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IMPRESSO ESPECIAL

CONTRATO
Nº 050200487-8/2001
ECT/DR/RJ
IBASE
(INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES
SOCIAIS E ECONÔMICAS)
ENVELOPAMENTO AUTORIZADO - PODE SER ABERTO PELA ECT

Uma publicação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas Ano 9 • Nº 115 • Fevereiro 2003

FUSÃO DIGITAL DE IMAGINATTO SOBRE FOTOS DE NANDO DIAS E SAMUEL TOSTA


Este foi o recado que
5 milhões de pessoas
de 60 países mandaram
a George W. Bush,
presidente norte-
americano, no último
dia 15. O repúdio à
guerra também foi
o principal tema do
Fórum Social Mundial
2003, encontro no qual
100 mil pessoas
celebraram a vida.
Pág. 8

Polêmica das cotas Entrevista: O desafio da autogestão


expõe racismo à brasileira Marcelo Yuca em Porto Alegre
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2 • Jornal da Cidadania • Nº 115 • Fevereiro 2003

• mrco@imagelink.com.br • Amigo do Ibase


Pelo terceiro ano consecutivo, o Fórum Social Mundial proporcionou às
sociedades dos países participantes um início de ano mais esperançoso.
No caso do Brasil, esse sentimento tem um sabor a mais, proporcionado
pelo tempero local – a cidade de Porto Alegre. E também por acontecer
no momento de instalação de um governo que nos aponta perspectivas
férteis de adoção de um modelo de desenvolvimento diferenciado, desta
vez baseado na justiça social.
A própria ida de Lula ao evento e o carinho com que foi recebido
pela população que ali se instalou – cerca de 70 mil pessoas que se
apertaram no Anfiteatro Pôr-do-Sol para ouvir um discurso rápido, não
mais que meia hora, e que depois ganharam as ruas apenas para acenar
enquanto seu carro partia – são uma demonstração da confiança que
vem sendo depositada no novo governo.
Essa confiança está embasada em atos que ultrapassam a barreira
das promessas de campanha. Durante os seis dias de Fórum – de 23 a
28 de janeiro – tivemos o anúncio da criação de três espaços valiosos de
interlocução entre governo, sociedade e empresariado: o Conselho de
Segurança Alimentar, do qual o Ibase fará parte; o Fórum Brasileiro de
Economia Solidária; e o Conselho Nacional de Política Urbana. Todos
são frutos da reivindicação social. Os dois últimos estão relacionados a
pastas inéditas na nossa história política – a Secretaria Nacional de Eco-
nomia Solidária e o Ministério das Cidades.
Também foi durante o Fórum que se consolidou o movimento Saudações Mário Osava, venho através desta damos encadernar e deixamos na Biblioteca Diocesana,
antimilitarista no Brasil, que já vinha circulando a passos de gigante na parabenizá-lo por seu artigo “Sem diploma” (publicado que tem 45 mil volumes. Em 2002, passaram pela
Europa e mesmo nos Estados Unidos, mas não aqui. Durante as pales- em dezembro). Eu, na qualidade de líder comunitário da nossa biblioteca 31.634 estudantes.
Associação de Moradores do Conjunto Residencial Santo D. José Rodrigues de Sousa, bispo de
tras, proferidas por pensadores respeitados mundialmente – como o es-
Inácio, do bairro Jardim das Palmeiras, em Uberlândia, Juazeiro/BA
critor Eduardo Galeano e o lingüista Noam Chomsky – ficou clara a
pude ler tal artigo há três semanas. Creio que é de suma
necessidade de cada pessoa reagir contra a absurda guerra que o presi-
importância trocar idéias sobre este tema e pretendo co-
dente norte-americano George Bush resolveu perpetrar para atender a Sou membro da Associação de Moradores do bairro
locar isso em prática aqui na minha cidade.
seus interesses econômicos e eleitoreiros. A despeito dos riscos que pos- Jardim Pedro Braga, que representa mais de 600 famí-
João Amper de A. Pinto, Uberlândia/MG lias. Gostaria de mantê-las informadas sobre as ações do
sa trazer não apenas para as populações dos países envolvidos, mas para
toda a humanidade. Como afirmou sabiamente o estadista Mário Soares, Ibase em todo o país. Desta forma, preciso continuar re-
durante entrevista concedida ao Ibase em Porto Alegre, “todos sabem Estou voltando de Roma, da visita ao Papa, com os cebendo o Jornal, em uma cota de 100 exemplares para
como se começa uma guerra, mas ninguém sabe como ela termina. demais bispos da Bahia. Agradeço-lhes o expressivo distribuição em nossa comunidade.
O melhor é não começar”. cartão de Natal, bem como o Jornal da Cidadania que Agnaildo Barbosa, Amigo do Ibase,
Como nos anos anteriores, o Fórum Social Mundial 2003 foi uma distribuo entre as comunidades. No fim do ano, man- Alagoinhas/BA
oportunidade de exercitar o respeito à diversidade, de conhecer quem
é diferente, mas igualmente valoroso. Todos os movimentos sociais e
grupos historicamente excluídos marcaram presença. Dos sem terra
aos sem emprego, passando de maneira bem-humorada – por sinal,
uma marca do evento – pelos que protestaram sem roupa; represen-
tantes indígenas; jovens; negros(as); mulheres; homossexuais; pesso-
as com necessidades especiais: todos tiveram voz e vez; até as
crianças, pela participação no Forunzinho.
Este ano, a mídia rompeu os limites da transmissão da informação
para ser assunto nas mesas de palestras. Além de ter sido um dos prin-
cipais eixos enfocados neste III FSM, a influência do chamado Quarto
Poder foi tratada transversalmente em todos os outros eixos. A impren-
sa alternativa também entrou na pauta e mostrou o quanto contribui para
fortalecer a corrente que o Fórum Social consolida anualmente. A partir
de agora, até 2004, fica a expectativa de saber como nos sairemos na
Índia, onde acontecerá o próximo Fórum.

Co n s e l h o E d i to r i a l Direção Institucional • Cândido Grzybowski Projeto Gráfico • Mais Programação Visual


• Presidente: Herbert de Souza - Betinho (in memoriam)
Coordenação de Comunicação • Iracema Dantas Diagramação • Imaginatto Design
Ano 9 • Nº 115 • Fevereiro 2003 • Carmen Luz
• Cláudia Werneck Edição • Editora: AnaCris Bittencourt (Mtb 17884) Capa • Fusão digital de Imaginatto sobre
Uma publicação do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises • Fernando Pinheiro • Subeditora: Jamile Chequer (Mtb 22493) fotos de Nando Dias e Samuel Tosta
Sociais e Econômicas • José Júnior
• Marco Carvalho Redação • Flávia Mattar • Marcelo Carvalho Tiragem • 57.500 exemplares
Av. Rio Branco, nº 124, 8º andar – Centro • Mário Osava • Elaine Ramos (estagiária)
CEP 20040-001 Rio de Janeiro – RJ • Nilda Alves Produção • Geni Macedo As matérias assinadas não traduzem
Tel.: +(21) 2509.0660 Fax: +(21) 2224.8474 • Patrícia Lânes
E-mail: jcidadania@ibase.br Web site: www.ibase.br • Sonia Mesquita Distribuição • Íris Patrícia Batista necessariamente a posição do Ibase
Fevereiro 2003 • Jornal da Cidadania • Nº 115 • 3

Maria Cláudia Cardoso e Marcio André dos Santos *

A legitimidade das cotas


A lei que obriga às universidades estaduais do Rio de Janeiro e do Norte Fluminense (Uerj rios às cotas geralmente ignoram – ou omitem – o fato de que mais de 70% das vagas
e Uenf) a adotarem cotas para grupos historicamente discriminados vem gerando críticas e, nas universidades públicas estejam concentradas para o grupo branco.
como já esperado, muita polêmica. Segundo as diretrizes do Ministério da Educação, o aluno ou aluna estará apto para
Cedendo ao conjunto de reivindicações dos movimentos negros por políticas públicas freqüentar uma universidade se concluir o ensino médio e for aprovado no vestibular. O
de ação afirmativa e às resoluções que propõem medidas de discriminação positiva para vestibular foi criado para comprovar conhecimentos básicos adquiridos ao longo da
negros – das quais o Brasil é signatário –, o governo do estado do Rio de Janeiro estipu- trajetória escolar, estabelecendo uma pontuação mínima para o ingresso. Em outras pala-
lou que o concurso para ingresso nessas instituições deveria reservar 40% de suas vagas vras, as cotas visam possibilitar o ingresso daqueles estudantes que numa outra situação
para estudantes que se autodeclarassem “negros” ou “pardos”. A mesma lei também estipu- – por exemplo, num vestibular para medicina menos concorrido em outro estado –
la que sejam destinadas 50% das vagas para alunos oriundos de escolas públicas. atingiriam a média necessária para cursar o ensino superior e não o fazem porque dispu-
A medida é um passo importante na redução da desigualdade no acesso ao ensino tam vagas com alunos que tiveram condições de estudar em escolas com padrão de
superior público, mas há um sério problema no que se refere à formulação da lei. Foram ensino comparável ao das elites européias.
estipulados como equivalentes dois padrões classificatórios: um baseado na noção de “cor” Será que os tais cursos de “prestígio”– muito concorridos nos grandes centros urbanos
(pardo) e outro na idéia de identificação racial (negro). O IBGE usa como critério classificatório e com menos procura em outras regiões – formam profissionais desqualificados onde não há
a noção de “cor”, estabelecendo basicamente cinco categorias censitárias: tanta procura? Ou seja, não há relação direta entre a pontuação obtida
branco, preto, pardo, amarelo e indígena. no exame de vestibular – se elevada ou não – e a qualidade da formação
No entanto, para os movimentos negros e parte dos especialistas na Os protestos contrários profissional futura, o que não nos redime do questionamento e da co-
questão racial a idéia de “cor” é apenas mais um dos componentes utili- às cotas geralmente brança por um ensino fundamental e médio com mais qualidade.
zados para auferir a idéia de “raça” e, mesmo assim, não é um critério Mas afinal: cotas resolveriam, isoladamente, o problema da exclu-
objetivo válido. Para definir “raça” são utilizados outros tantos elementos,
ignoram ou omitem são de negros e negras na universidade? A resposta não poderia dei-
tais como: ancestralidade, matriz cultural, identidade etno-racial e o sen- o fato de que mais xar de ser negativa, na medida em que cotas e mesmo outras ações
timento de pertencimento a um grupo que historicamente partilha a mes- de 70% das vagas afirmativas não visam modificar estruturalmente o sistema vigente no
ma experiência de discriminação e subordinação racial. Evidentemente ensino superior. Ao mesmo tempo, são medidas revolucionárias por
nas universidades
que tal noção não se estende a todo e qualquer contexto social, sendo colocarem na ordem do dia a responsabilidade do Estado e da socie-
entendido somente no interior de relações sociais específicas. públicas estejam dade brasileira com a redução da desigualdade entre negros e brancos
concentradas para – além de por a nu a perversidade do racismo.
Questão de lógica Corroborando o pensamento do compositor Marcelo Yuka – “paz
o grupo branco
Para reduzir margens de arbitrariedade e erro, a lei poderia ter sido sem voz não é paz, é medo” – é tempo de não mais silenciar injustiças
formulada da seguinte maneira: “Serão reservadas cotas de 40% para cometidas em nome de uma suposta igualdade formal que nunca con-
candidatos autodeclarados “negros”; especificando que são considera- templou os afrodescendentes, salvo algumas exceções como Milton
dos “negros” aqueles inseridos no conjunto de noções definidoras de “negritude”. Su- Santos, Muniz Sodré, Benedita da Silva e Paulo Paim.
pondo que – diante da reflexão feita anteriormente – estivesse resolvida a questão da As leis que propõem políticas específicas – neste caso em especial reservas de vagas
classificação etno-racial, haveria ainda um outro problema: o questionamento por setores por cotas na Uerj – devem ser entendidas como um esforço conjunto da sociedade na
da sociedade sobre a ampliação do número de vagas para o grupo negro. O estabeleci- tentativa de diminuir desigualdades sociais e raciais. Numa perspectiva positiva, o grupo
mento do percentual de 40% corresponde aproximadamente ao contingente populacional hegemonicamente privilegiado (brancos), erroneamente considerado prejudicado, estaria
de negros (conjunto de “pretos” e “pardos”) no estado do Rio de Janeiro, verificado no contribuindo para reparar injustiças históricas. Ainda com a letra de Yuka, vale perguntar:
último Censo do IBGE, em 2000. Portanto, a legitimidade da lei de cotas se estabelece “Qual a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz?”
dentro da compreensão de uma lógica matemática simples: a de que devemos ter pelo
menos 40% de negros nas universidades – ainda que a cota racial não seja a mais * Maria Cláudia Cardoso, historiadora, e Marcio André dos Santos, cientista
adequada medida de ação afirmativa existente. Interessante notar que os protestos contrá- social, são afrodescendentes, formados pela Uerj e colaboradores do Ibase

