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“A política é uma maneira exigente - se bem que não seja a única - de viver o
compromisso cristão, ao serviço dos outros” 1. Esta sentença do Beato Paulo VI,
papa que teve seu pontificado marcado pela reforma do concílio Vaticano II e pelas
crises que assolavam o pensamento do homem de seu tempo, demonstra que a
política não é uma área que o cristão não deva intervir, mas justamente ao contrário,
pois é uma alta forma de caridade. Caridade esta que está intimamente associada
ao modo de vida deixado por Cristo e pregado aos quatro cantos da terra por seus
discípulos que formam a sua Igreja.
Para uma investigação sobre a política e a práxis cristã não poderíamos
deixar de lado o doutor comum da Igreja Católica já que sua doutrina foi tomada
como própria da Igreja como foi assinalado Bento XV 2, Santo Tomás de Aquino.
Nascido em Roccasecca em 1225, Santo Tomás foi formado desde tenra infância
para a carreira eclesiástica, primeiramente no mosteiro beneditino na famosa abadia
de Montecassino, mas logo ingressa na ordem mendicante dos Pregadores, os
Dominicanos. Teve como mestre Santo Alberto Magno em Paris, pouco depois vai
para Colônia prosseguir seus estudos até completar o tempo e volta para Paris onde
recebe seu título de doutor em teologia em 1259. Santo Tomás também lecionou na
Itália em algumas cidades e na capital da cristandade, Roma. O Doutor Angélico
veio a falecer precocemente aos 49 anos na abadia cisterciense de Fossanova em
1274. Antes de sua repentina morte um fato místico o faz abandonar seus escritos e
chega a compará-los como se fossem palha e assim muitas de suas obras ficaram
incompletas como a Suma Teológica, sua maior obra e a obra base deste trabalho
monográfico, o De Regno.
A filosofia escolástica de Santo Tomás de Aquino motivou a pesquisa acerca
do tema, pois ela consegue ser a conjunção do pensamento clássico grego de
Aristóteles e do pensamento cristão de sua época. Sua obra política não é tão
grande quanto sua obra metafísica ou teológica, mas é bastante importante no
contexto da alta escolástica no mundo medieval.
Sua obra De Regno ou “Do governo dos príncipes ao Rei de Chipre” é um
opúsculo escrito por Santo Tomás em torno de 1265-66 destinado ao Rei de Chipre.
Esta obra não foi concluída pelo Angélico, mas sim por Ptolomeu de Lucca, que foi
3
Foi um pensador grego, mestre de Platão, morto em juízo pela acusação de corromper a juventude.
Nunca escreveu obra alguma, mas seu discípulo transmitiu seus conhecimentos através de seus
diálogos como a Apologia.
4
Entre os principais comentadores e introdutores do pensamento aristotélico no mundo ocidental pós-
queda do Império Romano serão Avicena e Averróis, ambos provenientes da cultura árabe.
1.1. Pensamento político de Platão
Platão foi um filósofo grego nascido em Atenas em 427 a.C e foi discípulo de
Sócrates, de onde pode-se até hoje saber dos ensinamentos socráticos por meio de
Platão que escreveu os diálogos de Sócrates e personalidades da sociedade grega.
Neste trabalho se enfocará no pensamento político de Platão na obra A República,
onde também por meio de diálogos ele mostra a descrição da república ideal que
tem por objetivo a realização da justiça pelo cumprimento da justiça através das
suas atribuições pelas suas aptidões.
O discípulo de Sócrates tem como obra prima, como já foi dito A República.
Fernando Gallo assim diz:
5
GALLO, Rodrigo Fernando. A teoria das formas de governo na antiguidade. Revista de estudos
clássicos e tradutórios. Juiz de Fora 2013 V1.N2. p. 79.
6
REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. 3.ed. Vol. 01.
São Paulo: Paulus, 1990. p. 162.
7
REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. 3.ed. Vol. 01.
São Paulo: Paulus, 1990. p. 162.
8
Platão. República, 445 c
Um Estado só nasce porque nenhum homem é autárquico, ele depende de
outros para seu sustento e não se basta em si mesmo. Platão divide a cidade em
três classes: os lavradores, artesãos e comerciantes; os guardas e os governantes.
Cada uma dessas classes deve viver uma virtude em especial. Na classe dos
lavradores a virtude é a temperança, pois eles devem se submeter aos superiores e
são mais concupiscíveis em relação à alma. Nos guardas, segundo Reale, prevalece
a força irascível e sua função é não deixar o Estado grande demais tampouco
diminuto. Sua virtude deve ser a fortaleza 9. E os governantes são os que mais
amam a cidade, eles devem contemplar o bem, prevalecendo assim o domínio da
alma racional e por consequência sua virtude deverá ser a sabedoria.
A “justiça” está na harmonia entre as três virtudes e as três classes para que
possam chegar a bom termo e conduzindo, protegendo e servindo o Estado, todos
os cidadãos possam bem viver.
