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Brazilian Journal of Development 16032

ISSN: 2525-8761

Políticas públicas no Brasil: experiência profissional de psicólogos na


rede pública

Public policies in Brazil: professional experience of psychologists in the


public network
DOI:10.34117/bjdv8n3-035

Recebimento dos originais: 14/02/2022


Aceitação para publicação: 04/03/2022

Juarez Francisco da Silva


Doutor em educação
Instituição: Instituto Morada das Tradições
Endereço: R. Domingos André Zanini, 277 - Barreiros, São José – SC- CEP: 88117-907
E-mail: juarezgt@yahoo.com.br

Sandra Mara da Silva Monteiro


Psicóloga clínica
Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Endereço: Av. Paulo Gama, 110 Secretaria de Comunicação Social - 8º andar - Reitoria
Farroupilha, Porto Alegre – RS- CEP: 90040-060
E-mail: sandramara.psi@gmail.com

RESUMO
A profissão de psicólogo no Brasil surgiu nos anos de 1960, num momento histórico,
político e social muito importante. O fortalecimento das políticas públicas a partir da
década de 1980 promoveu a abertura de novos espaços de trabalho para os profissionais
da psicologia, principalmente nas políticas de saúde e de assistência social. Esse fato
demandou da psicologia uma série de transformações na formação acadêmica, mas que
ainda carece de subsídios e pesquisas. O presente artigo aborda a história social resumida
do período, as especificidades da profissão e a necessidade do desenvolvimento de
qualidades específicas para mediar o trabalho interdisciplinar com qualidade. Com apoio
epistemológico da fenomenologia, os autores observam o si mesmos no processo e
identificam carências gerais para o exercício da profissão de psicólogo em ambiente de
políticas públicas.

Palavras-chave: educação de si, psicologia social, legislação, cidadão.

ABSTRACT
The psychologist profession in Brazil emerged in the 1960s, at a very important historical,
political and social moment. The strengthening of public policies from the 1980s onwards
promoted the opening of new work spaces for psychology professionals, especially in
health and social assistance policies. This fact demanded a series of transformations from
psychology in academic training, but which still lacks subsidies and research. This article
addresses the summarized social history of the period, the specificities of the profession
and the need to develop specific qualities to mediate quality interdisciplinary work. With
the epistemological support of phenomenology, the authors observe themselves in the
process and identify general needs for the exercise of the profession of psychologist in a
public policy environment.

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Keywords: self-education, social psychology, legislation, citizen.

1 INTRODUÇÃO
À medida que um profissional da psicologia desenvolve sua profissão,
consequentemente se envolve com inúmeras questões e inquietações que surgem
cotidianamente sobre si mesmo e a relação com o trabalho. Este artigo é o resultado de
reflexões sobre a experiencia de profissionais envolvidos com o atendimento clínico
individual, simultaneamente integrando equipes interdisciplinares dentro das políticas
públicas de saúde e de assistência social. Considerando que os referenciais teóricos e
metodológicos utilizados para o atendimento clínico da psicoterapia individual, não são
os mesmos referenciais para o desenvolvimento dos serviços ou programas oferecidos
nas políticas públicas, praticar a profissão dessa maneira exige constante verificação de
procedimentos técnicos, tanto quanto para se relacionar com profissionais das outras áreas
das equipes interdisciplinares. Cotidianamente os profissionais se deparam com conceitos
e abordagens diferentes, provocando a necessidade de estabelecer um jeito de realizar o
trabalho coletivo, objetivando contribuir com a comunidade. As descobertas se revelam
a cada dia e exigem atenção, pois as vezes as intervenções podem comprometer em algum
aspecto a lógica do trabalho do outro, porém, todos estão disponíveis em compromisso
com a respectiva área científica e a serviço da coletividade.
Para dar conta e manter a coerência no processo profissional, é necessário recorrer
novamente à academia para dar continuidade na formação por ser o lugar onde se
desenvolvem ciências e capacitam pesquisadores.
A motivação para escrever este artigo é o de revelar como fenômeno que se
evidencia para os próprios pesquisadores, pois por meio da exigência em encontrar
palavras para escrever, se reconhecer no processo histórico da própria profissão e daquilo
que poderá ampliar na reflexão sobre a melhor maneira de atuar diante das circunstâncias.
No Brasil, a atuação do psicólogo nas políticas públicas possui modos flexíveis
para executar estes respectivos protocolos, porém as premissas básicas legais que
propiciaram a inserção em equipes interdisciplinares da rede pública são as mesmas e
serão apresentadas neste artigo no capítulo respectivo.
O desenvolvimento deste artigo tem como base a perspectiva sócio-histórica da
Psicologia Social, os documentos elaborados pelo Centro de Referência Técnica em
Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), que norteiam o debate no que se refere a

