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~ capítulo 20 ~

A formação do psicólogo da saúde:


ensino e produção de conhecimento
Maria das Graças Sat11mi110 de Lima
Wilze Laura Bruscato

Da formação tradicional para um novo modelo

Cinquenta anos nos distanciam da regulamentação da Psicologia como profissão. Desde o princípio
da história da Psicologia, as ações realizadas sempre precederam a teorização e a pro dução de
conhecimentos se tornou um aspecto complementar essencial da formação profissio nal. Este meio
século foi extraordinário em análises e reflexões sobre o exercício da Psicologia no Brasil,
produzindo um número significativo de estudos que a descrevem e tentam alcançar os seus
determinantes históricos, sociais e políticos. Esta enorme quantidade de trabalhos, de natureza
diversa, com diferentes ângulos de observação, com foco em temas distintos e m4ltipla

l i abrangência geográfica, reflete as dinâmicas cotidianas da produção de conhecimento e faz da


l
Psicologia uma das profissões que mais estuda e discute sua formação e seus caminhos, no nosso
\país (Spink, 2010;Yamamoto, Costa, 2010).
A Psicologia possui um diferencial em relação às outras profissões: inclui uma diversidade de
áreas de atuação educação, saúde, sociedade, trabalho, esporte, justiça ... - e muitas dimensões, de
diferentes níveis de complexidade, na constituição da sua prática profissional, revelando sua
capacidade potencial de ser necessária em vários contextos.Assim, forma psicólogos para a inser
ção em diversos campos, para estar em atividade junto de outros profissionais, em vários espaços
sociais, mas sempre envolvidos na promoção do bem-estar coletivo.
Além desta variedade de ambientes de exercício da profissão, grandes e diferentes sistemas de
orientação teórico-metodológica, que se apoiam em distintas concepções de homem, de socie dade e
de ciência, e incidem sobre a prática profissional, fundamentam o ambiente acadêmico
1 A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~

e profissional da Psicologia, em todas as áreas, tornando-a um campo rico em perspectivas de


atuação. Dentre estas orientações teóricas, o predorrúnio da Psicanálise é indiscutível, mas, diante
delas, o profissional pode optar por fazer uma adesão e trabalhar em consonância com a perspec tiva
adotada ou apostar na possibilidade de diálogo e aproximações, enfatizando a ponderação de que
elas se reportam a dimensões distintas dos fenômenos psicológicos e, portanto, podem se~
complementares, sendo possível e até enriquecedor trabalhar com orientações distintas (Bastos et al.,
2010).
O primeiro mapeamento sobre a situação da formação da Psicologia no Brasil foi feito pelo
Conselho Federal de Psicologia (CFP) no ano de 1.986 e revelou que a área de atuação pre
ponderante, que vinha sendo largamente usada para definir a profissão e descrever o conjunto de
características que, de alguma forma, demarcava o campo de trabalho do psicólogo e conferia
alguma identidade ao grupo de profissionais, era a Psicologia Clínica tradicional, dentro de uma
formação clássica, praticada por 60, 7% dos psicólogos brasileiros. E o padrão profissional que per
meava a prática psicológica conduzia à ideia, tanto para a categoria quanto para o senso comum, de
que o exercício profissional da Psicologia se restringia à psicoterapia, o que deixava os profis sionais

sem ferramentas teóricas, técnicas e críticas para atuação mais abrangente. Esta marcada
preferência por uma modalidade de atividade profissional, a psicoterapia praticada em consultó 366
rios particulares, sempre recebeu críticas daqueles que cobravam uma inserção social mais signi
ficativa por parte de um profissional, cujo conhecimento não poderia ser privilégio de parcelas
restritas da população que teriam acesso aos seus serviços (CFP, 1988; Bastos, Gomide, 1989).
Nas duas últimas décadas, a produção de conhecimento foi se acumulando, a profissão teve um
crescimento considerável, e têm-se evidências de tendências inovadoras ocorrendo em vá rios dos
seus donúnios. Estudos atuais amplos e profundos sobre as transformações no exercício profissional
da Psicologia apontam algumas alterações que estão configurando uma nova fisio nomia para a
Psicologia brasileira (Bastos et al., 2010).
Uma das importantes modificações ocorridas neste período é a emergência de uma nova área,
uma nova esfera de ação que envolve uma significativa ampliação do foco de atividades e espaços de
inserção do psicólogo: a área da saúde.
Este também foi o momento da transição democrática, marcado por uma série de mudanças no
trato da questão da saúde; após o regime militar, no qual se consolidara o padrão assistencial-
-privatista de definição das políticas neste campo.A pressão por modificações nas políticas sociais
brasileiras tornou-se um dos objetivos da luta dos trabalhadores, e o setor de saúde mereceu
destaque pela amplitude das alterações propostas, que implicavam uma nova estrutura na con cepção
dos serviços e na assistência prestada, reorganizando as práticas institucionais (Bock, 1999; Oliveira
et. al., 2004).