Na concepção Platônica não existiu no mundo um governo ideal, mas como
ele mesmo viveu na época da decadência da polis, Platão então tenta num esforço
intelectual analisar as constituições corrompidas que são apresentadas em ordem
decrescente, a saber, timocracia, oligarquia, democracia e tirania. É interessante
perceber que Platão não enumera nas constituições corrompidas duas formas de
governo bem conhecidas, que são a monarquia e a aristocracia, pois ele mesmo
considera como próximas da constituição ideal:
Visto isso, claramente se pode afirmar que Platão reconhece que haja seis
formas de governo, mas duas estão salvaguardadas para a constituição ideal e
deixa quatro para a forma real que se afastam decrescentemente da forma ideal
como já foi exposto.
9
REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. 3.ed. Vol. 01.
São Paulo: Paulus, 1990. p. 163.
10
Platão. República, 445 d.
É interessante deter na forma de governo chamado por Platão de timocracia
derivada da palavra timé11 que é colocada pelo pensador entre as formas da
constituição ideal (Monarquia e Aristocracia) e as três formas corrompidas já
conhecidas (tirania, oligarquia e democracia). Platão interessa-se por esta forma,
pois é a forma como Esparta é governada e o governo timocrático de Esparta era o
que mais se assemelhava ao que Platão havia pensado. Mas mesmo esse governo
também tinha falhas como, por exemplo, as honrarias mais aos guerreiros do que
aos sábios.
Como para Platão quem deveria governar a República é o governante-
filósofo, sendo que na realidade este governante não existe, Platão então tentou
com o mais baixo tipo de governo que é a tirania e claro o tirano em transformá-lo
neste governante, mas sem sucesso. Vale observar que um dos critérios de Platão
para saber quando uma forma de governo é boa ou má é saber se aquele governo
se baseia ou não na violência ou se no consenso dos cidadãos, onde eles atuam de
acordo com as leis não arbitrariamente.
Aqui não entrará no mérito de analisar os pormenores de cada forma que
Platão apresenta, mas sim de apresentar de forma sintética o pensamento político
do referido filósofo e suas principais características para assim poder avançar na
investigação dos pensadores que serviram de base para o pensamento Tomasiano.
O pensamento platônico encontrará eco na obra de seu discípulo Aristóteles
em forma de crítica, pois Aristóteles não se baseia no seu idealismo mas transpõe o
conhecimento adquirido para a realidade mas já se pode ver a importância do autor
no catálogo do saber grego e consequentemente, universal.
11
Do grego que quer significar honra.
Estagirita tanto para seu pensamento político, quanto também para outras
investigações de ordem filosófica ou teológica.
A política de Aristóteles é uma obra incompleta, mas diante da genialidade do
Estagirita, sua obra é um dos grandes clássicos do pensamento político, marcando
inúmeros pensadores a partir de então, inclusive o nosso autor, Santo Tomás de
Aquino. Sua concepção de ciência política se funda como filosofia das coisas
humanas, pois depois de investigar a física e a metafísica, o Estagirita agora se
detém nesta matéria.
Giovanni Reale apresenta a obra de Aristóteles como uma investigação
acerca do fim último do homem e este fim seria a felicidade, e para chegar a esta
felicidade necessita aperfeiçoar-se enquanto homem, este é o bem supremo
realizável pelo homem.12
Aristóteles em sua Política antes mesmo de tratar das formas de governo
trata do porquê das pessoas se organizarem em cidades e submetendo-se a um
governo:
A natureza compele assim todos os homens a se associarem.
Àquele que primeiro estabeleceu isso se deve o maior bem; porque
se o home, tendo atingido a sua perfeição é o mais excelente de
todos os animais, também é o pior quando vive isolado, sem leis e
sem preconceitos13.
A Política está dividida em oito livros, mas será utilizado neste trabalho o
terceiro e quarto livro que tratam mais especificadamente sobre as formas de
governo.
Aristóteles em sua Política apresenta a formação da cidade e quem seriam
seus cidadãos, pois para ele não são todos os homens necessariamente cidadãos.
Por exemplo, os escravos não entram nessa classificação aristotélica. Sobre a
temática da escravidão a perspectiva do Estagirita tende a ser um tanto quanto
estranha aos ouvidos dos homens de hoje pois ele a defende enquanto destinados
pela natureza, mas rechaça a possibilidade de uma escravidão voluntária.
Para Aristóteles o Estado deve cuidar pela de vida ideal de seus cidadãos e
sendo assim qualquer que seja a forma de governo ela deve estimular a vivência
das virtudes sendo elas bem vividas ajudam no desenvolvimento da sociedade e no
bem estar geral.
12
REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. 3.ed. Vol.
01. São Paulo: Paulus, 1990. p. 203.
13
Aristóteles. Política, 1253a. 30.
O Estagirita vai atentar para o fato que diferentemente de Platão que concebe
apenas uma forma de governo ideal, sendo aqui será chamada de constituição 14,
admite que existam várias constituições diferentes. O Filósofo tem o trabalho de
descrevê-las e o faz de modo brilhante concebendo de maneira concisa a clássica
forma das seis formas de governo:
Platão diz quais são seus critérios para averiguar quando uma constituição é
boa ou não, Aristóteles também o faz e diz que um governo bom não é aquele que
se impõe pela força ou pelo consenso, mas quando o governante visa o bem
comum. A má constituição é aquela que usurpa o bem comum e assim só visa o
próprio e vai de encontro ao próprio conceito de polis – o bem comum é a razão dos
indivíduos se reunirem nas cidades e formam comunidades políticas, não só vivendo
em comum, mas vivendo bem.
