Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Í MI
QU e E
DAD
CI E
SO
A seção “Química e sociedade” apresenta artigos que focalizam mentos. Só eventualmente se utilizava
aspectos importantes da interface ciência/sociedade, procurando o sabão para limpeza, ao se lavar o
sempre que possível analisar o potencial e as limitações da ciência corpo de pessoas homenageadas.
na solução de problemas sociais.
Este texto aborda o efeito de agentes de limpeza sobre os cabelos. Sabões, detergentes
Ao mesmo tempo, discute a composição química desses materiais, sintéticos e xampus
a estrutura básica do cabelo e as formas como a acidez e a Formados por ésteres, as gorduras
alcalinidade de xampus afetam essa estrutura. animais e os óleos vegetais são
insolúveis em água. Reagem com
xampu, sabões, detergentes, acidez e basicidade, pH soluções alcalinas, de hidróxido de
sódio ou potássio, produzindo sabão.
Essa reação é um dos mais antigos
E
stamos tão habituados, hoje simples mistura mecânica de gordura processos orgânicos conhecidos e
em dia, com os produtos de e álcali, até que o químico francês utilizados pelo homem, permitindo a
limpeza e higiene pessoal que Michel-Eugène Chevreul (1786-1889) conversão de gorduras animais e
vêm sendo desenvolvidos com o mostrou que sua formação era na óleos vegetais em sabão. Por esta 3
correr dos anos, que sequer paramos realidade uma reação química. razão, ela é conhecida como ‘reação
para pensar no que acontece quando Gregos e romanos chegaram a co- de saponificação’ (ver quadro abaixo).
lavamos os cabelos com um xampu nhecer o sabão. Nas ruínas de Pom- Um sabão tem a fórmula geral R-
qualquer. Por que não usar um sabão péia, destruída aproximadamente em CO-ONa, onde R é usualmente uma
comum ou outro produto de limpeza 79 a.C. pela explosão do Vesúvio, ar- cadeia carbônica contendo de 12 a 18
no lugar dessa coisa que se conven- queólogos desenterraram uma fábrica átomos de carbono. A característica
cionou chamar xampu? E os condicio- de sabão. Ao que tudo indica, os estrutural mais importante de um sa-
nadores, para que servem? Para romanos não o empregavam para a bão é que sua longa cadeia carbônica
entender mais sobre xampus e outros limpeza: a maior parte era misturada apresenta uma extremidade carrega-
detergentes semelhantes é preciso com aromatizantes para cabelos ou da (que é atraída pela água) e a outra
voltar um pouco no tempo e acompa- cosméticos e adicionada aos emplas- não se solubiliza na água. Por exem-
nhar o desenvolvimento do primeiro dos tros usados em queimaduras e feri- plo, o estearato de sódio, visto abaixo.
produtos de limpeza, o sabão comum.
Um pouco de história
Como o preparo de vinho a partir
da fermentação de suco de uva, a
produção de sabão é uma das mais cadeia carbônica apolar (lipofílica) extremidade carregada
(hidrofílica)
antigas reações químicas conhecidas.
Não se conhece sua origem, mas é A reação de saponificação transforma um éster de um ácido graxo em um sal de um
provável que tenha sido descoberta ácido caboxílico e um álcool, conforme a seguinte equação química:
por acidente quando, ao ferverem gor- R-CO-OR’(s) + NaOH (aq) → R-CO-O-Na+ (aq) + R’-OH (l)
dura animal contaminada com cinzas, éster base sal (sabão) álcool
nossos ancestrais perceberam uma
espécie de ‘coalho’ branco flutuando No caso específico dos lipídeos constituintes de óleos e gorduras, a reação é
sobre a mistura. representada pela seguinte equação química:
O historiador romano Plínio, o Ve-
CH2-O-CO-R CH2-OH
lho (23-79 d.C.), já descreve a fabri-
❘ ❘
cação do sabão duro e do mole, mas CH-O-CO-R (s) + 3 NaOH (aq) → CH-OH (l) + 3 RCOO– Na+ (aq)
somente a partir do século XIII este ❘ ❘
passou a ser produzido em grande CH2-O-CO-R CH2-OH
escala. No princípio do século XIX ain- glicerídeo base glicerol sal (sabão)
da se pensava que o sabão fosse uma
H
oje aceitamos com natura nho com camisolas para evitar que
basicamente de proteínas formadas
lidade idéias como tomar seus corpos fossem despidos.