FOTOS: SAMUEL TOSTA

Durante o III FSM, ocorreram várias manifestações pelo fim do preconceito racial e pela aplicação de medidas reparatórias às populações afrodescendentes
4 • Jornal da Cidadania • Nº 115 • Fevereiro 2003

Por Marcelo Carvalho

Marcelo
A ex-governadora do Rio de Janeiro,

WARNER MUSIC GROUP: BRAZIL


Benedita da Silva, foi muito combatida
com relação à violência, que teria saído
do controle do Estado.

Yuca
Qual a sua opinião a respeito?
O governo da Benedita foi muito positivo porque,
na época, acabou com o acordo entre cavalheiros que
era de praxe entre os governos do Rio e a bandida-
gem, algo que possivelmente pode voltar agora. A
Desde o tempo em que era baterista da oposição que ela enfrentou era muito por conta de ter
banda O Rappa, Marcelo Yuca sempre foi peitado o crime. Havia resistência também ao fato dela
mais do que apenas músico e letrista (o que ser negra. A elite não quer ser governada por uma
já é muito). Yuca é falante (refletindo em mulher negra que veio da favela.
suas opiniões um pouco do que pensa a
juventude brasileira) e atuante. O músico, e Houve racismo?
não é de hoje, faz questão de desenvolver trabalhos sociais. Esteve no Fórum Social Por parte da Zona Sul do Rio, sim. Preferiram o
Mundial (FSM) em 2002. Este ano, repetiu a dose, participando, entre outros eventos, alisamento japonês.
da Marcha de Abertura no dia 23 de janeiro.
Você continua trabalhando com o
Você participou de dois FSMs. Qual sua tendem que esse sentimento não pode ser passageiro e AfroReggae, de Vigário Geral?
opinião sobre o movimento? vão educar seus filhos dessa forma. Assim como as Estou um pouco distante deles agora porque o pro-
É a coisa mais importante no mundo acontecendo pessoas rezam ou fazem exercícios, elas precisam bus- jeto tomou proporções imensas. O grupo tem hoje ajuda
atualmente. A sensação que se tem da atmosfera do car o que eu chamo de amor no plural. E pô-lo em governamental, está ótimo. Mas o José Júnior, diretor
evento é de muito otimismo. Em 2002, participei de uma prática participando de ações de interesse coletivo que do AfroReggae, me convidou para ajudá-lo a organizar
palestra na tenda do hip hop, no Acampamento da Ju- sejam também sentidas como parte de suas vidas. Olha, uns grupos no Cantagalo.
ventude, estava lotado. Este ano, dei um depoimento fico empolgado quando vejo os mais novos e os mais ve- Estou dividindo meu tempo com grupos menores.
pessoal, contando minhas experiências. Também falei na lhos. As crianças estão sendo educadas e os mais velhos Tem o grupo de dança Magemolê, do Alto José do Pi-
Cidade das Cidades, que foi o nome do Acampamento mostram que é possível passar a vida toda na batalha. nho, em Recife; sou parceiro de um grupo que dá aula
da Juventude em 2003. O espaço ficou maior com rela- de grafite em São Gonçalo, no estado do Rio, e na
ção à área que ocupava no ano passado. O público pra Mangueira; e trabalho com a Fase, onde, na verdade,
Mudou alguma coisa com relação
quem falei foi mais eclético. Acho que tenho empatia estou trabalhando com diversos outros grupos peque-
ao que pensava sobre a questão da
com os jovens. Mas como havia palestrantes de outras nos. Como na Roda da Solidariedade, um projeto que
violência urbana depois do atentado?
partes do mundo na mesa, pude atingir um público que sempre participo.
(Yuca foi atingido por cinco tiros quando
não era só de jovens. dirigia no bairro carioca da Tijuca em
2000. Perdeu parte dos movimentos Qual sua relação com O Rappa hoje?
Como foi a experiência do testemunho dos braços e pernas.) Eles me botaram pra fora da banda, fui despedido.
no FSM? Com relação a isso não mudou nada. Continuo pen- Não faço mais música pra eles. Estou montando um tra-
Foi algo diferente, nunca tinha feito dessa forma, sando como antes. Existem vários fatores que contribu- balho novo, uma outra banda. Até o final do ano devemos
falar sobre a minha vida. Minha trajetória se mistura em para aumentar a violência. Como a corrupção ter alguma coisa. Não tem nome ainda. Ainda não quero
com as minhas idéias, com as causas que defendo. Eu policial. Mas está acontecendo outra coisa também. O divulgar muito o assunto.
espero – e encerrei minha participação dizendo isso – bandido é cada vez mais jovem. O garoto não teve tempo
que essa vontade de fazer mudanças e de participar nas de se formar e de desenvolver respeito pela comunidade. Você está articulando também um projeto
questões coletivas da sociedade não seja apenas um O respeito que ele está tentando adquirir com as pesso- de rádio comunitária?
ímpeto juvenil. As pessoas mais radicais que estavam as é através de atos cada vez mais violentos. Muitas ve- Sim, estamos tentando achar uma maneira de agir
no FSM eram as de mais idade. Eduardo Galeano e zes até, luta em uma comunidade onde não nasceu. contra a guerra faccional no Rio utilizando as rádios co-
Noam Chomsky, por exemplo. Pessoas como eles, infe- Perdeu-se o vínculo com a comunidade. munitárias. Essa coisa das facções, dos comandos do
lizmente, estão em menor número. crime, está barrando a circulação de cultura e informa-
E o que fazer para diminuir a violência ção entre os morros cariocas. Antigamente, os composi-
Por que essa ousadia dos jovens arrefece urbana? tores de samba podiam passear livremente entre as
com a idade? A longo prazo, investimento social e desenvolvimen- comunidades. As partidas de futebol entre os moradores
O desejo de liberdade e a revolta natural dos jo- to. A curto prazo, a sociedade civil precisa lutar pelo dos morros eram mais freqüentes. Havia uma transpira-
vens vão sendo tirados deles conforme entram no mer- fim do comércio de armas de fogo em todo o território ção entre as comunidades.
cado de trabalho. Com o tempo, o período da nacional. Isso até agora não foi feito porque o lobby dos Hoje não está havendo. E já que eu não posso ir por
juventude passa a ser algo como um sonho, uma fase fabricantes de armas é muito forte, eles têm um braço baixo, vou por cima, pelas ondas das rádios comunitárias.
da vida. Isso não deveria ser sentido como uma fase, político consolidado no Congresso Nacional. São eles Estamos tentando fazer uma rede com programas pareci-
mas como parte da pessoa, presente na vida dela para que não deixam que o assunto venha à tona. É o nego- dos em diferentes comunidades aqui no Rio. A gente ain-
além da juventude. As pessoas mais conseqüentes en- cio mais lucrativo que existe. da está tentando viabilizar o projeto.
Fevereiro 2003 • Jornal da Cidadania • Nº 115 • 5

J. R. RIPPER
AnaCris Bittencourt

Ei criança,
já pra escola!
Durante o Fórum Social Mundial 2003, a Organização Internacional do Trabalho (OIT)
divulgou que 180 milhões de pessoas adultas estão desempregadas no planeta.
Ironicamente, pesquisa realizada sobre trabalho infantil mostra que existem 180
milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, realizando serviços que só
poderiam ser feitos por adultos. São as chamadas piores formas de trabalho infantil.

A oficina Um futuro sem trabalho infantil, realizada no dia mas persistem hoje. Outra atividade que cresceu no início
26 de janeiro, foi uma das mais concorridas da PUC-RS do século XX foi a operária, quando milhões de crianças
neste III Fórum. Na sala, com capacidade para 70 pessoas, passaram a engrossar a mão-de-obra das nossas fábricas, o
não faltavam outras sentadas pelo chão, em pé, encostadas que também se repete um século depois.
nas paredes ou que se espremiam na porta para não perder O Brasil possui uma das legislações mais avançadas
a exibição do documentário que mostrava crianças em situ- do mundo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma
ações de insalubridade em várias partes do mundo, inclusi- das conquistas obtidas com a Constituição de 1988. Esta
ve no Brasil. Foi realizada por OIT; Unicef (Fundo das Nações determina a proibição do trabalho antes dos 16 anos, per-
Unidas para a Infância); FNPETI (Fórum Nacional de Pre- mitindo o trabalho aos 14, no caso do menor aprendiz, mas
venção e Erradicação do Trabalho Infantil); Sinait (Sindica- na prática nada está funcionando.
to Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho); Anamatra Segundo dados do IBGE, existem no Brasil entre 9,7
(Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Traba- milhões e 7,7 milhões de trabalhadoras e trabalhadores-mi-
lho); e Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Trabalho). rins. O trabalho doméstico é a tarefa que mais emprega no
Para Pedro Américo Furtado de Oliveira, coordenador país, prejudicando a formação educacional e proporcionando
do Ipec (programa da OIT para eliminação do trabalho infan- à criança um futuro incerto. Além dos riscos de lesões per-
til), existe uma relação direta entre a globalização da econo- manentes, deformidades e doenças decorrentes da exposição
mia e o aumento do trabalho infantil no mundo, resultante da a materiais perigosos, a criança que trabalha sofre danos
intensificação da pobreza. “Cada vez mais famílias pobres emocionais que a acompanham para sempre. Ela tem dificul-
precisam contar com suas crianças para complementar a ren- dade de estabelecer vínculos afetivos em razão da exploração
da doméstica. Além disso, existe aquele erro cultural de achar e maus-tratos geralmente recebidos. Por realizar tarefas sem
que a criança que trabalha será um adulto mais responsável. a maturidade do adulto, acaba por afastar-se do convívio
Na verdade, o que fica claro é que a criança que trabalha hoje social com pessoas da mesma idade. Trabalhando, deixa de
é o adulto desempregado de amanhã, pois, trabalhando, não exercer direitos básicos, como brincar e estudar.
lhe sobra tempo para mais nada”, afirma. “Isso impede sua ascensão social, impede que sua ren-
Entre as principais causas apontadas, além da pobreza e da melhore ao longo da vida, pois as chances aumentam
da própria cultura, estão a falta de acesso à educação e as para quem passa pela escola com qualidade. Está compro-
vantagens que um empregado-mirim representa para o vado que 99% das crianças brasileiras estão matriculadas
empresariado – aliando o baixíssimo custo à subserviência nas escolas, mas isso não demonstra o aproveitamento es-
infantil, a criança é considerada um trabalhador não-proble- colar”, lembra Daniel de Bonis, coordenador do projeto
mático. Entre as piores formas estão: escravidão ou trabalho Empresa Amiga da Criança, da Fundação Abrinq. Dados do A cara da dor
forçado; atividades ilícitas, como tráfico de drogas e prosti- IBGE confirmam o fato – crianças que trabalham estão 1 O trabalho infantil tem a mesma fisionomia no mun-
tuição; e atividades perigosas, insalubres e degradantes. ano atrasadas na escola; as que trabalham mais cedo têm 3 do inteiro, da exploração, da perda de direitos e da
falta de oportunidade. A maior parte se concentra
Segundo os dados da OIT, de cada 6 crianças do pla- a 4 vezes menos anos de estudo e uma renda 3 a 4 vezes na Ásia e ilhas do Pacífico (60%); seguida da
neta, 1 trabalha. São ao todo 246 milhões. No caso das menor na vida adulta. África Subsaariana (23%); América Latina e Caribe
piores formas, a relação seria de 8 para 1. Até os 14 anos Assim como Pedro Américo, Daniel coloca a questão (8%); Oriente Médio e Magreb (6%).
Quanto às atividades, a maioria (70%) se
de idade, não existe diferença entre meninos e meninas, cultural como um dos principais empecilhos para superar o
concentra nos setores agrícola, pesqueiro ou
existindo uma maioria masculina a partir daí. Dos 180 mi- problema. “São conceitos historicamente apreendidos, que extrativista; 8,3% estão na indústria ou no setor
lhões, 111 milhões têm menos de 13 anos. passam gerações como verdades absolutas, tais como: ‘cri- atacadista e varejista; 6,5% desenvolvem servi-
anças e jovens devem ajudar a família a sobreviver’ ou ‘o ços comunitários sociais; 3,8% estão em trans-
Produto nacional trabalho enobrece a criança, antes trabalhar do que roubar’”.
porte, armazenagem e comunicação; 1,9% na
construção; e 0,8% na mineração. A OIT alerta
O trabalho infantil no Brasil tem suas origens na escravi- O representante da Abrinq enfatiza que a responsabilidade da para o aumento de formas de trabalho que pas-
dão, quando as crianças filhas de escravos eram obrigadas subsistência familiar é do adulto, não importa o que diga o sam despercebidas, por terem sido naturalizadas
a trabalhar na casa grande, realizando todo o serviço do- inconsciente coletivo. E lembra que, muitas vezes, essas má- pela sociedade. É o caso do trabalho infantil do-
méstico, em que além do esforço diário sem in-
méstico, ou nos canaviais junto com os pais. Mesmo com a ximas são convenientemente utilizadas pela classe média, que terrupção, envolve geralmente abuso sexual.
Abolição da Escravatura, o grave é perceber que essas for- tem uma visão preconceituosa contra a população pobre.
6 • Jornal da Cidadania • Nº 115 • Fevereiro 2003