Aristóteles também distingue em três formas as relações de poder: o poder do
pai sobre o filho, do senhor sobre o escravo e do governante sobre o governado,
mas a relação de interesse em cada um desses é diferente. Na relação paternal
visa-se o bem do filho, o senhorio é em seu próprio interesse e no político tem-se o
interesse dos governados e do governante.
A política aristotélica está ligada também a sua ética, e o Estagirita vai propor
outra forma de governo que una características das formas apresentadas
14
O termo empregado que designa “forma de governo” é politeia traduzido como “constituição”, mas
na Política encontram-se várias definições de “constituição”, não se confundindo com a noção atual
de constituição.
15
Aristóteles. Política. 1279 a-b.
anteriormente fundada no principio ético de Aristóteles que valoriza o valor positivo
que está no meio de dois extremos.
A vida feliz de Aristóteles se dá pela vivência das virtudes, principalmente
pelo adágio virtus in medio16como se vê neste trecho da Ética à Nicômaco:
Na melhor vivência na polis Aristóteles vai aplicar este conceito nas classes
que lá vivem colocando nos extremos os muito pobres e os muito ricos e conclui que
o melhor é viver no meio dessas duas realidades, numa posição intermediária, pois
nela é mais fácil de obedecer a razão, assim afirmando a importância de uma classe
média. O filósofo chega a afirmar que uma cidade bem governada é aquela que se
predomina uma classe média, pois nela estão afastadas os perigos de uma
revolução, conspirações ou revoltas no povo. 18 A mistura de duas formas de governo
dará a polis uma estabilidade como nesta relatada quando a classe intermediária se
faz mais numerosa afastando futuras, rápidas e constantes mudanças.
Então a democracia seria pior porque se presume que a maioria dos cidadãos
seria de pobres e na oligarquia os poucos que governariam seriam os ricos, mas
uma mistura nessas duas formas, saindo de seus extremos. Mas o Estagirita deixa
claro que mesmo se forem muito os ricos sempre será uma oligarquia, e onde os
pobres dominam será a democracia, pois poucos se arriscam, mas todos participam
da liberdade19.
Aqui se viu resumidamente a teoria política de Aristóteles que serve de base
para o pensamento de Santo Tomás e que voltará a ser abordado, pois a visão do
Aquinate assemelha-se a do Estagirita. A doutrina política tomasiana é basicamente
a visão aristotélica, principalmente no que se concerne às formas de governo.
16
Do latim, a virtude (está) no meio.
17
Aristóteles. Ética à Nicômaco, 1295 a.
18
Aristóteles. Política, 1296 a.
19
Aristóteles. Política, 1280 a.
A ponte do pensamento clássico grego para o então recente pensamento
cristão se dá com o período da história da Igreja chamado de Patrística 20 e dentre os
Padres da Igreja um dos mais notórios é Santo Agostinho (354 – 430 dC). Nascido
em Tagaste, na atual Argélia, foi bispo e proclamado doutor da Igreja. Teve uma
juventude conturbada, tanto moralmente quanto espiritualmente, depois de seu
encontro com Santo Ambrósio e com a doutrina cristã foi batizado, tempo depois
tendo voltado para sua terra natal foi ordenado presbítero e bispo de Hipona
exercendo ali seu ministério episcopal com grande sabedoria e zelo. Autor de muitos
tratados e livros sendo uma das obras mais conhecidas Confissões, sua
autobiografia.
O bispo de Hipona é marcado por suas obras tanto teológicas quanto
filosóficas e dentro de seu portfólio de obras se destaca a Cidade de Deus onde
Agostinho expõe seu pensamento político na qual bebe da fonte platônica, mas
claro com o ensinamento cristão dando base aos seus escritos. Partindo desta fonte
platônica, Agostinho lança fundamentos de sua cidade ideal: a cidade de Deus. Na
obra homônima o santo de Hipona mostra duas cidades, uma fundada sobre o amor
próprio, a cidade dos homens e outra fundada sobre o amor de Deus, a cidade de
Deus. Isso fica claro neste trecho da obra: “Dois amores fundaram, pois, duas
cidades, a saber: o amor-próprio, levado ao desprezo de Deus, a terrena; o amor de
Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial 21”.
Sobre uma organização justa de governo Santo Agostinho não se debruça
como Santo Tomás ou Aristóteles e Platão sobre as formas, mas afirma que quando
Cristo for a base e o centro das atividades humanas, inspirando-as e dirigindo-as 22.
O poder temporal só será bem exercido quando, no entendimento de Santo
Agostinho, se deixarem guiar pela Bondade Divina, sendo seus irradiadores. Para o
pastor hiponense toda paz e felicidade que estes detentores do poder temporal
podem proporcionar só acontecerão se estiverem em sintonia com Deus, razão e
autor de toda paz e felicidade que não estão neste mundo de modo pleno.
