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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

MATHEUS HARUO BEKER

PT E SOCIAL-DEMOCRACIA:

Analisando a Trajetória e os Governos Petistas

São Carlos - SP
2020

MATHEUS HARUO BEKER


PT E SOCIAL-DEMOCRACIA: Analisando a Trajetória e os Governos
Petistas

Dissertação Apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Ciência Política
do Departamento de Ciências Sociais da
Universidade Federal de São Carlos,
Para Obtenção do Título de Mestre em
Ciência Política.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria do Socorro


Sousa Braga

São Carlos - SP

2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

Centro de Educação e Ciências Humanas


Programa de Pós-Graduação em Ciência Política

Folha de Aprovação
Defesa de Dissertação de Mestrado do candidato Matheus Haruo Beker, realizada em 05/06/2020.

Comissão Julgadora:

Profa. Dra. Maria do Socorro Sousa Braga (UFSCar)

Prof. Dr. Gabriel Ávila Casalecchi (UFSCar)

Prof. Dr. Guilherme Simões Reis (UNIRIO)

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil
(CAPES) - Código de Financiamento 001.
O Relatório de Defesa assinado pelos membros da Comissão Julgadora encontra-se arquivado junto ao Programa de
Pós-Graduação em Ciência Política.
AGRADECIMENTOS

O caminhar que levou à consecução desta dissertação foi possível graças à


colaboração direta e indireta de diversos atores que merecem ser aqui citados. Em
primeiro lugar agradeço à UFSCar e ao Programa de Pós-Graduação em Ciência
Política pelo apoio institucional e pela formação a mim ofertada. Agradeço à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo
financiamento dado à esta pesquisa. Agradeço aos docentes do programa pelo
excelente nível de ensino e pesquisa, e pela dedicação à Ciência Política e à formação
de seus discentes.

Agradeço também aos colegas do programa, em especial ao grupo que


compõe o Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA) que
proporcionaram discussões teóricas e metodológicas cruciais ao meu
desenvolvimento enquanto pesquisador, em especial o professor Gabriel Casalecchi,
que diversas vezes se dispôs a examinar este trabalho nas suas diferentes fases de
desenvolvimento. Devo especial e merecido agradecimento à Maria do Socorro Sousa
Braga que, além de cumprir excepcionalmente com seu papel de orientadora desde
minha graduação, também dá exemplos de eticidade e sensibilidade com a ciência e
com seus alunos que me servem de referência na construção de uma carreira íntegra
e competente enquanto pesquisador.

Por fim, agradeço aos amigos pelo companheirismo, momentos de


descontração e apoio nesta jornada. À família, em especial meus pais Moacir e Edna,
e aos meus irmãos Tatiana, Karine, e Hugo que me proveem amparo incondicional.
Sou excepcionalmente grato e dedico esta dissertação à minha companheira Paula e
à minha filha Julia, que com compreensão e carinho fizeram desta jornada muito
menos árdua do que poderia ser.

Apesar da colaboração imprescindível de todos estes atores, ressalto que toda


ação ou omissão nesta dissertação é de minha responsabilidade e as eventuais
críticas devem ser atribuídas à minha pessoa.
RESUMO

Esta pesquisa pretende responder à seguinte questão: o Partido dos


Trabalhadores age como um partido social-democrata? O objetivo é avaliar se o
partido apresentou características social-democratas em sua trajetória partidária e na
sua governação no executivo federal. Para contemplar este objetivo empregaremos o
estudo das características da social-democracia e da trajetória de seus partidos e
relacionaremos tais aspectos à trajetória petista e suas ações no Executivo Federal.
Nossa análise conclui que o propósito e a forma com os quais o PT governou, em
conjunto com a análise da trajetória petista, indicam que o partido possui elementos
suficientemente social-democráticos, ainda que não satisfazendo integralmente o tipo
ideal social-democrata. Um objetivo secundário consiste na discussão da metodologia
acerca do estudo de partidos social-democratas, mobilizando elementos diversos
daquela empregada pela literatura tradicional e fazendo apontamentos a uma
metodologia diversa. Estudar e entender a ideologia que balizou o PT durante o
governo se faz de grande valia à ciência política já que o partido se constituiu como
a principal força de esquerda no Brasil nas últimas décadas, dessa forma a
contribuição esperada é de auxiliar estudos futuros no entendimento do sistema
político brasileiro e das estratégias empregadas pelo PT no passado, presente e
futuro.

Palavras-chave: Partido dos Trabalhadores; Social-Democracia; Partidos


Políticos; Ideologia.
ABSTRACT

This research aims to answer the following question: does the Workers Party
act as a social democratic party? The objective is to assess whether the party had
social democratic characteristics in its party trajectory and in the policies implemented
while it was in the federal government. To contemplate this objective, we will employ
the study of social democracy characteristics and the trajectory of its parties relating
these aspects to the PT trajectory and its actions in front of the executive. Our analysis
concludes that the purpose and the way in which the PT ruled, along with the analysis
of PT's trajectory, indicate that the party has sufficiently social-democratic elements,
although not fully satisfying the social-democratic ideal type. A secondary objective is
to discuss the methodology regarding the study of social democratic parties, mobilizing
different elements from that used by traditional literature and making notes on a
different methodology. Studying and understanding the ideology that guided the PT
during the government is of great value to political science since the party has
constituted itself as the main left force in Brazil in recent decades, thus the expected
contribution is to assist future studies in understanding the Brazilian political system
and the strategies employed by PT in the past, present and future.

Keywords: Worker’s Party; Social Democracy; Political Parties; Ideology.


IV

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Disposição e Dinâmica das Características da Social-


democracia
40
V

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Taxa Selic no 1° ano Lula 82

Gráfico 2 Câmbio brasileiro nos governos petistas 83

Gráfico 3 Participação dos Investimento Públicos na composição do 85


PIB

Gráfico 4 Ingressantes em cursos de graduação de ensino superior 86


VI

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AI: Ato Institucional

ARENA: Aliança Renovadora Nacional

BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CEB: Comunidade Eclesial de Base

CNB: Construindo um Novo Brasil

CPI: Comissão Parlamentar de Inquérito

CUT: Central única dos Trabalhadores

DIEESE: Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

DN: Diretório Nacional

EN: Encontro Nacional

ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio

FGTS: Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

FHC: Fernando Henrique Cardoso

FIES: Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior

IES: Instituição de Ensino Superior

INSS: Instituto Nacional do Seguro Social

IURD: Igreja Universal do Reino de Deus

LIBELU: Liberdade e Luta

LOPP: Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei n. 5.682, de 21 de julho de 1971)
VII

MAS: Movimento Para o Socialismo (Bolívia)

MDB: Movimento Democrático Brasileiro

NAFTA: Acordo de Livre Comércio da América do Norte

ONG: Organização Não Governamental

OP: Orçamento Participativo

PAC: Programa de Aceleração do Crescimento

PBF: Programa Bolsa Família

PCB: Partido Comunista Brasileiro

PC do B: Partido Comunista do Brasil

PDS: Partido Democrático Social

PDT: Partido Democrático Trabalhista

PED: Processo de Eleições Diretas

PFL: Partido da Frente Liberal

PIB: Produto Interno Bruto

PL: Partido Liberal

PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PP: Partido Progressista

PRB: Partido Republicano Brasileiro

PRN: Partido da Reconstrução Nacional

PRONATEC: Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

PROUNI: Programa Universidade Para Todos


VIII

PS: Partido Socialista (França)

PSB: Partido Socialista Brasileiro

PSDB: Partido da Social-Democracia Brasileira

PSL: Partido Social Liberal

PSOE: Partido Socialista Operário Espanhol (Espanha)

PSOL: Partido Socialismo e Liberdade

PSTU: Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado

PT: Partido dos Trabalhadores

PTB: Partido Trabalhista Brasileiro

PV: Partido Verde

REUNI: Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

SD: Social-Democracia

SELIC: Sistema Especial de Liquidação e de Custódia

SPD: Partido Social-Democrata Alemão (Alemanha)

STF: Superior Tribunal Federal

TSE: Tribunal Superior Eleitoral

URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas


IX

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1

1 O QUE FOI E O QUE É A SOCIAL-DEMOCRACIA............................................... 7

1.1 Participação política, democracia e organização partidária .................. 10

1.2 Keynesianismo e welfare state .............................................................. 14

1.3 A crise do modelo e a social-democracia contemporânea .................... 19

1.4 Conclusões parciais .............................................................................. 24

2. A TRAJETÓRIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES. ................................. 32

2.1 A origem do PT: conjuntura política e ambiente institucional ............... 33

2.2 A decisão de participar: a sociedade civil na formação do PT. ............. 36

2.3 A organização nos anos iniciais: o auge da democracia petista .......... 41

2.4 Definindo o sentido da marcha petista ................................................. 43

2.5 As crises internas: os embates entre a esquerda e a direita no partido


............................................................................................................................... 49

2.6 O caminho do poder: construindo a aptidão petista para eleger e


governar................................................................................................................. 53

2.7 A concertação: a aposta nas eleições de 2002 e a chegada ao poder 55

2.8 Conclusões parciais ............................................................................. 59

3. O GOVERNO PETISTA: o projeto do PT para o Brasil ....................................... 62

3.1 Governo, Política e Sociedade .............................................................. 65

3.2 Economia e Estado ............................................................................... 71

3.3 Conclusões parciais .............................................................................. 80


X

4. O PT COMO PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA?! .............................................. 82

4.1 As características da social-democracia aplicadas ao PT..................... 83

4.2 O PT como partido social-democrata. ................................................... 86

5. CONCLUSÃO ..................................................................................................... 87

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 88
1

INTRODUÇÃO

As eleições gerais de 2018 são um capítulo ímpar na história democrática do


Brasil. A forte polarização, o uso indiscriminado de “fake news”, a ascensão da
extrema direita brasileira, o declínio da efetividade dos meios tradicionais de
campanha, a derrocada de políticos tradicionais, a prisão de Lula em abril do ano
eleitoral (que liderava as pesquisas de intenção de voto), e o atentado à faca que o
então candidato Jair Bolsonaro sofreu a apenas um mês do primeiro turno são alguns
dos elementos que transformaram esta eleição numa das mais conturbadas já vistas
pelos brasileiros.

Neste inquieto cenário uma declaração, que em outros tempos originaria certa
reação, passou despercebida. No dia 08 de outubro os candidatos Fernando Haddad
(PT) e Jair Bolsonaro (PSL), que haviam então chegado ao segundo turno das
eleições, foram convidados a uma breve entrevista no Jornal Nacional. Haddad, logo
no início de sua entrevista, disse:

(...) é uma honra poder participar de um segundo turno de


uma eleição presidencial, situação em que nós vamos poder
confrontar apenas dois projetos. (...) Nós do lado da social-
democracia, do Estado de bem-estar social, que garante o direito
do cidadão, que garante o direito do trabalhador, que cumpre a
Constituição de 1988 que ampliou as possibilidades e as
oportunidades. Um projeto que visa gerar empregos e
oportunidades educacionais.1

Não é trivial que o candidato à presidência pelo PT diga, em rede nacional, que
“seu lado” é o da social-democracia. Fato é que o PT sempre rejeitou usar esta
denominação e os debates acerca do rótulo ideológico que deveriam ou não adotar
sempre foram muito vívidos, e a resposta usual era não importar uma ideologia
“pronta”. Ainda, o principal rival dos petistas durante 6 eleições presidenciais foi o
PSDB, sigla que se denomina social-democrata2.

1Cf. https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=j1NxD7Yhj98
2Mesmo que seja o Partido da Social-Democracia Brasileira muito se discute se de fato o partido já foi
algum dia social-democrata Cf. Vieira (2016).
2

Tal aversão, no entanto, nunca arrefeceu a disputa intelectual, tanto fora quanto
dentro do partido com relação à sua definição ideológica. Enquanto alguns defendiam
que o PT não incorporaria rótulos, sendo antes “pós-social-democrata” e “pós-
comunista”3, preferindo construir um “Socialismo Petista”4, outros defendem a
incumbência do partido em reclamar sua natureza social-democrata5. A fundação do
PT se deu em uma conjuntura bastante específica que, no final das contas, balizou
em grande medida sua relação com as ideologias tradicionais do campo da esquerda
na época. Por um lado, por conta da luta social de sua base contra a ditadura militar
brasileira e a favor da democratização do sistema político, o PT rejeitava a
centralização do poder observada na URSS e na teoria leninista. Por outro, seus
fundadores observaram a decadência dos partidos social-democratas europeus e sua
paulatina aproximação com uma gestão econômica liberal e austera durante os anos
1970 e 1980. Dessa forma há de se compreender o desejo de fugir de rótulos prontos,
preferindo antes criar um certo socialismo, um “socialismo petista”, como indicam os
documentos do partido.

Contudo a história do Partido dos Trabalhadores, à primeira vista, de fato muito


se assemelha à dos partidos social-democratas europeus. Na área acadêmica alguns
trabalhos apontam para essa trajetória social-democrata dos petistas (DARRIEUX,
2017; REIS, 2013; RIBEIRO, 2010; SAMUELS, 2004). A moderação do discurso e as
alianças eleitorais heterogêneas, a base sindical e as origens em movimentos sociais,
a adesão e a defesa da democracia liberal e a paulatina verticalização da tomada de
decisão intrapartidária são apenas alguns dos pontos de encontro entre a história dos
partidos social-democratas e do PT.

Não apenas o partido, mas também o governo petista parece compartilhar de


características comuns aos dos governos social-democratas europeus. As coalizões
de governo abarcando partidos de ideologias diversas, as políticas de distribuição de
renda, a manutenção de elementos de gestão macroeconômica liberal em conjunto

3 Cf. GARCIA, Marco A. "A Social-Democracia e o PT", Teoria & Debate, n° 12, novo 1990. Disponível
em: http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/opiniao-
terceira-social-democracia-e-o-pt
4 Cf. Partido dos Trabalhadores. “O socialismo petista”. Documento aprovado no 7° encontro nacional

do PT. 1990. Disponível em: https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2017/04/04-


osocialismopetista.pdf
5 Cf. FAGOTTI, Julian. “Social-democracia e alianças de classes, por que não?”. Tribuna de Debates

do 6° congresso nacional. 2017


3

com projetos de investimento estatal e a defesa de um aparelho de seguridade social


são alguns dos atributos destes governos, mas é preciso cautela.

Analisar o caminho trilhado tanto pelos partidos social-democratas quanto pelo


PT é, de fato, um indicador bastante profícuo e, na mesma medida, muito utilizado
para relacioná-los. A abordagem eminentemente utilizada nesta dissertação é a do
institucionalismo histórico, o que implica na análise do contexto político e do ambiente
institucional em que a social-democracia (SD) e o PT se desenvolveram, bem como
das mudanças a que ambos estiveram sujeitos em suas respectivas trajetórias. A
análise destes elementos não é trivial, pois, a partir da perspectiva histórico
institucionalista, as instituições são “objetos de ativa reinterpretação e, muitas vezes,
de visível contingência”6 (HALL, p.217) o que só pode ser explicado através da análise
dos momentos paradigmáticos que fizeram a instituição ser o que ela é e o que ela
não é.

Nesse sentido, entendemos que a sequência dos acontecimentos que levaram


a instituição a ser o que é hoje são modelados de acordo com sua gênese e suas
escolhas anteriores, que geram um feedback positivo ou negativo frente a uma
decisão, gerando assim um novo conjunto de fatores a serem conformados. A este
mecanismo se dá o nome de path dependence (SKOCPOL & PIERSON, 2002). Em
suma, dar ênfase ao aspecto histórico é necessário, pois: os acontecimentos não se
dão desconectados de sua época; os acontecimentos modelam e são modelados
pelos agentes neles inscritos e; os acontecimentos geram expectativas sobre as
instituições e sobre os agentes por conta do path dependence. (STEINMO, 2008).

Para entender a SD, portanto, é necessário analisar mais do que apenas a


estrada e o sentido onde ela avançou, devemos compreender porque seus partidos
transitaram neste trajeto comum e não em outros. Afinal algumas das características
da social-democracia, como a desideologização e a profissionalização eleitoral, não
são exclusividade sua. Empregamos este esforço no capítulo 1, atentando às suas
manifestações na Europa, onde a SD nasceu e se desenvolveu (e onde a literatura

6 Tradução própria. Excerto original, com destaque do trecho citado: “By contrast [do institucionalismo
sociológico e da escolha racional], historical institutionalists are more inclined to view institutions as
objects of active reinterpretation, and often of overt contention, as actors seeking power or
resources take advantage of their contradictory potential.”
4

mais se debruça sobre o tema), mas também buscando compreender a visão de


mundo da social-democracia e porque as escolhas dos partidos e governos desta
tradição política foram feitas considerando um projeto ideológico com objetivos e
métodos próprios. Neste capítulo construímos nossa definição de SD baseando-nos
na proposta de Reis (2012, 2013) segundo o qual a SD não pode ser entendida
apenas como “aquilo que os social-democratas fazem”.

A construção do capítulo 1 é realizado a partir da revisão bibliográfica dos


principais ideólogos da social-democracia (BERNSTEIN 1997; KAUTSKY, 1979), bem
como a partir de obras que se debruçam sobre o fenômeno histórico da social-
democracia, de seus partidos e governos (BERMAN, 2006; ESPING-ANDERSEN,
1988; KITSCHELT, 1994; MOSCHONAS, 2002; PRZEWORSKI, 1989). Dessa forma,
no final do capítulo, sintetizamos quais as características pertinentes à social-
democracia que nos serão úteis para desenvolver os objetivos desta dissertação nos
capítulos posteriores. O argumento desenvolvido é de que é necessário analisar a
trajetória dos partidos social-democratas, tendo em vista contemplar as disputas
intrapartidárias que explicitam o posicionamento dos grupos que o compõem, bem
como a governança deste partido, que explicita sua vontade na modelação do Estado
e das políticas públicas.

Dotados de tal conteúdo lançamos mão, no capítulo 2, de investigar a trajetória


do Partido dos Trabalhadores. O objetivo aqui é o resgate da história petista, que
permite apontar em qual direção o partido estava caminhando, qual a intenção de
seus partidários e quais os paradigmas que definiram o seu entendimento político.
Para tanto utilizaremos os diversos estudos acerca da história do partido, bem como
os documentos partidários: encontros nacionais, estatutos, programas de governo,
moções, resoluções etc. O argumento tecido neste capítulo consiste na importância
que a gênese petista teve ao longo de sua vida, que foi marcada pelas disputas
internas mobilizando os elementos de pragmatismo, de um lado, e a conservação do
‘socialismo petista’ de outro.

Se no capítulo 2 apontamos o sentido que caminhava o partido, no capítulo 3


investigamos o partido no governo. O intuito é avaliar qual o projeto que o PT buscou
empregar durante seus anos à frente do executivo nacional, buscando compreender
os aspectos, prioridades e particularidades deste projeto de governo petista.
5

Consideraremos os programas e políticas públicas que o governo empenhou não


apenas recursos do Estado, mas também capital político. Não menos importante é a
gestão macroeconômica que se deu durante esses anos e as contradições da
manutenção do tripé macroeconômico liberal. Com isso procuramos analisar em que
medida um entendimento social-democrata se relaciona com o entendimento petista
nas áreas da política, do social e da economia. O capítulo 3 visa demonstrar que as
contradições da governação petista envolvendo seus aliados políticos, a ação
econômica heterodoxa em um sistema de arcabouço ortodoxo, e as políticas de
distribuição de renda e manutenção de estruturas geradoras de desigualdade, são na
verdade elementos que colocam o PT no campo da SD, mas que o afastam de seu
tipo ideal.

A disposição dos conteúdos nos capítulos 2 e 3 é congruente à discussão


metodológica que faremos no capítulo 1. A partir da revisão da história da social-
democracia e da literatura sobre o tema, argumentamos que é vantajosa uma divisão
metodológica disposta em duas dimensões. A primeira dimensão diz respeito ao
percurso traçado pelos partidos social-democratas enquanto organizações políticas,
ou seja, a partir de uma perspectiva histórico institucional, julgamos ser importante o
resgate da trajetória dos partidos social-democratas para compará-la à trajetória do
PT.

Essa perspectiva histórica, no entanto, não é suficiente para alcançar os


objetivos deste trabalho. Dessa forma, a segunda dimensão se relaciona com a
explicitação da ação social-democrata, analisando qual sua visão de mundo e como
sua ação se concretiza no mundo da política. Para abordar essa dimensão
argumentamos que é preciso analisar os governos dos partidos social-democratas,
instância no qual o partido tem a possibilidade de implementar suas políticas e seu
modo de governar. Sendo assim o capítulo 2 dá conta da dimensão “trajetória” e o
capítulo 3 da dimensão “governação” na análise do PT.

No capítulo 4, de conclusão, realizamos o esforço de dispor e combinar os


achados dos capítulos anteriores, retomando as discussões pertinentes acerca das
características da SD, do trajeto do Partido dos Trabalhadores, das ações que seu
governo implementou, bem como considerações acerca da metodologia utilizada.
Neste movimento constituímos a argumentação e a exposição últimas do trabalho.
6

Estudar o PT, que é uma das maiores siglas do país, bem como seu governo,
que administrou o executivo nacional por mais tempo do que qualquer outro partido
no período pós-1988, é de grande importância para o entendimento do sistema político
e do sistema partidário brasileiros. Especificamente o estudo da ideologia que pode
ter balizado as escolhas do partido, como é o caso desta dissertação, tem o potencial
de esclarecer as motivações e as razões das políticas públicas da era petista, da
natureza das relações e alianças com outros partidos nacionais e governos
internacionais, bem como do emprego das estratégias eleitorais e condutas
intrapartidárias de sua base e de seus líderes. Por fim, esta dissertação aspira não
somente atingir os objetivos propostos, mas também contribuir para com as futuras
investigações cientificas relacionadas ao PT, à social-democracia e ao sistema
partidário, mesmo para que seja contrariado.
7

1 O QUE FOI E O QUE É A SOCIAL-DEMOCRACIA

A SD se desenvolveu inicialmente na Europa no seio do movimento proletário


do século XIX, em conjunto com movimentos marxistas, de onde deriva. As pautas
desses movimentos incluíam a maior abrangência dos direitos políticos, melhores
salários e condições de trabalho. Nos anos 1930 a SD adotaria a política econômica
keynesiana, que seria hegemônica na Europa em meados do século. A SD então
conjugaria com sucesso os paradigmas econômicos vigentes com sua disposição
política de lutar pelos trabalhadores, constituindo assim o famoso conjunto de políticas
econômicas e sociais denominado welfare state. (ESPING-ANDERSEN, 1988). A
partir da década de 1970, mudanças nas esferas social e econômica acabaram
debilitando as bases políticas nas quais os partidos social-democratas apoiavam suas
ações e seu apelo, dificultando a continuidade de seu modus operandi tradicional.
Esta crise da SD foi objeto de grande discussão ao final do século, principalmente por
conta do avanço do neoliberalismo e pela queda do muro de Berlim, colocando a
esquerda e a SD na defensiva (ANDERSON, 1999; GIDDENS, 1999; KITSCHELST,
1994; PRZEWORSKI, 1989).

Reis (2012; 2013) aponta que a literatura tradicional sobre a SD foca


eminentemente na análise de sua história e manifestação na Europa do século
passado e acaba tomando aquilo que seus partidos e governos fizeram como o que a
define. Przeworski (1989) e Kitschelt (1994) representariam esta perspectiva, que
entende a SD como um fenômeno histórico, que nasceu no movimento marxista,
abraçou a democracia através do revisionismo, caminhou para o centro ao longo de
sua trajetória baseado pela lógica da competição eleitoral e diluiu-se nas alianças e
políticas heterogêneas. Esta visão da SD aponta para um abrandamento tal de suas
posições históricas que, no limite, pouco se diferenciaria de governos liberais. Uma
característica essencial da SD então, a partir desta perspectiva, seria o abandono do
projeto de superação do capitalismo, substituído pela ideia de abrandamento dos
malefícios deste sistema econômico.

Reis utiliza o argumento de Manin (1989), de que a SD ainda tem como norte
o socialismo e que essa busca pelo socialismo funciona como um guia para as ações
da SD, ou seja, as escolhas da SD seriam balizadas por esse objetivo que é tomado
conscientemente como distante e mediato, rejeitando portanto a ideia de que a SD
8

visa apenas a reforma do capitalismo. Dessa forma a SD entende que é preciso agir
dentro do sistema capitalista, e a partir da institucionalidade democrática, afim de
maximizar ganhos no sentido do socialismo. Uma das tarefas da SD, visto que sua
ação é limitada pela institucionalidade e pelas relações sociais e econômicas de seu
contexto, seria a de pautar pelo relaxamento destes limites estruturais. O argumento
de Reis, neste sentido, é de que o fato da SD ter alterado a natureza de suas pautas
políticas ao longo do tempo não se deve à uma diluição ideológica, antes é produto
de sua adaptação ao contexto histórico visando melhor adequação de sua ação ao
socialismo pela via democrática.

Os partidos social-democratas, para Reis, agiriam sobre um pivô purismo-


pragmatismo, representado pelas visões de Kautsky e Bernstein, que apresentaremos
nas próximas seções. A disputa dos grupos intrapartidários, entre puristas e
pragmáticos, proveria um equilíbrio que previne o partido de tornar-se um partido de
gueto ou um partido puramente eleitoral. Dessa forma os social-democratas estão em
constante oscilação entre, por um lado, o pragmatismo do apelo eleitoral e de coalizão
balizado pela aliança de classes e, de outro, a proteção de sua identidade ideológica
e de seus objetivos.

