor erótico e, através do erotismo, nasce entre
eles um profund
amor. A rapariga começa a frequentar o seu meio, vão a escolas de arte,
vivem em intimidade total. Naquele mundo desordenado, transgressor,
formam um casal de enamorados
inseparáveis e fiéis.

Há depois um momento em que a mãe do rapaz lhe impõe regressar a


Boston. Ele leva Sarah consigo. Mas é outro ambiente rico, altivo, puritano.
Tem outros valores,
outras regras. Sarah está atordoada, angustiada. Sente-se rejeitada,
sente-se sufocar. O homem que ama é o rapaz livre de Paris, e não o filho
escravo das convenções
da sua família. Compreende que não será aceite, que nun< conseguirá
realizar o amor que sonhou. E no seu coração surge então a revolta, o ódio por
aquele mundo que,
desde criança, ela vira de longe, frio, hostil, impiedoso. Vai ter com a mãe
ao bairro miserável de Nova Iorque onde volta a encontrar dentro de si a força
predatória,
rebelde, que a ajudara a lutar e a sobreviver. Decide voltar para o mundo
do espectáculo, explorando sem escrúpulos a beleza e a sua sexualidade. E
assim o seu
amor termina, pois nhum dos dois consegue ultrapassar as diferenças dos
mundos que emergiram do passado e os cercam com os seus tentáculos.
Porque não conseguem
inventar uma forma de vida alternativa. Cada um é sorvido pelo seu
ambiente, e separa-se do outro.

Este tipo de luta entre o novo casal e os meios sociais de origem existe
sempre, embora nem sempre de forma tão extenuante. Muitos conflitos que
surgem nos primeiros
anos do casamento são devidos às interferências dos pais do esposo ou
da esposa.1

Enfraquecer o outro -,;..,• , ;,.


Há pessoas que se enamoram de uma pessoa com características e
capacidades superiores às suas. Depois, quando têm a certeza de que

1 Rosa Giannetta Alberoni, Guião di Faria, Complicità e competizione,


Harlequin Mondadori, Mill
1992.

243
#FRANCESCO ALBIiRONI

o seu amor é correspondido, procuram destruir no outro precisamente as


qualidades que os fascinaram. É o caso do homem casado, de bem, rico, que
se enamora da bailarina,
da actriz, porque se sente atraído pela sua liberdade, porque a vê como
símbolo da transgressão e do erotismo desenfreado. Porque, através dela, quer
ver-se livre
dos limites, dos freios da chã mediocridade. Mas depois tem medo da sua
beleza, do fascínio que ela exerce sobre os outros, e sobre ele. Sabe que, para
a ter, tem
de estar sempre à altura das esperanças que lhe nutriu. E não tem a
certeza de conseguir, não está seguro das suas capacidades. Ele sabe bem
que poder erótico é
capaz de exercer quando é ela própria, uma estrela. Tem medo de que
outro lha roube. Tem medo do seu próprio amor. Então fecha-a em casa,
afasta-a do seu ambiente,
pede-lhe para deixar o seu trabalho, obriga-a a ter filhos, impõe-lhe que
vista roupas banais, anónimas. Transforma-a numa dona de casa tradicional,
inócua, sem
qualquer fascínio erótico. Neutraliza-a, destrói-a. Assim deixa de amá-la,
de desejá-la. Desembaraça-se do seu amor.
Já dissemos que se uma pessoa está verdadeiramente enamorada deseja
amar, pretende intensificar o seu amor? E verdade. Mas também vimos que há
forças em todos os
seres humanos a favor do amor e forças que agem contra ele. Neste tipo
humano as forças contrárias são mais fortes. O medo prevalece sobre o amor.
Enamorara-se de
um maravilhoso animal selvagem que corria livremente pelo mundo. E
depois teme-o, receia ficar seu escravo. E não quer renunciar, não quer sofrer.
Usa então um método
mais dissimulado para matar o seu amor. Procura domesticá-lo,
transformá-lo em algo de familiar, de inócuo. Corta-lhe as asas e, no fim,
quando está reduzida a uma
galinha choca, também o seu amor acaba. É o que vimos no caso de
Tolstoi e sua mulher Sônia.

Observando mais atentamente este tipo de amor, descobrimos que


pertence à categoria dos amores competitivos. Dos amores desencadeados
pelo desejo de vencer uma competição
com os outros, de apoderar-se de um trofeu, de prevalecer, de sobressair.
Um tipo de amor em que a pessoa se afirma a si mesmo, mas não está
disposto a dar-se, a
entregar-se. De um amor egoísta. De um amor que não quer elevar o
outro, mas procura de todas as formas rebaixá-lo, reduzi-lo ao seu nível. De um
amor que é construído
pela competição invejosa. Quando o homem comum consegue casar com
a gran-

244

AMO-TE
de estrela e todos olham para ela, a princípio fica orgulhoso, mas depois
sente-se diminuído, e nasce a inveja. Procura então destruir a sua beleza, fazer
dela uma
mulher vulgar, medíocre como ele. Só assim se sentirá à vontade. Só
assim não tem de se esforçar para melhor, para se elevar ao nível dela.

É o que nos recorda o caso de Sandra Milo, uma actriz que se tornou
famosa com Fellini, e que abandonou o seu papel de estrela por amor. Casa
com um médico, vai
viver com ele para uma aldeia. É mãe. Ele, casando com ela, pede-lhe que
renuncie a ser actriz, tornar-se uma esposa, uma mulher só para ele. Em suma,
pede-lhe que
de estrela se transforme em mulher normal. No entanto enamorara-se
dela precisamente quando ela estava no máximo da sua carreira, famosa,
resplandecente e inabordável.
Quando esta obra de destruição está concluída, também o seu amor se
desvaneceu. Sandra Milo regressa a Roma, ao seu meio. Mas já não tem
multidões de admiradores
à sua espera. Já não há realizadores que a disputem. A sua época de
glória já acabou.

Algo de semelhante acontece com Ingrid Bergman quando se casa com o


realizador italiano Rossellini. Rossellini era famoso por ter inventado uma
técnica cinematográfica
nova: o neo-realismo. Ingrid Bergman era uma grande estrela de
Hollywood, graças a filmes como Por Quem os Sinos Dobram, Notorius,
Casablanca. Ambos pensam que juntos
farão coisas extraordinárias. Mas Rossellini não consegue sair do seu
esquema. Obriga-a a fazer papéis de mulher do povo como nos filmes neo-
realistas. Mas ela não
se adapta. O resultado é um falhanço. Então Bergman dedica-se à casa,
aos filhos, longe de Hollywood, do seu mundo, dos seus amigos. Até que um
dia se revolta e
se vai embora. Mas nunca mais será como dantes.

O enamoramento baseia-se na igualdade e na valorização recíproca. Se


um deles procura fazer baixar o outro, mata o amor. No enamoramento
nenhum dos dois deve deixar
que o outro lhe ponha os pés em cima, o domine, o oprima, porque o
enamoramento é igualdade e liberdade, e se eu não reivindicar a minha
dignidade e o meu valor,
se não defender a minha personalidade, não só me atraiçoo a mim
mesmo como também atraiçoo o outro, que me escolheu por aquilo que sou.

245
#FRANCESCO AlBErONi

Superação de um ponto de não retorno

Cada um de nós tem objectos de amor essenciais e valores essenciais que


constituem a sua personalidade e que não podem ser destruídos nem mesmo
pelo enamoramento.
Pelo contrário, enamorando-nos, redescobrimo-los, reconfirmamo-los,
colocamo-los no centro do nosso projecto amoroso. Vimos o caso de A mulher
que queria um filho,
a qual, enamorando-se, descobre e reconfirma o seu desejo de
maternidade. Também há homens que têm uma necessidade de paternidade
semelhante. Recordemos o caso de
O escultor. Este homem, como já vimos, enamora-se de uma jovem muito
bonita, faz-Ihe uma corte impiedosa. Quando por fim ela corresponde, ele
começa a falar dos
seus projectos matrimoniais. É rico, tem uma grande casa junto do lago. É
lá que quer viver com ela e ter muitos filhos. Mas a rapariga tem um projecto
para a sua
vida completamente diferente. Pretende terminar a universidade e,
depois, dedicar-se à realização televisiva, trabalho que agora faz
irregularmente. Talvez um dia
também queira ter um filho. Mas, por agora, não tem qualquer intenção
de enterrar-se viva numa vivenda ao pé dum lago. Quer ficar na grande cidade
onde vive, porque
só ali poderá realizar a sua vocação artística e profissional. O escultor não
se rende, procura convencê-la com a sedução. Mas a jovem sente-se
perseguida. O desejo
de vê-lo transforma-se em desejo de fugir dele. Anos depois o escultor
encontra uma mulher que, tal como ele, também quer uma família numerosa.
Casa com ela, mesmo
sem a amar, e têm uma série de crianças. O escultor realiza o seu sonho.
Torna-se uma espécie de patriarca renunciando ao amor.

Às vezes o ponto de não retorno depende de um decisão tomada


anteriormente. Como no caso a que chamaremos A rapariga do realizador. Um
realizador de séries televisivas
tinha casado com uma mulher inglesa requintada, especialista em
literatura e apaixonada pelo cinema. Eram um casal que se dava muito bem,
ela acompanhava-o no seu
trabalho, estimulava-o, ajudava-o. Escolhiam juntos os temas,
seleccionavam os actores, a banda sonora, a encenação. Depois, um certo dia,
a produção convidou o
realizador a ficar com uma jovem licenciada que quer ser realizadora. Ele
aceita, a mulher aprova e ajuda-o a ensinar à jovem aluna as bases da
realização. Mas pouco
a pouco o realizador e a rapariga discutem os aspectos da série que es-
246

AMO-Te

tão a rodar coomo se estivessem sozinhos. A mulher é eliminada. Observa


silenciosamente a cumplicidade que se criou entre eles e compreende que já
não há lugar para
ela. Abandona o marido, o set, a casa que tinham construído juntos e
refugia-se num apartamento mobilado, onde procura dedicar-se a uma
investigação literária.

Entretanto a rapariga vai viver com o realizador. Diz-lhe que o ama, que
quer ficar com ele. Todos pensam que são amantes. Sobretudo a mulher que,
usando todo o
seu self control inglês, não os incomoda. Porém, um dia o marido vai ter
com ela, não para pedir desculpa, não para lhe pedir perdão pelo sofrimento
que lhe provoca,
mas para lhe pedir ajuda. Conta-lhe que a rapariga de quem está
enamorado está disposta a viver com ele, a ajudá-lo no seu trabalho, a ocupar-
se da casa, mas não
quer ter relações sexuais. Pode ser a sua cúmplice, a amiga, a irmã, mas
não a sua amante. Porquê? Porque há uns anos estivera enamorada de um
rapaz com a sua mesma
idade e que ela conhecia desde o infantário. Quando este rapaz morre
num acidente de automóvel, faz voto de castidade. E não tem intenção de
infringir aquele voto
por nenhuma razão do mundo. O realizador não se rende, fala com os pais
da rapariga, pede a intervenção de um sacerdote. Tudo inútil, ela é inamovível.
A sua vida
é um pesadelo, nunca mais conseguiu dormir, trabalhar. Vive obcecado
pelo desejo. No entanto não tem coragem para cortar. Só a ideia de perdê-la
fá-lo delirar. O
que é que deve fazer?

A mulher ouve em silêncio e depois, abrindo a porta diz-lhe: «Fico cá para


ter o prazer de ver o fim da tua aventura romântica. Depois volto para sempre
para Inglaterra.»
Quando regressa a casa, o realizador não encontra a rapariga à sua
espera, mas apenas um bilhete com algumas linhas: «O meu lugar é num
convento. A vida de realizador
é composta por um tumulto de paixões. Não me permitiria respeitar um
voto como aquele que eu fiz. Ficando no mundo só poderei dar sofrimento. Já
dei demais também
a ti. Não me procures.» Desde então este homem nunca mais a procurou.
E nunca mais procurou sequer a mulher entretanto regressada a Inglaterra.
Cortou com o amor
e com o trabalho. Refugiou-se na solidão do álcool.

247
#17

O CASAL QUE DURA

Evoluir juntos

A vida é um incessante processo de mudança. E as mudanças, mesmo


quando acontecem através de muitos passos pequeninos, regra geral
manifestam-se de forma descontínua.
Um fio de metal esticado continuamente por um peso altera-se a nível
molecular até a dada altura se partir. Também as doenças se apresentam de
forma imprevista.
Durante algum tempo o nosso organismo controla a acção dos agentes
patogénicos, até que as defesas cedem e então aparecem os sintomas. O
mesmo acontece no campo
das decisões humanas. Cresce a minha insatisfação pelo trabalho que
faço, começo a olhar à minha volta e descubro outras possibilidades. Entro em
contacto com amigos
e com agências especializadas. Mas depois vem o momento em que tenho
de tomar a decisão irrevogável. Então a minha vida sofre uma transformação
brusca. Também os
movimentos colectivos e o enamoramento obedecem à mesma lei:
acumulam-se muitas pequenas mudanças, muitas pequenas tensões,
exploram-se na fantasia muitas novas
vias, até que ocorre uma explosão, uma revolução.

Se as mudanças acontecessem de forma contínua ou por passos


infinitesimais e não fôssemos conscientes deles, poderíamos adaptar-nos a
eles com facilidade e prevenir
as crises. Mas isto é estruturalmente impossível. Também as tensões, as
incompreensões, os problemas que vão amadurecendo no seio do casal
obedecem à mesma lei.
E é por isso que os psicólogos aconselham continuamente aos dois
cônjuges que falem, que examinem os problemas antes que estes aumentem
de dimensão e atinjam um
limiar crítico. Mas dado que todas as forças existentes, todas as
vicissitudes da vida actuam sobre nós de forma descontínua, o casal é
inevitavelmente forçado a
enfrentar
249
#FRANCESCO ALBERONI

mudanças bruscas, problemas inesperados. Alguns são a consequência de


desejos antigos que nunca pudemos satisfazer, como, por exemplo, ter filhos,
uma boa casa,
visitar países distantes. Outros surgem do nosso amadurecimento, da
nossa evolução. Quando atingimos uma meta pomos logo outra mais longe.
Queremos um reconhecimento
que pensamos ter merecido. Outros ainda actuam sobre nós a partir de
fora, como, por exemplo, uma doença nossa, ou a doença do nosso marido ou
da nossa mulher. Ou
mesmo dos irmãos e dos pais.

Todas estas coisas podem atingir os dois membros do casal


separadamente e ter efeitos muito diferentes sobre um ou sobre o outro. Por
isso, cada mudança é potencialmente
a ocasião de uma crise, porque obriga os membros do casal a refazer os
seus programas. Em todas estas ocasiões os dois podem convergir, encontrar
um caminho comum,
redescobrir o seu amor. Ou, pelo contrário, podem divergir, enveredar por
caminhos que os afastem. Todos os acontecimentos descontínuos da vida são
para o casal
outras tantas ocasiões de mudança convergente ou divergente.