Marcelo Carvalho • mpascoa@ibase.br

Bê-á-bá da cidadania China


Se você é pai ou mãe e procura um presente para seu filho(a), ou é professor(a) do ensino fundamental e está interessado(a) aos pedaços
em uma dica de leitura para a turma, que tal dar uma olhada na Coleção Valores?
Estão sendo lançados mais quatro livros da série: Verdura? Não!, Quer uma mãozinha?, É meu!, Não empresto! e Falou A cultura chinesa está em foco na exposição China –
comigo? Os livros abordam assuntos como nutrição, colaboração desinteressada, generosidade e desenvolvimento da atenção. Os Guerreiros de Xi’an e os Tesouros da Cidade Proibi-
Os novos volumes somam-se aos já lançados Com Licença?, Deixa que eu faço!, E eu com isso?! e Não fui eu! – sobre da, de 20 de fevereiro a 18 de maio, na Oca do Parque
convivência, desenvolvimento de responsabilidade, respeito e honestidade. Ibirapuera, São Paulo. Os objetos, de diversos períodos
São publicações paradidáticas, têm declaradamente como primeira intenção ajudar na formação das crianças (a partir e dinastias da China, estão pela primeira vez expostos no
das que acabaram de aprender a ler, lá pelos 7 anos). Até parecem chatas. Mas não Brasil. São peças da Cidade Proibida e do Exército de
são, pelo contrário. São leituras divertidas (textos e desenhos bem-humorados) e Terracota (guerreiros de Xi’an, guardiões do túmulo do
as ilustrações, simples e coloridas, estão ao gosto da criançada. primeiro imperador chinês), declarado Patrimônio His-
Temos a impressão – talvez mais até do que uma simples impressão – de que tórico da Humanidade pela ONU. A mostra divide-se em
está cada vez mais difícil criar nossos filhos(as) dentro de valores que consideramos dois grandes núcleos: Shaanxi e Cidade Proibida – Mu-
justos, aqueles que giram em torno do sentimento humano de fraternidade. Certo, seu do Palácio Imperial de Pequim, representadas res-
não há valores absolutos, tudo depende da sociedade, da época etc. pectivamente por 11 guerreiros e 2 cavalos de terracota
Mas que há um descompasso evidente entre os, digamos, bons valores e o em tamanho natural e por peças da última dinastia chi-
mundo ao redor, cada vez mais dominado pelo individualismo egoísta, o nesa (sala do trono, objetos de decoração, roupas, enfei-
consumismo desenfreado e a espetacularização da violência, isso há sim. E o que tes, cerâmicas, quadros etc).
é pior, todo o pacote vem embalado de maneira encantadora, de apelo quase

DIVULGAÇÃO
irresistível para as crianças.
Pais, mães e professores(as), tens trabalho árduo pela frente. Para quem
quiser encarar o bicho medonho, esses livros podem ser aliados de primeira hora,
lá onde a personalidade ainda pode ser moldada. Boa sorte.
Editora Scipione Textos: Claire Llewellyn
32 págs. Desenhos: Mike Gordon
R$ 9,90 cada volume Tradução: Irami B Silva

Conversa sobre a temática racial


Lançado pelo Ibase no III Fórum Social Mundial, a publicação Sonhar o futuro, mudar o presente (60 págs.) é o
resultado das três reuniões dos Diálogos sobre a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a
Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizadas entre julho de 2001 e setembro de 2002 no Rio de Janeiro.
Os encontros, assim como a publicação, foram organizados em parceria

Bonde
com instituições que trabalham com as questões de raça e gênero. São elas:
Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Articulação de Mulheres Brasileiras,

do tigrão
Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, Comunidade Bahá’í, Centros de
Estudos Afro-Brasileiros e de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido
Mendes, Geledés e Criola.
Dividido em sete capítulos, o livro traça um perfil da atuação da sociedade O cartunista Cássio Loredano é conhecido também por
e do governo em relação à temática racial no Brasil, apontando, com ousadia, sua veia de pesquisador. São de sua autoria coletâneas de
seus principais desafios, mas também suas conquistas. A forma como o assunto desenhos sobre Nássara, Guevara, Figueroa e J. Carlos.
é apresentado demonstra um esforço de levar o tema para além das fronteiras do Sobre esse último, então, Loredano é especialista. Já pu-
movimento negro, fortalecendo a idéia de que se trata de debate fundamental a blicou três livros, remexendo em um acervo de 30 mil
todos os setores. Durante a leitura, chamam a atenção contundentes depoimen- desenhos, aproximadamente. É dele também o mais recen-
tos de participantes das reuniões e os 11 boxes com intervenções realizadas te trabalho sobre o maior cartunista brasileiro, O Bonde e
durante os Diálogos. a Linha – Um perfil de J. Carlos, lançado pela editora
Capivara. Loredano passeia pela vida e obra do mestre e
Distribuição gratuita. sua cidade, o Rio de Janeiro, indissociável da obra de J.
Pedidos: (21) 2509-0660 ou www.ibase.br Carlos. Prefácio de Chico Caruso. Preço R$ 20.
Por AnaCris Bittencourt www.capivaraeditora.com.br
Fevereiro 2003 • Jornal da Cidadania • Nº 115 • 7

