Você está na página 1de 1

A clareira

O assunto era Dasein. A palavra tem traduo exata para o portugus, mas gostam de usla assim mesmo no alemo. Dasein quer dizer existncia, mas pode ser entendido tambm como "ser-a". Soa estranho. estranho. Coisa da filosofia que, quase sempre a gente estuda estuda e no nos diz nada, pois no entendemos nada. Pois bem. Dasein tambm tem haver com habitar uma clareira. A clareira estava l. Estvamos nela. Pressupe-se a floresta, no a vamos. Na clareira, o assunto era Dasein, mas outra coisa chamava ateno. No era a leitura, nem a interpretao dos textos. No
Por que h algo no lugar do nada? Repito: Por que h algo no lugar do nada? Repito? No, no adianta, ningum sabe. Um dos filsofos que se esforou para tentar desvendar esse mistrio foi Heidegger. Poucos conseguem entend-lo. Na aula de sexta (aquela), fui explicar o tal do Dasein, me dei muito mal. No h como explicar o inexplicvel. Por que h algo no lugar do nada? Sei l. Como explicar a existncia? O Dasein? Veja se consegue, prezado leitor: Das Wesen des Daseins liegt in seiner Existenz. Deu? No? Vou traduzir, talvez fique melhor: a essncia do existir consiste em sua existncia. Melhorou? Deve querer dizer: temos florestas e nas florestas clareiras, enquanto estamos na clareira, existimos, quando no estamos na clareira, existimos tambm, mas ningum v. Simples assim.

invade a sala. O compartilhar do cotidiano evoca o aparecimento do prximo mais prximo, potencializando a aula. O acontecimento inventa uma dobra no tecido da aula. Faz a clareira ser habitada, tornar-se espao outro no mesmo da aula. A aula segue, mas a vibrao do gesto permanece: a vida da roupa viva no varal sob a chuva. A roupa na clareira, intensa, intempestiva. A aula segue, quem sabe agora j estamos mais prximos de compreender o movimento afirmativo da guia?
www.ninaveiga.com.br

eram as questes em debate. No. O que chamava ateno era a conduo da aula. Quem olhasse de fora, no via diferena. Na clareira, todos pareciam alunos. No entanto a professora estava l. Atenta, perspiscaz, fazendo anotaes e dando feedbacks. Quando as questes saam um

pouco do assunto e o senso comum comeava a sobrevoar a clareira, a professora trazia de volta o fio do pensamento com a alegria e a leveza de um menino empinando pipa. De dentro da fala de cada um, na imanncia do dito do outro, buscava reconduzir o tema. Ao feita com graa,

interesse e pensamento ligeiro, alvo preciso de guia planando para a amplitude do olhar. De repente, o foco da guia se lana para fora da aula: a chuva forte bate na vidraa. Minha roupa no varal! A dinmica do gesto, a expresso da fala, o impulso espontneo, a surpresa do acontecimento

Você também pode gostar