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atuação profissional da psicologia e implementação das políticas públicas. Por isso,


parece fundamental recuperar uma parte da construção histórica em que ocorre o
incremento das políticas públicas no Brasil, e oportunizam o ingresso do profissional da
psicologia na rede pública. Certamente que a história de vida dos profissionais
pesquisadores ou sujeitos da própria pesquisa aqui se evidenciam, pelo fenômeno de
observar a si mesmos no contexto da profissão. Por isso, a fenomenologia contribui nesta
pesquisa como epistemologia, para evidenciar que o psicólogo é observador do ambiente,
mas antes observa a si no processo que o constitui.

2 SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL


As políticas públicas são ações legalizadas, padronizadas e sancionadas pelo
Governo Federal, com o objetivo de buscar atender as distintas demandas em saúde,
educação, assistência social e cidadania entre outras.
No Brasil as políticas públicas atingem a atenção devida nas décadas de 1990 a
2000, após a Constituição de 1988 e a Reforma Administrativa de 1995. Devido à
complexidade de sua formulação e implementação, a análise dos fatores envolvidos nesse
processo tem ocupado um espaço significativo nas agendas de pesquisas nacionais e
internacionais.
A Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição Cidadã, foi um marco
político relevante na história brasileira, fruto do intenso trabalho dos movimentos sociais
que reivindicavam por ações para promover melhorias na qualidade de vida de todos os
brasileiros. Isso exigiu muitas mudanças, como também a promoção e a reorganização do
sistema político da época, após um período em que o Brasil foi dirigido por presidentes
militares desde o ano 1964 até 1985). Para Stamato (2016), esse documento elaborado no
período ficou conhecido como a Constituição Cidadã, por ampliar os direitos dos
cidadãos brasileiros com foco em minimizar as desigualdades sociais, políticas e
econômicas.
Durante o período de direção dos presidentes militares, os setores da saúde
públicas estavam sob os cuidados de grupos privados sem ou pouca atenção das políticas
públicas. No ano 1970 o Movimento de Reforma Sanitarista ganha força política e se
organiza como um movimento em defesa da democracia e universalidade do direito à
saúde. Esse movimento contou também com o apoio da Organização Mundial da Saúde
(OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), pois assim gerou pressão no
governo brasileiro para organizar ações em saúde pública, inclusive com a implantação

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da Atenção Primária como contraponto ao modelo biomédico. Como resultado de toda


