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MÓDULO IV

SOFISTAS,
SÓCRATES E PLATÃO

Curso Online

Filosofia 360°
Prof. Dr. Mateus Salvadori
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

1. OS SOFISTAS (História da Filosofia, vol. 1, de Reale e An�seri; A Filosofia


Antiga, de Emanuele Severino)

1.1 Os sofistas: da physis ao período humanista

. O problema do valor do conhecimento:


- A an�nomia entre razão e experiência, suscitada pelo pensamento de Par-
mênides e as tenta�vas efetuadas para resolvê-la trazem para primeiro plano
a questão da capacidade do homem para alcançar a verdade. Com os sofistas,
o pensamento filosófico concentra a sua atenção precisamente sobre o
homem que conhece e sobre o valor do seu conhecimento: pode o homem
alcançar um saber necessário, absoluto e irrefutável se, no próprio seio da ver-
dade, se acendeu uma discordância radical entre os dois momentos funda-
mentais da própria verdade (a experiência e a razão)?
- A importância da so�s�ca reside na autocrí�ca explícita e radical ao saber
filosófico. O logos, no qual se exprime a verdade, é subs�tuída, pela so�s�ca,
pela técnica da linguagem.

. Quem foram os sofistas?


- Os sofistas eram homens que viviam viajando entre as póleis vendendo seu
conhecimento, pois não eram ricos para se manter no ócio intelectual.
- Há 4 grupos:
-- Primeira geração: Protágoras (rela�vismo), Górgias (ce�cismo) e Pródico
(técnica da sinonímia/sinônimos para debates públicos);
-- Erísticos: briga de palavras;
-- Sofistas Políticos: Crí�as e Trasímaco (conquista do poder pela retórica);
-- Naturalistas: Hípias e An�fonte (tratam da diferença entre lei natural e posi-
�va).
- Tal como ocorreu com os pré-socrá�cos, dos sofistas só nos restam fragmen-
tos de suas obras, além das referências – como vimos, tendenciosas – feitas
por filósofos posteriores.

. Inovação da problemá�ca filosófica: da physis ao ser humano/período huma-


nista
- A so�s�ca cons�tui uma radical inovação da problemá�ca filosófica, deslo-
cando o eixo das pesquisas do cosmo para o homem. Eles inauguram o perío-
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do “humanista” da filosofia grega, que tem sua razão de ser na crise da aristo-
cracia e a ascensão da nova classe social dos comerciantes.
- O século de Péricles (V a.C.) cons�tui o período áureo da cultura grega,
quando a democrá�ca Atenas desenvolve intensa vida cultural e ar�s�ca. Os
pensadores do período clássico, embora ainda discutam questões referentes à
natureza, desenvolvem o enfoque antropológico, abrangendo a moral e a polí-
�ca.

. Sistema�zação do ensino:
- Segundo Jaeger, historiador da filosofia, na sua obra Paideia, ele diz que os
sofistas exercem influência muito forte, vinculando-se à tradição educa�va
dos poetas Homero e Hesíodo.
- Eles deram importante contribuição para a sistema�zação do ensino. Forma-
ram um currículo de estudos: gramá�ca (da qual foram os iniciadores), retóri-
ca e dialé�ca; por influência dos pitagóricos, desenvolveram a aritmé�ca, a
geometria, a astronomia e a música. Essa divisão será retomada no ensino
medieval, cons�tuindo o trivium (referente aos três primeiros) e o quadrivium
(referente aos quatro úl�mos).

. De sábio (sophos) a impostor (Platão):


- A palavra sofista, e�mologicamente, vem de sophos, que significa “sábio”, ou
melhor, “professor de sabedoria”. Posteriormente, adquiriu o sen�do pejora-
�vo de “homem que emprega sofismas”, ou seja, alguém que usa de raciocínio
capcioso, de má-fé, com intenção de enganar.
- Os sofistas sempre foram mal interpretados devido às crí�cas que sobre eles
fizeram Sócrates e Platão. Desde que os sofistas foram reabilitados por Hegel,
no século XIX, o período por eles iniciado passou a ser denominado aufklärung
grega (imitando a expressão alemã que designa o iluminismo europeu do
século XVIII).
- Há enorme diversidade teórica entre os pensadores reunidos sob a designa-
ção de sofista. Talvez o que possa iden�ficá-los é o fato de serem considerados
sábios e pedagogos. Vindos de todas as partes do mundo grego, desenvolvem
um ensino i�nerante pelos locais em que passam, mas não se fixam em lugar
algum. Deve-se a isso o gosto pela crí�ca e o exercício do pensar resultante da
circulação de ideias diferentes.
- Para escândalo de seus contemporâneos, costumavam cobrar pelas aulas e
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

por esse mo�vo Sócrates os acusava de pros�tuição. Na Grécia An�ga, apenas


os nobres se ocupavam com o trabalho intelectual, pois gozavam do ócio, ou
seja, da disponibilidade de tempo decorrente do fato de que o trabalho
manual, de subsistência, era ocupação de escravos. Ora, os sofistas, geralmen-
te homens saídos da classe média, faziam das aulas seu o�cio, já que não eram
suficientemente ricos para filosofarem descompromissadamente.

. Mestres da nova aretê polí�ca: seu instrumento é a retórica e a argumenta-


ção
- Eles são os mestres da nova aretê polí�ca e o instrumento desse processo
será a retórica, ou seja, a arte de bem falar, de u�lizar a linguagem em um dis-
curso persuasivo, instrumento indispensável para o brilhan�smo da par�cipa-
ção no debate público na assembleia democrá�ca.
- Isso era tão importante para as novas classes emergentes porque a capacida-
de de discursar e convencer era considerada o melhor meio de ascender social
e poli�camente.