O amor não é, portanto, algo que existe, que dura, que fica. Mas sim algo
que é continuamente desafiado, abalado, posto à prova. E que pode renovar-
se, renascer,
continuamente. Ou, pelo contrário, atenuar-se, degradar-se, desaparecer.
Não pode haver um estudo sobre a persistência do amor de casal que não seja
também um estudo
dos desafios que ele sofre e ultrapassa. O amor é precisamente um
ultrapassar estas crises, um renovar-se através das crises. A co-evoluçãol não
é um processo contínuo,
mas sim o produto da solução convergente de tensões, conflitos, crises.

Vejamos o caso a que chamarei o caso de Os dois intelectuais. Ele é um


cientista, ela uma escritora. Um casal sem filhos, um casal de esposos-
amantes, profundamente
enamorados, que gostam um do outro eroticamente e que enfrentaram o
mundo sempre unidos. Viajam juntos, trabalham juntos, discutem todos os
problemas e, normalmente,
chegam às mesmas conclusões. Vistos do exterior parece que não têm
qualquer problema, que estão sempre de acordo. Na realidade a sua relação
amorosa é o produto
de um contínuo afastar-se para fazerem uma exploração e um contínuo
reencontrar-se.

A dada altura o marido tem um grande e inesperado êxito.

1 Pelo que me consta este conceito foi introduzido por Jurg Willi, que lhe
dedicou um estudo intenso. Veja-se, deste autor, Che cosa tiene insieme lê
coppie, cit.

250
AMO-TE

A mulher, que o ama verdadeiramente, fica feliz, e sente uma atracção


ainda maior. Porém, embora ela seja também muito boa, todos se viram para o
marido, entrevistam-no
a ele, ignoram as suas qualidades intelectuais. Com frequência é ela que
resolve os problemas, que encontra as soluções. Mas as pessoas só as levam a
sério quando
são formuladas pelo ilustre marido. As mulheres invejam-na porque é «a
mulher de» e ignoram-na ostensivamente nos encontros públicos. Os rivais do
marido atacam-na
para o ofenderem a ele. Ela sofre com esta injustiça e, em dados
momentos, apanha uma grande crise de desconforto que poderia tornar-se
facilmente em inveja, rancor,
em relação ao marido. A inveja surge exactamente quando, entre duas
pessoas que se consideram iguais, uma ultrapassa a outra.1 A crise, que
poderia tornar-se destrutiva,
é superada tomando a decisão de aparecer em público ostensivamente
unidos, cúmplices. Viajam juntos, fazem conferências juntos, enfrentam o
mundo exterior lado a
lado. Desta forma também o seu erotismo se renova. E um gesto
espontâneo de ambas as partes, mas ao mesmo tempo uma solução
inteligente para um problema perigoso.

Alguns anos depois desperta na mulher um vivo interesse pela política.


Embrenha-se nela cada vez mais. O marido, por amor, deixa-a envolver-se. É
uma regra fundamental
da co-evolução, que cada um se interesse e participe intensamente
naquilo que o outro faz. Mas o interesse político na mulher acaba por se tornar
dominante. Discutem
continuamente de política e ele cansa-se, gostaria de ocupar o tempo
noutra coisa. A mulher passa todo o seu tempo nas reuniões do partido, aceita
alguns cargos
públicos. É-lhe oferecido apresentar-se às eleições políticas. Ele não a
detém e ela começa a viajar sozinha, anda na companhia de outros homens.
Ele descobre que
é ciumento. Diz-lho. A mulher sabe que, se aceitar apresentar-se às
eleições, se enveredar por uma carreira política, a sua vida em comum terá de
mudar profundamente.
Encaram também a possibilidade de se dedicarem ambos à actividade
pública, de ir os dois viver para a capital, para se manterem unidos, para
continuarem a trabalhar
juntos. Depois a mulher apercebe-se que o marido não se adaptou, que
para ele seria um sacrifício demasiado grande. Fazem então um plano em que
ela estará ausente
quatro dias por semana e ficarão juntos os outros três.

1 Sobre o tema da inveja, veja-se Francesco Alberom, Os Invejosos,


Bertrand Editora, Lisboa.

251
#FRANCESCO ALBERONI

Até uma altura em que a mulher compreende que a actividade política


não é só uma batalha ideal. É feita também de desgastantes esperas, de
conversas que nunca mais
acabam, de contínuos compromissos. E sente saudade de sua casa, dos
seus livros, da reflexão pacata, das investigações que fazia com o marido. E
compreende que a
sua verdadeira vocação é ser escritora. E assim encontram de novo um
objectivo comum. Continuarão a interessar-se pela política, mas só do ponto de
vista da actividade
intelectual, sem uma participação directa. A ocasião para esta nova fase
da sua vida é a redacção de um grande romance histórico.

Amizade ••.-.••
A amizade e o enamoramento são duas coisas diferentes.1 O
enamoramento aparece bruscamente, com o estado nascente. A amizade
consolida-se pouco a pouco, encontro
após encontro, com o prazer de estar juntos, com o crescimento da
confiança. O enamoramento é uma paixão, nós amamos até quem não nos
ama. A amizade, por seu lado,
só pode existir se for recíproca. O enamoramento está para além do bem
e do mal. Nós podemos amar até uma pessoa malvada, que nos faz sofrer. A
amizade, pelo contrário,
é um sentimento moral. Não podemos ser amigos de um que nos trata
mal, que nos engana, que nos trai. Quando vejo a pessoa de quem estou
enamorado sinto o coração
aos pulos. Quando vejo o amigo fico contente, calmo. Os enamorados
tendem para a fusão, exercem pressão um sobre o outro. Os amigos, por outro
lado, tratam-se como
dois grandes senhores e cada um tem o máximo respeito pelo outro e pelo
seu mundo pessoal e social. Quando estou enamorado não suporto estar longe
do meu amado,
o tempo nunca mais passa. Os amigos, no entanto, podem estar longe
durante muito tempo e, quando se encontram, continuam o diálogo no ponto
em que o tinham deixado
meses antes. O amor é exclusivo, ciumento. Se o meu amado me disser
que ama outra pessoa eu enlouqueço de dor. Se um amigo me contar que se
enamorou de alguém e
vai com ele numa viagem à volta do mundo, fico contente com a sua
felicidade.

W
1 Sobre o tema das relações e das diferenças entre amizade e
enamoramento, veja-se Francesco Alberoni, A Amizade, Bertrand Editora,
Lisboa. ; >.->... •• •••
• ’•:• ••••••

252’

AMO-TE

No entanto, para durar, a relação amorosa precisa dos sentimentos morais


da amizade: a confiança, a familiaridade, o respeito mútuo, a lealdade, a
moderação, a prudência,
a sinceridade. Precisa da delicadeza, da liberdade da amizade que nada
impõe, porque não pensa ter qualquer direito sobre o outro e o respeita na sua
diversidade.
No amor do enamoramento a amizade avança quando diminui o impulso
frenético para a fusão e se afirma a outra necessidade, inerente a todo o ser
humano, o respeito
pela sua individualidade. O processo de institucionalização pode ser em
parte descrito como uma passagem da fusão para a amizade. Com as suas
fronteiras, os seus
limites. Com as suas relações morais baseadas em compromissos, pactos.

Podemos então perguntar se, com a diminuição da paixão amorosa, do


interesse erótico, o casal pode manter-se unido, estável, baseando-se apenas
na amizade. Nós defendemos
que não. É a mesma conclusão a que chegou Sternberg. Segundo
Sternberg1, o amor de casal é formado por três componentes: a paixão, a
intimidade ou amizade e o compromisso.
Se faltar totalmente a dimensão da paixão nem sequer se poderá falar de
casal.2
1 Robert J. Sternberg, La triangolazione dell’amore, in Robert J. Sternberg-
Michael L. Barnes, (dir.), La psicologia dell’amore, trad. ital. Bompiani, Milão
1990.
Estas três dimensões podem ser medidas com escalas apropriadas e
representadas sob a forma de triângulo. No casal equilibrado elas são de
intensidade igual e o triângulo
será um triângulo equilátero. Se, pelo contrário, predomina uma das três
dimensões, o triângulo terá uma forma afiada ou achatada de um ou do outro
lado.

2 De facto, desaparece o triângulo. Veja-se a figura extraída por Guido di


Fraia, La passione amorosa, Harlequin Mondadori, Milão 1991, p. 59:

Paixão

Amizade Compromisso Prevale a paixão

Paixão

Amizade Compromisso Prevale o compromisso

Paixão

Amizade Compromisso

Prevale a amizade

253
#fRANCeSCO ALberONI
A amizade é portanto uma componente importante do amor de casal. O
desenvolvimento das relações morais da amizade contribui ao seu reforço. Mas
sozinha não chega.
Porque a amizade baseia-se no princípio do prazer e um amigo que nos dá
desprazer deixa de ser nosso amigo. Quando nos trata mal, mente ou é
simplesmente desordenado
ou nos chateia, nós evitamo-lo. O amor do enamoramento é uma força
que ultrapassa estas dificuldades. A amizade não.

E há também o tema da sedução erótica. Dois amigos não são obrigados a


gostar eroticamente um do outro. Nenhum deles procura seduzir o outro. Se o
fizesse não se
poderia sequer continuar a falar de amizade. Os amigos apresentam-se
como são, sem artifício, com a máxima naturalidade e espontaneidade. Mas
um casal em que nenhum
dos dois se importa já em agradar ao outro, em que nenhum deles quer já
suscitar qualquer interesse, está reduzido a muito pouca coisa. À estima
mútua, ao hábito.
Está bem para dois velhos que já nada esperam da vida. Mas como
poderá ser suficiente para duas pessoas novas e cheias de desejos?

Por fim, a amizade não é exclusiva. O meu amigo pode ter os amigos que
quiser. Pode casar, divorciar-se, ter amantes, abandoná-los sem ter qualquer
obrigação de
mo dizer. Mas o que acontecerá quando esta liberdade total for também
admitida no casal? Porque chamá-lo casal? Nós não utilizamos a expressão
«um casal de amigos»,
dizemos simplesmente «dois amigos».

Intimidade ;.
Nestes últimos tempos foi dada muita importância à intimidade.1
Sobretudo por algumas psicólogas feministas. Estas observaram que as
mulheres, sobretudo as adolescentes,
quando são amigas tocam-se, abraçam-se, estudam os seus corpos,
comparam-nos sem vergonha, mesmo as partes mais íntimas. E falam das
suas experiências amorosas,
sexuais, dos seus sentimentos, sem reticências. Contam tudo. Têm em
relação uma à outra a curiosidade impudi-

1 No campo do estudo das relações íntimas, recordemos a obra pioneira


de Murray S. Davis, Intimate Relations, The Free Press, Macmillan Publishing
Co., Nova Iorque
1973. Para as suas aplicações ao

casal, veja-se Willy Pasini, Intimità, Mondadori, Milão 1990.

254

AMO-TE

ca e sem limites que tem a sua mãe em relação a elas, quase como se
continuassem a fazer parte do seu corpo, fossem extensões da sua alma.

Os homens têm mais dificuldade em transmitir os seus sentimentos, as


suas perturbações amorosas. Envergonham-se como se se tratasse de uma
fraqueza, têm medo de
mostrar a parte vulnerável do seu espírito. No imaginário colectivo, o
verdadeiro homem não desfalece em suspiros e lamentos, não se deixa levar
por emoções desordenadas,
não chora, não suspira, não anda em bisbilhotices, porque estas coisas
são «coisas de mulheres». Ele é rude, forte, silencioso. Enfrenta as
adversidades impávido
e sereno.

Esta diferença entre os sexos é fruto de uma longa tradição cultural. Seja
como for existe ainda e pode criar problemas no casal, quando a mulher sente
grande necessidade
de receber e comunicar emoções, ao passo que o homem se retrai. Vimo-
lo em muitos dos nossos casos. O homem preocupa-se com o seu trabalho,
chega a casa à noite
cansado e nem se apercebe das muitas formas como a mulher lhe
demonstra o seu amor. Pondo flores numa jarra, uma toalha nova na mesa
onde comem, uma almofada às
cores no sofá. Às vezes não tem vontade de falar. Nalguns casos não
saberia sequer o que dizer. Então ela encontra alimento emocional numa
telenovela, enquanto ele
vê o desporto.

Porém, quando se enamora, o homem também é forçado, mesmo contra a


sua vontade, a viver de vibrações, de sentimentos, de paixões e sente
necessidade de exprimi-los,
de dizer à pessoa amada. Quando se enamora, até o homem mais rude se
comove, suspira, chora e deseja unir-se a quem ama, contar-lhe tudo sobre si e
saber tudo dela.
Quando o homem tem a certeza de também ser amado, volta a sua velha
desconfiança em relação às expressões afectivas. E volta a vestir a couraça
com que se habituou
a viver.
A vida do casal depende da capacidade de conservar, mesmo que em
parte, a intimidade provocada pelo estado nascente amoroso. A instituição
deve ser a guardiã e a
herdeira da promessa do estado nascente, dar algo daquilo que ele fez
entrever e prometeu. Mas seria um erro pensar que a estabilidade do amor de
casal era proporcional
ao grau de fusão, de identificação entre os dois amantes. Pelo que se
tornam quase indistinguíveis, quase a mesma pessoa. Este tipo de intimidade
existe nos gémeos
idênticos ou homo-

255
#FRANCESCO alberONI

zígóticos, em que cada um vê no outro a sua própria imagem, os seus


sentimentos, os seus pensamentos, os seus gestos e, portanto, conhece-os
profundamente, sem barreiras,
sem defesas. Mais, conhece-se a si mesmo através do outro, que é a sua
imagem especular. Mas a intimidade amorosa comporta sempre uma distância,
uma diferença, uma
descoberta. Não é um dado, é uma conquista ou um dom.

Alguns afirmam que os cônjuges devem dizer tudo um ao outro, não ter
nada escondido, não mentir nunca. Se sentirem um impulso agressivo devem
exprimi-lo, gritar
se for preciso. Se sentirem o desejo por outra pessoa devem manifestá-lo,
porque tudo o que se manifesta não faz mal, ao passo que tudo o que é
escondido se torna
inconsciente e cria malefícios. Tudo isto não tem sentido. O «fluxo da
consciência» é um amontoar-se caótico de pensamentos, raciocínios,
hipóteses, emoções, dúvidas,
medos, sonhos, impulsos amorosos e agressivos.1 E um rio que nasce de
milhares de afluentes, que se dispersa em milhares de braços, volta a juntar-se
e divide-se
depois. Deixar-se guiar por ele significa mudar de forma caótica, deixar
explodir as violências, desmentir-se constantemente.

