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1.

  Problemas da argumentação no direito


Para compreender como se dão os problemas argumentativos no direito, há, basicamente, três diferentes abordagens.
A primeira delas consiste em entender a sofística e a persuasão no direito, a segunda trata da dialética platônica e
o primado da razão, e, a terceira, por fim, explora a retórica aristotélica. Como o direito possui uma faceta
argumentativa extremamente relevante, esse estudo é imprescindível para uma melhor compreensão do fenômeno
jurídico como um todo.
1.1  Sofística e persuasão
Ao longo de toda a história, a argumentação ocupou diversos lugares de relevância no pensamento social. Essa
importância é ilustrada pela variedade de perspectivas possíveis abordadas para compreender como se dá a
argumentação em vários âmbitos – e, em especial, no direito –, bem como para verificar como essa questão foi tratada
ao longo da história, sendo que uma das perspectivas que mais reverberou foi justamente a dos sofistas, na Grécia
Antiga.
De acordo com Matias (2016, p. 48),  é possível dizer que 

os elementos mais marcantes que unem os sofistas são o relativismo, a educação aberta e a construção de discursos
para a prática democrática direta.

No senso comum, os sofistas são tidos geralmente como enganadores, isto é, como filósofos que esvaziam o discurso
de maneira desonesta a fim de alcançar um determinado objetivo, o que, na verdade, não corresponde à realidade.
            Além disso, um dos pensamentos mais importantes desenvolvido pela Escola Sofística foi, segundo
Matias (2016, p. 52), o de que 
as virtudes podem ser ensinadas, e não que fossem privilégio de alguns. E, principalmente, a defesa de que as
virtudes de cunho político e jurídico pudessem ser desenvolvidas por todos, uma vez que já possuiriam uma potência
inata para tanto.

Assim, há uma certa abertura para que todas as pessoas possam aprender as virtudes, não sendo esse aprendizado
um privilégio de poucos, como concebido na visão aristotélica.
            Os sofistas, em geral, são considerados importantíssimos para a formação de pessoas, visando a preparação
do cidadão para a participação política, com um enfoque na retórica e na oratória principalmente. Contudo, eles
sofreram uma forte oposição de filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles e, como a maior parte do conhecimento
que se tem dos sofistas é oriunda desses filósofos, uma imagem negativa sua foi perpetuada ao longo da história.
Exemplo disso, como aponta Marcondes (2010, p. 42-43), consiste no termo sofisma, entendido como um raciocínio
argumentativo voltado à enganação, com uma forte conotação negativa.
Protágoras e Górgias foram os principais sofistas, considerados os mais influentes da época. Em relação ao primeiro
deles, conforme Marcondes (2010, p. 43), há uma frase de sua autoria, célebre até hoje, que nos leva às reflexões
sobre seu pensamento.
‘O homem é a medida de todas as coisas, das que são como são e das que não são como não são’. Esse fragmento
de certa forma sintetiza duas das ideias centrais associadas aos sofistas, o humanismo e o relativismo. Protágoras
parece assim valorizar um tipo de explicação do real a partir de seus aspectos fenomenais apenas, sem apelo a
nenhum elemento externo ou transcendental. Isto é, as coisas são como nos parecem ser, como se mostram à nossa
percepção sensorial, e não temos nenhum outro critério para decidir essa questão. Portanto, nosso conhecimento
depende sempre das circunstâncias em que nos encontramos e pode, por isso mesmo, variar de acordo com a
situação. (...) pode-se dizer que sofistas como Protágoras não eram meros manipuladores da opinião, mestres sem
escrúpulos que vendiam suas habilidades retóricas a quem pagasse mais, mas, ao contrário, acreditavam não haver
nenhuma outra instância além da opinião a que se pudesse recorrer para as decisões da vida prática, as quais
deveriam ser tomadas com base na persuasão a fim de produzir um consenso em relação às questões políticas.