A lógica de Reis nos parece razoável: se ater às questões que estruturam o


pensamento social-democrata, não definir quais as características nominais
apresentadas pela SD europeia e então toma-las enquanto aquilo que significa a SD.
Para satisfazer a definição de SD, antes é necessário observar o pensamento por trás
das decisões e das estratégias social-democratas, entendendo que a SD se manifesta
de forma diferente em diferentes contextos. Justifica-se esse entendimento se
considerarmos a estrutura de onde parte o pensamento social-democrata e sua ação.

Przeworski (1989) afirma que a SD se desenvolveu no seio de sociedades


capitalistas, construindo-se a partir de escolhas feitas dentro da estrutura de
possibilidades definidas por essa particular organização de sociedade. Podemos
acrescentar a democracia nesse raciocínio e considerar que o capitalismo e a
democracia liberal, também se desenvolveram e se transformaram e, portanto, as
escolhas da SD também são passíveis de mudança. Se tomarmos essa lógica como
pressuposto, e é o que fazemos, a SD se apresenta de formas diferentes em
diferentes contextos não apenas temporais, mas também espaciais.
9

O capitalismo não impacta de forma homogênea países com níveis desiguais


de desenvolvimento econômico e de realidades sociais distintas, então, logicamente,
devemos pressupor que a SD europeia e uma suposta SD latino-americana não
seriam iguais, ainda que definitivamente guardariam semelhanças fundamentais nos
aspectos relativos às suas proposições políticas, dado que, com exceção dos países
de regime comunista e de algumas teocracias, praticamente o mundo todo está sujeito
de diferentes formas ao capitalismo e, em graus diferentes, à democracia liberal,
ambos elementos sob os quais a SD nasce, se desenvolve e busca agir sobre. A
questão, portanto, é considerar a SD guardando as devidas diferenças e analisando
o pensamento por detrás de sua ação. O que propomos, através do institucionalismo
histórico, é explicitar esses paradigmas definidores da SD através da análise da
trajetória histórica de seus partidos, o que é diferente de tomar as características
históricas enquanto definição.

Esclarecido nosso entendimento, este capítulo visa resgatar tanto as


considerações políticas traçadas pelos teóricos da SD, bem como demonstrar o
desenvolvimento dos partidos social-democratas. Tal esforço tem duas finalidades.
Primeiramente este resgate almeja prover os insumos necessários à comparação feita
com a formação do Partido dos Trabalhadores, possibilitando considerar não apenas
se a trajetória é similar, mas também se a resolução dos dilemas políticos enfrentados
e o modo de governar dos social-democratas e dos petistas são equivalentes. Em
segundo lugar visamos alçar as bases necessárias à uma discussão teórica sobre a
definição de SD. Argumentamos que é necessário tecer algumas considerações com
relação ao estudo de partidos social-democratas, e da própria ideologia social-
democrata, em contextos dessemelhantes à da Europa, já que as teorias tradicionais
deste campo foram conceitualizadas tendo um datado cenário europeu como pano de
fundo.

A SD passaria, ao longo de sua história, por dilemas fundamentais que


moldaram sua forma de ação e seu entendimento das esferas social, econômica e
política. Consideraremos alguns destes momentos cruciais neste capítulo, que são: i)
o surgimento da SD, sua relação com os sindicatos, o processo de estruturação de
seus partidos e a assimilação da democracia como meio e fim; ii) a construção do
welfare state, os fenômenos através dos quais a SD construiu seu modo de governar
e o “casamento” com o Keynesianismo no pós-Segunda Guerra e; iii) a crise dos
10

governos e partidos social-democratas no final do século XX e os desafios enfrentados


no contexto atual.

1.1 Participação política, democracia e organização partidária

Segundo Moschonas (2002), as características organizacionais da SD devem


ser entendidas como o produto de quatro grandes fenômenos:

Em primeiro lugar, a construção dos partidos do tipo social-democrata


como partidos da classe operária (em estreita relação com os sindicatos); a
seguir - e simultaneamente - o encontro do movimento operário com a
democracia, que assumiu diferentes formas dependendo do país; em terceiro
lugar, a tendência dos partidos da classe operária - cuja origem, por assim
dizer, era de outsiders [à estrutura de poder tradicional] - se deixarem integrar
no sistema capitalista; e, finalmente, a tendência dos partidos social-
democratas, inicialmente restritos à dimensão de uma única classe social, a
tornarem-se grandes formações populares/operárias cujos horizontes não
estavam mais limitados exclusivamente à classe trabalhadora [e sim a um
apelo generalista]. (p.29-30, tradução própria7)

A revolução industrial na Europa, entre os séculos XVIII e XIX, gerou uma


maciça migração populacional do campo para a cidade. Os trabalhadores eram então
expostos a extenuantes jornadas de trabalho e a salários ínfimos baseados pelo
mercado com ampla oferta de mão de obra e regulamentação praticamente
inexistente das condições de trabalho. As condições postas pelo liberalismo
econômico catalisaram a insatisfação com relação às condições de trabalho e levaram
à adoção, por parte das organizações de trabalhadores, de ideais revolucionários, tais
como do marxismo.

Estas organizações, os sindicatos, tinham como objetivo coordenar os


trabalhadores de forma a lutar por direitos que individualmente não tinham condições
de reivindicar. De acordo com Pelz (2016), os sindicatos europeus no século XIX
tinham pouca força de pressão e de organização devido a muitas vezes a legislação

7 First of all, the construction of parties of the social-democratic type as parties of the working class (in
close liaison with the trade unions); next – and simultaneously – the working-class movement’s
encounter with democracy, wich assumed different forms depending on the country; in the third place,
the tendency of working-class parties – whose origin as oustiders, as it were, stuck to them – to let
themselves be integrated into the capitalist system; and finally, the tendency of the social-democratic
parties, initially largely restricted to the dimensions of a single social class, to become great working-
class/popular formations whose horizons were no longer limited exclusively to the working class.
11

local não permitir sua existência ou o direito de greve, principal instrumento de luta.
Essa situação mudaria, de maneira geral, mais para o final do século, por duas razões:
a primeira consiste na ascensão do marxismo, que, segundo Pelz (p.84), forneceu
“(...) uma estrutura que permitiu que a pessoa comum compreendesse e interpretasse
as tensões da sociedade industrial.” (tradução própria)8. Este fato fez com que os
trabalhadores agissem não apenas tendo em vista suas reivindicações imediatas, mas
também adicionou um elemento ideológico que fortalecia o ímpeto para suas
contestações, bem como possibilitou que líderes socialistas tivessem lugar e voz nos
sindicatos, auxiliando estes na mobilização da massa operária e criando um vínculo
entre eles.

Outro fator de importância, que mudou tanto a força dos sindicatos como
agentes da sociedade civil quanto sua relação com os partidos socialistas, foi a
ampliação do sufrágio, que ocorreu em diversos países europeus ao longo do século
XIX9. Este fato é de grande relevância pois fez com que, dado os objetivos e o
entendimento acerca do mundo serem semelhantes, socialistas e operários
passassem a trabalhar em conjunto para eleger representantes de seus interesses no
parlamento, criando o vínculo entre os sindicatos e os partidos que viria a ser a base
dos social-democratas.

O ajuntamento das organizações operárias com movimentos de contestação


da ordem vigente se deu não apenas com os sociais-democratas, mas também com
socialistas revolucionários e até mesmo anarquistas (PELZ, 2016; PRZEWORSKI,
1989). A SD, no entanto, se diferenciava por pautar a ação no parlamento de forma a
obter ganhos aos operários, reforçando positivamente sua relação, enquanto que
movimentos anarquistas ou de inspiração do socialismo utópico rejeitavam mesmo a
participação dentro das instituições liberais do Estado.

Como sustenta Przeworski (1989), as resoluções do Congresso de Haia (1872),


da Primeira Internacional, levam o movimento socialista à decisão de participar

8 “Socialism provided a framework that allowed the average person to understand and interpret the
tensions of industrial society”
9 Nos casos francês e alemão essa foi uma estratégia adotada por Napoleâo III e Bismarck para

contrapor o poder político da burguesia no parlamento, como apontam Pittaluga et al.


Cf: Pittaluga, G. B et al (2015). “Democracy, extension of suffrage, and redistribution in nineteenth-
century Europe”. European Review of Economic History, V 19:4, p. 317–334. Disponível em:
https://academic.oup.com/ereh/article/19/4/317/2465220# Acessado em 28 de maio de 2019.
12

politicamente através de organizações formais, tais como os partidos10. O


abstencionismo do socialismo utópico daria lugar à criação de vários partidos
socialistas no final do século XIX. A participação eleitoral e na esfera do governo, no
entanto, sofreram forte resistência nesses movimentos. A objeção primordial “era se
a burguesia respeitaria sua própria ordem legal no caso de uma vitória eleitoral do
socialismo.” (p.21), dessa forma a disputa era sobre onde e como o movimento deveria
despender energia.

Na década seguinte, segundo Berman (2006), duas correntes “revisionistas”


ficaram evidentes com a Segunda Internacional Socialista de 1889. A primeira via os
partidos políticos como meros instrumentos para o engajamento dos proletários em
uma revolução brusca e radical. A segunda pautava a primazia da política e a luta pelo
sufrágio como formas de garantir proteção e ganhos imediatos aos trabalhadores. A
SD e seus teóricos seguiram esta última posição.

Esta divergência acerca de “como agir” ganhou outro capítulo fundamental.


Segundo Moschonas (2002), com a criação da Internacional Comunista (1919) e da
Internacional Operária e Socialista (1923), em conjunto com os rumos da União
Soviética, fica evidente uma cisão entre comunistas de um lado, que pautavam a
tomada de poder por parte do proletariado de forma abrupta, e os socialistas do outro,
defendendo uma ação por dentro das instituições burguesas, tais como o parlamento
e as instâncias locais de representação. Esta divisão balizou os caminhos tomados
por ambas as partes, na maioria das vezes opondo uma a outra, o que só foi arrefecido
por sua união contra o Fascismo nos anos 1920 e 193011.

10 Das resoluções do Congresso de Haia destaca-se o Artigo 7a:


“Art. 7a. — Na sua luta contra o poder colectivo das classes possidentes, o proletariado só pode agir
como classe constituindo-se a si próprio em partido político distinto, oposto a todos os antigos partidos
formados pelas classes possidentes.
Esta constituição do proletariado em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da
Revolução social e do seu objectivo supremo: a abolição das classes.
A coalizão das forças operárias, já obtida pela luta económica, deve servir também de alavanca nas
mãos desta classe, na sua luta contra o poder político dos seus exploradores.Servindo-se sempre os
senhores da terra e do capital dos seus privilegios políticos para defender e perpetuar os seus
monopólios económicos e subjugar o trabalho, a conquista do poder político torna-se o grande dever
do proletariado.”
Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1872/09/07.htm. Acessado em 23 de maio de
2019.
11 Cf. Haslam, J. (1979). The Comintern and the Origins of the Popular Front 1934-1935. The Historical

Journal, 22(3), 673-691. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2638659


13

A SD, dessa forma, criaria um entendimento teórico que une seus fundamentos
ideológicos à disputa eleitoral e ação política no parlamento. Para representar os
interesses dos trabalhadores o partido atuaria no parlamento, para tanto deveria
competir eleitoralmente. Dado que depende da participação e do voto dos
trabalhadores a missão do partido torna-se, também, lutar pelo sufrágio e
fortalecimento dos mecanismos democráticos. Uma vez no parlamento o partido
empenha-se por maior participação democrática e pela melhoria das condições de
vida do proletariado, fortalecendo assim o vínculo com seu eleitorado, formando, ao
menos na teoria, um círculo virtuoso.

Eduard Bernstein (1850 – 1932), teórico filiado ao Partido Social-democrata


Alemão (SPD), defendia que a luta pelo socialismo é mais bem-sucedida ao garantir
pequenos mas constantes ganhos à classe trabalhadora, dessa forma o regime
capitalista seria constantemente empurrado em direção à uma evolução para o
socialismo, esta ideia batiza seu livro “Socialismo Evolucionário” de 1899. Bernstein
(1997), também defendia que o liberalismo e a democracia são valores inerentes ao
socialismo:

Mas a respeito do liberalismo, como grande movimento histórico que


foi, devemos considerar o socialismo como seu herdeiro legítimo, não só na
sequência cronológica, mas também nas suas qualidades espirituais, como
se demonstra aliás em toda e qualquer questão de princípio em que a social-
democracia tenha de assumir uma atitude. (BERNSTEIN, 1997, p. 116).

Para o autor a democracia liberal representativa deveria não apenas ser um


instrumento pelo qual o socialismo se concretizaria, mas também uma ideologia e um
mecanismo que apresentam valores inerentes ao próprio socialismo em sua plenitude,
e que seria uma extensão lógica desse pensamento.

Karl Kautsky (1854 – 1938), outro importante teórico da SD, ao criticar os


bolcheviques e os rumos da República Soviética12, acompanha o mesmo raciocínio
de Bernstein:

Assim, para nós, o socialismo sem democracia não é digno de


consideração. E, por socialismo moderno, não entendemos somente a
organização coletiva da produção, mas, igualmente, a organização
democrática da sociedade. Por conseguinte, consideramos que o socialismo

12Os embates entre, de um lado, Kautsky e Bernstein e, de outro, Lênin e Rosa Luxemburgo, serviram
de pontos de afirmação de diferenças entre comunistas e social-democratas. Cf. Motta (2018)
14

está indissoluvelmente ligado à democracia. Não há socialismo sem


democracia. (KAUTSKY, 1979, p.5)

Embora Kaustky e Bernstein defendam a adoção da democracia, divergem com


relação à aliança de classes como método eleitoral. O primeiro aponta para uma
inerente perda dos objetivos fundamentais do partido caso outros grupos se infiltrem
na organização. Bernstein defende que os trabalhadores liberais e a pequena
burguesia também sofrem com as injustiças do capitalismo e que compartilham
interesses, em alguns pontos, com a classe proletária. Przeworski (1989, p.42) se
refere à essa disputa observando que no decorrer do século XX a SD cada vez mais
recorreu à aliança de classes. O autor cita um trade-off entre o ganho de votos por
conta do apelo cada vez menos direcionado à classe trabalhadora, substituída pela
invocação da imagem de “partido do povo”, com a perda da base eleitoral
eminentemente ligada aos partidos social-democratas, os operários. Esta perda da
base operária não foi imediata, como nota Przeworski (p.104). No entanto ela
acarretaria inerentemente no arrefecimento do discurso mais ideológico, voltado aos
proletários, afinal não é de hoje que a classe média se sente ameaçada por posições
de enfrentamento à burguesia e aos capitalistas.

Entre a decisão de participar politicamente nas instituições liberais e rejeitar a


ação no parlamento, a SD assimilou as regras do jogo democrático e o apoio dos
sindicatos. Ao fazer isso foi incentivada a assimilar e conquistar o apoio de classes
adjacentes às dos operários e criar uma burocracia capaz de organizar tal aglomerado
tendo em vista os objetivos eleitorais. Quando fez este movimento de “abertura”, ainda
que tímida, alcançou o poder e acabou por consolidar uma forma de gestão de Estado.

1.2 Keynesianismo e welfare state

Przeworski avalia que a SD, nas primeiras décadas do século XX, se


diferenciou de outros movimentos socialistas e dos comunistas por três escolhas
fundamentais: i) participar das instituições liberais (democracia parlamentar) em
contraposição a rejeitar a integração no sistema político burguês; ii) fazer alianças de
classe com a burguesia e a classe média com objetivo de ganhar cadeiras no
parlamento, opondo-se à ideia de um “purismo de classe” e; iii) objetivar, no
15

parlamento, reformas parciais e de curto prazo para o benefício dos trabalhadores,


confrontando a ideia de ação direta revolucionária.

. Esping-Andersen (1988) admite as duas primeiras observações de


Przeworski, no entanto, argumenta que a escolha entre reformas parciais ou revolução
não caracteriza, de fato, a SD. Segundo ele é antes os efeitos que pautas reformistas
tem sobre a estrutura de classe que distinguem social-democratas dos comunistas e
socialistas revolucionários. Os primeiros acreditam que tais reformas empoderariam a
classe trabalhadora, enquanto que o segundo grupo acredita que as reformas teriam
um efeito de consentimento da classe operária para com o capitalismo. O autor propõe
que uma distinção mais fecunda é a de entender que os social-democratas acreditam
que o método democrático e o incremento das condições materiais e intelectuais dos
trabalhadores levariam à sua conseguinte compreensão como classe subordinada e
à edificação de um sentimento de fraternidade de classe e de solidariedade.

Segundo Esping-andersen (1989; 1991) o welfare state, um conjunto de


políticas que englobam o provimento por parte do Estado de serviços de saúde,
educação, seguridade social, entre outros, promovido eminentemente pelos partidos
social-democratas na Europa no pós-Segunda Guerra, seria a materialização do
caminho ao socialismo. Ao suprimir a necessidade dos cidadãos de buscar o mercado
para garantir sua reprodução social, através da venda de sua força de trabalho, o
provimento desses serviços por parte do Estado produziria maior potencialidade para
o exercício da cidadania e da solidariedade de classe. Este é, em síntese, o conceito
de desmercantilização que Esping-Andersen apresenta como sendo constitutivo do
que definiria o welfare state dos partidos social-democratas, sendo que o socialismo
se concretizaria quando houvesse uma desmercantilização integral na sociedade.

Esping-Andersen distingue três tipos ideias de welfare state. O primeiro é o


welfare state “liberal” onde predomina a assistência aos mais pobres e necessitados.
O Estado proveria recursos e serviços mínimos, não muito desenvolvidos,
principalmente para classes sociais mais baixas, incentivando os cidadãos a
buscarem tais serviços através do mercado, tanto por conta dos serviços serem
diminutos quanto pelo fato dos seus beneficiários serem geralmente estigmatizados
socialmente. Aqui, portanto, existiria baixo alcance da desmercantilização e alta
manutenção de desigualdades de status entre os cidadãos.
16

O segundo tipo ideal de welfare state é denominado “corporativista”, onde os


direitos são ligados à ocupação, status e classe social. O Estado aqui apresenta maior
capacidade de provimento de benefícios, no entanto estes são maiores caso o
indivíduo seja funcionário do Estado em um cargo superior, caso de juízes ou militares.
Este tipo de sistema acaba preservando as diferenças de status e não possui eficácia
em termos de redistribuição de renda.

O terceiro e último welfare state é o “social-democrata” onde predomina um


entendimento de universalidade dos serviços providos pelo Estado. Sendo assim a
natureza desses serviços serve não apenas aos mais necessitados ou de acordo com
a classe social do indivíduo, antes ela visa atender tanto trabalhadores de baixa renda
quanto uma nova classe média de forma homogênea e com serviços de alta
qualidade. Esse sistema evoca um certo tipo de solidariedade entre os cidadãos, pois,
tais serviços e benefícios tem alto custo fiscal para o Estado, e necessita portanto de
uma taxa de impostos elevada, mas como estes serviços atendem grande parte da
população de forma satisfatória todos se sentem “obrigados” a pagar este custo e a
defender o sistema de bem-estar implantado. Em contraposição, os dois outros tipos
de welfare state podem evocar um sentimento de hostilidade entre os cidadãos, já que
alguns estariam pagando por serviços que outros iriam desfrutar.

O welfare state tem relação com a evocação dos partidos social-democratas a


uma estratégia eleitoral mais abrangente, como observam Banting e Kymlicka (2017):

Os partidos socialistas inicialmente se entendiam como partidos de


classe engajados na luta de classe, apoiando-se na solidariedade de classe
para derrotar seus inimigos de classe. Mas o avanço para a social-
democracia ocorreu quando eles abandonaram essa autoconcepção e se
redescreveram como um "partido do povo" representando a nação como um
todo e apelando para a solidariedade entre os co-nacionais como base para
a justiça social.(p.8. Tradução própria13)

O sentido da relação entre welfare state e a SD proposto por Esping-Andersen


dá eminência, além da desmercantilização, à solidariedade enquanto elemento

13“Socialist parties initially understood themselves as class parties engaged in class struggle, drawing
upon class solidarity to defeat their class enemies. But the breakthrough for social democracy arguably
occurred when they abandoned this self-conception, and redescribed themselves as a ‘people’s party’
representing the nation as a whole and appealing to solidarity amongst co-nationals as a basis for social
justice.”
17

estruturador da ação pela social-democraca. Sendo assim a forma do welfare state de


tipo liberal ou corporativista não teria o mesmo sentido do tipo social-democrata por
conta de não proporcionar a solidariedade entre os cidadãos. Há de se deixar claro,
de acordo com nosso entendimento teórico, que toda ação social-democrata está
limitada pelas circunstâncias e pelas estruturas de seu contexto. O welfare state de
tipo social-democrata demanda não apenas um Estado capaz, institucional e
economicamente, de prover tal aparato, mas também um compromisso de classes
que tem como pré-requisito uma hegemonia (GRAMSCI, 2000) que indique a
necessidade do welfare state social-democrata. Entendemos que num contexto onde
tais condições não se encontram a social-democracia, ao agir nos limites, pode tentar
implementar um welfare state incompleto, ou não de acordo com o tipo ideal proposto
por Esping-Andersen.

A consolidação do welfare state na Europa tornou-se um instrumento


importante para aliviar o trade-off descrito por Przeworski onde, ao passo que os
partidos social-democratas se distanciam de sua base pela desideologização do
discurso e prática, acabam também ganhando eleitores (mesmo que voláteis). Os
partidos social-democratas, com o uso desta estratégia, alcançaram enorme sucesso
eleitoral no pós-guerra ao mesmo tempo em que construíam uma identidade própria.

Certamente este sucesso se deve à harmonia entre seus objetivos políticos e


o consenso econômico e social da época. O welfare state não teria tamanho sucesso
não fosse o keynesianismo como principal paradigma econômico de meados do
século passado. A teoria econômica keynesiana pressupõe que é papel do Estado
gerir os ciclos econômicos de forma a fazer com que períodos de desaceleração sejam
os menores possíveis e períodos de crescimento os maiores. Isso é um pressuposto
totalmente diferente do que supunha a teoria clássica, de que o Estado não deveria
intervir na economia pois criaria distorções desnecessárias que o mercado teria a
capacidade de resolver.

O raciocínio básico do keynesianismo é que a relação entre renda, poupança


e consumo se dá da seguinte maneira: o aumento da renda dos indivíduos mais ricos
não faz com que estes consumam mais, e sim que poupem o excedente. O aumento
de renda dos mais pobres resulta em um aumento instantâneo do consumo destes.
Ao aumentar o consumo (demanda) os capitalistas tem incentivos para investir seu
18

capital para aumentar a produção de bens, já que a demanda está em alta. O


investimento cria empregos, ou seja, o indivíduo desempregado passa a ter renda e a
consumir, premeditando mais investimentos e assim seguiria um círculo virtuoso.
Dessa forma a teoria pautava pelo investimento direto do Estado, principalmente em
infraestrutura que teriam a capacidade de gerar grande quantidade de empregos.
Cabia ao Estado gerenciar o nível de demanda, através de uma política de pleno
emprego, do gasto público direto em obras de qualquer espécie. Nesta teoria
aceitasse que o Estado gaste mais do que sua arrecadação permite pois, com o
crescimento econômico decorrente do investimento estatal, as contas se
reequilibrariam posteriormente através do aumento da arrecadação de impostos
(CANO, 1998).

Aumentar o poder de compra dos trabalhadores era a receita para fazer a


economia crescer e beneficiar a sociedade como um todo. Os interesses populares,
de todas as classes e grupos aliados, aparentavam uma afinidade, até então oculta,
com os interesses da classe operária (MANIN, 1989).

Segundo Esping-Andersen (1988) o keynesianismo, tal como foi utilizado pelos


governos social-democratas, apoiava-se em três pilares. Em primeiro lugar o Estado
é entendido como um agente econômico fundamental, portanto, a intervenção na
economia é natural e necessária, principalmente em setores estratégicos (energia,
infraestrutura, crédito, etc.). Em segundo lugar, o Estado deve intervir na economia
com o intuito de prevenir crises através da regulação da demanda, ou seja,
implementando ações como aumento do salário mínimo e investimento direto para
geração de empregos. O terceiro pilar é a implementação de políticas sociais, como
saúde e educação públicas, previdência, habitação, etc. O objetivo seria garantir a
todo cidadão uma proteção ao bem-estar sem ter de depender do mercado para isso
(desmercantilização). Esse entendimento do Estado conjuga-se tanto com o programa
social-democrata quanto com os interesses eleitorais dos partidos da SD, pois propõe
uma governação que inclui ganhos aos trabalhadores enquanto mantém as
perspectivas de lucro dos capitalistas.

Outra condição histórica, que possibilitou a congruência direta dos interesses


da SD e da sociedade foi o método de acumulação que se encontrava na Europa do
pós-guerra. O fordismo era um regime onde os produtos eram fabricados e
19

consumidos em massa. Isso possibilitou a criação de uma massa de trabalhadores de


“colarinho azul”, que tinham maior facilidade de se identificar com as pautas social-
democratas. Ao mesmo tempo o regime fordista proporcionava a manutenção do
pleno emprego, pois demandava o uso mais intensivo de mão de obra.