A vida de casal requer que se diga a verdade, que se seja sincero, mas
requer também coerência, projecto. Requer também calar pensamentos e
emoções que poderia perturbar
ou ofender excessivamente a pessoa que amamos. As palavras
maliciosas, as acusações encolerizadas, a vulgaridade, os insultos deixam
feridas que, pouco a pouco,
cavam um abismo.

Cada um de nós é, na realidade, formado por muitos indivíduos diferentes.


No decurso da nossa vida metemo-nos por muitos caminhos, começámos a
construir personalidades
que depois abandonámos. E em cada mudança da nossa vida, cada vez
que enveredámos por um novo caminho, utilizámos algum dos fragmentos
daquele eu pregresso que tínhamos
rejeitado. De qualquer modo, todos esses seus pregressos, mesmo
subordinados à nossa nova identidade, continuam a ser parte de nós, formam
o núcleo profundo do nosso
ser. Ao qual podemos recorrer em condições de emergência, ou ainda
para nos diferenciarmos.

1 O autor que procurou dar voz a este «fluxo de consciência» foi James
Joyce, no Ulisses.

256
AMO-TE

Quando nos enamoramos, no processo de historicização, contamos à


pessoa amada o que fomos e como nos tornámos aquilo que somos. Neste
percorrer de novo o passado
encontramo-los e despertamo-los. São como que demónios adormecidos e
acorrentados, demónios que nos podem fornecer forças extraordinárias. Mas
que não podemos desatar
e deixar irromper à sua vontade. No diálogo íntimo nós podemos evocá-
los, ordenar-lhe que falem e actuem, mas sempre dentro do círculo mágico do
exorcismo. Deixar
emergir caoticamente estes demónios, significa despedaçar a sua
personalidade, cair em poder da desordem. E isto destruiria o amor, porque o
estado nascente é precisamente
a passagem da desordem à ordem. Por isso, intimidade é também revelar
os sonhos impossíveis, libertar as personalidades proibidas, mas sempre em
compatibilidade
com o novo amor, a nova identidade pessoal e colectiva. Como
instrumento de criatividade no processo de co-evolução.

Estes eus pregressos constituem também um recurso extraordinário para


enfrentar situações novas e imprevistas. Num célebre conto de Rabindranath
Tagore, um grande
homem de Estado, ao chegar à velhice decide retirar-se em meditação
para os montes. E assim faz. Durante anos a fio vive em solidão absoluta sem
nunca pronunciar
uma palavra, até quase se transforma num vegetal, numa rocha. As
pessoas do lugar consideram-no um santo, mas não ousam aproximar-se. Mas
um dia a região é assolada
por um furacão duma violência nunca vista. Torrentes de chuva varrem
caminhos e povoações, as casas, e as pessoas correm loucas de medo. Então o
velho, como que
acordando de um sonho, volta àquilo que era outrora: o grande homem de
Estado. Dá ordens, organiza a população perdida, manda construir diques de
terra, protecções,
e salva-a. Depois afasta-se silenciosamente para a montanha para
retomar a sua imobilidade ascética.

No processo de co-evolução às vezes acontece fazer-se apelo a estes


recursos escondidos. Para enfrentar situações novas que requerem esquemas
de acção diferentes.
E a coisa torna-se mais fácil se entre os amantes houver confiança mútua.
Se puderem revelar sem medo também, um ao outro, estes aspectos ocultos e
perigosos da
sua própria personalidade e história.

257
#FRANCESCO ALBERONI

Cumplicidade

AMO-TE

A palavra cúmplice tem quase sempre um significado negativo. Refere-se


à solidariedade, à confiança e à ajuda recíproca entre duas pessoas que estão
fora da lei.
Cúmplice é quem ajuda o ladrão a roubar, a fugir à justiça. Não importa o
motivo que o levou a isso, se foi por dinheiro, por amizade ou por amor. Do
ponto de vista
da lei é indiferente. O acto continua sempre desprezível.
En francês, pelo contrário, a palavra é usada também em sentido positivo
como confidência, acordo secreto, solidariedade entre duas pessoas que se
amam. Por isso
se diz que dois namorados, dois esposos são cúmplices. A cumplicidade é
um dos aspectos íntimos, reservados ao amor. Indica que duas pessoas
enamoradas estão do
mesmo lado, fazem frente comum contra os que lhes põem obstáculos, os
ameaçam, e que são um perigo para a sua união. Este significado é
importante. De facto, não
é suficiente dizer que os dois estão de acordo, que se ajudam
mutuamente, se apoiam. Na relação de casal há algo mais: a defesa em
relação ao mundo exterior. Um
casal enamorado é uma entidade social que tem de sobreviver num
mundo hostil. Por isso tem de ser também uma fortaleza, uma defesa, repelir
ataques, avançar à ofensiva.
Como num estado-maior, os dois cúmplices têm de elaborar estratégias,
afinar planos, levá-los a bom termo com paciência, sem dizerem uma palavra a
ninguém.

Cada um conhece as qualidades e as fraquezas do outro. Apoia-se nos


seus pontos fortes, supre as suas carências. Na vida social põe em evidência
as suas virtudes
e esconde os defeitos. Quando é atacado, corre em sua ajuda com todos
os meios. Com o dinheiro, com a mentira e, se necessário, até com a violência.

Existe o prazer da cumplicidade. Era o que sentiam os guerreiros das


tribos antigas quando saíam em pequenos grupos para fazerem uma incursão.
Sozinhos no território
inimigo onde cada moita, cada sombra, podia esconder uma cilada. No
entanto nunca estavam sós, porque cada um tinha outro a vigiar a seu lado
que lhe protegia as
costas. Este antigo prazer sobrevive quando dois amigos, dois amantes,
dois esposos enfrentam juntos um obstáculo ou um desafio. Vemo-lo aparecer
nos casais mais
díspares. Também entre marido e mulher que gerem um negócio. Uma
união que parece consolidada apenas pelo interesse e que é, por outro lado,
uma aven-

258

tura de caça e de guerra, um jogo de papéis, uma contínua encenação em


que é suficiente um olhar, uma inflexão da voz para transmitir uma
mensagem, como entre dois
enormes batoteiros. Já vi cônjuges dirigirem empresas, aparentemente em
desacordo, mas na realidade compenetrados, complementares, indispensáveis
um ao outro. A
cumplicidade no casamento é uma ligação que pode ser mais forte que o
erotismo, ou substituir o erotismo quando este diminui.

A cumplicidade é uma figura do amor, mas não das paixões fortes.


Normalmente aumenta com a vida em comum, com o conhecimento mútuo,
com o hábito de combater juntos.
Alimenta-se de virtudes éticas como a sinceridade, a confidência, a
intimidade. Mas tem necessidade absoluta dos frios recursos intelectuais para
enfrentar e resolver
juntos os problemas, julgar as pessoas, elaborar estratégias. É perturbada
pelas paixões. É destruída pelos ciúmes. Porque os ciúmes são desconfiados e
levam os
dois amantes a vigiarem-se como dois potenciais inimigos. Mas também
pela cólera, pelo medo, porque são demasiado inflamados, demasiado
instáveis. Têm necessidade
de qualidades complementares. Ai deles se os dois se deixam dominar
pelas mesmas emoções e se excitam mutuamente. Se um tiver medo, é
preciso que o outro conserve
todo o seu autocontrolo, o seu sangue-frio. Se um acelerar demasiado, o
outro deverá saber travar. Se um perder a cabeça, o outro deverá tê-la bem no
sítio.

259
#18

A CRISE TARDIA

Porque acontece? ;

Muitas investigações demonstram que a vida em comum, a repetição dos


gestos, o conhecimento recíproco reforçam a confiança, estabilizam o afecto,
mas diminuem o
interesse sexual e a espera do que é novo.1 Por isso, pouco a pouco,
instaura-se um amor sem paixão, sem problemas, sem aventura. Aquilo que
Fromm escreve em A Arte
de Amar refere-se a este segundo tipo de amor conjugal, baseado na
serena certeza de poder contar com o outro. Mas sem ter necessidade da sua
presença física a todo
o momento, sem ficar preso da comoção ao vê-lo andar, dormir, respirar.
Sem arrepios eróticos, sem ficar com o coração na garganta, sem momentos
de felicidade incontida
e de êxtase.
As investigações levadas a cabo com a minha equipa mostraram que a
paixão é mais elevada, quer nos homens quer nas mulheres, nos primeiros três
anos de casamento.
Depois abranda. Dez anos depois, diminuiu mais nas mulheres, que no
entanto sofrem muito mais com isso.2 O homem adapta-se mais facilmente à
monotonia da vida de
casamento, sente-se à vontade nela. A mulher menos. Porque é ela que se
ocupa de todas as tarefas domésticas e da organização da casa, ao passo que
o homem beneficia
delas. E também porque dá mais importância ao sentimento, ao diálogo e
à intimidade. A advogada especialista em divórcios Laura Remiddi dizia numa

1 Estudos efectuados nos kibbutz mostram que em 2769 casamentos, só


13 ocotteram entte pessoas que em criança tinham crescido juntas. A vida em
comum durante a infância
e a adolescência tende a desenvolver sentimentos de ternura e de
amizade, mas esfraquecem a atracção erótica.

2 Guido di Praia, La passione amoroso, Harlequin Mondadori, Milão 1991,


pp. 82-83. As diferenças são ilustradas pela figura seguinte:

261
#FRANCESCO ALBERONI

entrevista: «Nunca me aconteceu um homem pedir a separação ou o


divórcio por causa da sua mulher não dialogar com ele. Mas muitas mulheres
pedem.»1 O incómodo provocado
pela aridez faz com que algumas optem por ir viver sozinhas em vez de
compartilharem a sua vida com um marido que parece ter-se transformado
num hóspede. Têm saudades
da época inflamada e dourada do enamoramento, quando aquele mesmo
homem estava apaixonado e cheio de atenções. Parecia um cavaleiro corajoso
e gentil, fazia vibrar
o seu coração. Depois, certo dia, não se lembram muito bem quando foi,
começaram a ter saudade do amor. Passada a saudade seguiu-se um
sentimento de estranheza e,
depois, uma cólera calada. Uma cólera que o homem não compreende,
pelo que se enfurecem ainda mais. Até à decisão de estar sozinha. Por outro
lado, os seus maridos,
muitas vezes logo poucos anos depois de casarem, tinham começado a
ver as suas esposas com olhos vazios de desejo. Pareciam atraídos apenas
pelas outras.

Mas o que é que há por detrás estes fenómenos? Um processo gradual de


abrandamento do erotismo, um acostumar-se à vida quotidiana e à
banalidade, ou o precipitado
de inúmeras crises mais geridas, não resolvidas? Todas estas coisas
juntas.

262

Entrevista efectuada no âmbito da investigação depois publicada no livro


de Francesco Alberoni, // volo nuziale, cit. , ’•.-,.

AMO-TE

D A quotiãianização. A princípio os enamorados pensam que basta «o


amor e uma cabana». Mas, depois, descobrem o cansaço de se levantarem
cedo de manhã, as tensões
do trabalho, as crianças que choram. Tinham sonhado com um futuro
fácil, radioso. Agora os obstáculos que encontram tendem a enfraquecer o seu
impulso, a tirar ao
mundo a sua poesia. As pessoas optimistas, cheias de vida e de amor,
enfrentam o mundo com generosidade, lutam, superam as frustrações,
alegram-se até com os pequenos
êxitos. Mas outras são mais frágeis e têm uma impressão de insucesso.

Repitamos o que já dissemos. O factor crucial é a força do enamoramento,


a carga de energia, de entusiasmo, de determinação, a fé em si mesmos, no
seu amor e, portanto,
o prazer de lutar pelo seu sucesso, por tornar felizes a todo o custo a
pessoa amada. E depois está o processo de transfiguração que nos faz
encontrar valor e beleza
em todas as coisas. Mas é verdade que em todos, até nas pessoas mais
enamoradas, a vida comum é feita de muitos pequenos deveres, de
aborrecimentos. Cada um tem
necessidade que o outro faça certos trabalhos, pede-lhos e protesta
quando não os obtém, censura-o, critica-o.

Se este processo não for obtido a frio, o erotismo sofre. O erotismo é feito
de jogo, de entusiasmo, de namoro. O erotismo é sempre uma ruptura com a
vida quotidiana,
vulgar.1 Com frequência é assim que nasce a traição. Como revolta contra
a monotonia, o dever, a escravidão da quotidianidade. Pela necessidade de
voltar a sentir-se
vivos, frescos, novos, sem que ninguém nos peça para fazer isto ou
aquilo, sem obrigações. Com uma pessoa desconhecida e diferente podemos
esquecer quem somos, as
nossas frustrações, os nossos deveres. O encontro erótico é como um
feriado. Interrompe a trama da vida normal feita de trabalho, confrontos,
esperas, protestos,
compromissos. O amante não nos censura, não nos critica, não resmunga.
É amável, faz-nos sentir de novo bonita, interessante, desejada. Parece que
voltamos a respirar,
a ser jovem, livre. A poder procurar apenas o prazer.

2) As crises. Mas este processo só por si não explica nada. O casal é uma
sociedade viva com uma vida e uma história. Trans-

1 É a tese defendida por Sasha Weitman no ensaio a ser publicado, On the


Elementary Forms of the So-

cioerotic Life, cit. .

±
#forma-se, sofre tensões, crises. E estas crises podem ser divididas em
três categoria. A primeira é devida ao regresso do passado. A segunda
* evolução divergente. Os dois membros do casal reagem de forma
diferente às circunstâncias da vida. A terceira é o resultado do
desenvolvimento de uma competição
invejosa e do ódio recíproco, com vinganças e represálias.