Nesse sentido, no caso de um debate em uma assembleia, o relativismo é presente no pensamento sofista justamente
por não se crer na existência de uma verdade acabada pertencente a alguém. Isso significa que todos teriam suas
razões, interesses e objetivos e buscam defende-los da melhor forma. Nesses processos decisórios, então, é
necessário, segundo Marcondes (2010, p. 43) superar parte das diferenças e atingir alguma convergência de
interesses e objetivos, de modo que é destacada a relevância da retórica e da persuasão.
Ainda segundo o autor, para Protágoras, a principal técnica argumentativa é a chamada antilógica, que é desenvolvida
como uma forma de argumentar a favor e contra determinada posição, entendendo ambas como igualmente
verdadeiras e defensáveis. A partir disso, haveria uma preparação para a discussão, ao se considerar, de maneira
mais profunda, os motivos de uma posição e outra, antecipando as objeções possíveis a cada uma delas.
            No pensamento de Górgias, por sua vez, a oratória é um elemento de grande importância, além de, também na
sua perspectiva, o relativismo ser um traço marcante, na medida em que sustenta não ser possível a existência do
conhecimento como estável e definitivo, uma vez que as provas de um fato são mais importantes do que a verdade em
si, segundo Marcondes (2010, p. 44).
            Dessa forma, é inegável que os sofistas contribuíram muito para o desenvolvimento dos estudos da linguagem,
dado, conforme Marcondes (2010, p. 44), o interesse que demonstraram em relação à elaboração e à emissão de um
discurso preciso e eficiente, que os levou a investigar a língua grega e começar os estudos sistemáticos da linguagem.
Um exemplo disso é o desenvolvimento da análise etimológica das palavras, em que se examina o significado e a
origem dos termos, o que era tido como muito importante para os sofistas em geral.
            Esses atributos desenvolvidos pelos sofistas eram até mesmo vendidos nas cidades àqueles que podiam pagar
e, em algumas ocasiões, às pessoas em geral, o que contribuiu para o crescimento da qualificação dos cidadãos na
participação política. Como afirma Matias (2016, p. 52),
no contexto democrático, a cidade como um todo proporcionava formação política aos cidadãos, ao arrepio do ideal
aristocrático, representando a educação sofística apenas um incremento aos que se interessavam por suas técnicas e
podiam pagar. O que mesmo assim não excluía de todo a população que não pudesse pagar, uma vez que os sofistas
frequentemente davam amostras abertas de seus ensinamentos (como espécie de divulgação de seu trabalho).
Também sua prática política e jurídica nos ambientes formais, por ser pública, proporcionava frequentemente grandes
lições gratuitas aos ouvintes. A nosso ver, os sofistas foram considerados elementos essenciais na dinâmica de
aumento do interesse e da qualificação dos cidadãos para a prática democrática, funcionando como verdadeiros
motores, ao passo que isto também retroalimentava o ciclo de aumento na demanda por seus serviços.
Assim, a partir das técnicas de argumentação sofistas, sobretudo ao relativizar conceitos e supostas verdades, foram
sendo desenvolvidas formas de aprimoramento argumentativo e retórico. Com isso, é possível afirmar que os sofistas
contribuíram para a evolução do debate político, na medida em que suas técnicas envolviam a consideração de todos
os pontos contrários e favoráveis às posições colocadas em torno de uma questão.
            Por isso, como o debate político daquele contexto demandava a construção de, ao menos, um consenso
parcial, uma vez que persuadir os demais componentes da assembleia era essencial para que determinada opinião
prevalecesse. O que os sofistas fizeram foi justamente desenvolver técnicas argumentativas que ajudassem nessa
tarefa, o que levou em conta também um estudo relativamente aprofundado e pioneiro, na época, sobre a linguagem, a
gramática e a retórica.
1.2  Dialética platônica e o primado da razão
 Na teoria de Platão, o cerne da problemática por ele desenvolvida gira em torno de uma preocupação com
a ciência, ou seja, o conhecimento verdadeiro, com a moral e com a política. Para ele, segundo
Marcondes (2010, p. 51), 
o conhecimento em seu sentido mais elevado identifica-se com a visão do Bem.

Nesse sentido, Platão busca refletir sobre questionamentos acerca do significado da democracia, do valor da arte, da
forma como se definem as virtudes, dentre outras temáticas relevantes. Essas reflexões seriam feitas através do
diálogo, de modo que, conforme Marcondes (2010, pp. 51-52),
[a] filosofia corresponderia a um método para se atingir o ideal em todas as áreas pela superação do senso comum,
estabelecendo o que deve ser aceito por todos, independente de origem, classe ou função. É isso que significa a
universalidade da razão. A prática filosófica envolve assim, em certo sentido, o abandono do mundo sensível e a busca
do mundo das ideias. (...) Embora represente um rompimento com o senso comum, uma superação da opinião, a
dialética platônica tem como ponto de partida o senso comum, a opinião, submetidos a um reexame crítico. O filósofo
não invoca uma revelação externa, uma inspiração, uma autoridade divina superior, mas conduz seu interlocutor a
descobrir ele próprio a verdade.

