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História da

Filosofia Antiga
A Filosofia Clássica

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Antonio Auresnedi Minghetti

Revisão Textual:
Aline Gonçalves
A Filosofia Clássica

• Sócrates e os Sofistas;
• O Método Socrático: Procedimento Filosófico e Medicina da Alma;
• Sócrates e o Humanismo – O Humano como Tema e Problema;
• A Moral Socrática;
• Conceito Grego de Areté e de Paideia;
• Helenismo.


OBJETIVO

DE APRENDIZADO
• Conhecer as principais escolas filosóficas do Período Helenístico, as quais estabeleceram
um contíguo de preceitos racionais para o Homem, por meio da ausência do sofrimento,
para chegar à felicidade e ao bem-estar.
UNIDADE A Filosofia Clássica

Sócrates e os Sofistas
O período clássico da história da Grécia Antiga, séculos IV, V e IV a.C., ficou carac-
terizado pelos sofistas e por Sócrates (470-399 a.C.) como o início da fase antropo-
lógica da Filosofia, marcada por uma reflexão filosófica voltada às questões humanas,
pela qual se estabeleceram os fundamentos filosóficos da cultura ocidental, alicerçados
pelo “Conhece-te a ti mesmo” de Sócrates, que se constituiu como a essência de todo
seu ensinamento filosófico posterior.

Figura 1 – Busto romano de Sócrates


Fonte: aleteia.org

O período socrático, de certa maneira, transitou do mito diretamente aos sofistas.


Estes, distintos entre si, bem como seus ensinamentos, eram por vezes antagonistas
entre eles mesmos e, às vezes, considerados enganadores e manipuladores.

Figura 2 – Sofistas tinham prestígio dentro de cidades gregas


Fonte: educacaoaberta.org

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Os sofistas (qualquer um que praticasse uma forma de sophia) eram viageiros
entre as cidades gregas, nas quais ofereciam e cobravam pelo ensino de suas habili-
dades, na defesa e na acusação em julgamentos, por isso são considerados os primei-
ros advogados profissionais; eram mestres na arte de bem falar, muitos eram sábios,
sem residência fixa, atuavam como professores itinerantes de algo que hoje podemos
chamar de Filosofia, cobrando pelo que ensinavam; normalmente, ensinavam a arte
da política e, consequentemente, a arte da retórica. Nas democracias gregas, a ca-
pacidade de discursar e de convencer era estimada como o melhor meio de ascensão
social e política.

A retórica não deixa de ser parte integrante da Filosofia, trata-se de um método


filosófico que se faz por meio da busca pela verdade, por meio da análise cuidadosa dos
argumentos. Ela não foi cultivada pelos sofistas, pois estes partiam de uma verdade a
priori, seria a procura por uma verdade predeterminada, principalmente, usando maus
argumentos, se necessário fosse, para atingir determinado objetivo, argumentos que não
teriam valor lógico, mas que eram articulados com a incrível capacidade de convenci-
mento, argumentos aparentemente sólidos, porém desprovidos de verdade, aos quais os
filósofos nomearam de sofismas, utilizados sem pudores, contanto que os ajudassem a
defender seus objetivos, por isso eram considerados relativistas.

Assim, temos dois tipos de retórica, de acordo com a utilização da argumentação.


O primeiro é utilizado na argumentação filosófica, visando ao conhecimento e à ver-
dade; e o segundo com a retórica que envolve o tipo de argumentação dos sofistas,
os quais julgavam a verdade como múltipla, relativa e mutável, com o único objetivo
de convencimento e triunfo em um debate, nesse caso, considerada como a arte do
convencimento. Em contraposição ao conceito de Maiêutica, método para produzir
a verdade, consagrado por Sócrates (470-399 a.C.), os sofistas negavam a existência
da verdade, de modo que ela surgiria por meio do consenso entre os homens. Essa
distinção de conteúdo promoveu o pecado atribuído aos sofistas pelos seus principais
adversários teóricos, além do próprio Sócrates, Aristóteles (384-322 a.C.) e Platão
(428-347 a.C.). Para este último, os sofistas não seriam considerados filósofos, e sim
mercenários. Em outras palavras, se o sofista acredita nas coisas de forma particu-
lar, de modo que cada indivíduo tem sua visão, ao mesmo tempo eles refutam, para
ganhar o debate verbal, enquanto Sócrates partisse do pressuposto da existência do
conceito absoluto de cada coisa; também refuta, mas tão somente para purificar a
alma de sua ignorância.

A predicação do termo "sofista" tem sua origem na palavra grega "sophistēs", deri-
vada de "sophia" e "sophos", com o significado de "sabedoria" e "sábio", respectiva-
mente. Essa predicação foi criada por Homero, poeta da Grécia Antiga que nasceu e
viveu no século VIII a.C., autor de duas das principais obras da antiguidade: os poemas
épicos Ilíada e Odisseia, que a teria usado para delinear uma pessoa habilidosa em
alguma tarefa e, com o tempo, a palavra passou a designar a sabedoria em assuntos
ligados aos humanos, contrapondo-se a assuntos da natureza até chegar a designar
um tipo específico de profissional, o sofista.

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O termo sofista, originalmente, significaria sábios, mas ao longo do tempo adquiriu


o sentido de desonestidade intelectual, principalmente pelas inferências de Platão e
Aristóteles. Em sua obra “Sofista”, por meio de um diálogo entre o Estrangeiro de
Eléia e Teeteto, Platão discute a impossibilidade de que um homem saiba de tudo. Para
Platão, considerado o pai da filosofia:

A retórica é sofística e não tem nada de positivo. A dialética, segundo


Platão, é mesmo um jogo de questões e respostas, mas dessa verdade
única e unívoca, deve emergir da discussão porque é sempre pressu-
posta por ela. Este aparecimento do saber assenta, para além da dis-
cussão, numa realidade estável, feita de verdades, as Ideias (…). (BRAY,
2012, on-line)

Aristóteles deliberou a sofística como a sabedoria (sapientia) ilusória, não real, dado
os sofistas ensinarem a argumentação a respeito de qualquer tema, mesmo quando os
argumentos não fossem corretos, pois não se interessavam pela busca da verdade, mas
pelo aprimoramento da arte de subjugar discussões; entendiam que a verdade seria rela-
tiva no espaço e tempo em que se insere.