1 A formação do psicólogo da saúde ~

//
/'
/ Na elaboração do texto constituinte, em 1.988 (Brasil, 1988), que propôs e aprovou as mu- ( danças no
sistema de sáúde que já vinham sendo preparadas pelo movimento da Reforma 'sanitária, a saúde passa a
ser direito de todos e dever do Estado, ficando garantido o acesso uni
versal e igualitário às ações e serviços integrais de promoção, prevenção, proteção, recuperação e \
reabilitação da saúde. A denominação "Constituição Cidadã" aplicou-se com muita adequação, em
virtude das propostas extremamente inovadoras no acesso à saúde e na concepção do sujei to. O
Sistema Único de Saúde (SUS) 1 foi criado, refletindo em seus princípios e diretrizes de
universalidade, equidade e integralidade da saúde, estes avanços democráticos e possibilitando a
acessibilidade, a coordenação do cuidado, o vínculo, a continuidade, a responsabilização, a huma
nização e a participação social (Brasil, 1990; Romagnoli, 2006).
Tornou-se patente a mudança da concepção clássica de atenção à saúde, que se baseava em
fundamentos assistencialistas e curativos, para uma visão que se sustenta em um conceito am
pliado, proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2012) que define saúde como "11111
estado de completo bem estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou
e1ffennidade", estabelecendo uma relação direta entre saúde e as condições de vida, e não mais com
a ausência de doença, legitimando então, um processo de conexão de áreas do conhecimento para a
pro
moção de saúde.
367
Essa mudança de paradigma trouxe consigo o desafio da execução, da viabilização, da implan
tação e da manutenção do modelo do SUS, considerando o fato que a maior parte da popula ção
brasileira depende de atendimento público em saúde, como mostram os dados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) em convênio com o Ministério da Saúde, que referem que 7 4% da população é constituída
de usuários exclusivos do SUS (Cunha, Cunha, 1988; IBGE, 2003; 2010).
Considerando todos estes aspectos, nas unidades de saúde de diferentes níveis de atenção, nos
setores público e privado, a Psicologia tem cada vez mais buscado estender seu campo de atuação e
promover intervenções em múltiplas direções. Ela se expande e amplia o seu leque de serviços,
contextos e segmentos da população beneficiária, colocando em relevo e realizando a democra
tização dos serviços do psicólogo e rompendo o elitismo da profissão que anteriormente se resu mia
às atividades tradicionais de atendimento privado da Psicologia Clínica, exercidas de forma
autônoma, com enfoque centrado no indivíduo, sem inserção no ambiente dos serviços de saúde.
Deste ponto de vista emerge um campo do saber que exige a produção de conhecimento e
requer medidas de grande amplitude que incluem a formação adequada dos profissionais e a luta
por políticas públicas para a área, que privilegiem o atendimento global dos indivíduos e suas
múltiplas necessidades.

Lei Federal nº 8.080 de 19 de setembro de 1990.


~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~

Corroborando a formulação de uma nova política de recursos humanos para o SUS, a Re


solução nº 218 do Conselho Nacional de Saúde (CNS, 1997) reconheceu os psicólogos como
profissionais de saúde de nível superior,junto dos assistentes sociais, biólogos, educadores físicos,
enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, nutricionistas, odontólo gos,
terapeutas ocupacionais e veterinários.
O Brasil conta hoje com 14.407 profissionais em Psicologia que trabalham vinculados ao SUS.
Este número representa 10,1% do número total de psicólogos inscritos nos Conselhos e, ainda
assim, apesar da Psicologia pertencer à área da saúde e de um número considerável de psi cólogos
atuarem no SUS, a formação destes profissionais continua sendo executada sem abranger
1
os temas relacionados às políticas públicas, ao SUS, à Reforma Psiquiátrica2, que construiu um novo
estatuto social para o doente mental, garantindo sua cidadania, o respeito a seus direitos e sua
individualidade, promovendo o resgate da sua capacidade de participar do universo das tro cas
sociais, de bens, palavras e afetos, incluindo aí não só seus direitos como seus deveres como
cidadão (Brasil, 2005b; CR.P, 2006;ABEP, 2006; Ribeiro, Luzia, 2008; Spink, 2010).
Neste contexto, os psicólogos reconhecem uma distância significativa entre as suas aprendiza
gens na graduação e as demandas do exercício profissional na área da saúde. As defasagens entre
o que é necessário para bem exercer a profissão e o que é ensinado, ainda são enormes, apesar 368
de tantas mudanças na estrutura da formação em Psicologia. As discussões acerca da preponde
rância do modelo clínico na formação do psicólogo e suas influências na atuação do profissional na
saúde .ainda persistem e estão relacionadas ao próprio processo histórico da constituição da
profissão no Brasil. A superação de tais questões e do próprio modelo tem sido lenta, mas não é
mais cabível a mera transposição deste paradigma para outros setores de atuação, dentro de uma
formação que leva a um raciocínio moldado pelas explicações individualizadas e individualizan
tes dos sujeitos, como se não fossem participantes do contexto cultural e social (Soares, 2011). Os
desafios que cercam a formação do psicólogo para a qualificação profissional implicam em ir além da
Psicologia Clínica tradicional e adaptar, aperfeiçoar e criar técnicas, trazendo mudanças na forma de
inserção dos psicólogos na saúde, abrindo novas perspectivas de atuação e introduzindo
transformações qualitativas na prática, que, por sua vez, solicitam novas cons- \ truções teóricas e
apontam para a necessidade de pesquisas desenvolvidas na área da saúde com \\ ênfase na investigação
das necessidades da comunidade (Bruscato, 2004; Ribeiro, Luzia, 2008). Para que os futuros
profissionais possam atuar neste Sistema Único de Saúde, do qual a maior parte da população
brasileira depende, o perfil profissional deve ser construído desde o início da formação acadêmica, em
conjunto com docentes e supervisores preparados para compartilhar conhecimentos de forma
organizada ao encontro das reais necessidades da população.