Inclusive, na opinião de Platão, os sofistas representariam uma forma de degradação do diálogo, já que, de acordo
com Marcondes (2010, p. 52), seria através de manobras de manipulação e alteração da realidade, tais como as
ilusões, as ambiguidades e as metáforas, que eles ensinariam a arte do convencimento, sem haver a real busca da
razão. Evidentemente, como já vimos, essa não era, necessariamente, a atuação dos sofistas, porém, é necessário
notar que se trata, aqui, da perspectiva platônica em contraposição à Escola Sofística.
O primado da razão, portanto, é construído a partir da ideia de que somente através dela seria possível chegar à
verdade, à certeza e à clareza, tarefas essas da filosofia. Por isso, a filosofia, segundo Marcondes (2010, p. 52), 

constitui um discurso que se funda na legitimidade, que deve ser aceito por todos (...), que se impõe pela
argumentação racional, que produz consenso legítimo, que se opõe à violência do poder e à ilusão e mistificação
ideológicas.

Dessa forma, conforme afirma Marcondes (2010. p. 52),


[o] diálogo é a forma pela qual tal consenso pode se estabelecer. O método dialético – em suas primeiras versões nos
diálogos socráticos de Platão – visa expor e denunciar a fragilidade, a ausência de fundamento, o caráter de aparência
das opiniões e preconceitos dos homens habitualmente em seu senso comum. Visa, portanto, superar esses
obstáculos, fazer com que o interlocutor tenha consciência disso. Para Platão, na verdade, a filosofia é necessária
como resposta a uma situação histórica injusta e ilegítima.

Além disso, na dialética platônica, são colocadas algumas oposições, tais como opinião x verdade; desejo x razão;
interesse particular x interesse universal; senso comum x filosofia, cuja superação, que consiste no objetivo primordial
da filosofia em busca da verdade, se dá através, justamente, da razão. Assim, conforme Luft (1996), apenas por meio
da razão é possível estabelecer um contato com o que é, de fato, real e permanente, uma vez que o corpo só é capaz
de entrar em contato com as coisas falsas e transitórias.
A dialética platônica seria, assim, também um processo de abstração para que seja possível chegar-se à definição
verdadeira dos conceitos. Nesse processo dialético, há a tentativa de levar o interlocutor a reconhecer a fragilidade de
suas próprias opiniões calcadas em meras sensações transitórias e enganosas. Somente através do diálogo, então, as
opiniões vão sendo expostas, revelando-se contraditórias e inconsequentes. Portanto, o método dialético, conforme
Marcondes (2010, p. 53), 

não substitui de início a certeza da opinião por uma outra certeza, mas é um método negativo, exigindo uma atitude
crítica, mostrando a necessidade de uma interrogação, e um questionamento dessa própria opinião, de sua origem, de
seus fundamentos.

O diálogo, para Platão, seria uma relação verdadeira que se opõe à força física e também à suposta retórica
manipuladora dos sofistas, de modo a estabelecer, como aponta Marcondes (2010, p. 53), o que é dito, seus motivos e
seus significados. E, aceitando as regras do diálogo, os interlocutores abandonam pouco a pouco a sua opinião e
passam a buscar a universalidade, superando as divergências de opinião e constituindo, assim, a filosofia.
            A doxa (opinião), por sua vez, está baseada em um conhecimento através dos cinco sentidos – tato, audição,
olfato, paladar e visão. Entretanto, tais sentidos são imperfeitos, de modo que não se pode confiar completamente
neles como uma fonte de conhecimento. Dessa forma, de acordo com Sgarbi e Zen (2018, p. 82), para Platão, sendo
os sentidos limitados e aptos apenas a fornecer um conhecimento superficial e aparente da realidade, a razão deve,
portanto, ser o instrumento para se alcançar o conhecimento verdadeiro, aquele baseado nas ideias imateriais,
libertando-se dos sentidos e atingindo a essência dos seres e das coisas pela racionalidade.
Uma das ilustrações mais famosas do pensamento de Platão é aquela que se refere à alegoria da caverna. De maneira
muito simplificada, essa alegoria é contada através de um diálogo entre Sócrates e Glauco, retratando a história de
alguns homens que viveram toda a vida em uma caverna, na qual estavam acorrentados e posicionados de modo a
somente conseguir enxergar as sombras dos objetos e das pessoas que se encontravam fora da caverna. Assim,
nomeavam as sombras daquilo que viam, acreditando se tratar de seres reais.
            Nesse diálogo, Sócrates sugere que um dos homens teria sido solto e, ao enxergar a luz do dia, teria a visão
momentaneamente ofuscada, sem conseguir distinguir corretamente os objetos que antes eram apenas sombras.
Pouco a pouco, então, o homem liberto passa a compreender e melhor distinguir os objetos que via anteriormente
pelas sombras, habituando-se à nova realidade que enxerga. Como consequência, se esse homem voltasse à caverna,
os demais prisioneiros o tomariam como louco, julgando que não valeria a pena subir à luz.
            Essa subida, na alegoria, representa uma ascensão da alma a um lugar inteligível. A percepção anterior dos
prisioneiros, que compreendiam o mundo e os objetos através das sombras, seria a opinião, baseada em sentidos
facilmente enganáveis. Já o processo de compreensão da realidade vivido pelo prisioneiro que sai da caverna, repleto
de dificuldades, tal como a visão inicialmente ofuscada, seria a dialética, marcada pelo conflito entre a opinião inicial e
a nova compreensão do mundo.
O que se vê, portanto, é que o primado da razão em Platão se dá exatamente ao compreendê-la como o instrumento
correto para se alcançar o conhecimento verdadeiro e a essência dos seres. Somente a partir da razão é possível
acessar o mundo das ideias e atingir a verdade, superando os juízos enganosos que as pessoas formam através dos
sentidos e deixando para trás as meras opiniões.

