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)(orácio B e n t o d e Gouueia

Licenciado em Letras

Histórico-Geográficos

Ilha da madeira
(Separata do Boletim N." 3 do
Liceu Normal de Lisboa)

L I S B O A
MCMXXXII
Horácio B e n t o d e Couueia
Licenciado em Letras

Histórico-Geográficos

Ilha da madeira
(Separata do Boletim N.' 3 do
Liceu Normal de Lisboa)
Explicação

Este trabalho sintético foi adaptado na realizaçiio de duas con-


ferencias: a primeira no Liceu Normal de Lisboa (Pedro Nunes), n o
dia 14 de maio de 1932, sob a presidência do sr. dv. Sá Oliveira, ilus-
tre reitor do mesmo Liceu; a segunda, a 21 de maio, na sede da So-
ciedade P r o p a g a ~ d ade Portugal que convido^ a ((Casa da madeira)^
a colaborar na série de conferências organizadas por aquela colectivi-
dade e subordinadas ao titulo, ((Belezas de Portugal)).
Do ((Diário d a ManhlS)) do dia 22 de maio, transcrevemos: ( ( N a
mesa de honra presidia o Sr. dr. Eduardo Neves, secretariado pelos
srs. Fabrício Lnnastro, dr. Fausto Landeirc, d r ~ Silva
. Passos e Car-
10s de Carvaltzo.

Terminada a conferhcia o Sr. presidente agradeceu ao sz. dr.


H ~ r á c i oBeíatu a boa 1il;ão qtre acabava de dar, dizendo fiçsr coíawen-
ctdo de que, deeois de tarem ouvido .......,. a conferência, os assis-
testes ~ ã odeixariam de i ~ c l i r a Madeira n o programa h s m a s
u Nas ilhas cria-se uma alma diferente; há
uma autonomia de pensamento; um inglês n8o
pensa como um continental. Há uma diferencia-
çBo das línguas e dos costumes. As ilhas a80
zonas d e irradiaqiio, de passagem de floras, de
faunas, de idiomas . ..
Hh ilhas que têm uma feiçiio de isolamento
criada pelo clima. As ilhas pequenas são pon-
tos de cosmopolitismo. >p

Dr. S I L V A TELLES.
Aspectos Histórico - Geográficos
da Ilha da Madeira
( A Confc.ri;~lcicrrealizada n o Liceic Norm al tle Lixhon)

A - Constituição da Mesa
Presidente, o Reitor; Dr. Nicodemos Pereira, professor do Li-
ceu de D. João de Castro; Vice-Reitor e profcssores - metodólogos
V. Campos e A. Moura.

