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A Sofística

Prof. Maria Dulce Reis


PucMinas

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1. Identidade
 A “sofística antiga” é um termo utilizado pelos filólogos alemães Diels & Kranz
(fins séc. XIX- séc.XX) para os fragmentos de textos cujas fontes se referem a
Protágoras, Górgias, Xeníades, Licofronte, Pródico, Trasímaco, Hípias,
Antifonte, Crítias, até então espalhados em livros de retórica e de literatura.
 Consta que o doxógrafo Filostrato (séc. II- III d.C.) escreveu uma “Vida dos
sofistas” narrando fatos da vida dos oradores e filósofos da época do Imperio
Romano, a “segunda sofística”, e relacionando-os com os “primeiros sofistas”.
 Os sofistas são também personagens que dialogam com o Sócrates
personagem dos textos platônicos, aí criticados por sua suposta sabedoria e
pelos seus supostos ensinamentos (a virtude).
 Os sofistas são considerados filósofos? A diferença de sentido entre “sábio”,
“sofista” e “filósofo” é objeto de polêmica desde a época de Platão e Isócrates,
até os dias atuais.

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2. Contexto político-cultural

. Os sofistas dirigiram-se à Atenas no contexto cultural grego do século V a. C., em


que a organização democrática passa a exigir uma formação dos jovens (sobretudo
em gramática e retórica) para sua participação política como cidadãos nos
Tribunais e Assembleias.
. A atividade da sofística fez diminuir o poder da aristocracia, ao formar jovens para
uma virtude não mais ‘de sangue’. Considerados mestres da retórica, da arte do
discurso, visavam a um saber prático.

. Os debates realizados para um amplo público contribuíram para colocar em foco o


tema da linguagem: seu uso, seu alcance sua importância, seu poder de
questionamento e de convencimento.
. Começam o chamado período humanista (valorização do homem e de suas
produções) e iluminista grego (confiança na razão, liberdade de espírito).

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. Os sofistas mostraram que os resultados da filosofia da natureza muitas vezes se
contradiziam mutuamente (monistas X pluralistas, eleatismo X heraclitismo).
Deslocam, portanto, o debate sobre a natureza e o princípio de todas as coisas (a
phýsis e a arkhé) para um debate sobre os valores, a linguagem, o homem, a
educação, a política (igualdade, poder, etc.). Identificam a contraposição entre
natureza e costumes, convenções, leis. Todas os seus debates trazem, portanto,
uma grande contribuição para a História da Filosofia.

. Foram alvo de questionamentos por Platão, Xenofonte e Aristóteles, sobre a


fundamentação de seu saber e por receberem pagamentos por seus ensinamentos.
No embate com o Sócrates platônico, Sócrates contrapõe o bem agir (euprátein) ao
sucesso (eutykhía) pretendido pela educação sofística.
.

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3. Protágoras

Abdera (+-491/481 – +-420/400 a. C.)


 Principais obras:

“Antilogias”, “Sobre a Verdade”; “Arte da Erística”.


 O mais famoso e, talvez, o mais antigo dos sofistas profissionais.
Amigo de Péricles.
 Destaca-se:

 - O relativismo
 - A antilogia
 - A virtude
 - O agnosticismo teológico

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. RELATIVISMO/SUBJETIVISMO: a realidade é relativa a cada homem
singular. “O homem é a medida de todas as coisas, das que são pelo que são,
e das que não são, pelo que não são” (DK 80B1; 80a1). Medida equivale a
critério (relativo ao sujeito). Protágoras nega a existência de um critério que
diferencie o verdadeiro do falso, o ser e o não-ser, o justo e o injusto, etc. O
critério é o indivíduo (sua experiência: frio ou não; assim, o bem pode ser mal e,
o mal, bem), ser é aparecer a mim.

ANTILOGIA: “Em torno de cada coisa existem dois raciocínios que se


contrapõem entre si” (D.L. IX, 51), DK 80 A1. Trata-se do método de oposição
de várias teses possíveis acerca de um tema. Objetivo da antilogia: discussão
(não é uma teoria do conhecimento), crítica, levar à vitória um argumento
(mesmo que mais fraco), sem definir essências. [Ex: um remédio é ruim; um
remédio é bom.] (Cf. Reale, 1993, v.1)

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. A VIRTUDE como habilidade: a excelência está na astúcia (eubolía), na
habilidade no falar diante dos tribunais e assembleias principalmente. A virtude
pode ser ensinada como habilidade. (Platão, Protágoras 318e ou D.K. 80 a 5).
Tudo o que se diz é igualmente verdadeiro (frag.2) mas, nem sempre
igualmente persuasivo, daí cabe ao mestre “tornar melhor o pior discurso”
(frag.6), ensinando ao discípulo a “procurar a expressão mais persuasiva desta
verdade” (Capizzi), uma maior eficácia em gerar aparência verdadeira na alma
do ouvinte.