1.3  Discurso retórico aristotélico: invenção, disposição, elocução e ação


Posterior à Platão, Aristóteles surge com um pensamento crítico à filosofia pré-socrática, notadamente dos sofistas,
bem como à filosofia de Platão, principalmente ao refutar a teoria das ideias, desenvolvida pelo último. Conforme
Marcondes (2010, p. 70), o ponto mais importante da crítica de Aristóteles ocorre justamente ao dualismo dessa teoria
das ideias, de modo que são levantados os problemas encontrados na explicação da relação entre o mundo das ideias
e o mundo material a partir da teoria platônica desenvolvida, por exemplo, na Alegoria da Caverna.
            Na tradição grega antiga, o processo argumentativo deve passar por quatro etapas – invenção, disposição,
elocução e ação – que são desenvolvidas por Aristóteles e, segundo Ferreira e Figueiredo (2016, p. 46), passar por
elas (ou atender às demandas do que cada uma delas representa) era tarefa do orador que pretendesse persuadir com
seu discurso.
A primeira das etapas é, portanto, a invenção. Ela consiste, de acordo com Ferreira e Figueiredo (2016, p. 47),
basicamente,

no momento da busca das provas que sustentarão o discurso. Assim, a invenção consiste na ‘busca que empreende o
orador de todos os argumentos e de outros meios de persuasão relativos ao tema de seu discurso’ (Reboul, 2004: 44).
É a busca dos argumentos que contribuirão para a defesa da tese. Essa tarefa também implica procurar pontos de
vista diferentes daqueles estabelecidos pelo senso comum.
Nesse sentido, a invenção possui um duplo sentido. Ela pode significar uma análise de todos os argumentos
disponíveis a respeito de um assunto e também a própria criação de novos argumentos possíveis para o tema. Por
isso, segundo Ferreira e Figueiredo (2016, p. 47), uma das condições mais importantes para que o processo de
invenção seja feito de maneira apropriada é que o orador conheça muito bem o assunto, para identificar os argumentos
existentes sobre a questão e para melhor aguçar sua própria capacidade criativa em relação aos novos argumentos.
            Ainda segundo os autores, outro ponto relevante na invenção é o conhecimento que o orador deve buscar a
respeito do auditório, isto é, os destinatários do seu discurso. Isso porque, tendo mais informações sobre as pessoas
que serão afetadas pelo discurso, o orador terá mais condições para criar novos argumentos que encurtem a distância
em relação ao auditório e permitirá que o tema seja mais bem compreendido pelas pessoas.
Em seguida, temos a segunda etapa do processo argumentativo, a disposição, que diz respeito à organização e
distribuição dos argumentos de modo plausível e racional no texto. Assim, segundo Ferreira e Figueiredo (2016, p. 48),
a tarefa do orador é, na etapa da invenção, reunir as provas, enquanto na etapa de disposição é organizar o seu
discurso de forma lógica ou psicológica com a intenção de persuadir o seu destinatário.
            A importância dessa etapa está diretamente relacionada ao fato de que, conforme Ferreira e Figueiredo (2016,
p. 48), 

a ordem de apresentação dos argumentos modifica as condições da sua aceitação. Portanto, quando se trata de
argumentar, tendo em vista a obtenção da adesão de um auditório, a ordem é de extrema importância.