Segundo Boltanski e Chiapello (2009), o fordismo se pautava pelo uso


abundante de operários em uma linha de produção, que era móvel, onde cada
trabalhador tinha uma posição estática de modo que sua função se limitava a realizar
uma fração do processo de fabricação do produto, que se movimentava nessa linha
de produção. Isso drasticamente acelerou o tempo e aumentou o volume da produção,
fazendo com que os preços dos produtos caíssem, possibilitando também o consumo
de massa. Produtos antes acessíveis a poucos passavam a ser mais comuns
(geladeira, televisão, automóveis, etc.). Com a produção e consumo massificados
vinha também uma massa homogênea de trabalhadores industriais, que os partidos
social-democratas tinham grande capacidade de atrair.

Como veremos a seguir, essas condições começam a se deteriorar, entre


outros fatores, pela mudança dos sistemas de produção que passaram a ser mais
automatizados e eficientes, necessitando menos mão de obra, além de uma mudança
no modo como a produção era afetada pelo comércio exterior e pelo setor financeiro.

1.3 A crise do modelo e a social-democracia contemporânea

O paradigma keynesiano prevaleceu em meados do século XX, fazendo com


que os partidos social-democratas conseguissem construir uma rede de estado de
bem-estar social robusta nos países europeus. O compromisso, porém, dependia do
regime de acumulação fordista para funcionar. Este esteve presente de forma explícita
entre a década de 1930 até os anos 1970 (HARVEY, 2005). Isso ocorre porque as
bases sociais e econômicas da SD estavam ancorados na configuração social que o
regime fordista proporcionou. A capacidade de planejamento econômico do Estado
era muito maior graças à padronização da produção e sua escala massificada, bem
como a delimitação dos mercados no contexto nacional, o que proporcionava menores
custos políticos ao controle de preços de commodities e dos salários, além do controle
do lucro dos capitalistas (GIDDENS, 1999; HARVEY, 2005).
20

Com a decadência do regime fordista o fenômeno chamado de regime de


acumulação flexível começa a se espalhar no mercado mundial. Segundo David
Harvey (2005) a acumulação flexível

(...) é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela


se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos produtos, e padrões
de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção
inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros,
novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação
comercial, tecnológica e organizacional.

Esse novo modelo de acumulação produziu mudanças na configuração das


classes sociais. Segundo Boltanski e Chiapello (2009) a acumulação flexível decorreu
dos limites que o fordismo impôs ao crescimento econômico mundial. Segundo os
autores, no final da década de 1960 e início dos anos 1970, a concorrência dos países
asiáticos e europeus, principalmente aqueles que receberam ajuda norte-americana
ao final da Segunda Guerra (planos Marshall e Colombo), bem como a aplicação de
tecnologias que permitiam o aumento da produtividade sem necessariamente
aumentar os postos de empregos, implicaram em uma oferta de produtos que a
demanda mundial não acompanhava.

As sucessivas crises do petróleo (1973 e 1979) fizeram com que as taxas de


juros, que haviam sido tomadas a tarifas flutuantes por empresas e países de todo
mundo para financiar seu crescimento e industrialização, começassem a aumentar, o
que acabaria por limitar tanto o investimento privado quanto a capacidade dos países
de manter seus gastos. Consequentemente a manutenção do pleno emprego não era
mais possível com o mesmo conjunto de ferramentas de gestão (GREMAUD et al,
2009).

Desse modo, as empresas principalmente dos países desenvolvidos foram


pressionadas, por um lado, pela baixa no preço de mercado dos seus produtos, por
conta da competição, e por outro lado pelos custos de financiamento da própria
produção. Boltanski e Chiapello apontam que as empresas optaram, então, por cortar
custos de produção. A terceirização da produção, a subcontratação e a realocação de
plantas produtivas para países com mão de obra barata se tornaram as principais
estratégias dos capitalistas. Isso acabou por aumentar a massa de trabalhadores com
contrato temporário e terceirizados, o que produz efeito negativo na percepção de
21

classe e, portanto, nos sindicatos e nos partidos com base trabalhista (ESPING-
ANDERSEN, 1988).

A crescente financeirização da economia faz com que os capitalistas possam


aplicar seus recursos de forma mais flexível em outros países, fazendo com que a
concorrência por melhores condições de retorno financeiro a esse tipo de investimento
resulte em uma pressão por garantir superávits na balança fiscal, de modo a prover a
segurança do pagamento das aplicações, e uma taxa de inflação reduzida, o que se
traduzia, muitas vezes, em cortes nos gastos sociais e na alta dos juros nacionais por
parte dos Estados (BELLUZZO e GALÍPOLO, 2017).

As mudanças apontadas anteriormente fizeram com que os partidos social-


democratas não apenas perdessem a capacidade de gerenciar o Estado da forma
como o faziam, mas também incorreu em uma perda do apelo, ao menos nos moldes
até então operacionalizados, à classe trabalhadora, que passou a ser cada vez mais
heterogênea com profissionais terceirizados, “pejotizados” e prestadores de serviço.
Soma-se a isso o fato de que, quando confrontados com crises econômicas nessa
nova configuração econômica, os partidos social-democratas então no poder
começaram a empregar políticas tidas como liberais. Exemplo são os cortes de
programas sociais de desemprego, como fez nos anos 1990 Felipe González,
presidente da Espanha pelo PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), ou
restringindo benefícios previdenciários, como fez em 2013 François Hollande,
presidente da França pelo PS (Partido Socialista). Tais acontecimentos levaram a
literatura que trata da SD a apontar que seu modo de ação mudou e/ou que deve
assumir novas formas (GARRETT, 1998; GIDDENS 1999; PIERSON, 1996).

Um ponto pacífico na literatura é o fato de a SD não poder mais se expressar


da mesma forma como havia feito no pós-guerra. A questão amplamente discutida,
especialmente durante a virada do século, é o que exatamente é a SD e quais os
caminhos ela deve percorrer no século XXI. Giddens (1999) defende que a SD assuma
uma forma de “terceira via”, agregando aquilo que a constituiu como consolidadora do
welfare state na Europa a novos ideais a par da ordem social e econômica vigente. O
autor argumenta que uma ação social-democrata na sociedade contemporânea deve
pautar pelo cosmopolitismo na governação da sociedade e um esforço extranacional
economicamente, de forma a tentar mitigar os efeitos negativos da fluidez de capital
22

através de acordos internacionais (GIDDENS, 1999, p.115-133). Dessa forma, as


fronteiras nacionais devem ser suprimidas de forma positiva, afim de tirar proveito
máximo da globalização, ideal este que balizou acordos como o da Zona do Euro e
do NAFTA. Bresser-Pereira (2000) argumenta que tal estratégia de desenvolvimento
não seria razoável para países em desenvolvimento, tal qual o Brasil, já que suas
empresas não poderiam competir com um mercado aberto, ficando reféns do
processo de exportar matérias-primas com baixo valor agregado e importar produtos
tecnológicos de países mais industrializados.

Para Giddens o Estado não tem o papel de prover universalmente aos cidadãos
os direitos sociais, mas sim de protege-lo das vulnerabilidades decorrentes da miséria,
ou seja, as políticas de bem-estar devem estar associadas apenas aos mais
necessitados, e que estes devem ser os responsáveis por superar a sua condição de
pobreza para buscar melhores serviços de saúde e educação, aproximando o modelo
ao welfare state liberal. Estes fundamentos limitam a desmercantilização que
discutimos anteriormente. Navarro (1999) argumenta que a posição da terceira via
coloca a SD modernizada de Giddens no campo do social liberalismo ou de uma
democracia cristã ao invés da SD.

Segundo Boix (1998) tanto conservadores quanto progressistas, quando


assumem o governo, tem como objetivo o bom desempenho econômico, mas que
para alcançar tal objetivo se valeriam de estratégias diferente. Um governo
conservador, segundo o autor, tenderia a reduzir os salários reais (ou em casos
extremos os salários nominais) dos trabalhadores, bem como o corte ou redução de
direitos trabalhistas, de juros e de impostos. Essa estratégia visa diminuir os custos
das empresas e atrair investimentos estrangeiros para o país. De outro lado um
governo progressista tenderia a incentivar a demanda alocando recursos à construção
de infraestrutura e capacitação de capital humano. No campo do progressismo a SD
se diferenciaria de governos mais à esquerda por não optar por medidas mais
extremas, como a elevação abrupta de salários, a nacionalização ou o calote da dívida
pública. De fato a SD tende a agir utilizando-se dos mecanismos de mercado, sempre
com a premissa de obter ganhos para os trabalhadores mas sem ferir a confiança das
classes burguesas – por exemplo, capacitar a mão de obra eleva os salários dos
trabalhadores de forma indireta por conta da maior demanda de profissionais
qualificados, ou seja, um mecanismo de mercado.
23

Em um ambiente de mercados nacionais globalizados, financeirizados e


altamente tecnológicos, a política econômica expansionista do século passado,
estritamente de demanda, fica restringida devido à responsabilidade fiscal exigida pelo
mercado. Pierson (1996) e Garret (1998), apontam que a estratégia social-democrata,
nesse sentido, se dá pela atração de investimento através da potencialização da
lucratividade do setor privado, eminentemente do setor produtivo, agindo portanto do
lado da oferta. O argumento é que a atração do capital geraria maior arrecadação de
impostos, necessários aos gastos sociais. Os autores apontam que a capacitação da
mão de obra, de forma a qualificar os trabalhadores aumentando a produtividade e o
valor agregado da produção, conciliaria aumento da renda da população e atração de
investimentos em busca dessa mão de obra qualificada. Políticas de expansão da
infraestrutura são vistos, a partir da visão contemporânea de hegemonia neoliberal,
como demasiadamente intervencionistas e criadores de distorções fiscais. O que os
autores notam, no entanto, é que esse tipo de investimento no cenário atual, onde o
equilíbrio fiscal dos governos é tido como fundamental, é feito a partir de parcerias
com empresas privadas, sem a necessidade do Estado utilizar demasiadamente seus
recursos, através de uma política econômica heterodoxa indireta (desonerações
setoriais, incentivos fiscais locais e regionais e provimento de crédito para consumo).
Uma infraestrutura robusta reduziria custos de produção e de transação,
potencializando a atuação do setor privado e garantindo maior arrecadação para
políticas sociais, além de garantir a característica base material da aliança de classes
da SD (trabalhadores - salário; capitalistas - lucro e; Governo – tributos transformados
em políticas sociais).

Ainda que existam claros constrangimentos por parte do cenário econômico,


da hegemonia neoliberal e dos mecanismos de mercado atuais para uma política
expansionista, não podemos supor que tal cenário faça com que seja possível apenas
um tipo de gestão macroeconômica, isto é, em moldes neoliberais, ou que uma política
de demanda esteja fadada ao fracasso (HIST, 1999). Nesse sentido, como aponta
Boix (1998), as diferenças entre governos de direita e de esquerda são claros e o uso
de políticas de inspiração keynesiana ainda são uma tática exequível no intuito de
gerar emprego e renda, ainda que estejam limitados em seu grau de implantação.
24

1.4 Conclusões parciais

Keating e McCrone (2015) argumentam que o conceito de SD é


multidimensional. De maneira mais geral a SD seria uma filosofia política, que busca
conciliar o capitalismo de mercado com um senso de responsabilidade social. É
também uma tradição política, que rejeita a primazia automática dos mecanismos de
mercado e de sua inerente desigualdade, pautando-se por um conjunto de ideais de
igualdade, justeza e moralidade econômica. Na dimensão da prática política é um
modo de governação que busca sistematicamente incluir e atender as necessidades
dos mais carentes e enfatizar o público sobre o privado, sendo especialmente
pragmática nessa questão. A SD pode ser vista também como sendo uma subcultura
política e social, exprimida pelos sentimentos de solidariedade e coletividade,
eminentemente praticados nos sindicatos, movimentos sociais e elaborações de
intelectuais trabalhistas.

Os autores apontam então que, ao invés de uma definição estanque que


impossibilita a compreensão da SD nos diferentes contextos, mesmo nos diferentes
países da Europa ocidental, é mais interessante uma definição genérica, que guarde
as ideias chave do projeto social-democrata nas diferentes realidades em que ela se
encontrar. Nesse sentido a primeira ideia chave, segundo os autores, é a de
domesticação, não extinção, do capitalismo, usando os mecanismos de mercado de
forma instrumental afim de prover seus benefícios mitigando os malefícios. A segunda
ideia é a de uma busca geral pela igualdade, atacando as desigualdades
principalmente de ordem material, sendo que o grau em que a SD se disporia a fazer
isso dependeria das condições políticas e sociais de seu meio. Estas duas ideias, na
visão da SD, seriam complementares, já que a consecução da busca pela igualdade
teria efeito positivo na economia, opondo-se a uma visão liberal, de que até certo
ponto a desigualdade é necessária e natural. Por fim o liberalismo social, isto é, a ideia
de defesa dos direitos da pessoa humana, o que faz com que a SD simpatize com
movimentos identitários e pós-modernos.

Assim como Reis chama atenção para a questão ideológica e não apenas
histórica, acreditamos que esta é uma parte importante para definir a SD e seus
partidos. Consideramos que, para tal, um indicador compatível com nossos objetivos
é avaliar as posições tomadas pela SD em momentos cruciais de sua existência,
25

particularmente na sua governação, entendendo que no governo os partidos tem a


chance de implementar políticas públicas que refletem sua visão política, expondo
assim seu caráter ideológico.

Esta dissertação afilia-se à visão de Reis (2012; 2013) sobre a forma de análise
dos partidos social-democratas. Temos, no entanto, algumas considerações teóricas
e metodológicas que visam propor um aperfeiçoamento, ainda que mínimo, da
proposta por Reis. O entendimento de Przeworski (1989) e de Kitschelt (1994),
criticada por Reis, baseia-se na ideia de, devido às mudanças sociais e econômicas
nos anos 1970 e 1980 é impossível a SD continuar a operar do mesmo modo e, devido
à natureza da ação social-democrata que pressupõe períodos no governo e portanto
a vitória eleitoral, ela estaria fadada ou a operar sob uma plataforma de partido de
gueto, caso continue com suas pautas antiquadas, ou então à desfiguração, dado que
a mudança necessária aos partidos social-democratas para continuar competindo os
colocaria fora do espectro socialista.

Como já discutido, o fato da SD ter de mudar seu modo de ação não significa
que haja uma desfiguração tal que resulte no seu desaparecimento, afinal as
ideologias são produtos da ação humana e estão sujeitas ao espírito de sua época14,
sendo consequentemente alteradas preservando a essência que as distingue.
Entender que a SD estaria fadada ao ostracismo ou à deformação é reflexo do ato de
tomar a definição de SD a partir daquilo que os social-democratas fizeram no contexto
europeu do século passado, e não a partir de sua visão de mundo fundamental. O
entendimento social-democrata acerca do Estado, da economia, da sociedade e da
finalidade de sua política é que produzem as ações social-democratas.

A sugestão de Reis, baseada em Manin (1989), de que a SD contemporânea


não abandonou a busca pelo socialismo, deve ser discutida. Embora a crítica de Reis
seja válida com relação à teoria dominante sobre SD, seria difícil mensurar
objetivamente se os partidos estão utilizando-se do “guia socialista” para balizar suas
ações em busca de exceder os limites do sistema capitalista, afim de se aproximar de
um socialismo, ou mesmo se de fato tal mecanismo existe. O fato do elemento

14Para usar do conceito hegeliano de zeitgeist. Cf. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia
do espirito. Petropolis: Vozes, 1992. 358 p. (Colecao Pensamento Humano).
26

socialismo não ser empiricamente verificável na ação social-democrata pode levar a


uma definição excessivamente teleológica, como argumenta Keman (1993). O
entendimento da SD, no entanto, seja a busca por domar o capitalismo ou por uma
caminhada lenta ao socialismo, é balizado por elementos que concorrem
positivamente à desmercantilização, à busca pela igualdade, à solidariedade e justiça
social nos termos que o socialismo advoga. Não queremos dizer que definir se a SD
pauta ainda pelo socialismo ou pela domesticação do capitalismo é irrelevante, mas
sim que é mais produtivo, ao menos num ponto de vista empiricista, definir a SD pelas
suas ideias essenciais verificáveis. Dessa forma adotamos uma posição pouco
diferente daquele de Reis neste aspecto, embora não haja uma concorrência negativa
das duas posições na dimensão verificável.

Outra noção importante presente na teoria de Reis é o da tensão intrapartidária


entre o pragmatismo kautskiano e o purismo bernsteiniano. Reis faz uma analogia dos
conceitos de lógica da competição eleitoral e lógica da representação das bases
desenvolvido por Kitschelt (1989) onde

[...] os partidos escolhem entre um continuum de opções localizados


entre alternativas polares representados por uma lógica de representação
das bases e uma lógica de competição eleitoral. Uma lógica da representação
das bases é inspirada nas ideologias e práticas políticas dos principais
apoiadores. Diante de um tradeoff entre a amplitude do apelo popular e a
pureza ideológica da política e posturas estratégicas, eles preferem o último.
Uma lógica da competição eleitoral, no entanto, significa ajuste da
organização interna, programa e estratégia às condições do "mercado
político" para maximizar o apoio eleitoral. (KITSCHELT, 1989, p.42 – tradução
própria15).

A tensão entre a disputa dos puristas e dos pragmáticos preveniria que o partido
pendesse excessivamente para um desses lados e, portanto, deixasse de ser social-
democrata. Nosso entendimento é de que esta tensão, ainda que seja elemento que
estruture os partidos social-democratas endogenamente, deve ser extrapolado para o
entendimento também de sua ação diante de elementos contextuais na sua
governação. Dessa forma as pressões e os posicionamentos da SD diante dos

15 […] parties choose from a continuum of options located between polar alternatives represented by a
logic of constituency representation and a logic of electoral competition. A logic of constituency
representation is inspired by the ideologies and political practices of core supporters. Faced with a
tradeoff between breadth of popular appeal and ideological purity of policy and strategic stances, they
prefer the latter. A logic of electoral competition, however, means adjustment of internal organization,
program, and strategy to the conditions of the "political marketplace" to maximize electoral support.
27

desafios de governar e implementar suas políticas também se submetem ao equilíbrio


do pivô purismo/pragmatismo.

Partindo das questões colocadas neste capítulo, definimos 6 características


da SD que sumarizamos e discutimos a seguir. Esta sumarização parte de duas
noções derivadas da teoria do institucionalismo histórico utilizado pela nossa
pesquisa. A primeira é o fato de que os momentos paradigmáticos revelados na
análise da trajetória das instituições compõem sua natureza e perduram, com
limitadas modificações, ao longo do tempo. Esta noção relaciona-se à segunda, a
saber, de que tais paradigmas estruturam a ação da instituição em torno de um leque
de opções possíveis que refletem suas escolhas anteriores, ou seja, o conceito de
path dependence. A noção proposta por Reis, de que tomar as características
apresentadas pelos social-democratas europeus como a própria definição de SD é
fazer uma relação espúria, será uma ideia reguladora da escolha das características
que apresentaremos. Atentaremos, portanto, à essência da SD que perdura às
especificidades do contexto.

Dividimos as características em dois grupos. Primeiramente as que


entendemos como primordiais a um partido social-democrata fazendo com que, do
nosso ponto de vista, não seja possível um partido social-democrata existir sem elas
ao mesmo tempo que estas características são estáveis em matéria de apreciação
pelos seus partidos, sendo historicamente responsáveis pela gênese e pelos
paradigmas essenciais da SD. As chamaremos de características estáticas. As
demais características estão sujeitas à oscilação dada pela tensão do contexto vivido
no pivô purismo/pragmatismo, mas são necessárias em seu conjunto à observação
de agência de um partido que se inscreva na SD. Estas características representam
as posições tomadas pela SD durante sua história e fazem parte de seu entendimento
político, mas são suscetíveis à revisão não de gênero, mas de grau, a depender da
realidade e das pressões de onde a SD se manifesta. Chamaremos estas de
características dinâmicas.
28

A) CARACTERÍSTICAS ESTÁTICAS:

I) Compromisso com a Democracia

Esta característica é mais genérica, mas não é trivial. A SD não


apenas aceita as regras do jogo democrático, ela toma a democracia como
um fim, sendo a observância das práticas democráticas ponto crucial ao
entendimento social-democrata.

II) Genética Trabalhista e de Base

Como ensina Palermo (2005) a genética do partido condiciona os


seus limites e o seu desenvolvimento. Os partidos social-democratas foram
criados e influenciados no ambiente de reinvindicações trabalhistas e
sociais, guardando relação com o socialismo, de forma que tanto sua
organização quanto sua governação refletem as dinâmicas desta conexão,
ainda que em graus diversos.

III) Reformismo

A SD se caracteriza pela crença de que é por meio da política


institucional que seu projeto se realiza. Este ponto exprime o entendimento
de que é através da ação contínua e progressiva rumo à ganhos parciais
dentro da institucionalidade democrática, tendo como guia o conjunto de
ideias socialistas. A SD entende que pode perseguir seus objetivos
instrumentalizando o mercado e o direcionando neste sentido. Implícita
nesta característica está a crença no aspecto sistêmico da relação entre
Estado, sociedade e mercado, sendo que o primeiro pode e deve influenciar
nos demais.

B) CARACTERÍSTICAS DINÂMICAS:

IV) Alianças de Classe

Desde que a SD entendeu que era preciso participar do jogo eleitoral


a questão da aliança de classes gerou discussões teóricas e substantivas
de seus partidários. Ao governar, a SD percebeu a necessidade de
29

composição de coalizões com setores da sociedade nem sempre alinhados


aos seus ideais. A variação do grau de heterogeneidade de seus aliados
depende, eminentemente, da necessidade maior ou menor da utilização de
seu apoio e de sua distância ideológica, sendo, portanto, uma aliança de
caráter instrumental.

V) Busca pela igualdade

Esta característica se justifica por ser uma das razões maiores do


próprio nascimento da SD no movimento proletário. É, ao mesmo tempo,
um objetivo mediato e material da motivação social-democrata. Não é
empregada no sentido formalista de equidade dos liberais, é antes
entendida no sentido de igualitarismo substantivo, o que resulta em políticas
como a tributação progressiva, que trata de maneira desigual os indivíduos
no intuito de prover uma igualdade substantiva e uma justiça social neste
sentido. É uma das que mais possui elasticidade na ação dos partidos
social-democratas na questão material, especialmente após a crise do
modelo fordista e na governação sob uma hegemonia neoliberal, ainda que
nas questões pós-modernas e identitárias tenha força e certa confluência
de interesses com liberais.

VI) Desmercantilização

O sentido dessa característica, no plano da ação, se dá na defesa


dos elementos de welfare state existentes e no seu aprofundamento, dado
o contexto. A variação sobre o pivô pragmático se dá da mesma forma da
característica anterior, mas sofre pressão maior das condições materiais
representadas pelo equilíbrio fiscal das contas do Estado e necessita de um
pacto mais abrangente e estrutural, dada a necessidade de financiamento
através do aumento das receitas e da intervenção estatal nos mecanismos
de mercado.

As características estáticas formam a base da SD e são indissociáveis a ela.


As características dinâmicas, em seu conjunto, também. Mas estas são vulneráveis
ao contexto onde a SD se insere, de forma que a governação social-democrata dá
30

maior ou menor ênfase à sua consecução dependendo da oscilação dada pelo pivô
pragmatismo/purismo. A figura a seguir busca ilustrar esta dinâmica.

