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A filosofia está para as escolas filosóficas como a poesia de Homero está para a
Hélade e a tragédia e a retórica para o espaço da Pólis. Esta frase quer dizer o seguinte: a
filosofia, como a épica e como a tragédia, está associado a um espaço imaginário. Ela é o
gênero de discurso próprio de uma encarnação espacial específica dos ideais gregos de
vida. Embora não sejam os únicos, o cânon da filosofia são as obras de Platão e
Aristóteles, os dois fundadores de escolas (respectivamente, a Academia e o Liceu) no
século IV.
A persona de Sócrates, o verdadeiro fundador da nova forma de vida associativa,
ocupa um lugar central na obra do primeiro, quez era seu discípulo direto. Sócrates não
quis, porém, fundar uma nova forma de vida, paralela à vida política. Seu ensino era dado
na ágora de Atenas da qual ele era m frequentador regular. Para todos os efeitos, ele era
um membro de sua elite intelectual, os sofistas, se bem que estranho. Sócrates teve outros
discípulos além de Platão. Um deles, Xenofonte, não via muito bem a diferença entre eles
e os sofistas; nem que, implícita em sua atividade estava a fundação de uma nova forma
de consórcio humano. Outros, como Diógenes, viam muito bem o conflito entre a vida
socrática e a vida propriamente política mas apenas de uma maneira negativa. Diógenes
foi o pai da “escola” dos cínicos, que não era uma escola realmente, pois não representava
uma seita propriamente mas apenas um modo individual de viver às margens da
sociedade, livre das preocupações do mundo (a lenda conta que ele vivia em um barril).
Dentre todos, coube apenas Platão o papel de sacar do conflito entre a vida filosófica e a
vida política a consequência positiva: a fundação de uma nova forma de vida associativa,
que representasse uma espécie de versão purificada da vida na pólis: a escola filosófica.
A ideia de fundar uma escola foi provavelmente o resultado direto das viagens que
Platão fez à cidade de Siracusa na ilha da Sicília. Lá ele sofreu, por volta dos quarenta
anos de idade, a segunda experiência política mais importante de sua vida: o fracasso. (A
primeira, claro, fora a morte de seu mestre, também ela uma experiência de fracasso).
Platão fora convocado por um amigo entusiasta para implementar, na cidade de
seu pai uma reforma orientada pelos princípios socráticos. O que consistia, prática, na
reforma da moralidade do círculo governante. Não devemos enxergar na atividade de
Platão como estadista um administrador contratado para impor umas reformas à
organização da cidade mas antes um reformador religioso interessado na conversão – no
sentido literal, não cristão, do termo metanóia, o de “mudança de mentalidade” – do
poder. Embora seus diálogos estejam cheios de sugestões de reformas institucionais, de
acordo com sua própria filosofia, qualquer reforma da cidade deveria começar pela
reforma moral da elite e, particularmente, do tirano. Ocorre que a elite e o tirano em
questão, Dionísio I, eram, parece, imensamente corruptos e a mensagem de moderação,
disciplina e justiça de Platão não foram bem recebidas. A operação de implantar uma
cidade justa foi tão mal sucedida como a de seu mestre Sócrates em Atenas. Platão não
foi condenado à morte mas foi vendido como escravo por Dionísio e teve de ser
recomprado por seus amigos. Até então, a prática da filosofia tal como os discípulos de
Sócrates a compreendiam tinha por finalidade a restauração moral do estado a partir da
reeducação de sua elite feita na própria cidade. A dialética era mais ou menos tida como
um substituto tanto da poesia (incluído a Épica e a Tragédia) quanto da Retórica dos
sofistas. É verossímil supor que o fracasso em Siracusa tenha terminado de desenganar o
filósofo de uma ação direta sobre a sociedade semelhante a que Sócrates exercera sobre
eles próprios. E é bem possível que as seitas pitagóricas que existiam na Sicília na altura
em que ele lá esteve lhe tenha inspirado o projeto de criar uma pólis nova dentro da velha,
assim como um dia Atenas tinha querido criar uma Hélade dentro da Hélade. O o que
significava fundar uma escola filosófica, um tipo de instituição que até então não existia
no mundo antigo.