O regresso do passado

Já encontrámos casos de mulheres que desejavam um filho, ou queriam


dedicar-se a actividades criativas, enquanto o marido bloqueava o seu impulso
para o futuro.
Outras vezes, contudo, é bloqueado o apelo do passado. É o caso de A
mulher do Sulque se casa com um empresário do Norte. É o seu ideal e por
isso está disposta
a moldar-se segundo o seu modelo, a tornar-se naquilo que ele quer. Mas
o homem é extremamente agarrado à sua família, aos seus hábitos, é
ferozmente contra os do
Sul. Recusa-se a visitar os pais dela. Ordena-lhe que rompa
completamente com a sua terra, com os seus familiares, com as suas
tradições. Censura-lhe o sotaque e
ela vai a uma escola de declamação para o mudar. Isto é, impõe-lhe uma
naturalização forçada. Ela adapta-se a estas exigências embora as considere
exageradas e,
às vezes, humilhantes. Porém, depois de alguns anos, sente fortemente o
desejo de voltar à sua terra, de estar um pouco com os pais. De voltar a ouvir
o som do seu
dialecto. E, dado que o marido a leva sempre a lugares diferentes, tem a
impressão de viver no exílio. Quando a sua mãe adoece, pede-lhe que a deixe
ir. Ele põe
objecções porque está habituado a deixar tudo nas mãos dela. Mas ela
insiste. Discutem. Ela parte. E assim que chega ao aeroporto tem a sensação
de ter conquistado
finalmente a liberdade. O marido continua a telefonar-lhe, pede-lhe que
regresse. Não compreende o seu problema, não lhe interessa a sua mãe.
Assim, pela primeira
vez a mulher sente um movimento de repulsa, de ódio. Revolta-se. Diz-lhe
claramente que está cansada das suas prepotências, que quer ficar na sua
terra e que só
voltará quando lhe apetecer. O homem sente-se abandonado, traído,
pensa num complô dos familiares dela. Começa assim uma crise que terá
consequências muito graves.
264

É o regresso do passado. Um passado que parecia sem qualquer


importância mas que, pelo contrário, fazia parte integrante da pessoa. No
processo amoroso renunciamos
a muitos aspectos de nós mesmos, transformamo-nos. Mas continuamos a
guardar no nosso coração desejos e necessidades que podem manifestar-se
mesmo muito tempo depois.
Como acontece a O engenheiro, um homem que crescera numa família
pobre e que depois fez carreira e se casou com uma mulher rica. Depois de
alguns anos de casados,
decidem construir uma grande vivenda e a mulher propõe que a
construam num grande terreno do pai dela. E assim fazem. O engenheiro
investe nela todas as suas poupanças.
A mulher que, também na opinião do marido, tem muito bom gosto,
escolhe o projecto, o arquitecto e a decoração. Quando a casa está concluída,
o engenheiro pede ao
sogro para lhes vender a parte de terreno que a rodeia. Quer realizar o
sonho que sempre alimentou: ter uma casa sua, com um grande jardim. Mas o
sogro responde-lhe
que é impossível, que não precisa de dividir a propriedade, e que esta é
em comum com os outros filhos. A mulher apoia-o. O engenheiro fica mal,
volta a insistir.
Mas descobre que toda a família da mulher está indignada com o seu
pedido. A mulher repreende-o por ter ousado fazer semelhante proposta. Então
ele tem a sensação
de estar ao lado de uma estranha apenas ligada à sua família e à sua
tradição. Estamos por isso perante um duplo regresso do passado: para ele e
para a mulher. Ele
ao seu desejo juvenil, ela ao seu orgulho familiar.
Evolução divergente

Nós reagimos de forma diferente aos desafios que a vida nos coloca, às
diferentes oportunidades que nos apresenta. Duas pessoas que a princípio
eram extraordinariamente
unidas, dia após dia podem dividir-se, enveredar por caminhos diferentes.
Pode acontecer quando a divisão dos papéis entre os sexos é muito forte. O
homem fora de
casa, no emprego, a mulher ocupada com os trabalhos domésticos e com
os filhos. Ele desenvolve interesses, gostos, amizades separados das da
mulher. E assim reduz-se
o terreno comum de diálogo. Até que um ou o outro têm um amante e
têm ainda menos coisas a di-

zer um ao outro.

265
#FRANCESCO ALBERONI

Hoje é mais frequente a evolução divergente, porque a mulher pretende


também realizar a sua vocação, fazer render uma capacidade sua. É o caso de
que já falámos:
A escritora. O encontro entre ela e aquele que se tornaria seu marido
acontece como nas fábulas. Um olhar, um sorriso, os olhos luminosos que já
tinham dito «sim
gosto de ti» antes que as palavras o confirmassem. Quando se casam ela
tem dezoito anos e ele vinte e sete. Ele é dono duma empresa de electrónica.
É rico, bom,
amável, enamorado. Enche-a de prendas. Põe em nome dela tudo o que
compra: uma casa no campo, na serra e junto ao mar. Quer que ela conheça
todos os seus clientes,
não pode estar longe dela um instante sem sentir a sua falta. Leva-a
sempre consigo. Depois de alguns meses, porém, a jovem mulher inscreve-se
na universidade. Ele
não encara aquilo com muito entusiasmo, pelo contrário, procura dissuadi-
la, até porque naqueles dias soubera que ela estava à espera de uma criança.
Mas a mulher
é inabalável. Frequenta a universidade, quando nasce a criança trata-a
com amor, forma-se. Depois sente nascer o desejo de escrever e, apesar de ter
um segundo filho,
mete mãos à obra apaixonadamente. Anda entusiasmada, faz novos
amigos, convida-os para irem a casa dela. Os serões tornam-se serões
intelectuais. Mas o marido gosta
cada vez menos deles. Sente-se fora de lugar, contrariado. Sobretudo
incomoda-o que a mulher esteja sempre no centro das atenções. Pouco a
pouco põe-se de lado,
amuado. A situação piora quando o romance da mulher tem êxito.
Aparecem os críticos, os jornalistas. Ele fica cheio de ciúmes. Espreita-a,
repreende-a se esteve
com a blusa demasiado aberta. «Mostraste as mamas toda a noite», diz-
lhe ele. Ao mesmo tempo fica excitado. Acabado o serão quer fazer amor uma,
duas vezes. Mas
à pressa, sem gestos de ternura. É um acto de posse, como se estivesse a
marcar o seu território, a sua propriedade. Depois torna-se obsessivamente
ciumento. Pergunta-lhe
com quem esteve e o que é que fez. Mas quando ela lhe pede para a
acompanhar a algum encontro literário, tem autênticos ataques de cólera. A
dada altura impõe-lhe
que não volte a escrever mais, que não ande com aqueles intelectuais
idiotas. A mulher começa a sofrer de claustrofobia. A sua tensão cresce ao
ponto de pensar no
suicídio. Depois de alguns anos sai de casa com os filhos e pede o
divórcio.

Quando dois enamorados são muito novos e não conhecem ainda as suas
possibilidades, os dois podem desenvolver rapida-

266

AMO-TE

mente atitudes e potencialidades diferentes. E se estiverem pouco


enamorados e forem demasiado rígidos, não aceitam a mudança. Como nos
casos de Renato e Gianna,
descritos por Donata Francescato. Diz ele: «Casámo-nos porque
estávamos muito enamorados e atraídos fisicamente. Para mini o casamento
era sagrado e inviolável e
esperava ficar com ela toda a vida. Porém... ela mudou, tornou-se
diferente da mulher de quem me tinha enamorado. Em poucas palavras, ela
gosta de fazer uma vida
agitada, ser gerente, mas eu queria uma pessoa que fosse acima de tudo
mãe e mulher de família. Este era o ponto mais controverso... Tínhamos
desenvolvido duas visões
diferentes da vida e do futuro.» A mulher, em essência, confirma: «Eu já
não era capaz de viver como ele queria, amo a família, amo o meu filho, mas
não gosto por
aí além de ficar em casa: para mim não é tão importante a quantidade de
tempo que passo com uma pessoa quanto a qualidade. Eu gostava muito de
viajar, conhecer pessoas,
fazer com que o meu filho crescesse também fora de casa. O meu marido
é exactamente o contrário, no fim disse-me que até nem gostava que eu
trabalhasse.»1
A evolução divergente pode nascer de fracassos, de insucessos que
apagam a força vital de um dos cônjuges. Mas pode provir também da riqueza,
do sucesso. Muitíssimos
casais entram em crise quando um dos dois atinge um êxito inesperado.
Christian Barnard, quando era novo, casou com uma enfermeira que o ajudava
na difícil carreira
de cirurgião. Mas com o primeiro transplante cardíaco alcança a fama
mundial e torna-se um ídolo rodeado de mulheres novas, ricas e bonitas. E
então enamora-se de
uma destas e casa com ela.

Competição e inveja ;

Alguns pensam que um certo grau de competição favorece a vida de


casal. Uma nossa investigação empírica2 demonstra o contrário. Não devemos
confundir o desejo de
afirmação na vida para mostrar ao outro que se merece o seu amor, com
o desejo de parecer melhor que ele. De afirmação da nossa superioridade
sobre ele.

1 Donata Francescato, Quando I’amorefinisce, cit., pp. 88-90.

2 Rosa Giannetta Alberoni e Guido di Praia, Complicità e competizione,


Arlequin Monda<tori, Milão
1992. ..•., ..,,,. .. . , ,. .. . •• •’ -’”’• ’• ’”••• ’ •’

267
#FRANCESCO ALBERONI
Todas as pessoas humanas querem ter um valor. E não querem só sentir-
se amadas, querem também ver reconhecido o seu mérito. Querem ser
apreciadas pelas suas virtudes
e pelas suas capacidades. Até no casal mais unido, mais solidário, cheio
de amor, cada um deles quer sentir-se estimado pelo outro. Sentir que tem um
valor aos seus
olhos, saber que aquilo que ele faz é apreciado. Se uma mulher se dedica
aos filhos e à casa enquanto o marido é um grande cirurgião, o seu amor só é
possível se
ele conseguir transmitir-lhe a sensação de que o papel que ela
desempenha é importante, nobre e tão cheio de significado quanto o seu. Isto
é possível porque o enamoramento
cria os seus critérios internos de valor e despreza soberanamente os
sociais.

Mas quando o enamoramento se afasta, a sociedade com os seus valores


volta a penetrar na vida do casal. A mulher que vê o seu marido
continuamente admirado, adorado,
enquanto ela fica sempre em segundo lugar, tem uma sensação de
esvaziamento. Antes era feliz, agora é amargurada. E o drama do amor
idolátrico. A adoração pelo ídolo,
a felicidade de estar ao lado de uma pessoa tão célebre, de compartilhar a
sua luz, deixa pouco a pouco o desejo mais do que natural de ter uma luz
própria, um valor
próprio. Mas cuidado não vá desencadear-se, em casos como estes, a
competição, porque o juízo é dado pela sociedade. A competição está
condenada à derrota. E, com
a derrota, aparece a inveja.
A inveja é o sentimento que sentimos quando alguém que nós
consideramos do nosso mesmo valor, nos ultrapassa, obtém a admiração dos
outros. Então temos a impressão
que há uma enorme injustiça do mundo. Procuramos convencer-nos de
que ele não o merece, fazemos tudo para o trazer para o nosso próprio nível,
para o desvalorizarmos.
Falamos mal dele, criticamo-lo. Mas se a sociedade continua a elogiá-lo,
ficamos cheios de cólera e, ao mesmo tempo, invadidos pela dúvida. Porque
não temos a certeza
de termos razão. Por isso nos envergonhamos de ser invejosos. E
sobretudo de sermos apontados como pessoas invejosas.

A cilada da competição e da inveja é particularmente forte nos casais em


que ambos se dedicam à mesma actividade e consideram ter o mesmo valor.
Porque basta que
a sociedade, com ou sem razão, ofereça a um deles um maior
reconhecimento para que o outro fique cheio de dúvidas e de desconforto.
Aurore Sand (que depois to-

268

AMO-TE

mará o nome de George Sand) e Jules Sandeau estavam muito


enamorados e tinham escrito juntos um romance, Rosa e Bianca, assinando-o
com as iniciais dos seus nomes
Jules (como Jules Sandeau) e Sand (como Aurore Sana). Mas depois Aurore
começa a tornar-se independente. Retira-se para a casa de campo de Nohant e
escreve sozinha
e de rajada um novo romance: Indiana. Não o assina com o seu nome,
Aurore, limita-se a abreviar o pseudónimo de antes: Jules Sand torna-se G.
Sand. O livro tem um
êxito triunfal. Sandeau fica surpreendido e embaraçado, talvez comece a
ficar um pouco invejoso. Mas a catástrofe chega quando Aurore escreve outro
romance sozinha,
Valentine, e o assina como George Sand. Agora ela tornou-se George
Sand, famosa, adorada por todos e ele quase esquecido. O seu amor morre.

É preciso um grande, um enorme amor para se ultrapassar a inveja. E


preciso que um se alegre com o sucesso do outro. Isto acontece mais
facilmente se colaborar activamente
na sua construção, por exemplo, fazendo de empresário. Assim consegue
vivê-lo como seu. Mas é preciso também que este contributo seja reconhecido
publicamente e
correspondido com a fidelidade.

Desfeitos e provocações

Quando o amor declina, as frustrações que os membros do casal têm um


com o outro já não são minimizadas, perdoadas, esquecidas. Produzem raiva,
ressentimento. Dia
após dia cria-se assim uma acumulação de rancor que depois, com
frequência, desabafa em despeitos e em provocações.

O despeito é um acto agressivo em que, quem o faz, mantém escondido o


seu gesto. Por isso o outro não pode censurá-lo. Ele cairá das nuvens e
responderá, cheio de
desdém: «Tu tens a coragem de me acusar de tanta mesquinhez?» Se
alguém me insultar abertamente eu posso responder-lhe, se me ameaçar
também eu posso ameaçá-lo.
Mas face ao despeito, ou renuncio ou tenho de aceitar o seu jogo,
responder com outro despeito. O jogo, como o mostrou o psicólogo Eric
Berne,1 uma vez iniciado
é um recinto mágico, uma bar-

1 Eric Berne, A chegmvgweUí^ftEíà. ital H Saggiat<»í|MBS»ÍÍ>6Sí

269
#•>-”• FRANCESCO AlBERONi

reira mental que o sujeito já não consegue infringir. Vendo a última


grosseria que lhe foi feita, sentirá uma cólera cega e pensará apenas em
vingar-se com uma represália
adequada.

No casal instalam-se jogos de despeito ferozes. E cada um mantém uma


espécie de contabilidade perversa em que são enumeradas todas as
indelicadezas recebidas para
se poder vingar na mesma proporção. Há mulheres que despeitam o
marido recusando-lhe precisamente o que ele mais deseja. Se ele gosta de
jantar a uma certa hora,
ela chegará sempre atrasada. Mas encontrará centenas de motivos para
se justificar e parecerá sempre inocente. Há maridos que, quando a mulher foi
ao cabeleireiro
ou comprou um vestido novo e está finalmente preparada para se mostrar
em público, lhe dizem sempre que está gorda, que tem celulite, que o vestido
lhe fica mal,
que o penteado a faz parecer mais velha.
A provocação parece-se com o despeito, mas é mais grave, mais
sistemática, e tem por objectivo fazer explodir de raiva o outro, de lhe
provocar uma crise nervosa,
de lhe envenenar a existência. Vou recordar dois casos de Mara Palazzoli
Selvini.1 Uma senhora muito nova e engraçada casou com um industrial
sempre ocupado com
o seu trabalho. Ele comprou uma vivenda muito boa onde ela nada tem
que fazer. Mas está sempre atrasada. O jantar está atrasado. Quando têm de
sair com os amigos
atrasa-se. De manhã nunca mais acorda. Quando tem de sair, as malas
nunca mais ficam feitas. O marido irrita-se, tem ataques de cólera. Com o
passar do tempo chega
a insultá-la, a chamá-la estúpida em público. O que é que esta mulher
consegue provocando assim o marido? Demonstrar a si mesma, ao marido e
aos amigos, que ele
não é o homem equilibrado, sábio e imparcial que pretende ser. Que não é
o perfeito organizador que pretende ser. Em geral a provocação ataca uma
qualidade a que
o indivíduo dá muita importância. O segundo caso é o de um homem que
casou com uma artista muito bonita e requintada que encantava quem a
ouvisse. Quando a mulher
falava ele tinha uma crise de bocejos. A mulher perdia completamente o
controlo da situação, ficava que nem uma parva.