essa movimentação política em 1986 é organizada a VIII Conferência Nacional de Saúde,
que debateu três temas principais: 1) A saúde como um dever do Estado e direito do
cidadão; 2) A reformulação do Sistema Nacional de Saúde; e 3) O financiamento setorial.
As discussões amadurecidas na Conferência, serviram como base para o capítulo sobre
saúde na Constituição de 1988 e como consequência a implantação do Sistema Único de
Saúde (SUS) no Brasil.
Essa perspectiva posicionou o Brasil para o mundo como um país a considerar
saúde como um direito de todos e dever do Estado, conforme CFP (2019, p.20) devendo
ocorrer sob os princípios da integralidade, participação da comunidade, regionalização e
hierarquização dos serviços, pois foram novidades que trouxeram uma nova condição
normativa para o setor saúde e seus ethos.
Segundo Brasil (2016, p.79), é importante entender que os princípios da reforma
do Estado em 1995 foram essenciais para uma nova estrutura política que se estabeleceu
no País. Assim, as políticas, sob a vigilância do Estado, representam uma perspectiva de
comprometimento do Governo Federal com ações que minimizem as desigualdades
sociais, étnicas, raciais, econômicas e políticas e assim evitar que parte significativa da
população fique em situação de vulnerabilidade e exclusão. É com essa reforma que as
ações se legitimam e limitam qualquer possibilidade de interferência na liberdade dos
indivíduos, devendo o Estado proteger fundamentalmente a propriedade individual, com
primazia sobretudo da esfera econômica.
Desde então as políticas públicas fazem parte das pautas nas agendas de pesquisa
nacionais e internacionais, despertando a interlocução entre os saberes conforme Brasil
(2016), pois as políticas públicas são formuladas pelo Estado, mas nascem a partir de uma
demanda instigada por grupos de movimentos organizados que lutam por equidade em
meio a tantas desigualdades.
As lutas são pela legitimidade do direito do cidadão, e por meio da regulamentação
de políticas públicas que estabelecem as diretrizes específicas que embasam as ações, os
serviços e os programas, com objetivos claros e definidos permitem a implementação e
permanência consistente em todo o território nacional desse direito adquirido e dever
assumido pelo Estado.

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3 A PSICOLOGIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS


A psicologia como profissão foi regulamentada no Brasil em 27 de agosto de 1962
pela Lei Federal 4.119. A regulamentação propiciou tanto o respaldo legal para aqueles
que já exerciam as funções genericamente, quanto delimitou as atribuições que passaram
a ser de uso exclusivo do psicólogo. Essa legalização desencadeou a abertura de cursos
de graduação e a expansão de novos campos de atuação e pesquisa. Naquele período
inicial, o trabalho do psicólogo se desenvolvia basicamente em quatro áreas: ambiente
clínico, nas escolas, institucional e magistério.
A Constituição Federal de 1988 e a Reforma Administrativa na década de 1990,
são marcos importantes para o ingresso do profissional da psicologia no campo das
políticas públicas. O princípio da integralidade evidenciado na Constituição Federal de
1988 embasa uma alteração significativa na forma como as ciências da saúde passam a
olhar as demandas dos indivíduos, mudando o foco para um cuidado integral dos
cidadãos, ou seja, para um olhar interdisciplinar. Esse é, portanto, o cenário em que a
psicologia se insere para compor as equipes multidisciplinares, visto que a psicologia tem
como fundamento contribuir com pesquisas sobre o comportamento humano.
A ampliação do mercado de trabalho que propiciou a inclusão do profissional da
psicologia, no final da década de 70 e anos posteriores, segundo Dimenstein (1998, p.59),
não se deu ao acaso, mas num contexto histórico-político-econômico determinado, pois
a sociedade brasileira vivia intensos movimentos de crítica e de resistência ao regime
militar em que estava mergulhada, ainda que com baixa visibilidade nos grandes cenários
da política setorial. Um desses movimentos ocorreu especificamente na área de saúde e
teve um papel crucial nos rumos tomados pelo setor de saúde, sendo conhecido por
Movimento Sanitário e tinha como objetivo constituir-se enquanto um saber contra
hegemônico, de crítica ao modelo dominante de atenção à saúde. Agora parecia
fundamental produzir uma reforma nas políticas e práticas de saúde que vigoravam no
Brasil, de forma a possibilitar a obtenção efetiva da saúde para toda a população e em
todos os aspectos. Inclusive, outro fator que incrementou o movimento da inserção do
profissional da psicologia na rede pública foi a crise socioeconômica que o país viveu nos
meados dos anos de 1980. Segundo a autora (p.69), os atendimentos psicológicos
privados eram limitados devido à crise e o mercado de trabalho não absorvia o crescente
número de profissionais que saíam das universidades.
Portanto, os espaços institucionais públicos dos hospitais psiquiátricos e gerais, as
maternidades e postos de saúde se tornaram atrativos, tanto para os profissionais recentes