Os sofistas não constituem uma escola filosófica específica, apenas referem uma
prática, uma forma de ser na sociedade; em particular, não são estudados como filósofos
tradicionais, mas sua importância filosófica se fez no sentido de que foram os primeiros
a questionar a sabedoria como uma doação divina; acreditavam que a retórica e a ora-
tória fariam os homens serem mais sábios e virtuosos. Os sofistas exercitavam a crítica
incisiva a seus oponentes, mesmo quando suas posições pareciam difíceis de compro-
vação, o que lhes rendeu críticas contundentes, por manter uma posição apenas de
verossimilhança, ao sustentar argumentos aparentemente verdadeiros, mesmo quando
sabiam previamente que não o seriam. Tendo em conta que, apesar das críticas, a ação
dos sofistas respondia a uma necessidade imperativa a sua época, para o incremento e
a consolidação da democracia na Atenas do século V a.C., a qual requisitava a impres-
cindível habilidade de argumentar em público, defender as próprias ideias e persuadir a
assembleia a concordar com aquilo que os beneficiaria.

A maioria dos sofistas tinha como foco de sua ação um interesse filosófico concen-
trado nos problemas do  homem  e da  natureza, mais especificamente na oposição
entre natureza (phýsis) e cultura (nómos), tal que aquilo que fosse herdado por natu-
reza não poderia ser alterado, como a necessidade que os homens têm de se nutrir, en-
quanto o que fosse informação cultural estaria passível de alterações das mais diversas,
de acordo com a cultura onde estivesse inserido. Para os sofistas, tudo o que concernia
à vida prática, em especial a religião e a política, seria motivado por razões culturais,
logo, poderiam ser modificados. Por isso sempre alocavam normas e hábitos em situ-
ação de ambiguidade, quanto à sua pertinência e legitimidade. Essa condição permite
classificá-los como relativistas, tal a questionar a pertinência das coisas na forma como
se apresentavam; seriam adequadas ou precisariam ser alteradas?

Um dos sofistas mais conhecidos foi Górgias de Leontinos (c. 487-380 a.C.) e, de-
pois dele, Hípias de Élis, Isócrates de Atenas, Licofron, Pródico, Trasímaco, e seu
mais importante representante foi Protágoras de Abdera (c. 490-421 a.C.).

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Figura 3 – Escultura do filósofo Górgias
Fonte: warosu.org

Górgias nasceu em Leontini (atual Sicília, Itália) em 487 a.C. Além de professor de
oratória e retórica, foi embaixador em Atenas. Seu grande foco foi ensinar técnicas de
persuasão, o que lhe valeu o título de “o pai da sofística”, por ser o responsável pela in-
trodução da retórica em Atenas. Defendia a ideia de que a arte da persuasão ultrapassaria
todas as outras, posto que fizesse todas as coisas suas escravas, por submissão espontânea
e não por violência. Originalmente, a retórica seria voltada para a persuasão, porém, com
Górgias, ela se associou à arte de falar com competência, não importando com quem esti-
vesse a razão, mas, sim, quem dominasse a retórica, posto que a “verdade” não existisse.
Sua obra mais relevante tratou da natureza ou do não ser.

Parmênides, anteriormente, formulara a teoria na qual o ser seria imutável e a única


realidade, uma essência contínua, daí a famosa frase desse filósofo: “O ser é, o não ser
não é”. Górgias, em seu escrito sobre o não ser, procurou desmontar as principais teses
de Parmênides sobre o eleatismo (doutrina da escola de Eleia, a crença na unidade do
ser e na irrealidade do movimento ou transformação), ao combater, principalmente,
a doutrina da existência de que exista um vínculo necessário entre o ser e o pensar;
ser como essência imutável das coisas, a qual é tocada por meio do pensamento e da
razão. Segundo Górgias, nada existe; se existir, será incognoscível, e se for incognoscí-
vel, será incomunicável.

As Três Teses Fundamentais de Górgias:


• não existe o ser;
• mesmo que existisse, não seria compreensível;
• mesmo que fosse compreensível, não seria comunicável.

Com isso, Górgias tenta excluir a possibilidade de uma verdade absoluta, objetiva
e definitiva, fundamentada em uma suposta correspondência entre o ser e o pensar,
pois não há verdade racional sobre o inexistente, sobre o que é incognoscível e sobre
o que é inexprimível. Com a separação entre o pensar, o ser e o dizer, Górgias abriu
infinitas possibilidades para a retórica, pois não há uma realidade objetiva, tampouco
qualquer conhecimento absoluto ou qualquer discurso que possa pretender repre-
sentar a realidade ou a verdade.

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Protágoras de Abdera  (c. 490-421 a.C.) foi considerado o primeiro sofista e o


responsável pela identificação do sofista como profissão; é lembrado por sua máxima
controvérsia, contida em uma de suas grandes obras, “A Verdade”, a qual contém seu
famoso princípio que expressa de forma lapidar o postulado essencial do ensino sofisti-
co: "O homem como a medida de todas as coisas, daquelas que são por aquilo que
são, e daquelas que não são por aquilo que não são", aparentemente, manifestando
uma forma de humanismo relativista, o que era repudiado por filósofos como Platão
e Aristóteles, seus maiores críticos.

O significado da máxima protagoriana se faz um desafio, posto que o termo me-


dida, tradução do grego métron, etimologicamente indica o domínio sobre algo e
poderia ser estendido à humanidade como um todo, dentro do conceito de essência
defendido por Parmênides.

Com essa máxima, Protágoras objetivou negar a existência de um critério absoluto


que distinguisse o ser do não ser (a verdade da falsidade). Protágoras afirmava: "Tal como
cada coisa se apresenta para mim, assim ela é para mim, tal como ela se apresenta para
você, assim ela é para você". A água do mar em determinada praia seria fria ou quente?
Essa sensação depende da sensibilidade de cada indivíduo; uns poderiam senti-la fria,
e outros, quente. Em outras palavras, se um indivíduo pensa que uma coisa é verdade,
tal coisa para ele será uma verdade, isto é, a verdade é subjetiva e relativa, sempre
relacionada a indivíduos, seria não objetiva e não absoluta. Assim, a verdade estará em
cada um e no que ele deduz de sua experiência singular. Do conceito de Protágoras se
deduz que, se os homens são a medida de todas as coisas, por consequência, nenhuma
avaliação pode ser generalizada para todos igualmente, pois são os indivíduos a definirem
o que é, para cada qual.