O problema da tirania como corrupção de um governante é tratado por santo
Agostinho quando ele afirma que sem a graça de Cristo é impossível que se torne
um tirano, colocando suas próprias vontades, seus desejos a frente do bem comum.
20
Patrística é o nome dado ao movimento filosófico cristão nos primeiros séculos da Igreja, sendo
elaborada pelos Padres da Igreja, sendo um deles Santo Agostinho e também é doutor da Igreja.
(NA)
21
AGOSTINHO. A Cidade de Deus, XVI, 29.
22
AGOSTINHO. A Cidade de Deus, XIV, 12.
Uma bonita imagem que o bispo de Hipona utiliza pra mostrar a harmonia num
governo é a comparação com uma orquestra como está escrito na Cidade de Deus:
25
Santo Agostinho também é conhecido como “Doutor da Graça”
26
Do latim, Caridade.
pensadores medievais já que é um assunto profano pertencente à esfera da “cidade
terrena” se a tomarmos numa linha agostiniana 27.
Mas a Política para Aquino, baseando-se na definição aristotélica do homem
como um animal político28 vê que somos naturalmente inclinados ao outro, numa
demonstração da necessidade da vida comunitária. Tomás chega a comparar o
homem com os demais animais mostrando que eles têm instintos que o ajudam na
sua falta de razão para assim deliberar, e que o homem, mesmo dotado de
inteligência necessita de outros para ser ajudado.
Ao contrario de Santo Agostinho, Santo Tomás tem uma visão otimista acerca
da política, pois para o primeiro ela seria fruto do pecado, mas logo no inicio do De
Regno o Aquinate afirma a necessidade de um dominium29 para que se possa
chegar ao seu fim. Santo Tomás em sua doutrina política explica porque é melhor ao
homem o governo de um ao invés de muitos, pois a finalidade do governo é a
unidade:
38
Cf. TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 126.
39
O Filósofo é o modo como Santo Tomás se refere à Aristóteles em suas obras.
40
CAVALHEIRI. Alceu. O Pensamento Político de Tomás de Aquino no De Regno. 2006. 119f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-graduação em Filosofia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 25.
41
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 130.
42
Cf. CAVALHEIRI. Alceu. O Pensamento Político de Tomás de Aquino no De Regno. 2006. 119f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-graduação em Filosofia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 26.
Ora, na natureza das coisas, há o governo universal e o particular. O
universal é aquele segundo o qual tudo se sujeita ao governo de
Deus, que com sua providência governa todas as coisas. O governo
particular, muitíssimo semelhante ao divino, acha-se no homem, que
por isso se chama microcosmo porque nele se encontra a forma do
governo universal. Pois, assim como toda criatura corpórea e todas
as potestades espirituais estão sujeitas ao governo divino, também
os membros do corpo e as demais potências da alma são regidos
pela razão e, destarte, a razão, de certa maneira, está para o homem
como Deus para o mundo43.
43
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 159.
44
Cf. TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 159.
45
I Cor. 12, 12-14.
46
Cf. CAVALHEIRI. Alceu. O Pensamento Político de Tomás de Aquino no De Regno. 2006. 119f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-graduação em Filosofia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 29.
aspirar ou desejar nenhum revés para seu povo, já que fazem parte de um mesmo
organismo.
Como todo ser humano, a inclinação ao seu próprio bem é inato a ele e
querer o bem do seu povo, o bem comum é um exercício que o monarca deve fazer
para evitar colocar seus interesses à frente do interesse comum. E Tomás entende
que esse querer o bem comum não é um natural ao homem, logo pela luz da razão,
o rei em nome do bem comum consegue também seu bem próprio.
Como pensador cristão, Santo Tomás se distancia do Filósofo acerca do
prêmio do rei ser honra e glórias, pois influenciado por Santo Agostinho ele entende
que “nada há, ao que parece, mais frágil, entre as coisas humanas, do que a glória e
a honra do favor dos homens, pois depende das opiniões e palavras deles, nada
havendo de mais mutável em sua vida” 47. Não há grandeza de alma na busca
somente de honras e glórias humanas, não há uma busca desinteressada no bem
comum e o verdadeiro prêmio para o rei não está neste mundo, mas sim na
beatitude celeste.
47
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 143.
48
Do latim: Cidade ou província e cidade ou reino.
49
Cf. CAVALHEIRI. Alceu. O Pensamento Político de Tomás de Aquino no De Regno. 2006. 119f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-graduação em Filosofia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
Na fundação de uma cidade ou reino, deve-se primeiro, se houver
recurso, escolher uma região que importa seja temperada, porque
muitas vantagens traz aos habitantes tal região. Primeiro, porque,
com o clima temperado da região, conseguem os homens a
conservação do corpo e a longevidade. Pois, consistindo a saúde em
certo temperamento dos humores, conserva-se a saúde no lugar
temperado, pois o semelhante é conservado pelo seu semelhante.
Havendo, porém, excesso de calor, ou de frio, força é que, conforme
o estado do clima, se mude o do corpo; donde vem o transmigrarem,
por uma certa indústria natural, certos animais, no tempo do frio, para
lugares quentes, retornando no tempo de calor para os sítios frios, a
fim de conseguirem, com a disposição contrária do lugar, o
temperamento conveniente do tempo.50
50
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 169.
