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MÓDULO V

ARISTÓTELES

Curso Online

Filosofia 360°
Prof. Dr. Mateus Salvadori
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ARISTÓTELES

1. DIVISÃO DAS CIÊNCIAS E CIÊNCIAS TEORÉTICAS (História da Filosofia, vol. 1,


de Reale e An�seri)

1.1 As ciências teoré�cas, prá�cas e poié�cas

. Juntamente com Platão, Aristóteles (384 – 322 a.C.) é a grande referência da


filosofia grega an�ga que vai influenciar na construção do mundo ocidental.
Dante Alighieri dizia que ele foi o mestre dos mestres e São Tomás de Aquino
se referia a ele como “o filósofo”. Sendo meteco (estrangeiro), ele não �nha
direitos polí�cos. De Estagira, na Macedônia, Aristóteles sai aos 18 anos para
estudar na Academia de Platão em Atenas. Isso, provavelmente, uns 10 anos
antes do domínio macedônico sobre a Grécia.
. Com uma mente notável, permanece por lá durante 20 anos até a morte de
Platão. Após a morte do mestre, Aristóteles não vê mais mo�vos de con�nuar
na academia e sai de Atenas para viajar por um bom tempo. Em 335 a.C., o rei
Felipe II o chama para morar em Pela, capital do Império Macedônico, e ser
professor de seu filho Alexandre, condição na qual permaneceu até este assu-
mir o poder. Essa proximidade com a corte macedônica se dava pelo fato de
Nicômaco, seu pai, ter sido o médico do rei Amintas, pai de Felipe.
. Platão (matemá�ca; âmbito transcendente; dialé�ca; diálogo) e Aristóteles
(empíricas; imanente; analí�ca; sistema�zação disserta�va; abandono do
componente mí�co); textos de Aristóteles: exotéricos (para leigos, perdeu-se);
esotéricos (para seus discípulos).
. Aristóteles foi um grande pensador sistemá�co. Ele dividiu os saberes da
seguinte forma: a LÓGICA é a propedêu�ca de todas as ciências. As CIÊNCIAS /
SABERES se dividem em: 1) teoré�ca; 2) prá�ca; 3) poié�ca.
- 1) CIÊNCIAS TEORÉTICAS OU CONTEMPLATIVAS: são aquelas que estudam
coisas que existem independentemente dos seres humanos e de suas ações e
que, não tendo sido feitas pelos seres humanos, podem apenas ser contem-
pladas por eles;
- 2) CIÊNCIAS PRÁTICAS: são aquelas ciências que estudam as prá�cas huma-
nas que têm seu fim nelas mesmas. Em outras palavras, aquelas em que a fina-
lidade da ação é ela mesma, e não há dis�nção entre o agente e o ato que ele
realiza. São elas: Ética, em que a vontade guiada pela razão leva à ação confor-
me as virtudes morais (coragem, generosidade, fidelidade, lealdade, clemên-
cia, prudência, amizade, jus�ça, modés�a, honradez etc.), tendo como finali-
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dade o bem do indivíduo; e Política, em que a ação racional voluntária tem


como fim o bem da comunidade ou o bem comum;
3) CIÊNCIAS PRODUTIVAS OU POIÉTICAS: ciências que estudam as prá�cas
produ�vas ou as técnicas, isto é, as ações humanas que visam à produção de
um objeto, de uma obra. São elas: arquitetura, economia, medicina, pintura,
escultura, poesia, teatro, oratória, arte da guerra, da caça, da navegação etc.

1.2 Meta�sica: e�ologia, ontologia, ousiologia e teologia

. O termo meta�sica (= o que está além da �sica) foi cunhado pelos peripaté�-
cos ou nasceu por ocasião da edição das obras de Aristóteles realizada por An-
drônico de Rodes no séc. I a.C. Aristóteles usava a expressão “filosofia primei-
ra” ou “teologia” em oposição à “filosofia segunda” ou a “�sica”.

. Divisão da meta�sica:
- etiologia: estudo das causas e dos princípios primeiros ou supremos –
formal, material, eficiente e final;
- ontologia: estudo do ser enquanto ser – 1. “ser em si” (via as 10 categorias),
2. como “ato e potência”; 3. como “acidente”; 4. como “verdadeiro”;
- ousiologia: estudo da substância – a forma informa a matéria e funda o
sínolo, que é o conjunto, o todo;
- teologia: estudo da substância suprassensível / Deus – tempo, movimento e
mundo são eternos. Da causa eterna deriva tudo: motor imóvel, pensamento
de pensamento, ato puro; não é causalidade do �po eficiente, mas do �po
final.

. Sobre a e�ologia (estudo das causas ou princípios supremos):


- As causas primeiras são aquelas que explicam o que a essência é e a origem
e o mo�vo da sua existência. Causa, para os gregos, significa não só o porquê
de alguma coisa, mas também o quê e o como uma coisa é o que ela é. As
causas primeiras nos dizem o que é, como é, por que é e para que é uma coisa.
São quatro as causas primeiras: -- 1. causa material, isto é, aquilo de que um
ser é feito, sua matéria (por exemplo, água, fogo, ar, terra);
-- 2. causa formal, isto é, aquilo que explica a forma que um ser possui (por
exemplo, o rio ou o mar são formas da água; a mesa é a forma assumida pela
matéria madeira com a ação do carpinteiro). A forma é propriamente a essên-
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cia de um ser, aquilo que ele é em si mesmo ou aquilo que o define em sua
iden�dade e diferença com relação a todos os outros;
-- 3. causa eficiente ou motriz, isto é, quem fez, aquilo que explica como uma
matéria recebeu uma forma para cons�tuir uma essência (por exemplo, o ato
sexual é a causa eficiente que faz a matéria do óvulo, ao receber o esperma,
adquirir a forma de um novo animal ou de uma criança; o carpinteiro é a causa
eficiente que faz a madeira receber a forma da mesa etc.);
-- 4. a causa final, isto é, a causa que dá o mo�vo, a razão ou a finalidade para
alguma coisa exis�r e ser tal como ela é (por exemplo, o bem comum é a causa
final da polí�ca; a flor é a causa final da transformação da semente em árvore;
o Primeiro Motor Imóvel é a causa final do movimento dos seres naturais etc.).