. Paidéia: formação da cultura, da tradição e da educação grega


- Através da Paidéia, os gregos elaboram a nova educação capaz de sa�sfazer
os ideais do homem da pólis, e não mais do aristocrata, superando, assim, os
privilégios da an�ga educação, para a qual a aretê só era acessível aos que per-
tenciam a uma linhagem de origem divina.
- É bem verdade que esse movimento não se dirige ao povo em geral, mas a
uma elite, àqueles bons oradores que poderiam, nas assembleias públicas,
fazer uso da palavra livre e pronunciar discursos convincentes e oportunos.
- Com frequência, os sofistas são acusados de superficialidade e de pronunciar
um discurso vazio, um palavreado oco. Talvez essa fama se deva a excessiva
atenção dada por alguns deles ao aspecto formal da exposição e defesa das
ideias, já que se achavam tão preocupados com a persuasão, instrumento por
excelência do cidadão na cidade democrá�ca.
- Os melhores deles, no entanto, buscaram aperfeiçoar os instrumentos da
razão, ou seja, a coerência e o rigor da argumentação, porque não basta dizer
o que se considera verdadeiro, é preciso demonstrá-lo pelo raciocínio. Pode-se
dizer que aí se encontra o embrião da lógica, mais tarde desenvolvida por Aris-
tóteles.
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1.2 O rela�vismo de Protágoras e o ce�cismo de Górgias

. Protágoras (rela�vismo; o homem é a medida de todas as coisas):


- Protágoras (480-410 a.C.) foi o primeiro e mais ilustre dos sofistas. Nascido
em Abdera, mudou-se para Atenas onde se tornou muito famoso e requisitado
pelas famílias ricas.
- Defendia que não havia um conhecimento e uma verdade absoluta sobre as
coisas e que o mundo era rela�vo ao que os homens percebiam dele. Para
cada tese é possível termos argumentos contra e a favor, sendo possível, com
técnica apropriada, da qual ele se dizia mestre, tornar mais forte o argumento
mais fraco (ex.: aborto). Essa era a virtude do homem, ou seja, sua habilidade
primordial.
- Se Parmênides, para salvaguardar a razão, afirma o caráter ilusório da experi-
ência, Protágoras privilegia a experiência. Demócrito, para preservar os fenô-
menos, havia sido obrigado a afirmar que o não-ser é. Protágoras salienta
explícita e intencionalmente que a própria razão (o logos) se encontra essen-
cialmente em contraste consigo mesma, ou seja, há um caráter an�té�co em
toda a a�vidade cogni�va e prá�ca do homem.
- “O homem é a medida de todas as coisas”. Não existe uma verdade absoluta
e válida para todos: a “verdade” é a experiência de cada homem, isto é, o con-
junto dos fenômenos e das coisas que se manifestam a cada um. Juntamente
com Empédocles, Anaxágoras e Demócrito, Protágoras reconhece o valor da
experiência; todavia, não para a conciliar com a razão, mas sim para a estabe-
lecer como o único âmbito da verdade. Com efeito, a fim de que “das coisas
que são se possa dizer que são” e “das coisas que não são se possa dizer que
não são” (e a verdade consiste em afirmar “o ser daquilo que é” e “o não-ser
daquilo que não é”), é preciso que nos regulemos por essa única “medida” ou
“critério” que é cada homem, enquanto lugar onde as coisas se manifestam.
Ou seja, não pode ser a razão, mas sim a experiência individual a estabelecer
de que coisas se deve afirmar o ser e de que coisas o não-ser. Portanto, tudo
aquilo que surge é e os homens diferem entre si porque diferem os conjuntos
de fenômenos que surgem a cada um. “Se ao doente a comida parece amarga,
a comida é amarga” e “se a um homem honesto uma ação parece injusta, a
ação é injusta”.
- Para seus crí�cos, sua doutrina é rela�vista e impossibilita a construção de
um saber obje�vo no qual se pudesse chegar a critérios que estabelecessem e
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diferenciassem o verdadeiro do falso, o certo do errado. Tudo dependia de


quem ou que grupo estava falando. As regras sociais, bem como a própria pólis
são convenções, e como tal, mudam de acordo com quem as convencionou,
sendo, portanto, rela�vas. Para outros, quando Protágoras, diz que “o homem
é a medida de todas as coisas”, esse fragmento deve ser entendido não como
expressão do relativismo do conhecimento, mas como exaltação da capacida-
de de construir a verdade: o logos não é mais divino, mas decorre do exercício
técnico da razão humana.

. Górgias (ce�cismo):
- Górgias de Leon�ne (485 a.C. a 380 a.C.) herda de Parmênides a temá�ca on-
tológica (o ser existe e o não-ser não existe), mas inverte os termos (o ser não
existe e o não-ser existe).
- Os pontos chaves de seu pensamento se exprimem nas três proposições
seguintes:
-- 1) “O nada existe” – A antítese entre a razão e a experiência é inultrapassá-
vel: a tenta�va de conciliar a existência do ser eterno com a existência dos
fenômenos em devir está condenada ao impossível, tendo sido necessário
reconhecer, inversamente, que “nada existe”. De fato, do ponto de vista da
razão, as coisas múl�plas e em devir do mundo não são (precisamente porque
Parmênides demonstrou que o ser é uno e imutável); do ponto de vista da ex-
periência, é impensável a existência de um ser que, enquanto uno e incriado,
não poderia estar sujeito a essas determinações espaciais;
-- 2) “Mesmo que exis�sse, não seria cognoscível” – Mas ainda que se admi-
tisse que alguma coisa existe, dela não poderíamos ter um conhecimento abso-
luto e irrefutável. Se dois fenômenos são heterogêneos, um dos dois não se
pode tornar no critério absoluto com base no qual o outro seja julgado: a vista
não pode julgar a verdade do ouvido e vice-versa. Deste modo, com base na
razão, não se pode afirmar a verdade ou a falsidade da experiência e vice-
-versa (já que as coisas que surgem perante a razão são heterogêneas em rela-
ção aos fenômenos da experiência). É assim condenada tanto a pretensão de
Parmênides e da sua escola de estabelecer, com base na razão, o valor da
experiência, tal como a pretensão do atomismo de modelar a estrutura da
razão com base na experiência. Portanto, NÃO TÊM VERDADE ABSOLUTA NEM
OS OBJETOS CONHECIDOS ATRAVÉS DA RAZÃO, NEM AQUELES QUE SÃO CO-
NHECIDOS ATRAVÉS DA EXPERIÊNCIA. E, no interior da própria razão e da pró-
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pria experiência, não existem objetos mais verdadeiros do que outros;


