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O Jornal das Boas Notícias No princípio deste mês e no início deste período de férias, optei por deixar em paz

paz os leitores das


notícias que envio ao Povo e, em vez disso, coleccionar o que achava interessante e útil e construir
devagarinho mais um número do Jornal das Boas Notícias.
n.º5
20010809

Esperaria que na chamada silly season a ausência de notícias afectasse também as boas notícias. Com
todas as limitações de uma observação empírica e superficial fiquei com a impressão de que as
boas notícias são até mais numerosas - nos jornais por exemplo - do que nas épocas normais de
trabalho .
Assim, em oito dias apenas recolhi estas páginas de notícias e artigos que me pareceram interessan-
tes.
Há uns tempos fizeram-me a observação de que nem tudo o que vem publicado no Jornal das
Boas Notícias corresponde a este aparente critério. De facto, muitas vezes, a boa notícia não é o
facto narrado ou comentado, mas a opinião crítica, justa e razoável que sobre ele é emitida.
Este número é enviado antecipadamente em relação ao planeado porque nele resolvi incluir o co-
municado da Comissão Nacional Justiça e Paz sobre o Tratado de Nice, recebido ontem. Por ou-
tro lado, e com surpresa minha, a colecção de artigos e notícias já era volumosa de mais.
Para isso contribuem duas entrevistas que vivamente recomendo: a Michael Novak (publicada em
Junho, no Público) e a João Bénard da Costa (de Agosto, no Diário de Notícias) e um artigo de
fundo sobre a influência das tecnologias de comunicação naquilo que nós somos (Nós somos o
que vimos e lemos).
Desejo a todos umas boas e úteis férias. Esta utilidade pode ser melhor percebida nas várias refle-
xões sobre férias e turismo deste número.
Pedro Aguiar Pinto

Quem não usar os olhos para ver, terá de usá-los para chorar.
Foerster
A Milésima Audiência do Papa................................. 1 A Milésima Audiência do Papa
Padre da União Não Promete Milagres........................ 2
In: PÚBLICO, Quinta-feira, 2 de Agosto de 2001
Pior é impossível ........................................................ 2
Exames Nacionais: Matemática e Física voltam a A Praça de São Pedro,
registar médias negativas............................................. 3 no Vaticano, foi on-
Ética das férias ou férias da ética ................................ 4 tem a "praça da ju-
A teoria do tempo e do medo ....................................... 5 ventude", disse o Papa
Entrevista com Michael Novak................................... 5 João Paulo II na sua
Papa pede fim da violência a Arafat ........................... 8 1000ª audiência geral
Onde estão os milhões? ............................................... 9 das quartas-feiras.
Rosas com espinhos.................................................... 9 Desde que foi eleito, em Outubro de 1978, o
O regresso dos marxistas ............................................ 11
Dois pesos e duas medidas.......................................... 11 Papa Wojtyla, 81 anos, dirigiu-se a cerca de 16
A vida é bela............................................................ 12 milhões de pessoas. Ontem, a audiência 1000
Estamos entretidos com as festas de Verão... ................. 13 foi assinalada por umas 20 mil pessoas, onde
Cerca de 90 famílias recebem novas casas no Bairro predominavam os jovens. Na alocução, foi
dos Alfinetes............................................................. 14 precisamente aos mais novos que João Paulo II
Monsenhor Weizhu foi libertado.................................. 14 se dirigiu, dizendo-lhes que devem ser teste-
O Bispo Zhang Weizhu reaparece ao fim de dezoito munhas da esperança num mundo conturbado.
meses ....................................................................... 14 "Levem o evangelho a todos os que estão a
Mensagem do Santo Padre para o XXII Dia
Mundial do Turismo ................................................. 14
viver dificuldades nas suas vidas." Nos encon-
Questões de ambiente.................................................. 16 tros das quartas-feiras com os fiéis que vão a
Papa honra a memória do Cardeal Wyszynski ............. 17 Roma, o Papa faz sempre uma alocução em
16 Pessoas presas na Algéria por terem Bíblias............. 17 forma de catequese. 1983 foi o ano com mais
Nós somos o que vimos e lemos..................................... 18 audiências (49), mas foi em 1979 que mais gen-
Bispo procura fiéis na praia ........................................ 21 te viu João Paulo II: 1,585 milhões de pessoas.
Poupanças................................................................ 21 Mais do que no ano passado, quando a Igreja
Transportes de Luanda.............................................. 21 assinalou o Jubileu (1,463 milhões de pessoas).
"Não vou a uma sala de cinema para me distrair" ........ 22
Os suspeitos do costume .............................................. 23 Depois da audiência de ontem, João Paulo II
Ai, Porto, Porto! ....................................................... 24 regressou à sua residência de Verão, em Castel-
O TRATADO DE NICE...................................... 25 gandolfo, no sudeste de Roma. A.M.
Há dias, num semanário local, o técnico José Mouri-
Padre da União Não Promete Milagres nho revelou que considerava o David Barreirinhas
Por JOÃO PAULO LEONARDO não como um padre, mas como um amigo. E é assim
In: Público Quinta-feira, 2 de Agosto de 2001 que o eclesiástico entende as suas funções no clube,
Desde criança que gosta de futebol. Agora, o padre David Bar- com disponibilidade, atitude de serviço, procurando
reirinhas aceitou o convite para ser o conselheiro espiritual da ser mais um amigo dos jogadores, técnicos e dirigen-
União de Leiria tes. "Uma equipa de futebol não é só um conjunto de
Na cidade, não se homens que entram para o campo e querem ganhar,
fala de outra coisa. pois cada jogador tem uma dimensão humana, pes-
Uns riem-se e iro- soal, familiar, social e espiritual, que quer valorizar",
nizam, outros a- disse. "E a SAD percebeu isso e é por isso que faz
creditam que o pa- sentido a minha presença", esclareceu o padre Barrei-
dre David Bar- rinhas, que pretende aproximar-se dos jogadores co-
reirinhas, anunciado mo amigo, com espírito de abertura, tal como faz em
há pouco tempo Marrazes, onde é vigário paroquial, e na Escola Afon-
como o novo reforço da União Desportiva de Leiria, so Lopes Vieira, em Leiria, onde lecciona Educação
fará uns milagres para ajudar a campanha futebolística Moral e Religiosa Católica. Aliás, é por esta ordem
do clube. A medida é inovadora numa equipa de fute- que valoriza as suas funções: "Primeiro a paróquia,
bol e, na última semana, os "media" de todo o país depois a escola e só depois o futebol".
não têm dado descanso ao vigário paroquial dos Mar- O padre nasceu em Paris, numa família de emigrantes,
razes, freguesia limítrofe de Leiria. Os ecos da insólita e tem duas irmãs. Acompanhado pelos seus pais, re-
"contratação" já chegaram a Espanha. gressou a Portugal e fez a escola primária na Moita da
David Barreirinhas avisa que da sua parte "não vai Roda, freguesia do Souto da Carpalhosa (Leiria), a
haver milagres", esses, só "os jogadores poderão fazê- terra de origem da família, ingressando depois no Se-
los". "E espero que esta época, façam muitos, para minário de Leiria, mas só para estudar. Mais tarde,
dar alegrias aos sócios e simpatizantes" encontrou a vocação sacerdotal a meio do curso do
Os resultados vão depender da equipa de futebol, diz, Seminário Maior, que encerrou, prosseguindo os es-
e vaticina: "Se a equipa jogar como no domingo, con- tudos em Coimbra, onde tirou a licenciatura em Teo-
tra o Boavista [no Torneio da Cidade de Leiria], so- logia. Aos 24 anos, foi ordenado diácono, e estagiou
bretudo na segunda parte, com dedicação, esforço, em Ourém, tendo sido nomeado vigário paroquial
força de vontade e espírito de grupo, ganhará todos dos Marrazes em Setembro de 1998. E é desde então
os jogos. A União não ganhou porque eu estava lá, que tem cimentado a sua paixão por Leiria e as suas
mas porque jogou bem", frisou. gentes, e agora pelo futebol.
Mas a sua presença pelo menos teve efeitos na dispo- Paulo Duarte, um dos jogadores mais antigos do
sição dos sócios e adeptos, que, no domingo, recebe- plantel, está convicto que, apesar de eventuais
ram o padre Barreirinhas com fortes aplausos. "Senti- diferentes religiões existente na equipa, "cada um
me emocionado e posso imaginar a influência que isto procurará o apoio na medida em que sentir essa
pode ter sobre os jogadores, quando os adeptos gri- necessidade".
tam por eles e pedem vitórias."
Benfiquista assumido Pior é impossível
O clube precisa do carinho da sociedade civil, subli- In: Portugal Diário 28-07-2001 13:26:10
nha o padre da União, como já é conhecido, e que, na António Barreto
última época, acompanhou todos os jogos no Muni- Ficámos a saber: em matemática, a nota mínima de
cipal de Leiria. Em criança, jogava futebol, apesar de acesso ao Ensino Superior, para cursos que exigem o
jogar mal, reconhece. Começou a ver a União de Lei- conhecimento daquela matéria, desceu este ano de
ria com o seu pai, a partir dos oito ou nove anos de sete vírgula qualquer coisa para cinco e umas poeiras.
idade. Ainda hoje, prestes a fazer 29 anos em Outu- Há casos piores, ainda noutras variantes de matemáti-
bro próximo, guarda "com estima" duas colecções de ca, também na física, sem falar na biologia, na geome-
cromos, das épocas de 1980/81 e 1982/83, do tempo tria e até, em certos casos, no alemão ou na química.
que o húngaro Lajos Baroti treinava o seu clube de Além disso, é possível entrar com notas negativas em
coração, o Benfica, de quem recorda alguns jogado- grande parte dos cursos. As situações podem variar,
res, como os irmãos Bastos Lopes, Bento ou Laranjei- conforme se trate de ensino público ou privado, uni-
ra. versitário ou politécnico, ou ainda de uns casos espe-
E é por gostar tanto de futebol que aceitou o convite ciais em ciência, no Porto, ou no serviço social, tam-
da administração da SAD da União de Leiria (que, bém do Porto. Há quem entre no Ensino Superior
inclusive, integra crentes de religiões diferentes), da com notas, nas provas específicas, que podem oscilar
direcção técnica e também do capitão da equipa, tor- entre um valor (disse bem, um valor) e os sete ou oi-
nando-se, assim, o primeiro conselheiro espiritual no to. Tudo, com supervisão e caução do Ministério da
futebol português.
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Educação. É o mais completo e garantido atestado de fazem as contas. Toda a gente anda a enganar toda a
mediocridade e demagogia que aquele ministério, com gente, mas toda a gente parece feliz. Não se pode pe-
boa consciência, se atribui a si próprio. Com a cum- dir melhor à democracia.
plicidade do CRUP, Conselho de Reitores das Uni- Desenganem-se os que gostariam de ver cada facul-
versidades Públicas Portuguesas. dade ou cada universidade a estabelecer os seus crité-
Quem esperava que, após uns anos de experiência e rios e as suas condições. Os que desejariam que a en-
de avaliação, se dessem uns passos no sentido de re- trada na universidade fosse o resultado de provas de
forçar a exigência e a seriedade, enganou-se. O siste- mérito, nas quais venceriam os que mais estudaram e
ma de acesso ao ensino superior continua dominado melhor recompensa merecem. Os que esperariam que
por alguns critérios nefastos que produzem estes re- as universidades concorressem entre si para conquis-
sultados. Em primeiro lugar, a demagogia. O princí- tar os melhores alunos (e, já agora, os melhores pro-
pio é o do direito de todos ao ensino superior, o que fessores). Os que veriam com bons olhos que a can-
faz com que o mérito seja secundário. O bom desem- didatura a uma universidade fosse também, além da
penho escolar só funciona quando há uma grande componente objectiva por intermédio de concurso,
procura, muito superior ao número de lugares: é o um processo pessoal, por candidatura e entrevista. Os
caso da medicina, por exemplo. Na maior parte dos que continuam a acreditar que as universidades deve-
casos, entra quase toda a gente, muitas vezes com riam ser locais de desenvolvimento da ciência e da
classificações verdadeiramente vergonhosas. Sem falar cultura, destinados também a aprender a pensar, a
nos sistemas de quotas (madeirenses, açorianos, emi- investigar e a criticar, em vez de serem fábricas de
grantes, originários dos países africanos de língua por- frustração e de diplomas medíocres. Os que defen-
tuguesa, etc.), que permitem a péssimos alunos entrar dem que a universidade é um local de esforço e de
por via administrativa e de favor. exigência, requisitos que, se estão ausentes desde o
Os outros critérios não são de melhor qualidade. O acesso, nunca mais poderão estar em vigor. Desenga-
sistema é nacional e muito centralizado, o que torna nem-se todos!
difícil que as universidades escolham os seus alunos Mas não se pense que o assunto é exclusivamente
entre os melhores, de modo pessoal, com provas es- universitário. Ou politécnico. Ou educativo. Não.
peciais e até entrevistas. As poucas possibilidades le- Muito pelo contrário. O que se faz no acesso à uni-
gais existentes que dariam um pouco mais de respon- versidade é o pior exemplo que se pode dar a uma
sabilidade aos estabelecimentos de ensino não são população. O que se está a dizer aos portugueses é
aproveitadas ou, quando o são, servem em geral para que o esforço não serve para nada, ou para pouco.
admitir ainda piores alunos. A preocupação política Que o rigor é dispensável. Que o estudo é pouco mais
do governo reside no aumento sem limites, a fim de do que inútil. Que a pontualidade e o cumprimento
contentar o maior número de famílias e de jovens, do dever são facultativos. Que a aparência é mais im-
mesmo se mais de metade, depois de uma despesa portante do que a realidade. Que se pode sempre al-
pública e privada considerável, nunca acabará qual- drabar um pouco. Que as “cunhas” são aceitáveis.
quer curso. O principal objectivo das escolas é o de Que o desperdício de recursos públicos não é coisa
recrutar o maior número de estudantes, sem critério, a grave. Que os cadernos de encargos não são para
fim de, por essa via, receber mais dinheiro do orça- cumprir. Que se pode mentir nos tribunais. Que se
mento de Estado. É-lhes indiferente o facto de mui- pode fugir ao fisco. Em poucas palavras, que se pode
tos desses candidatos, que abandonarão os estudos viver à borla.
um ou dois anos depois, só servirem para aumentar a
dotação financeira. No ensino privado, aliás, a preo- Exames Nacionais: Matemática e Física voltam
cupação é a mesma: quanto maior o número de can- a registar médias negativas
didatos admitidos, maior o volume de propinas a re- In: SAPO Portugal on-line, 2001-08-02
ceber. O desempenho dos alunos do ensino secundário, na
Outra preocupação do governo é a das estatísticas: as primeira fase dos exames nacionais, voltou a registar
escolares e as do desemprego. Umas dezenas de mi- uma média negativa nas disciplinas de Matemática e
lhares de jovens matriculados no ensino superior du- Física, já que os valores apurados se situam nos 7,4 e
rante uns anos melhoram consideravelmente as taxas 9,3, respectivamente.
de escolarização superior a apresentar internacional- Contudo, a disciplina de Física destaca-se por registar
mente, a justificar fundos europeus e a publicitar, in- um ligeiro aumento em relação a anos anteriores.
ternamente, em momento de eleições. Por outro lado, Em 1999 a média da classificação de exame foi de 8,6
essa espécie de ocupação, que consiste em arrastar-se e em 2000 de 8,4.
pelos anfiteatros das faculdades, faz baixar a taxa de Estes indicadores, hoje divulgados, referem-se aos
desemprego e é uma dor de cabeça a menos. Os jo- alunos internos que, à semelhança de anos anteriores,
vens aproveitam, os pais vivem uns tempos na ilusão, conseguiram uma prestação superior à dos alunos
os professores resignam-se, os responsáveis pelo mi- externos e auto-propostos em todas as disciplinas.
nistério deliciam-se e os dirigentes das universidades Na realidade, do total de 12 disciplinas em exame, a