Quando virem dois cônjuges que discutem, mulheres com crises de choro,
maridos com crises de cólera, quase sempre cada um

1 AA. W. Igiocchipsicotici nellafamiglia, Raffaello Cortina, Miião 1988.

270
francesco alberoni
procura levar o outro às cordas. Com frequência os provocadores
começam a batalha logo de manhã. Ela não consegue acordar se não beber o
café na cama. Ele tem vontade
de ir bebê-lo a um café. Por isso lhe diz, cheio de raiva, que tem o direito
de beber um café decente. Ela responde que se trata apenas de um pretexto
para não ficar
em casa um minuto sequer. E o jogo não tem fim.

O jogo da provocação é um jogo agressivo e visa enlouquecer o outro. Nos


casos graves, matá-lo. Recordo-me dum episódio impressionante. Perto de
mim vivia um casal
de meia-idade com filhos. Ele era grande, rude, triste. Ela magra, calma,
com um suave sotaque véneto. Eu ouvia só a voz dele quando à noite chegava
a casa. A dela
não, porque ela falava quase a sussurrar. Ele começava a lamentar-se de
qualquer coisa em relação aos rapazes. Que não tinham feito os deveres, que
não se tinham
lavado, que tinham tido más notas. Ela defendia-os e a seguir continuava
a falar ininterruptamente com aquela voz monótona, sempre igual. Ele
levantava o tom. Ela
rebatia obsessivamente enquanto despachava os trabalhos domésticos.
Pouco a pouco, o volume da voz do homem aumentava, aumentava, até
explodir em berros, numa crise
de cólera desenfreada. Não fazia nada de fisicamente violento, limitava-se
a berrar, a berrar.

Uma noite, no cúmulo da enésima crise, teve um enfarte e, algumas horas


depois, morreu. Falando com os médicos, soube que ele já tivera enfartes
anteriormente e
que todos, ele, a mulher e os filhos, tinham sido avisados que uma zanga
violenta poderia matá-lo. Depois da sua morte, a mulher rejuvenesceu. ;

Mudança dos ciclos vitais

Antigamente era o homem que, quando chegava aos quarenta anos, se


enamorava por uma mulher mais nova e começava uma nova vida com ela.
Hoje acontece cada vez com
mais frequência a ser a mulher a abandonar o marido, a fazer-se amante
ou a enamorar-se de outro. Porque dantes era o homem que ia para fora de
casa, tinha actividades
sociais, se dedicava ao desporto, à política, crescia. Por isso, a uma dada
altura sentia-se preparado para começar um novo ciclo vital, para recomeçar.
A mulher,
absorvida pela monotonia

271
esteenuada pela gravidez e pelo trabalho, envelhecia precocemente.

Agora a mulher estuda, trabalha, tem uma carreira. Aos quarenta anos
parece uma rapariga nova. É mais nova e mais viva que o marido. Tem perante
si mais de metade
da vida, porque viverá para além dos oitenta anos. Os seus filhos estão a
acabar os estudos. Pode dialogar com eles, viajar com eles. Cumpriu o seu
dever reprodutivo.
Está pronta para começar outra fase vital.
Quando acaba uma fase da nossa vida, os deveres do passado tornam-se
insuportáveis. Até os mais livres. A mulher que tem ainda sobre os seus
ombros a responsabilidade
da gestão da casa, dos filhos e do marido cansa-se da rotina. Custa-lhe
arrumar tudo e preparar a comida, actividades monótonas que não têm
qualquer reconhecimento.
E a dada altura tem a impressão de ter dedicado toda a sua vida ao
serviço do marido e dos filhos e nada para si mesma. Sente-se desiludida,
traída, explorada. Era
optimista, cheia de esperanças e de sonhos: procurava o grande amor, a
grande aventura. O que é que teve? Sente vontade de revoltar-se, de gritar.

Depois, pouco a pouco, do rancor emerge o desejo, a esperança. Quer


recuperar o ternpo perdido, viver a vida que não viveu, realizar as
possibilidades que negligenciou.
Quer ser outra vez nova, bonita, jovem, gerir o seu tempo à sua vontade.
Sair com os amigos, viajar, ser novamente cortejada, desejada. Sente dentro
de si uma grande
energia vital, desejo de erotismo e de acção. E o marido? Muitas vezes
gosta dele. Mas é um amor rotineiro, sem impulso, sem paixão, sem aventura.
Ele está tranquilo,
seguro de si. Às vezes parece-lhe um hóspede que chega a casa e
encontra tudo feito.

Se nesta fase vital o marido não mudar, se não se reenamorar da mulher,


não lhe fizer a corte e não inventarem juntos uma nova vida, a tensão da
mulher pode tornar-se
explosiva. Ela está pronta para uma mudança, para uma metamorfose,
para uma morte-renascimento. Está pronta para um estado nascente. Algumas
mulheres, nesta fase
da vida, voltam à universidade, outras dedicam-se ao seu corpo, outras
iniciam uma nova actividade profissional ou empresarial, outras dedicam-se à
filosofia oriental
ou à psicologia, outras ainda escrevem romances ou poesia. Há quem
encontre um amante, e há, enfim, quem se enamore.

AMO-TE

272

Enarnoramo-nos quando estamos profundamente insatisfeitos com o


presente e, ao mesmo tempo, somos animados por um grande impulso vital.
Quando estamos preparados
para deixar uma experiência já feita e refeita e temos energia para levar a
cabo uma nova exploração, para pôr em prática capacidades que ainda não
tínhamos utilizado,
para realizar sonhos e projectos amadurecidos no nosso coração. E então
basta alguém que simbolize uma vida diferente, mais livre, mais jovem para
nos lançarmos
na aventura, na novidade. Os ciclos vitais dos homens e das mulheres
mudam, e com os ciclos vitais mudam os amores.

O desenamoramento através de um estado nascente

O amor normalmente termina por definhamento lento, por gradual


acumulação de decepções, ciúmes, rancores. O que fica, no fim, é uma
sensação de indiferença e de
vazio rancoroso. Mas há também casos em que o amor acaba
bruscamente através de um fenómeno de estado nascente que não é um
enamoramento. A pessoa tem uma experiência
de libertação feliz, de renascimento, de descoberta da sua autenticidade e
verdade. Mas não há nenhum outro a ocupar o lugar da pessoa antes amada.

Um exemplo de estado nascente que marca o fim de um amor que se


tornou opressivo é a viagem à Itália de Goethe. Durante muitos anos Goethe é
ministro do duque Carlos
Augusto em Weimar e ama Charlotte von Stein. Mas a actividade
administrativa torna-se pouco a pouco sufocante. E o amor de Charlotte
opressivo. Ele está pronto para
uma maturação posterior. Então, sem avisar ninguém, vai para a Itália. Vai
em direcção a algo que sempre vislumbrara, um mundo espiritual pelo qual se
sentia profundamente
atraído. Tendo acabado de atravessar os Alpes, em Trento, escreve: «Volta-
se a acreditar em Deus. E como se eu tivesse nascido e crescido neste país, e
agora regressasse...
Sou como um menino que tem de aprender de novo a viver.»1 E uma
explosão de alegria, de libertação, um estado nascente. Corre para Roma com
«a impaciência de um
homem que se aproxima do cumprimento de um sonho de amor, seguro
da sua

1 Emil Ludwig, Goethe, trad. ital. Mondadori, Milão 1932, pp. 249 e 250.

273
#FRANCESCO ALBERONI

vitória; e que se compraz, nas últimas horas, em antegozar e estimular


com a dúvida a alegria que o espera».1 Ele próprio interpreta a sua
experiência como uma transformação
espiritual, um renascimento semelhante à conversão, à que todo o
pecador conhece renascendo em Cristo: «Faço um segundo aniversário, um
verdadeiro renascimento a
partir do momento em que entrei em Roma.»2

Na vida de Gabriele D’Annun/io podemos distinguir claramente dois


períodos. O primeiro, que vai até 1915, no qual o centro do seu interesse está
sempre em algum
amor. Acabado um amor, começa outro, e cada um deles traduz-se em
poesias, romances, dramas amorosos. Com o eclodir da Primeira Guerra
Mundial, por outro lado, D’Annunzio
não volta a enamorar-se e não volta a escrever sobre o amor. Da sua pena
não sai mais nenhum romance, não sai mais nenhum drama, não sai mais
nenhum poema. Mas apenas
discursos, proclamações, recordações, memórias, poesias não inspiradas
nas mulheres, mas na pátria.3 No lugar de um estado nascente amoroso surge
uma conversão política.

Há quem se liberte, quem se descubra a si mesmo e o seu destino


lançando-se num movimento religioso, convertendo-se a uma fé. Outra pessoa
pode encontrar a solução
num movimento político, numa militância fanática e fervorosa. A chegada
de um novo movimento político ou religioso produz quase sempre efeitos de
evolução divergente
no casal. E estes efeitos podem ser devastadores quando o projecto do
movimento se coloca em antítese aberta ao da vida amorosa conjugal. Neste
caso já não importa
a evolução individual,
crescer da insatisfação individual no seio do casal. O movimento chega
como um turbilhão vindo do exterior e arrebata os indivíduos às suas relações
habituais e
consolidadas. A chegada do feminismo determinou em muitíssimas
mulheres uma evolução divergente em relação aos homens. Já vimos os casos
dramáticos de Bruno e Bruna,
de Cario e Carla.

Já dissemos que, na nossa época, são sobretudo as mulheres que põem


em discussão a vida conjugal. Depois de um certo número de anos de
casamento, com frequência
depois dos quarenta anos, quan-

1 Ibidem, p. 251.

2 Pietro Citati, Goethe, cit., p. 30.

1 Guglielmo Gatti, Lê donne nella vita e nell’arte ai Gabriele D’Annunzio,


Guanda, Milão 1951,

p. 281. ...;.;. ,,

274

AMO-TE

do os filhos já são grandes, a mulher tem a impressão de ter dedicado


toda a sua vida e todas as suas energias ao trabalho, aos filhos, ao marido, e
nada a si mesma.
Começam a aparecer as primeiras rugas, sente que o tempo da juventude
acaba, e então deseja frenética e furiosamente recuperar o tempo perdido.
Gostaria de voltar
a ser jovem, de viver sozinha, de gerir o seu tempo como lhe parecesse.
Levantar-se tarde, comer quando lhe apetecesse, estar levantada de noite.
Sair com quem quisesse.
Reencontrar-se consigo mesma, com a mulher de outrora que depois se
esqueceu do que queria. Neste projecto de vida, frequentemente já não há
lugar para o marido
ou para um novo casamento. Apenas para um amante com quem ir
dançar, ao cinema, com quem renascer para uma nova vida rica em emoções
e em erotismo. Mas não para
o ver todos os dias, não um namorado fixo. Alguém com quem viver
relações sem obrigações, sem deveres, sem rotinas, como quando era
adolescente. Nalguns casos esta
libertação acontece através de uma verdadeira e autêntica explosão de
felicidade, de um estado nascente.

Este desejo de libertação, esta vontade de partir as correntes dos deveres


familiares estão representados no romance Paolo e Francesco, de Rosa
Gianneta Alberoni.
Francesca, que abandonou o marido com quem casara por ambição e por
conveniência, grita: «Senti-me livre, o meu corpo vivia, não se imolava. Sentia-
me poderosa,
jovem, leve. Sentia-me outra. Sentia-me uma mulher. A partir de então
tornou-se impossível suportar as mãos de Paolo em cima do meu corpo. E um
dia, como que por
milagre, tive coragem de gritar-lhe todo o no...jo que me dava... Sim, no
fundo é fácil dizer metes-me nojo. E não tenho remorsos, apetece-me repetir-
lho até ao
infinito: metes-me nojo, metes-me no...jo. De cada vez que penso nisso,
de cada vez que consigo gritar-lho é como uma explosão, uma libertação, uma
alegria desconhecida.
O meu corpo exulta, vibra, sente uma indizível euforia. É como se me
purificasse.»1

Também o filme Thelma e Louise simboliza esta rebelião feminina em


relação ao papel tradicional. As duas mulheres saem de casa quase que por
brincadeira, mas são
agredidas por um violador. Matam-no. Depois de o terem matado,
libertam-se de toda a inibição. Saqueiam um supermercado, desembaraçam-se
de um polícia, fa-

1 Rosa Giannetta Alberoni, Paolo e Francesco, Rizzoli, Milão 1994, p. 152.

275
#FRANCESCO ALBERONI

zem explodir um camião de um homem que as ofendeu. Transformam-se


em guerrilheiras, em vingadoras do seu sexo. E enfrentam a morte a sorrir
como dois antigos guerreiros.

Quase dois séculos antes George Sand, ao deixar o marido e descobrir a


sua vocação artística, escreve: «Viver! Que doçura, que maravilha! A despeito
de maridos,
preocupações, dívidas, familiares e bisbilhotices; a despeito de violentos
desesperos e odiosas picadelas de alfinete. Viver é uma embriaguez: amar e
ser amado é
felicidade, é paraíso! Ah, Céus! Viver a vida do artista, cuja bandeira é a
liberdade.»1 ::..-.•.;. ,r.,rf,.
1 George Sand-Alfred de Musset, Lettere d’amore, Archinto, Milão 1986.

276

19

O QUE É O AMOR?

O que é o amor? É uma pergunta para a qual temos de encontrar uma


resposta dentro da nossa teoria. Para vos responder tomemos como ponto de
partida a experiência-chave
do enamoramento bilateral. Duas pessoas, num dado momento da sua
vida, iniciam uma mudança, tornam-se disponíveis para se separarem dos
objectos de amor anteriores,
das ligações anteriores, para dar origem a uma nova comunidade. Entram
então em estado nascente, num estado fluido e criativo, no qual se
reconhecem reciprocamente
e tendem para a fusão. De tal modo eles formam um nós, uma
colectividade de altíssima solidariedade e altíssimo erotismo. É no seio deste
nós que cada um dos indivíduos
realiza os seus sonhos eróticos e não eróticos, as suas aspirações, as suas
possibilidades não expressas. A elevada solidariedade, o imenso prazer erótico
que dão
um ao outro, permite a cada um sentir e exercer enormes pressões sobre
o outro, pressões que levam à formação de um projecto comum de uma visão
do mundo comum. O
novo casal nascente é animado por uma energia inesgotável e por um
entusiasmo transbordante. O mundo parece-lhe maravilhoso, e infinitas as
possibilidades de acção.
Elabora uma nova concepção da vida, reestrutura todas as relações
internas e externas, constrói um novo nicho ecológico.
Assim, a energia criativa, fluida, do estado nascente transforma-se em
estrutura, em norma. São princípios, regras, convenções, hábitos, construídos
com ímpeto,
com a mais entusiasta adesão, porque ocorrem no momento do máximo
impulso para a fusão. São pactos jurados que mantêm a esperança e a
promessa do estado nascente,
onde transparece sempre o absoluto. Com a passagem da ins-

277

í
#FRANCESCO ALBERONI

tituição para o estado nascente dera-se uma conversão da estrutura


- família, casa, filhos, amigos, ideias consolidadas - em energia. Agora dá-
se o contrário. E a energia que se traduz de novo em estrutura: nova casa,
novos amigos,
nova concepção do mundo.