-- 3) “Mesmo que fosse pensável, o ser não seria exprimível” – Ainda que
reconhecendo a existência de uma verdade absoluta, ela não pode ser comuni-
cada porque a linguagem é heterogênea em relação às coisas de que fala,
razão pela qual nós, ao falarmos, não revelamos aos outros aquilo de que fala-
mos, mas tão-só as nossas palavras. Além disso, cada homem se encontra em
condições �sicas e mentais diferentes das de qualquer outro seu semelhante,
não sendo, por isso, possível que um pensamento permaneça idên�co quando
de um é comunicado a outro. As mesmas coisas surgem diferentes a indivídu-
os diferentes e o mesmo indivíduo experimenta impressões sempre diferen-
tes rela�vamente às mesmas coisas.

2. SÓCRATES (História da Filosofia, vol. 1, de Reale e An�seri; A Filosofia


Antiga, de Emanuele Severino)

2.1 A busca da verdade pelo conceito em Sócrates

. Quem foi Sócrates?


- Sócrates (470/469-399 a.C.) não deixou escritos, mas confiou seu saber aos
discípulos mediante o diálogo, na dimensão da pura oralidade. Daí a dificul-
dade de reconstruir sua doutrina, servindo-se de múl�plos testemunhos fre-
quentemente divergentes entre si, porque cada uma das testemunhas colhia
apenas alguns aspectos do ensinamento do mestre, aqueles que lhe interessa-
vam.
- Entre as fontes de Sócrates, por exemplo, Platão, pelo fato de idealizar o
mestre, coloca-se no oposto de Aristófanes, que ao invés o põe em ridículo;
Xenofonte, pelo fato de tender a banalizar os mo�vos filosóficos, se contrapõe
a Aristóteles, que ao invés os torna excessivamente rigorosos.
- Ele nasceu em Atenas, filho de um escultor e de uma parteira, foi contempo-
râneo de Péricles e crí�co do regime democrá�co. Viveu na época da Guerra
do Peloponeso (431-404 a.C.), que foi mo�vada pela forma autoritária e abusi-
va com que Atenas tratava os seus aliados. Essa guerra foi o grande mo�vo da
decadência das póleis gregas, pois elas foram se destruindo e abrindo espaço
para que inimigos externos pudessem conquistá-las. Sócrates par�cipou de
algumas batalhas, sendo condecorado por bravura.
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. Sócrates e os sofistas:
- Ele travou um grande embate com os sofistas ao dizer que eles não eram filó-
sofos, pois não �nham amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, defen-
dendo qualquer ideia, se isso fosse vantajoso. Os sofistas corrompiam o espíri-
to dos jovens, pois faziam o erro e a men�ra valerem tanto quanto a verdade.
Sócrates dizia que os sofistas estavam errados, que poderíamos sim obter um
conhecimento obje�vo, um saber verdadeiro.
- Apesar disso, Sócrates concordava com os sofistas em dois pontos: por um
lado, a educação antiga do guerreiro belo e bom já não atendia às exigências
da sociedade grega e, por outro, os filósofos pré-socráticos defendiam ideias
tão contrárias entre si que também não eram fonte segura para o conhecimen-
to verdadeiro.

. O que Sócrates propunha?


- Discordando dos an�gos poetas, dos an�gos filósofos e dos sofistas, Sócrates
propunha que, antes de querer conhecer a natureza ou persuadir os outros,
CADA UM DEVERIA CONHECER-SE A SI MESMO.
- A sabedoria humana de que Sócrates se diz mestre consiste na busca de jus�-
ficação filosófica (isto é, de um fundamento) da vida moral. Esse fundamento
consiste na própria natureza ou essência do homem, entendida como consci-
ência de si, a personalidade intelectual e moral.
- É isso que dis�ngue o homem dos outros animais. Não é à toa que ele ins�ga-
va seus discípulos a terem esse conhecimento, pois era isso que os tornavam
humanos. “CONHECE-TE A TI MESMO” estava escrito no pór�co do Oráculo de
Delfos que afirmou ser ele o mais sábio dos homens.

. A busca da verdade pelo conceito:


- Como a essência não é dada pela percepção sensorial, pelo que os sen�dos
nos trazem, e sim pelo trabalho do pensamento, procurá-la é procurar o que
o pensamento conhece da realidade e da verdade de uma coisa, de uma ideia,
de um valor.
- Isso que o pensamento conhece da essência chama-se CONCEITO. Assim, Só-
crates parte na busca da verdade das coisas através do conceito, ou seja, a
definição verdadeira (universal) do que sejam as coisas. Sócrates procurava o
conceito e não a mera opinião (doxa em grego) que temos de nós mesmos, das
coisas, das ideias e dos valores.
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- Qual a diferença entre uma opinião e um conceito? A opinião varia de


pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de época para época. É instável, mutá-
vel e depende de cada um. O conceito, ao contrário, é uma verdade intempo-
ral, universal e necessária que o pensamento descobre, pois mostra que é a
essência universal, intemporal e necessária de alguma coisa.
- Por isso, Sócrates não perguntava se uma coisa era bela – pois nossa opinião
sobre ela pode variar –, e sim “O que é a beleza?”, ou seja, “Qual é a essência
ou o conceito do belo, do justo, do amor, da amizade?” Diante de diversas ma-
nifestações de beleza, de coragem etc., ele quer saber o que é a “beleza em si”,
a “coragem em si” etc., ou seja, o universal que a representa.

