Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2392 7766 1 PB
2392 7766 1 PB
RESUMO. O presente estudo tem o objetivo de revisar a recepção crítica das Canções sem
metro, de Raul Pompéia, conferindo especial atenção aos trabalhos de Venceslau de Queirós,
Maria Luiza Ramos, Lêdo Ivo e Sônia Brayner.
Palavras-chave: crítica literária, Raul Pompéia, Canções sem metro, história da Literatura Brasileira.
ABSTRACT. The critical reception of Raul Pompéia’s Canções sem metro. The aim of
this paper is review the critical reception of Raul Pompéia’s Canções sem metro, paying special
attention to the reviews by Venceslau de Queirós, Maria Luiza Ramos, Lêdo Ivo and Sônia
Brayner.
Key words: literary criticism, Raul Pompéia, Canções sem metro, Brazilian Literature history.
artigo aos trabalhos apontados e às diversas opiniões Bertrand e seu Gaspar de la Nuit (1842) e de
críticas encontradas, mesmo que se restrinjam a Baudelaire e seus Petits Poèmes en Prose (1869)” (p.
comentários não desenvolvidos analiticamente, o 418), mas considera que nem todas se apresentam
que lhes confere mais um status de impressão de como poéticas. O malogro dessas composições, que
leitura do que de crítica científica. “se enquadram no perímetro da crônica, oscilando
entre a narrativa e o tom poético ou reflexivo” (p.
Opiniões diversas 418), deve-se, em sua opinião, à incompatibilidade
entre o estilo almejado e a cosmovisão do autor.
Afrânio Coutinho (1982) e Xavier Placer (1963)
Por fim, José Guilherme Merquior (1996), sem
consideram que Raul Pompéia é o pioneiro no
entrar em detalhes, considera que a prosa poética das
gênero da poesia em prosa no Brasil; no entanto,
Canções sem metro se aproxima do “decorativismo
Xavier Placer e Andrade Muricy não apreciam
parnasiano” (p. 258).
positivamente a obra. Para o primeiro, as Canções sem
metro são “castigadíssimas” e “mesquinhas” por
A crítica de Venceslau de Queirós
terem sido polidas e repolidas por anos a fio; para o
segundo, elas são frias, sem emoção. Aliás, Muricy O artigo de Venceslau de Queirós foi publicado
inclui duas somente na segunda edição do seu em 27 de julho de 1901, no Diário popular, e
Panorama do movimento simbolista brasileiro devido, apresenta um caráter mais informativo do que
provavelmente, às reclamações de Lêdo Ivo (1963, p. analítico, o que era próprio da crítica literária do
34) - mesmo assim, não discorre sobre elas. século XIX. Objetivando primeiramente a
Eugênio Gomes afirma que os poemas em prosa divulgação da obra (publicada no ano anterior), o
são marcados pelo impressionismo e pela écriture artigo divide-se, grosso modo, em dois momentos.
artiste. Em “O lado marcial de Pompéia” (1958), No primeiro momento, filia as Canções sem metro
considera que o trabalho meticuloso não sintoniza ao recente gênero dos poemas em prosa e compara
com o temperamento do autor, que, sendo marcial, Raul Pompéia a Louis Bertrand, pois considera que,
melhor se expressava numa escrita impulsiva e além da afinidade literária, há também uma afinidade
vibrante como a que encontramos em O Ateneu, biográfica: ambos morreram pobres, abandonados e
folhetim escrito no curto tempo de três meses para a com o “gênio abafado pela inveja e pela indiferença”
Gazeta de Notícias (RJ). Além disso, aponta a origem (Pompéia, 1982, p. 30). Apesar da referida
dos poemas em prosa nos contos denominados comparação, aponta Baudelaire como a principal
“Microscópicos”, pois também observa neles a influência direta - principalmente no que toca à
extrema brevidade narrativa e a presença do teoria das correspondências, ao pessimismo e ao
impressionismo e da écriture artiste, estilo que julga spleen - e reconhece o pioneirismo de Pompéia no
proveniente de François Coppé. gênero, pois, em sua opinião, “nenhum escritor
Em relação ao estilo, a opinião de Afrânio brasileiro fez ainda trabalho igual, apesar de muitos o
Coutinho (1982) sobre as Canções sem metro é um terem tentado” (p. 30).
pouco confusa. Embora afirme que “andou bem
[...] Manuseando as primeiras páginas desta bela
Andrade Muricy incluindo-o [Raul Pompéia] em coleção de pequenos poemas, feitos à feição dos de
seu monumental panorama do simbolismo” (p. 21), Louis Bertrand e Charles Baudelaire, vejo logo que o
a sua compreensão do impressionismo como “uma seu autor seguiu o mesmo processus artístico daqueles
inserção do simbolismo no realismo e uma escritores franceses, (...) a sobriedade, a precisão, o
preparação do modernismo” (p. 21) torna confusa a destaque, o vigor, o colorido, o brilho, a nuança, no
sua posição. Surge a dúvida se as considera emprego dos vocábulos e no corte da frase, consoante o
simbolistas ou impressionistas, pois é bastante assunto dado. E, além de seguir tais requisitos, é
preciso que o escritor conheça os segredos da
estranho pensar que uma obra seja simbolista
musicalidade da frase dessa espécie de contraponto do
quando esse estilo e os seus valores são vistos como estilismo, a fim de que uma tal prosa poética, sem
subordinados aos do Realismo. ritmo regular e sem rima, se adapte, como reclama
Alfredo Bosi (1974), em História concisa da Baudelaire, aos movimentos líricos da alma, às
literatura brasileira, dedica poucas linhas à obra, ondulações da cisma, nos sobressaltos da consciência.