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média encontrada para os alunos externos é positiva surdamente orientada para o individualismo laxista
em apenas duas disciplinas: Filosofia (10,4) e Sociolo- ou, em oposição, para a competição predatória, para a
gia (10,3). fruição de direitos sem contrapartida, para o prazer
Nas restantes, os valores situam-se entre os 4,1 ou 4,4 do efémero, para a vulgaridade dos (não) ideais.
a Matemática e os 9,7 a Português B. No mundo do trabalho são visíveis, também, sinais
2001-08-02 16:08:00
preocupantes de desumanização das relações laborais,
de desconsideração do envolvimento familiar e da
Ética das férias ou férias da ética
apologia do sucesso sem regras.
In: Ecclesia, 20010731
Em nome do primado da exclusiva proficiência pro-
É necessário garantir o respeito de horários humanos de traba-
fissional, esfuma-se o gosto pelo simples e natural,
lho e de repouso.
deixam-se para trás projectos infinitamente maiores
João Paulo II, in Centesimus Annus
do que todos os outros como é o de ter um filho, pre-
Para haver ética nas férias é necessário haver as ditas
judica-se, às vezes irremediavelmente, a educação dos
férias e a ética não estar em férias.
que ficaram “órfãos de pais vivos” ou “órfãos de pais
Aliás, não haver férias é, já de si, um atentado à ética.
em(crescente) tempo parcial”.
É certo que o direito às férias - um imperativo cívico,
Agora, em certos grupos profissionais, até parece ser
laboral e familiar - está consagrado definitiva e for-
“profissionalmente correcto” proclamar não se ter
malmente. Mas, de facto e infelizmente, não para to-
férias ou tê-las reduzidas quanto mais não seja para
dos.
gerar desconforto nos que assim não pensam. São,
As férias, como o descanso semanal, contém em si o
afinal, os mesmos para quem a semana se divide em
fundamento ético da sua necessidade. O direito ao
dias úteis e – caso não trabalhem - em dias inúteis.
repouso faz parte da natureza da pessoa humana des-
Nem sempre ao progresso económico e tecnológico
de os primórdios da humanidade:
tem correspondido a consolidação do direito inaliená-
“Concluída no sétimo dia toda a obra que tinha feito, Deus
vel (e já agora intransmissível) das férias.
repousou no sétimo dia do trabalho por Ele realizado. Aben-
Escreveu João Paulo II que para o homem, o trabalho
çoou o sétimo dia e santificou-o”
não tem apenas um significado técnico, tem também
(Gn.2,1-3).
um significado ético.
O descanso não é um valor marginal em relação ao
Diziam em 1997 os Bispos portugueses que vivem
trabalho. O trabalho e o descanso contribuem, em
lado a lado – até nas mesmas pessoas – as concepções
alternância, para a realização da pessoa. Separá-los é,
da sociedade pós-laboral, “sem trabalho”, e a obses-
pois, um erro que se paga mais à frente. Como está
são idolátrica do trabalho, que destrói a família e de-
escrito, o trabalho é para o homem, não o homem
sumaniza as relações interpessoais.
para o trabalho.
Por detrás do trabalho de cada um, está uma família à
As férias não são incompatíveis com o código ético
espera!
do trabalho. Não o contradizem, não o menorizam,
As férias, sendo uma oportunidade de recarga pessoal,
nem mesmo beliscam o profissionalismo, o sentimen-
são também um espaço de reencontro familiar. Por
to do dever cumprido, a exemplaridade laboral, o
isso, devem ser um tempo pela família (e com a famí-
próprio prazer no trabalho.
lia) e não um factor de desagregação contra a família.
Ter férias é uma importante condição para um melhor
E quantos sabem, por experiência própria e num
trabalho.
quadro de desinteresse legal, como, às vezes, é difícil
As férias e o descanso semanal fazem parte da higiene
conciliar férias de marido e mulher!
e profilaxia dos desgastes, tensões, angústias e até
Hoje é trivial, em certos meios designadamente urba-
medos.
nos, encontrar uma oferta alargada de alternativas de
Tal como na disciplina corporal, importa ser rigoroso
tempos livres que ignoram ou prejudicam a convivia-
na disciplina do descanso. Essa disciplina pode até
lidade entre diferentes gerações. Vemos, cada vez
passar pela necessidade de um grande esforço para... o
mais, as férias estratificadas por idades: filhos tempo-
não esforço. É que a quietude é exigente e precisa da
rariamente em férias de pais e pais temporariamente
pessoa no seu todo.
em férias de filhos...
Se ter trabalho é um factor de esperança, ter tempo é
A propósito e porque a economia não valoriza o tra-
um factor de harmonia. Trabalho sem tempo é tão
balho doméstico neste mundo da aliança do produti-
perverso como tempo sem trabalho.
vismo e financismo ( a mãe ou o pai são “inactivos “
As férias têm que ser exigidas e, ao mesmo tempo,
por cuidarem dos filhos em casa, mas são ”activos” se
merecidas porque o direito ao repouso nasce da reali-
cuidarem do gado ou da horta que poderão ter na
zação conjunta do direito ao trabalho e do dever de
mesma casa...), será bom que quando se fala de ética
trabalhar. Aliás, esta aliança harmoniosa entre os dife-
nas (e das) férias não nos esqueçamos desta realidade
rentes tempos da vida deveria ser ensinada nas escolas
familiar.
como um factor saudável de exigência com responsa-
Embora para certas mentes pretensamente iluminadas
bilidade, de felicidade e de...produtividade!
seja proscrito falar de moral e de valores, embora o
Infelizmente não é o que se vê na educação, hoje ab-

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relativismo grasse e caminhe para o “único absoluto” lidade, um bem a partir da eternidade. O que é preci-
de que tudo é relativo, embora se confunda esse so amar é, tanto depois como dantes, a ausência do
mesmo relativismo com a tolerância que é o reconhe- medo.
cimento nos outros da liberdade de que desfrutamos, Ao ler Hannah Arendt e o seu “Conceito de Amor
a ética no ócio não pode ser outra do que a ética no em S. Agostinho”, compreendi melhor que a paixão
neg(ócio): austeridade e sobriedade como valores de pela vida tem razões muito mais profundas: n’Aquele
exigência contra a permissividade que nunca fez nin- que está para além do tempo. E que se não regista
guém feliz; autenticidade do ser com o estar e o fazer; num rápido flash. Na entrega a Deus o homem é em-
simplicidade, carácter e coerência nas atitudes. purrado para fora de si próprio e, perdendo-se, en-
E, já agora, não querendo “confessionalizar” as férias, contra-se verdadeiramente
para os que crêem...é bom não porem a relação com António Rego
Deus em férias. Porque como diz o Cardeal Ratzin-
ger, se Deus não está presente em nós, tudo se torna Entrevista com Michael Novak
completamente insuficiente. Até mesmo...as férias! In: Público (05.06.2001)
António Bagão Félix. Nascido na Pensilvânia, em 1933, Michael Novak
Pres. Comissão Nacional Justiça e Paz
Grupo Consultores CECS destacou-se entre os pensadores do liberalismo, no
início da década de 80, com o livro "O Espírito do
Capitalismo Democrático". Mais tarde, com a publi-
A teoria do tempo e do medo cação em 1993 de "The Catholic Ethic and the Spirit
In: Ecclesia, 200107-31 of Capitalism" ("A Ética Católica e o Espírito do Ca-
Aconteceu mais uma vez. Num cortejo religioso, po- pitalismo", agora editado em português pela
pular, as pessoas não se cansaram de disparar máqui- ACEGE), propôs-se ir mais longe, com a defesa da
nas fotográficas, com ou sem flash. À primeira vista "subjectividade criativa" da pessoa humana
parece apenas que operação de propaganda de má- PÚBLICO - Gorbatchov disse em Lisboa, o ano
quinas foi bem sucedida. passado, que o Papa é o último socialista que existe
Mas os fotógrafos eram jovens e idosos, homens e no mundo, porque é o único que se preocupa com a
mulheres, nacionais e estrangeiros, de aspecto rural e pobreza. Está de acordo?
urbano, rico e pobre. Continuando no cortejo lem- MICHAEL NOVAK - Não. Um cristão preocupa-se
brei-me do livro que estou a ler sobre S. Agostinho, com os pobres, um judeu preocupa-se com os pobres,
depois de ter lido as desventuras do oleiro Cipriano não precisa de ser socialista para se preocupar com os
Algor de Saramago. E, naquela ânsia de fotos, vi a pobres.
tentativa desesperada para deter o tempo. Parar o que Estar contra a globalização é estar do lado dos po-
se vê, se toca, registar um olhar que permita o que o bres?
tempo nunca autoriza: voltar atrás, rever, reviver, re- Não, a globalização é para os pobres. A globalização é
experimentar o contacto, neste caso, com o religioso. a única maneira de os pobres do Terceiro Mundo saí-
E vem logo a seguir a pergunta: por que corre tanto o rem da pobreza. Porque é que isso não aconteceu até
tempo, por que são tão fulminantes os momentos agora? Porque a maior parte deles estão fora do sis-
belos dum cair de tarde com uma luz macia, rasante tema. Quanto mais depressa as pessoas forem incluí-
de dourados, deixando tudo nostalgicamente perple- das no sistema, mais depressa saem da pobreza. Repa-
xo?... re no Japão, na Coreia, em Hong Kong, em Singapu-
Aqui percebo: estas questões, que aparentam senti- ra, Que em Taiwan. Todos estes países eram extre-
mentos poético-depressivos, são fundamentais para mamente pobres há 50 anos...
todo o sustento das nossas razões de viver. É que – e Mas quando o Papa João Paulo II esteve em Havana
aqui reentra S.Agostinho – todo o tempo presente é ele criticou o neo-liberalismo ...
determinado, não apenas pelo futuro como tal, mas Há de facto quem tenha um ponto de vista unicamen-
também por acontecimentos precisos, temidos ou te económico, estreito, e isso não é suficiente. Não se
esperados, do futuro, que cada um deseja ou procura pode ter o sistema capitalista sem o papel da lei e sem
adquirir, ou de que foge. A vida, pois, torna-se um protecção dos direitos. Tem que se ter democracia
constante medo, uma morte vivente ou uma marcha formal. E também tem que haver o controlo de al-
às ordens da morte. Quando se vive com o medo não guns princípios morais...
se vive sem cessar, teme-se sem cessar. Todos os me- Que tipo de princípios morais?
dos encaixam neste medo. Muitos: a importância da iniciativa económica, e a
O gesto da máquina fotográfica em deter o segundo responsabilidade da parte do indivíduo; os indivíduos
que foge, é uma teimosia dos olhos perante a ameaça também não podem ser nada sozinhos, têm que
de perda do melhor que o coração sente. Só um pre- trabalhar em organismos sociais - é isso que é a
sente sem advir é que está ao abrigo do perigo. Aqui, empresa, e isso é também a globalização.
com a ajuda de Agostinho de Hipona, encaixamos na Aliás globalização é outra palavra para católico. O
lógica exacta de Deus. catolicismo foi a primeira instituição global. A primei-
Só tem consistência o amor não consagrado à morta- ra mensagem de globalização veio de Jesus: "Ide e

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ensinai todas as nações..." negócios, como de criar arte, criar música, mas tam-
Quais são, na globalização, os bons resultados para a bém a capacidade económica criativa. E isso é o capi-
vida das pessoas? talismo. É o primeiro sistema no mundo que possibi-
A multiplicação de pequenas empresas. Veja-se o Mé- lita a invenção, a iniciativa, a descoberta, a criação de
xico, por exemplo. Aí, as condições económicas estão riqueza. E este segredo foi descoberto por judeus e
a melhorar, tal como em vários países da América cristãos, mas uma vez que se veja como funciona, é
Latina. O único modo de mudar as condições de vida universal e pertence a toda a gente, não pertence só a
dos pobres é criar trabalho para os pobres. A esmaga- cristãos e judeus.
dora maioria dos pobres são pobres porque não têm A sua abordagem é diferente da de Max Weber, que
empregos. É uma loucura, já que há um trabalho dava mais importância à ética protestante...
imenso a fazer: clínicas, escolas, quintas para desen- Penso que ele errou. Algumas das primeiras cidades
volver. E há milhões de trabalhadores sem trabalho. capitalistas foram Antuérpia, Liège, Turim. Houve
Alguém tem que juntar o trabalho que há para fazer e zonas católicas da Europa que se tornaram capitalistas
os trabalhadores. Isso é o que os empreendedores primeiro. Outras eram protestantes. Mas Calvino não
fazem. Se o sistema promover pequenas empresas, as permitiu bancos em Genebra, por exemplo. Penso
pessoas começarão a sair da pobreza. E isso é o que já que, em parte, Max Weber estava errado. Ele fez uma
se pode ver na América Latina. boa aproximação, mas muito reducionista. Provavel-
Não é necessário também o investimento do Estado, mente, não percebeu o coração do capitalismo: pen-
para construir escolas ou estradas... sou que o que faz o capitalismo é o ascetismo, a auto-
Às vezes, isso pode ajudar. Mas também há muitos disciplina, a pontualidade, quando o mais importante
lugares na América Latina ou em África em que o é a criação...
Estado tem gasto muito dinheiro e não está de todo a Talvez porque viveu tempos diferentes. No início da
ajudar os pobres. Todo o dinheiro fica na classe polí- Revolução Industrial, teve que haver disciplina. Hoje,
tica. O que tem que se fazer é promover as pequenas no tempo dos computadores, a criatividade é prova-
empresas. É aí que se criam empregos. velmente mais importante...
Quando Ronald Reagan se tornou Presidente, cria- Sim, mas as boas ideias sempre foram mais importan-
ram-se quase 20 milhões de novos empregos nos Es- tes do que as grandes propriedades.
tados Unidos. E quando Bill Clinton foi Presidente Se comparar dois países - a Alemanha, que se desen-
também criaram-se outros 20 milhões de novos em- volveu rapidamente com muita disciplina, e a Itália,
pregos. E 80 por cento desses empregos foram cria- com muita criatividade -, os alemães são mais ricos
dos por pequenas empresas empregando menos de 50 que os italianos.
pessoas. Tenho a certeza que, em Portugal, a maior Isso é verdade mas, ao mesmo tempo, no momento
parte das pessoas trabalha em pequenas empresas. presente, entre as dez regiões mais dinâmicas da Eu-
Mesmo assim, por todo o mundo, o número de pobres ropa, quatro estão na Itália. Há mais pequenos negó-
está a crescer... cios a ser criados na Itália do que em qualquer outro
Isso não é verdade. lugar. Os italianos estão a chamar a atenção para a
Não é? criatividade económica. Não só ao nível artístico, no
Não é verdade, o número de pessoas a sair da pobre- "design" ou na arquitectura, mas também na criação
za cresce mais depressa. Se recuarmos a 1850, Quan- de empresas.
do havia menos de mil milhões de pessoas no mundo, Os pequenos negócios de que fala são os mesmos do
praticamente toda a gente era pobre e quase todos "Grameen Bank" ou do Prémio Nobel da Economia,
viviam governados por tiranias. De então para cá, o Amartya Sen?
número de pessoas passou de mil milhões para seis O "Grameen Bank" é especialmente importante para
mil milhões, e mais de metade saiu da pobreza. É um os pobres. Para ajudar os pobres a sair da pobreza são
tremendo progresso, mas temos que fazer muito me- necessárias três coisas. Primeiro, tem que se tornar
lhor nos próximos 100 anos. possível lançar pequenos negócios de uma forma rá-
Então está optimista com o futuro da América Latina, pida e barata. Na América Latina, a maior parte dos
da África e da Ásia? pobres trabalha como "ilegales", "informales", porque
Com a África menos. Com o da Ásia certamente e não podem incorporar-se nos negócios. E a polícia
com a América Latina, em segundo lugar. pode prendê-los se eles têm sucesso. É um disparate!
Porquê? Porque se criminalizam os pobres economicamente
Na Ásia têm um forte sentido empresarial, de promo- activos.
ver pequenos negócios. Para onde quer que os chine- Segundo, é a educação. Ter a certeza de que a educa-
ses vão, criam pequenos negócios, têm iniciativa. ção é orientada para a criatividade e para ter sentido
Os chineses têm o espírito do capitalismo, mas não prático.
são católicos... Terceiro, tornar disponível o capital para pequenos
Exacto. O coração do capitalismo vem do Criador, é empreendimentos. Porque não se pode começar um
uma dádiva de Deus a cada um, a cada homem, para negócio sem dinheiro. E se se é pobre, não se tem
fazer de nós criadores. Deu-nos capacidade de criar dinheiro. Isso é o que o Grameen Bank faz. Entregam

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100 dólares a uma mulher no Bangadesh e desse mo- não proteger os direitos das pessoas?
do ela pode comprar adubo e sementes para plantar O sistema só trabalha de uma forma autosustentada
rosas. E ela planta as rosas, leva-as para o mercado quando reúne esses três aspectos. Se não tivermos as
em Daca, e vende-as. Então os seus vizinhos come- três dimensões, entra em ruptura. Mas os três aspec-
çam a ver o que ela faz e começam a imitá-la. Toda a tos nem sempre aparecem ao mesmo tempo. Em
aldeia começa a plantar rosas ou outras flores e a levá- muitas partes do mundo, o dinamismo económico
las para o mercado. Com 100 dólares muda-se a vida vem primeiro. Foi o que aconteceu na Coreia do Sul,
de toda a aldeia. Mas tem que se ter 100 dólares. O mas também em Espanha ou na Grécia. Não tinham
Grameen Bank é um sistema para dar pequenos em- democracia, mas tinham o capitalismo. E à medida
préstimos às pessoas pobres. que os empreendedores dinâmicos surgem, pedem
Pensa que o centro do processo produtivo deve ser o governos republicanos, pedem representação. E recu-
ser humano? sam ser governados por ditadores ou militares.
Sim, o objectivo do processo produtivo deve ser o A mesma coisa acontecerá na China. A liderança chi-
bem das pessoas. nesa julga que é possível manter o controlo comunista
Mas deve ser cada pessoa? Nas decisões nas empre- e desenvolver o mercado livre. E porque é que eles
sas, quando há conflitos entre quem trabalha e, por abriram os mercados? Porque eles viram que a Índia,
outro lado, os objectivos económicos, o que é mais que se arriscava ter uma situação de fome em 1985,
importante? não teve esse problema. A Índia alimentou a popula-
O mais importante é o capital humano, o mais impor- ção baixando os impostos sobre o arroz e tornando
tante recurso das empresas são as suas pessoas. Se a possível aos agricultores guardar o que colhessem. A
empresa pune as pessoas, castiga-se a si mesma. China quis imitar a Índia, abrir os mercados, mas
O Papa fala na prioridade do trabalho sobre o capi-
mantendo o controle político. Acredito que não vão
tal...
consegui-lo por muito tempo.
Ele fê-lo em tempos. O primeiro a falar nisso foi A-
Ao mesmo tempo, fala da necessidade da moral. Que
braham Lincoln, não o Papa. João Paulo II, na [encí- tipo de moral?
clica] "Laborem Exercens", de 1981, usa o termo A judaica e a cristã são as melhores...
"trabalho" para designar os seres humanos, e "capital" E o confucionismo, como em Singapura?
para a maquinaria, o dinheiro. Mas na "Centesimus O confucionismo tem algumas analogias. Não diria
Annus" [1991], ele usa o termo "capital" para o co- que o judaísmo e o cristianismo são necessários, diria
nhecimento, para o capital humano. Depende do que que são os melhores. Porque o judaísmo e o cristia-
se quer dizer com "capital". Não é só o sistema, mas a nismo têm a mais forte ideia de indivíduo, porque
qualidade das pessoas que produz o crescimento. Deus chama a cada um pelo nome. E cada um é res-
Concorda com a ideia de subordinar a propriedade ponsável pelo seu destino. A Ásia e o confucionismo
privada ao destino universal dos bens?
não têm isso.
Sim, é a ideia de John Stuart Mill. O princípio da pro- A segunda coisa que o judaísmo e o cristianismo têm
priedade privada é que os proprietários privados pro-
é dizer que somos todos um povo de Deus. E ensinar
duzem mais para o bem comum do que o Estado.
hábitos de cooperação e de construção de comunida-
Porque é que a propriedade privada faz as pessoas
trabalharem melhor? des. A grande história dos Estados Unidos é a da
Porque tratam do que é seu, tornam-se mais interes- construção de comunidades. As pessoas começaram
sados. O problema com o socialismo é saber quem na costa leste e cruzaram o país construindo comuni-
ficará de pé toda a noite para tomar conta da vaca dades. Não podiam sobreviver sozinhas. Pessoas li-
doente. Até se se perguntar a toda a aldeia, ninguém vres, organizando-se em grupos, para fazer em grupo
quererá ficar. Mas se for para cuidar da sua própria o que tinham que fazer.
Actualmente, na Europa, há sociedades em que a reli-
vaca, o seu dono ficará de pé.
gião deixou de contar...
É correcto dizer que o conceito de criatividade é a
maior diferença entre o seu pensamento e o de Max Sim e não... A religião formatou o caminho, o cristia-
Weber? nismo formou o modo de pensar dos europeus, quer
É a maior, sim. Pode haver disciplina como nos exér- eles gostem ou não...
citos de César, ou como nos exércitos de Esparta, e Mas os números dizem que para 80 ou 90 por cento
dos americanos, Deus é importante, enquanto para os
não produzir crescimento económico. A segunda
europeus é menos de 50 por cento
grande diferença é que eu vejo o sistema como três
Sim. Essa é uma das razões pelas quais estou pessi-
em um: é não só o económico. É necessária democra-
mista em relação à Europa. A Europa pode enfrentar
cia e protecção dos direitos do indivíduo, e a possibi- uma grande tragédia nos próximos 20 anos. Preferi-
lidade de formar associações. E é necessária a moral.
ram o modo socialista ao modo capitalista de fazer as
O capitalismo é três em um: economia, política e mo-
coisas. E os europeus assumiram a obrigação de pagar
ral.
pensões e cuidados de saúde. E a população activa é
No entanto há regiões muito dinâmicas, como a Chi-
na e o Sudeste Asiático, que não são democracias. cada vez menor. Ou seja, há mais obrigações financei-
Como podem ser economicamente tão saudáveis e ras do que trabalhadores para a financiar. Penso que