B - Alocugiio do Reitor
Não deixem V. V. Ex.""", minhas Senhoras e meus Senhores,
de ter em muita considera~ãoque êste Cinema funciona numa esco-
la, o que significa serem os estudantes as pessoas em que especial-
mente pensamos ao organizar as nossas sessões de cultura nacional.
Maxinza debetur pueris reverentia: não vai muito tempo qiie
certos alunos nossos se gabaram, nesta sala, de também saberera la-
tim; mas não será fora de propósito explicar-lhes que a frase çignifi-
ca que à mocidade é devido o máximo respeito - respeito, que, no
caso presente, consiste em não se lhe solicitar a atenção para coisas
que não a interessem.
A terra F r t u g ~ e s a ,porém, não pode deixar de ser um centro
de interêsse para os nossos escolares, como tem de ser para todos os
portugueses. E assim é, de facto: mostra-o a ~iotávelconcorrência a
estas sessões, tam pouco parecidas com as outras do mesmo género.
Centro de interêsse - ponto a que convergem, sem esforço dc
maior, as atenções; como a água procura o regato e o no e o mar,
como a planta se volta para o ar e a luz e sol, assim a curiosidade
do homem é muito cedo atraída para a terra, em que êle vive, para
o mundo, que o cerca.
Centro de interêsse, objecto de curiosidade e de amor. Ig~zoti
nulla cupido: perdoem-me a traduqão os estudantinhos que já blaso-
nam de latinistas - não se ama o que 1.120se cotzlzece. Tenho ouvi-
do, muitas vezes, pôr êste problema - o da ~iecessidaciedc tornar
Portugal amado dos portugueses. O processo de o resolver é iiiiiito
simples: se quereis que os portugueses amem a sua terra, t~zostvai-lha,
se quereis que os portugueses amem a sua terra, fazei que êles a co-
nheçam - Ignoti nulla cupido.
E u nunca vi a Ilha da Madeira; e tenho pena!
Dizem que ela se alelyanta orgulhosa do Atlantico, fornisrido
anfiteatros surpreendentes; dizem qiie o Mar, na siia lida incessantc,
quebra fúrias amorosas de encontro &s suas costas alcantilsrlas c 1x4'-
ja constantemente as areias das suas breves praias; dizem qiie uniri
luxuriante vegetação a cobre clc veludíneas maciezas c que froridoso
arvoredo lhe serve de farta cabeleira, acariciada pelas nuvens que se
humanizam junto dela, rarefazendo-se em suaves neblinas; dizerri quc
se vive uma Primavera eterna na formosíssima ilha, que é a princesa
do Oceano e o padrão primeiro do génio, calculadamente aventu-
reiro ,dos portugueses, que ao miindo deram mundos novos.
Eu nunca vi a Ilha da Madeira; e tenho pena!
Mas é próprio do homem sonhar, e a luz artificial, que o génio
humano criou à imagem do clarão dormente de lua, é muito propicia
aos sonhos do imaginar. Estou, .de momento, desinteressado de quaii-
tas coisas insignificantes constituem as preocupações de todos os nos-
sos dias; esta ampla sala, inundada de luz, parece-me uma vastíssi-
ma nau que sulca as água do mar, demandando as paragens da rc-
gião encantada; já a vista, pouco a pouco, se me desterra dos yátrios
montes, e não vejo agora senão mar e ceu; sinto balouçar suavemente
ã embarcaqão do meti sonho, e não tardará que, do alto da gávea. o
gageiro atento solte o grito animador - Terra, e terra da Pátria! a
Ilha da Madeira!
Estamos, efectivamente, à vista da Madeira.
Vai servir-nos de guia erudito o Sr. Dr. Bento de Gouveia; hon-
ram-nos, com a sua companhia na nossa magnífica excursão, mui-
tos madeirenses ilustres e, à frente de todos, o Ex."" Sr. Dr. Nico-
dèmos Pereira, a quem saudo afectuosamente.
Não acordemos do sonho delicioso: tem a palavra o Confe-
rente.
C - Texto da Conferencia
Do que os livros falam acerca da histbriri da descoberta da Hha
da Madeira.
AtC aos fins do primeiro quaitel do s6culo vinte, quando se
pretendia estudar a Ilha da Madeira, relativamente à história do sett
descobrimento e povoamento, iamos buscar tôda a documentação à
obra do Sr. dr. Gaspar Fructuoso.
I-Ioje, porém, após os recentes trabalhos de investigação histó-
rica que sc de\.em ao acendi-ado amor regionalista dos srs. drs. Pes-
tana Júnior, Jordão de Freitas c João Cabra1 do Nascimento, ve-
rifica-se que as ((Saudades da tel-riil) do di-. Gaspar Fructuoso, escri-
tas em 1590 publicadas cni 1873, tiveram a sua época, 110 capítulo
que se refere à descoberta da Jladeira. Dtl facto, o problciiia penum-
broso do descobriiriento da ilha :ipcAzar(lc. c-o~iservar-selia cabala, en-
contra-se melhor csclarccido, 115 yoiicos aiios.
Nas ((Saiidades da terra)) depara-se-nos tiinn \,crsão extraida da
~x-irtieira década da Asia, do qiiiiilientista João de Rarros, livro im-
presso cni 1552. Segiliido êssc tlociiriic.rito na ri-ativo, no mesmo ano
da tomada de Ccliita c.ni 1419,o Trifante D. Hciii-iquc tinha mandado
apetrechar dois rla vios q uc foram os pr-ir-iiciros q tie conheceram a
costa africana até ao cabo Rojatlor. Qtiando ktcs rchgrcssaram, foi
tal o entusiasmo que, dois nobres cavaleiros, iim João Gonçalves, -
Zargo de alcunha, e o outro, Tristão Vaz, ofcrcccram-se ao Infante
para participarem de uma expediqão ao qilc o Infante acedeu man-
dando armar uma barca ((deo-lhcs regi~nerito))c rccomendoii-lhes que
((corressem a costa ~1a.RerlGiia att: passarclm aqzielc temeroso Cabo
nojador)).
Todavia, arites da chegada ao litoral de Africa, foi tal a tem-
pestade que se desencadiou ( q u e perderam a esperança das vidas por
o navio ser tam pequeno e o mar tam grosso que os comia)).
O tempo, quando amainou. reveloii-lhes urna surpreza: topa-
ram com uma ilha a que batizaram de Porto Santq. Quando do re-
gesso ao reino, com esta notícia alviçareira, D. Henrique ficou rna-
raviIhado. Os navegadores mostraram desejo de povoar a nova ter-
ra e com &se fim foram armados três navios, indo num deles Rarto-
tumeo Perestrelo. Juntamente com diversas plantas e sementes leva-
vam uma coelha da qual se conta o episóidio da sua múltipla descen-
deneia.
Do Porto Santo, João Gunqalves e Tristao Vaz, como tivessem
túbdgado ao longe uma sombra, aproximaram-se dela e descobriram
a Madeira que, depois, foi dividida em duas capitanias: a Zargo,
pertenceu a do Funcha'i e a da Vila de MAchico, a-Tristão Vaz.
Urna outra versão, interessante pelo aspecto romanesco que
apresenta 6 a da lenda de qtre fala Antonio Galvão e q%e=foi adop-
tada pelo historiador ilheu. Centa ela que, na época do rei Duarte
de Inglaterra, um inglês, ,Machim, enamorara-se, perdidamente, de
uma dama nobre Anna de Harfet que o correspondia de igual modo.
E diz Fructuoso:
c(Prosseguir,do êlle com extremo seus amores, veyo eHa tambéni
a amar muito a quem a amava; porque em fim o amor, se não for
com amor não tem igual paga; e, (como As coisas odoriferas) se não
pode encobrir aonde etÉt encerrado, com mostras e suspeitas que de
Agora, concluindo: a perípecia dos dois amantes britânicos que
já foi destruida inteligentemente pelo dr. Kodrigues de Azevedo, pa-
rece pertencer a iim ((somarice d o ciclo bretão, com seu heroi de no-
me terminado em irn,) como iniiito btrn diz joáo Cabral do Nasci-
mento. Machim n5o clescobiiu a ilha nern tani poiico a colonizou. De
sorte que a \.erdadí* da descoberta tem o seu alicerce na crónica do
moço da câmara do Infante, Diogo Gomes, que escreveu: ((No tempo
do Infante D. Heiii-iclue, itrila caravela correndo com tormenta, viu
uma ilha pequena, a qual está próxima da ilha da Madeira, que se
chama agora Porto Sa~ito1120 povoada)). Não se sabe, porém, queni
eram os tripulantes da caravela mas é dc presumir quc a sua mari-
~ihagemfôsse composta poi- homens do infante.
Apesar das duas ilhas se encontrarem desenhadas no mapa
marítimo dos hlédicis, de 13ji C' afinnar-se que Zargo e Tristão ti-
veram apenas uma acção colonizadora como pretende João Cabral,
ilão nos satisfaz, pois que, conquanto os dois nautas tiyessem sido de
facto os povoadores o certo é que foram êles os descobridores oficiais
da ilha, a verdade é que só êleç vincularam à história o nacionalismo
da descoberta.