considerando-a um “ensaio estetizante de prosa (Pompéia, 1982:31)
poética, que resultou menos rico do que a linguagem
Num segundo momento, apresenta um resumo
d’O Ateneu, mas vale como prova de um extremo
dos temas e das influências presentes em cada uma
cuidado no traço das formas” (p. 205).
das partes que compõem a obra. Realça o
Massaud Moisés (1984) afirma que as Canções sem
pessimismo e o nirvanismo das canções, a influência
metro foram escritas “sob o influxo de Aloysius
indireta de Edgar Allan Poe, através de Baudelaire, e, é explicada, em grande parte, pela hostilidade que
ao final, compara-as aos Petits poèmes en prose, do Raul Pompéia tinha pelo seu progenitor. Não
último, quanto à organicidade em seu conjunto. Em podendo expressá-la devido ao “rigorosíssimo”
suma, considerando a época e o meio em que foi superego que possuía, transfere os sentimentos para
publicado, o artigo de Venceslau de Queirós a figura de Aristarco. Por fim, a dimensão política da
equilibra sabiamente elementos do biografismo e da crítica à sociedade brasileira do Segundo Reinado e
crítica temática, apresentando o mérito de apreciar e do seu sistema educacional é reduzida à necessidade
de valorizar alguns elementos intrínsecos e de catarse do autor.
estilísticos geralmente desconsiderados tanto pela Felizmente, ao tratar das Canções sem metro, no
crítica historicista como pela impressionista. capítulo VI, intitulado Poemas em prosa, Maria Luiza
Ramos restringe-se a uma análise em nível estilístico
A crítica de Maria Luiza Ramos - sem procurar compreender os poemas à luz da
psicologia. Surpreende que, em nenhum momento,
Em sua tese Psicologia e estética de Raul Pompéia
procure explicar a influência de Baudelaire com base
[1957?], Maria Luiza Ramos vale-se, conforme
na identificação masoquista com a melancolia, o
aponta o título, da psicologia como instrumental
spleen e o satanismo apontados em sua poesia; mas tal
crítico, porém procede de maneira a subordinar os
interpretação, a essa altura do texto, permanecerá
elementos intrínsecos aos extrínsecos. Servindo-se
inevitavelmente pulsando, insinuando-se nos
fundamentalmente de depoimentos escritos por
silêncios do discurso, pois, na introdução do seu
amigos, colegas e contemporâneos do autor, explica,
estudo, já considera como fato consumado a obra ser
de maneira determinista, os aspectos estilísticos e
expressão da personalidade do autor.
temáticos da obra com base na análise dos referidos
Para ela, a influência de Baudelaire nas Canções
depoimentos. Assim procedendo, conclui que a obra
sem metro “é patente não só quanto à intenção de
de Raul Pompéia constitui a “expressão dos seus
interpretar a analogia universal, mas também na
conflitos psicológicos submetidos às técnicas
técnica de concepção da imagem, quase sempre sob a
literárias da época” (p. 9), o que resulta em um
forma de comparação” (p. 81). No entanto,
reducionismo subjetivista que reedita, em outros
considera que Raul Pompéia se afasta do poeta
moldes, o determinismo das interpretações do
francês na medida em que “fêz dos poemas um
psicologismo historicista do século XIX.
instrumento da eloqüência e da moral, em flagrante
Desconsiderando a subjetividade dos
contradição consigo mesmo” (p. 80), de tal modo
depoimentos e as condições sociais e materiais
que privilegiou as idéias e a comparação dialética em
envolvidas na formação do caráter individual, a
detrimento das imagens, além de resvalar, não
pesquisadora, em poucas páginas, conclui “a
raramente, na pieguice romântica ao tratar da
existência de uma sub-estrutura masoquista na
simbologia das cores. Considera também que a
personalidade do escritor” (p. 18). Feito isso, passa a
abundância da adjetivação, não raro redundante, e o
interpretar o homem e a obra baseada no modelo
uso de “palavras e expressões anti-poéticas” são
teórico utilizado, reduzindo ambos a expressões
outros males do fanatismo pela eloqüência que
inconscientes de um temperamento “doentio”. Por
contribuem para o malogro das Canções sem metro.
conseguinte, as lutas republicana e abolicionista de
Por fim, é importante ressaltar que a autora
Raul Pompéia têm, em última instância, sua
considera os contos publicados na série Microscópicos
dimensão ideológica subordinada à expressão dos
como próximos dos poemas em prosa, parecendo-
seus conflitos psicológicos. O mesmo acontece com
lhe que “representam em sua obra um exercício
O Ateneu. As escolhas estilísticas, temáticas e
literário que se aprimoraria, no correr dos anos, até
ideológicas presentes na obra são explicadas com
atingir a forma caprichosamente trabalhada das
base na personalidade do autor. O uso da repetição
Canções” (p.56).
no estilo e a repetição freqüente dos temas devem-se
ao caráter neurótico de Raul Pompéia, pois “vivia
A crítica de Lêdo Ivo
sob o domínio da compulsão repetitiva, renovando
sempre, e inconscientemente, a situação adversa dos Dos críticos em questão, Lêdo Ivo é o que
seus primeiros conflitos” (p. 167). O uso das apresenta mais entusiasmo no trato das Canções sem
comparações zoomórficas não é considerado como metro e o mérito de ser o primeiro a conferir relevo à
decorrente da busca do colorido, da imagem análise do texto, privilegiando os elementos
inusitada ou da sátira, mas como “uma conseqüência intrínsecos.
da imaturidade emocional do autor” (p. 157). A No capítulo “A cosmologia malograda”, do seu
sátira ao sistema educacional e ao diretor do colégio livro O universo poético de Raul Pompéia (1963),