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ISSN: 1517-1949
eccos@uninove.br
Universidade Nove de Julho
Brasil
E
A questão das representações sociais C
C
Entendo que as representações sociais são modos inconscientes de compreen- O
S
der um determinado fenômeno ou uma determinada prática existencial, individual
ou coletiva, que se expressam por meio de falas cotidianas, crenças, provérbios, R
modos de agir, que podem estar vinculados ao passado, ao presente ou ao futuro. E
São crenças ou práticas que, por si e aparentemente, não têm razão de ser, mas que V.
se dão, se realizam e permanecem como um padrão de conduta dos indivíduos C
e/ou de coletividades, sem que se tenha de dar justificativas de por que elas são I
como são. Em síntese, são crenças inconscientes que se manifestam nas falas, nos E
N
chistes, nos discursos, nas piadas e, especialmente, na ação cotidiana. T.
No que segue, tendo em vista dar fundamentos à compreensão do conceito
de representações sociais que aqui utilizo, expressa no parágrafo anterior, servir-me- n. 2
ei livremente (e, por isso, poderei cometer ‘gafes’) de diversos autores, sinalizando v. 4
como eles podem nos dar suporte para compreendermos e utilizarmos esse conceito
na abordagem do nosso cotidiano. dez.
Freud (1856-1939) estudou esses fenômenos como expressões de conteúdos 2002
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estudioso e admirador dos estudos de Reich3, nos diz que é impossível o ser
humano não se comunicar: basta estar presente que está se comunicando, seja 3
David Boadella, pesquisador
pela configuração do seu corpo, pela postura, pelos gestos ou pela fala; enfim, inglês que hoje vive na Suíça,
publicou um livro intitulado
pelo estar presente. Stanley Keleman (1996), pesquisador norte-americano que Nos caminhos de Reich (Summus
hoje vive na Califórnia, USA, e que criou uma área de conhecimentos chamada Editorial, São Paulo, 1985), obra
fundamental para quem deseja
Psicologia Formativa, escreve um livro cujo título é Seu corpo fala de sua mente, conhecer um pouco desse autor.
ou seja, nosso corpo expressa nossas crenças, foi forjado por elas. Em síntese, quero
dizer que nosso corpo revela nossas representações sociais; basta saber lê-las.
No cotidiano, usamos muitas metáforas com as quais expressamos nossos
estados de ser, que são expressões do nosso inconsciente fixadas em nosso corpo.
Assim, para expressar um estado de não agüentar mais, dizemos “estou com um
peso nas costas”; para dizer que não conseguimos expressar alguma coisa, “estou
com um nó na garganta”; para dizer que estamos ansiosos, “tenho uma pedra no
estômago”; para demonstrar que estamos sentindo que uma situação qualquer
não está bem, dizemos “isto está me cheirando mal”, e assim por diante. De fato,
nada disso é real; são expressões metafóricas de experiências que estão, profunda
e inconscientemente, arraigadas em nosso corpo. E
C
Carl Gustav Jung (1875-1961), excepcional pesquisador da alma humana, C
revela que muitos padrões de condutas e crenças que possuímos provêm do O
inconsciente coletivo.4 Este é constituído de heranças socioculturais e históricas, S
que assumimos e praticamos sem ao menos saber de onde vieram e, muitas vezes, R
qual o seu real sentido. Jung trabalha com elementos simbólicos profundos das 4
Ver os estudos de Jung sobre E
múltiplas e ricas experiências sagradas, religiosas e culturais da humanidade; todavia, o inconsciente em suas Obras V.
completas.
para nosso uso neste texto, podemos nos ater ao prosaico, à nossa herança cotidiana. C
Temos crenças e repetimo-las, sem que saibamos seu significado originário, tais I
como: “passar por debaixo de uma escada dá azar”; “chupar manga e tomar leite E
faz mal”; “treze de agosto é dia do azar”; “sapato emborcado, pai morre”; “usar N
T.
cueca ou calcinha pelo avesso dá proteção”. De onde vieram essas crenças, quando
se iniciaram, quais são seus fundamentos? Até mesmo em famílias que nunca se n. 2
utilizaram dessas crenças, existem pessoas que respeitam esses valores. Como elas v. 4
assimilaram esses padrões? Na compreensão de Jung (e eu concordo plenamente
com ele), elas estão profunda e intimamente fixadas em nosso inconsciente coletivo, dez.
em nossas heranças – elas são nossas representações sociais. 2002
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minado padrão de conduta, mais força terá esse padrão sobre as heranças futuras.