. Sobre a ontologia (estudo do ser enquanto ser):


- o ser em si: há 10 categorias. Ei-las: substância ou essência, qualidade, quan-
�dade, relação, ação ou agir, paixão ou sofrer, onde ou lugar, quando ou
tempo, ter e jazer. Elas cons�tuem os gêneros supremos do ser; somente a
primeira categoria tem subsistência autônoma, enquanto todas as outras
pressupõem a primeira, baseando-se nela;
- o ser como ato e potência: ato é a manifestação atual do ser, aquilo que já
existe; potência são as possibilidades do ser (capacidade de ser), aquilo que
ainda não é, mas pode vir a ser. O movimento e a mudança são a passagem da
potência para o ato. Por exemplo, a árvore que está sem flores pode tornar-se,
com o tempo, uma árvore florida. Ao adquirir flores, essa árvore manifesta em
ato aquilo que já con�nha em potência;
- o ser como acidente: se a substância é aquilo que é estrutural e essencial do
ser, o acidente é aquilo que é atributo circunstancial e não essencial do ser. Por
exemplo, em certas condições climá�cas, uma árvore fru�fera não dá frutos (o
que contraria a sua potência de dar frutos) ou que as folhas da árvore se apre-
sentam queimadas em consequência de um clima seco;
- o ser como verdadeiro: é aquele �po de ser da mente humana que pensa as
coisas e sabe conjugá-las como estão conjugadas na realidade ou separá-las
como estão separadas na realidade. Já o não-ser como falso é quando a mente
conjuga aquilo que não está conjugado ou separa aquilo que não está separa-
do na realidade. Este ser (ser como verdadeiro) é estudado pela lógica. Do “ser
como acidente” não existe ciência, porque a ciência não se volta para o fortui-
to, mas só para o necessário. A meta�sica estuda “o ser em si” e o “ser como
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ato e potência”, especialmente estuda a “substância”.

. Sobre a ousiologia (estudo da substância):


- a substância: é o Ser propriamente dito; nela estão os atributos essenciais e
acidentais, sobre o qual agem as quatro causas;
- a substância considerada matéria: matéria é o elemento de que as coisas da
natureza, os animais, os homens, os artefatos são feitos; sua principal caracte-
rís�ca é possuir virtualidades ou conter em si mesma possibilidades de trans-
formação, isto é, de mudança;
- a substância considerada forma: forma é o que individualiza e determina
uma matéria, fazendo exis�r as coisas ou os seres par�culares; sua principal
caracterís�ca é ser aquilo que uma essência é;
- a essência: é a unidade interna e indissolúvel entre uma matéria e uma
forma. Essa unidade lhe dá um conjunto de propriedades ou atributos que a
fazem ser necessariamente aquilo que ela é. Assim, por exemplo, um ser
humano é por essência um animal mortal racional dotado de vontade, gerado
por outros semelhantes a ele e capaz de gerar outros semelhantes a ele etc.;
- dois sen�dos de substância: Aristóteles usa o conceito de substância em dois
sen�dos: num primeiro sen�do, substância é o ser individual; num segundo
sen�do, é o gênero ou a espécie a que um ser individual pertence;
- substância primeira e substância segunda: Aristóteles fala em substância pri-
meira para referir-se aos seres individuais realmente existentes, com sua
essência e seus acidentes (por exemplo, Sócrates); e em substância segunda
para referir-se aos sujeitos universais, isto é, gêneros e espécies que não exis-
tem em si e por si mesmos, mas só existem encarnados nos indivíduos, poden-
do, porém, ser conhecidos pelo pensamento (por exemplo, ser humano);
- gênero e espécie: o gênero é um universal formado por um conjunto de pro-
priedades da matéria e da forma que caracterizam o que há de comum nos
seres de uma mesma espécie; a espécie também é um universal, formado por
um conjunto de propriedades da matéria e da forma que caracterizam o que
há de comum nos indivíduos semelhantes. Assim, o gênero é formado por um
conjunto de espécies semelhantes e as espécies, por um conjunto de indivídu-
os semelhantes. Os indivíduos ou substâncias primeiras são seres realmente
existentes; os gêneros e as espécies ou substâncias segundas são universali-
dades que o pensamento conhece por meio dos indivíduos;
- predicados: são categorias lógicas e ontológicas, porque se referem à estru-
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tura e ao modo de ser da substância ou da essência. Aristóteles explica que,


enquanto todas as categorias são predicados atribuídos a um sujeito, a subs-
tância não é atribuída a ninguém porque ela é, justamente, o sujeito que
recebe os predicados. Sobre os predicados:
-- Os predicados atribuídos a uma substância são cons�tu�vos de sua essên-
cia, pois toda realidade pode ser conhecida porque: possui qualidades (mor-
tal, imortal, finito, infinito, bom, mau, etc.); quan�dades (um, muitos, alguns,
pouco, muito, grande, pequeno); relaciona-se com outros (igual, diferente,
semelhante, maior, menor, superior, inferior); realiza ações ou faz alguma
coisa (anda, pensa, dorme, corta, cai, prende, cresce, floresce, etc.); sofre
ações de outros seres (é cortado, é preso, é puxado, é atraído, é curado, é en-
venenado, etc.); está em algum lugar (aqui, ali, perto, longe, embaixo, atrás,
etc.); está no tempo (antes, depois, agora, ontem, hoje, amanhã, de dia, de
noite, sempre, nunca);
-- As categorias ou predicados podem ser essenciais ou acidentais. Se eu
disser, por exemplo, “Sócrates é homem”, necessariamente terei de lhe dar os
seguintes predicados: mortal, racional, finito, animal, pensa, sente, anda,
reproduz, fala, adoece, é menor que uma montanha e maior que um gato,
ama, odeia... Acidentalmente, ele poderá ter outros predicados: é feio, é
baixo, é diferente da maioria dos atenienses, é casado, conversou com Laques,
esteve no banquete de Agáton, foi forçado a envenenar-se pelo tribunal de
Atenas. Se nosso exemplo, porém, fosse uma substância genérica ou específi-
ca, todos os predicados teriam de ser essenciais, pois o acidente acontece
somente para o indivíduo existente, e o gênero e a espécie são universais que
só existem no pensamento e encarnados nas essências individuais.

