Você está na página 1de 12

A CIDADE IDEAL PARA PLATÃO: EDUCAÇÃO, JUSTIÇA E

VIRTUDE EM A REPÚBLICA

Joici Antônia Ziegler 1

RESUMO: O presente artigo objetiva explanar as ideias acerca da cidade ideal,


imaginada e descrita por Platão em sua obra magna A República. Nesta obra,
Platão, consternado com a morte de seu mestre Sócrates, se volta contra a
democracia grega, que a seus olhos, condenará o injustamente, e de maneira
democrática, Sócrates à morte. Platão idealiza uma cidade onde todos
cidadãos viveriam de maneira uniforme e sem injustiça, onde um filósofo seria
o rei do lugar. Uma cidade utópica, onde a virtudes como educação e
conhecimento ganham destaque, além de não haver democracia. Para
desenvolver esse assunto, o método utilizado é o referencial bibliográfico.

Palavras chave: Cidade Ideal; Democracia; Platão.

INTRODUÇÃO

Em cores primárias, podemos dizer que A República é o diálogo mais


importante, famoso e também extenso escrito Platão (428-347 a.C.). A obra é
dividida e composta por dez partes, dez livros nos quais aborda diversos
temas, tais como: política, educação, alimentação, imortalidade da alma, etc.
De destacar que o assunto principal e fio condutor deste longo diálogo é a
justiça. Trata-se da primeira de todas as Utopias que seguiram a ideia de algo
idealizado, imaginado e que de certa forma, seria uma cidade, um local
perfeito, ausente de injustiça.
Em A República, Sócrates (469-399 a.C.) é o personagem principal,
assim como nos demais diálogos de Platão. Sócrates é narrado em primeira
pessoa como o responsável pelo desenvolvimento das ideias. A
República (Politeia) idealizada pelo filósofo se refere a uma cidade ideal,
1
Advogada; Mestra e Doutoranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Strictu
Sensu em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões –
URI – Santo Ângelo/RS. Graduada em Licenciatura em Filosofia pela UNINTER. Pós
Graduada em Filosofia na Contemporaneidade pela URI/IMT.
chamada de Kallipolis (em grego, "cidade bela"). Nesta cidade, uma das
características seria a adoção de um novo tipo de aristocracia, uma nova forma
de governo, diferentemente da democracia e também, diferente da aristocracia
tradicional, baseada em bens e na tradição, a proposta do filósofo é que esta
possua como critério o conhecimento.
Para Platão, a cidade ideal estaria dividida em estratos sociais
baseados no conhecimento e seria governada pelo "rei-filósofo" – único
possuidor de conhecimento para governar e não deixar que as injustiças se
realizem. Os magistrados, responsáveis pelo governo da cidade, seriam
aqueles que possuíssem uma aptidão natural para o conhecimento, e, somente
após um longo período de formação, estariam preparados para ocupar os
devidos cargos. Esse sistema de governo é chamado de sofocracia, que vem
das palavras gregas sophrós (sábio) e kratia (poder) e é representado como "o
governo dos sábios".

1. PLATÃO EM CONTEXTO

Platão nasceu em Atenas por volta de 428 a.c, de nome Arístocles,


mais conhecido como Platão – apelido dado a ele em razão de seu porte
atlético, eis que o termo significa, em grego, ombros largos. Platão, além de ser
autor de A República e o Banquete, sendo estes os textos mais difundidos e
estudados, foi também o fundador da Academia em Atenas - a primeira
instituição de educação superior do mundo ocidental.

Platão desenvolve suas ideias em um período significativo da história,


eis que seu nascimento data de cerca de um ano antes da morte de Péricles, o
grande representante político e que fora símbolo do esplendor da cultura grega.
Também, de ressaltar que estava ocorrendo a famosa Guerra do Peloponeso.
Teve influência de outros filósofos como Heráclito, vejamos (Braga Junior e
Lopes, 2015, pg. 148):

Influenciado inicialmente por Crátilo e pelas ideias de Heráclito,


sobretudo sobre a impossibilidade de um conhecimento científico
universal decorrente das constantes transformações e modificações
às quais as coisas estavam sujeitas, teve no encontro do seu mestre
Sócrates o grande acontecimento de sua vida e na morte do filósofo,
o grande desencanto com a democracia grega, pois os homens que
conduziam a política naquela época foram os responsáveis por
cometer essa injustiça com o mais sábio e mais justo dos homens.
Uma das principais lições aprendidas com seu mestre foi a
necessidade de fundamentar qualquer ação humana em conceitos
racionais, lógicos, claros e seguros. Platão pertencia ao grupo dos
seguidores de Sócrates tendo como objetivo não a filosofia em si:
eles não queriam aprender a filosofar. Esse grupo de seguidores
queria, por meio da filosofia, preparar-se melhor para participar da
vida política.