Ao praticarmos rituais do passado, entramos em ressonância com as forças das
comunidades que os praticaram. Sem nos darmos conta, estamos sob o campo
de ressonância dessas forças e repetimos padrões de conduta: o campo mórfico
nos configura.
Todavia, importa observar que os campos mórficos não são monolíticos. Eles
tiveram um início, que, usualmente, não sabemos precisar; suas origens perdem-se
no tempo e na amplitude do espaço; contudo também sofrem modificações com
as múltiplas experiências dos que os acessam e vivenciam suas determinações. Tais
modificações atuarão sobre as gerações futuras que agirão e reagirão dialeticamente
sob sua influência. Assim, padrões mórficos de conduta fazem sentido no contexto
das representações sociais que vivenciamos, na medida em que nos configuram,
sem que tenhamos consciência deles.
Existem outras abordagens teóricas, de autores já consagrados, que pode-
riam ser úteis para compreendermos o significado de ‘representações sociais’. Por
exemplo, podemos nos lembrar do conceito de habitus em Pierre Bourdieu, ou
de ‘senso comum’ em Antonio Gramsci.7 E por que não nos lembrarmos também E
C
do velho René Descartes que nos disse que os conhecimentos provenientes dos 7
Ver, de Pierre Bourdieu e Jean-
C
Claude Passeron, A reprodução, e,
sentidos ou da cultura comum dos povos nos enganam? Ou ainda de Francis Bacon de Antonio Gramsci, Concepção
O
(1561-1626), com sua teoria dos ‘ídolos’, que obscurecem nossa consciência ao dialética da história. S
nos confrontarmos com a realidade na investigação científica? Certamente esses R
autores nem mesmo sonharam que, um dia, suas abordagens teóricas poderiam E
servir de suporte para compreender o conceito de representação social, o que não V.
nos impede de lê-los com esse olhar. C
Em síntese, tendo por base essas considerações teóricas, quero dizer que I
compreendo ‘representações sociais’ como padrões inconscientes de conduta, que E
formam nosso modo ser, agir e pensar sobre determinados fenômenos ou expe- N
T.
riências da vida prática. Esse modo de ser refere-se tanto a um padrão com uma
configuração predominante do passado quanto àquele que se configura numa n. 2
articulação dialética entre os elementos do passado e os do presente. Em todo caso, v. 4
assimilados do passado, ou de padrões inconscientes de conduta, são originários
da dialética passado-presente, na perspectiva do futuro. dez.
As representações sociais dos professores(as) sobre 2002
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avaliação da aprendizagem
Servindo-nos do arcabouço teórico comentado, são vários os aspectos em
que professores e professoras repetem modelos inconscientes de agir na prática da
avaliação da aprendizagem escolar. Para provocar uma reflexão, vamos sinalizar
alguns, entre muitos outros, nos quais padrões inconscientes de conduta atuam
fortemente, de modo automático.
O primeiro deles tem a ver com o equívoco de denominar sua prática de
‘avaliação’, quando o que se faz é exercitar ‘exames’. Professores, professoras, escolas
e sistemas de ensino dizem que estão praticando avaliação – assim, existem dias
de avaliação, práticas de avaliação, sistemas de avaliação... –, porém, efetivamente,
são dias de exames, práticas de exames, sistemas de exames, ou seja, somos traídos
por hábitos que já passaram para nosso inconsciente e atuamos automaticamente,
sem nos perguntarmos sobre o verdadeiro sentido daquilo que estamos fazendo.
Inconscientemente, ‘examinamos’, porém dizemos que ‘avaliamos’.
Avaliar é o ato de diagnosticar uma experiência, tendo em vista reorientá-
E
C la para produzir o melhor resultado possível; por isso, não é classificatória nem
C seletiva; ao contrário, é diagnóstica e inclusiva. O ato de examinar, por outro lado,
O é classificatório e seletivo e, por isso mesmo, excludente, já que não se destina
S
à construção do melhor resultado possível; tem a ver, sim, com a classificação
R estática do que é examinado. O ato de avaliar tem seu foco na construção dos
E melhores resultados possíveis, enquanto o de examinar está centrado no julga-
V.
mento de aprovação ou reprovação. Por suas características e modos de ser, são
C atos praticamente opostos; no entanto, professores e professoras, em sua prática
I escolar cotidiana, não fazem essa distinção e, deste modo, praticam exames como
E se estivessem praticando avaliação.