51
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 132.
em sua corrupção também cairia no erro de substituir o bem comum para o bem de
alguns poucos.
No momento o Aquinate compara a sociedade a um corpo ele diz que existe
somente uma causa perfeita conjuntando tudo aquilo que se propicia ao bem
enquanto aos males existem causas diversas. Aristóteles faz sua hierarquia das
formas de governo percebe um maior afastamento entre a monarquia, a melhor
dentre as boas e a tirania, a piores entre as más e uma proximidade entre politia, a
pior das boas e a democracia, a melhor das piores 52.
Santo Tomás a partir do momento que fala do mal menor ele explica que
mesmo vindo à tirania da monarquia é melhor do que no governo aristocrático, pois
aí se corrompem muitos, contrariando a paz 53. Sendo assim, a cidade deve se
decidir pelo governo de um só, monarquia, do que pelo governo de muitos, mesmo
que dos dois tenham perigos.
Por isso Santo Tomás formula a melhor forma de governo, que não é toda
original, pois já na antiguidade clássica Políbio 54 já havia feito uma proposta parecida
de um governo misto, que até mesmo é considerado como o grande defensor dessa
forma de governo. Na Suma Teológica aparece de modo claro a resolução da
melhor forma de governo, como sendo mista, para o governo de uma cidade ou
nação:
52
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Brasília: Editora da UnB, 1997, p. 58
53
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 137.
54
Políbio (203 a.C. — 120 a.C) foi um historiador e geógrafo, sendo assim, não era filósofo, mesmo
assim deixou uma obra importantíssima sobre a teoria das formas de governo, como Maquiavel na
idade Moderna também não sendo filósofo, mas também deixou escritos importantes. Não se sabe se
Santo Tomás leu Políbio ou se teve contato com seus escritos.
55
Summa Theologiae, Iª-IIae q. 105 a. 1
A preocupação do Aquinate é a degeneração do governante em tirano então
ele propõe que o governo seja diluído, descentralizado. Essa é uma das razões que
podemos tomar para afirmar que Santo Tomás não é a favor do monarca absoluto e
mesmo sendo a favor da monarquia e reconheça nela uma propensão ao bem maior
do que nas outras formas ele reconhece a inexistência de uma forma perfeita.
Aristóteles também defende esta forma mista de governo em sua política:
56
Aristóteles. Política. II, 1270 b 6 - 1271 b 19.
monarquia na distinção clássica de Aristóteles ou na forma mista também proposta
por Aristóteles e Políbio na antiguidade clássica e transposta para seu tempo. O
próprio Cristo vai afirmar a necessidade da união do reino quando afirma que todo
reino dividido em si mesmo será destruído 57, então a noção de coesão e união do
reino é um fator decisivo para o bem da cidade.
3. O tirano
Depois de ver as bases do pensamento de Santo Tomás, sua teoria política e
a divisão das formas de governo que faz, será tratada neste capítulo a figura do
tirano. Santo Tomás não disseca o tema de forma metodológica, mas o trata assim
como Aristóteles a partir da forma má da monarquia, de sua forma corrompida.
Anteriormente foi dito que da melhor forma de governo deriva a pior, por isso
trataremos do tirano e se é possível depô-lo por meio do tiranicidio.
Santo Tomás não trás nenhuma novidade acerca do assunto, mas bebe das
fontes aristotélicas. Calvário trata assim sobre o tema: “É injusto o governo do tirano
em dois sentidos, um corporal, porque pode provocar danos corporais aos súbditos
57
Lc 11, 17.
e um mais grave que são danos espirituais.” 58 O principal receio sobre o tirano que o
Aquinate tem é justamente o dano espiritual, como religioso dominicano que é. A
tirania impediria um
bem viver, o bem comum e principalmente a vivência das virtudes. O rei não
pode ter o completo e irrestrito poder, deve ser temperado, por isso a proposta de
um governo misto, pois devem ser diminutas as oportunidades do rei se tornar um
tirano.
O Aquinate também bebe de outras fontes de seu tempo como João de
Salisbury59 em sua obra Policraticus. Assim diz Cavalhieri sobre esta obra e sua
diferença com a obra política de Santo Tomás:
Para João de Salisbury não existe um homem que não tenha tendência à
tirania, seja com todo povo ou num grupo restrito. A tirania sempre será exercida
onde houver e até onde forem os poderes dos homens políticos 61. Tende-se afirmar
que a tendência ao monarquismo em Santo Tomás se dê por conveniência ou até
mesmo por causa de seu destinatário ser o Rei de Chipre, mas na verdade o
Angélico quer fazer ciência e essa afirmação se faz leviana. A preocupação de
Santo Tomás acerca do bem comum, da vivência das virtudes e da ausência da
tirania já é uma boa justificativa contra este tipo de pensamento.
58
CALVÁRIO, Patrícia. O Governo da Cidade no De Regno de Tomás de Aquino. Covilhã:
LusoSofia:press, 2008, p.11.