. O homem é a sua alma:


- Para ele, se a essência do homem é a busca pela consciência de si, esse olhar
para dentro de si através da a�vidade reflexiva, descobrindo que ele é a sua
alma, é a sua virtude primordial e essa atua como a “cura da alma”, fazendo
com que ela se realize da melhor forma possível.
- A ALMA é a consciência e a personalidade intelectual e moral, sobretudo
razão e conhecimento. O corpo é instrumento da alma.
- A VIRTUDE da alma, ou seja, aquilo que a torna perfeita, é ciência e conheci-
mento; manifesta-se como AUTODOMÍNIO (domínio da razão sobre as pai-
xões), LIBERDADE (libertação da parte racional em relação à passional e cor-
responde à liberdade interior) e NÃO-VIOLÊNCIA (a razão se impõe pela con-
vicção e não pela força).
- O VÍCIO é ignorância. Por isso, ninguém peca voluntariamente (pecado =
erro).
- Uma vez que a alma é racional, ela alcança sua liberdade quando se livra de
tudo que é irracional, ou seja, das paixões e dos instintos. O homem deve se
libertar o máximo possível das coisas que pertencem ao mundo externo e que
alimentam suas paixões. Também a felicidade assume valência espiritual e se
realiza quando na alma prevalece a ordem adquirida com a virtude. É por isso
que Sócrates afirma que devemos buscar a virtude pelo valor que ela tem em
si mesma.

2.2 Intelectualismo é�co, ironia e maiêu�ca

. Intelectualismo é�co:
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- As questões socrá�cas inauguram a é�ca como parte da filosofia porque defi-


nem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser estabelecidos: a
consciência do agente moral.
- É sujeito moral ou é�co somente aquele que sabe o que faz. A tese de Sócra-
tes sobre a akrasia aparece no diálogo platônico Protágoras:
-- 1°) equivalência entre erro moral e ignorância: a falta moral é fruto de igno-
rância do agente e o acerto moral encontra-se na sabedoria do agente;
-- 2) fazer uma correção moral consiste em fornecer as crenças corretas com
base nas quais o agente deve agir bem;
-- 3°) não é possível a akrasia.
- Sócrates afirma que apenas o ignorante é vicioso ou incapaz de virtude, pois
QUEM SABE O QUE É O BEM NÃO PODERÁ DEIXAR DE AGIR VIRTUOSAMENTE.
Ninguém pode errar voluntariamente, porque quem erra se engana sobre o
valor daquilo que a própria ação tende.

. Método socrá�co (ironia e maiêu�ca) e a cura da alma:


- A CURA DA ALMA ocorre quando a alma se purifica no diálogo (= dialé�ca)
por meio da IRONIA-REFUTAÇÃO e da MAIÊUTICA.
- A IRONIA-REFUTAÇÃO purifica a alma do falso saber por meio dos seguintes
pontos:
-- 1) da figura do não saber para induzir o interlocutor a expor o próprio saber;
-- 2) do método disfarce de assumir as teses do adversário a fim de demonstrar
a sua falsidade;
-- 3) da refutação para fazer o adversário cair em contradição e induzi-lo a
deixar as falsas convicções.
- A MAIÊUTICA faz emergir, mediante perguntas e respostas, a verdade que
está em cada um de nós.
- Sócrates costumava conversar com todos, fossem velhos ou moços, nobres ou
escravos. Sua filosofia era desenvolvida mediante diálogos críticos com seus
interlocutores. Ele parte do pressuposto do “só sei que nada sei”, que consiste
justamente na sabedoria de reconhecer a própria ignorância, ponto de partida
para a procura do saber. Por isso, seu método começa pela parte considerada
“destrutiva”, chamada IRONIA (em grego, “perguntar”). Nas discussões afirma
inicialmente nada saber, diante do oponente que se diz conhecedor de deter-
minado assunto. Com hábeis perguntas, desmonta as certezas até o outro
reconhecer a ignorância. Liberto do orgulho e da pretensão de que tudo
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

sabiam, os discípulos podiam então incitar o caminho da reconstrução de suas


próprias ideias. Parte então para a segunda etapa do método, a MAIÊUTICA
(em grego, “parto”). Nesta segunda fase do diálogo, o objetivo de Sócrates era
ajudar seus discípulos a conceberem suas próprias ideias.

2.3 Condenação à morte e socrá�cos menores

. Julgamento e condenação à morte:


- A sua a�tude crí�ca, como dizem os historiadores, fez de Sócrates uma figura
singular e lhe angariou alguns amigos e muitos inimigos. Embora parecesse
neutra e sem um obje�vo preciso (Sócrates parecia não ser par�dário de ne-
nhuma das tendências da época e não defendeu explicitamente nenhum
regime polí�co), essa a�tude ques�onava poderes ins�tuídos, valores consoli-
dados e, por isso, também pedia mudanças.
- A par�r dessa a�vidade, Sócrates enfrentou problemas, foi julgado e conde-
nado à morte por corromper a juventude e introduzir falsos deuses. Demons-
trando a liberdade da alma que sempre ensinara a seus alunos, ele bebeu
cicuta, mas não renunciou ao que disse.
- Para Sócrates, Deus é Inteligência que coordena tudo, é a�vidade ordenado-
ra e Providência. Uma Providência que, porém, não se ocupa do homem indi-
vidual, mas do homem em geral, fornecendo-lhe o que lhe permite a sobrevi-
vência. Todavia, enquanto Deus é bom, ocupa-se, ao menos indiretamente,
também do homem bom, como acontece no caso específico de Sócrates com
a voz divina (o daimónion) que lhe indica algumas coisas a evitar.