Marcelo Carvalho *

A Comunicação que
também olha para si
O tema Comunicação teve presença bem mais expressiva no III Fórum Social Mundial, se por câmeras nos caças. O efeito visual produzido não passava de fumaça e algumas fagulhas.
comparado às outras edições do evento. Foi dedicado ao assunto um eixo inteiro, Mídia, Chegou a ser bonito. E excitante, como uma batalha comandada por crianças com joysticks
Cultura e Alternativas à Mercantilização e Homogeneização, com vários painéis. O Fórum nas mãos. O Iraque ensaiou uma guerra de contra-informação, divulgando o número de
Nacional pela Democratização da Comunicação, por sua vez, também promoveu seminários mortos civis e os alvos não-militares atingidos. Ação sem qualquer efeito no Ocidente, que
e oficinas sobre o tema. Quais as causas da relativa ausência nas edições anteriores? E por manteve um braço em Bagdá, Peter Arnet, repórter da CNN, na delicada posição de canal de
que ganha em importância agora? As causas são complexas e transcendem aos limites deste comunicação entre dois mundos.
texto. Por outro lado, podemos ressaltar a importância do tema na contemporaneidade. O Pentágono encontrou uma fórmula que, se não garantia completamente a derrota do
A Economia e as questões de Estado ganharam uma proeminência que não é de agora inimigo nos campos de batalha, passou a ser vital para a vitória em casa: guerra justificada,
e tendem, nos meios de comunicação, a explicar a sociedade e o mundo. Evidentemente que meios de comunicação domados. A prática deu um passo adiante no Afeganistão. Dessa vez
são questões de importância capital. A direita e a esquerda mais tradicional apostaram – não vimos imagens, salvo a movimentação monótona de tropas americanas na terra calcinada
ainda apostam – nesses vieses. No entanto, cada vez mais os temas tidos como menores do centro da Ásia, longe do teatro de operações propriamente dito. Diferentemente da
ganham o cenário, como o racismo, por exemplo, que a duras penas se descola do chavão Guerra do Golfo, não foi montado um show televisivo para as platéias que se divertem com
da sociedade (economicamente) igualitária que resolveria naturalmente as injustiças raciais. o espetáculo diário dos telejornais no horário nobre. A vanguarda da ação contra o Mulá
As chamadas questões menores têm sim, muita importância. A guerra está na pauta do Omar, dirigente do Afeganistão, foi entregue às tropas afegãs contrárias ao regime. A festa
dia e poderíamos seguir esse caminho para tentar pôr em relevo um pouco do fenômeno pirotécnica na Guerra do Golfo foi substituída pela ação punitiva contra Bin Laden, regado
comunicativo nos dias de hoje. E se uma guerra novamente nos bate à porta através da ao sentimento de revanche pela destruição do então símbolo maior do capitalismo triunfan-
pesada mão da máquina americana de destruição, talvez fosse interessante comparar, em te, as torres gêmeas do World Trade Center.
linhas gerais, as diferentes estratégias de comunicação dos EUA em algumas das guerras Como na Guerra do Golfo, o pretexto era evidente: eliminar o mal dos tempos atuais, o
promovidas por esse país: contra o Vietnã; a Guerra do Golfo; o conflito de retaliação terrorismo internacional. Quem se colocasse contra a intervenção dos EUA estaria do lado dos
contra os Talebans do Afeganistão; e a guerra que Bush e seus aliados terroristas. Bin Laden atingiu os EUA mais fundo do que se pensava a
das companhias petrolífera e armamentista preparam contra o Iraque. princípio. Não pôs o império no chão, mas contribuiu decisivamente para
A ação dos EUA no Vietnã, na década de 1960, foi um dos pon- turvar o que faz dos EUA o que eles são. As garantias jurídicas e a liber-
Na Guerra do Golfo,
tos culminantes da Guerra Fria. A antiga Indochina Francesa era pal- dade individual foram por terra ao serem adotadas medidas de exceção
co privilegiado da luta ideológica entre a economia de mercado tão importante quanto contra suspeitos de envolvimento em atividades terroristas. Somando-se
ocidental e a experiência socialista. A expansão da guerrilha dos a estratégia de guerra ao escândalo das fraudes nos balanços das grandes empresas (golpe con-
vietcongs e a simpatia que sua luta despertava entre os vietnamitas foi a elaboração de tra o sistema econômico) e a eleição suspeita do próprio presidente (o que
assustavam os capitães de indústria e os políticos conservadores. teria acontecido nos colégios eleitorais da Flórida?), o que ainda restaria?
O medo de alastramento da ideologia comunista empurrou os EUA
uma estratégia de Resposta: a imprensa livre. Bem, livre ela jamais foi. Mas tinha,
para o conflito. Entraram no Vietnã. E perderam a guerra. comunicação nos anos 1970, flexibilidade suficiente para detectar, apurar e denun-
A mídia americana, gozando de uma liberdade que nos espanta hoje ciar para os(as) cidadãos(ãs) dos EUA o escândalo de Watergate, que
em dia, passados mais de 30 anos do conflito, trouxe para os lares das forçou o então presidente Richard Nixon a apresentar sua renúncia,
famílias americanas as atrocidades da guerra real. O americano médio chocou-se com a ação acusado de espionagem nos arquivos do Partido Democrata.
dos seus soldados sobre uma população indefesa, utilizando inclusive arma química (o napalm). Os EUA têm uma outra imprensa hoje. Não há opinião dissonante quanto à necessidade de
Mais contundente do que isso, apenas a imagem dos seus filhos voltando para a América bombardear o Iraque que encontre nos grandes meios de comunicação dos EUA um canal de
cobertos com a bandeira nacional. expressão razoável. Logo nessa guerra, onde as justificativas de desarmamento do Iraque não se
A imprensa – incluindo TV – mostrou para a América o que estranhamente não parecia sustentam quando cotejadas com os motivos subterrâneos: os interesses petrolíferos e da indús-
evidente para a população do país: a carnificina sem sentido que se cometia. As imagens tria armamentista e o controle geopolítico do Oriente Médio e do mundo. Sem o oponente
causaram comoção nacional e os EUA perderam a guerra duas vezes: nas florestas vietnamitas soviético, a Casa Branca percebeu que tem agora uma oportunidade única de domínio sobre o
para os vietcongs e, em casa, para o próprio contribuinte americano, que viu o dinheiro dos mundo, se necessário, pela força.
impostos (ponto vital da cidadania americana) ser usado para esse fim. A Comunicação é uma força essencial para os que desejam o domínio do planeta.
Paradoxalmente, também para os que desejam espalhar o poder entre todas as pessoas. No
Guerra na TV exemplo das recentes guerras travadas pelos EUA, foi essencial. A Comunicação é criadora
O Pentágono, sede do poder militar americano, aprendeu a lição. Na Guerra do Golfo, tão de opiniões, posicionamentos, tradições, antagonismos, simpatias, enfim, plasmadora de
importante quanto a estratégia de guerra foi a elaboração de uma estratégia de comunica- mundos. É necessário que seja também um objeto de análise e de preocupação da socieda-
ção. Havia uma justificativa para a intervenção militar bem mais palatável do que a de hoje, de. E também para quem vive da comunicação, redirecionando um pouco o foco, tradicio-
expulsar o invasor Iraque do Kwait. E, com as bênçãos da ONU, os americanos fizeram o nalmente exterior a seu próprio cotidiano (a Biologia interessa ao biólogo, a Matemática ao
serviço à frente de uma força internacional. O conflito foi tratado como um espetáculo, meio matemático; ao jornalista, interessaria apenas a pauta). Um mundo mais democrático e mais
cinema americano, meio videogame. A guerra, isto é, o que nos foi dado a conhecer dela, foi solidário precisa também passar por aqui.
limpa, sem corpos nem sangue, com imagens das bombas estourando lá embaixo colhidas * Jornalista
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AnaCris Bittencourt e Flávia Mattar / Fotos: Samuel Tosta

Não à guerra
ecoa pelo mundo
No último dia 15, cerca de 5 milhões de pessoas em vários países repudiaram
a ameaça de bombardeio que paira sobre o Iraque diretamente da Casa Branca,
visando atender aos interesses financeiros do presidente George W. Bush.
A sociedade civil planetária mostrou aos ditos “donos do mundo” que não quer a
guerra – e, ao contrário, vai continuar buscando alternativas para que possamos viver
em paz e melhor. O Fórum Social Mundial 2003, realizado em Porto Alegre, de 23 a 28
de janeiro, foi um bom exemplo. Ali, representantes de movimentos sociais, sindicatos,
organizações, escolas e universidades de 156 países mostraram que é possível
esquentar ainda mais esse caldeirão de boas idéias, criado há 3 anos.

As discussões no FSM giraram em torno de cinco eixos: De- guaio, que é jornalista, criticou a atuação da grande imprensa
senvolvimento democrático e sustentável; Princípios e valores, durante a conferência Paz e valores, realizada dia 26.
direitos humanos, diversidade e igualdade; Mídia, cultura e No dia seguinte, a conferência Como enfrentar o Império?
alternativas à mercantilização e à homogeneização; Poder polí- teve que ser retransmitida em telões em outros pontos da cida-
tico, sociedade civil e democracia; e Ordem mundial democrá- de, tamanho foi o assédio do público no ginásio – cerca de 16
tica, luta contra a militarização e promoção da paz. Este último mil pessoas interessadas em escutar as palavras de Chomsky
foi a grande vedete dos debates, com presenças ilustres e au- sobre o assunto. “Os Estados Unidos proclamaram que preten-
ditórios abarrotados, como o lingüista Noam Chomsky, o es- dem dominar o mundo pela força. Essa doutrina não é nova,
critor Eduardo Galeano e o filósofo Boaventura de Sousa mas nunca foi tão arrogante. A maioria sabe que basta criar
Santos. Palestrantes de todos os cantos do mundo deram um um mundo diferente, que não seja baseado no medo e na
recado muito claro contra a guerra. violência, para acabar com isso. Há ótimos modelos para aca-
O Ginásio de Esportes Gigantinho, onde aconteciam as bar com essa atrocidade, a Via Campesina é um desses exem-
grandes conferências, ficou lotado no dia 25 para debater Di- plos”, disse o norte-americano.
reitos e diversidade. “Cidadãos de um determinado país não “Os segredos dos Estados Unidos estão vindo à tona. A
podem comprar sua segurança se isso implicar a insegurança mais profunda dessas mentiras é o declarado compromisso
de populações de outros países. Na guerra contra o terroris- americano de querer ajudar a população do Iraque. Ninguém
mo, não deve haver zonas livres de direitos humanos. Essas duvida que Saddam Hussein seja cruel, assassino, os iraquianos
guerras procuram desviar nossa atenção do que diz a Declara- poderiam ficar muito bem sem ele. Mas o mundo também
ção Universal dos Direitos do Homem. Leiam a Declaração e ficaria muito melhor sem George Bush”, incitou a platéia a
pensem no quanto seria importante se todos vivêssemos como indiana Arundathi Roy.
está escrito lá”, enfatizou o representante da Anistia Internaci- Para mostrar que a tolerância e a paz podem sim ser os
onal nos Estados Unidos, Paul Hoffman. símbolos de um novo mundo, nessa conferência foi apresenta-
“É muito difícil falar sobre direitos. Religiosamente, to- do um documento, intitulado Carta de Porto Alegre, redigido
dos nascemos iguais perante Deus. A Declaração diz que não por judeus e palestinos presentes ao Fórum. “Clamamos à
deve haver distinção entre raças e reconhece o direito de comunidade internacional e às Nações Unidas, em particular,
todos à alimentação e à saúde. Mas não diz como vamos para urgentemente intervir para colocar um fim a esta situação
exercer esses direitos. Para os povos indígenas, essa tem trágica e à violência em ambos os lados”, pediam, em um dos
sido uma tarefa muito difícil porque tudo o que conquista- momentos mais emocionantes de todo o evento.
mos é visto como dádiva, presente, e não como direitos”,
denunciou a líder indígena Blanca Chancoso, do Equador, Viva a diferença
integrante do Fórum Social das Américas. A bandeira da diversidade foi criada no III Fórum Social Mun-
“O mundo transpira violência, uma cultura que ensina a dial. Parte dos panos, das faixas que tremulavam e gritavam
matar e a mentir. Mas o ser humano não é inclinado à violên- anseios por um outro mundo possível na Marcha de Abertura,
cia. Ao contrário do que se supõe, não é fácil ensinar a matar. realizada no dia 23, foram utilizadas para a confecção de uma
Esse treinamento árduo começa nos quartéis, aos 18 anos, e grande bandeira que circulou por um Gigantinho lotado e foi
fora dele, a partir dos 18 meses, pois a TV ministra esses exposta no último show, realizado no Anfiteatro Pôr-do-Sol,
cursos a domicílio”, afirmou Eduardo Galeano. O escritor uru- no dia 27. Representou a voz de todas as pessoas, indepen-
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CÁSSIO MARTORELLI / ARQUIVO PESSOAL