59
João de Salisbury (1120 – 1180) – Estudou na França entre os anos de 1136 e 1148. Foi aluno de
Pedro Abelardo, Guilherme de Conches e de Gilberto de Poitiers. Entre 1153-54, esteve em Roma a
serviço do bispo de Cantuária. Apoiou e foi secretário do sucessor de Teobaldo, Tomas Beckett, em
sua disputa com Henrique II. Em 1170, João estava nas dependências da catedral de Cantuária,
quando Beckett foi assassinado por ordem de Henrique II. Em 1176 foi eleito bispo de Chartres com o
patrocínio do jovem rei da França, Luis VII. “Foi um dos primeiros medievais a conhecer toda a lógica
de Aristóteles.” DE BONI, Luis Alberto. Filosofia Medieval: textos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000, p.
137. Sobre a vida de João de Salisbury,
60
CAVALHEIRI. Alceu. O Pensamento Político de Tomás de Aquino no De Regno. 2006. 119f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-graduação em Filosofia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. p. 77.
61
Cf. In: SALISBURY, Giovanni di. Policraticus. L’uomo di governo nel pensiero medievale. Tradução
de Luca Bianchi e Paola Feltrin. Milano: Jaca Book, 1984
O grande problema da monarquia na discussão levantada por Santo Tomás
não está por ela ser a melhor teoricamente, mas na prática todo ideal de que o rei
deve ser promotor do bem comum e das virtudes não acontece até mesmo sendo
pior do que as outras formas que ele apontara. Todo De Regno toma uma postura
de alerta e advertência ao rei para que ele não se deixe corromper pela tirania.
Souza Neto na introdução dos Escritos políticos de Santo Tomás diz que a
obra: “assume amiúde um tom parenético, fato que o leva a ser tanto um tratado
sobre a monarquia quanto contra a tirania.” 62, pois uma questão levantada é qual tipo
de tirania Santo Tomás aborda, se aquele que o tirano assemelha-se a um deus ou
aquele que a tirania se dá pela força. O Angélico se refere à tirania exercida pela
força à semelhança do ocorrido na Grécia antiga. Essa forma sempre é execrada e
indesejada pelos súditos.
No De Regno nos capítulos XI e XII Santo Tomás vai reforçar que não é
proveitoso ao monarca se tornar um tirano, pois seu tempo no poder sempre será
diminuto, pois será fundado sobre o temor não sobre o amor. Ainda Calvário diz que
“os reis conseguem mais riquezas praticando a justiça do que o tirano exercendo a
rapina; [..] até mesmo os bens terrenos advêm mais aos reis do que aos tiranos, por
isso mais vale, para o bem do próprio governante, ser rei do que tirano.” 63
Neste capítulo também abordará em linhas gerais como a tirania foi
compreendida pelo pensador moderno Nicolau Maquiavel e sua diferença com o
pensamento de Santo Tomás.
62
SOUZA NETO, Francisco Benjamin de. Introdução. In: TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos
políticos de Santo Tomás de Aquino. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 22.
63
CALVÁRIO, Patrícia. O Governo da Cidade no De Regno de Tomás de Aquino. Covilhã:
LusoSofia:press, 2008, p.12.
Para Santo Tomás o maior bem que se é sociável e político é o bem comum e
o rei é quem está ordenado a conduzir a este bem comum. Esta é sua finalidade e
razão de ser. A condição para o governante agir corretamente é o compromisso de
governar a multidão para o bem comum. Quando se afasta desse compromisso
começa a degringolar-se em tirania. Quando se diz que o rei deve fomentar a vida
de virtudes do povo, tem-se por base que este também viva a mesma vida de
virtudes para que assim possa bem governar.
O problema da falta de virtude também é tratado na Suma Teológica quando
o Angélico explica sua preferência pela monarquia:
A escolha entre o bem e o mal é feita pelo monarca e por sua virtude ou
ausência dela. Tanto a monarquia como qualquer outra forma de governo pode vir a
degenerar-se em tirania, mas a monarquia é a que mais constantemente é atacada
por essa tentação em se corromper. O principal problema e razão da tirania para
Santo Tomás, que se baseia em Aristóteles é a ausência de bem comum e a busca
do bem particular do rei, já convertido em tirano. Assim diz Santo Tomás que “se,
contudo, o governo se ordenar não ao bem comum da multidão, mas ao bem
privado do governante, será injusto e perverso o governo 65”. E ainda acrescenta
citando o profeta Ezequiel, quando o próprio Senhor adverte os maus pastores:
Ainda Santo Tomás, afirma como já foi dito anteriormente qual é o principal
mal que o tirano incorre com seu povo. O mal espiritual é deveras maior do que o
64
Summa Theologiae, Iª-IIae q. 105. a 1.
65
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 128.
66
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 128-129.
mal temporal, justamente pela visão de eternidade que o santo dominicano tem a
partir do cristianismo. No problema da tirania será abordado também na ordem
temporal quanto na espiritual.