Protágoras, tal como outros sofistas, ensinava técnicas e métodos para fazer um
argumento frágil se transformar em um forte, ou seja, ensinava a capacidade de fazer
sobressair determinado ponto de vista sobre outro contrário, pois entendia que
a função do sofista seria fazer com que os homens expressassem essa competência.
Dessa forma, não existiria uma verdade absoluta, como não existiriam padrões mo-
rais absolutos, apenas um entendimento sábio para episódios mais oportunos, úteis e
adequados. A sociedade grega era politeísta, mas para Protágoras, que se aproximou
de certo agnosticismo, não se poderia afirmar com segurança pela fé se os deuses
existiriam ou não, dado que esse assunto seria obscuro e a brevidade da vida impediria
se encontrar uma resposta aceitável, dado o Homem ser limitado em seu conhecimento,
cabendo-lhe tão somente a necessidade de ordem e de adaptação ao mundo como lhe é
disponibilizado. Em geral, para os sofistas, seria mais provável que os deuses não exis-
tissem, embora não rejeitassem completamente a sua existência, como o fez Platão, por
exemplo. Portanto, eles estavam mais próximos do agnosticismo do que do ateísmo.
A educação grega, a princípio, se atenuou à existência e à interferência dos deuses nos
destinos da humanidade, não obstante não terem formas e pensamentos humanos.

A definição de alma para os sofistas seria de que ela teria uma natureza passiva e po-
deria ser modelada pelo conhecimento externo, algo relevante para a prática da sofís-
tica, dado que, as pessoas tendo almas passivas, poderiam ser convencidas de quaisquer

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discursos, desde que proferidos de forma sedutora; daí a necessidade de lapidar a técnica
oratória, tal que as pessoas se deixassem naturalmente ser convencidas pelo orador,
ou seja, perderiam a capacidade de refletir ou questionar, envoltas pela habilidade de
argumentar de quem realiza o discurso. Esse era um dos fundamentos da habilidade
de argumentação do sofista, mesmo em teses contraditórias. Essa habilidade envolvia,
ainda, uma estratégia outra, que envolvia ensinar os jovens a defenderem determinada
disposição para, em seguida, defenderem a posição oposta. Essa técnica argumentativa
foi denominada de antilógica, registrada por Protágoras em sua obra Antilogia, onde
pregava ser necessário aprender a argumentar pró e contra determinada posição, pois
todas as duas poderiam ser verdadeiras.

A antilógica, segundo Protágoras, seria um adequado recurso para estar preparado


para quaisquer debates, posto que, ao se conhecer profundamente os principais argu-
mentos contra e a favor de determinado contexto, seria possível defender bem qualquer
posição sobre ele e objectar com pujança os argumentos dos adversários. Essa técnica
argumentativa foi muito criticada por Platão e Aristóteles, por corromper os jovens
com a prática da mentira. Historiadores contemporâneos, no entanto, consideram essa
técnica como uma atividade característica do espírito democrático grego, por respeitar
a existência de opiniões distintas (CHAUÍ, 2002).

Os sofistas rejeitaram as questões de Ordem Metafísica, posto que estivessem


mais empenhados em deliberar questões da vida prática da pólis, tal como a melhor
convivência com os outros ou tudo aquilo que visasse às necessidades imediatas e úteis
do indivíduo. Dessa forma, questões como a origem dos seres, a vida após a morte e a
existência de supostos deuses não eram prioritárias.

A Metafísica constitui a base fundamental da Filosofia, sua parte mais central, e


busca o princípio e as causas fundamentais de tudo, tratando de questões que, em geral,
não podem ser confirmadas pela experiência direta. Constitui a Filosofia primeira o
ponto de partida de todo o sistema filosófico ocidental. A palavra metafísica deriva do
grego meta (o que está para além) e physis (natureza, física). Significa o que está além
da natureza.

Para os gregos, natureza é tudo o que possui forma física: árvores, casas, animais. Já
aquilo que não se pode medir é considerado metafísico, ou seja, a dimensão humana
do mundo: o ser, o conhecer, o relacionar-se com os outros, os afetos. Esse experienciar
permite um sentimento de conaturalidade com a natureza, permite profundas relações
entre o ser humano e a natureza, por meio dos fenômenos dos quais a essência é
descoberta por um desvelamento, no encontro conflitante entre natureza naturada e
natureza naturante.

O termo metafísica, embora Andrônico de Rodes temporalmente aqui alocado,


surgiu bem mais tarde, por volta de 50 a.C., quando (século I a.C.), ao organizar a cole-
ção da obra de Aristóteles, deu o nome de ta metà ta physiká ao conjunto de textos
que se seguiam aos da física.

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Figura 4
Fonte: terapiametafisica.org.br

O historiador Diogenes Laertios faz uma crítica a Protágoras, lembrando que sua
obra foi queimada em praça pública por atenienses, os quais julgaram que ele corrompia
a juventude, e vai mais longe ao frisar que ele foi o primeiro pensador a afirmar que,
em relação a qualquer assunto, existiriam duas afirmações contraditórias. Platão, com
muita propriedade e lógica, objetou Protágoras, afirmando que se todas as crenças fos-
sem verdadeiras, a própria crença de que nem todas as crenças são verdadeiras também
seria uma verdade.

Uma das interpretações críveis para a máxima de Protágoras consiste no uso da


palavra "chremata", significando "coisas", ao invés da palavra mais geral "onta", que
significaria "entidades", designaria aquilo de que nos servimos, mas seu significado é
extensivo para bens e valores, o que seria uma indicação de que Protágoras não falava
da realidade objetiva do mundo como um todo, mas daquelas coisas específicas dos
seres humanos.

Conforme Anthony Kenny (2008), um dos responsáveis para que Protágoras se tor-
nasse um dos mais conhecidos sofistas foi o próprio Platão, que respeitou o pensamento
de Protágoras ao ponto de lhe dedicar uma obra inteira, o “Teeteto”, o que mostra que o
filósofo, mesmo sem concordar com o sofismo, respeitou o pensamento de Protágoras.

Na esteira dos personagens principais no diálogo Teeteto, entre Sócrates, Teodoro


de Cirene e Teeteto, o vocábulo homem indica o homem singular. Platão afirmava que

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Protágoras estaria se referindo às "coisas singulares que se nos aparecem e, assim são
para mim e, aquelas que te aparecem, que são para ti, dado que homem tu és e, homem
eu sou" (TEETETO, 152a). Aparência e sensação são sempre verdadeiras porque "a
sensação é sempre da coisa que é" (TEETETO, 152c).