Assim, é necessário que o discurso seja feito de modo a apresentar os argumentos em uma sequência lógica e
racional que faça sentido para o auditório.
            Há muitas formas de se pensar a disposição dos argumentos em um discurso, de acordo com o objetivo que se
quer alcançar. Uma das estratégias de organização argumentativa é chamada de nestoriana, na qual, de acordo com
Ferreira e Figueiredo (2016, p. 48-49), pode-se organizar o discurso de modo a dispor argumentos fracos entre
argumentos fortes, pois isso resulta em um argumento final forte. Aristóteles, por exemplo, pensava que o argumento
fraco deveria preceder o argumento forte.
Outras duas célebres formas de organização dos argumentos são a crescente e a decrescente. Enquanto a primeira se
inicia do argumento mais fraco ao mais forte, a segunda faz o caminho inverso. Evidentemente, assim como ocorre no
caso da nestoriana, esses modos de organização argumentativa possuem seus pontos positivos e negativos. Segundo
Waahys ( 2011, p. 4-5 apud FERREIRA e FIGUEIREDO, 2016, p. 49),
[n]a ordem crescente, o fato de se começar pelos argumentos mais fracos pode instalar uma certa letargia no auditório,
que não fixa o que foi lido primeiro na sequência de argumentos. Na ordem decrescente, ao terminar o discurso com os
argumentos mais fracos, o orador deixa no auditório uma impressão igualmente fraca, no sentido de, de forma oposta à
ordem crescente, que todos os argumentos oferecidos anteriormente ao último e de mais força sejam ignorados. A
ordem nestoriana, um meio-termo entre as outras duas ordens, não apresenta nenhum desses dois inconvenientes, na
medida em que começa e acaba com argumentos fortes, mas tem contra si o fato de pressupor a força dos
argumentos como uma grandeza imutável, não levando em consideração que a força de um argumento varia sempre
em função do auditório e que este, por sua vez, também muda com o desenrolar do próprio discurso.

Assim, o mais importante para o orador é compreender seus próprios objetivos no discurso, bem como sopesar de que
forma seu auditório poderá receber o discurso conforme cada uma das possibilidades de organização argumentativa. A
disposição, dessa forma, poderá ter um melhor efeito se o orador conhecer esses fatores e fizer a escolha correta da
estratégia organizacional.
Na terceira etapa, temos a elocução, que se refere à escrita do discurso, ao estilo utilizado pelo autor, ou seja, ao
próprio trabalho com a linguagem. Nas palavras de Ferreira (2010, p. 63 apud FERREIRA e FIGUEIREDO, 2016, p.
50),
[a] maneira mais explícita de fazermos ecoar o poder das palavras está no modo como as empregamos no discurso, na
maneira como trabalhamos a elocutio (elocução). Em sentido técnico, a elocução é a redação do discurso retórico.
Mais do que uma questão estilística, envolve o tratamento da língua em sentido amplo, abrange o plano da expressão
e a relação forma e conteúdo: a correção, a clareza, a adequação, a concisão, a elegância, a vivacidade, o bom uso
das figuras com valor de argumento. Como componente teórico operacional, mantém relação de sucessividade com
a dispositio. Para o analista, é a única fonte de onde se extraem todos os elementos analíticos e depreendem-se as
operações retóricas anteriores.

Nesse sentido, na elocução, fica mais nítido o estilo pessoal do orador, que faz as construções linguísticas conforme
sua própria forma de elaboração discursiva. De todo modo, conforme Ferreira e Figueiredo (2016, p. 50), é importante
que o orador busque formular um discurso o mais claro possível para os seus destinatários. Isso passa por vários
fatores, como a escolha de um vocabulário adequado ao perfil do auditório, sem utilização de expressões que
dificultem o entendimento por parte das pessoas que terão acesso ao discurso.
Por fim, a última etapa do processo de argumentação é a ação, que consiste no ato em si em que o discurso é
proferido, o que envolve elementos como a voz e os gestos, por exemplo. A ação, segundo Ferreira e Figueiredo
(2016, p. 50), 

tem como finalidade a captação da atenção do auditório e sua persuasão, uma vez que é por meio dela que o discurso
atinge o público. Daí seu caráter essencial.

Além disso, ainda de acordo com Ferreira e Figueiredo (2016, p. 51),


é por meio da ação que o orador logrará aparentar aquilo que deseja. Para garantir tal efeito, durante essa etapa, o
orador se vale dos componentes emotivos da emissão da palavra: a prosódia, a gestualidade (kinésica) e a interação
com o espaço (proxêmica). É nesse sentido que tanto textos verbais como não verbais podem ser objetos de análise
retórica.