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haverá uma crise. Também a teremos na América, pessoas da pobreza é criar pequenos negócios. A po-
mas não de uma forma tão dramática. breza não é um problema político, é um problema
Na Europa de Leste não haverá o risco de a criativi- económico. Só é um problema político se for necessá-
dade descambar para a corrupção? rio mudar as leis na América Latina, de modo a facili-
É pior quando não há criatividade e o Estado contro- tar a criação de pequenos negócios, de modo rápido e
la tudo, a corrupção é maior. Depois da queda do barato.
comunismo, em 1989, havia uma questão: agora têm O poder hoje está concentrado nas grandes empresas,
propriedade privada, têm mercados a operar, as pes- nas grandes multinacionais...
soas vão poder guardar os frutos do seu trabalho. Mas Nada é mais frágil que o poder económico. A troca de
muitos ficaram sentados à espera que o Governo dis- tecnologia pode colocar uma indústria fora do merca-
sesse mais alguma coisa, porque durante 40 anos o do da noite para o dia. Se olhar para as 400 ou 500
Governo dissera-lhes o que fazer: onde trabalhar, maiores empresas da América que a "Fortune" lista
como trabalhar. Mesmo assim, nos primeiros seis me- todos os anos, cada dez anos verifica que dez ou
ses, os polacos criaram 500 mil novos empregos. E quinze por cento das empresas desapareceram. Os
nos seis meses seguintes, mais 500 mil. cemitérios estão cheios de grandes empresas...
Mas isso não é verdade para a Ucrânia ou para a Rús- Pensa que a taxa Tobin é um bom caminho?
sia. A taxa quê?
Não, a Rússia é muito mais lenta. Não se pode ter A taxa Tobin. Um pequeno imposto sobre as transac-
dinamismo económico a menos que a lei seja favorá- ções financeiras realizadas em todo o mundo, para
vel. É por isso que falo de capitalismo democrático. A ajudar os pobres.
lei tem que proteger os direitos dos indivíduos, e a Quem administraria esse dinheiro e o que se faria
propriedade. E a Rússia não tem esse sistema da lei, é com ele? Será muito melhor tornar possível aos po-
uma selva. A Rússia teve comunismo durante 70 anos bres que criem as suas próprias empresas, rapidamen-
e destruiu a herança cristã e judaica. A sua única mo- te e quase sem dinheiro.
ral é que era bom o que era a favor do Partido Co- Acredita no bem comum?
munista e era mau o que era contra o Partido Comu- Sim, é um dos grandes conceitos dos Estados Unidos.
nista. E como pode o Estado garantir o bem comum?
Que consequências tem, para a política e para a eco- O Estado é um pobre veículo para o bem comum. A
nomia, a opção preferencial pelos pobres proposta sociedade civil é muito melhor. Pessoas livres agindo
pelo Papa e pela Igreja? juntas têm muitas razões para promover o bem co-
Adam Smith foi o primeiro a dizer que os pobres po- mum. Uma sociedade civil forte defende muito me-
diam sair da pobreza. Se sabemos como criar riqueza, lhor o bem comum do que um Estado forte.
de um modo sustentado e sistemático, e se não o fa- Mas se tiver pessoas incapacitadas de sair da p obreza,
zemos para algumas pessoas, há alguma coisa muito o Estado deve fazer alguma coisa.
errada. A verdadeira razão para ter um sistema capita- O Estado é o caminho menos efectivo para o fazer.
lista é tirar as pessoas da pobreza, é um sistema de Mas há pessoas que precisam de ajuda: é importante
oportunidades e de criatividade para que pobres saiam que todas as pessoas deixem a pobreza, não é bom
da pobreza. E o caminho é fazer com que haja cir- uma sociedade onde alguns estão presos na pobreza.
cunstâncias favoráveis para os pequenos negócios. Mas é melhor para toda a sociedade que ela se organi-
Não se pode ter empregos sem ter empregadores. ze a si mesma, com as organizações, as igrejas, as es-
Temos que ter empreendedores que comecem peque- colas, associações de voluntários. O Presidente Bush
nos negócios de sete, oito, nove pessoas, para que as está a relançar a "guerra à pobreza" do tempo de
pessoas possam sair da pobreza. Jonhson precisamente nessa base. Porque a "guerra à
Porque é que o Papa é claro na afirmação dessa opção pobreza" lançada em 1965 falhou. Há hoje mais pes-
e, ao mesmo tempo, condenou tão firmemente corren- soas a consumir drogas, há mais pessoas que não aca-
tes como a teologia da libertação? bam a escola, há mais pessoas a consumir álcool, mais
Eu li dúzias de livros de teólogos da libertação. Mas pessoas com patologias sociais. Isso aconteceu por-
não descobri um único parágrafo a dizer como se po- que o Estado não é um bom veículo para combater a
deria ajudar os pobres a sair da pobreza. Diziam que pobreza.
eram pelos pobres, mas não tinham nenhum conse-
lho, nenhum método, nenhuma política, para ajudar Papa pede fim da violência a Arafat
os pobres a tornar-se classe média. O que eles que- In: TSF notícias 2 de Agosto 01 13:55
riam era manter os pobres como pobres para que eles O Papa João Paulo II disse hoje ao dirigente palestiniano,
pudessem ter pena deles. Esta não é a minha ideia de Yasser Arafat, que o Médio Oriente atingiu um estado sem
como ajudar os pobres. precedentes em relação à violência, tendo-lhe pedido para a vio-
Eles falavam da participação e da defesa dos direitos lência termine rapidamente.
elementares das pessoas... O pedido de João Paulo II foi feito durante um en-
E o que é isso para os pobres? O que fez isso alguma contro de 25 minutos com Arafat, que decorreu na
vez pelos pobres? A única coisa que pode retirar as residência de Verão do Sumo Pontífice em Castelgan-

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dolfo, próximo de Roma. Uma declaração do Vatica- nisso."
no diz que o Papa sente que o Médio Oriente está Sobre as Organizações não Governamentais (ONG),
num «estado inaudito de violência que continua a cei- a apreciação é idêntica. "Se há ONG que vieram para
far vidas entre toda a população civil e desarmada». O fazer não se sabe o quê, outras há que trabalharam a
Papa reafirmou a «necessidade absoluta» de colocar sério", disse. Quais são, não diz, para não ferir suscep-
um fim a todos os tipos de violência, «sejam eles ata- tibilidades...
ques ou represálias», e conseguir a «maior esperança D. Basílio mostrou-se igualmente insatisfeito com o
para a mesa das negociações». modo como estão a trabalhar alguns países doadores.
Em sua opinião, "a impressão que se tem é que dão
Onde estão os milhões? com uma mão e vêm recolher com a outra", critican-
In: DN, 2001-08-03 do sobretudo o facto de algumas empresas dispensa-
Em entrevista ao DN, o bispo de Baucau, D. Basílio do Nas- rem mão-de-obra local. Segundo o prelado, "há gestos
cimento, afirma-se insatisfeito com reconstrução do território concebidos para terem muita visibilidade mas, depois,
Licínio Lima em Baucau desaparecem diante dos nossos olhos".
O bispo de Baucau, D. Basílio do Nascimento, está Conforme explicou, a mão-de-obra timorense que a
insatisfeito quanto ao processo de reconstrução de UNTAET e algumas empresas privadas começam
Timor-Leste. E cede mesmo à tentação de perguntar agora a empregar só alcançou impacto junto da popu-
onde está o dinheiro doado para a reconstrução do lação depois de algumas pressões. E adiantou: "Os
território quando vê o pouco que ainda foi feito. timorenses não aceitam facilmente que lhe atirem
"Afinal, que é feito de tantos milhões?", questiona-se poeira para os olhos."
o bispo, considerando que "a nível de reconstrução
estatal não está a fazer-se grande coisa em Timor". A cara da notícia
Para o bispo de Baucau, o processo de reconstrução Nascido em Suai há 51 anos, fez o seminá-
está a ser demasiado lento. Em declarações ao DN, o rio em Évora, onde, em 1977, foi ordenado
sacerdote. Em 1994 regressa a Timor-Leste,
prelado afirma: "Esperava um bocado mais relativa- como vigário paroquial de Ainaro. No iní-
mente a construção de infra-estruturas, especialmente cio de 1997 é ordenado bispo pelo Papa
aquelas mais elementares que constituem a base para João Paulo II, assumindo as funções de
Administrador Apostólico de Baucau. Tor-
a existência deste país". nou-se o segundo Bispo de Timor, juntando-se a D. Ximenes Belo.
Referindo-se, nomeadamente, à rede rodoviária, ex- Durante o período conturbado de 1999 nunca abandonou o território,
plicou que "sendo Timor metade de uma ilha, há coi- apesar da violência das milícias.
sas que dependem exclusivamente de infra-estruturas
para desenvolver a capacidade de importação". E re- Rosas com espinhos
corda as fracas condições do aeroporto e porto de João Soares
In: DN, 2001-08-03
Díli, frisando que este não tem capacidade para cres- A vida muito depressa nos ensina, sobretudo a nós,
cer mais. Em seu entender, "esperava-se mais a nível portugueses, que somos de um país de flores, flores as
de infra-estruturas elementares". mais diversas, nenúfares, cravos, estrelícias, narcisos e
O bispo está, pois, um pouco desolado com tudo o flores de estufa algumas, que as rosas, mesmo as mais
que está ainda por fazer. E alerta: "Até metade do ano vistosas, têm quase todas espinhos. Vem isto a propó-
2000 ainda compreendia que as coisas fossem lentas, sito de um ataque que o dr. Fernando Rosas decidiu
mas depois disso, tendo em conta os meios existentes, fazer-me há dias no jornal do grupo Sonae.
é um bocado difícil de compreender esta lentidão." Conheço de há muito o dr. F. Rosas, sem nenhuma
Relativamente à formação de quadros, as críticas não
espécie de intimidade pessoal ou política, é certo, mas
são menos contumazes. "É verdade que se tentou também sem que jamais tenham existido razões que
aprofundar a formação dos quadros já existentes ao pudessem justificar este ataque. Num tom que me
tempo da administração indonésia", explica. Mas, em surpreendeu pela inexactidão, pela incorrecção e pela
sua opinião, "as coisas foram feitas para tapar buracos demagogia. Não quero, também por isso, deixá-lo
momentâneos e não a pensar-se numa perspectiva de
sem resposta.
futuro". No mesmo canteiro, isto é, na coluna do lado, no
Neste contexto, o bispo defendeu que a ONU, quan- mesmo dia e também no jornal do eng.º Belmiro, uma
do decidir retirar-se, o faça de um modo gradual, por- outra vistosa e folhuda flor do nosso jardim, o sr.
que as forças de segurança deveriam ser as últimas a prof. E. P. Coelho, que há pouco mais de um mês, no
fazê-lo. Afirmou o prelado: "Há que fazer justiça. Se mesmo jornal, me tinha insultado grosseiramente,
há muita gente da UNTAET que é inerte, há também volta a referir-se ao meu nome, desta vez de forma
muita gente que se tem empenhado e que vai ser ne- bem-educada, embora com muita imprecisão. Como,
cessária durante muito mais tempo." quando do insulto soez, lhe tinha prometido a doçura
Então, em Timor os funcionários da ONU andam
de um éclair se voltasse a citar o meu nome depois da
apenas a passear? O bispo é prudente, mas admite: grosseria que cometera, quero lembrar-lhe - ao sr.
"Eu não queria ser tão cáustico. Mas, pelas amostras prof. E. P. Coelho - que sou um homem de palavra e
que se vêem, há pelo menos a tentação de se pensar

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pode, portanto, contar com o doce prometido. inúmeras vezes, até no território daquele que é o
Vamos no entanto ao que importa, isto é, aos espi- maior disparate urbanístico cometido em Lisboa nos
nhos do ataque do dr. Rosas. últimos anos, obra do referido grupo proprietário do
Trata-se de um conjunto de deselegantes grosserias e jornal onde o dr. Rosas me calunia. Isto são factos e
de falsidades e incorrecções que dão a ideia de uma factos comprováveis e não demagogia eleiçoeira à
séria recaída do dr. Rosas no terreno da mais descabe- procura de voto.
lada e delirante demagogia (maoísta?). Demagogia Nunca na história da cidade se fez tão firmemente
que, aliás, partilhou durante alguns anos com o seu frente ao automóvel privado e ao seu domínio sobre a
ex-camarada Durão Barroso, a quem agora acusa de cidade. Com obra, com acção, com energia e com
"empáfia reaccionária". Em matéria de "empáfia", gestos concretos. Privilegiando sempre os transportes
reaccionária ou dita de esquerda, venha o diabo e es- colectivos, sem nenhuma espécie de hesitações e dan-
colha. No texto do dr. Rosas a demagogia, a inexacti- do espaço às alternativas mais avançadas em termos
dão e a incorrecção factual, política e pessoal, estão ao ambientais. Vou também quanto a esta matéria à ba-
serviço da mais estrita e estreita lógica politiqueira, no lança com quem quer que seja que me antecedeu ou
sentido mais baixamente eleitoralista. com os meus adversários.
No fundo, o dr. Rosas, ilustre dirigente daquele PRD O dr. Rosas fala, quanto ao futuro, de dupla Soares-
dos pequeninos que é o chamado bloco de esquerda, Abreu quando sabe muito bem que se trata de uma
ao pressentir os riscos dos prevísiveis efeitos eleitorais equipa plural e diversificada em rostos e em identifi-
da política divisionista e de terra queimada que ele e cações ideológicas e que, quanto a duplas apresenta-
os seus amigos dirigentes do dito bloco estão a seguir das até agora, em termos de candidatura, existe ape-
na cidade de Lisboa, tenta minimizar os danos e de- nas aquela que é constituída por João Amaral e por
fender-se, atacando demagogicamente numa lógica mim próprio.
estritamente partidária e politiqueira. Fala em "esgotamento" e em "colapso" de uma equi-
Toda a gente conhece, e muita valoriza, o facto de pa que com a sua energia, dinamismo e imaginação,
Lisboa ser o único concelho do País - e que concelho, sempre renovadas, está a eliminar definitivamente do
o da capital de Portugal - onde a esquerda, plural mas território da cidade os tristemente famosos bairros de
unida, faz frente à mais perigosa das ameaças da direi- lata. Uma equipa que instala nos novos bairros sociais
ta, no plano autárquico, desde o 25 de Abril. O dr. instituições como a Sociedade de Estudos do Século
Rosas, que, pelos vistos, é co-responsável da política XVIII ou a Ajuda de Berço. Uma equipa que pela
de divisão e de quanto pior melhor do bloco em Lis- primeira vez na nossa terra pôs de pé programas de
boa, defende-se, e defende o interesse estritamente ajuda local aos toxicodependentes. Criou centros de
eleitoral do seu grupo, atacando e usando a demago- apoio aos sem-abrigo, onde mais de 500 pessoas, que
gia, o insulto e a mentira. Não posso deixar de lem- viviam antes na rua, passaram a ter uma cama digna,
brar os tempos em que ele, na mesma lógica prima- cuidados de higiene e uma refeição. Uma equipa que
riamente maniqueísta, combatia a linha negra em no- pagou, finalmente, e como era devido, uma indemni-
me da linha vermelha. É o retorno, ou uma recaída, à zação aos trabalhadores do Chiado.
velha e simples visão messiânica da luta dos bons Uma equipa que é presidida por um socialista laico,
contra os maus, onde ele, como sempre, está indiscu- que deu a cara no combate pela legalização da inter-
tivelmente do lado dos bons e onde os maus, se uns rupção voluntária da gravidez. Uma equipa que criou
são mais maus do que outros, são inevitavelmente e anima a Biblioteca Museu República e Resistência.
todos maus: "ou forca ou cadeira eléctrica" são ex- Uma equipa que criou a Bedeteca de Lisboa. Que deu
pressões que utiliza. uma sede e apoia activamente a ILGA. Uma equipa
Diz o dr. Rosas que a Câmara a que presido está "es- que deu à poesia, em Lisboa, a dimensão da própria
candalosamente envolvida com os interesses do imo- cidade a partir do trabalho da Casa Pessoa e da única
biliário e do automóvel privado" e que a "dupla Soa- revista de poesia de iniciativa municipal que existe na
res-Abreu" pretende amarrar o voto da esquerda lis- Europa. Uma equipa que recuperou o antigo liceu de
boeta a uma "política que entregou a cidade aos dita- Díli e instalou em Timor a maior Biblioteca de Língua
mes dos lobbies da construção civil". Portuguesa que alguma vez lá existiu, mais de 30 mil
O dr. Rosas tem obrigação de saber que nunca na volumes.
história da cidade se fez tão firmemente frente aos Falar de dupla Soares-Abreu é injusto, porque se elo-
interesses especulativos do imobiliário como desde gioso para os citados é, no entanto, redutor e insufi-
que eu presido à sua Câmara Municipal. Aceito quan- ciente para exprimir a revolução que a Esquerda tem
to a esta matéria todas as comparações. Fundadas protagonizado na capital do nosso país e que os ber-
numa análise objectiva e não na demagogia politiquei- lusconnis cá da terra querem liquidar com a demago-
ra. E o grupo económico que é o proprietário do jor- goia e o populismo que se lhes conhece. Lembra o
nal onde o dr. Rosas publicou as sua calúnias insul- terrorismo da campanha e dos cartazes do dr. S. Lo-
tuosas, sem nenhum suporte factual, é um bom pes, que violam as regras mais elementares da igual-
exemplo dessa firmeza de que temos dado prova dade entre as candidaturas e ofendem os interesses e a