Figura 1. – Disposição e Dinâmica das Características da Social-democracia

A ilustração enseja a melhor visualização de nosso entendimento sobre a


dinâmica dos partidos e da governação social-democrata. A base da figura compõe
as características estáticas, que suportam o pivô purismo pragmatismo sobre o qual
opera a dinâmica pendular das características dinâmicas. Os limites dados pelo pivô
demarcam até onde o grau de purismo e pragmatismo pode oscilar. Caso os limites
sejam ultrapassados subverte-se a dinâmica não em grau mas em gênero e o governo
e partido acabam, pelo lado do pragmatismo, rendendo-se totalmente à um
comportamento office-seeking, e pelo lado do purismo à um comportamento de partido
de gueto, fadado ao ostracismo.
31

No capítulo seguinte analisamos as características genéticas e o itinerário da


organização petista até a vitória de 2002. A revisão dos documentos partidários em
conjunto com a literatura existente sobre o partido irá amparar a relação que
pretendemos fazer posteriormente. O intuito do capítulo 2, nesse sentido, é
contemplar a dimensão “trajetória” da análise empregada a partir do paradigma do
institucionalismo histórico.
32

2. A TRAJETÓRIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES.

A supressão democrática vivenciada durante a ditadura militar (1964 – 1985) e


a natureza do processo de “lenta, gradativa e segura distensão” no período de
transição democrática, fortemente influenciaram tanto o processo de formação do PT
quanto a sua própria essência. A formação de um partido cujo objetivo era a
representação da classe trabalhadora por ela mesma em uma estrutura onde o Estado
é centralizado e caracterizado pelo corporativismo nas relações trabalhistas e
políticas16 é paradigmática por si mesma. Mas mais interessante ainda é que, dado
esse objetivo, a organização e os procedimentos do PT deveriam refletir tal princípio,
contrapondo-se ao tradicional e característico elitismo dos partidos brasileiros bem
como à própria falta de democracia do período, fazendo do PT uma “anomalia” nas
palavras de Keck (2010, p.14). As diversas discussões e os documentos provenientes
da fundação do Partido dos Trabalhadores deram relevância à democracia interna e
à descentralização na tomada de decisão partidária e atraíram o interesse de
cientistas sociais, enquanto objeto de estudo, e de diversos grupos sociais, enquanto
locus de representação numa conjuntura de grande anseio por participação política.
Logo nos primeiros anos de existência, no entanto, o partido experimentou
tanto os dilemas provenientes da disputa eleitoral quanto da organização institucional,
respectivamente, o trade off discutido por Przeworski, onde o apelo a uma fiel base
de proletários é substituída pelo apelo a um eleitorado numericamente maior mas mais
volátil (o “povo”); e a “Lei de Ferro” de Michels, com a oligarquização e
profissionalização da direção partidária. A trajetória petista nos anos 1980 e 1990
seguiu um aumento, no plano eleitoral, do apelo pluralista em detrimento de um
classista e do afrouxamento ideológico em termos de alianças. No plano da
organização houve um aumento da discricionariedade da direção do partido, bem
como de sua “homogeneização” com a eminência da tendência Articulação
(posteriormente Campo Majoritário e, a partir de 2005, Construindo um Novo Brasil).
Tal estratégia rendeu frutos ao partido que, nas eleições de 2002, elegeu
presidente, em sua 4° tentativa, Luis Inácio “Lula” da Silva, líder político da fundação
do PT e principal figura do partido desde então. Nesta eleição o afrouxamento
ideológico e a aliança de classes ficaram demonstrados pela chapa que elegeu Lula,

16 Cf. Keck, 2010, Introdução.


33

tendo como vice o empresário José Alencar do Partido Liberal (PL), bem como pela
já conhecida “Carta ao Povo Brasileiro”, onde Lula se compromete a conservar os
preceitos econômicos neoliberais da gestão anterior e a negar qualquer tipo de
ruptura, declamando o “espírito do Anhembi” como diz Singer (2010). Na
administração a coalizão de governo também seguiu a mesma lógica de conciliação
de classes, no intuito de garantir a governabilidade, fazendo alianças com partidos de
ideologias diferentes, tais como: PMDB, PP, PC do B, PDT, PRB, entre outros.
Esta trajetória, no que concerne à história do partido, de seu programa e de
sua organização, será detalhada neste capítulo. Tendo em vista nossa abordagem e
os objetivos deste capítulo, se faz necessária uma contextualização dos elementos
que tiveram impacto na forma, ideologia, intenção e decisão de criar o PT.

2.1 A origem do PT: conjuntura política e ambiente institucional

O Ato Institucional n°2, publicado em outubro de 1965 pelo presidente Castelo


Branco, extinguiu o pluripartidarismo no Brasil. O AI-2 era uma resposta do regime ao
resultado das eleições que ocorreram alguns dias antes, onde a oposição havia
conquistado alguns estados, notadamente o PSD vencendo no estado da Guanabara.
O regime então instituiu o bipartidarismo no Brasil, sendo um o partido do governo, a
Aliança Renovadora Nacional (ARENA), e a oposição representada pelo Movimento
Democrático Brasileiro (MDB).
A miríade de visões políticas presentes no sistema pluripartidário estabelecido
entre 1945 e 1965 teria então de se encaixar nos dois partidos legais. O caminho
natural dos partidos estabelecidos anteriormente era a migração ao MDB, já que a
ARENA representava o regime e estava fortemente controlada pelos militares. O MDB
tornou-se, dessa forma, um partido que abarcaria as mais distintas correntes políticas,
de comunistas a liberais (KINZO, 1988).
O MDB, no entanto, devido ao alto controle exercido pelo regime, pelas
providências estabelecidas nos atos institucionais e pela “legitimação” da ditadura via
o milagre econômico (1969 – 1973), não conseguiria se impor de forma relevante até
as eleições de outubro de 1974 quando conquistaria 16 das 22 cadeiras em disputa
para o senado. Tal desempenho foi possível graças aos sinais de esgotamento do
milagre econômico, devido ao 1° choque do petróleo no ano anterior, bem como à
maior liberalização nas eleições promovida por Geisel, castelista que havia sido eleito
34

em março daquele ano e que já havia anunciado a “lenta, gradual e segura distensão”
do regime. Tal distensão tinha como objetivo a progressiva retirada dos militares do
protagonismo político preservando a sua instituição num governo democrático, bem
como assegurar que não haveria uma irrupção violenta na sociedade (LAMOUNIER,
1988).
A transição democrática brasileira seria demorada, altamente controlada pelo
regime autoritário e notadamente aversa a mudanças abruptas, sendo que o processo
iniciado em 1974 proveria indiretamente o primeiro presidente civil 11 anos depois, e
a primeira eleição presidencial direta somente após 15 anos. Kinzo (2001) divide a
transição basicamente em 3 fases. A primeira, de 1974 a 1982, foi a fase de maior
controle por parte do regime, ainda que logo em 1974 tivessem ocorrido avanços
liberalizantes em termos eleitorais e de afrouxamento da censura, ainda estava em
vigor o AI-5 e diversos outros mecanismos de repressão. Segundo a autora, três
fatores influenciaram fortemente o escopo e a natureza da transição neste início: I) o
aspecto eleitoral, que demonstrou a força do MDB nas eleições de 1974 enquanto
agente político na transição, o que deixaria claro ao regime que para manter controle
do processo de liberalização deveria também controlar o MDB; II) a disputa interna
dos militares que, com o processo de distensão, viam aumentar o atrito entre a “linha-
dura” e os castelistas, exigindo de Geisel ora atos repressivos, para satisfazer a ala
da linha-dura, ora controlá-la através, por exemplo, da demissão do ministro Sylvio
Frota que tentava a sucessão de Geisel na presidência em detrimento de João
Figueiredo; e III) o aspecto econômico, que demonstrou a incapacidade do regime de
manter os indicadores do “milagre econômico”, tendo a inflação e a dívida pública
aumentado significantemente no período. Estes três aspectos fortaleceram

aquele padrão controlado e gradual que caracterizou a transição


democrática no Brasil. Iniciada em 1974, a liberalização somente teve um
avanço significativo em 1978, quando finalmente foi revogado o draconiano
Ato Institucional n.5. Em 1979, já na administração Figueiredo, o Congresso
aprovou a anistia, que, embora limitada, permitiu a reintegração à vida pública
de políticos exilados e de ativistas de esquerda punidos pelo regime militar.
Uma nova lei partidária pôs fim ao bipartidarismo compulsório criado em
1966, levando à criação de novos partidos. (Kinzo, 2001, p. 6)

A anistia e a Lei Orgânica dos Partidos Políticos viriam a ser pontos cruciais na
formação do PT e seus anos iniciais, o que será discutido na próxima seção. Por
enquanto vale ressaltar que o fim do bipartidarismo, além de cumprir com a intenção
35

de liberalização, foi uma estratégia do regime para diluir a oposição antes concentrada
no MDB, com vistas a manter a transição sob controle.
A segunda fase da transição democrática, compreendida entre 1982 e 1985,
talvez tenha sido a mais crítica em termos de estruturação do sistema político e do
sistema partidário nos anos que viriam. Com a reinstituição do pluripartidarismo em
1979, as eleições de 1982 tiveram o PDS (representante do regime) como o grande
vencedor. A oposição, no entanto, mostraria sua capacidade eleitoral ao eleger pouco
mais da metade da câmara federal17, o que acabou forçando o regime a negociar com
deputados dissidentes para posteriormente assegurar maioria.
Em 1983 o então deputado Dante de Oliveira apresenta o projeto para
realização de eleições diretas para presidente no ano de 1984, substituindo os planos
do regime de uma eleição indireta a ser realizada em 1985, o que levou à mobilização
popular na campanha conhecida como “Diretas Já”. Após o sucesso do governo em
barrar a medida “à oposição restava duas saídas: buscar simpatizantes dissidentes
dentro do governo; ou romper as regras do jogo através da mobilização da sociedade
civil” (Kinzo, 2001, p.6). Os esforços por parte do PMDB se concentraram em viabilizar
a candidatura de Tancredo Neves à presidência no processo indireto de 1985 através
de um acordo com a Frente Liberal, que colocaria José Sarney na posição de vice de
Tancredo. O PT posicionou-se contra a negociata e absteve-se do processo indireto,
inclusive expulsando 3 deputados que votaram em Tancredo.
Após a vitória do PMDB e a morte de Tancredo antes mesmo de sua posse,
José Sarney, ex-liderança do PDS, lideraria o país no primeiro governo civil em 20
anos. O saldo da posição moderada e da negociação empreendida pelo PMDB seria
positiva pelo fato de ter conquistado a vitória nas eleições indiretas, no entanto, viria
a destacar o PT pela sua posição mais crítica à não representatividade e ilegitimidade
do colégio eleitoral em escolher o primeiro presidente civil por um processo negociado
e que, no final das contas, resultou na presidência de Sarney que era
reconhecidamente uma figura representativa do regime militar e que teria um
desempenho insatisfatório no executivo.
A última fase da transição democrática ocorreu entre 1985 e 1990, e ficou
marcada pelo processo constituinte e pela primeira eleição direta para presidência

17.
O PDS elegeria 235 deputados; PMDB 200; PDT 23; PTB 13 e PT 8, totalizando 244 votos para a
oposição.
36

desde 1960. Dada a moderação e negociação empreendidas na fase anterior, e o


anseio popular por maior participação, as lideranças políticas ficaram mais sensíveis
à pressões dos setores mais à esquerda, o que fez com que a constituinte fosse
amplamente “democratizada” no sentido processual, possibilitando a participação de
diversos segmentos da sociedade civil organizada, e no sentido substantivo,
aprovando uma arrojada série de direitos sociais que diriam respeito desde a saúde e
educação até temas como direitos humanos (LAMOUNIER, 1988).
As eleições de 1989 marcaram a eminência do PT no campo da esquerda. PT,
com Lula, e PDT, com Brizola, disputavam a chance de ir ao segundo turno contra
Fernando Collor (PRN). A despeito de Brizola ter a vantagem sobre Lula na maior
parte do primeiro turno, segundo as pesquisas da época, ao se aproximar a data da
eleição Lula estava numa crescente, o que garantiu sua vaga ao segundo turno,
apenas 454 mil votos a frente de Brizola (0,6% dos votos válidos). Apesar do apoio do
PDT no segundo turno, Lula perdeu a eleição, fazendo com que Collor fosse o primeiro
presidente eleito por voto popular direto desde Jânio Quadros. Essa situação colocaria
o PT em evidência, sendo que nos anos seguintes o Brasil, sendo governado pela
coalizão centro-direitista PSDB/PFL, teria como principal voz da oposição e da
esquerda o partido de Lula.
Findado o processo de transição de regime o fortalecimento da democracia
ainda passaria por percalços significativos: hiperinflação causando sérios problemas
sociais, o impeachment de Collor por denúncias de corrupção em 1992, a crise fiscal
no final dos anos 1990 e início dos 2000, passando pelas denúncias de corrupção já
no governo petista, o impeachment de Dilma e a ascensão da extrema-direita no pleito
de 2018. Em suma, o processo de transição negociada e controlada permitiu certo
continuísmo de agentes presentes no período do regime militar para o regime
democrático. Foi também importante este período para o estabelecimento do PT
enquanto agente relevante na política nacional. Finalizada esta contextualização
passaremos, na próxima seção, a tratar do processo de formação do PT propriamente
dito.

2.2 A decisão de participar: a sociedade civil na formação do PT.


37

O projeto político do regime militar demandava o domínio sobre o trabalho e a


atividade sindical, visando o controle das reivindicações trabalhistas para manutenção
da ordem desejada pelo regime e suprimindo também qualquer tentativa da esquerda
de fortalecer-se neste ambiente. Ocorria nesse esquema o controle do reajuste
salarial18 afim de impulsionar seu projeto econômico, regulando a inflação e as contas
do governo às custas dos rendimentos dos trabalhadores (MACARINI, 2005, 2006).
O corporativismo foi um instrumento importante do controle ditatorial sobre os
trabalhadores e sindicatos. O regime adotou medidas para que a filiação sindical fosse
atrativa aos trabalhadores, ao mesmo tempo em que criava novos sindicatos e
comandava a troca dos seus presidentes. Não apenas a política de arrocho salarial,
mas também o fim da estabilidade substituída pelo FGTS para os trabalhadores
privados, a proibição de greves por motivos políticos ou por aumento de salários e o
fim da participação de trabalhadores na direção de fundos de pensão públicos foram
os mecanismos utilizados para supressão do poder político dos trabalhadores. Essas
alterações acabaram também gerando um distanciamento do locus de reivindicação,
antes envolvendo os patrões, os sindicatos e os tribunais do trabalho e, depois,
concentrado na figura da administração federal, o que acabou criando uma pressão
crescente por reivindicações não atendidas e que só poderiam ser contempladas
através de uma representação mais democrática e ao mesmo tempo mais
institucionalizada e mais próxima ao governo (SANTANA, 2008).
Com o processo de distensão do regime iniciado em 1974, grupos sociais dos
mais diversos começaram lentamente a se mobilizar pelas mais variadas pautas.
Como aponta Meneguello (1989) revelou-se nos anos 1970 um novo perfil de
movimento social. Com os processos econômicos e políticos promovidos pelo regime
e pela conjuntura internacional, como as transformações tecnológicas, de
infraestrutura, burocracia e de relações de trabalho, houve uma ascensão de
assalariados urbanos ligados a ocupações específicas, fruto da divisão do trabalho
resultante destes processos. Esta “nova classe média urbana” começaria a exigir
maior participação nos processos políticos para defender seus interesses, a natureza
do modo de reivindicação seria através de associações autônomas, com pouca
penetração institucional, embora organizadas. Este tipo de organização “fora do

18 Segundo dados do IPEA, o salario mínimo real entre abril de 1964 (início da ditadura) e outubro de
1973 (final do milagre econômico) teve redução de 40,8%. Fonte: IPEA
http://www.ipeadata.gov.br/ExibeSerie.aspx?serid=37667&module=M
38

sistema” seria utilizada também por associações de bairro locais, de mulheres, o


movimento estudantil e o movimento contra a carestia. A igreja, através de seus
líderes mais progressistas, teria importante papel catalisador deste tipo de
organização, provendo muitas vezes os locais de encontro bem como parcerias
através das Comunidades Eclesiais de Base.
O processo de aceleração das demandas populares, no entanto, concentrou-
se nos sindicatos. Os anos de arrocho salarial e o estudo do DIEESE apontando que
o regime havia mascarado os índices de inflação de 1973 (que eram a medida utilizada
para os aumentos salariais), deram início a um processo de negociação com o
governo por parte dos metalúrgicos do ABC, eminentemente o Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo presidido por Lula, para que houvesse a correta
reposição salarial no ano de 1977. A falta de acordo entre as partes fez com que no
ano seguinte, 1978, eclodissem greves de metalúrgicos de diversas companhias.
Entre 1978 e 1980 o país assistiria a diversas greves e, embora suas
reivindicações tenham sido apenas parcialmente contempladas, a mobilização teve
saldos importantes para os movimentos sociais da época. O movimento grevista havia
despertado o sentimento de contestação e de sua possibilidade frente ao regime,
“contagiando” outros movimentos sociais e unindo suas pautas numa mais
abrangente, que envolveriam direitos econômicos, sociais e políticos. Dada a
centralização e autoritarismo do regime, o diagnóstico destas organizações era de que
as demandas não poderiam ser feitas através dos sindicatos, por conta de seu escopo
limitado a questões trabalhistas, ou mesmo pelos partidos políticos tradicionais pois o
próprio sistema político tradicional não seria capaz de dar vazão às suas demandas
ou mesmo de levá-las em consideração dado o funcionamento “de cima para baixo”.
Diante desse ambiente hostil à resolução do conflito social pelos canais existentes,
esses movimentos decidiram que a natureza da formação de representação de seus
interesses teria que ser “de baixo para cima”, e com força institucional
(MENEGUELLO, 1989).
Esta percepção da necessidade de construção de um locus de representação
que escapasse do tradicional controle estatal e dos políticos tradicionais, mas que
deveria participar politicamente na dimensão institucional, encontrou-se num
momento em que o regime não apenas estava “distendendo” mas também, e por
consequência deste fato, estava preparando a volta do pluripartidarismo. Entre 1978
e 1979, dada essa expectativa, ocorreram diversas discussões sobre a necessidade
39

de construir um partido que fosse representativo das classes populares e que as


engajasse na disputa política. Esses setores rejeitavam, em primeiro lugar, a ideia de
que era preciso manter uma unidade antiautoritária antes de se pensar na formação
de novos partidos, posição do PC do B e do PCB que, proibidos de funcionar até 1985,
operavam de dentro do PMDB. Em segundo lugar, eram contra a ideia de que era
necessário se integrar ao MDB ou aos parlamentares e políticos com afinidade à
formação de um partido tal, no intuito de garantir que o projeto não morresse antes de
nascer, posição esta defendida por políticos peemedebistas como Fernando Henrique
Cardoso e Almino Afonso. Estes debates se deram em jornais, sindicatos, revistas e
encontros acadêmicos, e protagonizavam atores como os sindicalistas , a exemplo de
Lula, intelectuais, como José Álvaro Moisés, Paul Singer e Francisco Weffort, e os
movimentos da igreja católica. Esses atores, posteriormente, constituiriam a base
intelectual e as lideranças do PT (MENEGUELLO, 1989).
O ano de 1979 foi crucial para a formação do PT. Em janeiro o 9° Congresso
dos Trabalhadores Metalúrgicos, Mecânicos e de Material Elétrico do Estado de São
Paulo, realizado em Lins-SP, aprovou resolução que conclamava a criação do Partido
dos Trabalhadores e que:
este partido seja de todos os trabalhadores da cidade e do campo,
sem patrões, um partido que seja regido por uma democracia interna, respeite
a democracia operária, pois só com um amplo debate sobre todas as
questões, com todos os militantes, é que se chegará à conclusão do que fazer
e como fazer (p.2)19.

Seguindo a resolução formou-se uma comissão nacional provisória que


escreveria uma “Carta de Princípios”20 do PT. Tal carta pretendia expor o caráter
socialista do partido, bem como seu engajamento com a luta pela democracia, não
apenas política, mas também social e econômica, entendendo-a enquanto antídoto
para a manipulação dos trabalhadores. Sendo assim “o PT afirma seu compromisso
com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo
sem democracia e nem democracia sem socialismo.”21
Tal carta foi distribuída nas comemorações do 1° de maio nas maiores cidades
do Brasil para então se discutir a natureza do partido e registrá-lo já no final daquele

19Disponível em: https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2017/04/01-


atesedesantoandre-lins_0.pdf
20 Disponível em: https://pt.org.br/carta-de-principioSDo-partido-dos-trabalhadores/
21 Ibidem, p.5
40

mês. Membros de outras organizações sindicais e de movimentos sociais também


empenhados na formação do PT criticaram a forma como a carta foi redigida, dando
a impressão de que seria um partido dos sindicatos ou de seus líderes, bem como o
tempo, muito adiantado, o que “preventivamente esvaziava qualquer outra iniciativa”
(KECK, 2010, p.103). Em junho, outro encontro em Poços de Caldas-MG ratificaria os
pontos abordados na carta original, mas dessa vez com corroboração de um grupo
mais amplo e deixando em aberto o melhor momento para a fundação do partido.
Em outubro de 1979 as discussões sobre o lançamento do partido se acirraram
e comissões locais iniciaram o trabalho de organização do partido. Em 10 de fevereiro
de 1980, no Colégio Sion, o partido foi lançado e uma comissão nacional provisória
havia sido estabelecida. O manifesto de lançamento reforçava a ideia de um partido
de massas, democrático em sua organização e feita por e para os trabalhadores22.
Em seu programa destaca-se a independência e autonomia de organização partidária
e sindical, a democratização política e restauração dos direitos civis, o
aprofundamento dos direitos trabalhistas e uma política salarial de aumento real, a
defesa dos direitos humanos, a expansão dos serviços públicos de caráter social e a
defesa da reforma agrária23.
Superada a discussão da criação do PT, seus membros teriam agora de
organizar o partido. Tal missão seria de grande dificuldade por conta de dois motivos
principais; o primeiro relaciona-se com os requisitos da Lei Orgânica dos Partidos
Políticos de 1979 que, ao mesmo tempo em que possibilitava a criação de novos
partidos, também exercia fundamental controle sobre a atividade e organização
partidária e exigia uma logística e estrutura que apenas MDB e ARENA dispunham (e
que, respectivamente, PMDB e PDS herdariam); o segundo motivo era reflexo da
proposta política petista e da natureza dos grupos que o compunham, o de montar
uma organização capaz de dar vazão a essa ânsia democrática e, portanto, ter uma
organização democrática.
O primeiro desafio foi superado graças ao poder de mobilização que o partido
dispunha nos movimentos sociais, e em 1980 o TSE deferiria sua inscrição. O
segundo desafio, superar a “lei de ferro” de Michels da tendência à oligarquização,
que por si já configuraria árdua tarefa, era agravada pela própria lei de 1979. Fato é

22Disponível em: https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2017/04/01-


manifestodelancamento_0.pdf
23 Disponível em: https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2017/04/02-programa_0.pdf
41

que o PT se mostrou um partido único e inovador neste sentido, garantindo à sua base
o poder de participar. Esta qualidade, no entanto, teria seu auge logo no início de vida
do PT e apenas se deterioraria, qualitativamente falando. A próxima seção tratará
destes aspectos.

2.3 A organização nos anos iniciais: o auge da democracia petista

A Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP) de 1979 estabelecia de que modo
os partidos deveriam requerer seu registro oficial. A primeira etapa consistia no
requerimento junto ao tribunal eleitoral pelo reconhecimento provisório do partido.
Para tanto era necessária a apresentação de documentação que comprovasse a
existência de uma comissão provisória nacional, bem como comissões provisórias
estaduais e municipais, além da publicação do manifesto partidário, estatuto e
programa. Satisfeitos esses pontos o partido tinha então o prazo de 12 meses para
realizar uma convenção nacional e estabelecer um diretório nacional, para tanto seria
preciso realizar convenções em um quinto dos municípios de ao menos 9 estados,
como é dado pelos artigos 9° e 12 da LOPP:

Art. 9º. [...] o Tribunal Superior Eleitoral concederá o prazo de 12


(doze) meses para que se organize o partido, comunicando tal decisão aos
Tribunais Regionais Eleitorais, que dela cientificarão os Juízes Eleitorais.
Art. 12. O partido que, no prazo de 12 (doze) meses, a contar da
decisão do Tribunal Superior Eleitoral, prevista no art. 9º, não tenha realizado
convenções em pelo menos 9 (nove) Estados e em 1/5 (um quinto) dos
respectivos Municípios, deixando de eleger, em convenção, o diretório
nacional, terá sem efeito os atos preliminares praticados, independente de
decisão judicial. (BRASIL, 1979)

Apesar das dificuldades impostas pela LOPP de 1979, claramente com intuito
de fragmentar e dificultar a oposição ao regime, o PT se apoiaria em sua base e na
potência de mobilização desta para encarar o desafio de oficializar o partido, que
conseguiria em 1981 o registro definitivo. Grupos de esquerda, inclusive da luta
armada como a Liberdade e Luta (Libelu), teriam papel fundamental na organização
inicial do partido com panfletagens e recrutamento de militantes (MENEGUELLO,
1989).
42

Um desafio subsequente seria fazer o ordenamento interno do partido refletir a


proposta política petista, qual seja a de que “Um partido que almeja uma sociedade
socialista e democrática tem de ser, ele próprio, democrático nas relações que se
estabelecem em seu interior.”.24 Tal proposta é um desafio, não apenas quando se
consideram as dificuldades impostas pela própria natureza do ato de se organizar um
mecanismo tão complexo quanto um partido nacional, em termos de burocratização e
consequente oligarquização, mas também, especificamente no contexto brasileiro,
devido à tradição de tutela do Estado sobre as normas que regem a organização dos
partidos políticos. A LOPP de 1979 não é estranha à essa tradição, sendo as normas
de organização descritas na lei tendendo à distribuição de recursos partidários e de
poder de decisão sempre no sentido vertical de cima para baixo.
O PT constituiria, segundo Keck (2010), dois mecanismos principais no sentido
de democratizar o processo intrapartidário de tomada de decisão e de estímulo à
participação dos filiados em tal processo. O primeiro é a realização de uma “pré-
convenção”, os encontros, nos níveis municipal, estadual e nacional. Dado que as
convenções oficiais estavam sujeitas às normas da LOPP, que especificavam o modo
de participação dos filiados, a realização da pré-convenção se dava no sentido de
proporcionar poder de voz e de discussão aos filiados. Era nos encontros que ficavam
acertadas as diretrizes e os delegados escolhidos, sendo que a convenção oficial tinha
caráter formalista, de ratificar a decisão primeira.
O segundo mecanismo era a formação dos núcleos de bairro e setoriais, que
funcionavam como a unidade basilar do partido. Sendo formado por poucos
indivíduos, os núcleos tinham caráter consultivo com relação aos órgãos superiores
do partido, mas compunham sua espinha dorsal no sentido de que eram o local de
discussão primordial do partido para questões práticas e políticas, constituindo o
próprio fazer democrático que o PT almejava. Os núcleos tiveram papel fundamental
na fundação do partido, sendo através deles que o PT alcançaria a organização
mínima requerida pela LOPP para o registro oficial, bem como foram responsáveis
pelo crescimento do número de filiados, principalmente em São Paulo.25
O modo de organização do partido, espelhando sua proposta política, acabou
por conformar o PT enquanto um partido único no Brasil, um partido de massas

24 “Carta de princípios do Partido dos Trabalhadores”, 1979. Disponível em: https://pt.org.br/carta-de-


principioSDo-partido-dos-trabalhadores/
25 Sobre os núcleos de base ver: Keck (2010), p.149 – 155; Ribeiro (2010), p.247 – 252.
43

propriamente dito. Não dispondo de recursos parlamentares, ao menos no início, o


PT, de forma exitosa, conseguiu mobilizar as bases sociais que tinham afinidade com
seu projeto em torno da realização do partido. Segundo Keck:

Como o PT, os partidos social-democratas e trabalhistas cresceram


em ambientes relativamente hostis e tiveram que mobilizar os recursos de
que dispunham para superar o ostracismo. Seu recurso principal consistia
precisamente nos seus membros, cujas atividades contribuíram em muito
para moldar tanto a imagem que a sociedade faz do partido quanto sua
configuração interna. (2010, p.159)

A força do PT para se estabelecer enquanto instituição oficial e enquanto


agente político nos anos iniciais, assim como foi o caso dos partidos social-
democratas, veio debaixo, dos trabalhadores, sindicatos, pastorais, associações de
mulheres e de bairros. A exemplo dos social-democratas europeus, no entanto, a
“profissionalização” do partido invariavelmente definharia a importância das bases na
composição de forças internas do partido, formando um sistema de retroalimentação.
Durante o restante dos anos 1980 e 1990 os núcleos passaram de ser a estrela
definidora do PT para uma posição secundária, existindo formalmente mas sem a
mesma função democratizadora. Ribeiro (2010) aponta que a cooptação e disputa das
tendências pelo controle dos núcleos, a falta de recursos e infraestrutura bem como
sua instrumentalização político-eleitoral causaram a ruína de “uma experiência tão
promissora” (p.250). O declínio dos núcleos era reflexo das transformações pelas
quais o PT passaria com suas experiências eleitorais e em seus posicionamentos
frente à política nacional na década de 1980.