Segundo Aristóteles, o objetivo dos sofistas seria tão somente vencer o debate, in-
dependentemente da busca pela verdade, o que lhes rendeu o predicado de hipócritas,
razão pela qual a palavra sofisma hoje indica uma argumentação rebuscada e sem fun-
damentação sólida.

Dos sofistas, conclui-se uma oposição frontal contra os pré-socráticos ao substituí-


rem a natureza de suas reflexões, interessando-se, basicamente, pelo principal objeto de
suas reflexões, a arte da persuasão, o Homem e seu lugar na sociedade, perante uma
educação racionalista e democrática, destinada à formação do cidadão, substituindo a
educação tradicional, religiosa, conservadora e aristocrática; ensinavam a utilizar a arte
da retórica, a qual permitia provar a tese e a antítese de acordo com interesses de seus
discípulos. Essa indiferença pelo conteúdo permitiu-lhes uma crítica histórica, a enan-
tiose, o contraste de suas opiniões em assuntos análogos.

O conceito de enantiose surge entre dois pensadores da Filosofia antiga, Heráclito


e Parmênides, por volta de 500 a.C.:
• Heráclito de Éfeso (544-484 a.C.): considerado o filósofo do devir, do dinamismo
(fogo), foi o responsável pela introdução da ideia de que os sentidos nos enganam.
Para Heráclito, o mundo estaria em estado de contínua mudança, uma luta per-
manente entre constantes opostas, por isso ele é considerado o “pai” da Dialética.
Pregava que: “o ser é e não é ao mesmo tempo”; “tudo flui” – tudo está em movi-
mento e nada dura para sempre; “não podemos entrar no mesmo rio duas vezes”;
a essência de todas as coisas é o Fogo. Heráclito afirmava que o princípio de todas
as coisas era o movimento, o Devir, onde tudo estaria em permanente estado de
mutação, dado nada ser estático, nada permaneceria do mesmo jeito, não obstante
nossos sentidos verem a permanência, mas nossa inteligência saberia que tudo
seria uma mudança. É dele um conhecido aforismo: “Tudo muda”: Não podemos
tomar banho duas vezes no mesmo ri:

Nada do que foi será


De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas como o mar
Num indo e vindo infinito.

(Trecho da Música “Como Uma Onda”, composição: Nelson Motta)

• Parmênides de Eleia (530-460): considerado o filósofo do “ser”, concorda par-


cialmente com Heráclito, afirmava que tudo efetivamente muda, exceto a essência,
que permanece inalterada. Embora nossos olhos vejam mudanças, o que realmente
ocorre é que o “ser” permanece sempre o mesmo, porque o “ser” não se perde.
Parmênides, em seu poema, narra um encontro com a deusa Verdade, afirma que
ela o instrui a se afastar do caminho sensível, uma via de confusão, que leva as

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massas indecisas a acreditarem que ser e não ser seriam iguais. Apenas o ser pode
ser pensado, já que o não ser não é. Se eu não consigo ter uma ideia do que a coisa
é, não posso pensá-la, e o que não pode ser pensado não é ser.

Daí Parmênides conclui que só o ser é, e o não ser não é. Dessa verdade ele deduz outras:
1. O ser é todo inteiro! Se o ser tivesse partes, algo nele seria separado, não
fazendo parte do ser, mas isso seria não ser. Consequentemente, o ser, sendo
uno e indivisível, não pode ter parte;
2. O ser é imutável – o ser não pode ter surgido do não ser ou tornar-se não ser,
já que o ser só pode ser idêntico a si mesmo e não pode ser e não ser ao mes-
mo tempo. Acreditar que o ser foi gerado significa dizer que houve um tempo
quando o ser era não ser, o que é contraditório. Logo, o ser é eterno, sem
começo nem fim;
3. O mesmo se aplica ao dizer e ao pensar. Só podemos pensar no que é, pois
só o que é exprime-se em palavras e em pensamentos. Pensar em nada é não
pensar; dizer nada é ficar calado.

A verdade muitas vezes é paradoxal; analise os conceitos de Heráclito e


Parmênides:

Para Heráclito, tudo se transforma no seu contrário e nada permanece idêntico.


O Logus é a mudança de todas as coisas, um conflito entre elas, dado que nada
vem do nada e nada volta ao nada, pois a natureza é eterna e nela tudo se
transforma. Para os gregos não existe uma criação do mundo; eles negam que
o mundo tenha surgido do nada, como afirmam as religiões.

Para Parmênides, a mudança é o não ser, o nada, impensável e indizível. Se


uma coisa se tornar contrária a si mesma, deixará de ser e, em seu lugar, have-
rá o nada, a coisa nenhuma, pois o que se contradiz se autodestrói.

A conclusão às posições discordantes e acrescentes de Heráclito e Parmênides


é que a essência do ser permanece inalterada ao longo de seu tempo de
existência. Embora nossos olhos vejam mudanças, o que realmente ocorre é
que o “ser” permanece sempre o mesmo, porque o “ser” não se perde.

Considerado o patrono da Filosofia, Sócrates de Atenas (470-399 a.C.) viveu o apo-


geu do século de Péricles (séc. IV e V a.C.), anos em que governou Atenas (de 444 a.C.
a 429 a.C.), bem como foi o período da consolidação da democracia grega, conhecido
como a Idade de Ouro de Atenas ou Período Clássico, época histórica de grande de-
senvolvimento da cidade de Atenas. O modelo de educação grega com base na ideia do
belo e da capacitação bélica cedeu espaço às exigências do ensino do bem discorrer.
À época, o cidadão grego deveria falar, exprimir, debater e convencer para fazer valer
seus interesses.

Esse período ficou marcado pela Guerra do Peloponeso, um conflito ocorrido


entre as duas principais alianças da Grécia Antiga: a Liga de Delos e a Liga do
Peloponeso, comandadas, respectivamente, pelas cidades-estados Atenas e Esparta,
entre os anos de 431 e 404 a.C., registradas pelo historiador Tucídides em “História
da Guerra do Peloponeso”.