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imagem da cidade de Lisboa. Lembra, de facto, a pa- Não faltará muito para que o comunismo soviético
tetice da "Lisboa parada". seja apresentado como uma das grandes experiências
Dupla Soares-Abreu, aqui para nós, só se ajusta mes- da Humanidade. Os Gulags, as mortes e a miséria
mo à viagem memorável que fizemos ambos a Bel- soviética serão então pequenos pormenores que ape-
grado - António Abreu e João Soares - autarcas de nas os reacionários gostam de lembrar. É óbvio que
Lisboa, a convite dos autarcas opositores de Milose- existem problemas graves com a actual globalização, e
vic, sob as bombas da NATO, para dizer muito sim- é evidente que estes devem ser discutidos. Mas uma
plesmente às outras capitais da Europa e do Mundo discussão séria, principalmente poque irá incluir ne-
que bombardear uma cidade é sempre um crime con- cessariamente a esquerda, não pode esquecer uma
tra a civilização. lição essencial. Os ataques do marxismo ao capitalis-
É invocando o som inesquecível dessas bombas na mo liberal e à democracia burguesa produziram um
noite de Belgrado e, se quiserem, também as cenas dos regimes políticos mais tirânicos e violentos da
patéticas que se seguiram na nossa terra em termos de história moderna.
sacudir água de capotes vários sobre os urânios que
havia ou não nelas - que bombas e grandes eram, que Dois pesos e duas medidas
a dupla Soares-Abreu bem as ouviu - que eu, dando a In: Bem comum dos portugueses, Euronotícias, 2001-08-03
cara como sempre, vos quero confessar que tenho Mendo Castro Henriques
respeito e mesmo simpatia pela irreverência, pelo in- À medida que vão sendo revelados documentos dos
conformismo, pela rebeldia que alimenta muitos dos arquivos comunistas, desde o KGB à STASI, e os
que foram, noutras eleições, votantes do bloco de respectivos trânsfugas passam para o Ocidente, fica-
esquerda. mos a entender melhor o passado histórico próximo
E é em nome dessa rebeldia, desse inconformismo e e, também, o nosso futuro.
irreverência, invocando a memória querida do nosso O problema é que, com a vitória conjunta da demo-
Júlio Pinto, co-autor da Filosofia de Ponta, que lhes di- cracia americana e do totalitarismo russo na Segunda
go: mandem passear os guardadores dos vários reba- Guerra Mundial, foi criado um peso para avaliar o
nhos das purezas ideológicas, partidárias, bloquistas. nazismo alemão e outro para avaliar o comunismo
As "rosas" do dr. Rosas, tão cheias de espinhos da triunfante, em particular nos países europeus durante
história da esquerda portuguesa. E venham connosco a Guerra Fria.
Amar Lisboa e fazer frente à arrogância demagógica e Por isso, é de saudar toda a literatura que procura
populista da direita. Direita que gostaria de ensaiar acabar tal desequilíbrio, a começar pela dos grandes
aqui aquilo que quer fazer no País. Esse é o combate dissidentes russos. Próximo de nós, o Livro Negro do
que dará, seguramente, mais "ponta" às mulheres e Comunismo, de 1997, divulgou a magnitude dos cri-
aos homens de esquerda de Lisboa. mes comunistas. Como o "The Mitrokhin Archive",
Queira o dr. Rosas ou não. 1999, de Christopher Andrew. Como a série sobre
Barreirinhas Cunhal, de Pacheco Pereira. Como o
O regresso dos marxistas “Spain Betrayed”, publicado em Junho, coordenado
João Marques de Almeida por Ronald Radosh. Como o “The Third Secret”, de
In: O Independente, 2001-08-03 Nigel West, que se anuncia para Novembro. E mui-
Não faltará muito para que o comunismo soviético seja apre- tos, muitos mais... mas ainda sem eco na opinião pú-
sentado como uma das grandes experiências da Humanidade blica.
A propósito das manifestações de Génova, o eurode- Poder-se-ia classificar tantas obras, conforme os de-
putado trotskista Alain Krivine não podia ser mais partamentos do KGB: análise e planeamento opera-
claro: os protestos dos antiglobalistas constituem cional, contra-insurreição, operações clandestinas,
“uma vitória de Marx”. Ora, depois de tudo o que já desinformação, computadores, espionagem técnica e
lhe fizeram durante o revolucionário século XX, o científica, análise e avaliação de informação, opera-
chamado “povo de Seattle” continua a não deixar o ções no território russo. Teríamos que acrescentar as
autor do “Capital” em sossego. Muito mais grave, a tentaculares organizações de segurança e detenção
maioria das vozes do “povo global” não aprendeu que enxameavam toda a URSS e de que o Goulag era
nada com os erros das experiências socialistas. Come- apenas a porta do cavalo.
çam mesmo a aparecer as primeiras referências sau- A divulgação em curso vem conferir base objectiva a
dosistas às “conquistas” soviéticas. Claro que todos uma verdade que continua a ser escondida nos siste-
reconhecem os “exageros” estalinistas (é de resto ex- mas educativo, cultural e de comunicação: que o co-
traordinário como os crimes cometidos por um dos munismo foi, pelo menos, tão mau quanto o nazismo;
mais terríveis ditadores do século XX são reduzidos à que no presente é muito pior, porque continua a ma-
categoria de “exagero”), mas ao mesmo tempo elo- nipular a opinião. E, tragicamente, os fazedores de
giam as virtudes do sistema económico e social da opinião continuam a classificar comunistas e nazis
antiga União Soviética. Com o passar do tempo, as com dois pesos e duas medidas – com consequências
“conquistas socialistas” são mesmo consideradas mais debilitantes para a democracia.
importantes do que a ausência de liberdade política. Sei o que senti ao visitar Dachau. Conheço literatura
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suficiente sobre os para secretário-geral da ONU, numa época em que a
campos de concentração nazis, em que não é de mais URSS e o KGB estavam em plena expansão.
destacar a obra de Viktor Frankl. Estou a par da per- Os dois pesos prosseguem os seus estragos. Pinochet
seguição a minorias expiatórias. Mas quem se lembra será responsável por uns 3000 mortos no Chile. Mas
que nem a editora Bertrand conseguiu publicar, em abandonou voluntariamente o poder ao regime de-
Portugal, o 3.º volume do “Arquipélago Goulag”, mocrático que criou e que lhe sucedeu, mediante ga-
após muitos percalços para editar os dois primeiros? rantias de imunidade, que nem foram absolutas.
Passam, por ano, nos canais da TV, umas dezenas de Mesmo assim, tornou-se um dos ódios de estimação
filmes, documentários e séries que denunciam o na- da opinião politicamente desequilibrada. Já Fidel Cas-
zismo – uns bem, outros de modo medíocre. Mas tro é responsável, no mínimo, por 18 000 mortos por
quantos filmes retratam a realidade estarrecedora do ordem do Estado cubano. Mas isso não macula o car-
comunismo responsável por cerca de 100 milhões de tão-de-visita de governante antiamericano, que ele
mortos, dos quais 63 milhões na China, e 20 milhões exibe a todos os poderosos que o recebem, mas que
na URSS? Arrisco afirmar que, para cada cinco peças não o interrogam nem o punem pelas actividades
antinazis, apenas existe uma anticomunista. Chama-se dentro da ilha-cárcere. A excepção é João Paulo II.
a isto manipular a opinião pública. Quanto ao capítulo dos mitos, nunca mais acabaría-
Se, quanto à história, o balanço é mau, quanto às rela- mos. Che Guevara falhou como ministro da Econo-
ções internacionais, ainda poderá vir a ser pior. Em 27 mia cubano e como chefe de guerrilha na Colômbia.
de Junho, o presidente Lukashenko, de Belarus, e o Mas é um ídolo romantizado para jovens e ex-jovens
patriarca Alexis II, de Moscovo e de todas as Rússias, radicais os quais, mesmo que agora usem lacinho,
reuniram-se no Monumento à Amizade, na fronteira ainda têm saudades dos tempos em que usavam a
entre Belarus, Ucrânia e Rússia, e fizeram um apelo à bóina esquerdista. Quanto a guerrilheiros nacionalis-
união dos três povos eslavos, crismados pela Igreja tas, como o coronel Mihailovitch que lutou na Segun-
Ortodoxa russa. Até aqui, tudo parece inodoro. A da Guerra contra os nazis na ex-Jugoslávia, pela di-
C.E.I. é um artifício. Vem aí a União pan-eslava. nastia Karajeorgevic, são esquecidos e demonizados
E, contudo, segundo documentos dos Arquivos Esta- na opinião pública, neste caso intoxicada pela desin-
tais da Estónia, (documento do grupo 131, ficha 393, formação dos comunistas de Tito e pelos agentes
pp. 125-126) Alexis II ou Alexis Ridiger foi um agente KGB no MI6 britânico.
condecorado do KGB desde 1958, com o nome de Tenho esperança de que a literatura documentada em
código "Drozdov", o tordo. Útil em acções contra o progresso prove e divulgue que, ao contrário das mis-
clero e os crentes ortodoxos, foi enviado a “estados tificação mundialmente aceite, a URSS e os países
capitalistas” como membro de delegações da Igreja comunistas não travaram a boa e ética guerra contra o
Ortodoxa. Os documentos indicam que esteve em fascismo e a direita: usaram uma ideologia global para
missão em Portugal, em 1985. Que se pode esperar de servir interesses da esquerda nacionalista. Agora que a
um Grande Inquisidor como este, saído directamente, esquerda é mundialista, já pouco pode fazer para tra-
e a fumegar, do capítulo V dos “Irmãos Karamazov”? var o trabalho da memória humana.
Obviamente que o patriarca Alexis II – o maior opo-
sitor de qualquer visita de João Paulo II à Rússia, A vida é bela
porque o papa evoca e beatifica os mártires da Igreja Paulo Geraldo
Católica em Espanha, na Polónia, na Rússia, na Chi- In: A União, 2001-08-03
na, na Nicarágua, em Angola – apoia o presidente Todos os homens podem, e devem, em qualquer cir-
Putin. Sabe-se pouco sobre o passado de Vladimir cunstância, considerar que a vida é bela e viver de
Putin na KGB. Trabalhou na Directoria T, unidade acordo com isso. Ninguém tem motivos para a consi-
especializada na espionagem científica e de tecnologia. derar desprovida de nobreza e grandiosidade. A dor e
Foi especialista em informação internacional, na Ale- as contrariedades sempre fizeram parte da vida dos
manha de Leste, de Honecker, em Dresden, de 1984 a homens, e nem por isso eles deixaram de a amar.
1990. E, contudo, conhecer a formação e actividades Mas acontece que nesta vida se sofre realmente, e que
de Putin na KGB seria um dado precioso para deter- - ao contrário do que antigamente sucedia - aqueles
minar a direcção para onde ele conduz a Rússia e o que sofrem são agora muitas vezes abandonados pe-
nosso mundo. No mínimo, em direcção à união pan- los outros, e têm de viver sozinhos com a sua dor. À
eslava que em breve sucederá à CEI. Mas ninguém se qual se acrescenta, então, a dor enorme da solidão.
zanga, porque ser ex-KGB é muito mais tolerável do Sempre houve doentes e anciãos, mas antigamente
que ser ex-SS. eram considerados um tesouro. Agora não passam de
Compare-se com Kurt Waldheim, afastado do cargo um estorvo... E é só por isso que hoje se fala em eu-
de presidente da Áustria na sequência da campanha tanásia, quando no passado havia apenas o suicídio: o
de divulgação do seu passado de oficial austríaco, in- suicídio é uma decisão pessoal; a eutanásia acabará
tegrado numa unidade SS que praticou crimes de por ser uma imposição da sociedade.
guerra nos Balcãs. O curioso é que o ex-SS serviu Há em muitas cabeças uma noção da vida que é cho-
cantemente pobre, desagradavelmente rasteira, triste-
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mente vazia. Consiste em olhar para a vida de uma «Amigos da Terceira» em Patwkect e no «Dia dos
forma utilitária, com base numa concepção egoísta e Açores» em Fall-River».
em critérios apenas económicos: se uma vida não é Pude verificar mais uma vez a forte ligação destas
útil - se não é produtiva, se não proporciona todo o comunidades às suas raízes culturais, que se exprime
prazer - então não tem razão de ser. Pode eliminar-se, nomeadamente no empenho das celebrações das nos-
como se elimina um automóvel velho ou sem conser- sas festas populares, não só na sua vertente profana,
to, um par de sapatos rotos, uma camisola demasiadas mas também como momento forte de expressão de
vezes remendada. fé, uma vez que estas festas são cuidadosamente pre-
E nem sequer é nas pessoas muito doentes, ou nos paradas e celebradas, também a nível espiritual.
idosos que estão perto da morte, que essa mentalida- Senti-me verdadeiramente em casa, até mesmo relati-
de é frequente. Não. É nos outros, nos que estão vamente aos problemas pastorais, relacionados com a
convencidos de que ainda vão ficar aqui muito tempo evangelização da religiosidade popular. São mais ou
e se acham no direito de construir uma sociedade menos os mesmos que temos por cá. Só que há um
com regras que lhes parecem mais perfeitas do que as maior debate sobre eles. Aliás, impressionou-me posi-
da natureza, livres de quaisquer critérios e valores que tivamente a vivacidade e participação das comunida-
não sejam os económicos e os do bem estar. des no debate dos problemas eclesiais e sociais. Isso
A grande questão da eutanásia não consiste em se até me levou a olhar, com alguma distância crítica,
cada pessoa pode, ou não, ter a liberdade de escolher para a nossa realidade açoriana. A pacatez da vida nas
o seu destino. E também não reside em se uma pes- Ilhas tem os seus aspectos positivos. Mas causa a-
soa pode pedir a outra que a mate. preensão uma certa falta de participação no debate de
É ainda pior do que isso: a questão está em que o questões cruciais para o nosso futuro. Urge uma
triunfo desta visão utilitária da vida levaria – como, de maior participação da sociedade civil e dos próprios
resto, já está a suceder na Holanda - à eliminação de católicos na «coisa pública». E senão vejamos:
pessoas que, não querendo elas mesmas acabar com a Estamos assistindo à reforma do ensino e não se vê
vida, são consideradas inúteis por uma sociedade que grande debate de questões de fundo. Levanta-se a voz
se tornou materialista (a decisão é transferida para os aqui e ali, em questões mais técnicas e de pormenor.
médicos e para os familiares, e para os parlamentos, Não se debate o projecto educativo, que queremos
que muitas vezes estão ansiosos por se verem livres para as novas gerações. Não vejo Associações de Pais
de um fardo). muito activas. Antes de partir para o estrangeiro, en-
Assim é que desaparece realmente a liberdade de es- viei aos Pais uma Circular sobre a questão da discipli-
colher o próprio destino, e as pessoas se tornam em na de Educação Moral e Religiosa Católica, precisa-
objectos à mercê dos interesses económicos e dos mente para os interpelar: que educação quereis para
falsos critérios de utilidade social. os vossos filhos? Os Pais não podem deixar que ou-
É muito fácil aproveitar-se da extrema debilidade - tros decidam por eles. Estamos agora entretidos com
física e emocional - de um doente terminal. Até para o as festas de Verão. E todos ficam contentes, porque
convencer das presumíveis vantagens de uma "morte se cumpre a tradição. Mas a tradição não se cumpre,
doce". Muito mais fácil do que proporcionar-lhe todo se não transmitirmos às novas gerações os valores em
o apoio e carinho de que necessita para levar a vida que acreditamos. Não há dúvida de que a Escola de-
até ao fim - sem desistir - e morrer com verdadeira veria estar ao serviço dos Pais nesse sentido.
dignidade. 2 - Dentro em breve será lançado o concurso público
A dor é também uma falsa questão. A medicina sabe para a exploração do jogo na Região. A minha a-
tirar a dor, e o resto... aguenta-se. O pior é a solidão e preensão e reservas em relação a um facto que parece
o abandono. Isso é que é difícil de suportar. E tem inelutável na sociedade hodierna e numa economia
uma solução bem simples... Bastaria que todos os que globalizada, prende-se, não só com a posição tradi-
estão à volta do doente olhassem para aquela vida - cional da Igreja, mas também com estudos recentes
para a vida - sem egoísmo. sobre as consequências nefastas do jogo nas popula-
Paulo Geraldo ções locais. É que o jogo cria «dependência», tão gra-
Professor de Língua Portuguesa
pjgeraldo@yahoo.com.br ve como o alcoolismo e a droga. Nos Estados Unidos
tive acesso a um relatório, que apresentava , a par de
Estamos entretidos com as festas de Verão... vantagens económicas imediatas, os efeitos perversos
+ António, Bispo de Angra e devastadores das casas de jogo na sociedade. Não
In: A União, 2001-08-03 estamos, pois, perante uma simples questão técnica de
Acabo de realizar uma digressão pela diáspora açoria- modernização da economia e de promoção turística.
na da América do Norte. Estive quinze dias no Cana- Há implicações éticas e morais, que merecem ser de-
dá, nas comunidades de London e de Winnipeg, onde batidas. Será que isso é inevitável e tão necessário pa-
presidi às festas em honra do Senhor Santo Cristo e ra o turismo que queremos promover? Que tipo de
uma semana nos Estados Unidos, onde participei nas sociedade queremos? Não nos podemos conformar
comemorações das Bodas de Prata da Associação com a tirania economicista da globalização. Nós cren-