. Algumas caracterís�cas gerais do período socrá�co:


- A filosofia se volta para as questões humanas no plano da ação, dos compor-
tamentos, das ideias, das crenças e dos valores. Ao buscar a definição das vir-
tudes morais (do indivíduo) e das virtudes polí�cas (do cidadão), a filosofia
toma como objeto central de suas inves�gações a moral e a política.
- A filosofia parte da confiança no pensamento ou no homem como um ser
racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão.
- Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento do homem, os
filósofos procuram estabelecer procedimentos que garantam que se encontre
a verdade. Isto é, considera-se que o pensamento deve oferecer a si mesmo
caminhos e critérios próprios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

e como alcançá-lo em tudo o que inves�gamos.


- É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado, a opinião
e as imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sen�dos, pelos hábi-
tos, pelas tradições, pelos interesses, e, de outro lado, os conceitos ou as
ideias. As ideias se referem à essência invisível e verdadeira das coisas e só
podem ser alcançadas pelo pensamento puro, que afasta os dados sensoriais,
os hábitos recebidos, os preconceitos, as opiniões.
- A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação
intelectual que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imu-
tável, universal e necessária.

. Socrá�cos menores:
- Os socrá�cos menores (sécs. V-IV a.C.) a�ngiram da mensagem de Sócrates
tanto os conceitos é�cos como os elementos lógico-dialé�cos. Foram todos
discípulos diretos de Sócrates e são chamados de “menores” porque entende-
ram ou desenvolveram de modo imperfeito o seu pensamento. Eis as escolas:
- 1) cínicos (An�stenes): desenvolveu os temas é�cos da liberdade e do auto-
domínio; em lógica, elaborou uma teoria par�cular, que negava a possibilida-
de de definir as coisas simples;
- 2) cirenaicos (Aris�po): afastou-se de Sócrates e iden�ficou no prazer o sumo
bem;
- 3) megáricos (Euclides): assumindo também alguns princípios da Escola de
Eléia, iden�ficou o Bem com o Uno e desenvolveu a técnica lógico-refutatória
de Sócrates;
- 4) Escola Élida (Fédon): retomou tanto o aspecto lógico-dialé�co como o
é�co do mestre, mas sem desenvolvimentos de par�cular importância.

3. PLATÃO (História da Filosofia, vol. 1, de Reale e An�seri; Emanuele Severino,


A Filosofia Antiga)

3.1 Platão: diálogos e doutrinas não escritas

. Quem foi Platão?


- Nascido em Atenas, Platão (427-347 a.C.) pertencia a uma das mais nobres
famílias atenienses. Seu nome verdadeiro era Arístocles, mas, devido a sua
cons�tuição �sica, recebeu o apelido de Platão, termo grego que significa “de
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

ombros largos”. Platão foi primeiro discípulo do heracli�ano Crá�lo e depois


de Sócrates. Ele considerava Sócrates “o mais sábio e o mais justo dos
homens”. Depois da morte de seu mestre, empreendeu inúmeras viagens,
num período em que ampliou seus horizontes culturais e amadureceu suas
reflexões filosóficas.
- Por volta de 387 a.C., retornou a Atenas, onde fundou sua própria escola filo-
sófica, a Academia, nos jardins construídos por seu amigo Academus. Essa
escola foi uma das primeiras ins�tuições permanentes de ensino superior do
mundo ocidental.

. Diálogos:
- Platão viveu num momento em que acontecia uma revolução cultural, que
consis�a em um conflito entre a oralidade e a escrita, com a vitória da escrita.
Na tradição an�ga, a oralidade era o meio de comunicação privilegiado. Sócra-
tes confia apenas na oralidade e, por isso, nada escreveu. Os sofistas privilegia-
ram a escrita. Aristóteles adotara a cultura da escrita sem reservas, consagran-
do-a defini�vamente. Platão usou as duas formas.
- Platão escreveu em forma de diálogo e recupera o valor do mito como com-
plemento do logos. A organização clássica da obra platônica em tetralogias de-
ve-se ao gramá�co alexandrino Trasilo de Mendes. Há 36 diálogos divididos
em 9 tetralogias (problemas: auten�cidade, cronologia e relação com a doutri-
na não escrita):
-- I. Eutífron, Apologia de Sócrates, Críton e Fédon
-- II. Crátilo, Teeteto, Sofista e Político
-- III. Parmênides, Filebo, Banquete e Fedro
-- IV. Alcibíades I, Alcibíades II, Hiparco e Amantes
-- V. Teages, Cármides, Laques e Lísis
-- VI. Eutidemo, Protágoras, Górgias e Mênon
-- VII. Hípias maior, Hípias menor, Íon e Menexêno
-- VIII. Clitofon, República, Timeu e Crítias
-- IX. Minos, Leis, Epínomis e Epístolas

. Doutrinas não escritas:


- Doutrinas não escritas (esotérica: dentro das paredes) são teorias meta�si-
cas dos dois princípios fundamentais dos quais deriva o restante do sistema.
-- I) Evidências: i) passagens na Metafísica e na Física de Aristóteles; ii) relato
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

de Aristóxenes, um estudante de Aristóteles, sobre a palestra pública de


Platão “Sobre o Bem”; iii) Platão, em seus diálogos (Fedro), cri�ca o texto escri-
to e defende o oral; iv) Na “Sé�ma Carta” (auten�cidade contestada) diz que
seu ensinamento só pode ser comunicado oralmente; v) “doutrina de reser-
va”: em vários diálogos o tema é introduzido, mas depois não é discu�do;
-- II) Conteúdo: i) há conexão entre a doutrina não escrita com a escrita; ii) há
dois princípios: o Um (princípio da unidade que torna as coisas definidas e de-
terminadas) e a Díade Indefinida (é indefinida, pois não é a definida, ou seja, o
número dois e, assim, ela está acima da matemá�ca; o princípio da indetermi-
nação/ilimitação). O Um e a Díade Indefinida são a base úl�ma de tudo porque
o domínio das Formas de Platão e a totalidade da realidade derivam de sua
interação. Todo o múl�plo de fenômenos sensoriais repousa no final em
apenas dois fatores;
-- III) Crí�cos (Schleiermacher) e defensores (Escola de Tübingen, Vi�orio
Hösle, Giovanni Reale);
-- IV) Monismo: a oposição entre o Uno e a Díade Indeterminada é fundada
sobre um único princípio mais fundamental, um “meta-Um”; dualismo: se a
díade indefinida é, no entanto, entendida como um princípio independente
dis�nto de qualquer �po de unidade, então as doutrinas não escritas de Platão
são, no final, dualistas.

3.2 O mundo inteligível e o mundo sensível

. O caráter conceitual da unidade do múl�plo:


- Por meio da a�tude socrá�ca, Platão encontra a resposta ao problema de
Parmênides entre experiência e razão. Ele vê na concepção socrá�ca do CON-
CEITO a compreensão do Todo: o Todo manifesta-se no conceito, é objeto da
compreensão conceitual e, enquanto tal, não é algo de simplesmente sen�do
ou sensível, mas sim concebido, pensado e inteligível.
- A inteligibilidade do ser é o princípio unificador do múl�plo. Ao determinar
aquilo que existe de idên�co em todos os entes, admite-se que todas as coisas
são inteligíveis, isto é, que a inteligibilidade pertence àquilo que existe de
idên�co em todas as coisas.
- Sócrates chegou até o seguinte ponto: o conceito é aquilo que existe de idên-
tico em todas as coisas particulares ou em certo grupo de coisas. Mas qual a
relação que o conteúdo do conceito mantém com o conteúdo do conhecimen-
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

to não conceitual, isto é, com as coisas par�culares e sensíveis? Já discu�do


pelos socrá�cos menores, é este o problema que Platão tem que resolver. O
aprofundamento da concepção socrá�ca do “conceito” permite a Platão reto-
mar de novo a via que leva à conciliação entre a experiência do mundo em
devir e a imutabilidade do ser exigida pela razão.

. A imutabilidade da ideia:
- A principal novidade da filosofia platônica consiste na descoberta de uma
realidade superior ao mundo sensível, ou seja, uma dimensão supra�sica (ou
meta�sica) do ser. Esta descoberta é ilustrada por Platão com a imagem mari-
nha da “segunda navegação” (a primeira foi realizada pelos naturalistas): o
que é o grande? No sensível, a verdade oscila; ex.: pedra, grande e ser. Portan-
to, a verdade está no inteligível.
- O conteúdo do conceito, ou seja, aquilo que em cada conceito é, exatamen-
te, concebido – é designado por Platão de IDEIA. Deste modo, enquanto os
entes par�culares são objeto de devir e mutáveis, a ideia é imutável e eterna,
sendo, pois, o ser por excelência.
- O termo “ideia” não indica uma valência puramente “mental” ou “psíquica”
do conteúdo do conceito (quase como se tal conteúdo apenas exis�sse na
mente humana), antes pretendendo exprimir a inteligibilidade do ser, a trans-
parência do ser perante o pensamento. As ideias (formas), não sendo simples
conceitos mentais, são “en�dades” ou “essências” que subsistem em si e por
si em um sistema hierárquico bem-organizado e cons�tuem o verdadeiro Ser.
As palavras gregas idea e eidos, usadas por Platão, designam a forma que as
coisas se apresentam ao olhar – o olhar não dos olhos, mas sim o do conheci-
mento conceitual; e o aspecto e a forma não são os das coisas sensíveis, mas
sim o significado do ser que, invisível aos olhos do corpo, surge ao olhar con-
ceitual. A ideia é, portanto, o próprio ser, no seu surgir. O verdadeiro é o Ser,
uno, imutável, idên�co a si mesmo, eterno, imperecível, puramente inteligí-
vel.
- Se �vermos presente que o sen�do originário da physis, no pensamento filo-
sófico, é o surgir do ser, então a ideia é a própria physis; e a preferência de
Platão pelo termo “ideia” tem o propósito de tornar completamente explícito
que o surgir da physis não é uma sensação ou uma percepção sensível.