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Sócrates, nato em Atenas, de origem humilde, viveu na pobreza, cedendo ao abso-
lutamente necessário para sua sobrevivência e abstendo-se inteiramente de superfluida-
des, tal a manter seu estilo de vida semelhante à sua posição filosófica. Sócrates nada
escreveu e os relatos sobre ele pertencem a seus discípulos e detratores, encontrando em
Platão seu maior representante. De Sócrates se dizia que vagava pelas ruas e praças, na
Ágora ou praça central de Atenas, praça pública onde os problemas de interesse cole-
tivo são debatidos, um espaço onde se reuniam os cidadãos para discutir a vida política
e decidir sobre as ações a serem tomadas, questionando seus compatrícios sobre os va-
lores e ideais que admitiam ao opinarem sobre o mundo e onde reinava a mais absoluta
liberdade de expressão (isegoria).

Figura 5 – Ágora, a importância da pólis enquanto espaço de discussão


Fonte: Wikimedia Commons

Assista ao filme “Hipácia de Alexandria”, a mártir da Ciência, no qual aparecem as discus-


sões na Ágora. Um filme espanhol dirigido por Alejandro Amenábar, lançado na Espanha,
em 9 de outubro de 2009. O filme, estrelado por Rachel Weisz, Max Minghella e Oscar Isaac,
relata a história da filósofa Hipátia, que viveu em Alexandria, no Egito, entre os anos 355 e 415,
época da dominação romana.
Uma das mentes mais brilhantes da Antiguidade, a cientista pagã foi linchada até a morte,
acusada de bruxaria pelos cristãos. Em março de 415, Hipácia, filósofa, matemática e diretora
do Museu de Alexandria, no Egito, é arrancada de sua carruagem e despida à força, acusada de
bruxaria. Então descarnada viva por uma turba de monges cristãos enfurecidos, munidos de
conchas de ostras. Esquartejada, pedaços de seu corpo são queimados em uma pira, como em
um ritual de purificação. Trailer disponível em: https://youtu.be/7l8kDV6-Oys

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UNIDADE A Filosofia Clássica

O Método Socrático: Procedimento


Filosófico e Medicina da Alma
Sócrates é tido como o fundador da ética e é mais conhecido por ensinar seus
discípulos por meio de perguntas, um método singular conhecido como o método
socrático, fundamentado em sua máxima “Conhece-te a ti mesmo”. Embora muito
cordial, ao questionar seus interlocutores sobre aquilo que eles diziam e acreditavam
como sendo a verdade, Sócrates produzia um judicioso mal-estar pelo fato de refutá-
-los, mostrando que eles não estavam tratando com exatidão dos conceitos que julga-
vam saber. Seus colocutores julgavam-se beatificados, virtuosos, audazes, sábios e jus-
tiçosos, porém, ao sofrerem questionamentos, nada mais faziam do que dar exemplos
particulares e não a definição do que realmente seria a predicação que se impunham.
Sócrates mostrava aos seus concidadãos que, quando afirmavam, por exemplo, que
algo seria belo, eles deveriam dizer ou saber o que era a Beleza, e não ficar enumeran-
do quantas coisas belas existiriam. Sócrates sempre buscava uma definição universal
do conceito apregoado, tal que este escapasse das opiniões singulares e se tornasse
o fundamento do conhecimento das coisas em geral. Sócrates afirmava nada saber,
o que chocava ainda mais seus ouvintes que esperavam dele obter respostas para as
aporias às quais chegavam ao debate.

As aporias socráticas tinham a característica de findarem sem que se chegasse a


alguma conclusão, quando as elucidações permaneceriam em um vácuo, no qual a única
certeza existente seria a certeza de que não sabiam e que, pelo menos após o evento,
Sócrates e seus interlocutores teriam apenas um conhecimento, a ignorância atestada
por suas consciências.

A questão fundamental de Sócrates referia-se à essência dos seres, questão que


lhe permitiu seguidores, mas também inimigos cruéis, poderosos e pseudossábios, que
lhe viram como um problema, dado que ele denunciava a corrupção dos costumes, que
levaria à possibilidade do estado de claudicação, da falsidade e da ilusão por meio de dis-
cursos fraudulentos, motivados pela educação vigente, por meio de mitos antigos, não
mais contentava os anseios democráticos vigentes e por educadores novos, que usavam
o logos (o discurso, a palavra, a razão) não como caminho para o conhecimento e a
verdade, mas como instrumento de convencimento através da persuasão, sob o domínio
do poder, o que acabou por levar Sócrates a ser condenado à morte.

Os elementos estruturantes do sucesso de um discurso filosófico argumentativo se


fazem por meio de três aspectos fundamentais: o Ethos, o Pathos e o Logos:
• Ethos constitui o "caráter moral". Este termo é usado, em regra, para descrever o
conjunto de hábitos ou crenças que definem uma comunidade ou um povo, assim,
na antropologia filosófica, o ethos consiste nos costumes e nos traços compor-
tamentais que distinguem determinado povo. Ethos também designa as caracte-
rísticas morais, sociais e afetivas que definem o comportamento de uma pessoa ou
cultura. Na retórica, o ethos seria um dos modos de persuasão ou os componen-
tes de um argumento, conforme caracterizou Aristóteles, um componente moral

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como autoridade do orador para influenciar seu público. A integridade, honestidade
e responsabilidade do orador facilitará o acesso de seus ouvintes. O Ethos consiste,
pois, na credibilidade que se deposita no orador, que envolve determinado auditório
a acreditar em uma verdade por ele exposta;
• O Logos, por sua vez, implica o que se vai dizer. Tem a ver com o conteúdo do
discurso selecionado pelo orador, o qual deve apresentar claramente a tese que vai
defender, eleger seus argumentos tal a minimizar hipóteses possíveis de refutação,
iniciando o discurso com os mais contundentes e repetindo-os no final. Trata-se de
um raciocínio lógico por meio do qual se convence o público de uma verdade;
• O Pathos refere-se à população a quem se dirige um discurso, um momento ante-
rior no qual se considera a sensibilidade do auditório, que por certo é composto de
ouvintes com características distintas, o que requer a intuição e estratégias adequa-
das para nele abrolhar as emoções e as paixões indispensáveis para provocar sua
adesão por meio de argumentos racionais, acrescidos de carisma e de habilidades
típicas da oratória, a fim de suscitar paixões e emoções dos ouvintes.