dentemente da cor, da opção sexual, da luta – que por mais Vasconcelos. Participaram da campanha mais de 20 povos de
que tenha um objetivo comum, é também rica em diversidade. todo o Brasil. “Estou aqui pela primeira vez. Para mim e para Grito mundial pela paz
Na PUC, negros e negras organizaram o Quilombo Milton todos está sendo de extrema importância. Estamos tendo a Marcelo Carvalho
Santos e Lélia Gonzales, espaço onde foram apresentadas di- oportunidade de encontrar com vários irmãos de outros paí- Dia 15 de fevereiro será lembrado como o dia do
versas atividades com a temática racial. “Aqui conseguimos ses, com outros povos, com os negros etc. Temos a esperança não a Bush, com manifestações em todo o mundo
contra a guerra ao Iraque. A amplitude dos atos
uma maior concentração da comunidade afro nacional e inter- que o governo Lula fará tudo o que prometeu, o que está dito públicos ao redor do planeta dão a medida da indis-
nacional. Esse quilombo para a gente é uma referência. É o na carta com relação às populações indígenas”, acrescenta o posição das pessoas de várias nacionalidades e
segundo ano consecutivo que estamos aqui. Nossa intenção é indígena Lindomar Santos Rodrigues, do povo Xokô. etnias com relação à guerra. No Brasil, as maiores
ampliar cada vez mais o debate sobre políticas de ação manifestações ocorreram no Rio de Janeiro e em
Quem participou do Fórum Social Mundial 2002 e ficou
São Paulo. No Rio, os manifestantes saíram às 16h
reparatória, de ação afirmativa etc. Mas existe um ponto nega- encantado com as atividades oferecidas no Planeta Fêmea, vol- da praia do Leme, em frente à Avenida Princesa
tivo, o fato de estarmos falando para nós mesmos. Aqui, tou decepcionado para casa nesta edição do evento. Mas a Isabel, e foram em marcha até a rua Siqueira Cam-
acabamos ficando concentrados com a comunidade afrodes- peruana Virgínia Vargas, da Articulación Feminista Marcosur, pos, já em Copacabana.
“Essa manifestação é um átomo na condena-
cendente”, avalia Manoel Crispin Flores, integrante do Comitê tem uma explicação para o fato: “uma das coisas que discuti- ção que se espalha por todo o planeta desse ato
Afro e da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores mos foi a importância de haver um espaço de concentração criminoso do governo imperialista de Bush. Os EUA
em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência. para determinadas ações, mas nos interessa com a mesma promovem o pior tipo de imperialismo, total, da ocu-
pação territorial, política e econômica. É um ex-
Foi na Usina do Gasômetro, espaço cultural que recebeu força estar inseridas em todas as dinâmicas do Fórum. Como pansionismo com interesse no petróleo. O que está
o Planeta Arco-Íris, que estiveram reunidos gays, lésbicas, conciliar um espaço próprio com a necessidade de estarmos em jogo é a riqueza material. Mas não é nem um
bissexuais, transexuais, travestis e simpatizantes para debater transversalmente em todas as atividades é um esforço gigan- negócio de Estado, é particular, da família Bush”,
questões como união civil de pessoas do mesmo sexo, afirma Milton Temer, ex-deputado federal pelo PT-
tesco. A aprendizagem do que foi o ano passado e o que foi
RJ, lembrando as ligações da família do presiden-
homofobia, violência, abordagem policial, políticas públicas, este ano vai permitir que seja feito algo mais equilibrado no te americano com empresas de petróleo.
direitos humanos, negritude e homossexualidade, Aids etc. Fórum seguinte. Assim espero”. Não faltou criatividade e bom humor aos 20
“Esse foi o primeiro ano do Planeta Arco-Íris. Os outros Segundo Gina, foram 12 as ministras responsáveis por 2 mil cariocas (segundo os organizadores; 10 mil
para a PM) que compareceram à manifestação,
fóruns foram muito mais centralizados, mas aqui está sendo dos 5 eixos estratégicos do Fórum, diferentemente do ano com cartazes e slogans contra o presidente
bem legal porque à tarde tem um movimento muito grande de anterior, quando as mulheres estavam presentes apenas em americano. A família da jornalista Bia Cardoso
pessoas de vários países. Isso nos dá visibilidade. Apesar dis- alguns painéis sem muita responsabilidade. “Entretanto, sinto veio a caráter: “a idéia foi do meu marido. Ele
so, a partir do próximo Fórum, queremos estar junto com os disse, ‘vou à passeata fantasiado de morte com
que houve uma marginalização de muitas formas nas conferên-
uma máscara de Bush’. A família veio junto: meu
outros movimentos sociais, o que é superimportante. Não que- cias e nas mesas de controvérsias. Há feministas participando filho de Bush filho e eu vim de lady Blair”, afirma,
remos mais formar guetos e grupos separados”, diz Cassandra ativamente do Fórum e do Comitê internacional, poderíamos também vestida de morte e com uma máscara
Fontoura, coordenadora da entidade Igualdade – Associação ter feito parte desse esforço, entretanto não foi assim”. do primeiro-ministro inglês Tony Blair no rosto.
Estavam presentes à passeata artistas, estu-
de Travestis e Transexuais do Estado do Rio Grande do Sul. O advogado Caio Leonardo participou do III Fórum Social dantes, políticos, sindicalistas, intelectuais, punks
Mundial representando a Associação Brasileira de Apoio Edu- e grupos de gays e lésbicas. Uma grande bandeira
Consciência indígena cacional ao Deficiente (Abaed). Ele se mostrou insatisfeito com branca com a inscrição “não à guerra” foi assinada
Os indígenas não contaram com um espaço específico para a por diversos manifestantes para ser colocada em
a pequena abordagem de temas ligados às pessoas portadoras frente ao consulado americano no Rio. A passeata
realização de seus debates. Em cada um dos pólos visitados de necessidades especiais (PNE) no evento. foi encerrada com um ato ecumênico e apresenta-
era encontrada a sua presença, seus cocares, suas cores. No Durante a palestra Direitos e diversidade, corajosamen- ção do Afoxé Filhos de Gandhi.
dia 26 de janeiro, por exemplo, índios e índias entraram no te, ele tornou esse sentimento público. Por falta de tempo, É difícil precisar o número de pessoas que par-
ticiparam das manifestações ao redor do mundo.
Gigantinho – onde os cineastas Citto Maselli, da Itália, e o debate tradicional não foi realizado. Em seu lugar, cinco Algumas estimativas dão conta de 5 milhões de
Fernando Solanas, da Argentina, falavam sobre Cinema e polí- pessoas, representando diferentes países e grupos sociais manifestantes, distribuídos por mais de 600 cida-
tica: contra a homogeneização do imaginário – chamando a foram selecionadas para dialogar com a mesa. Caio não des em 60 países. Os atos aconteceram quase sem
distúrbios (apenas em Atenas ocorreu um inciden-
atenção dos(as) presentes com a faixa Nós existimos, unidos estava entre elas, mas conseguiu subir ao palco, depois te, onde ninguém ficou ferido).
pela vida e contra a impunidade. disso, com a ajuda dos próprios seguranças, que carrega- Em Roma, 3 milhões saíram às ruas; em Bar-
“Essa é uma campanha lançada no III Fórum Social Mun- ram sua cadeira de rodas: “sou da cidade invisível onde celona foram 1,3 milhão; em Londres, 1 milhão. Os
dial pelos povos indígenas de Roraima junto com a Central números são proporcionais ao apoio que os gover-
impera a exclusão solidária”. Ele explicou que o conceito
nos da Itália, Espanha e Inglaterra dão à intenção
Única dos Trabalhadores, a Comissão Pastoral da Terra e ou- de exclusão solidária passa pela forma caridosa com que a de Bush de atacar o Iraque. Bush também teve o
tros aliados. É um esforço para unir a luta de três segmentos sociedade trata as PNE, ao mesmo tempo em que não pre- dissabor de 100 mil pessoas manifestando-se contra
bastante excluídos em Roraima: os indígenas, os trabalhadores para os espaços urbanos para recebê-las, sugerindo que o a guerra em seu próprio país. Pior, em Nova Iorque,
cidade onde caíram as torres do World Trade Center,
rurais e os trabalhadores da periferia da cidade”, conta o as- lugar dessas pessoas é sempre em casa ou nas escolas fato detonador da atual blitz dos EUA no mundo.
sessor de imprensa do Conselho Indígena de Roraima, André especiais, mas nunca nas ruas, integradas à população.
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Por Marcelo Carvalho

Mário
AUDIOVISUAL LIBRARY EUROPEAN COMMISSION

âmbitos local, regional e internacional. E é necessário também


que os Estados assumam esta luta, só assim o processo vai
caminhando e as mudanças serão implementadas. Penso que

Soares
a vitória do presidente Lula é um bom contributo para isso.

De que forma?
Fiquei muito entusiasmado com a vitória do presi-
dente Lula. Tenho confiança nele, é uma grande figura. As
Uma das figuras centrais da história
idéias solidárias vão ter um grande impulso com o adven-
portuguesa dos últimos 30 anos,
to desse governo. Mas o mais importante da eleição de
notabilizou-se pela luta contra o regime
Lula é que o fato expressou uma vitória do povo brasilei-
salazarista, sendo um dos fomentadores da
ro, que se viu em um homem que veio de baixo, que foi
Revolução dos Cravos (25 de abril de 1974)
pobre, que migrou do Nordeste brasileiro para São Paulo,
que pôs fim à ditadura em Portugal.
que foi sindicalista, trabalhou com os pobres e que chega
Fundador e secretário-geral do Partido
hoje com méritos à chefia da nação.
Socialista português, já ocupou os mais
altos postos da vida pública do país:
E no plano internacional, o que representa?
ministro dos Negócios Estrangeiros (deu
Uma grande esperança para aqueles que acreditam num
início, por parte do governo provisório,
mundo melhor e diferente. A vitória de Lula é a prova de
ao processo de descolonização), primeiro-
que é possível começar a construir um mundo melhor.
ministro (1976/1977, 1978 e 1983/85) e
presidente da República (1986/1990 – foi o
primeiro civil eleito diretamente na história Para onde caminha a Europa hoje, para se
portuguesa – e 1991/1996). Hoje, vice- fechar em seus próprios interesses ou
presidente da Internacional Socialista para a construção de um mundo solidário?
e deputado do Parlamento Europeu, ele Espero que caminhe para um processo de abertura e
participou do III FSM, ocasião na qual no sentido do progresso. E que desenvolva relações
concedeu uma pequena entrevista coletiva. muito especiais com o Mercosul, que não tem tido até
agora, devo dizer, e a Europa é culpada nesse sentido.
Que possamos ser um fator de paz e desenvolvimento do
A sociedade civil organizada, com mobiliza- Por outro lado, há um tal peso militar nas relações inter- mundo e não de guerra.
ções como a do FSM, pode realmente trans- nacionais hoje em dia que penso ser muito difícil barrar essa
formar a realidade social hoje existente? guerra. A guerra parece ser uma convicção nas instituições O que estaria atrapalhando essa relação
Acho que sim e já está fazendo da maneira possível. do governo dos Estados Unidos, é a única nação no mundo entre União Européia e Mercosul?
Mas não é somente com o Fórum Social, não são somen- que tem poder para fazer isso tudo. Ora, mas não pode. Há o Fora o interesse de alguns dos grandes agrários euro-
te as organizações da sociedade civil, mas todas as forças sistema das Nações Unidas e estão lá representados todos os peus, é o resultado de uma política chamada PAC (Política
que contribuem nesse sentido, incluindo as forças políti- outros Estados. Agora, é preciso não confundir a atual admi- Agrária Comum – dispositivo da União Européia que regu-
cas que acreditam na pluralidade. nistração dos EUA, o governo Bush, com o povo americano, lariza e homogeneíza a economia rural dos países mem-
um povo fraterno, pioneiro e de gente que também quer a bros), foi isso que impediu que as nossas fronteiras se
O que o senhor sugere que possa ser feito paz. São nossos aliados no esforço pela paz. abrissem aos produtos de exportação da
de imediato? América Latina.
Que continuem fóruns como este, que se intensifiquem Qual é a causa de tantos e A vitória de
os diálogos, que se aprofundem, ganhem expressão mundi- continuados conflitos? Como o senhor vê o novo
Lula é a prova
al, como está a acontecer. Tem havido fóruns na Europa, Há grandes interesses envolvidos, moti- Timor Leste independente?
África, Ásia, em toda a parte. Ele agora está a se mudar vados pelo egoísmo humano, pelo desejo de de que é possível Com grande satisfação. Tenho uma
para a Índia. A experiência do FSM tem sido realmente ex- alcançar seus objetivos a qualquer preço sem começar a grande amizade, uma grande estima pelo
traordinária e essa idéia precisa ser desenvolvida. É uma olhar para o próximo, sem considerar o bem construir um presidente de Timor Leste, Xanana Gusmão,
idéia que está em marcha e que deve continuar. do próximo. Em vez de promovermos guerras, mundo melhor que é um grande homem. Espero que, não
deveríamos, sim, investir no desenvolvimento obstante ser um país pequeno e bastante
Como o senhor vê a situação do mundo hoje? econômico e social sustentável para atender a pobre, desenvolva-se rapidamente. Portugal
Há um panorama econômico inconsistente, visto que há população mundial e não apenas os ricos. ajuda o quanto pode Timor Leste, está a ajudar muito. Vamos
uma recessão que teima em permanecer e pode redundar em ver o que acontece, agora que vão começar a explorar as re-
uma grande crise mundial. A guerra contra o Iraque, então, Como uma globalização solidária pode ser servas marinhas de petróleo e gás de Timor.
se houver, vai aprofundar a situação econômica mundial e concretizada?
trazer uma crise que poderá ser tão grave quanto a crise eco- Através da vontade dos cidadãos, da ação das organiza- O socialismo tem futuro no mundo?
nômica de 1929. Isso seria seríssimo. E, o que é pior, todos ções não-governamentais, da promoção da cidadania, da parti- O futuro do mundo é o socialismo. O socialismo de-
sabem como se começa uma guerra, mas ninguém sabe cipação nas lutas políticas e sociais e da discussão em rede mocrático e como liberdade, que não se confunde com o
como ela termina. O melhor é não começar. para formar associações entre cidadãos de toda ordem, nos comunismo da forma como foi implantado no passado.
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MARCO/ARQUIVO IBASE
Flávia Mattar e Marcelo Carvalho