Essa etapa é, também, de grande relevância, pois ajuda a compor um cenário de enunciação do discurso em que
outros elementos persuasivos podem se integrar ao discurso, como o gestual e a interação com o público. Esses
fatores são capazes de alterar a forma como o discurso é recebido pelos destinatários, influenciando na aceitação ou
não daquilo que é dito e alterando de maneira significativa os efeitos do discurso.
Assim, pode-se observar, a seguir, um quadro ilustrativo que apresenta as quatro etapas do processo argumentativo
de forma resumida.
Por conseguinte, é notório como o discurso retórico é composto por uma variedade de elementos complexos que o
moldam e o constituem, sendo necessário atentar a essas questões para que o discurso alcance melhor os objetivos
pretendidos no momento em que é proferido.
2.  Formas e funções do discurso
As formas referentes ao texto da norma jurídica são, geralmente, divididas entre sintaxe, semântica e pragmática,
enquanto as suas funções, via de regra, são descritivas, expressivas e prescritivas. Trata-se, portanto, de um
enfoque essencial para a compreensão de como a linguagem opera no direito e o constitui a partir das construções
discursivas diversas que são possíveis no contexto jurídico.
2.1  Formas do discurso
Primeiramente, é importante destacar que essas classificações de formas do discurso referente ao texto da norma
jurídica estão inseridas na tradição do construtivismo lógico-semântico, que pode ser entendido, de acordo com
Favacho e Tomé (2017, p. 275), como 
uma escola do pensamento jurídico que se preocupa com a utilização das categorias semióticas, a análise da norma e
o estudo da teoria da linguagem e dos valores para a compreensão do direito posto.

Trata-se de uma perspectiva baseada justamente em uma compreensão diferente do fenômeno jurídico, voltada às
questões semióticas.
            Assim, como essa perspectiva tem como objeto o sistema jurídico, é preciso desde logo explicitar o que se
entende por essa expressão na teoria em questão. Segundo Favacho e Tomé (2017, p. 275),
[o] termo ‘sistema jurídico’ carrega ao menos dois sentidos. O primeiro é de ‘ordenamento’, que encontramos a partir
da leitura dos textos de lei. Esse sistema é formado por normas jurídicas e é composto por linguagem técnica, na qual
o rigor dos termos científicos se mistura com a vulgaridade da linguagem natural. A segunda acepção é de ‘sistema da
Ciência do Direito’, o qual é formado por um conjunto de proposições que descrevem o sistema do direito positivo. A
Ciência visa a descrever o seu objeto, valendo-se da ‘linguagem científica’: discurso que substitui locuções imprecisas
por termos com pretensão de univocidade. Como o direito se manifesta por meio de uma linguagem, podemos dizer
que a linguagem da Ciência do Direito refere-se a outra linguagem – a do direito positivo.

Além disso, para o construtivismo lógico-semântico, a lei é entendida como apenas um suporte físico, de onde se
originam as interpretações, através do contato que o intérprete passa a ter com tal suporte. Assim, não se admite,
nessa perspectiva, a ideia de se alcançar a essência do texto, uma vez que essa essência não estaria na letra da lei
em si. Conforme Favacho e Tomé (2017, p. 275 ), a aplicação do direito, ao invés de abarcar uma neutralidade,
demanda tradução e interpretação conforme o ambiente e os valores do ambiente, culminando, portanto, em uma
criação.
Nesse sentido, a pragmática da perspectiva do construtivismo lógico-semântico, segundo Favacho e Tomé (2017, p.
283), 

compreende a utilização, pelos sujeitos, da linguagem do direito na motivação da conduta para a realização de certos
valores prestigiados pela ordem vigente.
Dessa forma, é preciso explicitar que o direito não subsiste sem a linguagem jurídica. Isso porque os dados, conforme
afirmam Favacho e Tomé (2017, p. 278), 
só são conhecidos quando representados, pois conhecer é transformar o dado bruto em um objeto, em uma
representação do dado bruto. Sabemos que conhecemos quando sabemos falar sobre algo, emitir proposições sobre
algo, enfim, representar algo.