Retornando à autodefesa de Sócrates por ocasião de seu julgamento, no qual não


aceitou as acusações que lhe foram impostas, mostrando que o que fez, como cidadão
em um Estado de plena liberdade, foi proceder a uma implexa análise existencial,
da qual o prólogo tem origem em uma inscrição no portal do Pronaos do Delphus
Oraculum, onde, segundo Pausânias, geógrafo e autor da obra “Descrição da Grécia”,
existiria a imperativa admonição ΓΝΩΘΙ ΣΕΑΥΤΟΝ (NOSCE TE IPSVM); Conhece-te
a ti mesmo, que seria o mesmo que dizer “torna-te consciente de tua ignorância e será
sábio”. Essa condição seria clausular em Sócrates, frente a qual ele teria afirmado: só sei
que nada sei! Porquanto, para o pai da Filosofia conhecer o mundo não seria possível
enquanto o Homem não voltasse a si, à sua existência. Por isso o ditame que o oráculo
de Delfos (no monte Parnaso) lhe prescrevera ser ele o homem mais sábio da Grécia, por
se julgar, de princípio, ignóbil. Sócrates percebera que a consciência de ser ignorante
aos temas abordados em seus diálogos o tornara de fato um sábio, posto que seus inter-
locutores sempre se julgavam conhecedores daquilo que de fato não conheciam.

O nada saber em Sócrates tem um duplo significado, primeiro que as pessoas se-
guem opiniões, a tradição, os costumes sem refletir sobre a essência dos valores pelos
quais agem, e o reconhecimento da própria ignorância é o ponto de partida para sair
de um mundo de ilusões e daí buscar o verdadeiro conhecimento. Mas como conhecer a
essência das coisas e dos valores? A resposta implica sua outra máxima, inspirada no pór-
tico do deus Apolo: “conheça-te a ti mesmo”, ou seja, busque saber o que é o Homem,
o qual seria o provedor de todos os valores mundanos.

Para Gusdorf (1948), o conhecer a si mesmo de Sócrates, do se abstém e suporta


do estoicismo de Zenão de Cítio e do cristianismo, mostrou o autoconhecimento na
vida interior, a partir do conhecimento do eu em sua experiência vivida, com o único
propósito de encontrar respostas para si mesmo:

A atitude de Conheça-te a ti mesmo de Sócrates, do Estoicismo e do


Cristianismo, tenha, provavelmente, submetido a um imenso esforço de

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UNIDADE A Filosofia Clássica

atenção para si-mesmo e a vida interior e, dessa forma contribuiu para o


conhecimento de si. (m.t.). (GUSDORF,1948, p. 540)

Gusdorf confirma que o Homem não se vê a não ser por sua efígie especular:

O Conhecimento de si, reivindicado por Sócrates, também fundou uma


pessoa moral e de fidelidade a si [...]. Princípios de atitudes interiores, como
o princípio da assertividade que não decorre de debates intelectuais, de es-
colhas da razão, mas de um retorno às origens subjetivas. O juízo de valor
corresponde à afirmação concreta na condução de uma estrutura essencial
ao nosso ser (m.t.). (GUSDORF, 1948, p. 487-378)

Sócrates e o Humanismo –
O Humano como Tema e Problema
Sócrates entendia que a sabedoria e sua consequente verdade estariam na essência
íntima do Homem e não fora dele. Portanto, o Homem deveria buscar dentro de si, na
sua alma ou consciência, aquilo que ele é e o que ele deve fazer, já que a sua razão, ao
conhecer, julga corretamente sobre os seres. Por isso afirma-se que o pensamento de
Sócrates está voltado para o Homem, e seria o primeiro tipo de humanismo na história
do pensamento ocidental.
Para Sócrates, a alma é como uma atividade pensante do Homem ético, nela incluso,
pois há consciência e personalidade intelectual e moral, de onde se pode concluir que cui-
dar de si mesmo significaria mais que cuidar tão somente do corpo. No Fédon (1981-a),
Platão alude a Sócrates, o qual afirmava que, na busca da verdade, a alma estaria sempre
enganada por percepções do corpo, por isso estar sempre na condição de erro. No en-
tanto, Platão, ao buscar o inteligível, retoma a teoria da reminiscência, também chama-
da anamnese, em nova configuração, em particular, para conhecimentos matemáti­cos,
onde conclui que com os sentidos se constata a existência de coisas iguais, maiores e me-
nores, quadradas, circulares e outras análogas. Platão vai além no Filebo, onde apresenta
o traço da origem sensível na memória, enquanto no Teeteto mostra o traço de origem
inteligível e, assim, direciona a memória ao reconhecimento das essências e do universal,
para concernir à realidade perceptível.
No Fédon (1981-a), Platão reaviva Sócrates, que, na busca da verdade, afirmou ser a
alma enganada por percepções do corpo, por isso sempre na condição de erro. No entan-
to, Platão, ao buscar o inteligível, retoma a reminiscência em nova configuração, em par-
ticular, para conhecimentos matemáti­cos, onde conclui que, com os sentidos, se constata
a existência de coisas iguais, maiores e menores, quadradas, circulares e outras análogas.
Sócrates nominou de Maiêutica um procedimento filosófico, ou, como ele a chama-
va, uma medicina para a alma, o seu parto da verdade ou a arte de “parir o saber”, uma
práxis dialectica por meio da qual ele fazia seu interlocutor perceber a inconsistência de
seu discurso (PLATÃO, 2014).

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A Maiêutica socrática implicava Sócrates ser um questionador permanente,
incansável e irritante, posto dialogasse com todos e sobre vários contextos. Interrogava
as pessoas sobre as coisas que ele hipoteticamente achasse que deveriam saber e acabava
por descobrir que elas nada sabiam, mais parecia querer ele mesmo queria aprender com
o seu locutor. E se o interlocutor respondesse a alguma questão, novamente, Sócrates
propunha uma série de questões outras, tal que, com a continuação do diálogo, ele
acabaria por conduzir seu interlocutor a se lembrar do que já sabia, porque Sócrates
tinha em mente que a sabedoria estava dentro dos indivíduos, seria inata; costumava
afirmar que da mesma maneira que sua mãe, uma parteira, ajudava as crianças a virem
à luz, um método de argumentação, preconizado para desvendar o conhecimento
humano, como se ele estivesse latente, ou seja, ele seria um parteiro de homens, faria
nascer o “conhecimento” que já estava dentro das pessoas ao se fazer um caminho
através da dialética, a fim de, pela refutação, buscar o “conhecimento” ainda que fosse
aquele consignado na consciência da ignorância. O diálogo socrático era composto por
duas fases: a primeira envolvia Sócrates interrogar as pessoas para depois contestar suas
respostas, e a segunda na qual ele evidenciava as contradições afirmadas, quando então
novos problemas surgiam.
Sócrates tem um grande mérito pelo fato de ter conduzido o estudo da natureza em
si, para o estudo da natureza do Homem, ao se abstrair da física pura e se preocupar
apenas com as coisas morais; assim, a antropologia socrática seria a essência reguladora
da conduta humana, orientando-a no sentido do bem, e essa seria uma virtude do co-
nhecimento racional, razão pela qual se faz objeto de ensino e apreensão humana. Para
Sócrates, o conjunto de saberes envolve virtudes várias e implica o poder da alma sobre
o corpo, a temperança ou, principalmente, o domínio de si mesmo.

