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Ao estudar filosofia, assim como diversas outras disciplinas, não somos capazes de

ler sobre todos os autores que já viveram, pois isso não é nem necessariamente
benéfico e muito menos viável. Dessa forma, faz-se necessário que se escolha
previamente quais autores iremos estudar; infelizmente, e logicamente, não somos
nós que fazemos essa escolha, dado que é condição necessária que se conheça os
autores que se irá escolher. De fato, se formos analisar o curso da história da
filosofia, o que ocorreu não foi exatamente uma série de escolhas consciente —
apesar de hoje haverem comícios e conferências para revisitar autores esquecidos e
defender suas inclusões no meio acadêmico e escolar, esses não compõe a regra, mas
uma consequência em longo prazo do ato de escolha, que intrinsicamente exclui —,
mas sim uma corrente de influências que foi tecida ao longo dos anos e nos trouxe
até aqui. Sabendo disso, não é difícil entender o porquê de a maior parte dos
filósofos célebres serem de regiões específicas do planeta; Grécia e Roma,
concernindo à antiguidade, Alemanha, França, Estados Unidos e Inglaterra. O que
ditou os autores que leríamos foi a própria história.

Assim sendo, existem várias personalidades que usualmente povoarão os livros de


filosofia, podendo alguns ser deixados de lado aqui ou ali. O fato é que, dentre os
pensadores que estudamos até aqui e os quais ainda estudaremos, Platão é de longe o
que teve a maior influência no mundo ocidental, em particular, em sua fase cristã.
Não obstante, muito do que já foi dito por Platão continua a mostrar-se presente em
nossa sociedade contemporânea e suas ideias surpreendentemente permeiam até a mente
daquelas pessoas que nunca leram nada sobre filosofia. O dualismo platônico é o
gigante em cujos ombros repousam o Idealismo, o Racionalismo e uma parte
tremendamente significativa do pensamento cristão. Além disso, também é importante
que se tenha conhecimento da influência platônica na política, ainda que suas
ideias tenham envelhecido de forma horrenda é necessário que nós as estudemos pelo
que de fato são e não por aquilo que desejaríamos que elas fossem. Contudo, antes
de dedicarmos uma análise mais profunda a cada uma dessas influências, cuidemos de
analisar, primeiramente, quais foram os pensadores que influenciaram Platão.

PITÁGORAS

Se me perguntassem de que fonte mais bebeu nosso ilustre escritor, eu responderia


de imediato que fora a de Pitágoras. O matemático pré-socrático foi o representante
máximo do Orfismo, que como explicado em aulas anteriores era uma forma de culto
religioso, cujas crenças e práticas se baseavam na obra do poeta mítico Orfeu. Todo
o caráter místico e religioso do trabalho de Platão se deve a Pitágoras: a
imortalidade da alma, a dualidade corpo-espírito, a sujeição do corpo à alma e até
mesmo um forma primitiva da teoria da reminiscência. Não obstante, temos também de
mencionar o amor pela matemática, que é a mais óbvia descendência pitagórica no
pensamento platônico. Com efeito, a influência mais geral advinda de Pitágoras é o
próprio idealismo, que se manifesta no ócio e na passividade, figurando mais
popularmente na noção de amor platônico.

SÓCRATES

Quanto a Sócrates, que foi ninguém menos que seu mestre, Platão herdou o interesse
pelo estudo dos homens e da virtude. As questões éticas, assim como as indagações
dialógicas, frutos do método socrático, foram pontos importantes da discussão
platônica. A própria teoria da reminiscência é algo que se encontra no pensamento
de Sócrates de maneira quase idêntica ao que se vê em sua epistemologia. Porquanto
amado ainda nos dias de hoje, Platão manteve posições bem impopulares em relação à
atualidade, como sua repulsa à democracia e sua tendência ao autoritarismo e à
aristocracia. Dois fatores foram fundamentais para isso: a morte de seu mestre e o
esoterismo de sua filosofia; Platão não confiava no julgamento das multidões, pois
estas, de acordo com ele, se moviam exclusivamente pela doxa (opinião) e seguiam
ingenuamente as sombras projetadas pelo fogo da caverna. Poucos eram aqueles
capazes de compreender o bem eterno, imutável e externo à caverna e a esses, e por
esses, era feita a filosofia. Segundo Platão, o governante de um Estado devia ser
alguém que compunha essa nata intelectual, aristocrática por excelência. Esse
governante tinha de passar por uma severa disciplina intelectual e moral para que
pudesse reconhecer o bem e ser, assim, um bom estadista.