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como também para os com mais experiência profissional. Nesse momento o Conselho
Federal e os Conselhos Estaduais de Psicologia acirraram as pressões junto aos órgãos
públicos, para a abertura de novos espaços institucionais onde o profissional da psicologia
pudesse atuar.
De acordo com as Referências Técnicas para Atuação dos Psicólogos(as) na
Atenção Básica da Saúde e documento elaborado pelo Centro de Referência Técnica em
Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), o profissional da psicologia deve reconhecer
que seu fazer é permanentemente afetado pelos atravessamentos sociais, culturais,
econômicos e comunitários em sua clínica individual ou grupal, abrindo espaço para os
enfrentamentos coletivos de questões como a violência, o desemprego, pobreza, gênero,
relações raciais, diversidade sexual, religiosidade e processos de adoecimento. Conforme
o CFP (2019, p.61), um dos princípios fundamentais do Código de Ética do Psicólogo em
seu artigo II, apresenta como diretriz da práxis que: O psicólogo trabalhará visando a
promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para
a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
Os pressupostos teóricos das políticas públicas invocam a necessidade de
rompimento com a estrutura tradicional do modo como realizar o processo clínico, pois
os modelos tradicionais já não se encaixam mais. Por isso a proposta é a de estabelecer
relações horizontais e de interlocução entre os profissionais e a comunidade, com saberes
que se complementam e não rivalizem.
A psicologia, assim como toda ciência está em constante reforma e melhorias de
seus protocolos, acompanhando a necessidade do movimento político e social. É nesse
cenário que, no período de 1970 a 1990, Sílvia Lane e seus alunos apresentam novas
concepções teóricas e se torna referência na construção das bases do desenvolvimento da
perspectiva sócio-histórica da Psicologia Social no Brasil. De acordo com Bock (2007, p.
47), Lane se guiou pelo princípio de que o conhecimento produzido deveria sempre ser
útil para a transformação da realidade, na direção da criação de condições dignas de vida
para todos. O conhecimento e a profissão deveriam estar a serviço da transformação, se
ocupando com a construção de um novo projeto para a ciência e para a profissão,
contribuindo para ampliar a consciência dos homens.

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4 ATUAÇÃO PROFISSIONAL NA REDE PÚBLICA


A área de atuação do psicólogo, seja no âmbito de um processo clínico individual
como no coletivo, se investiga todas as questões relativas à subjetividade, os modos de
manifestação dessa subjetivação como comportamentos e são o foco da práxis, ficando a
cargo de cada um a escolha dos referenciais teóricos que direciona a atuação nas mais
distintas linhas de pesquisa.
O espaço nas políticas públicas é uma das possibilidades de atuação do
profissional da psicologia, e assim como as demais áreas, pressupõe algumas referências
no desenvolvimento das ações. Compreende-se que essas especificidades estão
relacionadas às necessidades de promoção do desenvolvimento integral do indivíduo,
definidas como direito social na Constituição Federal de 1988 e que norteiam desde então,
as ações governamentais através da formulação das políticas públicas.
Sendo esse o olhar para a perspectiva do cuidado integral do cidadão, requer uma
adequação da prática profissional não só do psicólogo como de toda os profissionais que
integram a equipe interdisciplinar. A ótica do cuidado na atualidade se diferencia da
concepção tradicional do antigo processo clínico centrado na doença, concebendo o
indivíduo dentro de uma perspectiva biopsicossocial, demandando que as ações ocorram
em equipe inseridas em um contexto interdisciplinar. O cuidado integral é um processo
que envolve a inter-relação entre as diferentes áreas do conhecimento, como um
complexo de ramos que se constituem em longas raízes que se conectam como objetivos
complementares, segundo Da Silva (2015).
O saber interdisciplinar propicia ao profissional uma visão que transcenda a
especificidade do seu saber, e sua atuação se torna ampla e contextualizada segundo
Boing e Crepaldi (2010, p.636), possibilitando ao mesmo a compreensão das implicações
sociais de sua prática para que esta possa se tornar realmente um produto coletivo e eficaz.
O psicólogo tem uma especial contribuição a oferecer como princípio ao diálogo com as
demais áreas do conhecimento, pois no escopo da própria ciência do comportamento
reside a compreensão contextualizada e integral do indivíduo, da família e da
comunidade, pois a atenção integral só poderá ser alcançada por meio da troca de saberes
e práticas, na promoção de profundas trocas e a construção de instrumentalização mútua
entre os profissionais.
Tanto para Dimenstein (1998) como para Boing e Crepaldi (2010), assim como
nos documentos elaborados pelo CREPOP como referências técnicas para a atuação do