Se não há uma medida única, se não há valores absolutos, o que é bom é


aquilo que for mais útil (e que será relativo), conveniente (pragmático) e que
parecer ser bom (habitual). O bem é o útil e o mal é o prejudicial. [A crítica de
Platão é que haveria um padrão de melhor e pior: “há aparências melhores que
outras” (Teeteto 167b)].

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. AGNOSTICISMO TEOLÓGICO: sobre os deuses, nada se pode conhecer.
“Sobre os deuses, não tenho possibilidade de afirmar nem que são, nem que
não são” (frag.4).

Crítica posterior: segundo Guthrie (p.174), para Aristóteles, a realidade é que


deve medir os nossos conhecimentos e o valor deles. O conhecimento não
determina as coisas, ele reconhece uma natureza (das coisas) já determinada.
Há uma realidade permanente (a ousía).

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4. Górgias

Leontina, Sicília. (+- 490/480 – 380 a. C.)



 Principais obras: “Sobre a Natureza ou Sobre o não-ser”;
“O Elogio de Helena”; “Technai” (manual de instrução retórica).

 Teria sido discípulo de Empédocles e oposto a tese de Melisso, por sua


vez discípulo de Parmênides. Mestre de retórica, vai para Atenas em
427 a. C. em missão diplomática. Mestre de Aspásia (milesiana) que
ensinou Lísides. Teria sido mestre de Isócrates, Antístenes e
Alcidamas, e influenciado vários políticos. Destaca-se:
 - O niilismo
 - A virtude
 - A retórica
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. O NIILISMO: defende que o conhecimento e o juízo são impossíveis ou
inexprimíveis. “Não existe o ser, nada existe. Se existisse o ser, ele não seria
compreensível, e se o fosse, não seria exprimível” (DK 82B3). [Se o ser ‘é’, o
não-ser ‘é’, mas o não-ser ‘não existe’, e ser e não-ser ao mesmo tempo é
absurdo.] Não haveria um critério de verdade, não há verdade (nem relativa).
Mesmo que o ser existisse, permaneceria incognoscível e inexprimível. Em
contraposição ao Eleatismo, que sustentava que pensar é pensar o ser, Górgias
argumenta que há conteúdos de pensamento que são irreais. Portanto, não
existem e não podem ser conhecidos.

Pensar não é apreender o ser. Assim, também, a palavra não pode significar, de
modo verdadeiro, seja o ser, seja uma coisa que seja diferente dela própria, o
não-ser. Então como exprimir o que você escuta ou vê? O ser é inexprimível.
Ex: a palavra ‘um’ não expressa o ser do um; e o ‘um’ não expressa o dois.

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. Crítica posterior: A contraposição do Sócrates platônico a Górgias é: pensar é
diferente de ser e de também de dizer, que, por sua vez, é diferente de dizer a
verdade]. (Cf. Reale, 1993, v.1., p.211...; Guthrie, 1995, p.185...)

A VIRTUDE: Górgias não prometia ensinar a virtude, nem a definia, propunha


formar bons oradores. A virtude seria relativa a cada homem, ação, idade.

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. A RETÓRICA: se não há verdade absoluta nem relativa, se a palavra não está
ligada a conhecimento, deve-se explorar os seus efeitos, o seu poder sobre os
outros, sua capacidade de levar ao sucesso o agente, o seu uso político (nos
tribunais, no conselho na assembleia). A palavra cria sentimentos, ilusões,
enganos, e isso é elogiado por Górgias como sabedoria. É útil o que é
prazeroso, e não necessariamente o que é benéfico. A retórica é a arte da
persuasão e do discurso (lógos), do convencimento, pela persuasão, para
Górgias. [Opõe-se ao Sócrates platônico: formação das almas].

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Referências Bibliográficas
 ADORNO, Sócrates. Lisboa: Edições 70, 198_.

 GUTHRIE, W. K. C. Os Sofistas. Trad. João Rezende Costa. S.P.:


Paulus, 1995.

 MARQUES, M. Os Sofistas: o saber em questão. In: CODATO,


Adriano et all. Filósofos na Sala de Aula. S.P.: Berlendis &
Vertecchia, 2007. Vol.2, p.11-45.

 REALE, G. História da Filosofia Antiga. Trad. Marcelo Perine. S.P.:


Loyola, 1993, v.1.

 ZELLER, R. Sócrates e os Sofistas. Ed. Nova Buenos Aires, 1995.

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