A Moral Socrática
A Moral Socrática envolvia uma Isonomia, tal que o estado grego fosse regido por um
princípio geral do direito segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem que existissem
quaisquer distinções entre indivíduos em uma mesma situação. Dessa condição surgiu
o relativismo moral, no qual a democracia grega se degenerou e para o qual Sócrates
pregava a necessidade de um método simples de solução, apenas conhecer o suficiente
antes de se falar a respeito, ou seja, a democracia grega pressupunha uma isonomia ou
igualdade entre os cidadãos, certificar o conhecimento real e preparar o povo para
que expressassem suas opiniões e interesses em assembleia, de modo a construir
uma comunidade sadia. No entanto, uma desordem se estabeleceu e redundou na
inquisição de Sócrates, o conhecido escândalo do logos, pelo qual a política interna
perdeu seu vínculo com a sociedade democrática, perdeu a sua consubstancialidade,
no que a prioridade política se revestiu de uma ferramenta política que visava tão
somente convencer o seu adversário por meio de teses adversas; ensino derivado de
práticas sofistas.

Essa foi a grande dificuldade de Sócrates, a aporia ou a dúvida racional decor-


rente da impossibilidade objetiva de obter resposta satisfatória, ou a conclusão lógi-
ca para determinadas indagações filosóficas. Sócrates defendia um sistema moral
categoricamente alheio às doutrinas religiosas de então, admitindo, entre outros

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UNIDADE A Filosofia Clássica

episódios, a Aristocracia ou o governo dos melhores como a melhor forma de ad-


ministração do Estado.
Em 399 a.C., Sócrates foi acusado de graves crimes por alguns cidadãos atenienses,
o que lhe custou um processo por parte das autoridades conservadoras e que o levou
a ser acusado de subversão e de corrupção da juventude. Segundo Danilo Marcondes
(1998), em seu julgamento, segundo as práticas da época, perante um júri de 501 cida-
dãos, o filósofo se autodefende e apresenta um longo discurso com sua apologia ou de-
fesa, em que, longe de se defender objetivamente das acusações, ironiza seus acusadores
e assume as acusações, dizendo-se coerente com o que ensinava, e recusa a se declarar
inocente. Com isso, ao júri, não restou outra opção que não optar pela acusação e a
condenação do filósofo à morte.
Sócrates utilizava um artifício confundido ainda hoje com uma figura de linguagem,
a Ironia (interrogação). Perguntava aos interlocutores algo objeto de discussão para de-
pois investir contra suas respostas, delimitando conceitos, contradizendo-os, refutando-
-os e evidenciando suas contradições argumentativas, tal que seu principal objetivo era
derrocar o orgulho, a arrogância e a presunção do saber.
Sócrates não tinha a pretensão de ridicularizar seus oponentes, mas promover um
irromper do impasse sobre o conceito, a aporia, o entendimento que possibilitasse for-
mar cidadãos na Areté, a virtude política, praticada na vida pública de forma livre e
igualmente por todos em sua plenitude.
Em uma primeira acepção, é comum se traduzir Areté por virtude, porém essa tradu-
ção primeira pode levar à interpretação de uma natureza ética, portanto esse não seria
o sentido exclusivo desse termo, que teria uma amplitude mais larga, indicando, além
da virtude, a excelência, a perfeição de uma pessoa, a coragem e a força de enfrentar
todas as adversidades; uma qualidade moral singular, que representa uma capacidade
exclusivamente humana e ausente nos outros animais, regidos apenas pelo instinto.
Para Sócrates, a virtude estaria na ideia de fazer exatamente aquilo a que se destina,
portanto, relacionada à realização de determinada função (ergon), o que, objetivamente
falando, seria a busca pela própria essência, que no plano subjetivo seria o mesmo que
se dirigir à felicidade própria, o que corresponderia a uma vida autossuficiente implicada
na contemplação e na sabedoria.
A Aretê corresponde a uma expansão do ideal educativo, nascido no final da época
arcaica grega e expresso pela palavra kaloskagathia,  de beleza (kalos) e bondade
(kagatos), um conceito grego que  significava,  literalmente, belo e bom, ou belo e
virtuoso, um predicado que a antiga aristocracia ateniense se dava, com o objetivo de se
referir a si própria. O termo é calhado com aquilo que consente uma pessoa viver bem
ou de forma bem-sucedida, estaria ligado à noção de cumprimento do propósito ou da
função a qual o indivíduo se alvitra, e a ela estariam associados dois sentidos importantes
e conjugados, um primeiro que envolve um componente social, e  um segundo que
envolve um componente ético, os quais por vezes são visivelmente distinguidos, e em
outros momentos, confundidos. A partir do século IV a.C., o conceito de Areté se
estendeu ao ser acrescentado com a dikaiosyne (justiça) e a sophrosyne (a moderação
e o autocontrole), conceitos assumidos por Platão.