Situaçáo geogriifica ; dimensões; gtaese; o relevo e a periferia ;


as ribeiras.
Situada no hemisfkrio norte, em pleno oceano Atlântico, d
sudoeste do Cabo de San Vicente, a ilha da Madeira fica compreendi-
da entre 3z0,52', 8'' e 3z0, 37' e 25" de latitude norte e a 16O, 39'
30" e 17O, 16' e 3 8 de longitude oeste em relação aa meridiano de
Greenwich. O seu comprimento é de 50 quilómetros e a sua largura é de
20.' A sua superfície oscila entre 615 e 6201~~'.A distância compreen-
dida entre o porto de Lisboa e o do Funchal C de 520 milhas. A ilha de-
ve fazer parte dum prolongamento hipotético da cadeia terciária do
Atlâs que se continua na constelação das ilhas Selvagens e das Canárias
e vai até o formigueiro vasto de satélites que constitue o arqaipélago
Antilhano. Esta procissão de ilhas, alrnenaras dos navegantes, são ves-
ti&~ da provável existência do desmoronado anticlinal do meditem&
rtm. Ainda poderá aventar-se, também, que a ilha da Madeira que faz
parte do arquipélago do mesmo nome e a que pertencem a ilha do for-
to Santo e os ilheus Desertas, é uma testemunha da antiga Atlândida
de qae fala Platão, baseado numa tradição egípcia. Se aceitarmos as
conclusiks do naturalista francês, M. Louis 'Gerrnain que peregrinou
atrads dos Asores, Madeira, Cãnárias e Cabo Verde, no estudo da
flora e da fauna destas ilhas, é indubitável que, por meados da era
terciária estes quatro arquipélagos formavam um único bloco em fren-
te do golfo luso-hispano-marroquim. Porém, no fim do terciário,
f # l
g d &catastróficas provocaram o qu&sitotal afudimento da ilha
Atlândida. (tniais extensa clo qiic a Libia (i a Asia r(.uiiidasi) c onde
goL7ernavarn reis poderosos como os f a r a k .
O que é vrrosimil é qutha i l h a d a l l a d e i i ~t r> produto do5
coritorcionamentos internos durria actividade viilcâiiica rcrnota, como se
p&t* coiifirmar pela observação dos vestígio3 c1;ih cratéi-as (lue isti1.c-
rani outrora em paroxismos de dc.ri-amamcrito tlc lavas, coino sejan '