E não há dúvidas de que a representação se dá justamente a partir da linguagem, de modo que a linguagem não
apenas serve como forma de representação dos fenômenos jurídicos, como constitui o direito, na medida em que
apenas através de formulações linguísticos o direito pode existir.
            Chegamos, então, às três categorias utilizadas pela visão construtivista: sintaxe, semântica e pragmática. De
acordo com Favacho e Tomé (2017, p. 283), quando se fala em sintaxe, o que está em discussão é a estrutura formal
das normas, enquanto a semântica trata da relação da norma com o objeto, a partir da variação de interpretação das
normas. Em outras palavras, é possível afirmar que a sintaxe está mais relacionada, por exemplo, à organização das
palavras em uma oração. Já a semântica diz respeito ao sentido de determinada designação linguística, como o
significado das palavras conforme seu contexto de uso.
No âmbito jurídico propriamente dito, essa diferenciação pode ser explicada por Favacho e Tomé (2017, p. 283), como
aquela em que,
[n]o nível sintático, as normas são iguais: todas prescrevem condutas, todas cuidam do dever-ser, dever de fazer algo.
Todas são compostas por uma hipótese ou antecedente (se alguém matar, se alguém auferir renda) e um consequente
(logo, deve ser aplicada determinada pena; logo, deve pagar Imposto sobre a Renda ao Fisco Federal). Mas seus
sentidos são diferentes em nível semântico: uma é uma norma de direito penal; outra, de tributário. Uma proíbe matar;
outra obriga a pagar tributo. É uma relação entre o suporte físico (texto de lei) e a significação (conteúdo prescritivo).

A forma pragmática, por sua vez, é focada, de acordo com Favacho e Tomé (2017, p. 283), na ação das pessoas que
estão sujeitas à aplicação da norma. Como em geral as normas jurídicas possuem função prescritiva, orientando e
regulando comportamentos humanos, a faceta pragmática do texto normativo relaciona-se justamente com os efeitos
daquela construção linguística e normativa em seus destinatários.
            Assim, há certa relação de interdependência entre os planos sintático, semântico e pragmático, na medida em
que uma tal construção normativa (no sentido da estrutura e da forma textuais) gera implicações e significados a partir
do contexto em que estão inseridos, influenciando, em maior ou menor grau, o modo como as pessoas se comportam.
Daí a importância de se compreender linguisticamente o direito de maneira completa.
Nesse sentido, de acordo com Favacho e Tomé (2017, p. 285),
[o] direito trata de relações intersubjetivas, e não ‘intra’ subjetivas. A relação do utente com o objeto, ainda que possível
(é possível olharmos para o direito e interpretá-lo, seguir seus comandos e também desobedecê-los), depende de
haver mais alguém. Sempre haverá um emissor e um receptor, um sujeito ativo e um passivo no sistema do direito
posto. Quando a semântica diz se preocupar com a relação entre a comunicação e seus objetos, deverá levar
necessariamente em conta o contexto – relação entre comunicação, interlocutores e ambiente em que ocorre, nos
termos de Volli (2007, p. 233) –, campo teórico da pragmática. Por isso, a pragmática apresenta relação de bi-
implicação com a semântica na análise do direito: determinado termo possui um certo sentido porque é usado pelos
utentes com aquele escopo (por convenção ou costume); os demais interlocutores, por conseguinte, para ser
comunicarem precisarão utilizar o termo no sentido firmado pela comunidade; e assim por diante, visto que o sentido
dos vocábulos evolui, por novos usos que lhe são conferidos pelos sujeitos da relação comunicacional.

Por isso, é importante também estar atento à dinamicidade não apenas do direito em si, mas também dos aspectos
linguísticos que o compõem e o constituem, alterando os termos usados, seus significados e suas implicações práticas
na vida das pessoas em contextos variados. Como o direito se faz presente na vivência de sociedades cada vez mais
complexas, as transformações e a diversidade se dão também na maneira pela qual os fenômenos jurídicos são
linguisticamente representados e designados, o que influencia determinantemente as instâncias de sua aplicação e
interpretação.
2.2  Funções do discurso
Ainda no que tange ao texto da norma jurídica, existem outras três categorizações comumente feitas para tratar das
normas, de modo a compreendê-las como proposições descritivas, expressivas e prescritivas. Primeiramente, contudo,
é necessário explicar o que, nesse caso, se entende por proposição.
            Bobbio (2001, p. 74) define o que se entende por uma proposição no contexto jurídico como
um conjunto de palavras que possuem um significado em sua unidade, [e] entendo excluir do uso deste termo
conjuntos de palavras sem significado. Um conjunto de palavras pode não ter um significado em sua unidade, embora
tenha um significado as palavras que o componha, como, por exemplo: ‘César é um número primo’; ‘o triângulo é
democrático’. Ou ainda podem não possuir um significado como unidade, porque as palavras mesmas que o compõem
não têm, tomadas singularmente, um significado (...). Um conjunto de palavras sem significado não pode ser
confundido com uma proposição falsa. Uma proposição falsa é sempre uma proposição porque tem um significado.