Perguntemo-nos agora: o que é o amor como emoção, sentimento,


experiência subjectiva, estado de espírito, nesta perspectiva? O amor é o lado
emocional interior do
nascimento de uma nova colectividade e de um novo eu. E a pessoa
amada é o eixo, o gonzo em torno do qual acontece esta reconstrução. É a
experiência da minha fusão
com ela formando uma nova entidade que me refaz, me recria e recria o
mundo em que vivo. É a experiência de me descobrir parte de um novo
mundo, de um novo céu e
de uma nova terra. E a pessoa amada é a porta que me dá acesso a tudo
isto.
O amor como emoção de amor, como ímpeto, languidez, desejo, espasmo,
sonho, é portanto a energia criativa na sua manifestação. A energia criativa
que, atravessando-me,
me utiliza como substância para edificar um novo mundo e um novo eu.
Por isso nós amamos o que nos está criando e o que estamos criando. De que
somos ao mesmo tempo
filhos e pais.

Isto, no enamoramento. Poderemos aplicar a mesma definição também a


outras formas de amor que conhecemos? Comecemos partindo do amor da
mãe pelo seu filho. O que
é que dissemos? Nós amamos o que estamos criando e o que nos está
recriando. A mãe, ainda quando está à espera do filho e depois quando o
amamenta, o alimenta, o
cria, põe em prática a criação de um ser através do qual se recria a si
mesma. Cria uma nova comunidade com um novo mundo dentro do qual
ambos serão mudados. É a
co-relação de um mundo. A criança não é passiva. Responde aos
estímulos e leva-a a redefinir-se continuamente a si mesma, a ela e ao seu
mundo. Este processo continuará
durante toda a vida. E é por este motivo que o amor da mãe pelo filho e
do filho pela mãe se mantém. Mantém-se porque se renova continuamente.

Por que motivo, podemos agora perguntar, este tipo de amor não corre o
risco de desaparecer como acontece no casal? Por que motivo resiste às mais
fortes frustrações,
às desilusões mais amargas? Porque para o casal entram dois indivíduos
já formados, cada um com as suas ligações amorosas individuais e colectivas,
com as suas concepções
do mundo. No enamoramento eles desestruturam o seu
278

AMO-TE

Eu anterior, o seu mundo anterior. Mas só em parte. O processo de co-


criação do casal acontece através de choques, provas, compromissos. Cada
um faz renúncias, mas
mantém firmes alguns valores. Com o passar do tempo, as suas
personalidades podem ter desenvolvimentos divergentes. O universo em
comum entre pais e filhos é imensamente
mais vasto. O processo de ajustamento recíproco acontece quando a
criança ainda é plástica. E continua, dia após dia, sob a orientação do pai que
gere a mudança
e evita que surjam conflitos insolúveis, afastamentos insuportáveis. Estes
só podem aparecer na adolescência ou na vida adulta.

Vejamos agora a relação amorosa que se estabelece na amizade. Esta


baseia-se no princípio do prazer. Não se constitui a quente, no processo de
estado nascente. Não
há fusão inicial, ardente, arriscada, apaixonada. A amizade constitui-se
lentamente, encontro após encontro, no qual cada um lança uma ponte entre o
anterior e o
seguinte. É o precipitado histórico de relações bem sucedidas,
gratificantes, animadoras, divertidas. Também os dois amigos tendem a uma
fusão parcial, também eles
tendem a elaborar uma visão do mundo comum. Também eles constituem
um nós. Mas sem a violenta e radical destruição do mundo anterior. Se entre
eles existirem desde
o princípio divergências nas suas crenças políticas e religiosas,
diversidade de gostos, de hábitos, de opinião, não há um processo de fusão
em que são dissolvidas
como num crisol. Permanecem e tornam a relação agradável. Os amigos
mantêm-se unidos porque descobrem, pouco a pouco, que têm afinidades
electivas, porque fazem
um esforço voluntário de ajustamento recíproco, procurando o que os une
e não o que os separa. Mas se aparecerem divergências ideológicas,
contrastes de interesse,
ou se alguém se comportar de forma eticamente incorrecta, a relação
amigável quebra-se e, normalmente, a ruptura é irremediável. O amigo pode
perdoar a mentira,
a traição, mas as coisas não voltam a ser como antes. A amizade é a
forma ética do eros. Também o sentimento amoroso da amizade depende da
construção comum de um
mundo e da sua identidade. Intensifica-se nos momentos de mudança, de
crise, quando nos abrimos ao amigo, lhe pedimos apoio e conselho. Intensifica-
se com a troca
de experiências, enfrentando juntos os problemas, combatendo lado a
lado contra um adversário, uma ameaça, como dois caçadores, como dois
guerreiros.

279
#FRANCESCO ALBErONI

Vejamos agora a admiração, a adoração de um ídolo em cuja base


pusemos o mecanismo da indicação. Quando este interesse é muito forte, a
personagem torna-se uma componente
importante dos processos de definição de si mesmo e do mundo.
Pensemos no que representam, para os adolescentes, os campeões
desportivos, as estrelas dos espectáculos,
os cantores de música ligeira. Tomam-nos como modelos de identificação.
As jovens participam das vicissitudes amorosas do seu ídolo preferido. As
vezes fantasiam
uma vida de casal com eles.

Ainda mais profundo é o processo que acontece na relação com o chefe


carismático de um movimento político ou religioso. O chefe carismático é
aquele que interpreta
a situação histórica, que dá um sentido ao mundo, que estabelece a meta,
a direcção. O amor pelo chefe carismático assemelha-se àquele que sentimos
pela pessoa de
quem estamos enamorados. E se o chefe continuar como tal durante
muito tempo, o amor por ele fica parecido com o amor pela mãe ou pelo pai, e
forma um ponto de referência
fixo para todos os problemas da vida.

Esta definição do amor é válida também para o mecanismo da perda. Na


perda o nosso mundo consolidado, familiar, os nossos objectos estáveis de
referência, as nossas
metas, são subvertidos, ameaçados de destruição. Encontramo-nos
repentinamente perante o abismo do nada. Somos então forçados a
reexaminar o valor de todas as coisas
que temos, a repensarmo-nos a nós mesmos, a nossa vida, o nosso futuro.
A redefinir o que tem valor e o que não tem. A luta para arrebatar o nosso
objecto de amor
individual ou colectivo à perda é, por isso, uma re-construção do mundo.
Não é o aparecimento de um mundo novo, não é a marcha em direcção à Terra
Prometida. Mas
é sempre a marcha em direcção à pátria perdida cujo valor e beleza se
redescobriu. À pátria que se tem de reconquistar com a consciência de que é o
máximo bem, e
que por ela vale a pena até morrer.

Vimos assim que todas as formas de amor, tanto as que surgem do estado
nascente como dos outros mecanismos - o prazer, a indicação e a perda -,
comportam sempre
a criação ou a recriação de uma colectividade de que fazemos parte e que
nos plasma. Podemos portanto concluir dizendo que o amor é o aspecto
subjectivo e emocional
do processo em que nós geramos, ao mesmo tempo que por outro lado
somos gerados, por algo que nos transcende. ; , i v

280
AMOTE

De tudo o que dissemos segue-se uma importantíssima consequência.


Que, se o amor durar, se se prolongar no tempo, significa que continuam a
funcionar os processos,
os mecanismos que funcionaram no momento inicial, da revelação, da
descoberta, do enamoramento. O amor, se existir, enquanto existir, é sempre
«nascente». E sempre
descoberta, revelação, admiração, adoração, desejo de união com algo
que nos transcende e que dá ordem e sentido ao mundo. A pessoa que
amamos é sempre, no momento
em que a amamos, aquilo que se nos está revelando como sendo o eixo
do mundo, aquilo em que transparece a essência do mundo, o ordenador do
mundo. Por isso o amor
é sempre arrepio do absoluto no contingente, algo de misterioso,
maravilhoso e divino. E quando é correspondido, é dom, graça que pede louvor
e reconhecimento.
U’

281
#20

O CASAL ENAMORADO

O casal enamorado : <

Há casais em que os dois, mesmo anos depois, continuam amantes,


continuam enamorados. Não nos interessa saber se isto dura toda a vida ou só
um longo período. Não
nos interessa sequer saber se estes casos são muitos ou poucos. Se no
futuro aumentarão ou diminuirão. O que conta é que existem. Nestes casais as
propriedades extraordinárias
do estado nascente têm a propriedade de se regenerar. O movimento
torna-se instituição, mas a instituição conserva a frescura, a energia do
movimento. O enamoramento
torna-se amor, mas o amor conserva a emoção, o erotismo, o arrepio do
enamoramento. Cada um deles olha para o marido ou para a esposa com os
mesmos olhos espantados
e reconhecidos com que o enamorado olha para a enamorada. Ao acordar
de manhã, fica admirado ao ver beleza a seu lado. De vez em quando, de
repente, sente um arrepio
de comoção e um sentimento de emoção. E é consciente do privilégio
extraordinário, do dom extraordinário que lhe foi concedido. Então pode
legitimamente dizer «estou
enamorado da minha mulher», «estou enamorado do meu marido».
Como é possível? Para responder temos de recordar o que já descobrimos
ao respondermos à pergunta «o que é o amor?». O amor não é uma
modalidade de estar, mas de
tornar-se. É o eco interno de um processo em que cada um gera aquilo
que por sua vez o gera. É um abrir os olhos, espantados, para a beleza do ser.
Um casal mantém-se
enamorado se as duas pessoas mudarem, crescerem, se transformarem e
se reencontrarem, se redescobrirem, se se olharem com os olhos
resplandecentes do estado nascente.

Um casal pode manter-se unido pelo hábito, pela ternura, pela

283
#FRANCESCO AlBERONI

ajuda recíproca, pelo facto de terem construído coisas em comum. Mas só


se mantém enamorado se conseguir satisfazer no seu interior o impulso
criador da mudança.
Todas as investigações mostram que a exposição repetida a um mesmo
estímulo positivo produz, a dada altura, reacções negativas. Todas as
investigações mostram que
a repetição da mesma solicitação erótica produz aborrecimento e
indiferença. Só a introdução de estímulos novos cria excitação e prazer.1 O
casal mantém-se enamorado
se responder a esta exigência de novidade. Se no seu interior se
reacenderem novas solicitações. Como uma sucessão de repuxos de água
fresca. Pelo que o casal amoroso
não é aquele que não modifica nada dentro de si e à sua volta, mas
aquele que se renova continuamente e que renova continuamente o seu
mundo. Não é aquele que se
mantém idêntico, mas aquele que muda. Um organismo só vive se as suas
células se renovarem continuamente. O pensamento só pensa se passar
continuamente para novos
temas. Pensar significa criar problemas e resolvê-los. A vida é renovação,
procura e ascensão. O casal mantém-se enamorado se a energia da mudança,
a energia exploradora
continuar a operar revitalizando-o.

Isto significa que o casal se mantém enamorado se conservar uma


componente de surpresa, de risco, de incerteza, de descoberta, de revelação.
A vida amorosa do casal
desenvolve-se entre duas polaridades opostas e ambas indispensáveis. A
primeira é a segurança, a fidelidade, a animação recíproca, o desenvolvimento
de esquemas
comum de comportamento com os quais enfrentar da mesma forma os
problemas e os perigos. A segunda polaridade é mistério, encanto, aventura. É
necessário que a relação
entre os dois amantes conserve uma margem de incerteza, de
insegurança, de risco. A previsibilidade absoluta do comportamento é típica do
mundo inanimado, do autómato,
da máquina. A vida é, por definição, imprevisibilidade. O espírito é
liberdade. Portanto, também no casal amoroso nenhum dos dois pode estar
absolutamente seguro
da resposta do outro ou do seu amor. O outro mantém-se um ser
autónomo, livre e sempre novo. A aliança não existe só por si como um objecto
inanimado, como uma rocha.
Existe porque é continuamente renova-

AMO-TE
da. Para ser renovada tem de ser posta em questão, desafiada pelos
perigos, tentada pela sedução. No casal enamorado cada um tem de
perscrutar o rosto da pessoa
amada para ver se ela é feliz ou não, para receber uma resposta e um
sorriso. Nos bastidores tem de haver sempre um pouco de insegurança, de
apreensão, ciúmes, ansiedade.
Cada um tem de se aproximar do outro com atenção, com respeito, até
com temor, porque ninguém pode ter a certeza absoluta de ser correspondido.
Mas esta procura,
este duvidar, este perscrutar o rosto do amado à espera do sim acaba
sempre de forma positiva. O romance tem um fim feliz.

Mas continua um romance. E o facto de acabar sempre bem , não é ponto


assente, tem de ser procurado e merecido. De qualquer

modo aparece sempre como um dom, uma graça. O sim do amado


aparece sempre como um milagre. Um milagre que se repete. Na oração Jazer
’or do Shemah agradecem a Deus
por fazer aparecer diariamente a noite e o dia, porque renova todos os
dias a obra da criação.1

No amor nós passamos inúmeras vezes pela experiência da perda e do


reencontro, do exílio e da chegada à Terra Prometida. Desejei-te e encontrei-te.
Fui-me embora
e regressei. Perdi-te e reencontrei-te. O amor é um contínuo procurar, um
contínuo perder-se, e em contínuo reencontrar-se. O ser é apenas um
descobrir, algo que
vem ao nosso encontro, que se nos desvenda. Porque no mundo tudo é
frágil e precário, tudo se desvanece. Mas no amor regressa, reencontra-se.
Vem ao nosso encontro
mais do que merecemos. Melhor, mais do que imaginámos, pensámos. A
nossa vida ficou incompleta noutros campos, mas não onde existe o amor. Aqui
conheceu a perfeição.
Tornou-se digna, porque foi tocada pela graça.
Sempre renascente

O estado amoroso dura enquanto continuarem a funcionar os mesmos


mecanismos que vimos em acção no enamoramento: o prazer, a perda, a
indicação, o estado nascente.
Mas não funcionam de forma explosiva, como numa supernova ou numa
explosão termonuclear,

Veja-se K. Kelley, D. Musialowsky «Repeated Exposure to Sexually Explicit


Stimuli: Novelty, Sex and Sexual Attitudes» in Archives of Sexual Behaviour,
1986, 15,
pp. 487-489. ..,.,..,

’Joseph Heineman, Lapreghiera ebraica, Edizioni Qiqajon, Vicenza 1992,


pp. 115-116.