Platão é amplamente considerado a figura central na história do mundo


grego antigo, bem como da filosofia ocidental, juntamente com seu mentor,
Sócrates e seu pupilo Aristóteles. O autor ajudou a construir os alicerces da
filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental, e também tem sido
frequentemente citado como um dos fundadores da religião ocidental, da
ciência e da espiritualidade. Certa vez, Alfred North Whitehead2 (1978, pg. 39),
observou que "a caracterização geral mais segura da tradição filosófica
europeia é de que ela consiste em uma série de notas de rodapé sobre Platão".

Nesse contexto da citação de Whitehead, denota-se que tudo o que se


segue na filosofia e no conhecimento provêm de Platão e não passa de
adendos às bases por ele impostas. Tamanha sua importância. Os textos e
Platão são lidos e estudados nas universidades em vários cursos. Não há
curso de Direito, Economia, Administração, História que não faça referência à
República de Platão.

Platão tivera grande influência dos filósofos que o antecederam, e com


sabedoria absorveu ensinamentos de Parmênides e Heráclito, por exemplo.
Russell, assim destaca esses ensinamentos (2015, pg. 146):

De Parmênides, obteve a crença em que a realidade é eterna, e


atemporal, bem como a convicção de que, com base em fundamentos
lógicos, toda mudança é ilusória. De Heráclito, Platão herdou a
doutrina negativa segundo a qual nada no mundo sensível é
permanente. Isso, associado à doutrina de Parmênides o fez concluir
que os conhecimentos não devem derivar dos sentidos, mas apenas
do intelecto – o que, por sua vez, se adequava muito bem ao
pitagorismo.

2
Alfred North Whitehead (1861-1947), que foi um filósofo, lógico e matemático britânico,
fundador da escola filosófica conhecida como a filosofia do processo, atualmente aplicada
em vários campos da ciência, como dentre outros na ecologia, teologia, pedagogia, física,
biologia, economia e psicologia.
De seu mestre Sócrates, ele possivelmente absorveu e assimilou o
interesse pelos problemas éticos, bem como a tendência de explicações
teleológicas e não simplesmente mecânicas acerca do mundo e de tudo que há
nele. Platão escreve sobre a forma de diálogos, abordando vários temas
fundamentais da filosofia, como a ontologia, a cosmologia, a epistemologia e a
política. Sua teoria das ideias constitui um dos pontos centrais do seu
pensamento filosófico, cuja principal característica é a divisão da realidade em
duas esferas, quais sejam: a do mundo das ideias – considerado pelo autor
como perfeito e imutável, e o mundo das realidades sensíveis, no qual as
coisas são apenas cópias perfeitas, representação do mundo das ideias.

2. A REPÚBLICA – IDEIAS GERAIS

A República de Platão pode ser descrita em pontos para melhor


compreensão. Como já referido, Platão escreve a obra de forma indignada e
consternada pela morte de seu mestre Sócrates – que fora condenado pela
democracia a beber cicuta, o que de fato ocorreu. Sócrates morre aos 70 anos
de idade.
Sócrates ficou conhecido como grande mestre e filósofo grego por
levantar questões que antes não haviam sido questionadas. A partir da
maiêutica3, convidava todos a refletir sobre a vida e tudo que diz respeito a ela.
Indagava jovens, adultos, governantes, nunca se sentia satisfeito com as
respostas e então seguia a indagação. O objetivo era despertar em todas as
pessoas a busca pelo conhecimento. No entanto, foi acusado de heresia e
corrupção da juventude ateniense lhe causando a condenação à morte de
maneira democrática.
Após a morte de Sócrates, Platão se revolta após e vive anos longe de
Atenas onde escreve sua obra máxima, idealizando uma cidade onde o rei
seria filósofo, pois somente este possuiria conhecimento para administrar e
governar uma cidade de maneira justa. Se opõe veementemente contra a
democracia que condenou Sócrates.