. Os dois mundos:
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

- A ideia é pensada (concebida), não é sen�da. Não podemos tocar, ver ou


ouvir o “cavalo” em si. Apesar de exis�rem diferentes �pos de cavalo, a ideia
de cavalo é uma só. Quando pensamos em cavalo, pensamos a ideia e não de-
terminado cavalo. Um cavalo só é cavalo na medida em que par�cipa da ideia
de “cavalo em si”. A ideia é um significado: é o significado que indica o que é
um determinado ente. E os significados não se tocam nem se vêm, já que a sua
manifestação é qualquer coisa de diferente em relação ao modo como são
sen�dos: os significados são pensados. Vejo esta super�cie vermelha; mas o
significado “vermelho” não pode ser visto, é apenas pensável, inteligível. O
fato de serem pensados, todavia, e a sua inteligibilidade não representam uma
imperfeição ou uma falta rela�vamente ao ser visto ou sen�do, antes repre-
sentam a sua perfeição e plenitude em relação ao sensível.
- Visto que as ideias são tantas quantos os conceitos, elas constituem um
mundo inteligível, diferentes, portanto, do mundo sensível, o qual é formado
pelos entes particulares e mutáveis. O mundo das ideias é o conteúdo do co-
nhecimento conceitual; o mundo sensível é o conteúdo do conhecimento
par�cular e sensível. O Ser imutável e eterno manifesta-se no conhecimento
conceitual, enquanto o conhecimento não conceitual tem como conteúdo o
ser em devir e corrup�vel.
- O pensado (o conteúdo do conceito, a ideia) difere do sen�do; mas o pensa-
do não é algo de “simplesmente pensado” (portanto, algo de quimérico e de
irreal): o pensado é ser e é mesmo o Ser imutável, eterno e divino, o qual
difere do sen�do, que é o ser em devir e caduco. NA AFIRMAÇÃO DE QUE O
SER É “IDEIA” CONSISTE “O IDEALISMO” PLATÔNICO.
- A ontologia platônica introduz uma divisão, afirmando a existência de dois
mundos inteiramente diferentes e separados: o mundo sensível da mudança,
da aparência, do devir dos contrários e o mundo inteligível (da ideia/das
formas) da identidade, da permanência, da verdade, conhecido pelo intelecto
puro, sem nenhuma interferência dos sentidos e das opiniões. O mundo das
ideias é o mundo do Ser; o mundo sensível é o mundo das coisas, sendo o
mundo do Não-Ser (rela�vo e não o não-ser absoluto).

3.3 Da doxa à episteme

. As causas do mundo sensível (Timeu):


- 1) A ideia é a verdadeira causa do mundo sensível. Os entes sensíveis criam-
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

-se porque par�cipam de uma ideia. Platão exprime os vários modos da pre-
sença da ideia no sensível, afirmando que o sensível “par�cipa” ou “imita” a
ideia, ou que dela é “cópia” ou “imagem”. A ideia é o conteúdo do conceito; os
entes sensíveis são mutáveis; a ideia é o ser por excelência; é como as coisas
se apresentam ao olhar, mas ao olhar não dos olhos e sim conceitual;
- 2) O demiurgo faz com que a ideia se encontre presente no mundo sensível.
Se o sensível se cria porque acaba por par�cipar do inteligível, por outro lado,
é necessária uma causa da criação (como haviam já salientado todos os filóso-
fos, desde Anaximandro a Anaxágoras), uma causa que torne o sensível num
par�cipante do inteligível. Tudo aquilo que nasce só pode nascer na medida
em que par�cipa do eterno ser inteligível; mas é exigida também uma força
que tenha a capacidade de realizar tal par�cipação. Este supremo poder da
sabedoria – este Demiurgo do universo – é aquele a quem Platão chama Deus;
- 3) O receptáculo informe é aquilo que vai receber o inteligível, o espaço. A
ideia “Bem” é o supremo vér�ce do ser. Se a ideia se encontra presente no
mundo sensível por obra do Demiurgo, a cons�tuição do mundo sensível exige
também a existência daquilo que recebe o inteligível, ou seja, daquilo em que
o inteligível está presente e em que é gerado o universo. Se o sensível é
imagem da ideia, a imagem pode exis�r apenas na medida em que é cons�tuí-
da por alguma coisa que, por obra de Deus, é transformada em imagem da
ideia, sendo o seu receptáculo, a “mãe” que espera a fecundação demiúrgica.
Esta natureza materna (Platão chama-lhe também chora, “espaço”), exata-
mente porque pode receber qualquer marca do inteligível, não possui por si só
qualquer inteligibilidade, isto é, não é nem terra, nem ar, nem fogo, nem água,
sendo em vez disso absolutamente indeterminada, ou seja, é a pura capacida-
de de receber qualquer forma.

. Da opinião à verdade:
- Se para Sócrates, a verdade não consegue ser mais do que o simples “saber”
“não saber”, já para Platão ela adquire um conteúdo posi�vo (ou seja, torna-se
no “saber” “saber”). Esse conteúdo consiste exatamente no conhecimento da
idealidade ou inteligibilidade do ser.
- A verdade, enquanto saber irrefutável, isto é, enquanto ciência, episteme, é
conhecimento da ideia, ou seja, do ser imutável, do ser que é de um modo ab-
soluto.
- A maioria conhece apenas o mundo sensível: ignoram o belo em si, o bom em
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

si, o grande em si e todas as outras ideias e apenas sabem de coisas belas, de


coisas boas, de coisas grandes; conhecem somente as imagens dos seres ver-
dadeiros, sem saber que são imagens e vivem, portanto, como que em sonho,
porque sonhar é precisamente considerar que imagens sejam realidades ver-
dadeiras. Juntamente com Parmênides, Platão chama opinião (doxa) a este
sonho em que consiste o conhecimento comum do mundo sensível.

. Alegoria da caverna:
- Na ALEGORIA DA CAVERNA, Platão dis�ngue os graus do conhecimento da
seguinte forma:
-- i) Opinião (doxa): 1° Imaginação – eikasia – sombras, imagens; 2° Crença –
pistis – as coisas, os objetos;
-- ii) Ciência (episteme): 3° pensamento discursivo – dianóia – matemá�ca e
geometria; 4° pensamento intui�vo – noesis – dialé�ca.