a cratera do Curral das Freiras, a da lagoa c10 Santo da Serra, a da


lagoa do Fanal e ainda a cratera do Pico da Caiictala, ciitrr os povados
&-I Caniça1 c da Piedade.
() relevo (. mais compacto iia partt. ceriti;ii Icbstt.-oeatc*,e o
riortc da ilha é mais acicltmtatlo (10 qucXd r i Iado ~ i i l .
O revestimento vegetal (.ol)r(s a ilha Iii~uriaritciiieiite,eiigi-iii,tl-
cldiiclo-a diima beleza scm igii;iI coriio de iioiv;i (1ilch\.ai casar. b: coii-
urantr. ;i altitude, as terras arávtais, a aburidii-rcia dtb i g ~ i a s ,assirn ;i
rnnncha hiirnana madeirensc. fr;igmciita-st., c-upariclc-scpor \.ales c eii-
&catasc loinbas c lornbadas t. tajaiis. E: o it.l6\.o o ~ i d ~ i l asobe
, c de>-
c c , aguc;a-sc. c. alarga-sc*até i1 vsb;itci.-sc. pas.1 j~iritod;r periferia tam-
i&m rolra~ite,retalhatlri pcla nbr:~são cjucb, poi i.(iz(.s, coiistroi ~iichos
ria i c ~ h ade contextiira branda: ;i costa qiie tem a <ria história física,
rltip obedece a tima transformaqão leiita e contíniia, é arrogante c ;I
pique conio ~ i ohimalaiano cabo Girão c é baixa c lisa nas baías cio
Ftinriial e tfe Machico. Domiriaiido a cidade, aberta em ailfiteatro
para o rnar, a ravina verdejante do Monte vai entroncar no alto do
Terreiro da Liita qiie sc prolonga para o interior em gargantas e bai-
recais e Iriras c mamelões sucessivos que fazem lembrar dorsos faii-
trísticos tic dormediirios. É no centro da ilha que o forasteiro descor-
tirta as mais rloqiirntrs belezas panorâmicas da Madeira se para es-
QS prnndas puder dispoi- dt. rigeza de míisculos, ou então quiser sii-
juitar-se a ser conduzido aos ombros de dois homens, numa rêde que
subiititiii, com vantagem, o decadente palariqiiim dos antigos morga-
dos. E n meio de transporte íinico e prático, naquelas paragens, citrn-
~ 6 de s tortuosos caminhos, estreitos, deciivosos, à beira de precipí-
rios que espreitam o viandante distraído.
Não obstante a Junta Geral do distrito, no regimen da Ditadura,
w ter esforçado pela construgão de estradas, o que há feito amda est5
Iottgca de satisfazer as legítimas necessidades de uma terra de turismo
(-orno <: a Madeira. Nas, diziamos, o forasteiro que queira sentir a
graiicliosidade da pa~sagemdeve percorrer a ilha em todos os politos
cardiais c não se limitar 2s digressões clássicas dos subúrbios do Fiin-
('hal, devendo, por isso, descer ao fundo da vetusta cratera do Curral
das Freiras, trepar até ao Pico Ruivo a 1950n1,( que é a maior altitu-
de) r , rlai observar então os vales profundissimos e o niar cingindo a
illin. circundando-a completamente. Depois, no regresso voltar pelo
lado norte e repoisar em Santana, a aldeia florida das hortências, o pa-
raíso doa caiiteiroa de buxos. Mas h i outros recantos de seduçáo, com
iiiéditas persyecti\-as como o Caldeirio Verclc c as Queirnadas lias ser-
ras de Santarla, o Habaçal e as Vinte e cinco Fontes para a bandas do
planalto do Paúl da Serra, a boca da Encumiada de San Vicente a cêr-
ca de 1300 meti-os de altitude, a Ribeira do Inferrio na face norte da
ilha e mais qiic se torna rirido mencionar.
Entre gigantescos muralhões de basalto rijo carcavam-se vales
dc erosão por ondc serpenteiam as ribeiras dc regimeri irregulhr. Al-
gumas, como a ribeira do Moinho que atravessa a ireguesia da Boa-
ventura, nas margens, são atapetadas de flores, de jarros branque-
iaartes, a planta ornamental, de origem africana e que nos lugares hú-
midos cresce p o r toda a paite como os vimeiros. A acção erosiva de
verticalidade C. acentuada em certas ribeiras como por exemplo ria ri-
beira do Moíriho. Na encosta da margem esquerda, a mais de 70 rne-
tros acima do talvegue veem-se pedras arredondadas entre basalto
ruiniforrne, que são testemunhas do primitivo leito da torrente, riuma
idade longínqua.
As ribeiras criam um revestimerito vcgetril exuberante e verde.
Assim, ao longo das suas margens niormacentas, as ravenalas e ou-
tros fetos arbóreos esgrenham suas folhas até à frescura da corrente
que gorgoleja, escorrendo sôbre as pedras vestidas de musgo e lique-
nes. E há folhas que atingem de comprimento quási 3 metros, fen-
didas em pente, arqueadas, afirmando a pujança criadora da vida que
se multiplica de redor, no esplendor dos canaviais, seiqos, faias, cas-
tanheira, uveiras, urzes, loireiros, piorneiros, pinheiros e sabugueiros,
azevinheiros, folhadeiros e mais os alheridros que curvam em arco as
folhas esguias até beijarem a pureza cristalina das águas murmurosas
que veem da serra.

O revestimento vegetal; a vinha e a cana do açucar.