3
Método socrático que consiste na multiplicação de perguntas, induzindo o interlocutor na
descoberta de suas próprias verdades e na conceituação geral de um objeto.
Para o filósofo, a democracia é injusta por permitir que uma pessoa
ignorante tenha o mesmo valor que um sábio, dentro das deliberações
políticas. Deste modo, injustiças são cometidas. Para ele, o critério da maioria,
base da democracia, não possui qualquer tipo de validade já que, em muitos
casos, como o de Sócrates, a maioria pode estar errada e ser
democraticamente injusta.
Depois da morte de seu mestre, Platão passou a desenvolver seu
próprio pensamento filosófico, embora, muitas vezes seja difícil dissociar o que
seja o pensamento de platônico ou socrático. Os textos literários são em forma
de diálogo, sendo que Sócrates torna-se o personagem principal das obras.
Para Bertand Russell (2015, pg. 145):

Os pontos mais importantes da filosofia de Platão são, antes de mais


nada: sua Utopia, a primeira de uma série, depois, sua teoria das
ideias, tentativa pioneira de lidar com o problema ainda resoluto dos
universais; em terceiro lugar, seus argumentos em favor da
imortalidade; quarto, sua cosmogonia; e, quinto, sua concepção de
conhecimento como reminiscência e não como percepção.

Na República está situada, especificamente no livro VII, que Platão


apresenta a alegoria da caverna. Nessa alegoria se situa uma parábola que
coloca o filósofo como alguém que se liberta de um aprisionamento do mundo
sensível. Nessa célebre alegoria, muitas pessoas vivem acorrentadas em uma
caverna onde não há luz, somente percebem os movimentos pelas sombras,
não possuem visão do mundo apresentado como realmente é. Quando um
desses cidadãos consegue se livrar das correntes e sair da caverna e sentir o
mundo “lá fora”, volta para relatar e buscar os demais que se encontram
acorrentados, no entanto, ao relatar o mundo fora da caverna, as demais
pessoas não acreditam nele e se negam a sair, tamanha sua ignorância diante
do mundo.
Nessa alegoria, o filósofo é aquele que se liberta e busca conhecer o
que está além do mundo sensível, para tanto, seus olhos são abertos – é isso
que pretende a filosofia, uma abertura de conhecimento. Vejamos o que
escreve Russell (2015, pg. 166) a respeito dessa importante lição de Platão:
A visão de Platão na qual ele acreditava piamente quando da redação
da República, necessita no final das contas do auxílio de uma
parábola – a caverna – para comunicar sua natureza ao leitor.
Todavia, só chegamos a ela após uma série de debates preliminares,
cujo objetivo é fazer ao leitor perceber que o mundo das ideias é
necessário. Em primeiro lugar, o mundo do intelecto é diferenciado do
mundo dos sentidos; em seguida, intelecto e percepção sensorial são
divididos, cada qual, em dois tipos. Dos dois gêneros de percepção
sensorial não precisamos nos ocupar; os dois do intelecto recebem,
respectivamente, os nomes de ‘razão’ e ‘entendimento’. Destes,
ocupa a razão posição superior; está relacionado às ideias puras e
seu método é dialético. O entendimento é o tipo de intelecção usado
na matemática; é inferior à razão porque se vale de hipóteses que
não se pode verificar.

Para Patão, aqueles que carecem de filosofia se assemelham àqueles


prisioneiros encarcerados na caverna, pois podem olhar somente me uma
direção, eis que estão presos, tendo diante de si uma fogueira e o que
enxergam são somente as sombras, as representações dos objetos que estão
às suas costas, projetadas pela luz do fogo. O inevitável, é que eles acreditam
que tais sombras são reais, mas desconhecem os objetos que as geram.
Quando alguém, pela primeira vez, consegue escapar e contemplar a
realidade, toma ciência de que esteve até então enganado, no entanto, caberá
a este, na qualidade de “filósofo” mostrar aos demais o ocorrido.