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tes temos de pugnar por uma sociedade alternativa, cerca de ano e meio, é constituído por 21 lotes distri-
simbolizada pelo «Império do Espírito Santo». Para buídos por três quarteirões, totalizando 212 fogos.
que isso não sejam apenas palavras bonitas, o cristão Lusa/fim
2001-08-03 13:52:00
tem de ser mais interveniente na sociedade, não ape-
nas do ponto de vista político-partidário, mas na Monsenhor Weizhu foi libertado
perspectiva dos valores evangélicos em que acredita.
In: RR on-line 2001-08-02 - 20:30
O magistério social da Igreja é riquíssimo e actual. As autoridades chinesas libertaram o Bispo Católico, Monse-
Não fornece, nem tem que fornecer soluções técni- nhor Weizhu, depois de 18 meses de prisão.
cas. Mas tem princípios e directrizes, que devem ins- O Monsenhor Weizhu, de 45 anos, já tinha sido preso
pirar os católicos, no momento de tomar decisões e por diversas vezes por pertencer á Igreja Fiel a Roma,
de implementar soluções. a qual o Governo chinês não reconhece nem autoriza.
3. Precisamos de uma cidadania mais activa. Prevalece
uma «visão mitificada do Estado, a quem tudo se pe- O Bispo Zhang Weizhu reaparece ao fim de de-
de, de quem tudo se espera, a quem se atribuem todas zoito meses
as culpas» (Bispos Portugueses). Há falta de participa-
Rome (Fides) – Fontes da Fides informam que re-
ção democrática, patente na alta abstenção em actos
centemente (em Julho) o Bispo Joseph Zhang Weizhu
eleitorais, mas também na pouca intervenção no que
foi libertado. Nada se sabia do paradeiro deo Bispo
diz respeito ao bem comum. A responsabilidade do
desde que desapareceu depois de ter sido aprisionado
Estado não dispensa a iniciativa dos cidadãos.
pela polícia em 25 de Janeiro de 2000. Monsenhor
Foi esse o sentido da recente intervenção dos Bispos
Zhang, de 45 anos, de Xianxian (Hebei, norte da Chi-
Portugueses, com a Nota Pastoral «Crise da Socieda-
na), é o bispo "não oficial" de Xinxiang (Henan, Chi-
de, Crise da Civilização», que mereceu os mais con-
na central ). Como membro da Igreja Católica não
trastantes comentários. Houve quem a achou oportu-
oficial, o Bispo Zhang foi preso e feito desaparecer
na e quem a considerou uma intromissão indevida em
repetidas vezes. A ocasião precedente foi em Maio de
seara alheira. Felizmente temos um regime de separa-
1998.
ção entre a Igreja e o Estado, para bem de um e de
Bispos, padres e leigos da Igreja não official (isto é, a
outro. Mas isso não significa separação da Igreja em
Igreja não reconhecida pelo Governo) são presos e
relação à sociedade. A Igreja tem de estar activamente
colocados em isolamento onde são submetidos a uma
presente na sociedade, através sobretudo do empe-
lavagem ao cérebro ideológica para os convencer a
nhamento dos leigos.
mudarem-se para a igreja oficial controlada pela As-
Quando a Diocese se prepara para lançar uma pro-
sociação Patriótica. Desde 1995 em várias províncias
gramação pastoral à volta da Palavra de Deus, não o
da China o governo conduziu uma campanha de eli-
faz para se refugiar na sacristia, mas para «se fazer ao
minação da Igreja não oficial. Os católicos locais di-
largo» (Cf Lc 5, 4) e ir ao encontro das pessoas, com a
zem que o Bispo Zhang foi libertado em consequên-
luz do Evangelho. O Magistério da Igreja é a aplica-
cia de graves condições de saúde. A diocese de de
ção do Evangelho à realidade actual. Não há pro-
Xinxiang, na província de Henan cerca de 600 ao sul
priamente uma «política cristã», mas tem de haver
de Pequim, tem cerca de 8000 católicos, não oficiais e
cristãos activos na política.
oficiais.
(Fides 02/08/2001)
Cerca de 90 famílias recebem novas casas no
Bairro dos Alfinetes Mensagem do Santo Padre para o XXII Dia Mun-
In: Sapo- Portugal on-line, 2001-08-03 dial do Turismo
Cerca de 90 famílias receberam hoje as chaves das In: Ecclesia 20010709
novas casas no Bairro dos Alfinetes/Salgadas, em 27 de Setembro 2001
Chelas, construídas no âmbito do Programa Especial João Paulo II
de Realojamento (PER) de Lisboa, que deverá estar
concluído no final deste ano. 1. Por ocasião do XXII Dia Mundial do Turismo, que
A cerimónia de entrega das chaves foi presidida pelo tem por tema: "O turismo, um instrumento ao serviço
presidente da Câmara de Lisboa, João Soares, e pelo da paz e do diálogo entre as civilizações", envio de
vice-presidente e vereador do pelouro da Habitação, bom grado a minha saudação a todos os que, de vá-
Vasco Franco. rias formas, trabalham neste importante campo social.
"Este era o território onde estava instalado o mais De facto, o turismo diz cada vez mais respeito à vida
antigo bairro de barracas da capital - o Bairro Chi- das pessoas e das nações. Os modernos meios de co-
nês", lembrou o autarca, para sublinhar a diferença municação facilitam a deslocação de milhões de via-
entre o "antes" e o "depois" relativamente aos edifí- jantes em busca de repouso ou de um contacto com a
cios azuis e amarelos que agora ocupam aquele espa- natureza ou desejosos de um conhecimento mais a-
ço. profundado da cultura de outros povos. A indústria
O empreendimento, que começou a ser construído há turística, que vai ao encontro destes desejos, multipli-
ca a oferta de itinerários que dão a possibilidade de

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novas experiências. Pode dizer-se que praticamente construída", o contrário daquilo que deveria ser um
caíram as barreiras que isolavam os povos e os torna- verdadeiro diálogo entre as civilizações, respeitador da
vam desconhecidos uns aos outros. autenticidade e da realidade de cada um.
Em sintonia com a decisão das Nações Unidas de 3. Não há dúvida de que, se for correctamente orien-
proclamar o ano 2001 "Ano internacional do diálogo tado, o turismo torna-se uma oportunidade para o
entre as civilizações", o tema escolhido pela Organi- diálogo entre as civilizações e as culturas e, definiti-
zação Mundial do Turismo para o Dia deste ano re- vamente, um precioso serviço à paz. A própria natu-
presenta um convite a reflectir acerca do contributo reza do turismo inclui algumas circunstâncias que
que o turismo pode dar ao diálogo entre as civiliza- predispõem para este diálogo. De facto, na prática do
ções. Eu próprio dediquei a este tema alguns trechos turismo torna-se possível uma interrupção da vida
da Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano. quotidiana, do trabalho, das obrigações a que somos
Com efeito, trata-se de um assunto que merece aten- necessariamente obrigados. Nesta situação o homem
ção, a partir do momento em que no diálogo entre as consegue "considerar com olhos diferentes a própria
culturas se encontra "o caminho que é necessário se- existência e a dos outros: libertado das impelentes
guir para a edificação de um mundo reconciliado, ca- ocupações quotidianas, ele tem a oportunidade de
paz de olhar com serenidade o seu futuro" (Mensa- redescobrir a própria dimensão contemplativa, reco-
gem para o Dia Mundial da Paz de 2001, n. 3). nhecendo os vestígios de Deus na natureza e sobretu-
2. A indústria turística revela como é o mundo: cada do nos outros seres humanos" (Angelus de 21 de Ju-
vez mais global e sempre interdependente. O desen- lho de 1996, ed. port. de L'Osservatore Romano de
volvimento do turismo, sobretudo do turismo cultu- 27/7/1996, pág. 1).
ral, constitui sem dúvida um benefício para quem o O turismo põe em contacto com as outras formas de
pratica e para a comunidade que recebe os visitantes e viver, com outras religiões, com outras formas de ver
os turistas. Existe uma consciência generalizada da o mundo e a sua história. Isto leva o homem a desco-
importância das grandes obras de arte, como sinais da brir-se a si mesmo e aos outros, como indivíduos e
identidade das civilizações, e aumenta sempre mais a como colectividade, imersos na vasta história da hu-
exigência da sua protecção também por parte da co- manidade, herdeiros e solidários de um universo fami-
munidade internacional. liar e ao mesmo tempo desconhecido. Surge uma no-
Mas em alguns lugares, o turismo em massa gerou va visão dos outros, que liberta do risco de permane-
uma forma de subcultura que degrada quer o turista, cer fechados em si próprios.
quer a comunidade que o recebe: há uma tendência a Ao viajar, o turista descobre outros lugares, novas
instrumentalizar para fins comerciais os vestígios de cores, formas diferentes, modos diversos de sentir e
"civilizações primitivas" e os "ritos de iniciação ainda viver a natureza. Habituado à própria casa, à sua cida-
praticados" nalgumas sociedades tradicionais. de, às paisagens de sempre e às vozes familiares, o
Para as comunidades que recebem, muitas vezes o turista adapta o seu olhar a outras imagens, aprende
turismo torna-se uma oportunidade para vender pro- novas palavras, admira a diversidade de um mundo
dutos chamados "exóticos". Desta forma, surgem que ninguém pode abraçar completamente. Neste
sofisticados centros de férias, distantes de um contac- esforço crescerá, sem dúvida, o seu apreço por tudo o
to real com a cultura do País que recebe ou caracteri- que o circunda e a consciência de que é necessário
zados por um "exotismo superficial" para uso dos protegê-lo.
curiosos, sequiosos de novas sensações. Infelizmente O viajante, em contacto com as maravilhas da criação,
este desejo desenfreado atinge algumas vezes aberra- sente no seu coração a presença do Criador e é levado
ções humilhantes como a exploração de mulheres e a exclamar com sentimentos de profunda gratidão:
de crianças para um comércio sexual sem escrúpulos, "Quão amáveis são todas as Suas obras! E todavia
que constitui um escândalo intolerável. É necessário não podemos ver delas mais que uma centelha" (Ecli.
fazer quanto for possível para que o turismo não se 42, 22).
torne em nenhum caso uma moderna forma de ex- Em vez de se fechar na sua cultura, os povos são
ploração, mas sim ocasião para um útil intercâmbio convidados, hoje mais do que nunca, a abrirem-se a
de experiências e para um proveitoso diálogo entre outros povos, confrontando-se com os diferentes
civilizações diferentes. modos de pensar e de viver. O turismo constitui uma
Numa humanidade globalizada, por vezes o turismo é ocasião favorável para este diálogo entre as civiliza-
importante factor de mundialização, capaz de provo- ções, porque promove o inventário das riquezas espe-
car mudanças radicais e irreversíveis nas culturas das cíficas que distinguem uma civilização de outra; favo-
comunidades que recebem. Sob o estímulo do con- rece a recordação de uma memória viva da história e
sumismo pode transformar em bens de consumo a das suas tradições sociais, religiosas e espirituais e um
cultura, as cerimónias religiosas e as festas étnicas, que aprofundamento recíproco das riquezas na humani-
se empobrecem cada vez mais para responder aos dade.
desejos de um maior número de turistas. Para satisfa- 4. Por conseguinte, por ocasião do Dia Mundial do
zer estas exigências recorre-se a uma "etnicidade re- Turismo, convido todos os crentes a reflectir sobre os

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aspectos positivos e negativos do turismo, para tes- civilizações; facilita a compreensão entre indivíduos e
temunhar de maneira eficaz a própria fé neste âmbito nações, constitui uma oportunidade para realizar um
tão importante da realidade humana. futuro de paz.
Que ninguém caia na tentação de fazer do tempo livre Os cristãos, que trabalham ou fazem uso do turismo,
um tempo de "repouso dos valores" (cf. Angelus de 4 assinalem sempre a actividade turística com um espíri-
de Julho de 1993). Pelo contrário, é um dever promo- to evangélico, recordando-se da exortação do Senhor:
ver uma ética do turismo. Neste contexto, merece "Em qualquer casa que entrardes, dizei primeiro: "A
atenção o "Código ético mundial para o turismo", que paz seja nesta casa!" E, se lá houver um homem de
representa a convergência de uma ampla reflexão rea- paz, sobre ele repousará a vossa paz" (Lc 10, 5-6).
lizada pelas nações, por várias associações do turismo Sejam testemunhas de paz e levem serenidade a todos
e pela Organização Mundial do Turismo (OMT). Este os que encontram.
documento constitui um importante passo dado em Peço ao Senhor para que este fundamental âmbito da
frente para considerar o turismo não só como uma actividade humana esteja sempre imbuído de valores
das numerosas actividades económicas, mas como um cristãos e se torne meio de evangelização. Para esta
instrumento privilegiado para o progresso individual e finalidade, invoco a protecção maternal de Maria, Mãe
colectivo. Com efeito, graças a ele pode ser melhor da humanidade inteira, enquanto de coração envio a
utilizado o património cultural da humanidade em todos os que estão empenhados no campo turístico
benefício sobretudo do diálogo entre as civilizações e uma especial Bênção apostólica.
da promoção de uma paz estável. Vaticano, 9 de Junho de 2001
Merece ser realçado que este Código ético mundial
tem em consideração os diversos motivos que levam Questões de ambiente
os homens a percorrer o planeta em todas as direc- In: Expresso, 2001-08-04
ções, com especial referência às viagens por motivos J. M Nobre Correia
religiosos, como as peregrinações e as visitas aos san- «A fragmentação das estruturas familiares, a assunção de actividades
tuários. profissionais pelos dois genitores, o papel cada vez mais importante
desempenhado por creches, infantários e jardins escolas, fazem que a
5. O conhecimento recíproco entre indivíduos e po- formação dos jovens seja pouco obra da família. E seja cada vez mais
vos, graças a encontros e a intercâmbios culturais, obra de instituições educativas em que a 'democratização' do acesso se
contribui sem dúvida para a construção de uma so- traduziu geralmente em renúncia à qualidade, à exigência e ao rigor.»
ciedade mais solidária e fraterna. O turismo requer a DOIS «leitmotiv» aparecem regularmente nas discus-
convivência passageira com outras pessoas, a recolha sões sobre os jovens e os «media». O do distancia-
de informações acerca das condições de vida, dos mento em relação aos «media» escritos tradicionais ou
problemas e da religião; pressupõe a partilha das aspi- do consumo de emissões audiovisuais de puro entre-
rações legítimas de outros povos; favorece as condi- tenimento. Assim como a eterna lamentação sobre a
ções para o seu reconhecimento pacífico. influência (inevitavelmente negativa) dos «media» so-
Uma justa ética do turismo influi sobre o comporta- bre a linguagem e o comportamento dos jovens.
mento do turista, faz com que ele seja um colabora- O refrão é conhecido: os jovens deixaram de ler. Os
dor solidário, exigente consigo mesmo e com quantos livros e a imprensa de informação geral não fazem
organizam a sua viagem; agente de diálogo entre as parte do universo deles. A crise em matéria de im-
civilizações e as culturas para construir uma civiliza- prensa é particularmente evidente no que se refere aos
ção do amor e da paz. Estes contactos facilitam o diários. Quando certos tipos de magazines temáticos
aparecimento daquelas relações de paz entre os povos ainda vão atingindo índices de leitura satisfatórios.
que podem brotar apenas de um "turismo solidário", Como consequência desta prática reduzida da leitura,
baseado na participação de todos. Unicamente a par- muitos jovens deixaram de saber escrever correcta-
ticipação de "igual para igual" pode fazer com que os mente. E deixaram até de saber ler facilmente. Quan-
contactos interculturais sejam uma oportunidade para do conseguem escrever «mais ou menos», a caligrafia
a compreensão, o conhecimento recíproco e a disten- é frequentemente horrível, ilegível. E os erros de or-
são entre os homens. Por isso, devem ser encorajadas tografia e de sintaxe passaram a ser uma constante
todas as formas de participação eficazes entre as cul- lamentavelmente tolerada.
turas. É necessário garantir aos habitantes das locali- Em matéria de rádio e de televisão, o comportamento
dades turísticas um devido envolvimento na planifica- dos jovens toma aspectos diferentes. A prática de
ção das actividades turísticas, esclarecendo bem os uma como de outra é mais assídua e duradoira do que
limites económicos, ecológicos ou culturais. a dos «media» escritos. Embora a audiência da rádio
Será também útil que todas as estruturas do País que se encontre em fase de regressão, preferindo cada vez
recebe sejam destinadas a realizar uma actividade tu- mais os jovens recorrerem aos diversos suportes de
rística sempre ao serviço das pessoas e das comunida- música gravada. Até porque a música constitui de fac-
des. to a prática cultural dominante dos adolescentes e dos
Desta forma, o turismo põe-se ao serviço da solida- jovens adultos.
riedade entre todos os homens, do encontro entre as Ora, a autonomização do consumo da rádio e da tele-