2.4 Definindo o sentido da marcha petista

As eleições de 1982 traziam a possibilidade dos eleitores escolherem de forma


irrestrita os governadores de estado pela primeira vez desde 1960. A proibição da
realização de coligações e a obrigatoriedade do voto vinculado de todos os cargos ao
mesmo partido fizeram com que PMDB e PDS concentrassem o embate, numa
continuidade daquele entre ARENA e MDB. Isso fez com que os outros partidos recém
criados invariavelmente perdessem a possibilidade de se tornarem protagonistas.
Destes, apenas o PDT, na esteira do capital político de Brizola, elegeria um senador
e um governador (o próprio Brizola), ambos no Rio de Janeiro. Para a câmara o PDS
44

conquistaria 235 cadeiras (49%), o PMDB 200 (41,7%), PDT 23 (4,8%), PTB 13 (2,7%)
e o PT 8 (1,6%)26, sendo que 6 destes foram eleitos por São Paulo, onde o partido
tinha maior base.

O discurso eleitoral petista para as eleições de 1982 caracterizou-se pelo


classismo. A ideia era apresentar o PT como um partido inovador no cenário político,
democrático, mas principalmente como o representante legítimo das classes
subordinadas. “Trabalhador vota em trabalhador” era apenas um dos slogans que
refletiam tal estratégia. Isso contribuiria para a formação de uma imagem sectarista
do partido na opinião pública e nos adversários, além de um teor anti-sistema27, devido
ao discurso de novidade, que é diferente de todas as outras forças preocupadas
apenas consigo mesmas. “Em suma, será interesse do PT romper com as regras
tradicionais do jogo eleitoral, em que as diferentes forças se lançam em busca da
vitória a qualquer preço.”28

Sendo essa a sua primeira eleição, o partido usou o período para se


estabelecer, tanto do ponto de vista organizacional, através de sua militância Brasil a
fora formando os diretórios através das convenções, quanto do ponto de vista político,
de marcar uma posição no novo sistema partidário, como pode ser visto nos objetivos
do partido para as eleições de 198229:

1- Levar o programa do PT aos trabalhadores, usando a campanha


eleitoral para dar continuidade às lutas sociais e para aumentar a organização
e a consciência política do povo, tarefas estas que servirão para ampliar a
consolidação do PT.

2- Constituir-se na expressão partidária que aglutine os trabalhadores


numa proposta que represente, na luta contra a ditadura, os interesses e as
reivindicações do movimento operário e popular. Além disso, visa fortalecer
uma alternativa política diferenciada da oposição liberal burguesa, colocando
a questão do poder político do ponto de vista dos trabalhadores;

3- Participar da campanha eleitoral lado a lado com as organizações


operárias e populares (sindicatos, UNE, associações de moradores etc.) e,
para isso, assumir todas as reivindicações hoje postas pelas massas em luta.

26 Dados do TSE. Os percentuais foram arredondados.


27 Cf. RIBEIRO, Pedro José Floriano. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de partido anti-sistema a
legitimador do sistema. Política & sociedade, v. 2, n. 3, p. 45-70, 2003.
28 “Carta eleitoral do Partido dos Trabalhadores”. Documento aprovado no Segundo Encontro Nacional

de 1982. Disponível em: http://www.enfpt.org.br/acervo/documentoSDo-pt/encontros-


nacionais/1982/Carta-Eleitoral-do-PT.pdf
29 Ibidem
45

4- Impor uma derrota eleitoral à ditadura e às forças que a apóiam


direta ou indiretamente. Denunciar, durante a campanha, as regras eleitorais
da ditadura, como, por exemplo, a série de pacotes do governo.

[...] O PT se preocupa também em fazer da campanha eleitoral um


período de fortalecimento de sua estrutura orgânica, ampliando as filiações,
nucleando e implantando o Partido em áreas extensas do interior.

Na época concorriam as ideias de, por um lado, levar a cabo uma estratégia
eleitoral tendo em vista a vitória de cargos públicos e, de outro lado, colocar a vitória
eleitoral em um segundo plano, resguardando o partido de desvios em seu percurso
a favor dos ganhos eleitorais:

As eleições representam, portanto, apenas um episódio, um


momento definido de nossa atividade política permanente, em busca do
objetivo final, que é construir uma sociedade socialista, sem explorados e
exploradores. Nossa participação no processo eleitoral não pode servir,
portanto, para desviar o Partido de seus objetivos programáticos. 30

Apesar dessa desconfiança do papel das eleições, os maus resultados do pleito


abalaram fortemente os ânimos dos militantes e serviram de pretexto para a revisão
da estratégia petista. Se o partido tem a missão de “construir uma sociedade
socialista, sem explorados e exploradores” e aceita as regras do jogo institucional,
deve, logicamente, tratar de ganhar cargos públicos através das eleições para a
consecução de tal estratégia. Esta lógica, no entanto, ainda que tivesse de fato
moderado o discurso classista nos anos 1980, foi objeto de disputas internas que
analisaremos na seção seguinte.

Entre 1983 e 1984 a campanha das Diretas Já proporcionou ao partido a


retomada da estratégia de tentar crescer pela mobilização social, já que o
investimento nas eleições não havia dado os frutos esperados. Os comícios das
diretas colocaram os líderes petistas, em particular Lula, nos holofotes em união ao
grande PMDB com vistas a um projeto que tinha grande apoio popular. Quando a
emenda das diretas não prosseguiu no congresso, o PMDB focou esforços na
construção de uma frente que colocaria Tancredo Neves como candidato
oposicionista no colégio eleitoral, contra Paulo Maluf representando as forças do

30 Ibidem
46

regime autoritário. O PT divergiu, preferia continuar com a campanha e, na eleição


indireta para presidente, se absteu da votação pois discordava da visão de que havia
apenas duas possibilidades, do embate entre as forças tradicionais e os políticos de
sempre. Dentro do partido a decisão de não participar no colégio eleitoral acabou
criando discordâncias que resultaram na saída de três deputados federais, que
acabaram por votar em Tancredo, bem como um deputado estadual.

Após a eleição indireta em janeiro de 1985, a posse provisória de Sarney em


março, e a morte de Tancredo em abril, as atenções se voltavam às eleições
municipais em novembro. O PT, que havia ganho certo prestígio público através de
sua capacidade de mobilização exibida durante a campanha das diretas, contou com
o fato de que em muitas cidades o PMDB não era mais visto como a oposição, o que
faria o partido ter um expressivo aumento de desempenho. Além do fator conjuntural,
“os líderes do PT atribuíram o sucesso eleitoral em parte à mudança do tom da
campanha: o partido aparecia mais aberto, menos sectário, misturando o humor à sua
mensagem programática.” (KECK, 2010, p.217). Outro fator importante de mudança
foi o perfil dos candidatos petistas, que passaram de majoritariamente operários e
sindicalistas, a serem profissionais liberais e funcionários públicos de classe média.

O desempenho das eleições de 1985 foram importantes não pelo ganho de


cargos, já que o PT conquistaria apenas a prefeitura de Fortaleza nas capitais, mas
pela demonstração de que poderia ser uma força considerável não apenas no plano
das mobilizações sociais, mas também no plano do poder institucional, já que o partido
havia participado de disputas acirradas em importantes cidades e se estabelecido
como um polo político estruturador da disputa. Após o relativo êxito de 1985 o PT tinha
agora a experiência para replicar a estratégia nas eleições de 1986, que escolheriam
os parlamentares constituintes. Tal estratégia consistia na mobilização de seus
militantes e das organizações sociais simpáticas ao partido, como as CEBs e os
sindicatos, conjugados a uma mensagem menos sectarista e mais aberta.

O partido elegeria, em 1986, 16 deputados, sendo que Lula seria o deputado


mais votado nestas eleições com cerca de 650 mil votos por São Paulo. O partido
participaria do processo constitucional apoiando a presença de diversos setores
sociais marginalizados na construção da institucionalidade brasileira através das
emendas populares, e propondo emendas relativas à reforma agrária, redução da
47

jornada de trabalho e direitos humanos (DE HOLANDA, 2011). Seu poder político, no
entanto, era bastante limitado, o que fez com que várias propostas petistas, que
também eram vistas como radicais, não entrassem na Carta Magna. Em
consequência o partido apresentaria sua própria versão da constituição e decidiria
votar contrariamente à versão apresentada oficialmente pelo relator.

Em 2013, numa cerimônia em comemoração aos 25 anos da constituição, Lula


diria:
Se o nosso regimento fosse aprovado a nossa Constituição
certamente seria ingovernável porque nós éramos muito duros na queda e
nós éramos muito exigentes. (...)
Como o PT tinha um projeto de Constituição, nós votamos contra o
projeto apresentado pelo nosso querido relator e depois nós assinamos a
Constituição. Nós votamos contra porque queríamos o mais radical,
queríamos uma coisa mais forte, que não foi possível porque só tínhamos 16
deputados.31

Esse posicionamento tinha origem na visão do partido que era balizado,


segundo Meneguello (1989), pelos diversos embates entre as bases partidárias,
eminentemente entre dois grupos. O primeiro, mais à esquerda, rejeitava os
pressupostos democráticos enquanto caminho ao socialismo, conhecidos como
“xiitas”. O segundo era o PT light, mais moderados, formado por líderes sindicais
(incluindo Lula) e políticos independentes principalmente agrupados na tendência
“Articulação”, “que colocavam a democracia como valor inquestionável” (p.200). O
documento “Plano de ação política e organizativa”, aprovado no 4° Encontro Nacional
do PT, em 1986, evidenciaria não apenas o grupo que naquele momento era mais
proeminente, mas também dava pistas sobre qual democracia era vicejada:

Nos governos do PT, nosso objetivo central é a democracia, que


significa concretamente a liberdade de organização e manifestação dos
trabalhadores, a não repressão, o fim da utilização do Estado e da
Administração para o controle e a cooptação dos movimentos sociais.
Acreditamos que só a organização autônoma e independente dos
trabalhadores, com acesso às informações, permitirá ao governo enfrentar as
pressões que lhes serão opostas e realizar mudanças econômicas e sociais.

O conceito de democracia petista, em conjunto com seu entendimento de


socialismo, rechaçava uma ideia leninista de partido único organizador da luta dos

31 Ver: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/10/solenidade-comemora-os-25-anoSDa-
constituicao-brasileira.html
48

trabalhadores, mas não definia com clareza sua alternativa. Também era contrário ao
corporativismo característico do trabalhismo varguista, sendo essa uma das bases da
crítica petista ao PDT de Leonel Brizola. Essa democracia petista, de caráter liberal,
e a ideia de que era preciso ocupar as instituições democráticas para fazer as
mudanças políticas propostas levava à indagação das alianças eleitorais, do qual o
mesmo documento trata:

Na ampliação do espaço democrático e na criação de condições


políticas para avançar no caminho do socialismo, bem como na defesa de
conquistas imediatas das classes trabalhadoras, são necessários e
possíveis, sim, acordos itemizados e delimitados com forças sociais e
político-partidárias, mesmo que essas forças não se proponham o socialismo
como objetivo final.

Tal posicionamento seria a base para o partido, no primeiro turno da eleição


presidencial de 1989, construir a Frente Brasil Popular, com o PC do B e o PSB, e, no
segundo turno, angariar o apoio do PDT de Brizola e do PSDB, do então candidato
Mário Covas. Esta eleição, cheia de especificidades, foi crucial para o PT afirmar-se
enquanto viável postulante à cadeira presidencial nos próximos anos e retroalimentar
a estratégia de abertura ideológica.

O desempenho de Lula em 1989, bem como o de Collor, foi possível graças ao


sentimento generalizado de descrédito da população para com a política tradicional.
Um ano antes, nas eleições de 1988, esse fator já havia rendido ao PT a prefeitura de
São Paulo, com Erundina, e mais outros 30 municípios. Eminentemente o fracasso na
condução econômica por parte do governo Sarney havia pavimentado o caminho para
outsiders e posicionamentos mais centrífugos, como o do PT. Vale lembrar também o
maciço engajamento da militância petista, que havia levado cerca de 6 milhões de
pessoas nos diversos comícios no decorrer das eleições, bem como a arregimentação
de 2 milhões de voluntários de campanha (RIBEIRO, 2008, p.112-113).

O programa do partido para estas eleições, segundo Amaral (2003), ainda que
não deixasse claro os conceitos de democracia e de socialismo, demonstrava
nitidamente a sobreposição da visão de que o socialismo deveria ser pautado pela
construção institucional democrática, não indicando uma opção petista pelo processo
de ruptura e revolução violenta. A disputa interna que balizava estas questões ajudou
49

a construir a identidade petista. Veremos a seguir os momentos paradigmáticos desta


dinâmica.

2.5 As crises internas: os embates entre a esquerda e a direita no partido

O PT, por conta de sua formação baseada na confluência de diversos


movimentos sociais, sempre foi formado por “frações” (SARTORI, 1982) que proviam
uma dinâmica ativa à vida intrapartidária petista. As “tendências”, como são
conhecidas, tiveram papel crucial na formação do caráter petista. A disputa pelo poder
interno se deu basicamente pela oposição de preferências com relação ao papel do
partido e sua estratégia na arena social e política. De um lado havia aqueles que
pautavam pela unidade interna do partido, o compromisso com a democracia liberal,
a busca por alianças políticas amplas e a preferência pela combinação da luta social
com a luta institucional. De outro lado havia uma preferência pela ação política através
dos movimentos sociais, uma rejeição de concessões ideológicas com vistas ao
cultivo de alianças eleitorais, e a ausência do compromisso com a institucionalidade
liberal e a democracia representativa. (LACERDA, 2002; AMARAL, 2010a).

Essa disputa intrapartidária se deu eminentemente entre a tendência mais


moderada Articulação, que tinha Lula como membro e constituía a maior tendência do
partido, e as tendências de esquerda como O Trabalho, Democracia Socialista e
Convergência Socialista. Esta última sairia do PT em 1992 e, junto com outros
descontentes, fundaria o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).

A disputa se dava de forma aguda através dos processos eleitorais para


escolha dos dirigentes partidários. Até 2001 o processo eleitoral interno pautava-se
pelos Encontros, onde os filiados a nível municipal formavam o Encontro Municipal
que escolhia delegados para o Encontro Estadual e este para o Encontro Nacional.
Nos Encontros era escolhido, de forma majoritária, o presidente do respectivo nível
organizacional, e de forma proporcional os diretórios. Os diretórios então escolhiam
as comissões executivas de forma majoritária, o que colocava a Articulação em
posição privilegiada dado o seu poder interno, fazendo com que o grupo que a
compunha, e que posteriormente formaria a tendência Campo Majoritário e
50

Construindo um Novo Brasil, tivesse o controle do partido, com exceção do período


1993-1995.

A questão da implantação da proporcionalidade na escolha das comissões


executivas perpassava pela natureza da disputa entre a Articulação e as tendências
de esquerda. Segundo Ribeiro (2010), a Articulação, tendo como motivação a busca
de uma unidade partidária mínima para a consecução dos projetos petistas pela via
institucional, era a princípio contrária à implantação da proporcionalidade. A
Articulação, no entanto, negociou com as tendências de esquerda o mecanismo de
proporcionalidade em troca de uma regulamentação das tendências, sendo que para
serem aprovadas e não sofrerem sanções, as tendências deveriam se comprometer
a seguir o programa petista e agir apenas no interior do partido, coibindo práticas
divisionistas balizadas por visões políticas estranhas aos entendimentos mais
consolidados do partido, forçando uma diluição orgânica delas32. A regulamentação
das tendências foi posta em prática em 1990 a partir de uma resolução de 1987. Para
entender a influência das mudanças internas no caráter petista é preciso analisa-las
em conjunto com os estímulos exógenos.

Com a vitória de Collor em 1989 os petistas teriam pela frente mais um


processo de construção da mobilização e estratégia necessárias para a próxima
disputa presidencial em 1994. Tal processo, no entanto, se encontraria com uma crise
decisória no interior do partido, com vários episódios concorrendo negativamente nas
disputas intrapartidárias. Um desses episódios, de natureza conjuntural, foi o fracasso
do governo Collor. Parte dos grupos mais à esquerda do partido propuseram que o
PT se mobilizasse em torno da pauta de impeachment, a direção, no entanto, entendia
que era cedo para tal movimentação, argumentando que haveria risco de uma quebra
institucional e a ameaça à campanha de Lula para 1994. Somente após a instalação
da CPI e a apresentação de inúmeras provas de corrupção do governo o PT se
posicionaria a favor do impedimento, o que acabou desgastando a imagem da direção
para com a base por conta de sua letargia. (RIBEIRO, 2010).

32 Para uma descrição mais detalhada ver: Partido dos Trabalhadores. Regulamentação das
Tendências Internas. Anexo do 5° EN. 1987. Disponível em https://fpabramo.org.br/csbh/wp-
content/uploads/sites/3/2017/04/01-anexo.pdf
51

A queda da URSS se tornaria um desafio ambiental (PANEBIANCO, 2005) que


também provocaria grandes embates no interior do partido, evidenciando a disputa
das facções internas. Segundo Ribeiro (2010), ainda que a posição oficial do partido
sempre tenha sido a defesa da democracia e o repúdio a sistemas repressivos, alguns
grupos intrapartidários tinham certa estima pela experiência soviética, o que levou a
conflitos dentro da própria Articulação na tomada de posição do partido com relação
a essa questão.

De modo geral a “morte do socialismo” afetaria a esquerda, como um todo,


permanentemente. No caso do PT este evento serviria para, no curto prazo, reafirmar
sua posição de forma negativa, repudiando o autoritarismo e centralização de um
leninismo, bem como a rejeição da SD que apresentava “nenhuma perspectiva real
de superação histórica do capitalismo”33, ao passo que, mais uma vez, não definia de
forma positiva o que seriam o socialismo e a democracia petistas. No longo prazo a
queda do regime socialista soviético arrefeceria o caráter esquerdista do PT, ainda
que a crítica ao capitalismo e a intenção de sua superação estivessem formalmente
presentes em seus documentos34.

Outro aspecto que impactaria o partido, e que contribuiu para a crise na direção,
seria a experimentação paulatina do poder. Os petistas eleitos e os grupos
intrapartidários a eles ligados demandavam maior flexibilidade na construção de
alianças, tanto para poder governar (no caso dos prefeitos), quanto para ter alguma
influência no processo decisório (no caso dos deputados), enquanto que os grupos
mais à esquerda, ligados eminentemente à base do partido, acreditavam que as
concessões políticas desviariam o PT de sua missão.

33 Trecho do documento “O Socialismo Petista” (1990) VII EN. Disponível em:


https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2017/04/04-osocialismopetista.pdf
34 Veja, por exemplo, o item 12 da “Resolução sobre Situação Internacional”, aprovado no 6° Congresso

Nacional em 2017:
(cont.) “O mundo caminha para o aumento acelerado dos conflitos entre o imperialismo e os países
dependentes, entre os super-ricos e uma crescente maioria empobrecida. Por isso mesmo, a dinâmica
atual do capitalismo é cada vez mais autoritária e incorpora, de modo crescente e permanente,
ameaças às liberdades democráticas. As políticas de superausteridade esvaziam os regimes de bem-
-estar social e impõem novas formas de exclusão social e aumento acelerado da desigualdade. Esse
mundo não pode ser compreendido e nem superado, se não empreendermos a crítica radical do
capitalismo e a defesa do socialismo democrático, recolocando essa perspectiva como motor de nossas
ações.”
52

Estas pressões ambientais causaram uma crise no partido pois, ainda que os
processos decisórios intrapartidários sempre estiveram fragmentados, a tendência
“Articulação”, que vinha sendo majoritária desde 1983, controlando as comissões e os
diretórios, via-se diante de uma gestão mais heterogênea, onde os grupos mais à
esquerda compartilhavam do poder. Além disso a própria Articulação estava dividida
com relação a essas pressões externas, o que não ajudou nas eleições do 6° Diretório
Nacional, em 1993, onde a chapa de esquerda ganharia o maior número de cadeiras.

A então gestão de esquerda, dividida entre vários grupos pouco coesos, faria
com que a estratégia para as eleições de 1994 reafirmasse a intenção socialista do
PT, porém com palavras de ordem demais e soluções práticas de menos. A recusa
da direção de fazer alianças ao centro e de construir o programa conjuntamente aos
parceiros da coligação (PCB, PC do B, PSB, PPS, PV e PSTU) rendeu críticas de
importantes setores partidários, como nota Ribeiro:

O Programa de Governo da candidatura Lula também suscitou


diversas críticas à coalizão que comandava o PT. Diversos intelectuais
ligados ao petismo engrossaram o coro das alas moderadas contra o
“radicalismo estéril” do programa, a desconexão entre um socialismo difuso
e propostas de governo etc. Lideranças da Articulação, como Aloizio
Mercadante, e intelectuais ligados ao partido, como Francisco de Oliveira,
também atacavam publicamente a direção nacional por resistir em ampliar as
alianças de Lula. (2010, p.198)

O PT estava confortavelmente à frente na disputa pela presidência, discutia-se


uma aliança com o PSDB e setores do PMDB, “nessa ótica, a recusa em avançar nas
negociações com o PSDB estaria empurrando os tucanos para uma aliança com a
direita, especialmente o PFL.” (p.198). Em maio de 1994 o 9° EN deixaria clara a
intenção da direção partidária de não tecer alianças fora do espectro mais à esquerda.

Como nota Amaral (2003) a campanha pode ser dividida entre pré-julho, onde
Lula teria considerável vantagem nas intenções de voto, deixando vários setores
petistas convencidos da vitória, e pós-julho, onde o sucesso do Plano Real alavancaria
Fernando Henrique Cardoso à cadeira presidencial ainda no primeiro turno. O PSDB
formaria uma coligação com o PFL que:

(...) forneceu ao candidato tucano maior penetração no interior do


país, enfraqueceu a candidatura peemedebista de Orestes Quércia e
dificultou o lançamento de um candidato de peso situado exclusivamente no
campo da direita. (AMARAL, 2003, p.108-109).
53

O resultado foi acachapante para o partido, da vitória certa para a derrota ainda
no primeiro turno. Tal cenário foi terreno muito favorável para a Articulação tecer
críticas contundentes à direção do partido. A mais utilizada seria sobre a incapacidade
da direção de reagir aos efeitos positivos do plano real na economia e na opinião
pública. O PT havia se posicionado contrário às medidas propostas por FHC e seu
time de economistas, o sucesso do plano e a falta de alternativas a ele por parte do
PT fez com que a campanha de Lula desfalecesse. Tal fracasso permitiria a volta da
Articulação ao comando do PT e a uma mudança radical na relação de forças dentro
partido.

2.6 O caminho do poder: construindo a aptidão petista para eleger e


governar.