. Sobre a teologia (estudo da substância suprassensível – Deus):


- O argumento do ato puro é uma tenta�va de provar a existência de Deus
com o uso da lógica. Seu proponente foi Aristóteles e consiste no seguinte:
-- suponha-se que uma semente é um carvalho em estado de potência e que o
carvalho é a mesma semente em estado de ato. O desenvolvimento de potên-
cia em ato é chamado de atualização. Entretanto, um carvalho não se atualiza
sozinho, ele necessita de um carvalho anterior a ele, que gera a semente a se
desenvolver no processo de atualização. Dessa forma, cada ser em potência
necessita de um ser em ato anterior a ele para se atualizar. Cada carvalho ne-
cessita de um carvalho mais antigo de modo a se recuar numa série de seres
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em potência e ato, cada ser em ato gerando um novo ser em potência, que se
atualiza e gera outro ser em potência. Essa regressão não pode ser infinita
porque uma série de causas que se estende infinitamente nunca vai produzir
um efeito, é impossível atravessar um tempo infinito entre a causa e o efeito.
Então, para que o Universo faça sentido, deve haver um ser em estado de puro
ato, aquele que não possui potência alguma, logo não precisa se atualizar e
não depende de um ser preexistente. Esse ser, a quem se pode chamar Deus,
sempre existiu porque nunca teve um estado de potência, não possui uma
origem e um processo de desenvolvimento. Nessa condição, ele pode dar início
a toda a cadeia de atualizações que culmina na semente proposta inicialmen-
te.
- O argumento se fundamenta na causalidade e na finitude do tempo, as
mesmas premissas do argumento da causa primeira e, de fato, os dois argu-
mentos estão in�mamente ligados. Se a figura de Deus como PRIMEIRO
MOTOR é pensada como princípio da realidade sensível, é porque ele é ATO
PURO. Ele cons�tui assim a CAUSA FINAL do real que tende para ele como a
potência para seu ato, a matéria para sua forma.

1.3 De Heráclito a Aristóteles

- A meta�sica aristotélica inaugura, portanto, o estudo da estrutura geral de


todos os seres ou as condições universais e necessárias que fazem com que
exista um ser e que ele possa ser conhecido pelo pensamento. Afirma que a
realidade no seu todo é inteligível ou conhecível e apresenta-se como conheci-
mento teoré�co da realidade em todos os seus aspectos gerais ou universais,
devendo preceder as inves�gações que cada ciência realiza sobre um �po de-
terminado de ser.
- Heráclito considerava a natureza (o kosmos) um “fluxo perpétuo”, o escoa-
mento con�nuo dos seres em mudança perpétua. Ele comparava o mundo à
chama de uma vela que queima sem cessar e transforma a cera em fogo, o
fogo em fumaça e a fumaça em ar. A realidade é a harmonia dos contrários,
que não cessam de se transformar uns nos outros. Se assim for, como explicar
que nossa percepção nos ofereça as coisas como se fossem estáveis, duradou-
ras e permanentes? Ele indicava a diferença entre o conhecimento que “nossos
sentidos nos oferecem” e o conhecimento que “nosso pensamento alcança”: o
primeiro nos oferece a permanência ilusória, enquanto o segundo
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conhece a mudança como verdadeira realidade.


- Parmênides, porém, opunha-se a Heráclito, afirmando que só podemos
pensar sobre aquilo que permanece sempre idên�co a si mesmo. Para ele, se
nada permanece, então nada pode ser pensado. Conhecer é alcançar o idên�-
co, o imutável. Nossos sen�dos nos oferecem a imagem de um mundo em
incessante mudança, no qual tudo se torna o contrário de si mesmo: o dia vira
noite, o inverno vira primavera, o doce se torna amargo, o líquido se transfor-
ma em vapor ou em sólido. Como pensar o que é e não é ao mesmo tempo?
Como pensar o instável? Não é possível, dizia Parmênides. Pensar é apreender
um ser em sua iden�dade profunda e permanente. Com isso, AFIRMAVA O
MESMO QUE HERÁCLITO – PERCEBER E PENSAR SÃO DIFERENTES –, mas dizia
isso em sen�do oposto: nossos sentidos percebem mudanças impensáveis,
mas o pensamento conhece a realidade, isto é, a identidade e a imutabilidade.
- A DISTINÇÃO ENTRE PERCEBER E PENSAR É MANTIDA TAMBÉM PELA FILOSO-
FIA ATOMISTA proposto por Demócrito. Para ele, os seres surgem por compo-
sição dos átomos, transformam-se por novos arranjos e desaparecem pela
separação deles. Demócrito concordava com Heráclito e Parmênides que há
uma diferença entre o que conhecemos por meio de nossa percepção e o que
conhecemos apenas pelo pensamento. Porém, divergindo deles, não conside-
rava a percepção ilusória, mas sim um efeito da realidade sobre nós. O conhe-
cimento sensorial é verdadeiro, embora seja de uma verdade diferente e
menos profunda ou menos relevante do que aquela alcançada pelo puro pen-
samento.
- Diante da pluralidade das ontologias anteriores, os sofistas concluíram que
não podemos conhecer o ser, pois, se pudéssemos, pensaríamos da mesma
maneira e haveria uma única filosofia. Consequentemente, só podemos ter
opiniões subjetivas sobre a realidade. Por isso, os homens devem valer-se de
um instrumento – a linguagem – para persuadir os outros de suas próprias
ideias e opiniões. A verdade é uma questão de opinião e de persuasão, e a lin-
guagem é mais importante do que a percepção e o pensamento.
- Opondo-se aos sofistas, Sócrates afirmava que a verdade pode ser conhecida
quando compreendemos que precisamos começar afastando as ilusões dos
sen�dos, as imposições das palavras e a mul�plicidade das opiniões. Os órgãos
dos sen�dos, diz Sócrates, dão-nos somente as aparências das coisas, e as pa-
lavras, meras opiniões sobre elas. A aparência e a opinião variam de pessoa
para pessoa e em um mesmo indivíduo. Mas não só variam: também se con-
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tradizem. Conhecer é começar a examinar as contradições das aparências e


das opiniões para poder abandoná-las e passar da aparência à essência, da
opinião ao conceito.
- Platão e Aristóteles herdaram de Sócrates o procedimento filosófico de co-
meçar a abordar uma questão pela discussão e pelo debate das opiniões con-
trárias sobre ela a fim de superá-las em um saber verdadeiro. Além disso, pas-
saram a definir as formas de conhecer e as diferenças entre o conhecimento
verdadeiro e a ilusão, introduzindo na filosofia a ideia de que existem diferen-
tes maneiras de conhecer. Platão distingue quatro formas ou graus de conhe-
cimento, que vão do grau inferior ao superior: crença, opinião, raciocínio e
intuição intelectual. Os dois primeiros formam o que ele chama conhecimento
sensível; os dois úl�mos, o conhecimento inteligível.
- Enquanto Platão concebia o conhecimento como abandono de um grau infe-
rior por um superior, Aristóteles o considerava con�nuamente formado e enri-
quecido por acúmulo das informações trazidas por todos os graus. Desse
modo, em lugar de uma ruptura entre o conhecimento sensível e o intelectual,
há uma continuidade entre eles. As informações trazidas pelas sensações se
organizam e permitem a percepção. As percepções, por sua vez, organizam-se
e permitem a imaginação. Juntas, conduzem à memória, à linguagem e ao
raciocínio.