Segundo a classificação do naturalista inglês, Hichard Tõmiis.
que estudou a flora da Madeira, classificação esta que é aceite pelo
botânico madeirense sr. Carlos Azevedo de Meneses, a ilha divide-se
em 4 m m s de vegetagão conforme as altitudes:
I") dos cactos e bananeiras - vai desde a beira-mar ati. cêrca
de zoo metros.
zo) d a vinha e castanheiras - desde 150 a 750 metros.
3"-) dos loiros e urzes 750 a 1600.
4O) dos altos cumes - tada a área acima de 1650:
Encontram-se na Madeira dois tipos de flora: a sua situa~ão
geográfica permitiu-lhe que vegetasse no seu solo, a flora dos dois ex
t ~ r n o sdo globo: a das regiões frias ou quási polares e a das regiôei
tropicais. Vivem, ali, as espécies vegetais de um e outro lado. E a na-
tureza, sempre douta na escolha das plantas para os vário3 paise,.
criou naturalmente, as de folha caduca para a face norte. É por isso
que no inverno as árvores despem-se da sua cobertura para que. 03
raios solares sejam aprovei tados pela terra.
Na parte sul predomiriam as árvores de folhas l>rsriiaiiente=,
para proteger o solo e a prcipria humanidade que procura as sombras.
Todavia, a ilha pertence já i zona das plantas de folhas perenes. A
sua vegeta~ãoprimitiva assim o atesta :O til, o virihrítico, o cedro.
o barbosano, o pau branco, o azevinho. etc., que ainda hoje formaii~
nesgas de matas virgens no interior da ilha i: que só milagrnsalneiiti
têm escapado à voracidade do rriachado e do vandalismo.
No sec. r6 dizia o autor da ({Insulac Materiaej): ((dá especial
realce à ilha da Madeira o cedro, árvore muito alta e corpulenta r
dum odor tão característico que me atrevo a afirmar que nenhum ou-
tro há nem mais suave nem mais agradável e contudo nasce esponta-
neamente na ilha, nos seus montes mais altos),. E da madeira do ce-
dro que o ilheu tem por hábito mandar coiistruir mesas, leitos, caixas,
cadeiras e outros objectos. Hoje, só nos lugares onde o transporte das
madeiras se torna impossível é que ainda existem estas associac;ões ve-
getais indigenas. Há um capítulo grandíow de uma obra que urge fa-
zer na Madeira: o repovoamento da vegetação. A Junta Geral e a Ca-
rnara Municipal do Funchal começaram a realizar alguma coisa neste
sentido mas ainda está longe de atingir o objectivo que se espera. H&
regiões da serra completamente desérticas.
E cciirioso notar que o crescimento das plantas é rápido; um pi-
riheiro de 4 anos apresenta as dimensões de um similar de 12 no con-
tinente.
Nas matas espessas, o homem, ao seu contacto, sente dentre
de si um desdobramento da sua personalidade e uma regressão ins-
tintiva à vida simples, primitiva e animalesca, o homem no canvívio
desta natureza bravia é uma emanagão da paisagem envolvente. vo-
luptuosa e panteista. O cheiro penetrante e erótico da flor roxa das
abertonas, a redolência forte da; caqas enchem a atmosfera de uma
e n c i a que deve conduzir ao delíquio as sensibilidades histéricas.. .
Em certos locais, ao acaso encontra-se a ruivinha; da raíz des-
ta planta extraia-se um líquido de que as mulher? do campo se uti-
lizavam fabricando uma tinta que era usada para tingir as saias, em-
belezando-as de riscos vermelhos.
O çumagre, planta das rochas, desde os tempos da colonização
é aplicado no cortimento dos coiros.
Nas aldeias, pelas azinhagas e quelhas enviezadas, vicejam
franjas de abmddncia, a planta hoje naturalizada e que h6 IOO
anos foi introduzida na flora da ilha como grinalda exótica de jardim.
E porque as t e m são araveis e produtivas, as vinhas que vie-
ram das ilhas do mediterrâneo e a cana do açucar que o Infánte .D.
IIeririquc niaiidou \.ir cia Sicilia coiistituem ;i5 cultiiras inaib renrlo-
sas do lavrador.
I ~ Oaçiicar íabricado lia Madeira no:, firis do século XV t1 pri-
irieiro quartel do século S V I alca~içoii pelas suas excepcionais qua-
lidades, unia grande nomeada em toda a Europa, atingirido o sei1
preço uma alta niuito superior aos produtos similares, quc se vendiarri
nos principais centros co~i~crcir~is. Era cniitão capitão donatário do
Funchal o faustoso Siiiião Gotic;:il\.c.s da Câmara, chamado o mag-
nífico. que, quere~ido tornar univcrsalmciite corihecido c, seu riorne,
c~iviouao papa I.eãí) N uma origirial rrnbaixada. cm quc figura o
sacro colégio fabricado com o rifamado pi-otliito da ilha, sendo cu-
rioso ou\,ii as pinturescas palavras do c roilista qiic refere o iritertbs-
sante caso: ( ( o sacro palácio todo f t i t o de ;tqucar, e os cardiais iam
todos feitos de alferiim cioirados a partes, que lhe da\,am muita
graça, e feitos de estatura dum homem, o qiie tiido foi metido em cai-
xas embrulhadas com algodão com que foram mui seguros e sem quc-
brar até dentro a Roma, coisa que por ser a primeira desta sortc qiicb
se vio em Roma estimava muito (J Papa, c cada uma peça por si
foi vista pelos cardiais cs senhores de Roma, sendo presente o Papa
que louvava muito o artifício por ser feito de açucar e muito maiy,.
loiivava o capitão.. ,))

A %fadeira, por esta época, foi o centro comercial mais mo-


1-inientado das nossas produções coloniais e pela sua importância,
tornou-se uma zona centripeta de mercado que despcr-tava a cobiqa
dos estrangeiros.
O antigo fabiico do açucar cra feito do seguintc modo, rnn-
forme relata o dr . Constantino : ((Cortadas as canas são trms~>ortíicla s
e metidas em cilindros movidos a Agiia, qiie espremendo-as Ihes cs-
traem todo o suco ou garapa, passando esta por cinco recipierites
sucessivamente, de forma que o primeiro a entrar, logo que chega
a ferver até a tim certo ponto, vai sendo baldeado para os outros
recipientes, onde cose a fogo brando, separadamente, até chegar
aquele ponto preciso, que permite a siia conduqão em receptácutos fei-
tos de terra ou barro. A segunda espuma, pois a primeira é deitada
fora, que na continuação da fervura ctu cosedura vai aflorando, C.
guardada em pipa<, e é muito parecida. com o mel, se bem que u m
p i i c o mais Iíquida e escura.
Os madeirensès chamam-lhe rnelaco e d6lc se servem apenas
para a engorda de cavalos misturado com tatelo. 0 s comerciantes frari-
ceses e ingleses, porém, exportam-no l>ara os setis paises usando-sc
em lugar de mel,).
Os madeirenses chupam as canas qualido n~adurase frescas,
rle manhã e em jejum, Jó por prazer e fazendo-o também por reco-
nhecerem ~ i osumo virtudes laxativas e porque purifica o saiigue, liia-
ta a sede e até branqueia os dentes)).
Hoje, a cultura da cana do açucar é o mais apreciável factor
de riqueza das freguesias litorais. A sua produção está limitada a
lima fábrica moderna, havendo porém muitas fábricas de aguarderite
de cana por tdda a ilha.
No domínio das árvores de fruta, a variedade é exiornie. Mas a
tião existência de escolas agrícolas e a falta de protecção por parte do
Iavi-ador contribuem para o seu desaparecimento.
A cfoença tem devastado j5 certas cspecies. Todavia, verifica-
-se que rio sul da ilha a bananeira desenvolve-sc com prodígio c por
quási tôdas as regiões litoreanas ou interiores, a figueira, nespereira,
laranjeira, goiabeira, anoneira , pereira abacat , araçareiro, tabaibeiro
e ainda o maracujazeiro que deixa cais das latadas o magnífico mara-
cujá roxo ou amarelo.