O 10° EN foi marcado pela volta da Articulação ao controle do partido onde,


aliando-se à Democracia Radical, do Deputado Federal José Genoíno, criaria o
conhecido Campo Majoritário, que realizaria profundas mudanças no partido. O
também Deputado Federal José Dirceu (Articulação) seria eleito presidente do partido
na conturbada convenção de agosto de 1995. O coordenador de campanha de Lula
em 1989 César Benjamim, do grupo concorrente a Dirceu, revelaria em tom acusatório
que ele havia recebido 478 mil reais em doações (legais) da empreiteira Norberto
Odebrecht para a campanha ao governo do estado de São Paulo um ano antes,

Como resposta, o deputado federal José Genoíno afirmou que o PT


só conseguiria viabilizar-se eleitoralmente se atuasse nos marcos do que a
legislação permitia. Rompia-se o tabu das doações de grandes empresas ao
PT (RIBEIRO, 2010, p.105).

Um mês depois, em setembro, o Campo Majoritário rejeitaria os nomes da


indicação da chapa de esquerda aos cargos a que ela teria direito. Após o veto da
indicação de Arlindo Chinaglia para a secretaria geral, a composição da esquerda
retirou-se das negociações. As intenções do Campo Majoritário estavam se
materializando. Em prol da competitividade eleitoral defendiam a necessidade de certa
unidade e de prover discricionariedade à direção. José Dirceu diria: “O partido vai sair
do 'internismo', das lutas internas, e vai para a sociedade. Vai buscar a política de
54

alianças, procurar o petista que é só eleitor, que não é militante".35 Até o final da
década este estilo de gestão proveria três importantes mudanças ao partido.

A primeira grande mudança vem das consequências da “modernização das


campanhas eleitorais” (RIBEIRO, 2010, p.109), quando o partido começaria a
contratar profissionais especializados para realizar suas campanhas, que antes eram
pautadas pela mobilização de voluntários e pela agitação dos militantes. Isto implicaria
numa mudança, no curto prazo, da iconografia da campanha petista de modo a
apresentar Lula de modo mais “palatável” à grande parte da população, abandonando
de vez palavras de ordem classistas e apresentando-se como dirigente capaz de lidar
com os problemas complexos do país, resultando numa acentuada moderação do
discurso. No longo prazo, por conta do partido não mais apoiar-se de forma
proeminente nas suas bases, ocorre um definhamento de sua capacidade de
mobilização social. Ainda que o PT tenha, até 2019 ao menos, a maior taxa de
identificação partidária36, sua militância nunca teria a mesma importância que teve até
a campanha de 1994.

A segunda grande mudança se dá no campo organizacional. A centralização


do aparelho de imprensa petista, o processo de ganho de discricionariedade da
executiva nacional, a diminuição do poder dos diretórios, a profissionalização da
burocracia partidária, em suma, a proeminência dos aparelhos executivos num
cenário de centralização de poder em detrimento das instâncias deliberativas era um
fenômeno que já vinha ocorrendo no interior do partido desde os anos 1980, mas que
ganharia força a partir de 1995 e, em conjunto com o fim do tabu das doações de
empresas, faria com que a Articulação/Campo Majoritário impusesse uma
profissionalização ao partido (PANEBIANCO, 2005).

A terceira grande mudança se dá nas políticas de aliança eleitoral, onde o PT


estaria agora disposto a ceder em aspectos estratégicos em prol do apoio de outros
partidos. Já em 1998 o PT abriria mão da disputa direta pelo governo do Rio de Janeiro
com Benedita da Silva, que seria então candidata a vice com Anthony Garotinho (PDT)
como cabeça de chapa. Tal acordo possibilitou a construção da coligação União do

35 https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/9/18/brasil/25.html
36 14% do eleitorado identifica-se com o PT, segundo pesquisa Datafolha de abril de 2019. Ver:
http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2019/04/08/574c277a171a64f166dee28d083f08cfab2.pdf
55

Povo Muda Brasil, que teria Lula candidato a presidente e Leonel Brizola como
candidato a vice. O programa, como nota Amaral (2003), ainda que tivesse
predominância do PT, pela primeira vez havia sido construído em conjunto com os
partidos da coligação, e colocava proposições administrativas e a aptidão para um
eventual governo em destaque, num claro esforço da oposição ao contexto do
governo FHC.

Na esteira dessa opção pela ênfase na credibilidade e capacidade


administrativa, o partido abandonou temas mais ideológicos, como o
socialismo, que não é mencionado em nenhum momento no programa de
1998. (...) Questões polêmicas, como a suspensão imediata do pagamento
da dívida externa e a estatização de bancos, defendidas em 1989, também
somem. Ganham importância, naquele contexto, temas como a inclusão
social e o crescimento econômico, apresentados como objetivos em si,
completamente desvinculados de um horizonte socialista. (p.152)

Ainda que as eleições de 1998 tenham sido as primeiras do PT sob a direção


mais centralizada, a derrota para Fernando Henrique Cardoso ocorreu no primeiro
turno. A avaliação da cúpula era de que, mesmo tendo o PT simplificado o programa
de forma a tornar a campanha mais inteligível às grandes massas, e focado nas
questões de desempenho econômico e capacidade de administração, não haviam
elementos que mostrassem a alternativa petista ao que FHC já fazia com relação a
essas áreas. Devemos também considerar que tais mudanças, em torno de uma
máquina mais especializada para a competição eleitoral e que tem uma disputa
intrapartidária de visões ainda ativa, não se faz do dia para noite. Tal processo seria
paulatino, e a derrota de 1998 serviria para que quatro anos depois o PT quebrasse
provavelmente o maior tabu até então, aliar-se a partidos “do lado de lá” do espectro
político.

2.7 A concertação: a aposta nas eleições de 2002 e a chegada ao poder

Em 2001 o Campo Majoritário consolidaria as mudanças em curso desde


meados dos anos 1990. A grande mudança estaria no seu sistema eleitoral, com a
realização do primeiro Processo de Eleições Diretas (PED), onde os dirigentes
partidários de todos os níveis da organização seriam escolhidos através da votação
dos filiados de forma direta, o que havia sido aprovado em 1999, no 2° Congresso do
PT.
56

Amaral (2013) nota que o PED acabou sendo um tipo de resposta do PT ao


fenômeno de desconfiança do eleitorado para com os partidos políticos e da perda
estrutural generalizada da capacidade dos partidos de mobilizar a sociedade e de ser
um canal de comunicação entre os cidadãos e o Estado. Ao fornecer um mecanismo
de participação tal qual o PED, o PT, em conjunto com as transformações dos anos
anteriores, como o esvaziamento dos Núcleos de Base e sua relativa
desideologização, tiveram um efeito de alargamento da base petista, provendo maior
participação, mas também acabaram reduzindo a intensidade da militância petista.

O PED, embora seja um mecanismo com alto potencial “poliarquizador”,


acabou se transformando, como argumenta Ribeiro (2010), num aparelho que
consolidaria a direção nas mãos do Campo Majoritário. O afrouxamento dos requisitos
de filiação, tornando a base de filiados “menos ideológica”, o esvaziamento dos ENs
de suas atribuições eleitorais, as práticas clientelistas nas eleições, em conjunto com
a tática do Campo Majoritário de cooptar lideranças da esquerda do partido, que vinha
ocorrendo desde os anos 1990, acabaram por transformar um mecanismo
potencialmente democrático, num de manutenção do establishment partidário.

A discricionariedade da direção seria crucial nas eleições de 2002 para uma


tática muito mais agressiva no sentido eleitoral, o que acabaria por se tornar uma
espécie de aposta. Após ser o 2° colocado nas eleições presidenciais de 1989, 1994
e 1998 o PT via o pleito de 2002 como o “agora ou nunca”37, tendo o partido, a pedido
de Lula, viabilizado a contratação de Duda Mendonça, famoso publicitário ligado às
campanhas de Maluf e que era visto com grande desconfiança pela esquerda petista.
A campanha de 2002

foi a mais bem estruturada da história petista: uma grande e


profissionalizada estrutura, com uma extensa rede de apoio nos estados
(jornalistas, assessores de imprensa etc.), programas de televisão
sofisticados, centenas de pesquisas qualitativas e quantitativas etc. Os
profissionais tomaram o lugar da militância, da mesma forma que o HGPE
delegou aos comícios uma função acessória – gerar imagens empolgantes
para a televisão. (RIBEIRO, 2010, p.119)

O auge da profissionalização das campanhas, no entanto, não seria a questão


proeminente na transformação petista para 2002. As resoluções do 12° Encontro

37“PT concede quase tudo para "última cartada" de seu líder”. FSP, 6 de outubro de 2002. Disponível
em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0610200213.htm
57

Nacional dariam a tônica do processo de construção de alianças para 2002. Na seção


“As eleições de 2002 e a política de alianças do PT” das resoluções aprovadas lê-se:

A disputa de 2002 já começou. Nosso maior desafio é construir uma


candidatura e um programa de governo que possam viabilizar um novo
governo para o Brasil, com uma nova maioria parlamentar, que sustente as
grandes mudanças históricas. Nosso objetivo deve ser o de construir uma
aliança ampla, com forças políticas de esquerda e de centro que estejam em
oposição ao governo FHC e às políticas neoliberais e que concordem com
um programa alternativo, capaz de superar os impasses políticos,
econômicos e sociais com os quais o país se defronta.

Fica evidente a preocupação não apenas com a vitória nas eleições, mas
também com a governabilidade, a saída seria a construção de alianças eleitorais que
possibilitariam não apenas o apoio nos redutos estaduais, mas também uma coalizão
capaz de prover, para um hipotético governo petista, a força para promover as
mudanças desejadas no país. O diagnóstico petista de que a visão de setores
industriais, agropecuários e financeiros de que um eventual governo Lula traria
“fantasmas” como o calote da dívida pública, a nacionalização de indústrias, a
expropriação massiva de propriedades para a reforma agrária, temas que deixaram a
retórica petista já na década anterior, bem como o descontrole das finanças públicas,
faria premente a mobilização do PT no sentido de mostrar seu compromisso com a
estabilidade do sistema vigente.

O primeiro passo nesse sentido seria a definição do candidato a vice de Lula.


Em março de 2002 o Diretório Nacional aprovaria, após ultimato de Lula nesse
sentido, a indicação de José Alencar, do centro-direitista PL. Ficou também acertado
que setores do PMDB que faziam oposição a FHC seriam incorporados à aliança.

O PL foi apenas o primeiro passo. Logo vieram apoios que obrigaram


Lula a formular, sem maiores constrangimentos, uma versão petista do
"esqueçam o que escrevi" que assombrou FHC.
O sindicalista Luiz Antônio de Medeiros, que na acusação mais leve era
"pelego", foi peça-chave na união com o PL; Orestes Quércia, "ex-ladrão de
pipoca", virou "companheiro"; José Sarney, anteriormente um "grileiro" e
"administrador medíocre", tornou-se avalista da candidatura. Pazes foram
feitas com a Igreja Universal, para quem Lula já foi o Diabo.38

Termos como “equilíbrio fiscal”, “respeito aos contratos”, “preservar o superávit


primário” e “combate à inflação” rechearam a “Carta ao Povo Brasileiro”, divulgado em
junho de 2002. A carta era publicada num contexto onde a força de Lula nas eleições

38 ibidem
58

crescia e, coincidentemente ou não, os indicadores financeiros estavam piorando com


o rebaixamento da nota dos papéis da dívida, o aumento do dólar e a queda da bolsa
de valores. A carta serviria para acalmar os temores com um eventual governo petista,
afirmando o compromisso de Lula com a responsabilidade financeira e o equilíbrio
econômico do país. Segundo Singer (2010), a carta acabaria por ser não apenas uma
manobra conjuntural para acalmar os ânimos do capital, no intuito de assegurar a
vitória eleitoral e a governabilidade nos primeiros meses, mas seria a confirmação de
“um segundo sistema de crenças, que passaria a residir definitivamente dentro do
peito do partido, lado a lado com o que o havia precedido” (p.105).

Amaral (2010a), analisando os documentos elaborados pelas chapas que


concorreram ao DN do partido nos PEDs de 2001, 2005, 2007 e 2009, conclui que,
após a chegada do PT à presidência, as disputas internas passaram a se balizar
eminentemente não mais entre a preferência da ação junto aos movimentos sociais e
uma ação social combinada à institucional, mas colocaram o tema da avaliação da
política econômica do governo no centro do debate, fazendo com que as questões
estruturantes se voltassem para a relação governo/partido. A política de alianças e a
ação social/institucional ainda seriam temas de discussão, mas não a clivagem
principal.

Analisando as teses concorrentes a partir do PED 2015 podemos notar que a


questão da organização do processo eleitoral volta a ser discutida com mais força. Em
2017 o PED não mais previa a escolha dos dirigentes estaduais e nacionais de forma
direta, sendo um sistema híbrido, onde apenas as instâncias municipais eram
escolhidas diretamente. As críticas provenientes dos setores de esquerda sobre o
processo eleitoral relacionam-se com a dificuldade de representação de tendências
minoritárias no âmbito nacional, dado que o número de delegados no Congresso
Nacional passou de 800 para 600 em 201739, fazendo com que efetivamente seja
necessário um número maior de votos para eleger um delegado, o que acabaria sendo
revertido no ano de 2019. Em 2017 a DN chegou a anunciar um plebiscito para

39Os debates na imprensa do partido mostram alguns dos mecanismos que são alvos de críticas, como
o artigo do ex-deputado federal e dirigente partidário Gilney Viana: https://pt.org.br/gilney-viana-ped-o-
que-era-ruim-ficou-pior/
59

definição do futuro do PED no ano de 201940, mas a discussão sobre o formato da


consulta foi sendo postergada e ao final adiada para 2021 apenas41.

As pressões relativas aos métodos eleitorais sempre estiveram presentes de


alguma maneira, mas as recentes críticas podem estar relacionadas às crises
vivenciadas pelo partido na arena do governo com relação aos casos de corrupção da
Lava Jato e do aprofundamento de políticas liberais e perda do apoio parlamentar no
segundo governo Dilma, o que acaba inspirando objeções sobre a discricionariedade
e os mecanismos de responsividade e accountability da direção do partido e de seus
grupos políticos presentes no governo.

2.8 Conclusões parciais

O objetivo deste capítulo foi o de apresentar a trajetória do partido, desde sua


formação até a chegada ao governo federal. A fundação do PT balizou sua
conformação como um partido de massas, formado eminentemente pelas
reinvindicações sindicalistas e dos movimentos sociais pela democracia e por um
socialismo à la PT, rejeitando o autoritarismo de formulações ortodoxas bem como a
conivência da social-democracia com a burguesia e o capitalismo.

O sentido da evolução do caráter petista mostrou um arrefecimento dos


posicionamentos mais ideológicos à medida que o partido se deparava com a
necessidade de ganhar eleições e de governar, que fizeram tabus como a aliança de
classes paulatinamente ficarem para trás. É certo que a vitória em 2002 e o período
no governo acabaram por consolidar as mudanças pelas quais o partido passou até
então, e que foram o objetivo deste capítulo demonstrar.

É importante atentarmos para o fato de que as mudanças ensejadas não foram


resultado de um voluntarismo petista neste sentido. As condições institucionais, as
mudanças sociais e as de configuração da relação entre Estado e partidos políticos
são fatores preponderantes na transformação destes no sentido da perda de

40 Resoluções do 6° Congresso Nacional do PT. 2017. Disponível em: https://pt.org.br/wp-


content/uploads/2017/07/6-congresso-pt.pdf
41 Cf. a crítica da tendência minoritária Articulação de Esquerda sobre a questão:
https://www.pagina13.org.br/a-disputa-de-rumos-do-pt-em-2019/
60

capacidade de mobilizar suas bases, desideologização, alargamento das alianças,


profissionalização eleitoral, entre outros (HARMEL & JANDA, 1994; KATZ & MAIR,
1994, 1995; LIPSET & ROKKAN, 1992).

Tendo isso em mente há de se esclarecer que as mudanças ocorridas são


produto eminente da escolha da direção petista, houve vontade da direção e dos
agentes políticos petistas de transformar a organização. O que apontamos é a direção
desta mudança, que levaria o PT a conquistar finalmente a presidência em 2002. De
um partido formado heterogeneamente por movimentos sociais diversos, pautando
por um socialismo ainda indefinido, com um discurso classista, candidatos da classe
trabalhadora e um modo de participação altamente democrático e descentralizado nos
Núcleos de Base; passaria a ser uma organização de cunho profissional-eleitoral, com
candidatos da classe média, que faria as alianças necessárias para a vitória eleitoral,
e que teria uma direção centralizadora no intuito de fornecer a Lula a unidade
requerida no esforço eleitoral.

O sentido da caminhada, no entanto, não quer dizer que as características do


PT apontam para um caráter puramente eleitoreiro. Nominalmente o PT abarca ainda
tensões e disputas internas, sendo o PED um elemento balizador desta tensão. A
identificação partidária do PT ainda é a maior entre os partidos brasileiro e, ainda que
debilmente se comparado aos anos 1980, sua base tem instrumento de participação
que a grande maioria dos partidos brasileiros nunca tentou implementar.

Como vimos no capítulo 1, a trajetória dos partidos social-democratas tem o


mesmo sentido. De partidos com eminência de uma ação classista, geneticamente
ligados ao movimento proletário e rejeitando as alianças de classe, passam a cada
vez mais ter uma ação profissional-eleitoral. O compromisso com a democracia, como
vimos, é fator preponderante tanto para o PT quanto para os social-democratas
europeus. As disputas baseadas na manutenção de objetivos desmercantilizadores e
de igualdade social por um lado, e as concessões ideológicas com vistas ao poder de
outro, balizados por uma tensão purismo/pragmatismo, também estão vivamente
presentes na história do PT.

Também discutido no capítulo 1 foi a necessidade de avaliarmos não apenas a


trajetória do PT, para a consecução do objetivo deste trabalho, mas também o seu
61

“modo petista de governar”. No capítulo seguinte trataremos dos desafios do partido


no poder e seu projeto de governo tendo em vista satisfazer os requisitos necessários
para avaliarmos se o PT de fato pode ser considerado um partido social-democrata, e
não apenas um partido que tem trajetória similar à SD.
62

3. O GOVERNO PETISTA: O PROJETO DO PT PARA O BRASIL

As eleições de 2002 marcaram o PT e a nação. Parafraseando Lula, “nunca


antes na história deste país” um retirante do nordeste, que experimentara a fome,
“menino que vendia amendoim e laranja no cais de Santos” (SILVA, 2003), com pouca
educação formal e um curso de torneiro mecânico que o colocaria no chão de fábrica
e na luta sindical, seria eleito presidente do Brasil com mais de 52 milhões de votos.
A posse de uma genuína cria das classes subordinadas levou entre 120 e
200 mil pessoas de todas as partes do país à Esplanada dos Ministérios, numa
celebração organizada pelo publicitário da campanha petista, Duda Mendonça. No
tradicional discurso inaugural feito no Congresso, Lula daria ênfase à palavra
mudança. A erradicação da fome, a distribuição de renda, a soberania econômica e a
reforma agrária eram algumas dessas mudanças que Lula projetaria em sua fala,
ressalvando em vários momentos que seria um processo “gradativo e continuado, não
um simples ato de vontade, não um arroubo voluntarista. Mudança por meio do diálogo
e da negociação, sem atropelos ou precipitações, para que o resultado seja
consistente e duradouro.” (SILVA, 2003)
Lula sabia que era preciso, em alguma medida, negociar para governar e
aprovar tais mudanças. Os primeiros anos testariam a habilidade política do PT de
formar uma base de governo capaz de prover as mudanças almejadas, situação
inusitada por conta de, no plano federal, o PT ter sido sempre oposição. Logo em 2003
a reforma da previdência se tornaria um evento crítico em seu governo, alterando a
relação do partido com sua base, com outros partidos e com sua militância,
provocando inclusive um racha interno que daria luz ao PSOL, fundado em 2004.
Com o aliciamento do PMDB o primeiro governo Lula reteria certa
governabilidade, que seria abalada em seguida com as denúncias de corrupção do
“escândalo dos bingos”, do caso “valerioduto” e, eminentemente, no caso que ficou
conhecido como “mensalão”. Estes seriam episódios que teriam grande impacto no
partido no curto, médio e longo prazo. Apesar de um início conturbado o primeiro
governo petista da história teria aprovação de 37% e reprovação de 23% em abril do
ano eleitoral de 2006, onde Lula seria reeleito, terminando o ano com 52% de
aprovação e 14% de reprovação42.

42 Segundo pesquisa Datafolha


63

O segundo mandato de Lula proveria a consolidação dos maiores êxitos dos


petistas, como o sucesso do Programa Bolsa Família (PBF), a melhoria significativa
dos indicadores sociais, retirada dos primeiros barris de petróleo do Pré-sal e ótimo
desempenho econômico, que seria apenas afetado, de forma breve, pela crise
financeira de 2008. O PT consolidaria sua maneira de governar tendo vários partidos
em uma base ideologicamente heterogênea. Lula então encerraria o serviço
presidencial em 2010 com 87% de aprovação pessoal, sendo o seu governo bem
avaliado por 80%43, ambos recordes históricos.
A candidata governista em 2010 seria então a economista Dilma Rousseff,
Ex-ministra de Minas e Energia no início do governo Lula e, a partir de 2005, Ministra
Chefe da Casa Civil, onde auxiliou a elaborar o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC). Dilma era vista como uma figura mais técnica que política, o que
não impediu sua vitória eleitoral com 56% dos votos válidos no segundo turno, contra
o peessedebista José Serra. Embora representasse a continuidade do projeto petista
e do governo Lula, sua habilidade política não estava a par da de seu antecessor.
Houve constantes trocas ministeriais tanto por conta de mudanças na base de
governo quanto por denúncias de corrupção envolvendo os ministros.
A partir de 2013 sua aprovação cai drasticamente, certamente influenciada
pelas manifestações que ficaram conhecidas como as “Jornadas de Junho”, passando
de 63% com 7% de reprovação em março, a 31% para ambos em julho44. A aprovação
de Dilma se recuperaria a tempo de sua segunda vitória nas disputadíssimas eleições
de 2014, onde um novo fenômeno que teria imenso impacto no sistema político fica
explícito - o antipetismo.
O segundo governo de Dilma veria o degringolar do desempenho econômico
brasileiro bem como das contas públicas, o que arrastaria seu governo para baixo em
conjunto com as revelações do esquema da Lava Jato. A reprovação ao governo
atingiria o então recorde histórico, superado depois por Michel Temer, com 71% de
reprovação e apenas 8% de aprovação em agosto de 201545.
A composição ministerial logo no início do segundo governo, com a indicação
do ortodoxo Joaquim Levy, bem como os cortes em áreas sociais, faria com que
muitos apontassem um “estelionato eleitoral”, por contrariar em grande medida o tom

43 Segundo pesquisa Ibope


44 Ibope
45 Datafolha
64

de sua campanha e as pautas históricas do PT. A derrota na indicação de Arlindo


Chinaglia (PT) à presidência da Câmara, que ficaria a cargo de Eduardo Cunha
(PMDB), em conjunto com os fatos supracitados, eram o prenúncio de uma grave crise
política que culminaria num controverso e disputado processo de impeachment que
condenaria Dilma por crime de responsabilidade fiscal em 31 de agosto de 2016.
O fim traumático da era petista no governo não seria a única tragédia
anunciada. Lula, então pré-candidato à presidência pela 6° vez, seria preso em 7 de
abril de 2018, num controverso processo fruto da Lava Jato e encabeçado pelo juiz
federal de primeira instância Sérgio Moro, que posteriormente serviria como ministro
da justiça do candidato vencedor Jair Bolsonaro. A narrativa petista era de que houve
uma injusta prisão de Lula com vistas a impedi-lo de concorrer às eleições. Lula seria
solto em 2019 após a decisão do STF sobre o tema da prisão em segunda instância.
Este breve histórico visa dispor de maneira muito resumida a trajetória petista
após assumir o governo em 2003. Neste capítulo seguiremos uma estratégia diferente
do apresentado no capítulo 2. Ao invés de nos pautar por uma linearidade histórica,
empreenderemos a disposição através de duas áreas chave que nos auxiliarão a
analisar se a governação petista é social-democrata ou não. A disposição das seções
é a seguinte: Governo, Política e Sociedade e; Governo e Economia.
A seção Governo, Política e Sociedade tratará do governo petista nos
aspectos concernentes à sua visão da relação que deve ter a sociedade com o Estado,
onde serão analisadas as ações do governo perante as organizações sociais, como o
PT tratou de governar em meio ao arranjo institucional brasileiro, a evolução de sua
disposição no sistema político e as relações com os grupos políticos existentes. Na
seção Governo e Economia discorremos sobre o papel que o governo deu ao Estado
na condução econômica do país, da forma, mecanismos e finalidades do crescimento.
O arranjo proposto para este capítulo visa a melhor adequação de sua forma
para com seu objetivo nesta dissertação, tanto em termos de inteligibilidade quanto
em termos metodológicos. Objetivamos demonstrar o caráter geral do projeto político,
social e econômico do PT enquanto esteve no poder, com vistas a conceber se uma
ideologia social-democrata esteve presente no ideal de governação petista.
Demonstraremos como as aparentes contradições observadas durante o período
petista são fruto de um equilíbrio entre a consecução do ideário petista através das
ações governamentais e a manutenção do compromisso e alianças feitas com as
elites financeiras e políticas resguardando a governabilidade
65

3.1 Governo, Política e Sociedade

O governo do PT seria invariavelmente uma novidade na política brasileira.