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profissional na rede pública, se observa a ênfase na necessidade de uma postura reflexiva


e crítica por parte dos técnicos que fazem parte da equipe.
Para fazer parte de uma equipe em políticas públicas, Boing e Crepaldi (2010, p.
645) acentuam que além da lógica na atenção ao cuidado não basta para incluir um
psicólogo na equipe, mas sim sua capacidade profissional em flexibilizar e contextualizar
seu conhecimento e práticas à sua posição ética e política. Para compor essa linha de
raciocínio, busca-se nas Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) na Atenção
Básica à Saúde, conforme CFP (2019, p. 8), que é necessário colocar em perspectiva o
saber de um ponto de vista político, e isso significa entender que as nossas escolhas têm
consequências para o exercício, não apenas da prática psicológica cotidiana
individualmente, mas um impacto sobre como o conjunto de psicólogas(os) está
contribuindo para promover processos de transformação que apontem para menos
sofrimento e menos desigualdade em nosso país.
Compreender o papel profissional em diminuir desigualdades, compor na
construção da dignidade e cidadania é uma reflexão importante na América Latina,
especialmente como no exame crítico apresentado por Martín-Baró (1997 e 1996, p. 7),
onde alega que os psicólogos estão servindo a manutenção da ordem social estabelecida.
Entende que o psicólogo para definir sua identidade profissional precisa conhecer a
situação histórica de seu povo, e que o trabalho profissional deve ser definido em função
das circunstâncias concretas da população que atende. Para o autor, o psicólogo não
necessita alterar seu campo de trabalho, mas sim a perspectiva teórica e prática de como
trabalha, buscando promover a conscientização dos indivíduos ajudando-os a superarem
a sua porção alienada, retirando-os de condição opressora.
Para Bock (2007), o desafio do profissional da psicologia está em fazer a sua
prática comprometida socialmente, se dispondo a compreender e transformar a realidade
social, considerando a concepção sócio-histórica do homem como um indivíduo em
constante transformação e interação social.
Conforme os autores pesquisados para a construção das premissas desta pesquisa,
ficam identificados alguns pontos comuns sobre o que acreditam ser um impasse no
serviço da psicologia na rede pública, ou seja: a) se observa a falta de preparo do
profissional para atuar na rede pública, devido a uma inadequação da respectiva formação
acadêmica; b) manutenção do padrão tradicional ao realizar o processo clínico, pois
realizam o trabalho social como uma simples adaptação das práticas clínicas individuais
tradicionais; c) poucas variações de estratégias nos tratamentos, com esquiva do trabalho

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em equipe; d) pouca disposição nos profissionais da psicologia em se preparar para a


profissão para além daquilo que aprendem no curso de graduação.