Um Conselho que
precisa ser ouvido
A sociedade civil brasileira e o governo federal dão mais Duas outras representações contemplam os diferentes credos religiosos com relevância
um passo no esforço de acabar com a fome no país. Tomaram na sociedade brasileira e representantes do setor privado envolvidos de alguma forma com
posse dia 30 de janeiro os membros do Conselho de Segurança a questão. Entre as organizações empresariais com representação no Conselho estão a
Associação Brasileira da Indústria Alimentícia, a Associação Brasileira dos Supermercados
Alimentar (Consea). A entidade já tem data da primeira
e a Organização das Cooperativas do Brasil.
reunião: 25 de fevereiro. “Para que se cumpra a prioridade de
Há diferenças entre o novo e o antigo
combate à fome, é fundamental a participação da sociedade de Consea, posto em prática pela primeira vez
forma articulada com o governo. Essa é a essência do Consea,
É necessário investir
no governo de Itamar Franco, em 1994. na construção de
garantindo a formulação de propostas e de políticas públicas a “Na época, foram designadas apenas per-
partir da mobilização da sociedade”, afirma Francisco Menezes, sonalidades da sociedade para o Conse-
indicadores de
diretor de Programas do Ibase, que tomou posse no Consea lho, egressos do Movimento pela Ética na segurança alimentar
como um dos conselheiros. Política. No Consea atual estão agregadas que permitam ao
mais organizações e pessoas conhecedo- governo e à sociedade
Na posse, os(as) conselheiros(as) discutiram a proposta de regimento interno e elaboraram ras do tema. Há uma grande vantagem nis-
a pauta da primeira reunião. Entre as intervenções, o ex-deputado Plínio Sampaio (PT-SP) so. O governo seguinte, de FHC, não via
acompanhar os
falou da necessidade de se dar início à análise do plano de safras. Dona Zilda Arns – como uma prioridade a segurança alimen- programas, se estão
coordenadora nacional da Pastoral da Criança – ainda na abertura, propôs que fossem tar, o combate à fome. A questão acabou sendo bem
apresentados os programas bolsa-alimentação, bolsa-escola e de erradicação do trabalho se diluindo no Comunidade Solidária. Foi gerenciados ou se
infantil. Ela enfatizou a necessidade dos(as) conselheiros(as) de se informarem sobre os um período no qual não se realizaram par-
programas. Ressaltou ainda que é preciso articular esses programas com as novas políticas
precisam ser alterados
cerias entre sociedade e governo, necessá-
que estão sendo implementadas pelo governo. rias para se implementar um programa de
A entidade, ligada diretamente à Presidência da República, tem como atribuição discu- combate à fome”, lembra Menezes.
tir e propor diretrizes políticas para a segurança alimentar e o combate à fome no Brasil, Outra grande novidade que diferencia o atual Consea da experiência desenvolvida ante-
sendo um espaço de busca de acordos e articulação entre governo e sociedade. O Consea riormente é a criação das câmaras temáticas. Serão espaços de aprofundamento de determi-
terá amplitude para discutir todas as políticas do governo Lula ligadas à alimentação e nados temas entre as reuniões ordinárias do Conselho, municiando os(as) conselheiros(as)
nutrição em todos os ministérios. Como o programa Fome Zero, de combate emergencial com dados, informações e até propostas que propiciem a agilização dos trabalhos.
à fome, e a merenda escolar, de responsabilidade do Ministério da Educação. Ainda no âmbito das câmaras, mais um ponto novo será a presença de técnicos do
O Consea é formado por 38 representantes da sociedade civil, mais 14 dos ministérios. Ao governo e da sociedade civil, que ajudarão os(as) conselheiros(as) em aspectos mais espe-
todo, são 60 conselheiros(as), somados os(as) 8 representantes internacionais e de outros cíficos de determinados temas.
conselhos da República, que terão assento e direito à voz nas reuniões, mas sem direito à voto. A próxima reunião do Conselho vai definir os temas das câmaras temáticas. “A princí-
A entidade se reunirá de dois em dois meses, salvo convocações extraordinárias. pio, estamos pensando em três câmaras. Acredito que a primeira deva se referir à safra
A estrutura do Consea prevê um(a) presidente e um secretário que, pelo decreto de agrícola. Qual será a política de produção de alimentos? Isso deve ser permanentemente
criação assinado pelo presidente, será o próprio acompanhado. O segundo tema é o da nutrição. Fome e nutrição não são a mesma coisa. O
ministro extraordinário de Segurança Alimentar, combate à fome tem que se preocupar com a qualidade dos alimentos, a adequação
José Graziano. O(A) presidente do Conselho deverá nutricional, questão contemplada na segurança alimentar. Em terceiro lugar, e para mim o
ser um(a) dos(as) representantes da sociedade ci- mais importante, será preciso criar mecanismos de acompanhamento e avaliação das polí-
vil, indicado por Lula nos próximos dias. ticas que serão implementadas. É necessário investir na construção de indicadores de segu-
A composição do Conselho foi pensada a partir rança alimentar que permitam ao governo e à sociedade acompanhar os programas, se estão
de quatro categorias. A primeira, personalidades pú- sendo bem gerenciados ou se precisam ser alterados. Estarei propondo isso já na próxima
blicas da sociedade com histórico de trabalho com reunião”, revela Menezes.
a questão, como o bispo da Arquidiocese de Duque Mas, afinal, quantas pessoas famintas existem no Brasil? O dado já clássico do Ipea
de Caxias, Dom Mauro Morelli, Dona Zilda Arns e o estabelece 32 milhões vivendo abaixo da linha de pobreza. “Talvez ninguém saiba precisar
ator Marcos Winter. A segunda categoria é a de re- com segurança o número. Depende do critério utilizado, da metodologia aplicada. Quando
WALTER/ARQUIVO IBASE

presentantes de articulações, redes e organizações o Programa Fome Zero anunciou que deveria atender 44 milhões de famintos, quis dizer
da sociedade envolvidas com o tema, como o Ibase, que 44 milhões de pessoas viviam em um estado no qual potencialmente estariam passando
o Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e fome. Mas não significa que todas essas pessoas estejam passando fome. É preciso reco-
Nutricional, movimentos negros, movimentos indí- nhecer que são montados diversos sistemas de sobrevivência dentro das famílias para
genas, Contag, Asa (Articulação do Semi-Árido) etc. socorrer as pessoas mais necessitadas”, explica.
12 • Jornal da Cidadania • Nº 115 • Fevereiro 2003

Mariana Santarelli*

Novo mundo na prática


A riqueza do Fórum está nas múltiplas possibilidades de entrar muito gostoso, era gratificante saber que estávamos incen- força. A noção de responsabilidade pelo espaço fez com que
em contato com novas formas de ação, redes, familiarizar-se tivando práticas agrícolas sustentáveis e gerando trabalho e muita gente colocasse a mão na massa, fosse construindo pe-
com outras temáticas e realidades, conhecer gente, articular e renda para empreendimentos autogestionários. quenas calhas ou decidindo coletivamente o que fazer com
buscar inspiração para continuar na luta por um mundo me- A Cidade das Cidades também tinha suas próprias moe- quem chegava de ônibus, das partes mais remotas do Brasil, e
lhor. Só isso já seria motivo para levar cerca de 25 mil jovens das, o sol e a lua. O sol podia ser trocado por diferentes não tinha um lugar seco para instalar sua barraca.
que participaram do Fórum a Porto Alegre. Mas a juventude moedas e tinha como objetivo demonstrar a viabilidade e o Apesar da boa vontade de transformar o Acampamento
sempre quer mais, radicalizar propostas, ousar, protestar e, potencial de moedas locais para estimular a economia inter- em um espaço onde impera a democracia e a diversidade,
mais do que tudo, experimentar. Não se contenta em ouvir falar na de pequenas localidades. A lua servia para facilitar as faltaram esforços para incorporar e dar voz às juventudes
de idéias como autogestão, consumo crítico ou bioarquitetura. transações em feiras de trocas que aconteciam diariamente. tradicionalmente excluídas. Poucas e subrepresentadas es-
Quer a oportunidade de praticá-las. Uma rede de contra-informação se formou, com 80 com- tavam as pessoas negras e jovens da periferia de Porto
É dessa vontade coletiva que emerge o III Acampamento putadores conectados à internet e uma rádio comunitária. Na Alegre, quanto mais de outros estados. Pena que o Fórum
Intercontinental da Juventude como um laboratório social. Du- usina de comunicação, nada de Microsoft. A tecnologia utili- Nacional de Hip Hop tenha se realizado fora do Parque Har-
rante 11 dias, jovens do mundo inteiro se juntaram no Parque zada foi o software livre, programas de computador com o monia, seus debates certamente teriam enriquecido e trazi-
Harmonia num desafio de autogestão: fazer funcionar a Cidade código-fonte aberto, que não são propriedade de nenhuma do de forma mais marcante a questão racial para dentro do
das Cidades, colocando em prática algumas alternativas de um empresa. Por isso, permitem que os benefícios da informática Acampamento. Bem representada estava a juventude latino-
mundo melhor. Seu funcionamento depende da participação cheguem às populações excluídas pelo mercado. A Cidade americana. Não faltaram bandeiras da Argentina, Chile e
de cada pessoa presente. Estar acampado significa muito mais contava também com dois palcos, fora as atividades culturais Uruguai flamejando no Parque Harmonia.
do que “descolar” um lugar barato e divertido para participar que aconteciam espontaneamente pelo Parque. É importante dizer que as pessoas que orquestram esse
do FSM em Porto Alegre. É a oportunidade de exercitar práti- O maior desafio foi mesmo o processo de autogestão. grande encontro da juventude são todas jovens e voluntárias.
cas transformadoras e o compromisso com a gestão e a ocu- No Acampamento, os(as) jovens não deveriam ser meros mo- Nada recebem, além da gratificante sensação de fazer parte de
pação do espaço, de forma responsável e solidária, tudo regado radores, mas governar e administrar, organizar-se para ga- um processo de transformação e serem protagonistas desta
a muita festa e descontração, ingredientes indispensáveis. rantir a segurança e a limpeza do lote onde habitavam e experiência de organização e vivência.
Quem participou do Acampamento em suas versões ante- participar das assembléias, nas quais eram tomadas decisões O que fica em cada um(a) de nós após os dias passa-
riores, percebeu que este ano houve maior integração com o importantes para a gestão do espaço. Na Cidade das Cidades dos em Porto Alegre depende do quanto nos deixamos en-
Fórum Social Mundial. O fato da Orla do Guaíba, em frente ao não adiantava reclamar. Se algo não funcionasse, quem tinha volver com aquele espírito comum presente em todas e todos
Acampamento, ter se tornado um dos pólos de realização de que buscar a solução era o reclamante. Tivemos que lidar que estiveram, de corpo e alma, no Parque Harmonia. Para
painéis e seminários possibilitou maior participação da juven- com todas as dificuldades típicas de uma cidade super-habi- algumas pessoas, apenas uma grande festa; para muitas, a
tude nos eventos oficiais. Os axônios – espaços para oficinas tada, lixo, desordem, problemas de segurança e saneamento. oportunidade de vivenciar e aprender construindo. Para to-
construídos pelos próprios acampados com técnicas de Pouca gente de fato percebeu o que estava acontecendo das elas, inspiração para continuar exercendo no dia-a-dia
bioconstrução – também foram instalados na orla, o que não por trás daquilo que, para pessoas mais desatentas, parecia a transformação que pretendemos causar no mundo. E, é
deu muito certo. Muita gente preferia ir às oficinas que aconte- uma grande festa. Isso comprometeu o processo de autogestão, claro, muita festa. Afinal, somos jovens.
ciam dentro do Parque Harmonia. Ser surpreendido por uma que só funciona quando há um real envolvimento, cooperação
oficina de reciclagem ou de sexualidade no caminho do chu- e participação. Se nem tudo funcionou como se esperava, era
veiro tornava o dia-a-dia ainda mais interessante. nos momentos de maior dificuldade – por exemplo, durante o * Assistente da Coordenação de Captação de
Recursos do Ibase, participou de organização de
temporal que quase transformou o Acampamento em brejo – atividades relacionadas à juventude desde
Sol e lua que o espírito de cooperação e solidariedade apareceram com o I Fórum Social Mundial
A grande interação foi mesmo o fato do Acampamento ter
sido o local do FSM onde mais se transformou o discurso

