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OS CINEMAS DA CIDADE

Nos tempos em que o lirismo era mais autêntico e a exploração das cenas de sexo
eram menos vulgares, os filmes davam mais prazer de serem vistos. Que o digam os
puristas de ontem e de hoje. E a nossa terra não fugia às tradições românticas da época
(tanto é, que era chamada a “Cidade Cigarra”, por causa do número de pianistas e dos
concertos que tive o prazer de ver e ouvir). Havia, pois, em Formiga duas salas de cinema:
o Cine Glória e o Cine Rocha. O domingo era o dia em que íamos ao cinema. Isto, somente
após ir à Igreja São Vicente de Férrer. “Enfatiotados” (terminologia que o papai adotava
para designar quem está bem trajado), os da minha faixa de idade – por volta dos 13 e 14
anos – ia, então, “ver Deus”. Uns, os mais resistentes, assistiam à missa das seis do lado de
fora. Não posso me esquecer do Dico Perereca quando ele entrava na igreja, em pleno culto
e, na frente de todos, enfiava a mão debaixo da calça e coçava-se despudoradamente. Cena
que arrancava risinhos despistados principalmente de nós, o mais novos. Depois do sacro
evento, a turma descia a Silviano Brandão rumo ao Cine Glória, a fim de ver o filme das
oito (com o tempo, à medida que a idade avançava, outro rumo era tomado, o do Clube
Centenário). Não era raro a fila estar longa, mas os metidos a valente, invariavelmente, a
furavam sem a menor cerimônia. Os pirralhos tinham que sair da frente ou levavam um
“trompaço”(outro termo de outrora..., hoje estou inspirado). O tipo de película variava. Os
de censura livre eram estrelados por “Gerri Levis” (menos conhecido pelo seu nome real:
Jerry Lewis), ou por “Jovaine” (ou John Wayne). Tinha outros comediantes que faziam
sucesso também, como Cantinflas e Mazaroppi. Sem contar com Carlitos (Charles Chaplin)
e outros do gênero. O dinheiro para ver a fita era rigorosamente contado. Às vezes, com o
troco podíamos comprar um saquinho de pipoca ou de bala Chita. O porteiro era o Olimer e
o dono do cinema era o bravo “Seu” Franklin, que quase sempre flagrava os bagunceiros
com sua lanterninha indiscreta em pleno filme. Essa luzinha incomodante também flagrava
os mais abusados que, com suas namoradas, ultrapassavam os limites das “mãos dadas”.
Esses, ainda tinham que ouvir uma sonora espinafração. Os incorrigíveis, vez ou outra, erm
expulsos do cinema pelo referido disciplinador. Como sempre fui franzino, quase sempre
era barrado quando o filme era censura 14 anos. Sabia que era recomendação do papai que
exigia o cumprimento das leis, porque era também Juiz de Menores. De quando em quando,
o dono do cinema o chamava para assistir à uma sessão vespertina, visando “aplicar” a
devida “idade” ao filme. Por sinal, soube disso muitos anos depois. Geralmente, os filmes
impróprios para menores de 18 anos eram os do James Bond e, obviamente, as famigeradas
pornochanchadas, além dos filmes policiais mais violentos. Assim sendo, papai baixava um
memorando que ficava afixado na portaria do Cine Glória. Antes de começar as fitas
distribuídas pela “Condor Filmes”, todos, em uníssono entoavam um “shhhhhhh”
(exatamente quando aparecia um condor no alto de um pico). Bagunça generalizada que
irritava o proprietário do cinema e fazia todos caírem na gargalhada. Mas, o que mais
irritava o dono do teatro era quando se ouvia o estouro de um saco de papel cheio de ar. E o
que dizer das bombinhas que dentro do recinto eram jogadas por quem estava de fora?
Susto e tensão, porque imediatamente o filme era interrompido e a luz era acesa para
procurar o fogueteiro. Nos dias de semana, o cinema mais freqüentado era o Cine Rocha,
que ficava na Chapada. Aquele teatro era uma espécie de sala de filmes “cult”, ou de arte.
Era bom ir com o papai, porque além de não pagar, eu ficava com ele no camarote para as
autoridades. Dali, podia ouvir o som da fita rodando no projetor, o que dava uma sensação
diferente. Quem assistiu “Cinema Paradiso”, há de me entender. Era melhor ainda, quando
o filme era em “cinemascope”. Como saboreei esses bons tempos! Nostalgia saudável!

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