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OS SOFISTAS

Os sofistas surgem na passagem da tirania e da oligarquia para a


democracia, nas cidades-Estados gregas. São os mestres de retórica e
oratória, muitas vezes mestres itinerantes, que percorrem as cidades
fornecendo seus ensinamentos, sua técnica, suas habilidades aos
governantes e aos políticos em geral. Embora sem formar uma escola ou
grupo homogêneo, o que os caracteriza é muito mais uma prática ou uma
atitude comum do que uma doutrina única.
É difícil termos uma avaliação mais concreta de sua função e mesmo de
sua concepção filosófica e pedagógica, pois, tudo o que nos resta são
fragmentos, citações, testemunhos, esta dificuldade se agrava pelo fato
de que, em grande parte, a maioria dessas citações e testemunhos nos
chegaram através de seus principais adversários, Platão e Aristóteles, que
pintaram um retrato bastante negativo desses pensadores.
Os próprios termos “sofista” e “sofisma” acabaram por adquirir uma
conotação fortemente depreciativa, embora “sofista” inicialmente
significasse tão somente “sábio”. Apenas recentemente os intérpretes e
historiadores têm procurado revalorizar a contribuição dos sofistas,
através de uma visão mais isenta e objetiva de suas doutrinas. bem como
de seu papel, influência e contribuição à filosofia e aos estudos da
linguagem.
Os principais e mais conhecidos sofistas foram Protágoras de Abdera
(c.490-421 a.C.), Górgias de Leontinos (c.487-380 a.C.), Hípias de Élis,
Licofron, Pródicos, que teria sido inclusive mestre de Sócrates, e
Trasímaco, embora tenham existido muitos outros dos quais conhecemos
pouco mais do que os nomes.
Protágoras e em Górgias foram talvez os mais importantes e influentes
sofistas, e dos quais Platão nos legou um retrato bastante elaborado nos
diálogos Protágoras e Górgias, respectivamente.
PROTÁGORAS. O principal e mais conhecido fragmento de Protágoras
é o início de sua obra sobre a verdade, quando afirma: “O homem é a
medida de todas as coisas, das que são como são e das que não são
como não são.” Esse fragmento de certa forma sintetiza duas das ideias
centrais associadas aos sofistas, o humanismo e o relativismo.
Protágoras parece assim valorizar um tipo de explicação do real a partir
de seus aspectos fenomenais apenas, sem apelo a nenhum elemento
externo ou transcendente. Isto é, as coisas são como nos parecem ser,
como se mostram à nossa percepção sensorial, e não temos nenhum outro
critério para decidir essa questão. Portanto, nosso conhecimento depende
sempre das circunstâncias em que nos encontramos e pode, por isso
mesmo, variar de acordo com a situação.
Essa concepção da natureza humana e do conhecimento parece estar
subjacente à visão política de Protágoras e a seu recurso à retórica e à
dialética enquanto arte ou técnica do discurso argumentativo. Portanto,
pode-se dizer que sofistas como Protágoras não eram meros
manipuladores da opinião, mestres sem escrúpulos que vendiam suas
habilidades retóricas a quem pagasse mais, mas, ao contrário,
acreditavam não haver nenhuma outra instância além da opinião a que se
pudesse recorrer para as decisões na vida prática, as quais deveriam ser
tomadas com base na persuasão a fim de produzir um consenso em
relação às questões políticas.
Tipicamente, em uma discussão na Assembleia ninguém detinha a
verdade em um sentido completo e absoluto, simplesmente porque isso
não seria possível; mas todos tinham suas razões, seus interesses, seus
objetivos, procurando defendê-los da melhor forma possível. O processo
decisório envolvia, entretanto, a necessidade de superação das diferenças
e a convergência de interesses e objetivos, para que se pudesse produzir
um consenso, e era para esse fim que a retórica e a dialética deveriam
contribuir.
A técnica argumentativa de Protágoras se encontra sobretudo em seu
tratado Antilogia, em que desenvolve a antilógica como tentativa de
argumentação pró e contra determinada posição, sendo ambas
igualmente verdadeiras e defensáveis.
Isso pode constituir uma técnica de desenvolvimento de argumentos
opostos, pode ter um sentido de preparação para a discussão e o debate –
em que aquele que argumenta deve procurar antecipar todas as possíveis
objeções à sua posição –, mas também pode partir da concepção de que
há sempre contradições latentes nas crenças comuns dos indivíduos, que
podem ser explicitadas por meio dessa técnica argumentativa.
Exemplo do seria um discurso sofista, segundo Protágoras:
"Senhores, ouçam-me atentamente, pois tenho uma verdade a
compartilhar convosco. Diz-se que a justiça é uma virtude, um ideal que
devemos buscar. Mas, quem pode realmente definir o que é justo? Cada
homem, cada cidade, tem sua própria visão sobre o que é correto e justo.
O que é justo para um pode ser injusto para outro. Portanto, não há uma
verdade absoluta sobre a justiça. Ela é relativa, moldada pelas
circunstâncias e pelas perspectivas individuais.
Percebam, caros ouvintes, que a justiça não é algo inerente ao universo,
mas sim uma construção humana. É uma convenção social, sujeita a
interpretações variadas. Assim, não podemos julgar com certeza o que é
justo ou injusto, pois o que é justo para mim pode ser injusto para você.
Devemos, então, buscar um equilíbrio entre nossos interesses e os
interesses da sociedade em que vivemos, buscando sempre o consenso e
a harmonia.
Portanto, não se deixem enganar por aqueles que afirmam possuir a
verdade absoluta sobre a justiça. Ela é um conceito fluido, moldado
pelas circunstâncias e pelas opiniões individuais. Cada um de nós é o
juiz de sua própria consciência, e devemos buscar o entendimento mútuo,
em vez de impor nossas próprias visões sobre os outros. A verdade sobre
a justiça está na diversidade de opiniões e na busca constante pelo
diálogo e pelo entendimento mútuo."