No âmbito jurídico, quando se diz que uma norma é uma proposição, a ideia é justamente a de entender que se trata
de um conjunto de palavras com um significado. Essa proposição, porém, pode ser formulada de diferentes maneiras.
De toda forma, conforme Bobbio (2001, p. 74), o que mais interessa ao jurista, ao interpretar uma norma, é sobretudo o
seu significado.
E, dentre todos os tipos de proposições, as mais pertinentes ao estudo jurídico são os comandos, isto é, as
proposições que possuem como função, de acordo com Bobbio (2001, p. 75), influenciar o comportamento do outro
com o fim de altera-lo. Isso se deve ao fato de que, em geral, o direito, ao prescrever comandos, proibir condutas,
imputar sanções etc., regula exatamente as condutas das pessoas.
            O autor distingue, então, que as três funções possíveis para as proposições são a descritiva, a expressiva e a
prescritiva, já considerando que a última é aquela de maior relevância para o direito. A começar pela  descritiva,
Bobbio (2001, p. 78) afirma que ela, 

própria da linguagem científica, consiste em dar informações, em comunicar aos outros certas notícias, na transmissão
do saber, em suma, em fazer conhecer.
Segundo Bobbio (2001, p. 82), a função descritiva, pertencente ao campo da percepção, está baseada naquilo que é
observável. Trata-se de uma função muito utilizada, por exemplo, pela chamada dogmática jurídica e em qualquer
instância que busque meramente descrever situações ou fatos pertinentes ao direito, sem colocar em questão a
projeção de algo tido como bom ou desejável. É possível afirmar, também, que essa é uma função que se aproxima
um pouco mais de certa neutralidade, embora não seja possível alcançar uma absoluta neutralidade nem mesmo para
a descrição de fatos e situações.
A função expressiva, por sua vez, definida por Bobbio (2001, p. 78) como 

própria da linguagem poética, consiste em evidenciar certos sentimentos e em tentar evoca-los de modo a fazer
participar os outros de uma certa situação sentimental.

É importante destacar, porém, que há discursos que podem combinar diferentes funções. Segundo Bobbio (2001, p.
78-79),
[h]á, apesar disso, tipos de discurso cuja característica consiste propriamente em combinar dois ou mais tipos de
linguagem: um discurso celebrativo, uma comemoração, é uma combinação de proposições descritivas e expressivas
(trata-se de dar notícias sobre a vida do homenageado e ao mesmo tempo suscitar certos sentimentos de admiração
pelas obras realizadas, indignação pelas injustiças sofridas, dor pela morte precoce, etc); um sermão é uma
combinação de proposições expressivas e prescritivas (trata-se de suscitar certos sentimentos – piedade pelos mortos,
compaixão pelos aflitos, etc. – e de persuadir a cumprir certas obras); o pronunciamento de um advogado de defesa é
quase sempre uma combinação de informações (por exemplo, a figura moral e intelectual do imputado), de evocação
de sentimentos (a chamada ‘moção de afetos’), e de prescrições (o pedido de absolvição).

Por fim, a função prescritiva é aquela, segundo Bobbio (2001, p. 78), 


própria da linguagem normativa, [que] consiste em dar comandos, conselhos, recomendações, advertências,
influenciar o comportamento alheio e modifica-lo, em suma, no fazer.

Trata-se, portanto, da mais importante função no direito, uma vez que o ordenamento jurídico está voltado em grande
medida para a regulação de condutas.
Além disso, há outras características relevantes da função prescritiva. Uma delas diz respeito ao destinatário da
proposição, cujo consentimento está relacionado à execução do comando. Ao contrário do que ocorre na função
descritiva, segundo o autor, o consentimento está associado à crença de que a proposição é verdadeira.
            Já no que tange ao critério de valoração, Bobbio (2001, p. 81) considera que 

as proposições prescritivas não são verdadeiras nem falsas, no sentido em que não estão sujeitas à valoração de
veracidade em falsidade.

De fato, não há sentido em perguntar se a proposição prescritiva Pede-se para limpar os sapatos antes de entrar é
verdadeira ou falso, como explica o autor.
            Nesse sentido, o ponto de referência das proposições prescritivas está baseado, conforme Bobbio (2001, p. 82-
83), 
no que é desejado, apetitoso, objeto de tendência ou inclinação, e pertence ao domínio da emoção ou do sentimento.
Pode-se dizer, para marcar esta diferença, que a verdade de uma proposição científica pode ser demonstrada,
enquanto sobre a justiça de uma norma, pode-se somente procurar persuadir os outros (daí a diferença, que vem se
firmando, entre lógica, ou teoria da demonstração, e retórica, ou teria da persuasão).

Assim sendo, a diferenciação entre as proposições existentes é muito relevante para que se tenha uma melhor noção
sobre como o direito se estrutura discursiva e retoricamente, considerando o fato de que os fenômenos jurídicos são
constituídos por essas facetas a todo tempo.

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