Todo esse conhecimento político extraído da obra de Platão será mais bem estudado
em aulas futuras, em que os conceitos de Governo, Estado soberano e República serão
formalmente definidos. Algo que se pode adiantar é que Platão nunca aceitou a
possibilidade de ensinar pessoas comuns a arte do magistrado, pois acreditava que
essas pessoas nunca seriam capazes de conhecer o Bem, logo não poderiam governar
adequadamente. A ingenuidade dele foi a de afirmar que qualquer indivíduo que
tivesse capacidade de verdadeiramente conhecer o Bem o seguiria inevitavelmente.

HERÁCLITO E PARMÊNIDES

É curioso ver que a discussão monista-mobilista persistiu por tanto tempo, aos
olhos de hoje seria absurdo que uma das teses, ambas tão absolutas, estivesse
correta. O tratamento que Platão lhe atribui, apesar de se basear em elementos de
pensadores passados, é bem original. Um feito dialético ímpar, que uniu ambas as
teses em um intricado sistema filosófico que permeava desde a metafísica até a
ética e a política. De Heráclito tomou a máxima do devir, que afirmava que a
realidade estava em constante metamorfose e as coisas jamais permaneciam as mesmas;
de Parmênides que toda mudança é ilusória e aparente e que a essência das coisas, o
mais fundamental delas, era imutável e, portanto, eterno. Embora pareçam
inconciliáveis a priori, o dualismo platônico as simplifica de tal forma que beiram
a equivalência. O mundo sensível é o mundo do devir, onde tudo é efêmero e incerto.
Nesse mundo os homens vivem imersos na escuridão da opinião, pois lá não podem
alcançar qualquer conhecimento verdadeiro, mas apenas ideias imediatas e
inconsistentes. O mundo das ideias, ou mundo inteligível, contudo, é o mundo das
essências, onde as coisas são o que de fato são. Lá reside a luz que ilumina as
verdades adormecidas em nossas mentes e lá jaz o conhecimento verdadeiro. A síntese
platônica, embora tenda mais para o monismo do que para o mobilismo, consegue
mesclar ambas as teorias surpreendentemente bem.

ARISTÓTELES E O CRISTIANISMO

Tendo visto um pouco sobre aqueles que influenciaram Platão, é bom ter noção também
daqueles que por ele foram influenciados. A começar por seu grande discípulo
Aristóteles, que a meu ver tem uma maior importância na Modernidade, ainda que
tenha figurado bem pouco no período Medieval. Com efeito, o tomismo aristotélico só
é instaurado formalmente por volta do século XIII, próximo do fim da baixa Idade
Média. Ainda assim, muito do que herdamos de Aristóteles foi primeiramente herdado
por este de Platão, então me parece bem óbvio o porquê de ele ser uma “figurinha
carimbada” nos livros de história da filosofia.

No campo da teologia, a metafísica platônica vai ser a base sobre a qual Agostinho
de Hippona construirá a patrística. A dualidade corpo-espírito fundamentará a assim
chamada miseria hominis, que vê a todo ser humano como pecador e como um ser
miserável, entregue aos desejos da carne, o que também levará aos incontáveis
suplícios da Idade Média. Na política, teremos o absolutismo e o crescimento do
poder aristocrático, cujos membros são tratados como superiores ao povo comum,
ideia que justificará todas as formas de abuso.

A questão é nem tudo que herdamos de Platão foi bom, muitas das suas crenças são
não factuais e suas ideologias datadas e prejudiciais. Tudo isso vai gerar uma
série de pensadores que atacarão vorazmente os seus pensamentos, particularmente
Nietzsche. Porém, não podemos deixar de lado suas contribuições benéficas e suas
motivações justas e morais, o que faz com que tenhamos de ler suas obras com a
maior criticidade possível, para evitar sempre anacronismos.

-Aula escrita por Cauan Marques

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