9 clima ; a3 levadas.
O clima da ilha é oceâ~iico,clirna da zoria temperada quente
(um pouco mais dc ro\o norte do trópico). Os principais factores
climáticos são: sua situação geográfica; a sua qualidade qie ilha, r i
corrente das Canárias que passa pela parte sudeste e os ventos domi-
nantes.
Segundo o major Alberto Artur Sarrnento o clima da ilha po-
de dividir-se em 3 sub-zonas: marítima, de montanha e de altitude.
No entanto êle não precisou quais as diferenças relativas a es-
ta classificação.
Conforme a mais recente resenha estatística dos estudos de tem-
peratura realizados no pôsto meteorológico da cidade, consoante os
dados recolhidos entre 1920 c ~ q j oa temperatura média 6 de 17." pa-
ra todo o ano no lado Sul, sendo o norte de uma percentagem um
pouco inferior.
Agosto é o m6s mais quente e fevereiro o mês mais frio. Em
refaçiio às estações, as médias de 920 a 930 foram: inverno - 1 5 , q
- primavera - r6,30 - verão - 20,7r- outono - 19~64.
O factor humidade é abundante na ilha e a sua pletora ex-
pjica-se pela condigo isolada da Madeira. Os ventos oes-sudoeste são
05 que transportam maior quantidade de chuvas. Elas caem durante
todas as esta@es, mas tem havido anos sequentes em que nos m k s
de jutho ou agosto, só excepcioxialmentc chove. A média geral de
dias chuvosos é de 79 por ano.
No regimen dos ventos domi~lantes,o principal é o nordeste,
seguindo-se depois o nor-nordeste, o norte, o noroeste, o sudoeste.
S6 os ventos de sudoeste e sul não castigam a face norte da ilha.
Quatido se iniciou a colonização tornou-se necessário lançar
fogo as florestas, para preparar o solo, de maneira que as semen-
teiras progredissem. O incêndio apenas durou cêrca de 6 meses
sabemos, no entanto, a que obedecia esta desigualdade de direitos
produto d a época, e hoje sepultados no esquecimento.
As senhoras de distinção iio restrito ambiente da cidade traja-
vam com alarde, luxuosamente.
Diz o dr. Constantino que elas levavam lia sua frente «os
seus protegidos e criados que carregavam os coxins bordados a oiro
ou a seda, bem como os tapetes e alcatifas para que depois de es-
tendidos pudessem elas conservar-se à altura da sua dignidade)).
Não Ihes era'yermitido dar atcnsão aos serventes a não ser
que estes tomassem uma atitude de humilhação, ajoelhando-se com
reverência.
Estes costumes desapareceram inteiramente assim como os tra-
jos pint~irescos: a carapuça dos vilões e as vestimentas semelhantes
aquelas ainda hoje usadas no hliriho. Ao passo que êstes hábitos têm
decaido, em algumas terrejolas um certo despovoamento se tem da-
do em virtude da caminhada de famílias inteiras em procura de uma
vida melhor, mais desafogada eco~iòmicamc~~te, para as terras ce~itri-
petantes do Brasil e dos Estados Unidos da América. A vida emigra-
tória que foi acentuada rios Últimos anos da monarquia e antes da
grande guerra de 1914,inicialmente fazia-se para as Indias Ocidentais
e para a Guiana inglesa, onde, ainda hoje, a colónia madeirense, que
contêm no seu seio alguns argentários, cuserva as suas tradições
seculares. Mais tarde as emigrações dirigiram-se de preferência paya
o arquipklago de Sandwich, pois que, o govêrno americano tendo co-
nhecimento das qualidades excepcionais de trabalho do habitante d a
Madeira e verificando que o insular sc adaptaria ao clima daquelas
paragens enviou agentes A Ilha para tratarem do embarque de culti-
vadores para a s tórridas ilhas oceânicas.
Assim, na segunda metaùc do século 19, êste arquipela-
go começoii a ser colonizado em grande parte por madeirenses
que, nostálgicos e religiosos, em Hawai, edificaram uma igreja em
adoração a Nossa Senhora do Rlonte da Ilha da Madeira. As viagens
para estas regiões, eram verdadeiramente aventurosas, viagens longín-
quas que evocam emotivan~enteas narra~õeslendárias da Nau Ca-e
tríneta e decorriam num ciclo de 6 meses. A embarcação atravessava
o Atlântico, seguia ao longo do litoral do Brasil, da Patagónia e pas-
sado o estreito de Magalhães contornava a periferia Andína fazendo*es-
cala no Chile. Dali, entrava em pleno Pacífico e com rumo à Poliné-

p
/ , cortando o equador, ia até Micronésia.
É curioso que, em quási todas estas longas jornadas quando
o navio chegava à terra da. promissão os emigrados eram em maior
número do que logo depois da partida da ilha. 0s recem-nascidos co-
municavam uma alegria nova à yida monótona de bordo.
A propbsito da colonização destas ilhas do Pacífico por famí-
lias madeirenses, é interessante aIudirmos a uma crónica publicada
num dos mais importaritcs jornais do Rio de Janeiro, logo após o ad-
vento da república, pelo sr. Corisclheiro José de Azevedo Castelo
Branco.
Este ilustre horiieni público, qiic"cxerceu as funções de gover-
nador civil do Functial, tendo sido mais tarde ministro dos 1i.strangeiros
i queda da monarquia, foi em missão diplomática, L: China, quando
dos graves acontecinientos que ali se passaram entre os chineses e os
estrangeiros. Na sua passagenl para o Oriente, o barco fêz escala
pelas ilhas de Sarid\\-ich e o sr. Conselheiro Castelo Branco desenibar-
cou em Honululo para ter iim rápido conhecimento da terra. Ali,
tomou uni breque, indo admirar a cidade. O cocheiro só falava inglês
em resposta 5s prcgiintas que lhe formulava o sr. Conselheiro. No cn-
tanto, numa certa altura, porque as niiilas não puxassem o carro,
o condutor, iriitaclíssimo, soltoii uma frase e111 português castiço.
O sr. José de Azcvedo Castelo Branco reconheceu que estava
em presença durii conlpatriota e que era uma criatiira da Ilha da Ma-
deira, possivelmente duma das freguesias do norte.
Na Africa também a colonização madeirense se efectivou, em
Marrocos e nos planaltos de Huila e de Mossâmedes, onde se encon-
tram as típicas casas da ilha, e onde os mesmos costumes dos insula-
res se perpetuam.