1.4 Física, psicologia e matemá�ca

. Física:
- A ciência das formas e das essenciais:
-- Hoje, entendemos a �sica como a ciência da natureza entendida no sen�do
de Galileu, ou seja, entendida quan�ta�vamente.
-- Aristóteles entendia a física como a ciência das formas e das essenciais, se
revelando como uma ontologia ou metafísica do sensível.
- A solução da aporia eleá�ca:
-- Diferentemente de Platão, que atribuía escassa cognoscibilidade à realidade
em movimento, Aristóteles estudou de maneira sistemá�ca sua natureza na
Física, enfrentando com decisão e resolvendo a aporia eleá�ca:
--- o movimento não implica, como queria Parmênides, uma passagem do ser
ao não-ser (e, portanto, não implica um absurdo que comporta sua negação),
mas implica a passagem de uma forma de ser para outra forma de ser, do ser
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em potência ao ser em ato.


- O que é movimento?
-- passagem de potência para ato;
-- requer uma causa eficiente que já esteja em ato e uma causa final;
-- requer um substrato material: os entes sem matéria não se movem;
-- os entes supralunares se movem apenas com movimento circular, porque
são dotados de matéria especial: o éter.
- Quais movimentos existem?
-- Conforme a substância toma o nome de geração e corrupção;
-- Conforme a qualidade toma o nome de alteração;
-- Conforme a quan�dade toma o nome de aumento/diminuição;
-- Conforme o lugar se chama translação.
--- Os 4 movimentos acima são sublunares, ou seja, da realidade sensível. Já
das supralunares, ou seja, das celestes se movem apenas segundo o lugar e
em sen�do circular. Isso porque os corpos terrestres são cons�tuídos de 4 ele-
mentos, enquanto os corpos celestes são feitos de um quinto elemento, o éter.
- Ao movimento estão ligados o espaço, o lugar e o tempo:
-- O espaço é o onde em que os corpos se movem;
-- O lugar é aquilo que contém o corpo; há “lugares naturais” aos quais cada
elemento espontaneamente tende (por exemplo, o fogo tende naturalmente
para o alto);
-- O tempo é a medida do movimento segundo o antes e o depois; o tempo
requer uma alma que meça;
-- O infinito existe apenas em potência; é a possibilidade de incrementar
quanto se quiser, do ponto de vista conceitual, determinada realidade sem
jamais chegar ao limite extremo. Um exemplo disso são os números.

. Psicologia:
- A psicologia é considerada parte integrante da �sica, pois ela estuda os seres
�sicos enquanto animados. Os seres animados são tais por causa de um prin-
cípio de vida, ou seja, de uma ALMA.
- A alma é uma “forma” (em sen�do ontológico), é a “enteléquia”, isto é, o ato,
a perfeição de um corpo. Todavia, os seres vivos não têm todos as mesmas
funções e, portanto, terão princípios vitais (ou seja, almas) diferentes, confor-
me as funções específicas que lhes são próprias:
-- os vegetais: podem apenas reproduzir-se e crescer; terão a alma vegetativa
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ARISTÓTELES

(PRESIDE À REPRODUÇÃO E AO CRESCIMENTO: é o princípio mais elementar


da vida, ou seja, o princípio que governa e regula as a�vidades biológicas);
-- os animais: têm também percepção do mundo e capacidade de movimento;
serão igualmente dotados de alma sensitiva (É A CAPACIDADE DE SENTIR, DA
SENSAÇÃO: nosso órgão de sen�do tem a capacidade, isto é, a potência, de
sen�r, e esta capacidade torna-se sen�r em ato quando entra em contato com
o objeto sensível que tem capacidade ou potência de ser sen�do);
-- os homens: têm também a faculdade de raciocinar; serão providos, além da
alma vegeta�va e sensi�va, da alma racional (INTELECTO PASSIVO: é o intelec-
to do homem que tem capacidade e potência de conhecer as formas inteligí-
veis que estão em potência nas coisas; INTELECTO ATIVO: põe em ato as
formas inteligíveis que estão em potência nas coisas e as torna compreensí-
veis. É semelhante à luz que a�va a vista e reaviva as cores. É imortal.

. Matemá�ca:
- Enquanto Platão entendia os entes matemá�cos como subsistentes em si e
por si, ou seja, como realidades substanciais separadas, Aristóteles os consi-
derou como caracterís�cas das realidades sensíveis, separáveis com a mente.
- Os números e as figuras geométricas existiriam em potência nas coisas e, por-
tanto, tem realidade própria, mas em ato subsistem apenas em nossa mente,
por meio da operação da separação-abstração.

2. ÉTICA E POLÍTICA

2.1 Teleologia, eudaimonia, virtude e akrasia

. Télos:
- A jus�ça é teleológica e honorífica.
- Ex.: flauta, Callie Smar� (1996) e cotas.
- Jus�ça par�cular: distribu�va, corre�va (comuta�va e repara�va) e reciproci-
dade; equidade; igualdade/balança.

. Eudaimonia:
- 3 �pos de vida (prazer, virtude e contempla�va).
- O fim úl�mo e o bem supremo é a eudaimonia (felicidade não é uma emoção,
mas está mais para um estado de plenitude, uma forma de viver plena, voltada
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ARISTÓTELES

para o bem, para o saber, para a jus�ça, no aperfeiçoamento constante do


caráter).

. Virtude:
- Virtude (aretê): excelência. Ex.: faca: cortar; homem: felicidade. O céu é o
limite, respeitando o limite da natureza; se o desenhista trabalhar na bolsa,
jogará seus talentos no lixo.
- Há dois �pos:
-- Virtude dianoética ou intelectual: teórica (nous, sofia e episteme) e prá�ca
(fronesis: prudência, moderação, sabedoria prá�ca, inteligência prá�ca, razão
prá�ca: meio-termo);
-- Virtude ética: eis alguns exemplos de “vício por deficiência / virtude / vício
por excesso”: Covardia / Coragem / Temeridade; Indiferença / Gen�leza / Iras-
cibilidade; Insensibilidade / Temperança / Liber�nagem; Avareza / Liberalida-
de / Esbanjamento; Vileza / Magnificência / Vulgaridade; Modés�a / Respeito
Próprio / Vaidade; Moleza / Prudência / Ambição; Descrédito Próprio / Veraci-
dade / Orgulho; Rus�cidade / Agudeza de Espírito / Zombaria; Enfado / Amiza-
de / Condescendência; Desavergonhado / Modés�a / Timidez
Malevolência / Justa Indignação / Inveja.