3. A CIDADE IDEAL

Os livros de A República, são norteados pela ideia de justiça, onde os


três personagens Sócrates, Glauco e Adimanto buscam definir o que seria uma
cidade ideal. Para isso, definem que a cidade deveria ser dividida em três
partes, e que a perfeição estaria na integração harmônica entre elas, e para
isso haveria uma divisão de classe entre os cidadãos, sendo primeira classe de
cidadãos, mais simples e dedicada às ações mais triviais relativas ao sustento
da cidade, como o cultivo da terra, o artesanato e o comércio.
No que tange aos cidadãos de uma segunda classe, seriam um pouco
mais hábeis por possuírem prata na mistura de suas almas, também chamados
de guerreiros, se dedicariam a proteger a cidade e constituir o exército e seus
auxiliares na administração pública. No que concerne a terceira classe de
cidadãos – os mais nobres, estes se dedicariam ao estudo com o objetivo de
aliar razão e conhecimento, e assim, constituiriam a classe dos magistrados. A
estes também caberia a responsabilidade de governar a cidade, pois só eles
teriam toda a sabedoria que a arte da política exige.
A justiça entendida como uma virtude só poderia ser praticada pelo
detentor do conhecimento dedicado à razão. Este poderia controlar suas
emoções e seus impulsos e governar a cidade de forma sempre justa. Os
cidadãos são divididos em grupos de acordo com sua atuação e o nível de
conhecimento necessário para o desempenho de suas atividades. Somente a
atuação em conformidade com a determinação natural da alma pode trazer o
equilíbrio e a harmonia entre as partes.
Platão se preocupa com a corrupção, e salienta que o principal
problema está em assegurar que os guardiões se conservem fiéis às intenções
do legislador. Para tanto, Platão formula várias propostas nos campos
educacionais, econômico, biológico e religioso.
A educação do grego paideia4, cumpriria um papel fundamental na
constituição da cidade ideal de Platão, eis que ela seria responsável por
selecionar as crianças segundo suas aptidões naturais, ou como diz Platão,
segundo a predominância da alma e para garantir a elas o desenvolvimento
das habilidades que mais e aproximam dessa natureza.
Dessa forma, se a criança possuísse uma essência
predominantemente concupiscível, receberia uma formação técnica, aprenderia
um ofício, uma arte específica, sendo para tanto um trabalhador atendendo às
necessidades da cidade. De outro norte, se o cidadão mostrasse uma natureza
com predominância irascível iria receber a formação militar para que se
tornasse um guerreiro em defesa da cidade, e ainda, se um cidadão se
direcionasse para um pensamento racional deveria desenvolver a formação
intelectual, passando pelo ensino da matemática, das ciências, até chegar à
filosofia – conhecimento necessário para a vida politica da cidade ideal (Platão,
2001).
Um dos pontos de destaque é a educação, que na cidade ideal seria
dividida em duas partes: música e ginástica. Cada um desses segmentos
possui um significado bem amplo, sendo que a música abrangeria toda a
cultura, tendo como objetivo a transformação dos homens em verdadeiros
4
Em grego clássico: παιδεία é a denominação do sistema de educação e formação ética da
Grécia Antiga, que incluía temas como Ginástica, Gramática, Retórica, Música, Matemática,
Geografia, História Natural e Filosofia.
gentlemans, enquanto que a ginástica se maximiza para muito além do que
atualmente consideramos esporte e aptidão física.
Bertrand Russell, ao se referir à cidade ideal de Platão, assim a
descreve (2015, pg. 150):

A gravidade, o decoro e a coragem parecem ser as principais


qualidades a serem cultivadas pela educação. É preciso censurar,
desde cedo e rigidamente, a literatura a que os jovens têm acesso e a
música que podem ouvir. As mães e amas só devam contar às
crianças histórias autorizadas. Homero e Hesíodo estão vetados por
uma série de razões. Em primeiro lugar, trazem os deuses se
comportando mal, o que não é nada edificante; o jovem deve
aprender que os males jamais vêm dos deuses, uma vez que Deus
não é o autor de todas as coisas, mas apenas das boas.