Decadencia do camponês; influencias da civilizaç%o; o analfabe-


tismo ; vocabuliírio regional ; os arraiais ; o folclore ; condiçóes
de atração da ilha sobre o estrangeiro,
Paralelamente à crnigra~ãotem-se verificado, nos derradeiros
anos, que é apavorante a invalidez da arquitetura física do camponês
da ilha apesar do seu maior.núnlero pertencer ao tipo robusto, hercú-
leo e firme de vontade, caracteres que personalizam o ilhéu.
Mais do que o habitante da cidade, o homem do campo, adap-
tado a um condicionalismo de vida simples, divorciado de locubra-
çõeç de ordem intelectual, que possam porventura actuar na diminui-
ção do eampo da consciência, resvalando daí na premupagão e m -
ciante que cond'uz o individuo a estados mórbidos, patológicos, o homem
do campo, liberto do mundo de estímulos que debilita e gasta o habi-
tante da cidade, deveria ser o legítimo representante de uma raça for-
te e viril que se afirmou no caminho das descobertas longínguas. Mas,
porque dentro dos cíclos da evo1uc;ão da vida decorrem as fases da in-
fância da juventude e da velhice, há factores que por suaJ vez vão
influir nessas várias etapas que caracterizam as idades; que o tempo
consome no seu rolar fatalista. De sorte que, causas as mais diversas
têm contribuido para a decadência física do camponês. Assim, pa-
rece-nos à primeira vista que a civiliza@o, aproximando os povos,
congraçando as raças e trazendo ao mundo as inovações científicas
vem prolongar a existência da homem ria face da terra, quaridu a sua
existência é cada veL mais .efémera apesar da iiiteligêricia imperfeita
do ser humano pretender conquistar o segredo de perpetuar a vida.
A civilização sendo a portadora do bem-estar dos povos, nas bacanais
do mundanismo e nos paliativos para toda a sorte de moléstias, trou-
xe consigo o germen da decadência,
E se não vejamos o que forani as civilizações: persa, caldaico-
-ussíria, grega e romana. A vida tem-se tornado de ano para ano mais
complexa, o homem tem adquirido novos hábitos, novas maneiras de
rdçao as situações e consequeriternente o dispêndio de erier,'< ~ I ; L é niais
tlesborda~ite. Na nossa ilha, o camponês sotrc o rcflexo da civiliza-
$50 directa e indirectamente, rio que ela contém de bom e de mati - E
de observaçãio corrente que urna vez o campónio tendo pisado terras
estranhas e vivido num ambiente mais confortável do que aquele
donde saira, ao regressar já não permanece até ao fim da vida na
terriola que o viu nascer. Isto é Irequente em todo o emigrante. E
assim as famílias que se deslocam só tornam à terra nativa se, por-
ventura, as condições económicas a isso as obriguem. Não obstante
as ilhas serem zonas de refúgio, de insulamento, onde as tradições se
conservam com mais pureza o certo é que os costumes de feição pa-
triarcal vão-se modificando, tomando aspectos que tendem para o
cosmopolitismo. É a influência do elemento estrangeiro que percorre
o mundo e deixa vestígios da sua passagem na. cidade do f;unchal
que é o carrefour dos transatlânticos. Aquela, por *seu turno, actua
no camponês que a visita. Além disso veriticamos que o maior
número de casamentos são consangüínios, pois que em terras pe-
quenas e mais ou menos isolantes, o grau de parentesco existente
entre as famílias que habitam as freguesias, abrange quási todos
os casais e assim observa-se que, os tios consorciam-se com as
sobrinhas e os primos com as primas, frequentemente. Resulta,
em geral, dêste fenórneno social, o definhamento fisiológico, o' enfra-
quecímento da descendência, certos casos mórbidos transmitidos por
hereditariedade etc. Mas ainda há mais: No norte da ilha, a fregue-
sia da Boaventura é um exemplo de que me sirvo nêstes traços de
documentação; os homens são verdadeiros veicúlos de transporte: pe-
dra de basalto para cantaria de casas) molhos de vimes com lqoq: e
c h a p r k de pinheiro, til, vinhático e castanheira, para construç0eçl
E porque desde a adolescência os rapazes se habituam a acar-
retar às costas objectos que as mais das vezes excedem a força mus-
cular, os homens possuem uma atitude de corpo, gibosa, alcachinada.
Sem dúvida' que as condições morfo-altimétricas da ilha, irrt-
puzeram, desde os primeiros tempos da coloniza@o esta forma rudi-
mentar de transporte. A agravar esta perda de energia física, o mau
passadio conduz o organismo 'as doenças aniquiladoras.
No campo da higiene o camponês é, por desmazêlo, um pre-
refeição suculenta. 0 s párocos das aldeias são aristocráticaincntI. pro-
verbiais na maneira como recebem os visitantes.
Possui iim caracter aguerrido que lhe é peculiar c st: tem ma-.
nifestado em vários motins.
A mulher é o braço fortc do marido, auxiliando-o, encorajan-
do-o nos sublevamentos, representando assim a família uma expressão
de nobreza moral e deixaiido de ser uma simples ligação conjugal.
Lembra-nos a família germânica na queda do império romano do Oci-
dente, o exemplo dado pela mulher teutónica, a sua virtude indes-
trutível perante a fraqueza da mulher romana.
Nos grandes arraiais como o do Senhor Jesus da Ponta Del-
gada, no Norte da ilha e o de Nossa Senhora do Monte, ?a encosta
que fica sobranceira cidade do Funchal, as romagens manteem-se
com a característica antiga. Durante 8 ou g ou mais horas de jornada,
a pé, os ranchos de romeiros levam todo o caminho em divertengas
de bailados abracadabrantes, ao som zangarreado do rajão, da viola,
do braguinha e dos fernnhos que frun-frunem numa toada somnifera
e acompanham trovas de candonga e malícia amorosa. Os cantares
&o dalentes, impregnados de um sentimento em que a mágoa de uma
saudade distante transparece, as canções traduzem a nostalgia dos po-
voadores que as criaram ao lembrarem-se da sua terra. Até agora,
apenas alguns trabalhos parcelares do folclore madeirense as gaze-
tas têm publicado, graças a certas criaturas inteligentes que prestarri
culto à sua ilha. Todavia, aquilo que já foi investigado sem chamariz
alviçareiro, representa indubitàvelmente, uma feliz tentativa para a
realização de uma obra interessante e grandio'sa sob os aspectos etno-
gráfico e linguistico. No período das grandes festas litúrgicas pelos po-
voados da Madeira, surgem os menestreis ignorados das aldeias co-
mo outrora as tribus dos aqueus, na Grécia asiatica, reminiscencia-
vam, cantando, a sua pátria ausente.
O aspeito da cozinha, nas romagens é típico. A alimenta@o dos
romeiros é feita exclusivamente de carne de rêzes que são abatidas
nos lugares da festa.
Nos arraiais notáveis é vulgar observarmos uma alamêda com
mais de 150 bois e vacas dependurados de latadas. A carne é enfia-
da num esp4to de loiro e assada nas brasas.