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visão (iniciada nos anos 50, no caso da primeira, e há reformular as condições de formação dos jovens, os
uma vintena de anos, no caso da segunda) faz que os pais e os professores acham mais cómodo porem as
jovens tenham assumido práticas diferentes em rela- culpas nos «media».
ção aos outros membros da célula familiar. Uma au- E-mail: jmnobrec@ulb.ac.be
tonomização acelerada ainda pela proliferação con-
comitante dos emissores e dos suportes de sons e de Papa honra a memória do Cardeal Wyszynski
imagens gravados. O que favoreceu grandemente um In: Zenit, 20010803
Code: ZE01080308
consumo fomentado pelas estratégias de «marketing» Date: 2001-08-03
de editoras mais preocupadas com formas diversas de A profecia do Primaz da Polónia marcou este pontificado
entretenimento do que com cultura no sentido clássi- CASTEL GANDOLFO, Itália, 3, Agosto, 2001
co da palavra. (Zenit.org).- O papa João Paulo II assinalou hoje em
As críticas feitas às práticas mediáticas dos jovens (ou privado o centenário do nascimento do Cardeal Ste-
à ausência delas) esquecem no entanto o que numero- fan Wyszynski, um amigo que mudou decisivamente a
sos estudos põem em evidência: a importância deter- sua vida.
minante do ambiente familiar. Como esperar que um Quando foi admitido no Hospital Gemelli em Roma
jovem seja um grande leitor de livros, se em casa não em 1994, o Papa disse: "No início do meu pontifica-
os há ou há apenas colecções completas que servem do, o Cardeal Wyszynski disse-me: 'Se o Senhor te
como elementos de decoração e de imagem social? Se chamou, deves levar a Igreja até ao terceiro milénio!'"
nunca viu ninguém da família ler livros com paixão e O primaz da Polónia disse estas proféticas palavras
falar deles com entusiasmo? Se jornais é coisa que não em 16 de Outubro de 1978, quando Karol Wojtyla se
entra lá em casa e, se entra, não vai além do clubismo tornou o novo Papa.
patrioteiro de certos diários e da fofoquice pueril de "Compreendi então, que devia conduzir a Igreja ao
magazines ditos «sociais»? Terceiro Milénio com oração e diferentes iniciativas,"
Da mesma maneira, como esperar que um jovem se disse João Paulo II.
interesse pela actualidade no mundo, pelas emissões "Todavia," acrescentou, "percebi que isto não era su-
de documentário, de grande reportagem ou de debate, ficiente. Ela tinha que ser introduzida com sofrimen-
se em casa não se praticam estes géneros com curio- to, com o ataque. O Papa tinha que ser atacado, tinha
sidade e deleitação? Se os pais não procuram pedago- que sofrer de modo a que cada família, o mundo, vis-
gicamente transmitir-lhe o gosto pela aprendizagem sem que há, de certo modo, um Evangelho mais alto,
de saberes múltiplos? Se a música ouvida em casa não o Evangelho do sofrimento".
é rica de pluralidade, de maneira a que o jovem saiba Stefan Wyszynski nasceu em Zuzela em 3 de Agosto
naturalmente integrar este pluralismo no seu universo de 1901 e morreu a 28 de Maio de 1981. O Papa Pio
sensorial? XII nomeou-o arcebispo de Gniezno e Varsóvia e
A prática dos «media» supõe uma iniciação, pouco ou primata da Polónia aos 48 anos.
nada assumida pelos educadores. Mas porque insistir Face à repressão comunista, o Cardeal Wyszynski de-
em tal iniciação se, hoje em dia, os «media» são, ao fendeu a liberdade religiosa com "indomável cora-
que se diz, factores de desintegração do que resta de gem" disse João Paulo II mais tarde.
substrato cultural na sociedade? Porque as acusações O governo suspendeu as funções eclesiásticas de
feitas nesta matéria em relação aos «media» são, uma Wyszynski em 1953, acusando-o de "abuso de autori-
vez mais, demasiado fáceis. Demasiado desprovidas dade," e confinou-o a um mosteiro.
de contextualização histórica e social. Porque convém Em 1956 foi reinstalado nas suas funções e no ano
aos pais, aos docentes e demais responsáveis da for- seguinte viajou até Roma para receber o barrete de
mação dos jovens dispor de explicações fáceis. Expli- cardeal de Pio XII.
cações que não põem em causa a maneira como as- Nesse tempo Karol Wojtila era professor na Univer-
sumem as funções que são as deles. E que não põem sidade de Lublin, e brevemente seria nomeado bispo.
em questão a evolução da sociedade. O Parlamento Polaco dedicou o ano 2001 ao Cardeal
Ora, a fragmentação das estruturas familiares, a as- Wyszynski, descrevendo-o como sendo o "Primata
sunção de actividades profissionais pelos dois genito- do Milénio."
res, o papel cada vez mais importante desempenhado Em Fevereiro, a Arquidiocese de Varsóvia concluiu
por creches, infantários e jardins escolas, fazem que a solenemente o processo diocesano para a causa da sua
formação dos jovens seja pouco obra da família. E beatificação. A Congregação do Vaticano para as
seja cada vez mais obra de instituições educativas em Causas dos Santos está a estudar o caso.
que a «democratização» do acesso se traduziu geral-
mente em renúncia à qualidade, à exigência e ao rigor. 16 Pessoas presas na Algéria por terem Bíblias
Isto é: a sociedade europeia foi objecto de uma muta- In: Agência Zénite
ção de fundo de há uma trintena de anos para cá, Code: ZE01080307
pondo em questão as tradicionais instituições de inte- Date: 2001-08-03
gração social e educativa. Mas em vez de procurarem ROMA, 3 Agosto, 2001 (Zenit.org).- Na Algéria a

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polícia prendeu recentemente 16 jovens por possui- lar, o tecnófilo exige que o homem aprenda a con-
rem Bíblias e outros documentos cristãos. formar as suas necessidades à nova tecnologia.
Foram presos no dia 26 de Julho em Cap Falcon, 450 A tecnologia em geral e os meios de comunicação
km a oeste de Argel, pela polícia de Ain El-Turck, de electrónica (incluindo todos os tipos de tecnologia da
acordo com o jornal Le Quotidien d´Oran. informação) representam grandes benefícios, mas
As autoridades disseram que os presos tinham idades como qualquer outra coisa boa, podem ser ocasião de
entre 20 e 31 e são membros duma denominação cris- grande mal. É necessário reconhecer os efeitos dos
tã da Argélia central. Tinham-se aproximado de turis- media em nós próprios como indivíduos e em socie-
tas em férias, um dos quais alertou as autoridades. O dade. Como qualquer coisa muito atractiva, é necessá-
proselitismo por cristãos é considerado crime na Ar- rio desenvolver um ascetismo que nos preserve do
gélia predominantemente muçulmana. abuso da tecnologia.
Os muçulmanos que se convertem a outra religião
arriscam-se a uma sentença de morte. Contudo, a I- O homem desencarnado e o angelismo
greja em França estima que centenas de antigos mu-
çulmanos -- muitos dos quais imigrantes argelinos -- Embora a compreensão intelectual não seja um acto
estavam entre os 2500 catecúmenos que foram bapti- de nenhum órgão físico, o intelecto do homem deve
zados na Páscoa, em 1999. amadurecer através do processo cognitivo sensorial.
As conversões ocorreram também na Argélia. O jor- O homem sem uma vida sensorial não tem contacto
nal Al-Yaum em Abril denunciou a expansão "assus- com a realidade e o intelecto permanece vazio.
tadora" da actividade missionária, que relacionava Um perigo da tecnologia está na ilusão de que pode-
com o desdém pelo terrorismo de fundamentalistas mos transcender os limites dos nossos corpos. Neste
muçulmanos. sentido,Marshall McLuhan e Bruce Powers avisam
Em Maio de 1996, o Grupo Islâmico Armado assas- para o perigo do "homem desencarnado," em que o
sinou sete monges trapistas no mosteiro de Thibirine. homem perde contacto com o seu corpo, também
No mês de Agosto seguinte, o memo grupo usou uma chamado "angelismo."[1]
bomba para assassinar o bispo Pierre Claverie de Cada tecnologia tem efeitos específicos e predizíveis
Oran. no utilizador. Como um instrumento que é, cada tec-
nologia estenderá e amplificará algum poder ou órgão
Nós somos o que vimos e lemos humano pré-existente. Quando um poder do homem
In: Zenit 20010721 é amplificado, isto afecta a ordem e equilíbrio que
Code: ZEA0107211 existe no homem. Um homem que perde a visão tor-
Date: 2001-07-21 na-se mais atento aos outros sentidos. De facto, par-
O sexo e a violência não são os únicos perigos dos "media" tes do cérebro que processam a informação visual
LEWISTON, New York, 21 de Julho de 2001 numa pessoa que vê, são usadas para processar a in-
(ZENIT.org).- Um excerpto adapatado de "Ascetis- formação dos outros sentidos numa pessoa cega.
mo e os meios de comunicação electrónicos: Tecnho- Quando um homem recupera a visão, os outros sen-
filia e Tecnofobia na perspectiva da filosofia cristã," tidos retrocedem.
um ensaio de Hugh McDonald, que ensina na Uni- Cada tecnologia requer a atenção de homem de um
versidade de Niagara. modo novo, enquanto acelera e estende uma faculda-
*** de humana em particular. Este requerimento de aten-
ção significa que o homem não é só o dono e o cria-
Por Hugh McDonald dor da tecnologia como também há um processo in-
verso pelo qual o homem se torna dependente da tec-
A tecnologia forma o nosso ambiente humano. É o
nologia e é moldado por ela.
nosso ambiente. Como ambiente que é, está escondi-
O utilizador da tecnologia da informação acha que a
do de nós, e temos que deliberadamente dirigir a nos-
distância e as limitações físicas se tornam irrevelantes.
sa atenção para ele de modo a ver como nos afecta. A
Muda a maneira como nos relacionamos com a nossa
tecnofobia é a atitude de quem deseja um regresso a
unidade psicossomática e uns com os outros. O telé-
em estado mítico anterior à tecnologia. Tecnofilia é a
grafo foi a primeira tecnologia de informação eléctrica
atitude de quem vê toda a esperança de felicidade fu-
e tornou as pessoas conhecedoras dos acontecimen-
tura da humanidade no progresso técnico e científico.
tos noutros continentes mais depressa do que sabiam
O tecnófobo é frequentemente chamado um Ludita,
o que acontecia nas aldeias vizinhas. Começando com
nome que vem da revolta de operários têxteis em In-
o telégrafo, a nossa imagem do mundo mudou. A
glaterra que destruíram as máquinas de uma fiação de
remoção da barreira da distância em comunicações
algodão que tornaram o seu trabalho obsoleto.
criou o que McLuhan chamou a "aldeia global."
O tecnófilo é frequentemente o tecnocrata, aquele
Em inglês, o termo "aldeia" significa uma pequena
que acredita que a indústria e o governo deveriam
comunidade, mas tem também uma agradável resso-
investir fortemente em soluções técnicas para os pro-
nância emocional de um lugar de vizinhos amáveis.
blemas humanos. No campo da educação em particu-

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McLuhan, todavia, avisou que a aldeia global não é Outra estratégia é tentar absorvê-la. Isto tem dois
necessariamente um lugar amigável. A remoção de efeitos. Um efeito é o de adormecimento ou aneste-
barreiras de distância pode também piorar os confli- sia. Se não conseguimos controlar a velocidade com
tos. que a informação nos chega, tornamo-nos menos
A ultrapassagem de limitações físicas e a aparência de sensíveis a ela. O efeito de adormecimento é auto-
que o corpo humano é obsoleto é um efeito de tecno- amputação, em que nos tentamos separar da facul-
logias como a realidade virtual e muitos modos de dade ofensiva. O outro efeito é o reconhecimento de
comunicações por computador. È parte da vida mo- padrões. Ao mesmo tempo que nos tornamos insen-
derna o facto de podermos criar amizades e associa- sitivos ao número crescente de detalhes individuais,
ções entre pessoas pela Internet sem nunca se terem podemo-nos tornar conscientes de padrões mais lar-
visto e contudo, podendo nunca ter falado com o gos. Outra estratégia é tentar combater a ameaça de
nosso vizinho mais próximo. equilíbrio, neste caso, o aumento de fluxo de infor-
A tentação da tecnologia existiu sempre. O Livro da mação.
Sabedoria descreve os efeitos da idolatria, em que o De modo a exemplificar concretamente, se estiver-
homem venera o produto do trabalho das suas mãos mos a ver televisão ou a viajar de carro, veremos num
[Sab., 14-15; Salmo 15]. O trabalho das mãos do ho- curto intervalo de tempo, menos de uma hora, mais
mem é qualquer coisa que depende do homem para a rostos individuais do que os nossos antepassados, que
sua existência e significado e quando o homem põe viajavam a pé, poderiam ver na sua vida inteira. A
aquilo que constrói em lugar de um ser superior, ou nossa capacidade de absorver novas caras é limitada.
de um Ser Supremo, começa a imitar os seus próprios O condutor reage adequadamente focando-se na tare-
trabalhos, e é diminuído. Os fazedores de ídolos tor- fa de conduzir e desviando a sua atenção do aumento
nar-se-ão como eles, com olhos que não vêm e ouvi- de fluxo de detalhes tal como as caras dos pedestres.
dos que não ouvem. A reversão da relação própria O tele-espectador pode reagir tornando-se apático.
entre o homem e os seus produtos resulta por sua vez Os rostos na televisão deixam de ter qualquer efeito
em desordem em todos os domínios da sua vida. emocional nele. Pode se sentir ameaçado, e isto, pen-
A tecnologia de comunicações eléctica vai mais além so, é a raiz da impressão de que há pessoas de mais na
do que qualquer outro anterior produto da habilidade terra. Um viajante que atravesse a pé a China e a Índia
humana. As tecnologias primitives extendiam o poder não fica com a impressão de que há pessoas a mais.
dos membros humanos e com a invenção da escrita, a Uma pessoa numa grande multidão vê talvez 20 pes-
memória do homem, num certo sentido, podia ser soas à sua volta, mas uma máquina fotográfica acima
localizada fora dele próprio. As actuais tecnologias de da multidão revela uma multidão incompreensível à
comunicação suplantam os sentidos exteriores do imaginação humana.
homem, e mais recentemente, os sentidos interiores A ansiedade generalizada entre as pessoas do Primeiro
da imaginação e mais importante ainda, o sentido cen- Mundo acerca de existirem demasiadas pessoas é um
tral ou senso comum, que junta as diversas informa- efeito de verem milhares de caras na televisão, ao
ções dos sentidos exteriores numa unidade coesa. mesmo tempo que é possível caminhar horas nas ruas
O mundo da informação, de qualquer modo que seja dos subúrbios sem se avistar uma única pessoa.
concebido, parece existir por si mesmo, por meio da Tomás de Aquino estava consciente dos efeitos dos
electrónica e o utilizador humano torna-se um mero sentidos no intelecto. Os sentidos são necessários à
participante desse mundo. Isto envolve um processo vida do intelecto, mas devem estar propriamente or-
que Marshall McLuhan chamou auto-amputação. [2] denados e subordinados ao intelecto. Uma desordem
A um nível biológico, o organismo humano procura ou desequilíbrio no domínio sensorial pode conduzir
manter um estado de homeostase ou equilíbrio. Qual- a uma desordem intelectual. Uma vez que as novas
quer coisa que perturbe o balanço é um choque para tecnologias exigem mais dos nossos sentidos, já que
o sistema e o sistema reagirá de modo a recuperar o amplificam o poder dos sentidos, estas mesmas
equilíbrio. Isto sumariza as observações clínicas de tecnologias exigem novas formas de ascetismo.
Hans Selye, que formulou a teoria geral da doença
baseada no stress.[3] Medium é mensagem
As observações de Hans Selye dizem respeito à di-
mensão somática do homem mas têm em considera- Qualquer coisa que actua, actua para um fim. É fácil
ção da unidade psico-somática do homem. A percep- reduzir todas as acções do homem ao desejo de felici-
ção de uma ameaça resultará numa reacção física tal dade. O propósito último das nossas acções é a razão
como uma agressão física real. Quando a nossa capa- de todos os propósitos intermédios. De modo a
cidade de reunir informação é realçada pela tecnologia compreender a frase de McLuha "o medium é a men-
somos colocados sob grande stress e para manter o sagem," precisamos de olhar para a filosofia de Aris-
equilíbrio temos que encontrar estratégias para lidar tóteles e de S. Tomás. Marshall McLuhan escreveu
com ele. numa carta a J.M. Davey, do Gabinete do Primerio
Uma estratégia é desistir da inundação de informação. Ministro Trudeau:

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Então resulta que a minha teoria de comunicação é betudo sensus), originado na imersão dos prazeres da
tomística até ao fundo. Tem a vantagem adicional de comida. O Segundo é a cegueira intelectual (caecitas
ser capaz de explicar Aquino e Aristóteles em termos mentis), que resulta de prazeres sexuais excessivos
modernos. Nós somos o conteúdo de qualquer coisa [Summa Theologica II-II q. 15 a. 1-3; q. 46. A. 1-3].
que usemos, senão apenas porque essas coisas são O amolecimento do sentido intelectual ainda deixa
extensões de nós próprios. [4] ... um intelecto funcional. Todavia, como pode verificar
A primeira intuição de McLuhan foi a de que um rapidamente um coração puro, o mole de sentidos
meio de comunicação à parte do conteúdo da sua tem que trabalhar para ver. Ao intelecto falta-lhe po-
mensagem tem um efeito definitivo no espectador. der de penetração. No caso da cegueira intelectual, o
Em relação com a televisão, a observação de McLu- intelecto está completamente incapaz de considerar
han foi confirmada quando cientistas da General realidades espirituais.
Electric descobriram que as ondas cerebrais de tele- Se estendermos isto ao efeito dos media, os media
espectadores são alteradas ao verem televisão, inde- servem para nos fornecerem grandes quantidades de
pendentemente do conteúdo. O efeito mensurável da informação. Isto é verdade para os media impressos,
televisão era o mesmo quer a pessoa estivesse a ver uma vez que a quantidade de informação disseminada
programação ou anúncios.[5] em livros e jornais é bastante maior do que a que
Estas experiências foram repetidas por outros que qualquer um poderia aprender de conversação numa
esperavam refutar a hipótese de McLuhan de que "o sociedade pré-literata. É ainda mais verdade para os
medium é a mensagem," com o único resultado de media electrónicos, em que somos fornecidos não
confirmarem os resultados.[6] Em geral, o cérebro apenas com símbolos, mas também com as sensações
reage da mesma forma distintiva à televisão como um auditivas e visuais do mundo inteiro. Os media não
medium. A variedade dos conteúdos não tem nenhum continuariam a crescer a não ser que haja um apetite
efeito específico mensurável. imenso de conhecimento. Tal como é hoje, esse ape-
Os activistas expressam frequentemente a sua preo- tite está desordenado.
cupação sobre os efeitos morais dos conteúdos da Se a verdade é bem, e mesmo a verdade acerca de
televisão e outros media. Têm razão no que diz respei- coisas más ou inúteis é um bem comparada com a
to aos maus modelos e à elevada incidência de violên- falsidão acerca das mesmas coisas, então como é que
cia e sensualidade sexual. Estão também legitimamen- a verdade pode ser um perigo? A razão humana tem
te preocupados com os efeito do estilo de vida afluen- como propósito descobrir a verdade. Aristóteles ensi-
te, geralmente mostrado nas televisões, sobre a insa- nou que quando sabemos qualquer coisa, de certa
tisfação das pessoas com a sua condição material. forma tornamo-nos essa coisa, e de certa forma ainda,
Reconheço estas preocupações legítimas, mas a pri- fazemos essa coisa [De Anima, III, v-vi. 430a 10-20].
meira preocupação deveria centrar-se no próprio me- Conhecimento é a existência intencional do objecto
dium. Os media electrónicos têm em si próprios um conhecido, onde o objecto forma ou informa o sujei-
efeito narcótico no abusador. Num tempo em que os to como conhecedor. Cada pessoa só tem uma razão
governos e organizações internacionais combatem a e a razão só pode conhecer uma coisa de cada vez. Se
comercialização de substâncias químicas, ninguém é pensamos em várias coisas ao mesmo tempo, é ape-
mobilizado para contrariar os efeitos negativos dos nas porque lhes reconhecemos alguma unidade, como
media electrónicos. ao conhecer um todo, conhecemos de modo confuso
Os media electrónicos perturbam as normais relações as partes, ou numa relação conhecida, conhecemos de
familiares e comunitárias baseadas no contacto físico modo confuso as coisas que se juntam numa unidade
e proximidade, conduzindo a uma comunidade ersatz relacional [Summa Theologica, I q. 84 a. 4].
em que as pessoas têm a ilusão de serem anjos. As Mesmo no conhecimento há uma hierarquia de valo-
pessoas nas suas relações são reduzidas a serem peças res. O valor mais alto é conhecer Deus e outros valo-
de informação desencorpada sem contexto ou subs- res vêm depois deste em conhecimento. A razão dis-
tância. traída em coisas menores não pode conhecer Deus.
Não distinguimos entre o uso de morfina como auxi- Podemos extrair algumas conclusões práticas.
liary da inspiração (Edgar Allan Poe) e o seu uso co- Em primeiro lugar é necessário tornar-se consciente
mo escape de situações intoleráveis (o utilizador do do efeito de qualquer media na nossa relação cogniti-
slum americano). O uso extensivo de tais drogas é pe- va com a realidade e o seu efeito nos nossos apetites.
rigoso e causador de dependência em ambos os casos. Em segundo lugar, devemos reconhecer que a tecno-
Contudo, não usamos da mesma prudência em rela- logia é uma coisa boa em si mesma, como parte que é
ção aos media. do mandamento de Deus ao homem para que domine
O nível de sensação presente nas nossas vidas afecta a terra, mas devemos também reconhecer que se con-
o nosso juízo intelectual. Tomás de Aquino discute fiarmos à tecnologia a resolução de todos os proble-
dois casos relacionados de debilidade intelectual, ori- mas humanos, nos tornamos idólatras. A idolatria põe
ginados por um desequilíbrio no domínio sensorial. O o homem a um nível mais baixo que o ídolo e o resul-
primeiro é o amolecimento do sentido intelectual (he- tado é a desordem pessoal e social.

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Em terceiro lugar, o uso justo da tecnologia significa In: DN 20010804
que devemos contrariar as suas atracções. A tecnolo- O Governo, que por sua própria culpa e responsabili-
gia das comunicações diz respeito ao maior apetite dade se meteu no sarilho do défice, anda por aí muito
básico do homem, o apetite de auto-realização pelo preocupado em poupar. As medidas de poupança têm
conhecimento. Contudo, a mera quantidade de in- roçado o ridículo. Ora se acaba com institutos que
formação pode distrair-nos do conhecimento que tem não existem, ora se manda que os deputados não im-
verdadeiro valor. primam documentos "num tamanho de letra superior
A atitude mais perigosa é a de quem se senta em fren- ao tipo Arial 10". Deus Nosso Senhor não distribuiu a
te da televisão ou do terminal de computador sem inteligência igualitariamente. Foi um erro, que não me
uma atitude crítica. Desde que a máquina é ligada ele compete a mim apreciar. Mas não esperava de um
assume uma atitude passiva e receptiva. As práticas governo tão anti-racista, tão antixenófobo e tão soli-
cristãs do jejum e abstinência são talvez fáceis quando dário que resolvesse espremer a desesperada gente
comparadas com a limitação consciente do nosso uso que imigra para Portugal. O Estado já cobrava 15
dos media, contudo esta é requerida para a nossa saú- contos por um "visto de trabalho", um acto que dis-
de mental e moral. pensa adjectivos, quando ele mesmo explora, directa
ou indirectamente, o trabalho imigrado. Agora, resol-
[1] Bruce R. Powers and Marshall McLuhan, "The Global Village: Transformations in World Life
and Media in the 21st Century," Oxford University Press, Oxford, New York, 1989. Chapter 1 veu vender a cada imigrante legal, também por 15
"The Resonating Interval."
[2] Marshall McLuhan, "Understanding Media," McGraw-Hill, 1964, Chapter 4, "The Gadget contos, uma "autorização de permanência", cujo cus-
Lover."
[3] Hans Selye, "Stress without Distress," J.B. Lippincott Company, New York, 1974.
to é pouco mais de um conto. Ou seja, um homem
[4] "Letters of Marshall McLuhan," selected and edited by Matie Molinaro, Corrinne McLuhan,
William Toye; Oxford University Press, 1987. A base tomista e aristotélica do trabalho de McLu-
(ou mulher) que deixou a família em Angola ou na
han é brevemente tratada em Brigid Elson, "In Defence of the Human Person: The Christian Ucrânia, que pagou a viagem aos piores contraban-
Humanism of Marshall McLuhan," in The Canadian Catholic Review, May 1994.
[5] "Letters of Marshall McLuhan," ed. Matie Molinaro, Corinne McLuhan, William Toye, Oxford distas do mundo, os contrabandistas de pessoas, e que
University Press, 1987: "Letter to Hugo McPherson, Professor of English at McGill," 1970. Na
carta McLuhan refere-se a descobertas que foram mais tarde publicadas no Journal of Advertising chega a uma terra desconhecida e hostil, encontra
Research, vol. II, no. 1, February 1971, "Brain Wave Measurement of Media Involvement."
[6] see Bruce R. Powers and Marshall McLuhan, "The Global Village: Transformations in World logo o Governo socialista (e, desgraçadamente, por-
Life and Media in the 21st Century," Oxford University Press, Oxford, New York, 1989, Chapter 3
"Plato and Angelism."
tuguês) de mão estendida para lhe extorquir o último
Hugh McDonald can be reached at http://www.vaxxine.com/hyoomik. vintém. Com isto, o Ministério da Administração In-
terna pensa arrecadar por ano 1,2 milhões de contos,
Bispo procura fiéis na praia que se destinam a pagar o "controlo" do imigrante cá
In: Portugal Diário, 04-08-2001 19:49:36 dentro (uma actividade arrepiante); e a financiar a
Lusa
compra de impressoras, tintas (?) de grande raridade e
O Bispo de Aveiro, D. António Marcelino, começa
software requintadíssimo para um dos seus serviços. O
este sábado a percorrer as praias da diocese ao encon-
que sobrar, e sobrará com certeza bastante, fica para
tro dos milhares de cristãos que escolheram o mês de
"reestruturação de carreiras" ou, por outras palavras,
Agosto para descansarem à beira-mar. Esta é uma
para promover funcionários. Não há maneira de justi-
prática que remonta ao tempo em que o prelado de-
ficar esta política. Não há sequer maneira de a co-
sempenhava funções religiosas em Lisboa, tendo en-
mentar.
tão contactado com veraneantes nas praias do Oeste.
«O turismo tem uma importância grande hoje em dia.
Transportes de Luanda
Há quem procure repousar, outros gostam de dar
por João Caniço
uma dimensão espiritual às férias», explica o bispo, In: Correio da Manhã, 2001-08-04
adepto de Eucaristias dominicais «mais vivas», encon- Os novos autocarros, agora postos a circular nas ruas
tros informais e troca de impressões com quem pre- de Luanda, dão-lhe um ar de graça e de novidade. De
tender. cor azul escuro, já rodam oitenta, de um grupo de
«Cristão hoje, como e para quê?» é o tema que D. cento e vinte e cinco, encomendados a uma firma no
António Marcelino escolheu, este ano, para as suas Brasil. Digamos que eram bem precisos, mas que ain-
alocuções que se iniciam hoje à noite na praia da Tor- da são apenas uma gota de água no deserto, nesta ci-
reira, na Murtosa. Seguem-se, na semana seguinte, as dade de quatro milhões de habitantes, ocupando uma
visitas às praias da Barra e Costa, em Ílhavo. O pro- área mais ou menos quadrada, com cerca de 50 qui-
grama inclui ainda a passagem pela Curia (termas), S. lómetros para cada lado.
Jacinto e Vagueira, bem como visitas a colónias de Esta nova linha de transportes públicos é de capital
férias. privado, mas subsidiada pelo Governo.
A receptividade das pessoas não deve ser medida pela Independentemente de procurarmos saber se alguém
quantidade presente nos encontros, ressalvou o bispo. do tal "capital privado" tem alguma coisa que ver com
«Se houver poucas, faço na mesma, o importante é o Governo, trouxe pelo menos duas vantagens: maior
ser útil nalguma coisa», referiu, esperando «ajudar a comodidade e organização; e o preço dos bilhetes,
enraizar o cristianismo». que é muito mais acessível, três a quatro vezes mais
barato do que os também privados e famosos "can-
Poupanças dongueiros" (carrinhas de nove lugares, mas onde se
Vasco Pulido Valente metem até 15 e mais pessoas), que fervilham por tudo

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quanto é sítio, nesta cidade-gigante, pouco conhece- mundo para reagir às condições em que viviam, de
dora das leis de urbanização, mais sujeita às do "salve- forma a atingirem uma outra dimensão. Como a reli-
se quem puder"... gião, a arte é uma tentativa para o homem se aproxi-
A nova gama de autocarros vem apoiar, na zona ur- mar da transcendência, criando algo que ficará para
bana e suburbana, os cansados e velhinhos autocar- além dele próprio.
ros, na sua maioria articulados, que, se já eram insufi- É para isso que o cinema serve?
cientes para as necessidades da zona urbana num uni- O cinema não serve rigorosamente para nada. A no-
verso de 500 mil habitantes, se sentiam muito mais ção de utilidade ou de serviço nada tem a ver com
desapoiados para servir os actuais quatro milhões. Por uma obra de arte. É evidente que as obras de arte dão
amor à verdade, esclareçamos contudo que, neste a algumas pessoas muita coisa, mas não foram feitas
momento difícil da história do País, há um certo nú- para servir, no sentido de serviço enquanto melhora-
mero de pessoas que, nem assim, vão conseguir utili- mento do homem ou aperfeiçoamento das pessoas.
zar o transporte público, tendo que percorrer, diaria- Quer dizer que o cinema não fez de si uma pessoa melhor?
mente e a pé, distâncias que podem chegar aos 15 ou Não. Fez-me ser mais o que eu sou, não me concebo
20 quilómetros, a fim de poupar uma quantia equiva- sem o cinema, mas melhor não me fez. Melhor tem
lente a 50 escudos, com que precisam de comprar um um sentido moral que eu dissocio profundamente da
"cacete" de pão. obra de arte. É perfeitamente possível que um crápula
Para terminar esta pequena crónica, reafirmamos o possa ter um acesso particular à obra de arte e entre
que foi dito no seu início: há uma nota de graça e de nela. É bastante misterioso, e para mim algo difícil de
novidade nas ruas de Luanda, conferida pela existên- aceitar como genuíno, mas não nos faltam exemplos
cia de novos autocarros. Mas poderemos acrescentar históricos.
que, apesar desta melhoria merecer os aplausos, seria Penso que a sua memória mais antiga de cinema é o
bom não parar com este género de "Pinóquio", mas gostava de saber quando começou a
iniciativas. ir às salas de cinema pelo seu próprio pé.
Pelo meu próprio pé teria oito, nove anos. Até aí ti-
"Não vou a uma sala de cinema para me dis- nha ido ao cinema levado pela família, como acontece
trair" com todas as crianças. Depois, comecei a ir sozinho
In: DN, 2001-08-05 ver filmes de piratas e de aventuras.
João Miguel Tavares Mas já sabia o que via?
Muitos dos grandes filmes da história Não, não, naquela altura não fazia a mínima ideia de
do cinema, não os vi pela primeira vez quem era o realizador. Começava apenas a identificar
em sala, mas nas páginas que João alguns actores, sobretudo secundários, que se especia-
Bénard da Costa assinava (e assina) lizavam em determinados papéis, ou a heroína, quan-
em "O Independente". Quando aconte- do a achava muito bonita. E depois de ver um filme
cia comparar os filmes da sua escrita que gostava muito, a minha única vontade era voltar a
com os filmes dos meus olhos, as opiniões nem sempre coinci- vê-lo.
diam, mas os seus textos raramente perdiam o brilho, porque Ainda hoje se satisfaz nessa imensa repetição?
permaneciam iluminados pela fé na magia do cinema. Ouvi-lo Absolutamente. Não há nada que aprecie mais do que
falar é ter a certeza que essa fé se mantém inabalável, até aos voltar a ver um filme de que eu gosto: tal como num
dias de hoje. quadro, num livro ou num disco, incessantemente
Era capaz de dar a vida por um filme? vamos descobrindo outras coisas ao longo da vida.
Não. Não somos já os mesmos, a experiência mudou-nos,
Não?!? E se fosse a última cópia existente à face da terra do muita coisa se alterou, e ver um filme aos 12, aos 30
seu tão amado "Johnny Guitar"? ou aos 60 anos são coisas completamente diferentes,
Não. Acho que uma vida vale mais do que um filme. porque o que está no filme está também em nós.
Confesso que esperava uma resposta mais quixotesca. Disse uma vez que "a arte é mais importante do que qualquer
Filmes, quadros, livros têm um lugar insubstituível, família política", e que se tinha muitos amigos com diferentes
mas têm um lugar insubstituível na nossa vida. Se ti- opiniões políticas, já lhe era mais complicado ter a mesma rela-
vesse a coragem necessária, talvez morresse para sal- ção com alguém que não comungasse "dos mesmos valores cultu-
var uma pessoa, mas para salvar um filme, um quadro rais". Mantém estas palavras?
ou um livro, julgo que não. Mantenho. É uma verificação...
A arte não está acima de todas as coisas? Deixe-me colocar a questão desta maneira: imagine que eu não
Acima da vida certamente que não está. Repare: o que aprecio o cinema de Jean-Luc Godard ou de Manoel de Olivei-
é a arte? A arte é uma forma de nos defendermos ra. Não podemos ser amigos?
contra a morte e uma forma de compensação diante Mais dificilmente. É evidente que tenho grandes ami-
do terror que a vida inspira. Num outro mundo, se gos que não têm os meus gostos cinematográficos,
outro mundo existir, não haverá arte. É impensável mas para eles o cinema não é muito importante. Se o
pensarmos em Mozart ou Rubens a compor ou pintar cinema fosse uma coisa muito importante para si, se
no céu. Isso foi qualquer coisa que eles fizeram neste