Ainda, no tocante a educação, os meninos deveriam aprender que a


escravidão é pior que a morte, e, portanto, não podem ouvir histórias e contos
de que homens bons choram, mesmo diante da morte de uma pessoa querida.
Platão censura alguns tipos de música, sendo que as harmonias lídias e
jônicas deveriam ser proibidas, somente a dória – em razão da coragem e a
frígia – pela temperança, não eram vetadas. Os ritmos permitidos eram simples
a fim de expressar uma vida corajosa e harmônica.
No que se destina a educação das meninas, de destacar que para
Platão existia igualdade entre os sexos nesse ponto. Russell (2015, pg. 152),
ao fazer alusão a educação feminina, assim afirma:

Em primeiro lugar, as meninas devem receber a mesma educação


dos meninos, aprendendo a música e a arte da guerra em companhia
deles. Deve haver igualdade entre mulheres e homens em todos os
aspectos. A mesma educação que faz do homem guardião bom fará
da mulher uma boa guardiã; cm efeito, a natureza original de ambos é
uma só. Não há dúvidas quanto à existência de diferenças entre
homens e mulheres, mas tais diferenças nada tem a ver com a
política. Algumas mulheres são filosóficas, e, portanto, adequadas à
condição de guardiãs; outras são bélicas e dariam boas soldadas.

Platão em sua cidade ideal, também pensou na alimentação dos


cidadãos, dos moradores e afirmava que somente poderiam ingerir carne que
fosse assada, sendo vetados os temperos e a confeitaria, desta forma, não
precisariam de médicos. Até certa idade, aos jovens não é permitido
contemplar a feiura ou o vício. Os rapazes, em idade jovem, antes de maduros,
devem presenciar a guerra, mas, no entanto, não lhes caberia tomar parte no
combate em si (PLATÃO, 2001).

Uma das questões mais relevantes no texto se refere a economia. O


filósofo Bertrand Russell assim descreve (RUSSELL, 2015, pg. 152):

Quanto à economia, Platão propõe um comunismo pleno para os


guardiões e (creio) também para os soldados, embora isso não seja
muito manifesto. Os guardiões devem desfrutar de casa pequenas e
comidas simples; têm de viver como se em acampamento, jantando
em unidades; nenhuma propriedade privada terão além da que se
fizer necessária. Ouro e prata lhe serão proibidos. Embora não sejam
ricos; não há porque não serem felizes; todavia, o objetivo da cidade
é o bem do todo, e não a felicidade de uma só classe. Tanto a riqueza
quanto a pobreza são prejudiciais, e na cidade de Platão não existirá
nem uma, nem outra. Há no texto m curioso raciocínio referente à
guerra: diz o autor que será fácil conquistar aliados para a cidade,
uma vez que ela não desejará parte nenhuma dos espólios das
vitórias.

Justiça é o principal conceito desenvolvido em A República. Todo o


texto se desenvolve ao redor da tentativa de definição desse conceito
por Sócrates e seus interlocutores. Platão acredita que a justiça é a maior de
todas as virtudes e compreende que, para que se possa praticá-la, é
necessário defini-la. Os dois primeiros livros da obra são dedicados ao tema e
mostram a dificuldade de se definir um conceito tão importante e complexo
como a justiça.

4. JUSTIÇA EM PLATÃO

O termo justiça - elemento essencial de todo debate que envolve a


cidade ideal, encontra-se no Livro IV, de A República. A justiça, para Platão, é
realizada, concretizada quando cada cidadão faz seu próprio trabalho. Para
Platão, a cidade é justa sempre que o mercador, o ajudante e guardião se
ocupam de suas próprias atividades sem interferirem naquelas que são de
outras classes. Nessa seara, conclui-se que na cidade ideal, cada cidadão
deve cuidar da sua própria vida, no entanto, isso dificilmente corresponderia ao
termo justiça para um moderno ou contemporâneo.
Russell, assim destaca (2015, pg. 155):

A palavra justiça, tal qual a aplica ainda o direito, se assemelha mais


ao conceito de Platão do que o uso que lhe dá a especulação política.
Sob a influência da teoria democrática, passamos a vincular justiça a
igualdade, enquanto para Platão esse sentido não existe. “Justiça”, na
acepção em que é sinônimo de “lei” – como quando falamos em
“tribunais de justiça” -, diz respeito sobretudo aos desafios de
“justiça”, sugerida no início da República, afirma que ela consiste no
pagamento de dívidas. Essa definição é logo descartada por ser
inadequada, mas há algo nela que perdura até o fim.