A Ilha da Madeira, pelas suas condições climáticas, pelo sor-


tilégio da paisagem, pela indústria indigena da obra de vêrga e do
bordado, pelo seu vinho é, ainda hoje, um dos centros cosmopolitas de
intenso turismo .mundial. *O estrangeiro encontra sempre na Madeira
uma estação de repoiso e de cura de preferência a qualquer outra
região. h s t a dizer-se que apesar da tcnipcratiira m6dia da Illia regis-
tar I7", li; difereric;as climattricas as mais \-ariadas conforme a sitiia-
qão gcográfic;~c10 lugar. Assim por cxen~plo,se junto do litoral a tclii-
pei-atura é clc 25" o indil-iduo deslocando-se diirantc o trajecto cle uma
hora vai encontrar num planalto, a temperatura de 12" ou mciios. No
invcrno há dias cni qiic as serras allvejam de graniso. Todavia, nas
terras baixas a temperatura é dc 15' c mais. Existem, portanto,
ambientes clixnáticos que satisfazem as exigências de todos os orga-
nismos' que necessitem de fortalecimento.
De facto, a ilha, teni condições excepcionais de atrativo. Já no
sCculo XVI Camõcs a imortalizou na. estância V do Canto V dos Lusía-'
das.

Passámc)~;a grande ilha da Madeira,


Que do muito arvoredo assim se chama,
Das que nós povoamos a primeira,
Mais célebre por nome que por fama;
Mas nem por ser do mundo a derradeira
Se lhe avantajam quantas Vénus ama;
Antes sendo esta sua, se esquecera
De Cypro, Gnido, Pafos e Cytera.

- O escritor Raul Brandão, no livro, as Ilhas Desconhecidas,


referindo-se à Madeira, diz:
((Pode-se dormir ao ar livre sob o doce1 das estrelas, porquc
as noites tépidas da Madeira são uma carícia de pele macia. Há um
tom alaranjado, verde e azul para o mar, que nunca mais torno a ver
e nunca mais se repete. Há fios de oiro suspensos sobre esta natureza
que talvez seja única no mundo. Contemplo a casa, as árvores - o
meu sonho - e não desejo mais nada.
Isto é completo e perfeito)).

Hordcio Bento
BIBLIOGRAFIA

Dr. Gaspar Fructuoso - Saiidades da Terra.


Dr. Manuel Constantino - História da Ilha cfa Madeira - Ircrs50
portuguesa do padre João Haptista de ,4foriscca - 1930 - til).
do ((Diário da Illadeira)) Furichal.
V r . João Cabral do Nascimento - Apontamentos de Historia Iiisular
1927- Furichal.
I1rofessm Konrad Krclsehmer - História de la Geografia - Barcelona
- 1926
Padre Ioaquim Plácido Pereira- Nossa Senhora do Monte - Fuii-
chal .
Abbé Th. Moreux - L' Atlantide a-t-elle existe?
Paris - 1924.
Dr. Silva TeUes - Lições de Antropogeografia
Adolfo de Norofthg - Notas várias.
Tefiefite coronel Atberto Artzcr - Apontamentos diversos.
Padre Antonino Valeste - Algumas notas.
1932
Tip. da (~UNIÃO GRAFICA))
Ofiainas movidas a oleotricridado
Travessa do Despacho, 16
LISBOA

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