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necessariamente tivéssemos de falar de cinema todos culdade em lidar com o presente e em compreender cinematogra-
os dias, uma oposição de gostos total tornaria muito ficamente o nosso tempo?
difícil uma relação de amizade. Percebo a sua pergunta. Mas quando eu reajo à crítica
Foi presidente da Juventude Universitária Católica, no final actual - ou à maior parte da crítica actual, porque há
dos anos 50, mas acabou por se afastar da Igreja. A que se sempre honrosas excepções - é porque muitos não
deveu essa ruptura? são críticos, são funcionários de meios de comunica-
Fui educado catolicamente e na altura da universidade ção social que, por sua vez, estão ligados a grandes
achava que a Igreja tinha um papel fundamental a meios de distribuição e de produção. Têm de encher
representar na transformação do homem. Daí o meu papel cumprindo a sua função, e por isso não lemos
empenhamento nos movimentos católicos e na ade- nada de inventivo, nada de novo, nada de criador.
são a uma hierarquia religiosa, de cujas instruções eu Nesse sentido, chegou-se ao ponto mais baixo da crí-
às vezes poderia discordar, mas que acreditava ser a tica, e não só em Portugal. A sua pergunta coloca o
melhor maneira de atingir a vontade de Deus. Isso problema de saber se, quando reagimos ao cinema
começou a ser posto em causa, não tanto por este ou dominante, não estaremos a reagir à arte do nosso
aquele gesto me terem chocado, pois sempre soube tempo, não estaremos a ser reaccionários ao não acei-
viver com os chamados erros da Igreja, mas porque tar uma evolução.
compreendi que ela, enquanto instituição, não pode É uma questão legítima.
modificar-se. A Igreja tem uma missão a cumprir, e É uma questão legítima, se se considerar que há uma
nesse sentido acaba por lhe escapar o apelo profundo evolução. Eu não considero que haja uma evolução.
à justiça, à santidade, que pode existir numa consciên- Ou seja, eu não encontro filmes onde possa dizer que
cia individual. não percebo nada, que aquilo é completamente dife-
Mas considera-se cristão. rente, e que rejeito por ser diferente. Pelo contrário,
Sim, sim, absolutamente. Mantive-me no limiar da encontro filmes que mastigam e repetem coisas que já
Igreja, à entrada, como os catecúmenos. Tenho mui- vi dezenas de vezes. Onde está o avanço, onde está o
tas saudades da Igreja, dessa espécie de abrigo que a progresso, onde está o sinal do novo? Há filmes pre-
Igreja dá, enquanto sombra maternal que também é, miados com imensos Óscares que passam por aí onde
dessa espécie de pacificação da colectividade. eu só vejo coisas que conheço de cor e salteado há 20
Não descarta a hipótese de regressar? ou 30 anos. Porquê voltar ao mesmo em formas cada
Nunca se pode descartar uma hipótese dessas. vez mais empobrecidas e gastas? Tratam-se os espec-
Digo isto porque, às vezes, com a idade... tadores como se fossem atrasados mentais, sabendo
Não é só a idade, não é só essa ideia, muito normal, que o seu nível médio é mais baixo do que já foi.
de que, quando nos aproximamos da morte, come- Acha mesmo?
çamos a ter medo. É, sobretudo, sentir que o meu Estão a apostar nisso. Repare que há realizadores co-
diálogo com a Igreja está longe de estar esgotado. mo o Bergman, o Fellini, o Antonioni que tiveram um
Nada do que vem da Igreja me é indiferente, desde o certo sucesso comercial, mas aos quais as pessoas ho-
Papa a uma pastoral dos bispos. Provoca-me reacções je reagem dizendo que "são muito difíceis", que "não
violentas, pró ou contra, mas não é qualquer coisa interessam nada", com o argumento de que não se vai
que me deixe alheado ou a que eu tenha ficado hostil. ao cinema para ter problemas. Vai-se ao cinema para
Pelo contrário, não me identifico nada com reacções não pensar, vai-se ao cinema para distrair um bocado.
jacobinas ou anticlericais. Ora, eu não vou ao cinema para me distrair. Para me
Como é que avalia a sua relação com o cinema que se faz nos distrair posso fazer muita coisa, mas não vou ao ci-
dias de hoje? nema.
Como sempre, encontramos o melhor e o pior. Não
apoio a ideia de que o cinema entrou em decadência. Os suspeitos do costume
Há uma série de realizadores a fazer obras extrema- João César das Neves
mente válidas. O que acontece é que não são os fil- In: DN, 2001-08-06
mes que normalmente são vistos entre nós. A maior As manifestações contra a globalização estão a tornar-se um
parte dos filmes que me interessam raramente passam fenómeno sério. Ninguém nega a gravidade das questões que
numa sala comercial, estão à margem do sistema. A motivam os protestos.
grande maioria do cinema comercial é hoje de baixís- O fosso entre ricos e pobres, a dívida externa, o aque-
simo nível, repetindo fórmulas até à saciedade, de- cimento global, entre outros, constituem os grandes
pendendo de uma estética de efeitos especiais e de temas do nosso tempo.
lugares-comuns da narrativa. É um cinema de onde Mas, apesar do propósito premente, estas marchas
desapareceu toda a criatividade e toda a invenção. falham devido às suas graves contradições.
Sei que é muito crítico em relação à maior parte da crítica ac- A primeira é que, no fundo, eles não se esforçam para
tual, que afirma aderir em demasia a esse cinema dito comer- resolver as questões. Limitam-se, sem provas, a apon-
cial. Mas eu gostava de lhe colocar a questão oposta: não acha tar o dedo aos suspeitos do costume. Os seus dogmas
que, da parte de certa crítica, também existe uma grande difi- indiscutíveis são que o capitalismo tem uma maldade
intrínseca e que a globalização é a mãe de todos os
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vícios. Acreditam nisto fervorosamente, sem saberem Gritam contra a globalização, protestam contra orga-
bem porquê. nizações e encontros, balbuceiam sobre a "taxa To-
Usam uma análise simplista da economia mundial e bin" e o "protocolo de Quioto", criam destruição in-
demonstram, sem margem para dúvidas, que as mul- justa e poluição local, mas nada adiantam para as so-
tinacionais, as superpotências, as organizações inter- luções reais.
nacionais e o comércio externo são a causa do sofri- Os pobres não ficam menos pobres por se vandaliza-
mento do planeta. rem as cidades ricas.
O raciocínio que suporta esta dedução é omisso. A Se pretendessem realmente lutar contra a injustiça e a
justificação é a mesma que faz deles os vilões habi- poluição, não precisavam de sair das suas casas, esco-
tuais dos filmes de aventuras e dos documentários de las e empregos. Aí estão as faltas de equidade e digni-
vulgarização. dade que lhes compete resolver, problemas reais e
Não passam, afinal, dos suspeitos do costume. concretos da humanidade. Sendo o mundo como é,
Infelizmente, a realidade é bastante mais complicada. haverá sempre muito a fazer nas obras de caridade e
Vendo bem, estas manifestações não têm sequer as- movimento cívicos que, na prática diária, contribuem
sunto. Esta é a segunda contradição. Hoje é claro que para melhorar a vida dos pobres. É que os manifes-
não existe globalização de espécie alguma. A esmaga- tantes não conhecem os países atrasados e partem
dora maioria da população do globo encontra-se afas- apenas de teorias e generalizações duvidosas. Eles
tada dos mercados internacionais, do acesso ao crédi- sabem e contribuem muito pouco para o desenvolvi-
to e aos meios de comunicação de massas, sem parti- mento dessas regiões. Muito menos, apesar de todos
cipar na dinâmica socio-económica moderna. os erros, do que as multinacionais, as organizações
Isto não é, obviamente, resultado da globalização, internacionais e o comércio externo, os tais suspeitos
mas precisamente sinal da falta dela. O isolamento, o do costume.
atraso e a estagnação são a regra na generalidade do A última e a maior das contradições é que estas mani-
mundo, que assim se mostra bem longe de ser globa- festações dependem basicamente da prosperidade das
lizado. empresas e do capitalismo. Só há protestos contra o
É verdade que numa pequena zona, Europa, Japão e sistema em épocas de crescimento. Foi assim da últi-
América do Norte, se vê um certo processo de inte- ma vez, nos anos 60 quando o movimento hippie e o
gração e abertura. Ele é já antigo, mas ainda muito "Maio de 1968" pareciam forças imparáveis. O que as
ligeiro e rudimentar. Os obstáculos são múltiplos, travou não foram as reacções de Nixon e De Gaulle
mesmo sem manifestações. mas a crise do petróleo. Bastou a economia ter difi-
À enorme quantidade de leis e regulamentos que res- culdades para se evaporarem as contestações. Passou
tringem os movimentos financeiros e comerciais jun- a haver coisas mais urgentes para fazer. Numa crise é
tam-se os velhos hábitos, a xenofobia, a diferença nas preciso trabalhar. Não se pode perder tempo em pro-
línguas, práticas e regimes. Apesar dos avanços recen- testos contra os suspeitos do costume.
tes, temos de admitir que até no mundo desenvolvido João César das Neves é professor universitário e assina esta
não existe um diálogo cultural e uma interacção socio- coluna à segunda-feira naohaalmocosgratis@netc.pt
económica francos e naturais.
Isso significa que a globalização é um mito. Um mito Ai, Porto, Porto!
que poucos adoram e muitos rejeitam, mas que nin- Almeida e Sousa
In: JN 2001-08-06
guém, com seriedade e rigor, consegue identificar na "Ai Porto, Porto, quão tarde eu te conheci!" disse um
realidade. Pode parecer estranho mas, no mundo de
dia o bom padre Américo, esmagado pela generosida-
hoje, o único fenómeno a que podemos chamar com
de, eu diria a doação que aqui encontrou. E, apesar de
propriedade "global" é o ódio contra a globalização.
tudo, não terá chegado a conhecer suficientemente o
Além disso estas manifestações também não apresen- Porto. Porque, mesmo quem o conhece bem, não
tam soluções. As marchas de protesto são uma cons-
deixa de ter todos os dias surpresas que o arrasam.
tante do último século, mas têm vindo a perder con-
Hoje trarei mais uma.
teúdo.
Todos sofremos com a infindável guerra que há tan-
Há cem anos as pessoas lutavam por uma revolução tos anos assola Angola. Todos sabemos que lá foram
radical e um mundo novo. Há cinquenta, os movi- espalhadas, sem plano, milhões de minas. Todos es-
mentos já só pretendiam maior liberdade de costu-
tamos habituados a ver, nas poucas reportagens que
mes. Hoje os manifestantes nem sabem bem o que
nos chegam, crianças sem pés ou sem pernas, ampa-
querem. Os seus avós tinham um sistema, a sociedade
radas por muletas ou bengalas. Todos sofremos infi-
socialista. Os seus pais tinham um sonho, a era do nitamente com tais imagens. Quando acabarão?
aquário. No entanto, à sua vista, houve quem quisesse ir mais
Agora pretendem o desenvolvimento, cujo único ver-
longe, quem queira ir até onde pensa poder ir. São
dadeiro exemplo histórico é a sociedade capitalista, a
crianças como as nossas, que ainda não deixámos de
tal da maldade intrínseca. considerar nossas. Temos hospitais, temos médicos e
Esta terceira contradição é escondida pelos berros. temos alguns meios. Temos generosidade, sobretudo.

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Porque não cuidar da sua saúde como se nossas fos- singelo contributo numa perspectiva que não sendo
sem? Meu dito, meu feito! E desde há anos que o obviamente de cariz técnico, procura suscitar os as-
Hospital de Crianças Maria Pia um Hospital de pectos que lhe parecem mais relevantes no âmbito das
Coimbra também recebe, acarinha, trata e, na medida suas preocupações.
do possível, cura jovens que hão-de ser os angolanos Neste enquadramento, quatro pontos - entre outros -
de amanhã. Com todo o interesse e dedicação, em do Tratado merecem mais a atenção da CNJP:
toda a medida do possível, em toda a medida que o alargamento da União Europeia
aceitem e no-las enviem. as novas relações de poder no seio da União
Mas tudo isto não chega ainda para as almas de elei- a (ausência) de um fundamento de valores co-
ção que querem responder às desgraças que, mais do muns
que vêem, sentem. Diz-se que ainda há milhões de a construção de uma Europa de (e em) solida-
minas espalhadas em Angola. Temos que responder a riedade
essa ameaça, infelizmente talvez possamos dizer às Na perspectiva do alargamento da União Europeia, o
certezas que encerra. E por isso, indo tão longe quan- tratado de Nice deve ter em atenção a situação muito
to pode ir, a Associação dos Amigos da Ponte Maria específica dos países do Leste europeu. Estes países,
Pia, associada e em colaboração com a Liga dos Ami- que viveram décadas sob um regime que não só os
gos do Hospital de Maria Pia, resolveu aproveitar um privou da liberdade como lhes travou o crescimento
palacete e uns belos jardins abandonados que uma económico, fazem agora enormes esforços na prepa-
santa senhora legou às crianças, para nele instalar um ração das suas economias e das suas sociedades para
hospital de rectaguarda que acolha os doentes que uma próxima integração na UE. Nem sempre a União
Angola nos mande, não já numa ponte de vaivém tem correspondido verdadeiramente a tal esforço, na
como até agora, mas, pelo contrário, aproveitando a parte que lhe toca de adaptar as suas instituições ao
sua estadia para, além de as tratar, lhes dar tudo quan- seu funcionamento com 25 ou 30 países membros.
to possamos dar em qualquer campo que seja. As Com considerável atraso, o Tratado de Nice surge
crianças que serão devolvidas a Angola, pois não o como um modesto passo no sentido dessa indispen-
serão apenas com mais saúde, levarão consigo muitos sável adaptação das instituições comunitárias ao alar-
outros valores que lhes hão-de permitir vir a ser ama- gamento da UE. A solução encontrada não parece,
nhã os cidadãos de que a grande Angola do futuro porém, satisfatória.
necessitará. Paga? Nenhuma, evidentemente. A da Por um lado, o Tratado de Nice reforça a dimen-
consciência chega e cresce. "Ai Porto, Porto, quão são intergovernamental da UE, em prejuízo da
tarde te conheci!" Tão tarde e tão mal. Porque do dimensão propriamente comunitária. Acentua-se,
Porto ninguém conhece os limites da generosidade e assim, o perigo de a União passar a ser comandada
da doação. sobretudo por um directório dos Estados-membros
mais ricos e populosos. Uma tal tendência, contrária
ao espirito dos fundadores da Europa comunitária,
deverá ser evitada a todo o custo, até porque prejudi-
ca os países de menor dimensão, como Portugal.
COMISSÃO NACIONAL JUSTIÇA E PAZ De um ponto de vista democrático, não é aceitável
construir uma pretensa Europa solidária na base de
O TRATADO DE NICE uma oligarquia de Estados-membros traçando o des-
O Tratado de Nice e o futuro da União Europeia têm tino dos outros, privando-os de intervir substantiva-
sido objecto de muitas análises e tomadas de posição mente nos processos de decisão que lhes dizem res-
na Europa e, também, no nosso País. peito e estabelecendo uma teia de competências tão
Sobretudo após a consulta popular na República da complexa que pode pôr em causa o princípio basilar
Irlanda que se saldou por uma maioria de votos des- e fundacional da subsidiariedade.
favoráveis ao novo Tratado, a discussão que antecede As vias encontradas em Nice, em particular quanto ao
a sua ratificação pelos Estados-membros ganha novos processo de decisão no Conselho, não garantem a
contornos e estimula uma renovada participação da operacionalidade e o bom funcionamento da União.
sociedade. Afigura-se, até, que o novo dispositivo tornará extre-
Em Portugal, tradicionalmente indiferente ou, pelo mamente difícil a tomada de decisões quando não
menos, distante do debate europeu, têm vindo a sur- exista unanimidade no Conselho de Ministros, o que
gir espaços de reflexão e outras iniciativas meritórias afectará a eficácia da construção europeia.
para aprofundar as consequências na nossa vida co- O essencial, porém, é não frustrar as legítimas
lectiva do novo figurino da União Europeia, com des- expectativas dos países candidatos à adesão. Os
taque para as audições da própria Comissão especiali- portugueses, para quem a adesão à então chamada
zada da Assembleia da República. CEE representou um enorme impulso à consolidação
Como tal, a Comissão Nacional Justiça e Paz não po- da democracia e ao desenvolvimento económico, têm
de deixar de exprimir a sua opinião e de dar o seu a obrigação de compreender o empenhamento actual

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dos países do Leste europeu na adesão à UE. Decerto em prática apenas o instrumental. A Europa do futu-
que o alargamento da União envolve razões de ordem ro não pode ser construída na primazia dos meios e
política: nenhum dos actuais Estados-membros pode na atrofia dos fins e dos desígnios geracionais. A Eu-
ficar indiferente ao contributo decisivo que o alarga- ropa do futuro será bem sucedida se souber aliar o
mento dará à segurança no continente europeu. A progresso social e económico das sociedades ao
integração europeia nasceu de uma ânsia de paz e o fortalecimento da riqueza espiritual que lhe deve
alargamento insere-se nessa linha. estar associada e à busca incessante do bem co-
Mas a Comissão Nacional Justiça e Paz gostaria de mum.
acentuar principalmente a dimensão ética do alar- Lisboa, Agosto de 2001
Pela Comissão Nacional Justiça e Paz
gamento: é um dever moral dos países da União con- António Bagão Félix
tribuírem para que os países candidatos possam, tam-
bém eles, beneficiar tão depressa quanto possível das
vantagens da adesão. É um imperativo da reforma
europeia poder vir a estabelecer-se uma irreversível
comunidade de solidariedade, baseada não só na
paz, cooperação e segurança, como no desenvolvi-
mento humano harmonioso e na coesão e na preven-
ção sociais.
Nessa perspectiva, o Tratado de Nice aparece como
positivo apenas quando comparado com a alternativa
de não existir tratado algum, levando a adiar o alar-
gamento. Mas, porque insatisfatório, o Tratado de
Nice necessita de ser melhorado. Este objectivo não
pode, todavia, ser satisfeito através do recorrente mo-
do como os dirigentes europeus julgam ultrapassar
divergências, diferenças e dificuldades, ou seja con-
tornando-as, adiando-as, criando efémeros e circuns-
tanciais consensos sem força e sem convicção.
O futuro da União Europeia envolve também um
desafio ético para a sociedade política e civil.
Muito concentrada nos aspectos económicos e mate-
riais, a Europa política tem secundarizado, nas suas
políticas e na afirmação dos seus princípios, outros
aspectos essenciais de uma exigente construção euro-
peia.
Certamente que os aspectos económicos, financeiros
e monetários são determinantes para a construção de
um espaço europeu alargado de progresso e de de-
senvolvimento. Não obstante, o grande desígnio eu-
ropeu não pode deixar de também passar por uma
Europa construtora de solidariedade, uma potên-
cia justa e exemplar na defesa intransigente da
dignidade da pessoa humana, sensível ao sofri-
mento dos mais desfavorecidos e à necessidade
de apoio humano aos imigrantes legalizados e
comprometida com objectivos e valores éticos e
culturais.
Neste sentido se, por um lado, a Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia é um passo meritó-
rio, não deixa de revelar, igualmente, uma menor con-
sideração se não mesmo o desprezo dos dirigentes
europeus pela matriz cristã do património cultural da
Europa, de adoptar referências éticas minimalistas ou
relativistas e de gerar alguma ambiguidade no que
respeita à família, ao direito à vida e ao papel das co-
munidades religiosas.
Em suma, na Europa do futuro não se pode cair na
tentação de perder de vista o essencial na ânsia de pôr

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