5 A FENOMENOLOGIA COMO EPISTEMOLOGIA DE APOIO A PESQUISA


SOCIAL
Os processos biológicos e os fenômenos socioculturais, para Damásio (2018), não
explicam a complexa relação social com que nossa mente fica envolvida, pois ainda
existem os códigos de conduta, que buscam inspiração numa tentativa de manter o
ambiente homeostático. De modo geral, não somos indivíduos sozinhos e nem estamos
num único lugar, num momento específico, mas somos catalisadores de experiências que
norteiam nossas vidas, moldados também por circunstâncias de cada época e lugar.
A fenomenologia é uma epistemologia que estuda o que, em sentido mais
genérico, conforme Moreira (2004, p. 67), entende-se por tudo o que se mostra, o que se
manifesta ou se revela por si e que aparece na consciência do observador participante.
A fenomenologia como teoria do conhecimento tem como objeto de estudo o
próprio fenômeno, isto é, as coisas em si mesmas e não o que é dito sobre elas, conforme
Ricoeur (2009), e assim sendo, a investigação busca a consciência do sujeito por meio da
expressão das suas experiências. Busca a interpretação do mundo através da consciência
do sujeito formulada com base em sua subjetividade.
A fenomenologia foi escolhida para esta pesquisa, com a finalidade de produzir
saberes considerando os autores da pesquisa como sujeitos da própria pesquisa, e assim
referendarem os resultados em suas práticas de vida profissional, objetivando ainda
alavancar interesses de outros pesquisadores no processo de desenvolvimento da
profissão de psicólogo no ambiente de políticas públicas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Parece inquestionável a realidade de que as políticas públicas estão entre os
principais instrumentos à disposição dos governos, servem para enfrentar os problemas
associados às desigualdades sociais na busca por amenizar as exclusões raciais,
econômicas e políticas presentes na sociedade. Para Stamato (2016, p. 7), as políticas
públicas são entendidas como instrumentos de garantia de direitos individuais e coletivos
de cidadania, pois devem reunir diferentes saberes e práticas, numa visão democrática de
redução das desigualdades sociais e construção da justiça social. São dispositivos para a

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promoção das necessidades de desenvolvimento integral do ser humano, definidas como


direitos sociais na Constituição Federal de 1988.
É também inquestionável e importância de profissionais preparados para o serviço
social como equipe, em especial cabe ao psicólogo agregar sua prática individual ao
serviço comunitário, oferecendo o aporte para a compreensão dos aspectos subjetivos
presentes nos diferentes âmbitos. Na promoção de uma sociedade justa e igualitária, cabe
ao psicólogo atuar junto a indivíduos, grupos e comunidades, cuidando efetivamente de
si e dos outros como um aspecto da ideologia do reparo ao direito.
A prática reflexiva que contextualiza o fazer da psicologia, principalmente nesse
espaço tão rico das políticas públicas, é como um território privilegiado para o estudo dos
fenômenos sociais e seus impactos no cotidiano da vida das pessoas, por meio de
métodos, técnicas e desenvolvimento pessoal. O desafio é grande, pois resgata a dimensão
subjetiva como pilar do processo de defesa e garantia dos direitos de cidadania, tão
determinante da superação de estigmas conforme Stamato (2016, p.8), como também de
preconceitos e sofrimento psíquico na construção de sujeitos protagonistas capazes de dar
novo rumo às suas histórias individuais e ao coletivo.
A experiência pessoal dos pesquisadores na área das políticas públicas contribui
para reflexões pertinentes sobre a conquista desse espaço destinado aos psicólogos, mas
que para manter a qualidade necessária para realmente contribuir requer uma afirmação
importante de definição do olhar sobre si e sobre o outro, seja o outro a equipe
interdisciplinar como a comunidade que recebe os serviços, gerando uma perspectiva do
cuidado integral e interdisciplinaridade presente nos diferentes âmbitos individuais,
sociais, comunitários, institucionais e familiares.
Nesse sentido, a participação da psicologia como ciência possui métodos para
contribuir nos espaços da rede pública, cumprindo com o papel social de promover
transformações, facilitar ações que minimizem as desigualdades sociais, amenizar o
sofrimento psíquico e contribuir com a dignidade humana e cidadania.

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REFERÊNCIAS

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