GÓRGIAS foi considerado um dos maiores oradores e principais


mestres de retórica de sua época. Oriundo da Sicília, viajou extensamente
por toda a Grécia ministrando suas lições, sempre regiamente pagas. É
importante sua contribuição ao desenvolvimento dos diferentes estilos da
oratória grega, sobretudo o encomium, o elogio, notabilizando-se o seu
Elogio a Helena, em que parodia Homero, a Oração fúnebre, em que
celebra o herói ou cidadão ilustre em seu funeral, e a apologia, ou defesa,
destacando-se a Apologia de Palamedes. Em seu famoso tratado Da
natureza ou Do não-Ser, Górgias defende a impossibilidade do
conhecimento em um sentido estável e definitivo, afirmando no
fragmento I que “Nada existe que possa ser conhecido; se pudesse ser
conhecido não poderia ser comunicado, se pudesse ser comunicado
não poderia ser compreendido”.
Górgias dá grande importância ao logos enquanto discurso
argumentativo, e em seu Elogio a Helena faz a famosa afirmação: “O
logos é um grande senhor.” Entretanto, de certa maneira o logos é sempre
visto como enganoso, já que não podemos ter acesso à natureza das
coisas, mas tudo de que dispomos é o discurso, como fica claro no
fragmento citado acima. O logos, contudo, pode ser persuasivo, e Górgias
chega mesmo a sustentar que mais importante do que o verdadeiro é o
que pode ser provado ou defendido.
Os sofistas contribuíram no desenvolvimento dos estudos da linguagem
na tradição cultural grega. Seu interesse pela elaboração e proferimento
do discurso correto e eficaz levou-os a investigar a língua grega e a iniciar
seu estudo sistemático, através da divisão das partes do discurso, do
estabelecimento da análise etimológica, examinando o significado e a
origem das palavras (a famosa questão da “correção dos nomes” que
Platão retoma no diálogo Crátilo), bem como a tradição literária anterior,
sobretudo a poesia épica de Homero e Hesíodo, que lhes fornecia boa
parte dos recursos estilísticos – imagens, metáforas, figuras de linguagem
– para seus discursos. Pode-se dizer, assim, que o interesse pela retórica
e pela oratória motivou o desenvolvimento dos estudos de poética e
gramática.

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