No campo temporal deve-se compreender tudo que envolva o mundo
material, aos bens adquiridos por qualquer cidadão de bem. A tirania vem quando o
rei toma aquilo que é de direito do cidadão, impelido pelas paixões desordenadas a
possuir tudo, inclusive aquilo que é de seu súdito. Santo Tomás assim fala sobre
essa prática: “O que é possuído da paixão da cupidez rouba os bens dos súditos;
daí Salomão (Pr 29,4): ‘O rei justo eleva sua terra; destrói-a o homem avaro’”.67
Seguindo no texto do De Regno, o Aquinate agora diz que se um homem for
levado pela ira chegando ao derramamento de sangue para satisfazer seus próprios
desejos essa vontade que o impele nesse assassínio que não é a justiça, mas sim
sua força68. A origem da tirania para Santo Tomás não é produto da razão humana,
mas uma paixão estranha que traz a insegurança e afasta a justiça. Cavalheiri diz
que “na prática, o matar por desregramento da vontade semeia a incerteza em todas
as ações dos súditos”69. Sendo assim também no campo espiritual as coisas se
tornarão incertas.
Na ordem espiritual além de desprezo ao bem comum e o domínio de um
caráter irracional ou até mesmo bestial que o leva a cobiçar, roubar pela força seus
povo, mata por motivo torpe e consequentemente gera insegurança e desconfiança
e se afasta da justiça e do direito.
Cavalheiri faz um contraponto do entendimento de Santo Tomás com o
Filósofo quando os dois tratam da mesma temática desta forma:
Essa argumentação de Tomás de Aquino aproxima-se da objeção
que Aristóteles faz à monarquia absoluta, entendida como sistema de
governo no qual o rei exerce uma autoridade universal, obedecendo
somente à sua própria vontade. Segundo o pensador grego, o reino
de um homem, que obedece somente à sua própria vontade, é
desejar o governo de “uma besta selvagem, pois o apetite irracional
tem esse caráter bestial, e a paixão falseia o espírito dos dirigentes,
mesmo dos homens mais virtuosos.70
67
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 133.
68
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 133.
69
CAVALHEIRI. Alceu. O Pensamento Político de Tomás de Aquino no De Regno. 2006. 119f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-graduação em Filosofia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 85.
70
CAVALHEIRI. Alceu. O Pensamento Político de Tomás de Aquino no De Regno. 2006. 119f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-graduação em Filosofia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 86.
A tirania além de impedir o bem viver de seus cidadãos no progresso nas
coisas temporais, o tirano impede na vida espiritual. Sem a prática da vida da cidade
a vivência constante das virtudes, que os leva a excelência é abalada. Essa falta
que causa na vida dos súditos também abala o próprio tirano no exercício de seu
poder “porque aos tiranos são mais suspeitos os bons que os maus, e sempre lhes é
de temer a alheia virtude”71. Ora os bons suspeitarem sobre a tirania é para Santo
Tomás “a razão pela qual pretendem os ditos tiranos que os seus súditos não se
tornem virtuosos nem adquiram o espírito de magnanimidade que lhes faça
intolerável a sua iníqua dominação72”.
Ainda Santo Tomás prossegue falando sobre o perigo para a soberania do
tirano que é a organização dos seus súditos para depô-lo. Porém o tirano faz de
tudo para que as relações entre o povo não se estabeleçam ou fiquem abaladas por
desconfianças ou coisas do gênero, pois “não confiando um no outro, nada possam
tramar contra o senhorio73”.
Também o tirano não faz seu povo crescer em riquezas, pois a mesma
também abalar seu poder e os ricos de seu povo podem vir a ser tiranos como ele,
já que ele mesmo, o tirano se utiliza desses mesmos artifícios. De uma forma geral,
o uso da força, o enfraquecimento de relações e o aniquilamento das virtudes são as
marcas gerais da tirania e deve de todos os modos ser evitado.
71
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 134.
72
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 134.
73
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 134.
74
Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) nasceu em Florença e foi chanceler da República Florentina,
secretário das nove milícias e é um importante pensador italiano do período da Renascença. Sua
principal obra é o tratado político “O Príncipe” escrito quando esteve exilado em San Casciano. Sendo
pai da ciência política moderna criando a noção de Estado como forma de organização de uma
sociedade. Sua descrição de como chegar ao poder e manter-se nele de formas pouco ortodoxas até
então o valeu a alcunha de maquiavélico para aquelas pessoas que utilizam de sua forma de
escalada ao poder.
concorda com a noção clássica de tirania como uma forma corrompida da
monarquia.
De acordo com Daniel Aust de Andrade a noção que Maquiavel é contrario a
tirania como forma degenerada é falsa como se vê a seguir:
75
AUST DE ANDRADE, Daniel. O Tirano e o político em Maquiavel. Revista Vernáculo nº26. 2010.
p.59
76
Virtù é para Maquiavel a capacidade do príncipe de controlar as ocasiões e acontecimentos de seu
governo. O governante com grande virtù constrói uma estratégia eficaz de governo de governo capaz
de sobrestar as dificuldades impostas pelas imprevisibilidades da história. In: SILVEIRA SOUZA,
Rubin Assis. Virtù e Fortuna em Maquiavel a partir da obra ‘O príncipe’.
<http://www.jus.com.br/artigos/29050/virtu-e-fortuna-em-maquiavel-a-partir-da-obra-o-principe>
Acessado em 08/10/2015.