. Akrasia:
- Sócrates (diálogo Protágoras) diz que não é possível a akrasia; Platão (Livro
IV da República) salienta que há sim akrasia, mas pelo menos para a classe dos
filósofos ainda vale a tese de Sócrates; Aristóteles (Livro VII de Ética a Nicôma-
co) defende que a akrasia pode ser evidentemente observada no comporta-
mento humano.
- É possível ensinar a virtude moral? Isso vai depender de como entendemos a
virtude moral. Se a considerarmos um saber, ela poderá ser ensinada. Sócra-
tes: sim, porque a virtude é um saber; Platão (diálogo Mênon): para os filóso-
fos, a virtude é uma ciência e poderá ser ensinada; para os demais, ela é
hábito, prá�ca e exercício e é assim que eles adquirem as virtudes; Aristóteles:
a virtude moral é unicamente adquirida pelo hábito e pela prá�ca, como, por
exemplo, agindo com a�tudes de tolerância eu adquiro a virtude da tolerância;
agindo com atos generosos, eu adquiro a virtude da generosidade.

2.2 É�ca e felicidade (cap. 2 da obra Ética dos maiores mestres através da his-
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ARISTÓTELES

tória, de Olinto Pegoraro)

. Os quatro eixos da filosofia prá�ca:


- O homem é um ser no qual convivem as realidades biológica, sensi�va, inte-
lec�va e divina. “O intelecto exerce uma a�vidade quase divina, é nossa
melhor parte e nos aproxima dos deuses”. A tarefa primordial da ciência ética
consiste em colocar uma certa harmonia, hierarquia e comando nesta comple-
xidade.
- Desde o início, Aristóteles adverte que as ciências da é�ca e da polí�ca anali-
sam as condutas humanas mutáveis por aproximação e não por definição
como na meta�sica que é a ciência das coisas imutáveis.
- Eis os quatro eixos:
-- 1° EIXO: a é�ca é natural. Ela emerge da estrutura biológica do ser humano
tomado em sua individualidade e sociabilidade;
-- 2° EIXO: a é�ca é finalista. Todas as escolhas e decisões humanas visam
alcançar um fim, produzir um bem e chegar a uma meta;
-- 3° EIXO: a é�ca é racional. A tarefa da é�ca está em harmonizar os impulsos
biológicos, ins�n�vos e sensi�vos sob a orientação da razão, “nossa melhor
parte”;
-- 4° EIXO: a é�ca é heterônoma. A é�ca vem de fora, vem da natureza; as
ações serão é�cas quando decididas pela liberdade.
- Estes quatro eixos atravessaram os séculos sem contestação. Mas Kant igno-
rou a é�ca heterônoma e naturalista, biologista e propôs a é�ca autônoma,
decidida pela razão; Hobbes, Locke e Rousseau colocaram as bases da polí�ca
não mais na natureza humana, mas no contrato social.

. O fim úl�mo:
- Em todas as suas ações, o homem visa alguma finalidade, visa alcançar um
bem. Isto faz toda a pessoa consciente de si e de seu agir; só um desequilibra-
do, como o ébrio, pode fazer ações sem visar algum resultado.
- Há, porém, uma hierarquia de bens.
- Alguns nós os procuramos em vista de obter outros bens, como trabalhar
para ganhar um bom salário para comprar uma casa e viver tranquilamente.
- Numa hierarquia de bens é preciso que haja um bem final que sinte�ze todos
e que será o fim úl�mo e supremo: esse bem é a FELICIDADE.
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ARISTÓTELES

. Condições da vida feliz:


- Prá�ca das virtudes: as virtudes moldam o nosso caráter e orientam os
nossos costumes. Pelo exercício da virtude, elevamos nossos sen�mentos e
educamos nossos ins�ntos, nos tornando senhores de nossas próprias ener-
gias.
- Círculo de amigos: há a amizade baseada na utilidade ou interesse, a amizade
baseada no prazer e a amizade baseada na virtude, chamada de amizade ver-
dadeira.
- Boa saúde: Aristóteles elogia a saúde como condição da felicidade e cita uma
inscrição em Delfos: “mais bela é a jus�ça, e melhor é a saúde, mais agradável
é possuir o que se ama”.
- Suficiência de bens materiais: o sábio precisa também de bens materiais,
mas só os indispensáveis para viver, pois o excesso de bens externos corrompe
a mente.
- Viver numa sociedade justa: condição absolutamente necessária para que o
homem seja feliz; sendo ele, por natureza, um ser social e polí�co, precisa
viver com os outros.
- Meditação filosófica: é o supremo nível da felicidade, a contemplação das
verdades imutáveis. Nisso chegam apenas alguns filósofos. E todos os outros
serão infelizes? Não, pois quem realiza as demais condições também é feliz.

2.3 Polí�ca e cidade

. A cidade é a comunidade perfeita:


- A política, de Aristóteles, inaugura a filosofia polí�ca propriamente dita. Ele
propõe uma teoria ao mesmo tempo descri�va e norma�va da cidade. Cidade
é um termo traduzido do grego polis e significa “comunidade polí�ca” que
cons�tui a forma acabada da vida social. Ela permite ao ser humano livre pra-
�car a virtude e a�ngir assim o bem mais elevado: a vida boa ou feliz. O que
é uma comunidade polí�ca? Para que fim ela existe? Procedendo segundo um
método analí�co (decompor um todo em seus elementos) e gené�co (estudar
o desenvolvimento de uma realidade a par�r de sua origem), Aristóteles vai
descobrir a especificidade da cidade em relação às outras formas de comuni-
dades humanas.
- O livro I enuncia sua tese central: a cidade é a comunidade perfeita que per-
mite aos seres humanos realizar plenamente sua natureza e a�ngir a felicida-
14
ARISTÓTELES

de. O paradoxo é que as cidades gregas estão naquele momento em pleno de-
clínio: conquistadas pelos reis da Macedônia, elas vão dar lugar à monarquia
centralizada. Mas nem por isso a tese perde sua força.