3.4 Os dois sen�dos do não-ser, dialé�ca e pirâmide

. Os dois sen�dos do não-ser:


- No diálogo Sofista, Platão apresenta dois sen�dos para o não-ser:
-- o não-ser oposto ou contrário do ser: não-ser absoluto, nada absoluto, im-
possibilidade de ser e pensar (mesma linha de Parmênides);
-- o não-ser diferente ao ser: não-ser rela�vo; ex.: árvore não significa ser e,
neste sen�do, é não-ser, mas também não significa nada, pois significa árvore
e não nada. Ao afirmar que a árvore é, afirma-se que um não-ser é (isto é,
existe), mas tal não significa que o nada é, mas sim que alguma coisa, possuin-
do um significado diferente do ser é.
- Cada uma das muitas coisas que cons�tuem o mundo inteligível e o mundo
sensível pode ser considerada como existente sem que tal obrigue a violar o
princípio supremo da razão. Este princípio rejeita a existência do nada, ou seja,
do contrário do ser, mas não rejeita a existência do diferente do ser. A existên-
cia do múl�plo exige a existência do “não-ser”, entendido como diferente do
ser (puro) e não como oposto ou contrário do ser (puro). A intuição de Demó-
crito, de acordo com a qual a afirmação da existência do múl�plo exige a afir-
mação da existência do não-ser, alcança assim em Platão o seu mais profundo
significado.
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

. O novo sen�do do ser:


- Ao afirmar a existência do múl�plo, Platão consegue demonstrar que o “ser”
não deve mais ser entendido como o puro ser de Parmênides (o qual deixa fora
de si o múl�plo, isto é, as determinações do universo), mas sim como a síntese
entre o puro ser e as determinações.
- Para Parmênides, apenas o puro ser é; Platão mostra que a razão não é
negada ao se afirmar que toda a determinação (ou seja, tudo o que é “diferen-
te” do puro ser) é: ser significa aquilo que é (um ente inteligível ou sensível).
- O problema de estabelecer em que consiste aquilo que existe de idên�co na
totalidade das coisas múl�plas alcança com Platão a sua solução defini�va:
aquilo que existe de idêntico em todas as “coisas” é precisamente o fato de
serem uma determinação-que-é, na qual tanto a “determinação” como o seu
“ser” e a sua síntese são o conteúdo inteligível do pensamento conceitual com
que a filosofia se dirige ao Todo. A par�r de Platão, o ente é precisamente esta
síntese entre o algo e o seu ser e uma “coisa” é precisamente um “ente”. A
“ontologia” é a ciência do “ente”.

. Alguns diálogos platônicos:


- JULGAMENTO, CONDENAÇÃO E MORTE DE SÓCRATES: Apologia (discurso de
defesa), Críton (Críton propõe salvá-lo) e Fédon (imortalidade da alma – 1.
intelectual: governantes; 2. irracional: 2.1 irascível/coragem: guardas e 2.2
ape��va/desejo: artesãos);
- CONHECIMENTO: Mênon (reminiscência e ina�smo), Teeteto (conhecimento
enquanto crença verdadeira jus�ficada), Górgias (crí�ca à retórica);
- AMOR: O banquete (eros é desejo, falta; mito de Aristófanes em que a huma-
nidade é apresentada a par�r dos homens duplos, das mulheres duplas e dos
andrógenos e Zeus os cortou em dois, assim amar é desejo da parte perdida);
Fedro (o amor é o belo; a alma é representada a par�r da atrelagem alada com
o intelecto e as paixões irracionais);
- POLÍTICA E JUSTIÇA: Alcibíades I e II (conhece-te a � mesmo é um saber ne-
cessário para um bom governante); A República (1. filósofo rei: aristocracia da
inteligência e crí�ca a democracia, que pode levar a demagogia e a �rania; 2.
três imagens do bem: 2.1 analogia do bem como sol; 2.2 a imagem da linha
entre o sensível e o inteligível; 2.3 alegoria da caverna; 3. Anel de Giges);
- DIALÉTICA: jogo de opostos; Analí�ca: análise de proposição e sistema silo-
gís�co de argumentação; De Heráclito e Platão temos a dialé�ca. Esse projeto
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SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO

passa, por exemplo, por Plo�no, Proclo, Santo Agos�nho, John Scotus Eriúge-
na, pela Escola de Chartres, Nicolau de Cusa, Ficino, G. Bruno, Spinoza,
Schelling, Hegel, Marx, Lamarck, Darwin, Dawkins, Stephen Jay Gould, os �si-
cos da teoria do Big Bang, Stephen Hawking e tantos outros; de Parmênides e
Aristóteles temos a analí�ca. Esse projeto passa, por exemplo, por Alberto
Magno, Tomás de Aquino, Duns Scotus, Guilherme de Occam, Descartes, Leib-
niz, Kant, Frege, Wi�genstein, pela Filosofia Analí�ca, pela lógica atual e gran-
des �sicos como Galileu, Copérnico, Newton e Einstein são analí�cos;
- PIRÂMIDE: dialé�ca ascendente e descendente, teoria e prá�ca pelo grau de
generalidade (Smolin da �sica, Beinhocker da economia e Bertalanffy da biolo-
gia); sonho dedu�vista.

INDICAÇÕES DE LEITURAS

1. A Obra Dos Sofistas - Uma Interpretação Filosófica, de Mário Untersteiner


2. Os Sofistas, de W. K. C. Guthrie
3. O movimento sofista, de G. B. Kerferd
4. Sócrates e os sofistas: Uma iniciação à filosofia, de Danilo Marcondes
5. 10 lições sobre Sócrates, de Paulo Ghiraldelli
6. Sócrates, de Donald R. Morrison (Org.)
7. Compreender Sócrates, de Louis-André Dorion
8. Diálogos de Platão, dando ênfase nos seguintes: Apologia, Críton, Fédon,
Crátilo, Teeteto, Sofista, Político, Parmênides, Filebo, O Banquete, Fedro, Protá-
goras, Górgias, Mênon, A República, Timeu, Crítias e Leis.

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