por cadeias longas e paralelas de
banho e lavar nossas rou- O ato de tomar banho com sa-
aminoácidos ligados entre si. Há três
pas com sabão. Historicamente, bão e água aconteceu graças ao
modos pelos quais elas podem co-
entretanto, esse é um costume Movimento Sanitário iniciado em
nectar-se umas às outras: por liga-
recente. Em toda a Idade Média, Londres como resposta à sujeira
ções de hidrogênio, por ligações
nem a aristocracia nem a classe onipresente — aos poucos reconhe-
iônicas entre grupos ácidos e bási-
pobre tinha muita inclinação para o cida como uma das causas de cóle-
cos e por ligações dissulfeto. Esses
banho. A rainha Isabella (1451- ra e de febre tifóide. Canais de es-
três tipos são chamados de ‘liga-
1504) da Espanha orgulhava- gotos foram construídos, o lixo
ções laterais de cadeia’ e são res-
se de ter tomado apenas foi transportado para longe
ponsáveis pelas interações inter e
dois banhos em toda a dos centros urbanos, be-
intracapilar (Fig. 2).
sua vida: um quando bedouros públicos fo-
nasceu e outro no ram isolados de
dia de seu casa- locais contami-
mento. Já a nados e as
rainha Eliza- pessoas fo-
beth I (1558- ram encora-
1603) da Ingla- jadas a tomar
terra era uma entu- banho e a lavar su-
siasmada banhista. as roupas. Em 1846, o
Precisasse ou não, to- governo britânico editou 5
mava um banho a cada três uma lei que permitia a insta-
meses. lação de banheiros públicos e
Figura 2: Representação esquemática das
Até meados do século XIX, o lavanderias para a classe trabalha-
ligações laterais de cadeias em proteínas em banho do corpo nu foi considerado dora de Londres. O movimento ex-
cabelos. pecado pela Igreja, tendo em vista pandiu-se pela Europa e logo seguiu
que esta era uma prática dos para os Estados Unidos, e é por essa
Ação dos xampus sobre o pagãos gregos e romanos. Além da reviravolta que o banho passou a ser
cabelo pressão religiosa, a falta de água considerado uma prática saudável
Como um sabão — ou um deter- aquecida e de sabão também por milhões de pessoas.
gente sintético — consegue remover serviam de desencorajamento para Os colonizadores portugueses
a sujeira dos cabelos? a prática do banho. Ainda neste recém-chegados ao Brasil incorpo-
A maior parte da sujeira do cabelo século, membros de certas ordens raram o hábito de tomar banho imi-
adere na camada de sebo. Se o sebo religiosas continuavam a tomar ba- tando os índios brasileiros.
puder ser removido, as partículas
sólidas de sujeira também o serão. A
água fria, por si só, não consegue dis- Em condições ideais, a pele hu- Em soluções fortemente ácidas,
solver gotículas de sebo (lipofílicas); mana tem uma camada naturalmente em que o pH está entre 1 e 2, ambas
na presença da micela do sabão ou ácida, com pH entre as ligações de hi-
do detergente sintético, contudo, a 3 e 5, enquanto o drogênio e iônica
parte central apolar captura as gotí- pH do cabelo está Até meados do século XIX, o são quebradas, de-
culas de óleo, formando uma emulsão, entre 4 e 5. A acidez banho do corpo nu foi vido à protonação
pois as mesmas são solúveis no deve-se à produção considerado pecado pela dos grupos carboxi-
centro apolar (Fig. 1). igreja, pois era uma prática
de ácidos graxos la e carbonila nas
Os detergentes sintéticos e os dos pagãos gregos e
pelas glândulas se- cadeias de proteí-
sabões envolvem em sua fabricação romanos. Ainda neste século,
báceas. Assim, o nas (ver Fig. 2). As
uma base forte (hidróxido de sódio ou membros de certas ordens
de potássio), e isso faz com que suas uso de determina- religiosas continuavam a ligações dissulfeto,
formulações apresentem um pH (me- dos tipos de xam- tomar banho vestindo entretanto, conse-
dida da acidez e basicidade de um ma- pus pode produzir camisola guem manter as ca-
terial) acima de 7 (alcalino). Além disso, no pH do cabelo deias de proteínas
os sabões podem reagir com a água, mudanças que pro- juntas no fio de ca-
fazendo com que também o meio se moverão alterações na estrutura capi- belo. Em soluções levemente alcalinas
torne alcalino (veja quadro à pag. 6). lar, como veremos a seguir. (pH 8,5), algumas ligações dissulfeto