. O ser humano é por natureza um animal polí�co:


- Os seres humanos tendem espontaneamente a reunir-se para preencher
uma falta que os impede de realizar sua natureza: eles formam comunidades
porque não podem bastar-se a si mesmos. “Homem” não significa apenas “in-
divíduo”, mas, antes, “comunidade humana”. A comunidade humana é o
Estado, ou seja, a pólis.
- Toda a associação humana que tenha como finalidade a sobrevivência e o de-
senvolvimento completo das capacidades dos associados é uma ins�tuição na-
tural. Antes de mais, a família, depois a aldeia (associação de várias famílias)
e, por fim, a cidade/pólis (mais de uma aldeia).
- A cidade é a comunidade mais perfeita, porque ela permite a�ngir o nível da
autarquia, bem supremo que remete não somente à sa�sfação de todas as ne-
cessidades (subsistência), mas sobretudo à felicidade (bem viver).
- A cidade é o fim (o obje�vo e a realização) das comunidades que a compõem
(família e outros grupos) e explica seu desenvolvimento. O que mostra que o
ser humano é naturalmente des�nado a viver não só socialmente, como os
outros animais gregários, mas poli�camente, é que ele é dotado de logos
(linguagem e razão), o que o torna capaz de conceber as noções de justo e
injusto e de discu�-las com os outros.
- A comunidade polí�ca difere das sociedades animais porque os seres huma-
nos par�lham nela não somente necessidades, mas também valores comuns.

. A jus�ficação da escravidão natural:


- A escravidão, ins�tuição que consagra a desigualdade (alguns seres humanos
são privados de todo direito e excluídos da cidadania), é admi�da pela maioria
dos pensadores da An�guidade. Apenas alguns sofistas a julgam contrária à
natureza.
- Aristóteles diz que a escravidão é natural, necessária e legí�ma: alguns
seres humanos são feitos para comandar, outros para obedecer. A inferiorida-
de do escravo depende de sua incapacidade de deliberar: ele não pode co-
mandar-se a si mesmo, mas somente servir-se de seu próprio corpo, des�nado
por sua robustez aos trabalhos pesados. Sendo um “instrumento animado”, os
15
ARISTÓTELES

escravos servem para produzir os bens necessários à manutenção da vida e


assim deixar livre seu senhor, des�nado à a�vidade polí�ca.

. A riqueza não é uma finalidade em si:


- Para a�ngir a autossuficiência que permite viver bem, a cidade e as famílias
que a compõem devem dispor de bens materiais suficientes para prover as ne-
cessidades de seus membros.
- A arte de adquirir riqueza é conforme à natureza se ela permite liberar os
seres humanos da necessidade, a fim de que possam consagrar-se à sua vida
de cidadãos. Mas com o desenvolvimento das trocas e com a introdução do
dinheiro (passagem da troca ao comércio) apareceu uma forma perver�da da
arte de adquirir, a crema�s�ca (arte de aumentar a riqueza sem limites pelo
comércio e pela especulação, porque não há outro fim senão o enriquecimen-
to): a aquisição de bens se torna um fim em si e não se trata mais de outra
coisa senão de aumentar sem limites a quantidade de dinheiro que se possui.
- Deste modo, o dinheiro foi desviado de sua função natural que é facilitar a
troca e tornou-se “o princípio e o fim da troca”. Não se trata aqui de condenar
moralmente o lucro, mas de denunciar o risco que faz pesar sobre a cidade a
confusão do meio (adquirir riquezas) com um fim, quando o enriquecimento
se torna uma finalidade em si.

. Tipos possíveis de governo e corrupção:


- Por considerá-la impra�cável e autoritária, Aristóteles recusou a utopia pla-
tônica e a sofocracia, que atribui poder ilimitado a apenas uma parte do corpo
social, os mais sábios, o que hierarquiza demais a sociedade.
- Para dar essa resposta, Aristóteles analisou 158 cons�tuições diferentes, e
definiu os �pos possíveis de governo. Ei-los:
-- BOM = MONARQUIA (um), ARISTOCRACIA (poucos), POLITÍA (muitos);
-- RUIM = TIRANIA (um), OLIGARQUIA (poucos), DEMOCRACIA (muitos).
- A politía é uma média entre oligarquia e democracia. A corrupção de um
regime a outro, acontece quando quem governa se desvia do obje�vo de a�n-
gir o bem comum, e passa a governar de acordo com seus interesses.
- Quanto à melhor forma de governo, Aristóteles diz que vai depender do �po
de povo. Segundo ele, existe uma disposição natural em cada povo que o torna
propício a determinada forma de governo. Par�cularmente, ele prefere a mo-
narquia, e argumenta que dentre as formas corrompidas de governo, a demo-
16
ARISTÓTELES

cracia é a melhor.

. Estado virtuoso e concepção cíclica da história:


- A ligação entre é�ca e polí�ca é evidente. O Estado virtuoso é a ordem na
qual o homem pode a�ngir a felicidade (menos para os escravos).
- É preciso fazer guerra tendo apenas como finalidade a paz, trabalhar para
poder libertar-se das necessidades do trabalho, fazer as coisas necessárias e
úteis para poder ganhar o livre repouso e, enfim, fazer as coisas belas, isto é,
contemplar.
- Outra caracterís�ca �pica das teorias polí�cas an�gas é a concepção cíclica
da história, segundo a qual os governos se alternam passando de uma forma
para outra (de desenvolvimento ou de decadência), representando um curso
fatal dos acontecimentos humanos. Assim, por exemplo, quando a monarquia
degenera em �rania, acontece a reação aristocrá�ca que, decaindo em oligar-
quia, gera a democracia e assim por diante.

3. LÓGICA, RETÓRICA E POÉTICA

3.1 Lógica, analí�ca e dialé�ca

. Lógica: propedêu�ca; dedu�va (alcançamos o geral pela indução e pela intui-


ção, que é a captação pura dos princípios primeiros pelo intelecto).