284

285
#FRANCESCO ALBERONI

>im de forma controlada, como acontece no Sol ou numa cenluclear. Os


processos são os mesmos, a natureza das energias a ia. Mas em vez de uma
única explosão violenta,
temos uma su-
3 de clarões de fogo. O amor mantém-se, na sua natureza proi,
descontínuo. Nas tempestades, nos erros e nas ansiedades da a pessoa amada
volta a ser todas as vezes
o eixo do mundo. Por incontramos no casal amoroso as mesmas
experiências do enamento, mas como ondas, como sobressaltos, como jactos
frescos
que o renovam,

”omecemos pela unicidade do nosso amado. O milagre doamor


está no facto de ele conceder a todo o ser humano, até ao mais ;, até ao
mais feio, a divina experiência de ter o que é mais importante que qualquer
outra coisa,
o que mais vale neste mundo, experiência, intensíssima no momento do
enamoramento, em
casais desaparece. Depois de algum tempo cada um faz como os com os
outros e parece-lhe que há alguém preferível ao ao seu marido. No casal
amoroso, pelo contrário,
há um momento, porventura durante uma festa, ou uma viagem que o
marido olha para a mulher e fica «arrebatado». Apersebe-se que a prefere a
qualquer outra, que não
poderia encontrar
melhor, que a vida, ao dar-lha, lhe deu infinitamente mais do quilo que ele
seria capaz de sonhar, do que aquilo que seria capaz de imaginar. E sente-se
grato, satisfeito,
feliz, guando nos enamoramos, a pessoa amada dá início à nossa vida, e o
seu coroamento. É como uma jornada de sol: inicia-a e termina com ela. Ela é
o alfa e o
ómega, a aurora e o ocaso.
esta experiência de inicio e de completude que acompanha a vida do
casal amoroso. Não duma forma contínua, mas sim ntínua, por ascensões,
recomeços. De vez em quando,
reflec-

sobre a nossa vida, vemo-la na sua inteireza e apercebemo-nos graças ao


amor, ela foi lindíssima. Compreendemos que recebe-la essencial e sentimo-
nos satisfeitos.
É verdade que podemos ainda muitíssimo e temos um número infinito de
coisas para
fazer, aconteça o que acontecer, sabemos que já tivemos muito,o
suficiente. De qualquer modo estamos preparados para entregar o nosso
destino. Ao lado do amado
conseguimos olhar sempre
ate para o limiar da morte. Uma vida completa é perfeita, e reende
também a sua morte.

286

AMO-TE

A princípio, todos os enamorados namoram. Cada um quer ser bonito,


interessante, encantador para agradar o outro. O homem torna-se amável,
solícito, e sente vir
espontaneamente aos seus lábios expressões poéticas. A mulher torna-se
mais suave, meiga, atraente. Ambos querem agradar ao outro, tornar-se
desejáveis, irresistíveis.
E ao mesmo tempo prometem amor e devoção. O comportamento de
namoro é um compromisso, uma promessa: «Olha», diz ele, «como me vou
comportar quando formos casados.»
Mas, normalmente, estes comportamentos desaparecem com a rotina do
dia a dia. Como se, uma vez garantida a posse estável da pessoa amada, já
não houvesse nenhuma
necessidade de conquistá-la, de seduzi-la. No casal enamorado, pelo
contrário, a sedução continua. A mulher prepara-se para o encontro com o
marido como se fosse
a uma festa, como se quisesse que um desconhecido lhe fizesse a corte.
Temos necessidade absoluta de novidade. É para isso que servem a vida
mundana, as festas,
os bailes, o corpo nu na praia, as separações, os jogos. Para podermos
olhar para a nossa mulher ou para o nosso marido com os olhos dos outros. No
casal enamorado
cada um quer agradar ao outro, quer seduzi-lo como se fosse um
desconhecido. Não dá nada como ponto assente. Pensa sempre que o outro
poderia não amá-lo, que tem
de merecê-lo. E por isso cada encontro conserva um pouco da emoção do
enamoramento.

No casal enamorado cada um quer também demonstrar o seu valor social.


Todas as sociedades têm provas, rituais, em que o homem põe em evidência
aquilo que é considerado
importante: a prestância, a força, a destreza, a coragem, a riqueza, a
capacidade guerreira, a força de carácter. E a mulher, a beleza, a elegância, a
graciosidade,
a fidelidade, a inteligência. Depois do casamento, na vida em comum,
muitas vezes este processo interrompe-se. No casal enamorado, pelo
contrário, continua. Cada
um quer continuar a demonstrar ao amado que tem valor, que os outros o
apreciam pelas suas qualidades, pelas suas virtudes, pelo seu valor. E que por
isso merece
a sua estima e o seu amor. No casal enamorado cada um sabe que tem de
merecer o amor, conquistá-lo também socialmente.

No casal amoroso continua também a procura da própria verdade, da


própria essência. Amar significa subir e ajudar o outro a subir a escada do ser.
Por isso cada
um está comprometido no contínuo aperfeiçoamento de si mesmo. Aos
seus olhos, aos olhos do

287
#FRANCESCO ALBERONI

amado, aos olhos dos outros. Ao mesmo tempo, enquanto olhamos para a
pessoa amada como um prodígio do ser, sabemos também que pode florescer,
desabrochar. Sentimos
que o nosso objectivo é ajudá-la a revelar o melhor de si mesma. No casal
amoroso este aperfeiçoamento de si e do outro continua com a prudência e a
paciência necessária.
Cada um transforma-se para se adaptar ao seu ideal e ao ideal que o
outro tem dele. Desta forma ambos se tornam melhores do que seriam se
tivessem continuado separados.
As suas vontades fecundam-se, as suas inteligências interactuam, as suas
capacidades completam-se. É o contrário da concorrência e da inveja, onde
cada um procura
predominar sobre o outro, rebaixá-lo. No casal enamorado cada um deseja
a perfeição do amado e quer que essa perfeição seja reconhecida. Por isso o
ajuda a subir
socialmente.
As pessoas que se amam verdadeiramente dizem mutuamente a verdade
por necessidade interior. Não estão dominadas pelo medo da mentira. A
intimidade foi definida como
possibilidade de comunicação de sentimentos profundos, arriscados. Por
isso um pôr-se em jogo, com medo de que o outro não nos compreenda, não
responda. Pelo que
gera emoções violentas e uma grande alegria quando nos apercebemos
que o outro nos compreende e está do nosso lado.1

As pessoas enamoradas estão sempre frescas, leves. Não se deixam


cristalizar nos hábitos. Não vão atrás de necessidades sem fim. Sabem
renunciar. Um sinal inconfundível
do casal amoroso é a ductilidade, a capacidade de modificar-se, de
adaptar-se. Porque conserva a plasticidade das origens. Nós somos capazes de
aprender e de nos
corrigirmos. O amor, como qualquer coisa viva, sobrevive graças à
invenção, à flexibilidade, à inteligência.

Uma outra característica do amor que dura é o comunismo amoroso. As


pessoas que continuam a amar-se não fazem uma contabilidade do dar e do
ter. Até o casal que
decidiu pela separação de bens de facto pode depois agir segundo o
princípio do comunismo. Cada um dá segundo as suas capacidades e cada um
recebe de acordo com
as suas necessidades. E o amor, precisamente por ser sincero e visar o
essencial, dá a ambos medida e moderação.

1 Veia-se R. H. Steven, E. Beach, Abraham Tesser, L’amore nel


matrimonio, in Robert J. Stéfríberg e Michael L. Barnes, Psicologia tfett’amore,
trad. ital. Bompiani,
Milão 1990, pp. 359-360. ’
288

AMO-TE

Ao lado do comunismo amoroso é muito forte o sentido de igualdade de


valor. Os enamorados sentem-se absolutamente iguais porque cada um pensa
que o outro vale mais
do que ele. O amor acaba no momento em que eu penso valer mais que o
meu amado e ter mais direitos que ele.

Para continuar a amar é preciso que a pessoa amada seja sempre, em


parte, transfigurada. Isto é, aparece «na luz do ser» em que nós vemos o
esplendor das coisas
como são. É algo que tem a ver com a humildade, um sentimento próximo
do religioso. E também tem qualquer coisa de religioso o respeito e o temor
com que nos aproximamos
dela. Porque ela está infinitamente próximo de nós e, ao mesmo tempo,
infinitamente distante e é infinitamente desejável. E sabemos que, se não nos
amasse, ficaríamos
perdidos. Então vemos, como que num clarão, como podia ser a nossa
vida se não nos tivéssemos encontrado, se não nos tivéssemos amado, se não
nos amasse. E sentimos
um arrepio de medo. Graça, milagre, estupefacção, medo, são tudo
emoções que aproximam o amor da experiência religiosa.

No enamoramento eu quero ser amado por aquilo que sou, pelo bem e
pelo mal. Mas, com o passar do tempo, com a consolidação da relação isto já
não me é suficiente.
Não me chega que o outro me diga «amo-te, amo-te, faças o que fizeres,
amo-te. És um parvo, mas amo-te, não te estimo, mas amo-te». Cada um
pretende afirmar-se a
si mesmo, quer ser reconhecido no seu valor, objectivamente. Não me
chega ser amado, quero também ser estimado, apreciado. Quero poder dizer:
«Mereci-o.» Quanto
mais o outro me diz «Amo-te, amo-te», mais surge dentro de mim a
objecção: «Não quero que me digas que me amas, quero ouvir-te dizer que me
estimas, que me aprecias
porque tenho verdadeiramente valor. Se me amares sempre, faça eu o
que fizer, tratas-me como uma criança e não como um adulto. Se me ofereces
tantas coisas bonitas,
mas não me dás a oportunidade de as merecer, se mas dás apenas como
teu dom gratuito, arbitrário, caprichoso, sinto-te como um déspota, como um
patrão a quem nunca
terei o direito de pedir. Eu não só quero amor como também
reconhecimento e direitos.»

289
#FRANCESCO ALBERONI

Uma comunidade viva

O casal é uma comunidade viva na qual se desenvolve um contínuo


processo de diferenciação, de criação. E ao mesmo tempo tem uma actividade
que reconstrói estas fracturas,
reconstitui a unidade e, desta forma, a mantém viva e conserva a sua
identidade.
As grandes civilizações são animadas por violentos processos criativos,
por conflitos, por contraposições. Mas todas estas forças não levam à
desintegração, porque
os seus membros são conscientes da importância da civilização que estão
construindo, amam-na. Querem modificá-la, mas não destruí-la. Uma
comunidade viva utiliza
todos os indivíduos, todas as suas energias, todos os conflitos, todas as
criações para se aumentar, para prosseguir. É criada por eles e, por sua vez,
cria-os,
plasma-os, indica os seus fins e valores. Por isso, os seus membros nem
sequer pensam sair dela. Como diz Romeu na tragédia de Shakespeare: «Não
existe mundo fora
das muralhas de Verona!» Aquela sociedade, aquela igreja, aquele partido
é o seu horizonte de valor. É o que dá valor às acções. E o que dá sentido até
ao confronto,
ao conflito. Os diferentes partidos lutam para tornar melhor o seu país. As
escolas teológicas para consolidar a verdadeira religião. Por isso o exilado
continua
a amar a sua pátria apesar de expulso dela, o herege a sua religião
embora o tenha condenado.

Nós não temos só objectos de amor individuais. Amamos também


objectos colectivos: a nossa pátria, o nosso partido, a nossa igreja, a nossa
família. E quanto mais
orgulhosos estamos de pertencer a estas entidades colectivas e lhe
dedicamos as nossas vidas mais fortes elas são.

O mesmo é válido para o casal. O amor de casal não é feito só do amor


que cada um sente pelo outro, mas também daquele que nós os dois sentimos
em relação à colectividade
formada por ambos. E o casal só dura se existir este tipo de amor, de
orgulho. Dura se dermos importância ao nosso amor, ao nosso ser casal, a isso
que andamos a
fazer juntos. Se aceitarmos até ao fim a nossa vocação amorosa. Não é só
o desacordo individual que torna frágil o amor, é sobretudo a falta de fé na
nossa união,
na nossa missão.

Os enamorados estão orgulhosos do seu amor, estão orgulhosos consigo


próprios. Estão convictos de que têm um valor e uma tarefa, pensam que cada
uma das suas acções
tem de ser exemplar e mo-

290

AMO-TE

delar para todos No estado nascente a entidade colectiva que emerge é


mais importante que cada um dos membros que dela fazem parte, porque é
através dela que eles
se reconhecem, se renovam, se aperfeiçoam. Mesmo depois o amor só
continua se continuar a renovar-se este tipo de experiência, esta fé. Quando os
dois membros do
casal começam a fazer a contabilidade de perdas e ganhos, quando
voltam a ser importantes como indivíduos singulares, quando o indivíduo se
vira para si mesmo, para
o seu egoísmo e para a sua mesquinhez, o amor desaparece. O amor só
existe se for capaz de dar mais do que recebe. Só se o indivíduo conseguir
fundir-se numa entidade
mais importante que ela, que o transcenda e o enriqueça.
O casal é uma entidade viva que quer existir, quer afirmar-se no mundo.
Ele tem de ser visto como um poder social, cultural, ideológico, político. Como
um centro
organizador com uma ideologia. Ele é consciente do seu valor, justifica as
suas acções, faz as suas próprias leis. Expande-se organizando o seu meio
ambiente como
um Estado, como um Partido, como uma Igreja. E sobrevive se for capaz
de controlar as suas tensões internas e as que provêm do meio ambiente. Se
souber defender-se
dos inúmeros ataques, repelir vitoriosamente as ameaças que tendem a
enfraquecê-lo e a desintegrá-lo.

História e destino

Qualquer formação social recorda com orgulho o seu passado para


projectar o seu futuro. Até a mais pequena tribo comemora as gestas dos
antepassados, dos heróis,
transmite-as através das histórias. E, fazendo-as reviver, torna nobre e
resplandecente o presente. O rito religioso é a reactivação do tempo divino das
origens,
quando os deuses viviam na terra. Segundo Eliade1 toda a religião é
animada por uma perene nostalgia das origens. A lei e o rito hebraico
reactivam o que foi realizado
na época dos patriarcas: Abraão, Jacob, Moisés. O cristianismo recorda e
revive aquilo que Cristo realizou na terra. O islão, a vida em Medina e a palavra
divina
ditada a Maomé. O próprio marxismo tem os seus pais fundadores e os
seus textos sagrados. Toda a comunidade extrai a sua seiva vital da
recordação e
1 Mircea Eliade, Trattato distaria delie religioni, trad. ital. Boringhieri,
Turim 1956.