Nos cabe uma indagação, se para Platão somente os filósofos


poderiam ser reis de uma cidade ideal, como está se formaria? Duas são as
formas pelas quais a República poderia ser instaurada: com os filósofos
tornando-se governantes, filósofos, o que em um primeiro momento parecia
difícil de ocorrer como ponto de início, eis que em cidade que já não e
filosófica, os filósofos são impopulares, não possuem destaque entre os
cidadãos.
Nessa seara, Bertrand Russell, ainda afirma no que se refere à justiça
(2015, pg. 156):

Vários são os elementos da definição de Platão que devemos


sublinhar. Em primeiro lugar ela possibilita que existam diferenças de
poder e privilégio sem que haja injustiça. Os guardiões devem
conservar consigo todo o poder porque os membros mais sábios da
comunidade; só haveria injustiça, segundo a filosofia de Platão, caso
houvesse nas outras classes gente mais sábia do que os guardiões.
É por isso que Platão prevê a promoção e o rebaixamento dos
cidadãos, muito embora acredite que o nascimento e a educação
sejam vantagens que, em grande parte dos casos, tornarão os filhos
dos guardiões superiores aos filhos dos outros.

Já em sentido oposto, um príncipe poderia tornar-se filósofo facilmente,


e ainda mais que um somente basta para ser o rei para fazer com que a cidade
se submeta à sua vontade e iniciando assim, a comunidade modelo para todo o
mundo. Para Platão, a filosofia é a pedra de toque, sendo uma espécie de
visão da verdade, não se tratando de algo puramente intelectual, tampouco
apenas sabedoria, mas sim amor a ela. Braga Junior e Lopes (2015, pg. 161),
afirmam que:

O governante da cidade idealizada por Platão deveria ser o filósofo.


Decorre daí o nome da teoria política de Platão: teoria do governante
filósofo ou teoria do filósofo-rei. O filósofo-rei seria o responsável por
manter o equilíbrio da cidade, pois seria o único capaz de conhecer a
verdade das coisas e compreender a ideia de justiça, uma ideia
perfeita que não está limitada a ideia de justiça, uma ideia que não
está limitada às ilusões dos sentidos e da aparência do mundo
sensível. Ele seria o único capaz de criar leis justas e de conduzir
todos os cidadãos à felicidade verdadeira.

Portanto, para Platão a justiça seria realizada em comunidade onde


cada cidadão desenvolvesse o seu próprio trabalho sem interferir no trabalho
do outro. A educação seria primorosa, principalmente para o governante do
local, que necessariamente deveria ser um filósofo, pois somente este possui o
conhecimento necessário para governar com justiça.

CONCLUSÃO

A República de Platão, como já mencionado aqui, é a primeira das


Utopias, talvez tenha sido concebida com o objetivo de realmente se tornar
realidade, o que não era tão impossível como pode parecer atualmente, haja
visto que muitas das suas diretrizes e disposições que para nós parecem
impossíveis e irrealizáveis se concretizaram, em alguns pontos, em Esparta –
cidade estado grega.
A leitura de A República é essencial para quem deseja obter
conhecimento do pensamento dos filósofos gregos, principalmente sobre a
filosofia de Platão. Nesta obra, está revelada grande parte de sua concepção
sobre o cosmos, os cidadãos, o Estado, também a física e a metafísica.
No contexto da citação de Whitehead acerca de Platão, aqui
mencionada, denota-se que tudo o que se segue na filosofia e no
conhecimento provêm de Platão e não passa de adendos às bases por ele
impostas. Tamanha sua importância. Os textos e Platão são lidos e estudados
nas universidades em vários cursos. Não há curso de Direito, Economia,
Administração, História que não faça referência à República de Platão.
O pensamento acerca de uma cidade ideal é descrito com maestria por
Platão iniciando a sagas das Utopias, que narram a vivência em lugares ideais,
onde há a predominância da justiça, da educação e da harmonia. Um ideal por
todos desejado. O objetivo de criar este local ideal, era organizar a sociedade
de modo que ela alcançasse a justiça. Para que isso acontecesse era
necessário que o cidadão procurasse alcançar um equilíbrio entre as almas,
respeitando uma hierarquia na qual a alma racional deveria governar as demais
almas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Antonio Charles Santiago. Filosofia Política, Editora Intrasaberes,


2015, Rio de Janeiro.
BRAGA JUNIOR, LOPES. Introdução à Filosofia Antiga, Editora Intrasaberes,
2015, Rio de Janeiro.
PLATÃO. A República. Editora Lafonte, 2020.
WHITEHEAD, Alfred North e Julio B. Fischer. Editora Martins Fontes, 1994.
RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental, Livro 1 – Filosofia Antiga.
Editora Nova Fronteira, 2015.

Você também pode gostar