. Sobre o Organon:
- Os seis tratados do Organon incluem:
-- 1) as Categorias, que trata das CATEGORIAS (substância, qualidade, quan�-
dade, relação, ação, paixão, onde, quando, ter e jazer). Ex.: Sócrates (substân-
cia) corre (agir). Não são nem verdadeiras nem falsas; são indefiníveis porque
são universais;
-- 2) Da interpretação, que trata da proposição;
-- 3) Primeiros analíticos, que trata da teoria do silogismo em geral;
-- 4) Segundos analíticos, que trata do silogismo demonstra�vo; aqui temos as
DEFINIÇÕES;
-- 5) Tópicos ou teoria do raciocínio provável;
-- 6) Refutações sofísticas, teoria dos raciocínios especiais u�lizados pelos
sofistas.
17
ARISTÓTELES

- Esta ordem não é a ordem cronológica em que foram escritos os tratados,


pois admite-se que as Categorias e os Tópicos foram escritos primeiro, e que a
teoria do silogismo presente nos Analíticos é o aporte mais específico de Aris-
tóteles.
- Como dar à u�lização da linguagem o rigor necessário para poder dis�nguir o
erro, o provável e o necessário, diante dos sofistas, de um lado, que a u�lizam
em todos os sen�dos e misturam essas três coisas, e diante dos platônicos, de
outro lado, que se opõem aos sofistas ligando a linguagem, de maneira muito
abrupta às ideias, fazendo do universal uma coisa ou uma substância? Tudo
depende aqui de um trabalho minucioso de inventário, de classificação e de
sistema�zação das combinações dos meios do discurso. Trabalho árido, mas
ao mesmo tempo inaugural e salutar.

. Há diferentes maneiras de atribuir um predicado a um sujeito:


- Aristóteles dis�ngue diferentes expressões que têm um significado fora de
sua composição numa proposição: a substância (cavalo), a quan�dade (dois
metros de comprimento), a qualidade (branco), a relação (maior), o lugar (o
deserto), o tempo (ontem), a posição (deitado), a possessão (ter isto), a ação
(fazer aquilo), a paixão (sofrer alguma coisa).
- Esses termos designam também as diferentes figuras da atribuição de um
predicado a um sujeito. Ex.: “Rossinante é um cavalo de dois metros de com-
primento, branco etc.” Essas formas são, portanto, os gêneros mais gerais do
ser, irredu�veis a um universal como a ideia platônica. No entanto, elas são
ordenadas à substância, isto é, ao indivíduo concreto (Rossinante), único real,
o que marca a orientação realista de Aristóteles.

. Há diferentes �pos de proposições:


- A proposição é definida como o que é susce�vel de ser verdadeiro ou falso,
porque ela diz alguma coisa sobre alguma coisa: o cavalo é branco.
- As proposições se classificam, em seguida, não mais somente segundo a cate-
goria u�lizada, mas segundo três �pos que serão sistema�zados pela tradição
lógica inaugurada por Aristóteles. Dis�nguem-se, portanto, as proposições:
-- segundo sua qualidade, em afirma�vas e nega�vas: X é Y; X não é Y;
-- segundo sua quan�dade, em universais, par�culares, indefinidas e singula-
res: todos os X são Y; alguns X são Y; o X é Y; Cálias é Y;
-- segundo sua modalidade, em possíveis, con�ngentes e necessárias: é possí-
18
ARISTÓTELES

vel, necessário ou con�ngente que X seja Y;


- Esses �pos podem combinar-se para qualificar a natureza lógica de uma pro-
posição: fala-se assim, por exemplo, de “universal nega�va” para “todos os X
não são Y”.

. Há diferentes �pos de raciocínios:


- O silogismo consiste em estabelecer, numa sucessão de três proposições en-
cadeadas, maior, menor e conclusão, um vínculo lógico entre dois termos por
intermédio de um terceiro. Validade diz respeito ao aspecto formal da inferên-
cia. Verdade se refere ao conteúdo. Comparemos os três silogismos:
Primeiro: Segundo: Terceiro:
Os insetos têm seis patas Todo inseto é humano Os vegetarianos não comem ling. de porco
As abelhas são insetos Toda abelha é inseto Moby não come linguiça de porco
As abelhas têm seis patas Toda abelha é humana Portanto, Moby é vegetariano

Formalmente, a estrutura do primeiro e do segundo é: A estrutura do terceiro é:


Todo A é B Todo A é B
Todo C é A Todo C é B
Logo, todo C é B Logo, todo C é A

. A ciência é um conhecimento certo que se baseia no silogismo demonstra�-


vo:
- O que faz a especificidade do silogismo cien�fico é que ele se baseia em pre-
missas certas e consequentemente em proposições verdadeiras. Como essas
premissas também devem ser demonstradas, não se evita a regressão ao infi-
nito, a não ser fixando a atenção em princípios, primeiros e indemonstráveis.
Ao lado dos princípios comuns a todas as ciências, como os princípios de con-
tradição e do terceiro excluído, devem, pois, exis�r princípios específicos para
cada ciência, acessíveis na intuição por indução, a par�r de casos par�culares.
- Além disso, conhecer cien�ficamente um objeto (específico para cada �po de
ciência) supõe que se possa explicar suas propriedades essenciais ou univer-
sais, e não acidentais: conhece-se cien�ficamente as propriedades do triângu-
lo, e não de um triângulo singular cujas par�cularidades, con�ngentes, não
são acessíveis senão à observação. Só o universal pode ser �do como neces-
sário.
- E, enfim, essas propriedades essenciais devem ser referidas à sua causa.
Também é preciso que os diferentes �pos de causas (causa formal, material,
eficiente e final) possam servir de meio-termo na demonstração.
19
ARISTÓTELES

- Por esta TEORIA DA CIÊNCIA como sistema dedu�vo ar�culado à �pologia


das causas, dos princípios e dos silogismos, Aristóteles opõe-se ao mesmo
tempo aos sofistas e a Platão. Aos sofistas, uma vez que eles têm a tendência
de misturar todos os �pos de discurso, verdadeiro e falso, necessário e con�n-
gente, quando existe um conhecimento necessário do universal; e a Platão,
uma vez que o necessário e o universal são fabricados no discurso e não são
ideias separadas do real que têm uma consistência própria.

. Argumentação dedu�va (princípios axiomá�cos aristotélicos):


- A dedução é o raciocínio que consiste em inferir uma consequência a par�r
de premissas, que se chamam antecedentes. Ao contrário da indução, a dedu-
ção não fica na probabilidade, pois parte de princípios gerais evidentes por si.
A lógica visa às regras que possibilitam �rar inferências válidas. O ponto de
par�da da lógica está baseado nos seguintes princípios:
-- IDENTIDADE: o que é, é. O princípio afirma a iden�dade de uma coisa consi-
go mesma, ou seja, afirma a propriedade pela qual uma coisa persiste, apesar
das alterações acidentais;
-- TRÍPLICE IDENTIDADE: duas coisas idên�cas a uma terceira são idên�cas
entre si, na medida e no aspecto, em que são idên�cas a mesma terceira;
-- PRINCÍPIO DA NÃO-CONTRADIÇÃO: uma coisa não pode ser e não ser ao
mesmo tempo e sob o mesmo aspecto;
-- PRINCÍPIO DO 3° EXCLUÍDO: ou uma proposição é verdadeira ou é falsa, não
há terceira possibilidade.