Como apontam Samuels (2008) e Amaral (2010b), em relação aos seus antecessores,
o PT é uma novidade pois conta com uma vida intrapartidária agitada, é
institucionalizado, coeso, contém frações ativas no seu interior, além de uma militância
e capacidade de mobilização presentes. Naturalmente ele se defrontaria com um
desafio enorme e inédito frente à institucionalidade brasileira. O federalismo
descentralizador (ABRUCIO, 2005) e o pluripartidarismo combinado à eleições
proporcionais ao legislativo, dando origem a uma crescente fragmentação no
congresso e a um trabalhoso ‘presidencialismo de coalizão’ (ABRANCHES, 1988)
testariam a capacidade política de Lula para articular governabilidade e consecução
do projeto petista sobre o fino equilíbrio das forças intrapartidárias e interpartidárias.
Samuels (2008) sugere que, dentro de um espectro de mecanismos de
governabilidade que vai do clientelismo ‘no varejo’ (AMES, 2003) à concertação ‘no
atacado’ através de estáveis coalizões que dividem as benesses do governo
(FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999), o PT preferiu seguir um caminho diferente no início.
A coligação petista de 2002 sairia das eleições com cerca de 1/4 das cadeiras na
Câmara e precisaria, portanto, arregimentar mais apoio para ter uma base suscetível
de aprovar as medidas presidenciais. Um parceiro óbvio seria o PMDB, que contava
com 76 deputados (14,8% das cadeiras) e não fazia parte da oposição natural do
governo anterior (PFL com 84 [16,4%] e PSDB com 70 [13,6%]). Lula acabaria
compondo com partidos menores, totalizando 11 partidos na coalizão e 253 deputados
(49,3%), constituindo uma base insuficiente, dado que num primeiro momento a
negociação com o PMDB teria resistências tanto de Lula quanto de parte dos
peemedebistas. Ao longo de 2003, no entanto, ocorreria o acerto com ao menos parte
do PMDB, o PP e a migração de deputados em partidos de oposição para siglas
governistas, garantindo maioria para aprovação de emendas constitucionais, que
necessitam de 3/5 do Congresso (MELO & ANASTASIA, 2005).
Esta base seria primordial para a aprovação da reforma da previdência que
o governo apresentaria naquele ano e que, contraditoriamente, apresentava vários
elementos da reforma proposta por FHC em 1995 e que o PT rechaçaria na época.
Tal posicionamento colocaria o PT mais ao centro na correlação de forças políticas, e
66

acabaria causando a saída de parlamentares descontentes, grande parte destes os


fundadores do PSOL em 2004 (FREITAS, 2018).
Ainda que o acerto com os partidos da coalizão garantisse maioria para o
governo, haveria um incomodo pendente por conta de um desequilíbrio na atribuição
dos ministérios. O PT ocuparia a maioria dos ministérios, num esforço de cooptação
das forças intrapartidárias, o que por um lado garantia a estabilidade partidária, mas
por outro gerava descontentamento nos partidos aliados (AMORIM NETO, 2007;
RIBEIRO, 2008).
A predominância petista nos ministérios, que são a principal moeda de troca
para os partidos coligados, acabou gerando uma fragilidade no governo, que seria
contornada pela estratégia ‘varejista’ de negociação com os parlamentares. A
precariedade da coalizão e a adoção de métodos de negociação individuais sujeitaram
o governo às práticas de corrupção que irromperam já no primeiro mandato de Lula,
como o ‘escândalo dos correios’ e o ‘mensalão’, sujando o histórico do partido que era
conhecido pela então ‘imunidade’ a tais práticas (SAMUELS, 2008). O escândalo do
mensalão teria grande impacto no interior do PT, que veria esta discussão influenciar
a dinâmica interna do partido.
Dada a gênese do partido, no entanto, houve um entendimento de que as
lideranças partidárias deveriam ser mais responsivas à base partidária, consenso que
foi alcançado graças aos mecanismos de participação característicos do PT. Estes
mecanismos são herança genética do partido, que sempre foi balizado pela premência
da democracia. Este fator guiou também o entendimento do PT sobre a função do
Estado e de suas instituições em relação ao povo.
Nesse campo destacamos dois aspectos que caracterizaram a gestão
petista, o primeiro é o entendimento de que o Estado é o responsável maior por
garantir o bem-estar social e os direitos sociais previstos na Constituição, fazendo
desse entendimento um eixo central de sua gestão; e de que as políticas públicas
devem ser construídas junto à sociedade civil, garantindo sua participação nos meios
institucionais. Estes dois aspectos não são triviais.
Os preceitos neoliberais de Estado mínimo, característicos dos governos
anteriores, nos anos 1990, partiam do pressuposto de autorregulação não apenas da
economia, mas também da sociedade. Nesse contexto o terceiro setor seria a nova
forma de participação da sociedade civil, eminentemente as ONGs seriam os órgãos
operadores desta participação e acabariam por substituir o Estado na área de
67

prestação de serviços sociais (DAGNINO, 2004). O projeto petista repudiava tal


entendimento, colocando como papel do Estado a consecução de políticas sociais e
a garantia da prestação pública destes serviços.
Durante os anos 1980 a sociedade civil, e de forma acentuada e inédita os
grupos e indivíduos das classes mais baixas, começaram um processo de maior
mobilização e engajamento políticos, demandando maior participação no processo
decisório (AVRITZER, 2000). O PT, considerando sua ligação com vários destes
movimentos e sua posição histórica, acabou sendo pioneiro na experiência de
implantação de mecanismos de governação popular, caso do Orçamento Participativo
(OP), sendo Porto Alegre o locus de implementação bem sucedida e de referência
deste instrumento ainda em 1989 na gestão petista de Olívio Dutra (SANTOS, 1998).
O PT dispunha de certo know-how no tocante à inclusão da sociedade civil
no processo decisório da administração pública, tendo sido o OP marca registrada da
gestão municipal petista nos anos 1990, ainda que com variados níveis de sucesso
(AVRITZER, 2008; WAMPLER, 2008). A implementação de mecanismos de tal
natureza, no entanto, constituem-se grande desafio quando se trata do governo
federal, tanto pela dimensão de suas políticas, quanto pela dificuldade de
coordenação entre os diferentes entes federativos em diferentes contextos regionais
e locais. Logo em 2003 a gestão tratou de criar, reestruturar e ampliar alguns
organismos que objetivavam a participação da sociedade nos diferentes temas
públicos.
Dentre eles, ganham destaque os conselhos de Política e as
conferências que atuam nos três níveis da federação e nas diferentes
políticas públicas, assim como as ouvidorias públicas, as mesas de
negociação e os fóruns consultivos. O incetivo à criação e à reformulação
destes espaços é indicativo da disposição do atual governo em dialogar com
as OSCs [organizações da sociedade civil]. (FARIA, p.193-194, 2010)

Os conselhos são espaços onde representantes, eleitos pela sociedade em


fóruns próprios, discutem as diretrizes e a aplicação dos recursos em temas como
educação, direitos humanos e segurança alimentar. Os conselhos tem poder
deliberativo sendo a representação paritária entre governo e os representantes,
constituindo importante espaço de interlocução do Estado com a sociedade. As
conferências tem o mesmo mecanismo, mas são apenas consultivos e possuem
natureza mais geral, servindo para a indicação das diretrizes básicas dos programas
a serem discutidos.
68

Ambos os mecanismos possibilitaram a participação institucional da


sociedade na elaboração de importantes políticas do governo, como o PBF, o PAC e
a transposição do Rio São Francisco. Ainda que mostrassem diferentes níveis de
inclusão dos agentes da sociedade frente aos do governo a depender do tema, a
implementação de tais dispositivos certamente mostra a vontade do governo petista
de descentralizar e prover controle das políticas em benefício da sociedade (FARIA,
2010). A descentralização e inclusão da sociedade no processo decisório esteve
fortemente presente na pauta petista e na sua visão de democracia que, como vimos
no capítulo anterior, foi fonte de preocupação a ponto da organização do partido ter
sido sujeita a esse tipo de democratização, ainda que com o passar do tempo os
mecanismo de participação da base tenham enfraquecido.
Talvez mais marcante não tenha sido essa forma de governação petista, mas
o conteúdo das políticas sociais, fruto da visão petista sobre o papel do Estado na
sociedade. A questão da pobreza sempre foi objeto de preocupação dos programas
petistas e das forças políticas que formaram o partido. Previsto no programa de
governo de 2002, o Projeto Fome Zero46 foi implementado logo em 2003 como
Programa Fome Zero, que previa não apenas garantir a segurança alimentar das
famílias mais pobres através de políticas específicas como melhoria da merenda
escolar e distribuição de cestas básicas emergenciais, mas também através de
políticas estruturais, visando o crédito rural para agricultura familiar, obras de irrigação
e cisternas nas regiões áridas.
Esse holismo no tratamento da miséria, tratando não apenas os efeitos mas
também suas causas, marca a posição petista contrária a um entendimento neoliberal,
já que envolve a intervenção em áreas de natureza econômica. O Fome Zero e suas
políticas seriam incorporados ao Programa Bolsa Família posteriormente. A instituição
de políticas como o Programa Luz Para Todos, o Programa Minha Casa Minha Vida,
o Programa Mais Médicos, o Programa Farmácia Popular, a instituição de cotas raciais
e de escola pública nas universidades, o estabelecimento do ENEM como método
comum de acesso às universidades federais e o próprio Fome Zero e Bolsa Família
tiveram o sentido de incluir a população brasileira, nos vários níveis de marginalização

46 Descrito no programa do PT para as eleições de 2002 (p.43). Disponível em:


https://www1.uol.com.br/fernandorodrigues/arquivos/eleicoes02/plano2002-lula.pdf
69

social, ao acesso dos seus direitos sociais de moradia, saúde, educação e renda
através da intervenção direta do Estado nestas áreas.
A inclusão e democratização destes direitos não se deu sem contradições.
Druck (2006) e Bruera (2013) apontam para a cooptação dos movimentos sociais que
eram mais próximos ao PT através do acesso ao governo, o que aconteceu também
com os sindicatos, especialmente a CUT. Essa cooptação fazia com que houvesse
certo arrefecimento das demandas destas organizações, bem como seu controle por
parte do governo através de agentes que os dirigiam.
Outra contradição pode ser percebida ao ponderarmos que, ainda que o
governo tivesse uma conduta ativa na resolução dos problemas sociais derivados da
desigualdade social brasileira, o que caracterizou uma mudança significativa da ação
do Estado se comparado aos governos anteriores, o PT enquanto governo não atacou
com a mesma intensidade as causas mais estruturais dessa desigualdade, como o
sistema tributário regressivo. Retomaremos esta questão na seção seguinte, por ora
cabe dizer que as políticas sociais acabaram promovendo uma conexão da camada
mais pobre da população com a imagem de Lula, não por acaso um indivíduo
proveniente desta mesma classe social (SINGER, 2009).
O bom desempenho de Lula acabou por mitigar os efeitos das pressões das
elites políticas e econômicas, particularmente da mídia, sobre os escândalos de
corrupção. O bom desempenho do governo, em conjunto com o entendimento
intrapartidário de que era preciso flexibilizar o gerenciamento dos ativos governistas
em prol de uma coalizão mais ampla e mais consistente, acabou auxiliando na
heterogeneização da base aliada ao mesmo tempo que permitiu ao final do governo
Lula e início do governo Dilma, o aprofundamento das políticas sociais e uma inflexão
desenvolvimentista na área da economia.
O peemedebista Michel Temer seria vice de Dilma na chapa petista de 2010,
o acordo seria fruto do consenso intrapartidário de que era necessária maior robustez
na eventual coalizão governista e no reconhecimento do erro de não ter abarcado o
PMDB logo no início do governo Lula (AMARAL, 2010b). Contando com uma
aprovação recorde no final de seu governo, Lula efetivou sua sucessão através de
Dilma num segundo turno contra o tucano José Serra.
Dilma, logo no primeiro ano, se deparou com a queda de 6 ministros
envolvidos em casos de corrupção. Esta adversidade, no entanto, viria num momento
de ciclo centrípeto das forças políticas (ABRANCHES, 2014) onde o desempenho
70

econômico e a avaliação do governo eram favoráveis e acabaram possibilitando a


construção de outras alianças. Exemplo desta situação é que o governo conseguiu
ampliar sua base atraindo a bancada evangélica (PEREIRA, 2018), tendo o ex-bispo
da IURD, Marcelo Crivella (PRB), chefiado o ministério da pesca entre 2012 e 2014,
ainda que esta aliança com um estrato claramente conservador da política brasileira
tenha colocado a governação petista cada vez mais numa posição ideologicamente
diluída.
Ao final do primeiro governo Dilma, no entanto, cresceria uma indisposição
das elites para com o governo, fruto da flexibilização da ortodoxia econômica então
vigente num momento de desaceleração econômica (SINGER, 2015; IANONI, 2016).
Contribuiu para esse cenário a revelação dos casos de corrupção na Petrobras, após
a deflagração da operação Lava Jato em 2014, que envolveu diversos apoiadores dos
governos petistas, bem como figuras importantes do próprio PT, incluindo o próprio
ex-presidente Lula envolvido em supostos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção
passiva.
As eleições de 2014 viram um crescente sentimento antipetista que os
candidatos desafiantes buscavam encarnar. A vitória de Dilma sobre Aécio Neves
(PSDB) no segundo turno, por uma diferença de 3,28 pontos percentuais, foi a mais
apertada no período pós-1988. Apesar das adversidades, a vitória de Dilma foi
possível graças a uma base eleitoral petista construída desde 2003 no nordeste, ainda
que não constituísse significância sob cortes de classe sugerindo que a indisposição
das elites políticas e econômicas não havia afetado de maneira decisiva o eleitorado
até então, que se pautava significativamente pela preferência partidária e pela
avaliação do desempenho do governo (AMARAL & RIBEIRO, 2015).
No segundo mandato de Dilma o aparente compromisso petista com as
forças políticas da elite se esvai completamente. O antipetismo cresceria ainda mais
na esteira das sucessivas denúncias de corrupção provenientes da Lava Jato, da
representação eminentemente negativa e diária sobre o PT na grande mídia e da
desaceleração econômica e deterioração das contas públicas (SINGER, 2015;
AZEVEDO, 2016; IANONI, 2016).
Pereira (2017) demonstra que os dois governos de Dilma apresentaram
simultaneamente um aumento da participação do Executivo nas proposições
legislativas e um decréscimo na taxa de sucesso destas iniciativas, esse movimento
acompanhou o de redução da disciplina dos partidos da base aliada, se comparado
71

aos governos FHC e Lula. Há também um aumento no número de trocas de ministros


e redução considerável do tempo médio de permanência de cada ministro, sugerindo
uma desarticulação política com os aliados, dificultado pela crescente fragmentação
partidária no Congresso. Em uma interessante abordagem que busca elementos
explicativos fora da tradicional análise institucionalista, a autora aponta para o perfil e
a capacidade de governança política da presidência como fatores explicativos da
performance do executivo. Cabe lembrar o episódio da tentativa do PT de emplacar
Arlindo Chinaglia como presidente da Câmara dos Deputados em 2015, concorrendo
com o deputado Eduardo Cunha do PMDB, partido do vice de Dilma e aliado
imprescindível dos governos petistas até então, sendo o vencedor Cunha
posteriormente o responsável pela autorização da abertura do processo de
impeachment de Dilma.
A crise política e o impeachment de Dilma parecem ter, portanto, lastro em
duas questões mais gerais que sugerem um ciclo centrífugo no segundo governo de
Dilma (ABRANCHES, 2014): a) a queda da performance do governo na área
econômica, que começaria a afetar a avaliação de seu governo por parte da
população; e b) a indisposição das elites, tanto na área econômica por conta do
aparente aprofundamento da heterodoxia na economia, quanto política por conta das
dificuldades da presidência de gerir sua base de apoio. Complementemos estas
questões com as da seção seguinte.

3.2 Economia e Estado

O PT assumiu a presidência sob suspeita do mercado, ainda que a Carta ao


Povo Brasileiro tivesse sinalizado que não haveria ruptura do sistema vigente e que
Lula manteria a política de responsabilidade fiscal. Logo nos primeiros anos de
governo fica evidente o compromisso com o tripé macroeconômico, o que geraria uma
contradição, já que fica também evidente que o Estado passaria a ter um papel
fundamental na distribuição de renda, geração de empregos e combate à pobreza
através de intervenções heterodoxas. Essa situação deu origem a críticas de que o
PT havia se tornado neoliberal de um lado, e que seria um governo assistencialista e
irresponsável com as finanças públicas de outro. A manutenção do tripé
macroeconômico, que foi duramente criticado pelo próprio PT na data de sua
implantação em 1999, é uma peça eminente do projeto petista de manutenção da
72

estrutura ortodoxa. Veremos, no entanto, que a própria contradição supracitada


confere não uma “neoliberalização” do PT, mas sim é fruto de um cálculo político com
vistas à consecução das políticas de interesse do governo.
O tripé macroeconômico neoliberal, criado no governo FHC, pressupunha a
geração de superávit primário para pagamento da dívida pública, a flutuação
independente da taxa de câmbio e metas de inflação, subordinando o crescimento
econômico à estabilidade financeira e monetária nestes termos (BRESSER-
PEREIRA, 2013). De início foi dada a presidência do Banco Central ao liberal Henrique
Meirelles, ex-presidente do BankBoston. Como reação ao aumento da inflação no
início do governo os juros aumentariam, chegando a 28% a.a., evidenciando o
compromisso à estabilidade financeira e acalmando a elite financeira.

Gráfico 1. – Taxa Selic no 1° ano Lula

Taxa Selic (out-2002 a dez-2003)


29
27
28,0
25 26,4 26,4
% a.a.

23 24,3 24,9 24,8


23,0 23,6 23,4
21
21,7 22,1 21,6
19
20,1
17
15 17,3 17,7

Elaboração própria. Dados: Banco Central

Ainda que operando sob uma estrutura macroeconômica restritiva, os


governos petistas apresentaram relativo sucesso na economia até meados do 1°
governo Dilma. O bom desempenho econômico, sobretudo no segundo governo Lula,
teve como causa uma série de fatores internos e externos. No plano interno houve
clara intenção do governo de promover a demanda através do consumo, por meio de
uma política de aumento real do salário mínimo, de políticas de crédito, dos programas
de transferência de renda e de investimentos em infraestrutura que, em conjunto,
acabaram alargando o mercado interno e reduzindo o desemprego. Tal política tem o
mérito de exitosamente articular o crescimento da demanda agregada e a distribuição
de renda (TEIXEIRA & PINTO, 2012; BIANCARELLI, 2014; IANONI, 2016).
73

O desempenho econômico sustentado pela expansão do mercado interno foi


possível graças a um cenário internacional favorável. A liquidez internacional, isto é,
a alta oferta dólares, produziu uma sobrevalorização do câmbio brasileiro, o que
acabou segurando as taxas de inflação e proporcionou crescimento do setor de
comércio e serviços a par do acesso a produtos importados. No entanto isso
demandou que o Banco Central mantivesse as altas taxas de juros para atrair recursos
usados para equilibrar as contas com o exterior.
Gráfico 2. – Câmbio brasileiro nos governos petistas

Evolução do câmbio (2003 - 2016)


4,5
Câmbio nominal (R$)

4
3,5
3
2,5
2
1,5
2008.01

2010.07
2003.01
2003.06
2003.11
2004.04
2004.09
2005.02
2005.07
2005.12
2006.05
2006.10
2007.03
2007.08

2008.06
2008.11
2009.04
2009.09
2010.02

2010.12
2011.05
2011.10
2012.03
2012.08
2013.01
2013.06
2013.11
2014.04
2014.09
2015.02
2015.07
2015.12
Elaboração própria. Dados: IPEA
O câmbio brasileiro voltaria a se depreciar após a crise financeira de 2008 e,
com um cenário internacional desfavorável e o aprofundamento da política heterodoxa
através de intervenções anticíclicas, de modo paulatino a partir de 2011. O câmbio
valorizado e a taxa de juros elevada, portanto, contribuíram para o controle da inflação
e para a manutenção do equilíbrio fiscal num momento em que a demanda interna e
a importação aumentavam. Outro fator externo imprescindível que favoreceu o
desempenho econômico, durante os governos de Lula, foi a alta no preço das
commodities. Com as divisas geradas a partir das exportações dessas matérias
primas, o Brasil pôde pagar pelo desequilíbrio na balança comercial.
Por conta da manutenção da estrutura macroeconômica legada dos anos
1990, alguns críticos atribuem aos governos petistas um projeto neoliberal
(MACHADO, 2009; MACIEL, 2010), enquanto outros, por conta das políticas sociais,
que tem impacto econômico eminente, atribuíram aos governos petistas um prejudicial
assistencialismo e um novo populismo (MARQUES & MENDES, 2006; PINHEIRO &
GIAMBIAGI, 2006).
74

Uma interpretação mais completa defende que houve uma aplicação do


modelo novo-desenvolvimentista sob uma estrutura macroeconômica neoliberal
(MORAIS & SAAD-FILHO, 2011; SINGER, 2015; IANONI, 2016). Essa hibridização
da política econômica foi responsável pelo bom desempenho e pela estabilidade da
economia. O novo-desenvolvimentismo pressupõe o papel do Estado como
gerenciador e planejador da economia, mas não como substituto do mercado. O papel
do Estado sob a ótica novo-desenvolvimentista, especialmente numa economia
emergente, é o de garantir a estabilidade financeira e fiscal, investir em áreas
estratégicas, adotar políticas de crescimento do mercado interno e da distribuição de
renda pari passu o aumento da produtividade, que se daria através do investimento
em tecnologia e capacitação da mão de obra (BRESSER-PEREIRA, 2006 ;SICSÚ et
al., 2007).
O equilíbrio na articulação de um modelo heterodoxo de desenvolvimento
econômico, o novo-desenvolvimentismo, com um framework de estabilidade
macroeconômica ortodoxa, o tripé neoliberal, variou ao longo dos governos, tendo o
início e o final da era petista um cunho mais liberal e o meio mais desenvolvimentista.
Num primeiro momento o recém empossado governo trabalhou com uma equipe de
cunho mais ortodoxa, a exemplo do apontamento de Antônio Palocci para o Ministério
da Fazenda. Com a inflação perto dos 10% em 2003, era preciso, na visão do governo,
estabilizar a economia para então colocar em prática, de forma mais aguda, o projeto
de desenvolvimento com distribuição de renda.
O primeiro período presidencial de Luis Inácio Lula da Silva –
procurou, como relata Mercadante (2010, p. 35), “controlar a inflação [...],
recuperar os fundamentos macroeconômicos e superar as fragilidades
estruturais que ainda acometiam a nossa economia para, em seguida,
concentrar-se mais no lançamento das bases de seu projeto de retomada do
desenvolvimento” (FAÉ et al., p.12, 2016; citando MERCADANTE, 2010).

A partir de 2006 ocorre uma inflexão de maior intervenção estatal,


premeditada pela troca de Palocci pelo heterodoxo Guido Mantega na condução da
economia. Essa mudança é notória quando se analisa, por exemplo, a participação
do Estado na composição do PIB brasileiro através dos gastos em investimentos
públicos (gráfico 3).

Um dos projetos mais importantes dessa guinada desenvolvimentista foi o PAC


– Programa de Aceleração do Crescimento. O PAC, instituído em 2007 através da
medida provisória n° 387/2007 e pela lei n° 11.578/2007, previa o planejamento e
75

execução de grandes obras de infraestrutura, além da desoneração e incentivo de


investimentos privados nessa área. No lançamento do PAC o presidente Lula afirmou:

Queremos continuar crescendo de maneira correta, porém, de forma


mais acelerada. Crescer de forma correta é crescer diminuindo as
desigualdades entre as pessoas e entre as regiões, é crescer distribuindo
renda, conhecimento e qualidade de vida. [...] O mais importante, e o
lançamento do PAC é uma demonstração disso, é que as
condições fiscais permitem o aumento do investimento do
governo federal sem comprometer a estabilidade. (SILVA, sem
paginação, 2007)

Este discurso explicita a proposição do PT de realizar o crescimento


econômico a par da distribuição de renda, dado que o cenário de estabilidade
econômica esteja presente.