291
#FRANCESCO ALBERONI

da activação dos seus momentos heróicos, criativos. Encontra a força para


olhar para o futuro indo beber às suas recordações, aos seus períodos felizes,
às suas
glórias, aos seus heróis, aos seus maiores.

Mas nós sabemos que toda a comunidade surge do estado nascente. Nós
sabemos que o tempo divino das origens não é mais do que o estado nascente
de que ela nasceu.
O tempo divino das origens é o tempo da criação, quando tudo era
possível.

Por isso, toda a civilização só cresce conservando a sua identidade se,


periodicamente, reencontrar este seu passado e extrair dele força e frescura
de renovação.
Desta forma consegue manter-se jovem e recriar-se. Para nascer, todos os
grandes movimentos religiosos do cristianismo, estamos a pensar no de S.
Bento, no de S.
Francisco, ou de Lutero ou Calvino, regressaram às origens, à vida e ao
ensinamento de Cristo. E os surgidos depois remeteram para estas grandes
personalidades religiosas
constituindo assim uma tradição ininterrupta. O mesmo aconteceu no
judaísmo e no islamismo. E também no mundo laico, na política. Pensemos na
nação americana que
sempre apelou ao espírito dos pais fundadores, à declaração de
independência, às suas grandes figuras do passado, Abraham Lincoln, por
exemplo.

Pois bem, o casal não é senão a mais pequena comunidade existente. E


para ela valem as mesmas leis das comunidades maiores. Também o casal
nasce de um estado nascente,
o enamoramento, e se revitaliza através de novos episódios de
renascimento. Por isso ele dura e se reforça se estes processos remeterem
para o enamoramento inicial,
o redescobrirem, extraírem deles energias frescas, criativas. O casal
continuará enamorado se periodicamente redescobrir as suas origens,
reencontrar o seu espírito,
a plasticidade, o entusiasmo e se regenerar neles. Poderemos dizer se
cada um se re-enamorar da mesma pessoa.

Quando tudo isto acontece, as recordações, as experiências exaltantes


que os dois enamorados tiveram em comum, as lutas travadas juntos, as
experiências amorosas
são recordadas, reactivadas. E constituem um fermento vivo, uma energia
que alimenta o presente. O homem já não vê a sua mulher apenas como é
hoje, mas sim como
foi antes, em todos os momentos mais belos da sua vida, e volta a sentir a
ternura, o orgulho, a alegria de então. E a mulher, olhando para o homem de
hoje, revê
nele o que ele era, o rosto, os

-., • . 292

AMO-TE
i

gestos que admirava e adorava. Volta a sentir a doçura dos beijos e dos
abraços de então. Nenhum indivíduo está confinado ao seu ser presente, vai
adquirindo espessura,
profundidade e riqueza tendo por base tudo o que ele foi.

Para compreender melhor este processo temos de recordar que o


enamoramento é um movimento colectivo. E nos movimentos o chefe
carismático não é uma pessoa normal.
É extraordinário, brilha com luz divina. Com o passar do tempo forma-se
uma lenda sobre ele. As pessoas recordam os seus princípios difíceis, as lutas,
os triunfos.
E todos estes momentos ficam esculpidos na memória colectiva e no
coração dos fiéis. Todos os momentos da sua vida são recordados e tornam-se
exemplares. Ora bem,
no enamoramento, cada um é o chefe carismático do outro. Cada um vê o
outro como algo de elevado, de admirável, de sublime. E quando o amor dura,
a sua vida, tal
como a vida do chefe, torna-se uma biografia admirável, na qual todos os
momentos são importantes e, quando são evocados, dão força, provocam
alegria, comoção. O
amante comove-se vendo as fotografias do amado quando era criança,
quando era novo. E quando reflecte sobre o passado, quando revê as
fotografias ou os filmes de
momentos passados juntos, volta a sentir a alegria, a ternura, o ímpeto de
então. Estas emoções aquecem e enriquecem o presente.

Mas no casal não existe só a minha história e a do outro. Existe também a


história do nós, da colectividade criada juntos. Existe a recordação do que
fizemos juntos.
As dificuldades, as lutas, os esforços, as vitórias. E também as
objectivações do nosso trabalho comum. O amor dura enquanto este passado
e as suas objectivações
forem vividas como um único movimento positivo que vai em direcção ao
futuro. Porque passado e futuro são produzidos juntos, e não existe um sem o
outro. Quando
se estraga o passado estraga-se o futuro, e vice-versa. Por isso um casal
deve conservar as recordações agradáveis e deve ter medo da recordação dos
conflitos e
das feridas que os dois amantes tiveram.

Erotismo

Mas uma comunidade de amantes tem de ter também uma história


erótica e um futuro erótico. Na história do casal o erotismo é uma

293
#FRANCESCO ALBERONI

componente essencial. Se perder relevo, se cede o seu lugar a outros


valores, se não existir memória do erotismo do passado, pouco a pouco
apagar-se-á também o erotismo
do presente. E o mesmo vale para o futuro. Se o casal não der importância
ao erotismo, se o puser atrás de outras coisas, dia após dia o erotismo
desaparecerá. E
será substituído pela simpatia, pela ternura, pela confiança e pela ajuda
mútua, pela amizade, que são formas de amor todas elas, mas não de
enamoramento. Há muitos
casais deste tipo, nos quais os dois cônjuges já não se desejam, já nem
sequer se tocam, como se fossem irmão e irmã, como se estivessem
separados pelo tabu do incesto.
Algumas pessoas sentem-se mesmo assim satisfeitas. Mas não podemos
considerá-las como casais enamorados. O estado nascente amoroso distingue-
se do estado nascente
de todos os outros movimentos precisamente porque é inflamado pelo
erotismo, porque produz o desejo espasmódico da comunhão dos corpos, da
fusão dos corpos. O cimento
da comunidade amorosa é constituído pelo prazer que os corpos se dão. O
erotismo é a linguagem específica, insubstituível do enamoramento. Sem
erotismo, o enamoramento
é afásico. Não sabe falar, não pode existir. Um casal eroticamente mudo é
uma entidade diferente. Não é um casal enamorado.

E não basta sequer o amor virado para a própria comunidade, para a sua
afirmação, para as suas objectivações: os filhos, a casa. E preciso mesmo
gostar do outro
indivíduo. Gostar fisicamente, eroticamente. Gostar dos seus olhos, dos
seus cabelos, do seu nariz. Gostar do seu seio e das suas costas, da forma
como caminha.
E preciso o desejo de tocá-lo, de beijá-lo, de deixar-se beijar, de apertá-lo,
de deixar-se apertar, de dormir nu com ele, com ela, de fazer amor. E dado que
aquele
corpo não me saciou, o desejo renasce, regressa, renova-se. O casal
enamorado não vai para a cama para dormir, vai para a cama fazer amor,
embora depois, esgotado,
adormeça logo a seguir de mãos dadas.

Não existe desejo erótico sempre, a todo o momento. A vida em comum


não é sempre uniformemente erotismo. É feita também de outras coisas.
Acorda-se, dorme-se, come-se,
trabalha-se, discute-se, viaja-se. Mas no casal enamorado o erotismo está
sempre atrás de cada esquina, pronto a irromper. Enquanto o outro se lava,
enquanto o outro
faz a barba, enquanto ela despe camisola e mostra o seu corpo nu. Ou
quando ela, perfeitamente maquilhada, levanta os

AMO:TE

olhos maliciosos. O erotismo é sempre um despertar, um abrir os olhos


estupefactos, ardentes de desejo. É a passagem para uma outra dimensão.1 É
como abrir uma porta.

O casal enamorado é também aquele em que cada um, quando vê de


longe o seu amado na companhia de outras pessoas, quando se cruza com ele
no caminho, quando o observa
sem se deixar ver numa refeição, numa festa, tem uma curiosa impressão
de desdobramento. Sabe que aquela pessoa é a sua mulher ou o seu marido. E
fica encantado
a olhar como se fosse um desconhecido, alguém que nunca viu. Fica
fascinado por ele, não consegue tirar os olhos de cima dele. Parece-lhe a mais
bela criatura que
alguma vez já viu, a mais encantadora, a mais desejável. E fica admirado
por aquela pessoa que tanto lhe agrada ser precisamente a que vive com ele,
a que compartilha
os seus dias e a sua cama. Quase nem acredita. Dá por si a pensar que, se
não a conhecesse já, gostaria de conhecê-la, de falar com ela. E nem sabe
sequer se teria
a coragem de o fazer, porque lhe parece distante, demasiado alto. Ficaria
hesitante, tímido.
Mas não será esta a experiência do amor à primeira vista, dos momentos
de revelação e de descontinuidade típicos do enamoramento? Nós sabemos
que estas experiências
aparecem quando ficamos indefesos, quando nos abandonamos ao
fascínio do outro, ao seu poder sedutor. No casal amoroso a vida diária cria
pouco a pouco opacidades,
resistências. O cansaço, o trabalho, as discussões, a fadiga, são como
muitos tijolos colocados diante do rosto da pessoa amada. São véus, vendas
colocadas nos nossos
olhos. Travões, resistências, medos que aprisionam o nosso entusiasmo,
que travam o nosso desejo de vida extraordinária. A vida diária aprisionou-nos,
apagou-nos.
Mas eis que, de repente, o nosso impulso vital prevalece. Rompe a
barreira opaca e faz-nos ver de novo o objecto do nosso desejo. Que sempre
esteve ali, mesmo nos
momentos em que estávamos entorpecidos, adormentados. Os nossos
olhos abrem-se. O erotismo é um despertar.

294

’ Veja-se Sasha Weitman, On the Elementary Forms of the Socioerotic Life,


cit.

295
#FRANCESCO ALBERONI

Complexidade

O casal amoroso é uma entidade complexa em que cada indivíduo


desempenha, aos olhos do outro, inúmeros papéis. Como se não fossem duas
pessoas, mas sim muitas pessoas
que desenvolvem actividades diferentes e que interactuam, discutem,
criam e modificam o mundo. O casal amoroso não é construído como um
diálogo, mas sim como uma
sinfonia.

Funda-se na coexistência de dois princípios aparentemente opostos. O


primeiro é o da complementaridade. O segundo o da substituibilidade.

Comecemos pelo primeiro. Em todos os casais as capacidades dos dois


membros devem ser complementares. As capacidades e as qualidades do
primeiro devem completar
e corrigir as do outro. Se um for entusiasta, o outro será reflexivo e
prudente. Se o primeiro for optimista e não vir os perigos, o outro será bom
que seja um pouco
pessimista, vigilante. Se um for violento, o outro deveria ser diplomático.
Se um for pródigo, será melhor que o outro seja parcimonioso. Se o primeiro
for rígido,
que o outro seja tolerante.

Também as actividades deveriam ser complementares, as tarefas


divididas. É inútil os dois fazerem tudo. Da decoração da casa ocupar-se-á
sobretudo quem tiver melhor
gosto. Dos negócios, quem for mais capaz e hábil. E o outro deveria ter a
humildade de o reconhecer e deixar fazer. Há pessoas que têm uma visão de
conjunto, outras
que sabem tratar do particular. Há pessoas dotadas de fantasia, outras
mais realistas. Então as primeiras criam as fábulas e os jogos para as crianças.
As outras
organizam a casa, a vida em comum. Em suma, cada um ponha a render
livremente as suas qualidades melhores, a sua criatividade.
E agora vejamos o princípio da substituibilidade. Os membros de um casal
enamorado e harmonioso devem ter também uma grande afinidade electiva.
Cada um deve compreender,
apreciar o trabalho do outro, estar em condições de colaborar com ele. Se
o marido não tiver gosto estético para decorar, será no entanto importante
que saiba compreender
e apreciar o que a sua mulher fez. Se for distraído, deve no entanto
concordar com o facto de que é melhor a ordem e saber executar
cuidadosamente as orientações
que recebe. Na realidade, num casal enamorado, embora cada um se
atribua

296

AMO-TE

como papel aquilo que sabe fazer melhor, identifica-se também com o
outro. Compreende-o perfeitamente, compartilha os seus objectivos, aprecia-
os e sabe reproduzir
os seus processos mentais. Dois cônjuges enamorados compreendem-se
sem necessidade de se falarem, basta um simples gesto, um olhar, ou talvez
nada. Por isso reagem
da mesma forma sem sequer se consultarem. Mesmo quando fazem
trabalhos diferentes, cada um acompanha o do outro, e pode ajudá-lo,
aconselhá-lo, dar-lhe sugestões
úteis. Chegando até a substituí-lo quando falta, a tomar uma decisão no
seu lugar.

Estou a lembrar-me de um casal muito harmonioso. Ele criara uma


importante empresa de instrumentos electrónicos, conhecida em todo o
mundo. A sua mulher nunca trabalhara
nela. Na sua divisão de tarefas, o marido preocupava-se com a empresa.
No entanto ele contava-lhe tudo o que acontecia nela. Ela ouvia com atenção,
participava intensamente.
Desta forma, tinham sempre discutido juntos todos os problemas e todas
as decisões financeiras e organizativas mais importantes. Ela conhecia todos
os colaboradores
do marido e várias vezes exprimira as suas avaliações e as suas
sugestões. Mas sempre de fora, sem qualquer papel formal. Quando o marido
morreu, todos esperavam
que ela vendesse a empresa. Pelo contrário, para admiração de todos,
chamou os dirigentes e disse-lhes que a dirigiria ela pessoalmente. Só tinham
de ter um pouco
de paciência para lhe explicarem as questões técnicas que ainda não
conhecia. Mas que aprenderia. E assim fez. Instalou-se no gabinete do marido
e, em pouco tempo,
tomou as rédeas da situação. Mostrou-se uma óptima empresária e hoje a
sua empresa é mais próspera e importante do que antes.

No casal enamorado nenhum dos dois vê no outro uma só pessoa, mas


sim muitas pessoas diferentes, sempre novas, sempre surpreendentes. Uma
noite, conversando com
um amigo meu que depois de quinze anos de casamento olhava com
olhos amorosos para a sua mulher eu disse-lhe: «Olha que a tua mulher, para
ti, não é só uma mulher.
É muitas mulheres diferentes. Fina como um junco, graciosa, segura-la
nos teus joelhos como uma criança, brincas: é tua filha. Ao mesmo tempo
cuida de ti: é tua
mãe. É bela, admira-la: é uma diva. Mas é também a tua amante, a tua
geisha. Cuida da tua casa, portanto é a tua governanta. Ajuda-te com todo o
desvelo: é a tua
secretária. Ao mesmo tempo guia-te: é o teu dirigente.
297
#FRANCESCOALBERONi

cúmplice. Apoia-te: é a tuamais fiel aliada na luta E, na reali-


dade são muitas pessoas diferentes.
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