. A dialé�ca é um conhecimento do provável:


- Os Tópicos, consagrados à dialé�ca, foram manifestamente escritos bem
antes da teoria propriamente lógica do silogismo.
- Trata-se de elaborar as regras do pensamento dialogado, de aprender a
refutar ou a defender teses que se baseiam em premissas somente prová-
veis, isto é, defendidas por um sen�mento mais ou menos unânime de pes-
soas reconhecidas.
- A dialé�ca, diz Aristóteles, é boa para as disputas oratórias da política e do
teatro, para a retórica, para os assuntos sobre os quais só existem opiniões e
nos quais só cabe a persuasão. Não é o caso da filosofia e da ciência, porque
a estas interessa a demonstração ou a prova de uma verdade. Subs�tuindo a
dialé�ca por um conjunto de procedimentos de demonstração e prova, Aristó-
20
ARISTÓTELES

teles criou a lógica propriamente dita, que ele chamava de analí�ca.

. Da dialé�ca à analí�ca:
- Qual a diferença entre a dialé�ca platônica e a lógica (ou analí�ca) aristotéli-
ca?
-- Em primeiro lugar, a dialé�ca platônica é o exercício direto do pensamento
e da linguagem, um modo de pensar que opera com os conteúdos do pensa-
mento e do discurso. A lógica aristotélica é um instrumento para o exercício do
pensamento e da linguagem: ela oferece os meios para realizar o conhecimen-
to e o discurso.
-- Em segundo lugar, a dialé�ca platônica é uma a�vidade intelectual des�na-
da a trabalhar contrários e contradições para superá-los, chegando à iden�da-
de da essência ou da ideia imutável. Depurando e purificando as opiniões con-
trárias, a dialé�ca platônica chega ao que é verdadeiro para todas as inteligên-
cias. Já a lógica aristotélica oferece procedimentos a serem empregados na-
queles raciocínios que se referem a todas as coisas das quais possamos ter um
conhecimento universal e necessário. Seu ponto de par�da não são opiniões
contrárias, mas princípios, regras e leis necessários e universais do pensamen-
to.

3.2 Ciências produ�vas ou poié�cas (História da Filosofia, vol. 1, de Reale e


An�seri)

. Arquitetura, economia, medicina, pintura, escultura, poesia, teatro, oratória,


arte da guerra, da caça, da navegação etc. são objeto das ciências produ�vas.
Aristóteles disse que todas as a�vidades humanas técnicas e ar�s�cas que
resultam em um produto ou em uma obra dis�ntos do produtor são ciências
produ�vas.

. Retórica:
- Assim como Platão, Aristóteles �nha a firme convicção de que a retórica não
tem a função de ensinar e treinar acerca da verdade ou de valores par�cula-
res. Com efeito, esta função é própria da filosofia, por um lado, e das ciências
e artes par�culares, por outro. O OBJETIVO DA RETÓRICA É, AO CONTRÁRIO,
O DE “PERSUADIR” OU, MAIS EXATAMENTE, O DE DESCOBRIR QUAIS SÃO OS
MODOS E MEIOS PARA PERSUADIR.
21
ARISTÓTELES

- A retórica, portanto, é uma espécie de “metodologia do persuadir”, uma


arte que analisa e define os procedimentos com que o homem procura con-
vencer os outros homens e iden�fica suas estruturas fundamentais.
- Assim, sob o aspecto formal, a retórica apresenta analogias com a lógica, que
estuda as estruturas do pensar e do raciocinar e, par�cularmente, apresenta
analogias com a parte da lógica que Aristóteles chama de “dialé�ca” (conheci-
mento do provável).
- Analogamente, a retórica estuda os procedimentos com os quais os homens
aconselham, acusam, se defendem e elogiam (estas, com efeito, são todas a�-
vidades específicas do persuadir), em geral não se movendo a par�r de conhe-
cimentos cien�ficos, mas de opiniões prováveis.
- As argumentações que a retórica fornece, portanto, não deverão partir das
premissas originárias de que parte a demonstração cien�fica, mas das convic-
ções comumente admi�das das quais parte também a dialé�ca. Ademais, em
sua demonstração, a retórica não apresenta as várias passagens, através das
quais o ouvinte comum se perderia, mas extrai a conclusão rapidamente das
premissas, deixando subjacente a mediação lógica. Esse �po de raciocínio
retórico denomina-se “en�mema” (a retórica extrai a conclusão rapidamente
das premissas). Portanto, o en�mema é um silogismo que parte de premissas
prováveis (de convicções comuns e não de princípios primeiros), sendo conci-
so e não desenvolvido nas várias passagens.
- Além do en�mema, a retórica se vale também do “exemplo”, que não impli-
ca mediação lógica de qualquer gênero, mas torna imediata e intui�vamente
evidente aquilo que se quer provar. Assim como o en�mema retórico corres-
ponde ao silogismo dialético, também o exemplo retórico corresponde à indu-
ção lógica, enquanto desenvolve função perfeitamente análoga.

. Poé�ca:
- Platão censurou a arte porque é mimese, imitação das coisas fenomênicas.
- Aristóteles, diferentemente de Platão, não condenou a arte pelo seu caráter
ilusório, e até lhe atribuiu valor “catártico” (purificador). A arte, para Aristóte-
les, é “mimese” da realidade; não é imitação passiva e mecânica, mas imita-
ção cria�va que reproduz as coisas segundo a dimensão do possível e do uni-
versal.
- Aristóteles cita a tragédia, que por meio da piedade e do terror, acaba por
efetuar a purificação de tais paixões. Ele cita que também a música tem esse
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ARISTÓTELES

papel. O aspecto catár�co consiste no fato de que ela liberta das paixões, ou
que a sublima pelo prazer esté�co.

INDICAÇÕES DE LEITURAS

Obras de Aristóteles: 1. Órganon; 2. Metafísica; 3. Ética a Nicômaco; 4. Políti-


ca; 5. Retórica; 6. Poética.

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