77
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Rio de Janeiro. Editora Ideia Jurídica. 1ª edição. 2014. p. 137.
ele finge possuir ter. Isto é, sugere que ao cumprir a sua função, o
disfarce não deve ser estranho à figura que ele recobre78.
3.3. O tiranicídio
Alguns pensadores formularam que o mais justo diante de um regime tirânico
é a morte do tirano. João de Salisbury é um desses pensadores que corroboram
com o tiranicídio em sua obra Policraticus, segundo Calvário80. Até mesmo na
78
AUST DE ANDRADE, Daniel. O Tirano e o político em Maquiavel. Revista Vernáculo nº26. 2010.
p.62.
79
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 134.
80
CALVÁRIO, Patrícia. O Governo da Cidade no De Regno de Tomás de Aquino. Covilhã:
LusoSofia:press, 2008, p.11.
história bíblica já houve relatos de tiranicídios, no Antigo Testamento 81, mas na
doutrina de Cristo o assassinato não é permitido, nem mesmo numa “causa justa”
como no caso da morte de um tirano. Santo Tomás, fiel à revelação Cristã também
não aprova o tiranicídio e lembra-se da forma que os cristãos foram perseguidos
pelos tiranos do Império Romano.
A melhor forma de se encarar uma tirania não excessiva é tolerá-la em nome
do pro bono pacis (para o bem da paz), já o excesso da tirania leva ao propósito de
matar o tirano. Cavalheiri afirma que “o excesso de tirania causa a escravidão de
uma multidão de homens em benefício de um só 82” já que essa é a pior forma de
opressão do povo. Neste caso, a morte do tirano libertaria a muitos do jugo
opressor, por isso a morte do tirano se justificaria não por se tratar de seu chefe,
mas de um inimigo do povo, lembrando que esta é a visão de Cavalheiri.
Nem toda insurreição contra o tirano é boa, pois segundo o entendimento do
Aquinate:
Nem toda revolta contra o tirano chega ao seu fim da forma que foi pensada.
Basta um olhar atento sobre a história ver quando um ditador, tirano que controlava
o poder de forma “moderada” foi deposto ou até mesmo morto por seu povo qual
foram as consequências desses atos. Recentemente no Oriente Médio durante a
denominada “Primavera Árabe 84” aconteceu justamente aquilo que Santo Tomás
81
Jz 3,15-28
82
CAVALHEIRI. Alceu. O Pensamento Político de Tomás de Aquino no De Regno. 2006. 119f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-graduação em Filosofia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 90.
83
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 139.
84
A primavera árabe foi uma sucessão de eventos de revoltas populares na região da África
Setentrional e no Oriente Médio a partir do ano de 2011 que levou à cabo vários regimes tirânicos que
dominavam estes países a bastante tempo. Depostos ou mortos esses ditadores, os países se viram
diante de uma revolta popular pelo poder nas diversas partes do povo, tanto de parte religiosa, quanto
militar. Numa análise dos regimes desses ditadores, de certo modo o poder dos tiranos acalmavam
os estados de animo daqueles povos e que sob seu poder se mantinham em segundo plano.
Depostos, já não havia mais quem os impedissem de chegar ao poder, numa guerra civil que se
estende até hoje.
alerta sobre os perigos de uma revolta popular para tirar o poder do tirano. No
recente caso, o tirano que conseguia segurar os ânimos quem por algum acaso
pudesse tirá-lo do poder e também evitava a animosidade no seio de seu povo foi
morto ou deposto de seu cargo. Em todos os países em que os revoltos populares
aconteceram ou se instalou uma nova tirania, civil/militar ou pior ainda estourou-se
uma guerra civil entre partes do povo que se estendem até hoje como no caso da
Síria. Eis uma clara demonstração em que o pensamento do doutor angélico se faz
atual e presente na conjuntura contemporânea da política que é bem diferente da do
século XIII.
Santo Tomás afirma que é justo o povo resistir ao tirano e até mesmo
removê-lo de seu posto, mas a possibilidade do seu assassinato é rechaçada, pois
não encontra bases na doutrina apostólica 85. Segundo São Pedro em sua carta diz
que devemos ser reverentemente submissos, tanto aos senhores bons e
moderados quanto aos perversos86, portanto não é a toda e qualquer tirania que se
deve insurgir um levante, mas contra aquele que pesadamente oprime o povo e o
escraviza.
A iniciativa privada de assassinar o tirano não resolve o problema, mas pode
causar um maior ainda, pois o povo pode perder um bom rei do que afastar o perigo
da excessiva malignidade no governo da multidão. Portanto quem deve afastar o
tirano é a iniciativa da autoridade pública: “Quer, assim, parecer que não se deve
proceder contra a perversidade do tirano por iniciativa privada, mas sim pela
autoridade pública87”. Assim como afirma Salomão e Santo Tomás o cita como
exemplo que o sábio afugenta o ímpio88.
Santo Tomás na continuação de seu De Regno faz uma retrospectiva
histórica acerca da deposição dos tiranos e a espera de um novo rei pela autoridade
que compete dá-lo ao povo:
89
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 141.
90
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 141.
91
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 141.
Santo Tomás também aponta as condições que o Senhor dá para que o povo
consiga se livrar o tirano que os assola:
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad. Francisco
92