FOTOS: SAMUEL TOSTA


em prática. A bebida oficial não era a coca-cola, mas sim o
suco de uva orgânica, bebido não em copo descartável, mas
na clássica caneca verde pendurada por um barbante, que
este ano foi o símbolo do acampado. O comprometimento
com a redução de lixo não parou aí. A central de gestão
ambiental distribuía, para quem já tivesse sido capturado
pelo vício do cigarro, potinhos para depositar as “bitucas”,
como diz a população gaúcha, e sabonetes orgânicos a se-
rem usados nos chuveiros.
Na hora de se alimentar, nada de grandes redes de
fastfood. As cooperativas locais foram as fornecedoras ofi-
ciais de “rango”, quase tudo orgânico e preparado por fa-
mílias de agricultores, muitas delas do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Além de ser tudo
Fevereiro 2003 • Jornal da Cidadania • Nº 115 • 13

Patrícia Lânes *

Abram alas que Nas manifestações, passeatas, shows ou grandes con-


ferências (com renomados à frente), a juventude se fez
presente, indistinta, todos e todas por uma mesma causa.
E talvez seja mesmo isso. Talvez cada jovem se veja muito

vamos passar
mais como representante de seu partido, movimento ou
grupo cultural do que simplesmente jovem. No entanto, é
impossível não reconhecer que a identidade de um dos
espaços mais ricos e plurais do Fórum se dá através deste
recorte: juventude. O Acampamento Intercontinental tem a
juventude no nome e as possibilidades de inovação e ex-
perimentação que se dão a partir dele, tendo o jovem como
protagonista, são prova de que o peso dos jovens no Fórum
deve ser tratado com mais atenção.
No terceiro ano do Fórum Social Mundial, a juventude dial também coloca limites e obstáculos. As diferenças É preciso formular com a juventude, assim como com
protagonizou importantes momentos, dando exemplo de expuseram dificuldades no diálogo dentro de um grupo tantos outros grupos sociais com demandas específicas
autonomia e criatividade. Uma vez mais, mostrou-se em toda heterogêneo que chamamos de juventude. Afinal, é possí- (mulheres, negros etc), mecanismos de inclusão que, cada
sua pluralidade, ocupando espaços já consolidados nas vel tematizar as questões dos jovens do campo e da cidade vez mais, possibilitem a maior atuação dos(as) jovens –
edições anteriores, caso do III Acampamento Intercontinen- conjuntamente? Ou colocar na mesma mesa para pensar não só na participação como ouvinte, mas na organização
tal da Juventude. Mas revelando, também, seu interesse por questões comuns integrantes de juventudes partidárias e de mesas, na tematização dos mais diversos eixos etc –
outras plenárias. Os painéis, propostos por redes e movi- de movimentos culturais? sem deixar de fora suas especificidades e as possibilidades
mentos sociais para discutir os cinco eixos temáticos e ini- de encontro dadas por suas próprias iniciativas. É preciso
cialmente restritos a delegados, acabou sendo “ocupado” Iguais, mas diferentes reconhecer, no entanto, que, nesses três anos, o Fórum e a
pela juventude. Os(as) jovens estavam por todo lugar. Era A troca possível entre essas e esses jovens, que estive- juventude vêm avançando no sentido de abrir novos espa-
fácil notar nas ruas de Porto Alegre e nos mais diferentes ram no Acampamento e nas oficinas, seminários, pai- ços, de agregar semelhanças e respeitar diferenças.
pontos ocupados pelo Fórum. Com sua diversidade, novi- néis, testemunhos e conferências, aponta mais uma vez Mas ainda falta pensar em como dar conta de tanta
dades, bandeiras e ousadias. E trazendo a pulseira colorida, seus caminhos e fronteiras. Se nos assuntos mais am- diversidade que se expressa dentro de uma identidade só,
que comprovava presença no Acampamento. plos, as muitas juventudes convergiam, ainda se faz ne- que é a juventude. Essa questão deve ser colocada não ape-
Se nos anos anteriores, muitas atividades culturais cessário avançar para transformar a questão juvenil em nas para organizações e movimentos que lidam com jovens,
surgiam quase que de forma espontânea, este ano, seja um tema capaz de ser compartilhado de modo fraterno mas também para a própria juventude. Analisar semelhan-
pela organização setorial dos jovens, seja pela relevância por setores tão diferentes que têm em comum o fato de ças e diferenças a partir de um espaço privilegiado como o
política desses protagonistas, elas se consolidaram atra- estarem em momentos semelhantes em seu ciclo de vida. Fórum Social Mundial é aprender a construir conjuntamen-
vés de programações paralelas às do “fórum oficial” a Mas que expressam suas expectativas, vontades e criati- te o futuro a partir do presente. Os(as) jovens que estive-
partir, principalmente, do Acampamento. Mas não cir- vidade de formas muito distintas. ram no III Fórum – não apenas no Parque Harmonia e
cunscritas a ele. Nesse sentido, a importante representa- A importância de ampliar o debate da juventude por arredores, mas nas arquibancadas do Gigantinho, nas salas
ção de tantas juventudes em um mesmo lugar, ao mesmo meio de suas semelhanças (ainda que seja prerrogativo e auditórios da PUC e nos Armazéns – darão o tom das
tempo possibilitou o reconhecimento e legitimação de que o debate não mascare as diferenças) evita o risco de mudanças que estão por vir. Por esse motivo, é fundamen-
muitos grupos. Como o movimento Hip Hop, que pro- ter que se criar guetos entre os(as) jovens para que deter- tal avançar no diálogo com sua diversidade, ouvindo idéias
moveu um Fórum Nacional durante o FSM com intensos minadas questões sejam tratadas (como o Fórum Nacional e reconhecendo potencialidades e conquistas.
debates e programação cultural. de Hip Hop). É preciso refletir muito ainda sobre o que
*Jornalista, assistente de Pesquisa da
A pluralidade que se fez sentir por meio das diversas agrega as diferentes juventudes nesse espaço de criação e Coordenação de Participação e Desenvolvimento
juventudes presentes nesse grande encontro político mun- interlocução que o Fórum se tornou. Local Sustentável do Ibase

FOTOS: SAMUEL TOSTA


14 • Jornal da Cidadania • Nº 115 • Fevereiro 2003

AnaCris Bittencourt - anacris@ibase.br

Infor mação a toque


Informação É de pequeno que se
de caixa apr ende
aprende
O jornal Terra Viva foi uma valiosa ferramenta para quem esteve no III Fórum Social

SAMUEL TOSTA
Mundial, mas não conseguia acompanhar todos os eventos. Com edições diárias, trilingüe
– português / inglês / espanhol –, a publicação mostrou um pouco de tudo que aconte-
ceu em Porto Alegre. A iniciativa foi da Inter Press Service, agência de notícias que vem
desde 1964 contribuindo para democratizar a informação na América Latina. “Os exilados
foram uma mão-de-obra fundamental para o nascimento e expansão da IPS. Eu sou um
exemplo disso, entrei na IPS quando exilado em Portugal, em 1978. Deixei a IPS-Lisboa
para o Brasil em 1979, mas me reintegrei aqui no Rio em fins de 1980, e aqui estou até
hoje”, conta o jornalista Mário Osava, que representa a agência no Brasil.
O Terra Viva já tem quase 11 anos. Nasceu na Rio 92 como uma publicação para ser
distribuída nas grandes conferências da ONU. A estréia no Fórum aconteceu no ano
passado. A tiragem foi de 40 mil exemplares de 24 a 27 de janeiro e de 20 mil no
último dia, por conta do menor número de atividades. Para a tarefa, contou com uma
equipe de 15 jornalistas, sendo 10 repórteres, editores ou diretores e 3 tradutoras.
Uma empresa local foi contratada para fazer a impressão e distribuição, além de
2 fotógrafas e ilustradores.
Paralelamente ao III Fórum Social Mundial, aconteceu em Porto Alegre o II Forunzinho.

Feito em casa O espaço não se resume a uma creche para que os pais possam participar do evento oficial.
Existe a preocupação em transmitir para os(as) participantes-mirins um pouco do que está
acontecendo no grande Fórum, mas claro, em linguagem de criança. Segundo os cálculos da
Durante o Fórum Social 2003, o Ibase presenteou o público com duas valiosas produ- Comissão Organizadora, 2.500 crianças participaram diariamente. Foram realizadas, por dia,
ções: um boletim sobre meio ambiente e injustiça social e uma edição especial da revista 40 oficinas e 6 atividades culturais. Na ocasião, aconteceu o I Encontro Internacional de
Democracia Viva sobre o Fórum. Os materiais ficaram à disposição no estande, localizado Contadores de Histórias, que reuniu 200 contadores do Brasil, França, Espanha e Argentina.
no Ginásio de Esportes Gigantinho, mas também foram distribuídos em conferências, Este ano, o principal tema de discussão foi a Carta da Terra, na perspectiva de educa-
seminários e oficinas durante os seis dias do encontro em Porto Alegre. ção para liberdade e transformação social. A paz também entrou em cena nas discussões,
O boletim Justiça Ambiental, organizado por Ibase, Fase e Ippur/UFRJ, traz os enfocada durante o Piquenique Social. O evento reuniu centenas de crianças, pais e amigos
primeiros resultados do Projeto Mapa de Conflitos Ambientais no Estado do Rio de e contou com presenças ilustres, como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, além de
Janeiro, realizado pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental, com apoio da Secretaria de um coral de 400 vozes.
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Rio de Janeiro. A Rede, Mais informações: www.forunzinho.org.br
criada em setembro de 2001, reúne 55 entidades, entre movimentos sociais, sindicatos,
ONGs e universidade.
O entrevistado da edição é o pescador Jorge Barcellos, vice-presidente da Associação
de Pescadores de Carapebus, um dos municípios dentro dos limites do Parque Nacional de Um, dois, feijão
Jurubatiba, criado em 1998. A entrevista mostra o conflito entre pescadores, comunidade
científica e governo, que no intuito de preservar a área, tornou a pesca ilegal na região. com arr oz
arroz
A edição especial bilíngüe (português/inglês) da revista Democracia Viva tem
84 págs. Traz 9 artigos de pensadores reconhecidos no Brasil e no mundo sobre a No dia 27 de janeiro, recebemos no estande do Ibase, no Ginásio Gigantinho, um amigo de
atuação política do Fórum Social Mundial: Cândido Grzybowski, longa data, Getúlio Ferreira Brunes, secretário-executivo do Coep Goiás (Comitê de Entidades
Celina Whitaker, Chico Whitaker, Henri Acselrad, Kjeld Públicas e Privadas no Combate à Fome e pela Vida) e do Centro Nacional de Pesquisa Arroz
Jakobsen, Lílian Celiberti, Patrick Viveret, e Fejjão da Embrapa. O agrônomo entrou em contato conosco pela primeira vez por conta da
Pierre Vuarin, Sueli Carneiro e Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida, lançada em 1993. Na ocasião, ele criou um
Njoki Njoroge Njehu. comitê de funcionários da Embrapa para o desenvolvimento de projetos sociais na região.
A revista publica também uma Algumas iniciativas foram temas de reportagens no Jornal da Cidadania, como o projeto de
mesa-redonda, baseada nas discus- lavouras comunitárias para comunidades indígenas, ainda em prática no Pará e no Paraná.
sões realizadas no Fórum Social Eu- Em dezembro do ano passado, Getúlio deu o pontapé inicial para um novo projeto, que
ropeu, em novembro de 2002, na quer contribuir para a sustentabilidade da agricultura familiar no Brasil. A idéia é atender
Itália, e um artigo de Boaventura de pequenos produtores e famílias do MST. “Plantamos em terras cedidas por fazendeiros 100
Sousa Santos sobre a proposta de uma hectares de lavoura de arroz. Em 4 de maio, devemos colher 400 toneladas de sementes. As
universidade popular. sementes não serão doadas, mas vendidas a preços baixíssimos para que eles possam
reproduzi-las. Em fevereiro, iremos lançar também em Goiás uma lavoura de feijão”, disse.
Pedidos de exemplares ao
Ibase: (21) 2509-0660 Com a venda das sementes, será constituído um fundo para atender as associações de
ou pelo site www.ibase.br produtores que não tiverem condições de comprar.
Fevereiro 2003 • Jornal da Cidadania • Nº 115 • 15