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Conceito Grego de Areté e de Paideia
O surgimento da Areté demonstrou que a antiga educação grega abalizada na
ginástica, na música e na gramática não mais seria suficiente, quando então educação
física, oratória, retórica, ciência, música e filosofia, além de educação espiritual,
mostrou-se como um importante artifício da Paideia grega, palavra derivada de
paidos = criança, que significava, a princípio, a "criação dos meninos", conceito que
se alterou e passou a identificar a educação integral para a formação de um cidadão
virtuoso e capaz de desempenhar qualquer função na sociedade, com o objetivo geral
de construir o Homem enquanto Homem e cidadão. Como cita Jaeger (1995), os
gregos nominaram de paideia:

(...) todas as formas e criações espirituais e ao tesouro completo da sua


tradição, tal como nós o designamos por Bildung ou pela palavra latina,
cultura. Daí que, para traduzir o termo Paideia não se possa evitar o
emprego de expressões modernas como civilização, tradição, literatura
ou educação; nenhuma delas coincidindo, porém, com o que os Gregos
entendiam por Paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir
um aspecto daquele conceito global. Para abranger o campo total do
conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez. (JAEGER,
1995, p. 1)

Na era socrática e da sofística, orgânica e independente, Atenas se destacou pela


análise do problema antropológico ao passar da educação para a pedagogia, um
saber autônomo, sistemático, rigoroso. Assim, nasceu a educação epistêmica, conheci-
mento verdadeiro, de natureza científica, em oposição à opinião infundada ou irrefletida,
e não mais como éthos, conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do
comportamento e da cultura, característicos de determinada época ou região, e como
práxis, conduta ou ação, correspondente a uma atividade prática em oposição à teoria,
na qual o governo democrático transformaria culturalmente seus habitantes, em indiví-
duos capacitados a tomar parte nas decisões democráticas da pólis por meio da Paideia
(século V a.C.), fazendo com que o centro de interesse passasse da natureza para o
próprio Homem de carne e ossos.
A Paideia surgiu em um momento em que Atenas requisitava a formação do homem
cidadão, algo mais complexo que a educação instituída, que era fundeada na ginástica,
na música e na gramática. O objetivo na Paideia era fazer com que a criança se tornasse
um adulto idôneo, que atingisse a perfeição espiritual, tal a se constituir de um ser do
mais alto valor, seria a formação da perfeição humana, no entanto: "Não se pode utilizar
a história da palavra paideia como fio condutor para estudar a origem da educação gre-
ga, porque esta palavra só aparece no século V" (JAEGER, 1986, p. 25).
Platão definiu a Paideia como: “(...) a essência de toda a verdadeira educação ou Pai-
deia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina
a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento” (JAEGER, 1986, p. 12).
No diálogo de sua obra mais admirável, “A República (Politeia)”, Platão expõe suas
principais ideias, a aspiração de uma vida harmônica, fraterna, que eliminasse o caos da
realidade ateniense; idealizou uma cidade de legítima racionalidade, na qual os interesses

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UNIDADE A Filosofia Clássica

pessoais coincidiriam com os do conjunto social. A República ideal, resultado da paideia,


tema central dessa obra, expõe o mundo das ideias, um mundo transcendente por trás do
mundo sensível, que contém formas puras e modelos perfeitos, eternos e imutáveis.

Para Platão, tudo o que concerne ao mundo dos sentidos acaba por se corroer e se
desintegrar no tempo, pois tudo que é perceptível se faz como cópias imperfeitas de
modelos espirituais, daí a necessidade de afastamento do mundo concreto e de busca
pela sua essência.

Helenismo
Após o período socrático, surgiu o que se convencionou chamar historicamente de
helenismo, período que teve como principal característica, além da expansão territo-
rial, a assimilação dos principais traços culturais entre o mundo ocidental e o mundo
oriental da Antiguidade, e referente ao conhecimento filosófico produzido no período
entre a morte de Alexandre III Magno (356-323 a.C.), ou Alexandre, o Grande, rei
da Macedônia, conquistador do Império Persa e um dos mais importantes militares do
mundo antigo, e o início da filosofia medieval, que marcou a transição da civilização
grega para a romana, que lhe inoculou sua extensa força cultural, inaugurando um pe-
ríodo marcante da ciência e da erudição. Essa era corresponde ao período que vai de
Alexandre Magno, o macedônico, que estendeu a influência grega desde o Egito até a
Índia, até o da dominação romana (fim do séc. IV d. C. ao fim do séc. I d.C.). A principal
característica desse movimento, foi a fusão entre a tradição grega e a cultura oriental,
com a disseminação do pensamento grego por todo o seu entorno.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Filmes
Sócrates
Assista ao filme “Sócrates”  (em italiano:  Socrate; dir. de Roberto Rossellini), um
telefilme hispano-franco-italiano de 1971, do gênero drama biográfico-histórico,
com roteiro de Renzo Rossellini, Marcella Mariani e do próprio diretor, com base
na vida e nos pensamentos do filósofo Sócrates.
https://youtu.be/EybU4HEe-gU
Hipátia de Alexandria
Assistir ao filme Hipátia de Alexandria, a mártir da Ciência, no qual aparecem
as discussões na Ágora. O filme Ágora (Brasil: Alexandria/Portugal: Ágora) é o
título de um filme espanhol dirigido por Alejandro Amenábar, lançado na Espanha
em 9 de outubro de 2009. O filme é estrelado por Rachel Weisz, Max Minghella
e Oscar Isaac, relata a história da filósofa Hipátia, que viveu em Alexandria, no
Egito, entre os anos 355 e 415, época da dominação romana. Uma das mentes
mais brilhantes da Antiguidade, a cientista pagã foi linchada até a morte, acusada
de bruxaria pelos cristãos.
https://youtu.be/7l8kDV6-Oys

Leitura
Hamlet
Analise o texto de Hamlet, obra de Shakespeare, e compare com a fala de Sócrates
(texto retirado da apresentação: “Suprassunção, História e Liberdade em Hamlet -
Há mais coisas entre Shakespeare e Hegel do que suporia a vã filosofia” Semana
Acadêmica do PPG de filosofia da PUCRS, 2015, p. 31), de Antonius A. Minghetti.
https://bit.ly/36ajJ9d
Homem Vitruviano
Analise a obra Homem Vitruviano, nome de um desenho icônico feito por Leonardo
da Vinci (1452-1519), que representa o ideal clássico do equilíbrio, da beleza, da
harmonia e da perfeição das proporções do corpo humano, criado e desenvolvido
pelo arquiteto romano Marcos Vitrúvio Polião, autor de  “Dez Livros sobre a
Arquitetura” (De Architectura Libri Decem, em latim). Compare essa obra com o
Humanismo desenvolvido por Sócrates.
https://bbc.in/3t1Z2pB

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UNIDADE A Filosofia Clássica

Referências
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Você também pode gostar