Gráfico 3. – Participação dos Investimento Públicos na composição do PIB

Investimentos Públicos
5,00 4,56
4,50 4,02 3,96 4,06 3,95
4,00 3,75
3,52
3,50 3,25
2,91 2,84 2,85
% PIB

3,00 2,59 2,60 2,62


2,50
2,00
1,50
1,00
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Elaboração própria. Dados: IBGE

Ainda que os programas de transferência de renda e combate à pobreza


sejam eminentes realizações do PT, houve também uma clara intenção de intervir na
relação trabalho/capital. As políticas de capacitação de mão de obra e investimentos
em educação e pesquisa foram pautadas por programas como o PRONATEC,
PROUNI, REUNI, reformulação do FIES e pela construção e ampliação das
universidades federais e institutos federais. A democratização do acesso ao ensino
superior e à capacitação técnica, aspecto catalisado pela adoção do sistema de cotas
e pela universalização do ingresso através do ENEM, contribuíram também para a
76

possibilidade de ascensão social das classes mais baixas. (PEREIRA & CARVALHO,
2014).
É notório que essa expansão tenha se dado de forma mais aguda através das
instituições de ensino superior privadas. Ainda que o número de ingressantes em
instituições públicas tenha passado de 321 mil em 2003 para 505 mil em 2016, a
expansão do acesso ao ensino superior foi pautada pela mercantilização da educação
superior, através de grandes incentivos fiscais e concessão de financiamentos a juros
baixos nas IES privadas. A expansão das IES privadas ocorre desde o governo FHC,
mas tornou-se estratégica na gestão petista pela capilaridade e potencial de
interiorização do ensino superior no Brasil (AGUIAR, 2016), bem como a pressão das
instituições privadas através da bancada da educação no congresso (DIAP, 2017),
ainda que esta seja uma questão a ser pesquisada mais profundamente.

Gráfico 4. – Ingressantes em cursos de graduação de ensino superior.

Ingressantes em cursos de graduação


2.500.000

2.000.000

1.500.000

1.000.000

500.000

-
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Total Pública Privada

Elaboração própria. Dados: INEP

Estas políticas conjugam a melhoria dos rendimentos dos trabalhadores com


o fornecimento do serviço qualificado para as ocupações demandadas pela economia
moderna. Este cenário acaba não somente atraindo investimentos em busca dessa
qualificação, mas também contribuindo para o desempenho econômico do país e
aumento da renda média (GREMAUD, et al, 2009). Segundo Ianoni (2016) a coalizão
formada por Lula em 2002 era formada pelos setores descontentes com as políticas
neoliberais dos anos 1980 e 1990. Além dos setores populares que sofrem com as
77

políticas restritivas da ortodoxia neoliberal, e que já apoiavam o PT. Lula conseguiu


trazer parte dos industriais para sua coalizão, representados pelo seu vice, José
Alencar, industrial do ramo têxtil.
O descontentamento do setor produtivo se dava pelo fato de que a política
econômica restritiva dos ortodoxos impedia tanto o investimento, por conta da taxa de
juros elevada, quanto pela supressão do consumo das famílias. No governo da
coalizão ‘social-desenvolvimentista’, como Ianoni se refere, ainda que as taxas de
juros fossem relativamente elevadas elas haviam reduzido, e o poder de consumo do
mercado interno havia se restaurado. Nesse sentido as políticas de capacitação da
mão de obra proviam, ao mesmo tempo, a catalisação do aumento de renda dos
potenciais consumidores e o provimento de um contingente maior de especialistas
para a área produtiva.
Com as contas equilibradas o segundo governo Lula planejou o
aprofundamento da estratégia de estimular o crescimento da economia através do
crescimento da demanda agregada. Para isso era necessário aumentar os
investimentos públicos, estimulando a economia pelo lado da demanda, bem como
controlar as variáveis macroeconômicas visando estimular o investimento privado
através do lado da oferta, principalmente por meio da política cambial, que impacta
tanto na compra de máquinas e insumos para a indústria, quanto nas suas
exportações. Assim ocorreu uma ‘flexibilização’ do tripé macroeconômico.

Em síntese, a flexibilização do tripé implicou nas seguintes


alterações: a política monetária deixou de perseguir as metas declinantes de
inflação, tendo sido substituída pela perspectiva de estabilidade da taxa de
variação do índice de preços; o objetivo da política fiscal teria sido estabilizar
a relação dívida/PIB no médio e longo prazo e aumentar o investimento
público, implicando em redução da meta de superávit primário; por fim, a
política cambial passaria a visar a estabilidade da taxa real de câmbio.
(IANONI, 2016, p.153)

Dilma assumiria em 2011 com um projeto de acirramento do caráter


desenvolvimentista dos governos petistas. Emblemático foi a política de queda dos
juros. Com a troca de Henrique Meirelles por Alexandre Tombini o Banco Central
lançaria mão de quedas sucessivas na taxa Selic, que não foram de imediato
acompanhados pela queda dos juros ao consumidor por parte dos bancos privados.
Em 2012 o governo começa a forçar a queda de juros no mercado para o comércio,
agricultura e indústria através da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e do
BNDES.
78

Segundo Singer (2016), além de forçar a queda de juros, havia um claro tom
de embate nos discursos da equipe econômica frente à resistência do setor financeiro,
apoiado pelas pressões feitas pela grande mídia, o que desencadeou uma guerra
ideológica e uma oposição aberta à condução econômica do governo por parte de
uma ‘frente única burguesa’, que contava não apenas com o setor financeiro, mas
também com parte do setor produtivo que, numa economia moderna, guarda não
somente pautas comuns com o setor rentista, como desregulamentação das leis
trabalhistas e pressão negativa sobre a valorização dos salários, mas também estão
cada vez mais imbricados com atividades financeiras, vide a abertura de linhas de
crédito e pagamentos parcelados com juros bancados por braços financeiros das
próprias empresas varejistas e industriais.
No segundo governo de Dilma, quando havia um claro desequilíbrio dos
indicadores fiscais e econômicos, a resposta foi uma inclinação liberal, assim como
ocorreu no início do Governo Lula, também indicando uma tentativa de responder às
pressões das elites econômicas. Com a nomeação de Joaquim Levy ao Ministério da
Fazenda, o governo tratou de reduzir gastos para equilibrar a situação fiscal. Em 2015
foram tomadas medidas como o fim de incentivos fiscais, a restrição no acesso ao
seguro-desemprego e o estabelecimento de regras que dificultavam o acesso à
aposentadoria e a outros benefícios do INSS.
Assim como ocorreu com os governos social-democratas europeus a partir
do final dos anos 1970, o PT se viu obrigado a garantir a estabilidade econômica em
detrimento do avanço nas pautas de distribuição de renda e de seguridade social.
Pesou, tanto para os social-democratas europeus décadas atrás quanto para o PT, a
ineficácia de uma economia política demasiada intervencionista num cenário de
flexibilização do modelo capitalista, a globalização e financeirização da economia
moderna, e também por conta do compromisso assumido com as elites, no caso
petista eminentemente as elites financeiras, que tem como base de seu negócio a
capacidade de atrair investimentos e de produzir dividendos junto ao Estado, daí a
necessidade da estabilidade fiscal e monetária.

Se nos momentos de crise o compromisso de governabilidade cobrou seus


passivos, nos momentos em que haviam as condições adequadas o PT pôde
aprofundar seu projeto genuíno, de distribuição de renda, mitigação da pobreza, e
ação estratégica na economia. Há de se julgar se não haviam condições para uma
79

mudança na natureza regressiva do sistema tributário brasileiro, questão premente na


história das pautas petistas. O fato é que esta, que era também uma questão magna
na governação social-democrata europeia, acabou sendo relegada ao abandono nas
gestões petistas. Lula afirmou ter tentado por em pauta uma reforma tributária, o
problema se daria na articulação com os entes federativos segundo ele47. Mas
podemos pressupor que também com as elites econômicas e com o Congresso,
embora não dispomos de informações suficientes para avaliar esta questão, pois
“julgar até que ponto as mãos de políticos social-democratas relutantes foram
forçadas por circunstâncias fora de seu controle é uma arte.” (PIERSON, 2005, p.4 –
tradução própria48).

Há de se considerar, no entanto, a alta capacidade do PT e de Lula de colocar


na agenda política nacional as questões de seu interesse, bem como a necessidade
de se travar disputas no campo cultural hegemônico e, se não havia condições de
implementar uma reforma tributária progressista, havia condições de colocá-la em
discussão. O fato do PT não ter empreendido mais esforços na tentativa de empurrar
a hegemonia cultural na direção de um consenso que a estrutura tributária brasileira
era/é injusta e ineficaz social e economicamente, e de era/é preciso reformá-la, acaba
colocando o PT numa posição de omissão grave frente aos princípios social-
democratas, tamanho é a importância da tributação progressiva e justa socialmente
para os social-democratas e para sua governação.

As contradições na área econômica são reflexo do fino equilíbrio entre a


consecução das pautas que o PT defendeu ao longo de sua história e o compromisso
com as elites políticas e econômicas tendo em vista a governabilidade e consequente
desempenho eleitoral. O sentido da governação petista, portanto, não foi
simplesmente uma continuidade dos governos neoliberais anteriores.

47 Cf. https://oglobo.globo.com/economia/lula-diz-que-tentou-fazer-reforma-tributaria-defende-atuacao-
do-bndes-2962184
48 “Judging the extent to which the hands of reluctant social democratic politicians were forced by

circumstances beyond their control is a fine art.”


80

3.3 Conclusões parciais

O objetivo deste capítulo não foi absolutamente o de apresentar as ações do


governo petista para então compará-los às ações dos governos social-democratas. O
objetivo é, partindo do pressuposto que as ações no governo explicitam a intenção e
os entendimentos do partido no poder, produzir os elementos necessários para a
comparação dos entendimentos petistas com os da SD no capítulo seguinte. Esta
lógica baseia se na discussão feita ainda no capitulo 1, de que a SD se manifesta de
forma diferente nos diferentes contextos. A questão então foi o de apreender o sentido
das ações do PT no governo, não tanto de tomar nota da sua manifestação de forma
nominal.
Nesse sentido concluímos que a governação petista obedeceu 5 grandes
princípios: I) o compromisso de classes e a busca pela governabilidade e capacidade
eleitoral através de alianças com partidos ideologicamente heterogêneos; II) a
inclusão dos cidadãos na governação; III) a busca pela redução das desigualdades
sociais; IV) a política econômica híbrida e; V) o acionamento do Estado para articular
crescimento econômico e distribuição de renda.

O compromisso de classes ficou evidente na coalizão formada nas eleições


de 2002, que reuniu os setores descontentes com as políticas neoliberais e formou
um “pacto produtivista”, pautando-se pelo estímulo da demanda tendo a expansão do
mercado interno como principal estratégia. As alianças partidárias ideologicamente
heterogêneas faziam parte da necessidade do governo de conformar governabilidade
e consecução das políticas pretendidas. A inclusão dos cidadãos através dos
mecanismos de participação é reflexo da gênese petista e do ‘modo petista de
governar’ nos anos 1980 e 1990. A busca da igualdade social também está no DNA
petista, e se deu basicamente por meio da mitigação dos males da pobreza e
“desmarginalização” de considerável parcela da população através das áreas de
educação, renda, saúde e infraestrutura. A hibridização da política econômica explica-
se pela relação do compromisso de classes ao entendimento petista do papel do
Estado sobre a economia e distribuição de renda. A manutenção de uma
macroestrutura ortodoxa e a preocupação com a estabilidade fiscal eram a
contrapartida para a realização das políticas redistributivas e heterodoxas e esse
equilíbrio seria conformado até o ponto em que a gestão petista mantivesse os ganhos
dos capitalistas e dos trabalhadores articulados. Com a crise econômica e política
81

iniciadas ao final do primeiro e acirradas no segundo mandato de Dilma, este equilíbrio


se esvaiu.

As contradições dos governos Lula e Dilma são nada mais que a expressão
dessa concertação de interesses. As contradições também evidenciam tanto as
intenções do PT no governo quanto as tensões na sua base de apoio e dos grupos
intrapartidários. É clara a disposição petista de buscar o crescimento econômico com
distribuição de renda e melhoria das condições dos trabalhadores ao promover uma
política de aumento real do salário mínimo, o investimento público em áreas
estratégicas e as políticas de mitigação da pobreza e capacitação dos trabalhadores.
Também é eminente a preferência por uma composição de alianças numa coalizão
heterogênea, visando garantir a governabilidade e em certa medida uma governação
democrática e inclusiva, ainda que consideremos falta grave a omissão do PT frente
à estrutura tributária regressiva do Brasil.

A questão a ser entendida é que estas preferências políticas, demonstradas


pelo partido durante seus anos no executivo, encontraram diversas dificuldades. Do
lado da economia, pela hegemonia neoliberal e pelos limites estruturais da inserção
da economia brasileira no capitalismo contemporâneo, bem como, do lado da política,
pela institucionalidade do Estado brasileiro que provê obstáculos na conformação de
alianças em um ambiente de fragmentação partidária e necessidade de composição
com setores de interesses diversos e nem sempre convergentes.

As contradições dos governos de Lula e Dilma devem ser entendidas à luz


destas adversidades, o que não quer dizer que não seja possível definir suas
características e o sentido das transformações que o Partido dos Trabalhadores
quiseram imprimir durante sua gestão. O argumento aqui exposto, na verdade, é de
que estas próprias contradições indicam que o PT buscou a conciliação de interesses
de classe diversos, a melhoria das condições gerais dos trabalhadores e um projeto
de desenvolvimento econômico pautado pela distribuição de renda guiado pelo
Estado. O sentido da governação petista, portanto, foi o de conciliar os ganhos aos
trabalhadores numa estrutura de forças políticas e econômicas burguesas. O capítulo
seguinte irá discutir estes elementos em conjunto com os do capítulo 2.
82

4. O PT COMO PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA?!

A abordagem utilizada nesta dissertação inspira-se em grande parte nas


considerações de Reis (2012; 2013) sobre o estudo de partidos social-democratas.
Reis (2013), propõe uma metodologia que considera que a busca pelo socialismo guia
as ações dos social-democratas, e aplica esta metodologia à partidos competitivos
como o MAS da Bolívia, a Frente Ampla do Uruguai, o PSOE da Espanha e o PT. O
autor então considera a trajetória petista como pendendo para uma “peemedebização”
do partido, ou seja, haveria uma predominância da lógica pragmática que impediria
uma ação mais contundente para avançar nos limites das possibilidades rumo ao
socialismo.

Como discutimos no capítulo 1, consideramos não que o avanço ao


socialismo é o guia das ações dos social-democratas, mas que pautas que convergem
à esta busca pelo socialismo, como a desmercantilização, a busca por igualdade e
distribuição de renda, é que são características da SD.

Se analisarmos o PT pela dimensão trajetória vemos que o partido nasceu de


movimentos que pautavam por maior democracia e direitos trabalhistas no contexto
da ditadura militar, o que reflete a disposição de luta pelas pautas democráticas,
igualitárias e desmercantilizadoras até hoje. A tensão intrapartidária é também reflexo
dessa gênese de massa, ainda que haja claro arrefecimento desta disputa e a
dominância de um grupo mais pragmático em seu interior.

Com relação à dimensão governação, dada a noção que o contexto influencia


a forma como os partidos social-democratas agem, devemos levar em conta, para
avaliar o caso do PT, as condições econômicas, sociais e políticas que estruturaram
sua ação, além de definir qual é o sentido desta ação. As condições de hegemonia
liberal nos paradigmas econômicos certamente limitaram a ação petista nesta área,
além da posição periférica do Brasil no sistema do capital internacional. Na questão
social o PT age num país extremamente desigual, tendo milhões de brasileiro
expostos à pobreza material e marginalizados de direitos constitucionais como da
educação, saúde e moradia. A institucionalidade política concebe um sistema
partidário altamente fragmentado, onde é imprescindível a formação de alianças com
grupos heterogêneos no intuito de governar. Sendo assim o contexto no qual o PT
83

governou certamente imprime desafios imensos e a resposta petista a esses desafios


deve ser analisada frente à sua trajetória e aos limites contextuais. Estes elementos
serão considerados a seguir, utilizando as 6 características da SD que construímos
no capítulo 1.

4.1 As características da social-democracia aplicadas ao PT

A análise a seguir será baseada nas características e na dinâmica da SD que


discutimos ao final do capítulo 1. Seguiremos com a sumarização das características
e sua verificação para o caso petista. Iniciamos com as características estáticas,
aquelas que não estão sujeitas à dinâmica do pivô purismo/pragmatismo e que
formam um conjunto indissociável e obrigatório a um partido social democrata.

A característica “Compromisso com a Democracia” é reflexo do fato de a SD


não apenas aceitar as regras do jogo democrático, mas também tomar a democracia
como um fim, sendo a observância das práticas democráticas ponto crucial ao seu
entendimento. Neste ponto tanto a gênese do PT quanto sua trajetória e estilo de
governação explicitam uma clara adesão à democracia de maneira finalística. A
fundação do partido se deu a partir de movimentos de contestação da ditadura militar
brasileira, e a definição do ‘socialismo petista’ reflete uma proposta de rejeição do
autoritarismo e incorporação da democracia como um fim, inclusive associando o
socialismo à democracia de forma intrínseca, tal como fizeram os teóricos da SD há
mais de um século.

A “Genética Trabalhista e de Base” fez com que os partidos social-


democratas fossem criados e influenciados por um ambiente de reinvindicações
trabalhistas e sociais. Esta gênese atua sobre a trajetória dos partidos social-
democratas de forma que pautas trabalhistas e de direitos sociais estejam presentes
em suas políticas, assim como as tensões intrapartidárias da disputa entre os grupos
que formam a base do partido, eminentemente ligados a sindicatos. A fundação do
PT exprime claramente esta característica, sendo seus participantes originários das
lutas sindicais e sociais do final dos anos 1970, num contexto de demanda por maior
participação política e greves por melhores salários.
84

O “Reformismo” é a crença da SD de que é por meio da política institucional


que seu projeto se realiza. A SD entende que pode perseguir seus objetivos
instrumentalizando o mercado e o direcionando neste sentido. Exprime também a
crença no aspecto sistêmico da relação entre Estado, sociedade e mercado, sendo
que o primeiro pode e deve influenciar nos demais. Ao adotar a democracia como
valor finalístico, e tendo em vista a gênese e as pautas históricas do PT, enquanto
governo o partido tratou de utilizar a institucionalidade brasileira afim de avançar
nestas pautas. O entendimento de que tanto os direitos sociais como a distribuição de
renda necessitavam de ação dentro dos parâmetros das instituições democráticas por
parte do Estado, exemplificado pelas políticas de distribuição de renda e de
desmarginalização nas áreas de educação, saúde e moradia são indicativos da
propensão petista em avançar nas suas pautas abdicando de um caráter
revolucionário abrupto.

Na parte das características dinâmicas, que são as propensas à oscilação do


pivô pragmatismo/purismo, as “Alianças de Classe” são consequência do
entendimento social-democrata de que é preciso participar do jogo eleitoral. Na
governação a SD percebe a necessidade de composição de coalizões com setores
da sociedade nem sempre alinhados aos seus ideais, o que depende da necessidade
maior ou menor do apoio destes setores, implicando também numa maior ou menor
consecução das políticas social-democratas em relação às contrapartidas
necessárias para o apoio dos grupos da coalizão.

A partir do momento que o PT abandonou o classismo purista e passou a


compor alianças estratégicas houve uma maior exposição do partido ao poder
institucional. Esta exposição gerou um efeito retroalimentador que incentivou a
heterogeneização das alianças eleitorais e governamentais. A composição petista
para governar, no âmbito federal, levou ao mesmo tempo à possibilidade de
implementar políticas paradigmáticas como o Bolsa Família e o PAC e às limitações
importantes na consecução de políticas históricas do partido, como a reforma agrária
e a reforma tributária. Esta aliança demonstrou-se debilitada assim que houve um
aprofundamento de políticas econômicas intervencionistas, o relaxamento do tripé
ortodoxo e a queda do desempenho econômico. É discutível o grau de concessões
que o PT fez para governar, ao mesmo tempo que é necessário reconhecer que as
85

políticas petistas tiveram efeito muito positivo sob a ótica da distribuição de renda e
de direitos sociais. Estas questões serão melhor discutidas na seção seguinte.

A “Busca pela igualdade” é, ao mesmo tempo, um objetivo mediato e material


da motivação social-democrata e o sentido da ação é o do igualitarismo substantivo.
O PT expressaria este ideal através de políticas como o estabelecimento de cotas
raciais nas universidades e no serviço público federal, a titularidade do benefício do
Bolsa Família à mulher bem como as políticas de distribuição de renda que elevaram
milhões de pessoas das classes D e E para a classe C. Políticas mais substantivas,
no entanto, que atacassem problemas estruturais da desigualdade brasileira, como o
sistema tributário regressivo ou a concentração de terras, foram relegados pelos
governos petistas. Ainda que a intenção do PT no sentido da consecução do
igualitarismo esteja presente, o grau de ação para tal ficou bastante deprimido.

Por fim a “Desmercantilização”, que se dá na defesa dos elementos de


welfare state existentes e no seu aprofundamento, e que sofre pressão maior das
condições materiais representadas pelo equilíbrio fiscal das contas do Estado e
necessita de um pacto mais abrangente e estrutural, foi talvez a questão mais relevada
na governação do PT, ainda que seja possível verificar sua presença enquanto pauta
petista. A extrema desigualdade brasileira, que coloca milhões à mercê da miséria
material, foi uma das pautas mais combatidas nos anos de Lula e Dilma,
principalmente através dos programas de transferência de renda e de aumento real
do salário mínimo. A limitação, no entanto, se deu pelo uso de mecanismos de
mercado na elaboração de políticas como o PROUNI e pela eminência de um projeto
de “desmarginalização” através do consumo, com o crédito consignado por exemplo.
Ainda que o saldo global seja positivo no sentido da desmercantilização, a reforma da
previdência em 2003 e os cortes sociais a partir de 2015, revelam a abdicação da
construção de um welfare state em prol da governabilidade.

A análise das características acima nos leva a crer que o PT apresenta


suficientes atributos social-democratas para ser creditado como um partido desta
filiação. Mas esta constatação merece melhor análise para certeza do que estamos
afirmando, levando em consideração a dinâmica da trajetória e da governação petista
que expomos nos capítulos anteriores.
86

4.2 O PT como partido social-democrata.

A conclusão a que estamos caminhando é que o PT é um partido social-


democrata, mas é preciso melhor definir como e o que estamos querendo dizer com
isso. Nossa constatação parte da análise da trajetória e das políticas petistas, mas de
igual importância é a observação das dinâmicas que levaram o partido a exibir tais
características. Nosso argumento aqui é de que as tensões, disputas e contradições
petistas explicitam uma vontade social-democrata. Mas ao nos depararmos com a
contradição de manutenção do tripé macroeconômico neoliberal e implementação de
políticas heterodoxas e intervencionistas devemos entender o que isso significa.

Nosso argumento, na resolução desta questão, pode ser sintetizado da


seguinte maneira: O PT buscou agir nos limites de seu contexto afim de conformar os
objetivos de igualdade substantiva e desmercantilização através do reformismo e da
democracia, e tal vontade é verificável através das contradições de sua trajetória e
governação, que não existiriam caso o partido não buscasse agir neste sentido. Sendo
assim, os limites encontrados pelos petistas foram político-institucionais na forma do
presidencialismo de coalizão, sociológicos na forma da hegemonia cultural
conservadora nos costumes e liberal na economia, e econômica na forma de inserção
do Brasil no capitalismo moderno. A questão chave aqui é entender que o PT, através
da conformação das alianças, abdicou de uma omissão por uma ação limitada, assim
como os social-democratas europeus.

Ainda que em gênero colocamos o PT como social-democrata, por conta do


discutido acima, em grau o PT pendeu para o lado do pragmatismo ao não pautar por
um reformismo mais profundo. Sendo assim nossa concepção é de que o PT
apresenta as qualidades necessárias para ser um partido social-democrata, mas se
posiciona não tão perto do tipo ideal da SD.
87

5. CONCLUSÃO

Em 1959 o SPD realizaria uma convenção na cidade de Bad Godesberg que


daria origem ao programa que ficaria conhecido como Programa de Godesberg ou
Programa de Bad Godesberg. Este programa foi paradigmático pois colocaria a
questão da superação do capitalismo em segundo plano, dando eminência à uma
ação que já se verificava na prática do partido há décadas, o do reformismo do
sistema.

Ribeiro (2010) argumenta que o PT tem um programa que não reflete sua
ação, dando eminência à busca pelo ‘socialismo petista’, e defende que o partido
abrace seu caráter reformista, apontando para a necessidade de o PT ainda ter de
passar pelo seu Bad Godesberg. O fato é que a mobilização do socialismo em seus
documentos, ainda hoje, é significativa. Embora não tomemos, como Reis (2012,
2013), a busca pelo socialismo como característica definidora da SD, a ideia do
socialismo mobiliza certos princípios que estão presentes na prática petista e social-
democrata.

A experiência no governo federal durante 14 anos certamente proporcionou


ao PT algumas lições importantes. A volta à oposição, a prisão de Lula, o antipetismo
e o governo Bolsonaro terão impacto considerável nos próximos passos do partido.
Nesse sentido uma das questões futuras é saber como o PT se portará diante das
disposições de forças nas eleições que virão, podendo radicalizar o discurso,
promovendo uma volta às origens e priorizando a mobilização de sua base, ou se
seguirá um caminho centrípeto de conciliação com os atores políticos tradicionais. O
PT, neste movimento, poderia também resolver se se define enquanto social-
democrata, como fez Haddad nas eleições de 2018, ou se continuará a defender um
“socialismo petista” que pode ser entendido, graças à imprecisão do termo, como
aquilo que os petistas fazem. Os anos fora do governo, e talvez uma nova experiência
no executivo nos próximos anos, definirão o caminhar da trajetória para a
consolidação ou não de sua ‘social-democracia petista’, sem ser necessário um Bad
Godesberg para isso.
88

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