Cultura afro nas escolas


No dia 10 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto que torna obrigatório o ensino de história e cultura
afro-brasileira nas escolas do país. A lei, de autoria da deputada Esther Grossi (PT-RS), foi recebida com alegria pelo Movimento
Negro. Mas existe uma corrente que acredita que não se pode obrigar o que deveria acontecer naturalmente, pela conscientização
da população. Será? Confira a seguir dois artigos sobre o assunto.

Amauri Mendes Pereira * Edmilson de Sena Morais *

Inquestionável o acerto da medida. Porém, o que cabe a cada um É um contra-senso a obrigatoriedade da inclusão desse conteúdo nas
agora é estar atento para a plena efetivação da lei. Uma questão fun- escolas. Afinal, respira-se e transpira-se africanidades neste país. A ori-
damental é: como qualificar rapidamente alguns milhares de professores e professoras, gem do homem está na África, a história do Brasil inicia-se com a presença africana
para formar muitos milhares de outros, que vão trabalhar diretamente com milhões de maciçamente durante quatro séculos de translados (diáspora forçada) de variadas etnias das
crianças e adolescentes? quais somos herdeiros. Nossa produção cultural está toda, praticamente, sob a influência
Não interessa chorar o leite derramado e reclamar que estes assuntos nunca foram da cultura negra africana. Até mesmo o Norte do país, com a forte presença indígena,
muito prestigiados na sociedade, como nos setores acadêmicos, que os temiam. “Áfri- recebe influência da cultura negra caribenha.
ca, Estudos Afro-Brasileiros, relações raciais, hummm, Isso é problema!” O que valia Se tudo isso não é suficiente, quem são os sujeitos da educação no Brasil? Afrodescenden-
era a síndrome da avestruz... Se não os vemos, tes na sua maioria. Se os nossos colegas professores, nos seus repertórios pedagógicos, não
Se o ato de educar esses problemas não existem. discutem e não incluem em seus planos de curso/aula a cultura negra africana, é sinal que a
Afinal, o Ministério da Educação tem sido concepção de currículo ainda está baseada no universalismo iluminista. Neste momento, temos
exige empatia entre que repensar o currículo em suas bases epistemológicas e numa perspectiva pós-moderna. Será
sempre um reduto inexpugnável à discussão da
educandos e que o que se produz em termos de currículo em nossas academias ainda não é suficiente para
questão racial e educação e às demandas por essa
educadores e entre formação específica. Não conseguiu sequer apoi- podermos refleti-lo em nossa conjuntura atual?
esses e o tema, essa ar os dois Congressos Brasileiros de Pesquisa- Tudo nesse país, normalmente, é estabelecido por um grupo pensante, uma elite togada
que estabelece e normaliza. Faz-se o pacote e envia para o seu destino. Aí se transforma em
empreitada vai dores Negros, nos quais as apresentações de
lei, pra ver se assim as pessoas seguem a lei. Que está na LDB, está nas Diretrizes Curriculares
exigir muito de trabalhos e os debates sobre História e Cultura
etc. Entretanto, não há repercussão. Não chega no interior das escolas. Pior, não chega nos
quem resolva chegar Afro-Brasileira alcançaram seus mais exuberan- ouvidos dos professores. E, quando chega, ouve-se o discurso: “não há material”. Ainda são
tes momentos – inclusive criando, no último, a
dependentes do escrito, do normatizado. Ainda é necessário o respaldo do produtor, do
Associação Brasileira de Pesquisadores Negros.
intelectual, do mestre, do cânone, porque os sujeitos professores não se refletem como
E apenas em 2002 uma mulher negra – Petronilha Beatriz Gonçalves – doutora em
afrodescendentes ou mesmo resultado de uma cultura emi-
Educação, com história de vida pessoal e acadêmica vinculada ao tema, assumiu um
Será que nesse nentemente multicultural.
cargo de conselheira no Conselho Federal de Educação.
É assim que as coisas ainda acontecem: vêm de cima
Vai ser necessário, portanto, um profundo exercício de autocrítica e desprendimento, Brasil de meu para baixo. Apenas um problema nisso tudo: não há res-
por parte dos que têm concedido menor importância à temática. Felizmente, não estamos Deus, algo tão sonância nos quatro cantos do nosso país. Nem mesmo
partindo do zero: há iniciativas preciosas, subterrâneas, consistentes porque elaboradas e peculiar a nós nas metrópoles, quanto mais nas regiões interioranas.
realizadas, quase sempre abnegadamente, por parte de organizações do Movimento Negro e Nossa educação se resume em um tripé: escola, professor
tem que ser feito
de educadores e educadoras que acreditaram na causa. Muito antes da existência da lei, vêm e aluno, segundo uma determinada Secretária de Educa-
construindo esses conhecimentos e programas, cursos e metodologias adequadas à sua
de maneira
ção. “Se a educação não vai bem é porque os professores
implementação pedagógica. É um imperativo ético levantar esse quadro, sondar as possibi- coercitiva? são os responsáveis.” Esse é o discurso. Pelo que parece,
lidades de aperfeiçoar e ampliar tais iniciativas, além de criar outras e multiplicá-las. Aten- isso contraria completamente o conceito de educação e
ção: se o ato de educar exige empatia entre educandos e educadores e entre esses e o tema, de escola numa perspectiva progressista. Infelizmente, a escola que está aí é cada vez mais
essa empreitada vai exigir muito de quem resolva chegar! Há tanta emoção a se vivenciar! manipulada pelo capital, por isso não vê os sujeitos culturais dentro dela. Esses sujeitos
As vontades políticas do MEC e das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação não se vêem refletidos nos livros didáticos e nem mesmo no que essa educação formal quer
serão decisivas. Felizmente estamos mais do que alertas, entusiasmados. O que não transformá-los. Será que nesse Brasil de meu Deus, algo tão peculiar a nós tem que ser
podemos é repetir a outra Lei Áurea. Seria irresponsabilidade inadmissível lançar o feito de maneira coercitiva? O mundo mudou! Estamos em plena pós-modernidade. Acorda
objeto dessa lei à sua própria sorte. Brasil! Tomara que não dê em vatapá.

* Pesquisador do Centro de Estudos Afro-Brasileiros * Professor de História da rede estadual


da Universidade Cândido Mendes, RJ e municipal de ensino da Bahia
16 • Jornal da Cidadania • Nº 115 • Fevereiro 2003

O Fórum é uma festa


O Fórum Social Mundial é o grande encontro da diversidade humana, da diversidade de a PUC, o estádio Gigantinho, quatro armazéns do porto e outros locais. O acampamento de
militâncias e idéias. É o momento do diálogo entre as mais variadas causas que antes 25 mil jovens extrapolou as instalações do Parque Harmonia.
marchavam paralelamente, dispersas. O sucesso do Fórum se deve à consciência de que só Os(as) representantes de mais de 150 países só não se sentiram perdidos(as) numa
o casamento dessas causas, dos diversos movimentos sociais, das ONGs e outras entidades Torre de Babel porque 120 intérpretes fizeram a tradução simultânea das principais pales-
poderá gerar uma nova utopia capaz de transformar o mundo. Isso leva tempo, mantém-se tras e seminários, ao espanhol, francês, inglês e português. O Fórum monopolizou 80% do
a tendência de reuniões separadas de sindicalistas, camponeses(as), profissionais de edu- total desses profissionais existentes em todo o Brasil, segundo Sérgio Ferreira, coordena-
cação, pessoas que defendem os direitos humanos, interessadas em temas econômicos etc. dor do serviço. Isso permitiu democratizar a participação.
O mundo se tornou muito complexo, multiplicaram-se as demandas específicas e as Mas não foi suficiente. Cerca de 80 tradutores e tradutoras, voluntários de vários
questões a enfrentar na construção de “um outro mundo possível”. Já não se espera que as países, também ajudaram na comunicação. Ainda assim houve confusões. Uma delegada
conquistas do movimento operário produzam o bem-estar de todas e todos. Temos agora o americana, por exemplo, pediu ao público presente levantar as mãos e gritar “wage war”
ambientalismo, o feminismo, os movimentos étnicos, de marginalizados urbanos, homos- para uma foto. O público brasileiro obedeceu, mas não o de fala inglesa. Ela repetiu o
sexuais, portadores de deficiência, jovens, todos com suas reivindicações próprias, às vezes pedido, mas os anglófonos não reagiram. Só então se deu conta do erro. Pedia “faça a
até conflitantes com as do sindicalismo. guerra” numa reunião pacifista, contrária aos planos belicosos de Bush. Corrigiu para
Acolher e valorizar essa diversidade, facilitar o diálogo e as articulações é o papel do “wage peace”, todos e todas a atenderam e ela pôde tirar sua foto.
Fórum, um “laboratório de idéias”. Trata-se de um espaço aberto da sociedade civil, de Um colega jornalista sofreu outro tipo de engano, não tanto por falar apenas inglês.
diálogo horizontal, sem hierarquias. O FSM não é uma instituição representativa do conjun- Perdeu boa parte do seu primeiro dia em Porto Alegre tentando chegar a um dos locais do
to de seus participantes, por isso não delibera nem emite declarações, explicam membros FSM. Perguntou a transeuntes pelo “Fórum”, seguiu as indicações e foi parar no Tribunal
do Comitê Organizador. Manter esse caráter exigirá conter ansiedades, principalmente de de Justiça. Levou tempo até se convencer que não foi vítima de trote.
militantes políticos que anseiam pela definição de estratégias, pela politização e
institucionalização do Fórum, o que supõe direção central e disputa pelo poder.
Mas o Fórum é também uma festa e, como toda festa boa, reúne gente demais. As 100 Jornalista, correspondente da agência IPS e Amigo do Ibase
mil pessoas participantes deste ano às vezes não cabiam nos auditórios distribuídos entre mosava@uol.com.br

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