N
T. Aqui se manifesta uma ação regida por uma representação social que tem fon-
8
Ver Ratio Studiorum, no apên- tes históricas, aparentemente perdidas no tempo, mas que são datadas. O modelo de
dice do livro O método da peda-
n. 2 gogia jesuítica, do padre Leonel exames escolares hoje praticados foi sistematizado no decorrer do século XVI, com o
v. 4 Franca. nascimento da escola moderna, caracterizada pelo ensino simultâneo, em que um
9
Ver João Amos Comenio, Didac-
professor sozinho ensina, ao mesmo tempo, a muitos alunos. A sistematização das
dez. tica magna: tratado da arte univer- pedagogias produzidas pelos católicos (Companhia de Jesus)8 e pelos protestantes
2002 sal de ensinar tudo a todos. (João Amos Comenio, 1592-1670)9 deram forma aos atuais exames escolares. Nesses
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quatrocentos anos, nós educadores nem nos perguntamos se essa é a melhor forma
de acompanhar e orientar o aprendizado dos nossos alunos; simplesmente, exercitamos
essa prática. Hoje, de forma automática, por herança histórica, examinamos, sem
verdadeiramente tomar consciência do que fazemos. A essa prática damos o nome
de avaliação.
Para, efetivamente, trabalharmos com avaliação, necessitamos criar um novo
padrão de conduta, consciente – o padrão da avaliação. É preciso romper com o
campo mórfico estabelecido e herdado, abrindo espaço a uma verdadeira experiência
de avaliação, liberta do campo mórfico de forças dessa representação social.
Um segundo aspecto dessa discussão, que se transformou numa representação
social de professores e professoras, nesse campo de prática escolar, é tomar a nota
como avaliação. É comum ouvir expressões, tais como: “Na avaliação, meus alunos
não foram muito bem; em média, obtiveram notas entre 5 e 6”. As notas 5 e 6, em si,
não dizem respeito à avaliação, mas ao registro de resultados em documentos oficiais.
Ninguém duvida de que haja necessidade de um registro da passagem de um aluno
por determinada escola, com a respectiva qualidade de sua aprendizagem. Todavia,
esse registro não compõe a avaliação. Avaliação é diagnóstico que pode ser registrado E
C
em forma de nota, mas nota não é avaliação. No entanto, na prática escolar cotidiana C
e corriqueira, ela é tomada como avaliação, embora, de fato, não represente a avaliação O
da aprendizagem em si, mas tão-somente o registro da experiência de aprendizagem S
do aluno. O uso do conceito e da prática de ‘notas’ na escola como equivalente de R
avaliação é outro ponto de representação social dos educadores no contexto do tema E
avaliação. A nota esconde nela mesma o seu verdadeiro significado, que não vem à V.
tona num primeiro momento, em razão de nosso comprometimento com o significado C
costumeiro de que nota e avaliação são conceitos que se equivalem, quando, de fato, I
isto não acontece. E
Um terceiro aspecto refere-se à frase que, por vezes, ouvimos de professores e N
T.
professoras: “na avaliação, eu dei uma nova oportunidade aos meus alunos”. Num
processo de avaliação, inexiste a possibilidade de “dar uma nova oportunidade”, n. 2
mas, sim, um processo contínuo de orientação e reorientação da aprendizagem, v. 4
para obter-se o melhor resultado possível. A expressão “dar nova oportunidade
ao aluno” significa que o educador já julgou classificatoriamente o aluno como dez.
reprovado; contudo, para não dizer que ele não teve uma nova chance de ser 2002
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ABSTRACT: This paper discusses the presence of the teachers’ social representations
phenomenon in the comprehension and practice of the learning evaluation in
school, starting from notions that will be very near to common sense and to even-
tually and sparse readings about the theme. I start explaining what I understand
E
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to be social representations and, afterwards, I articulate this comprehension with
C the questions related to the learning evaluation.
O
S
R REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
E
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N
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dez. Kel eman, Stanley. Seu corpo fala de sua mente. São Paulo: Summus, 1996.
2002 Reich, Wilhelm. A função do orgasmo: problemas econômicos-sexuais da energia
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