Lei Federal nº 10.216 de 06 de abril de 2001.


descompasso entre a formação dos profissionais de saúde e
os princípios e diretrizes do SUS, cientes da
complexidade da formação de profissionais e provocadas
por questões levantadas por diversos estudos, pelas
demandas das políticas educacionais e pelas polí ticas
públicas da saúde, para que houvesse mudanças na
formação dos profissionais da área, estão procurando, a
partir da última década, adaptar os séus currículos no
sentido de oferecer, aos aca dêmicos, oportunidades de
conhecer, por intermédio da teoria e da prática, os recursos
técnicos necessários para urna atuação segura e
competente.
As mais significativas inovações para a reestruturação dos
cursos de Psicologia realizada pelo Ministério de
\\ Educação e Cultura (MEC) levaram à implementação da
1
~ A formação do psicólogo da saúde ~
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)3,
promulgada ern 1.996 (Brasil, 1996), que promoveu a
criação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os
Cursos de Graduação ern Psicologia4 que orien-
Para tanto, as agências formadoras brasileiras, ern nível de
graduação, pressionadas pela exi gência de corrigir o
~/ tam a reformulação curricular dos cursos existentes no país, sinalizando que o psicólogo deve ter urna
formação ampla, com urna visão abrangente que possa prepará-lo para atuação ern diversas áreas e
múltiplos setores, reconhecendo a necessidade de realizar mudanças nos cursos de gra duação de modo a
intensificar e qualificar a inserção da Psicologia nos contextos de saúde. Elas recomendam que sejam

oferecidas mais atividades práticas entremeadas às disciplinas teóricas, de \


369
modo a antecipar as aproximações entre estudantes e comunidade e ampliar o conhecimento de
recursos de observação e de intervenção (Brasil, 2011; Soares, 2011).
Com esta interferência no processo formativo, os programas de graduação deslocaram o eixo da
formação - centrado na assistência individual - para outro no qual a formação deve estar
sintonizada com as necessidades sociais, calcada na proposta de hierarquização das ações de saúde,
levando ern conta as dimensões sociais, econômicas e culturais da população e instrumentalizan
do os profissionais para a abordagem dos determinantes da saúde e da doença da população na
comunidade e ern todos os níveis do sistema: primário, secundário e terciário.
Tanto nos princípios e compromissos da formação corno nas competências do psicólogo,
presentes nas Diretrizes, ficam evidentes os desenvolvimentos significativos na compreensão do
papel deste profissional. As Diretrizes Curriculares, ao preconizarem que a formação deve habilitar
o psicólogo para a atenção ao campo da saúde, realizam urn avanço importante, pois
favorecem a discussão sobre a formação necessária para as atuações neste âmbito. Elas trazem o

·entendimento do fenômeno psicológico corno rnultideterminado, complexo e ---~ com interfaces


----~~-.......... .•. ,, .. ,,, .. ,.,, .,,,,,,,,,,,,, '' com os fenômenos biológicos e sociais e compatível com urna
·-····~··'''"''"" "~·····-~····~ ,""'''"''"'''""~ '

concepção de saúde corno urn ~----,...~-~-""'-'''-' ""_.~"'""""'-~""'-"•"---"~',- -'~'-"•"'•'•-", '"'"~# "•'''','"''''·• ··--~ ••• ,.,,, •• ,. ,, •",""C" -

estado de integridade física, mental e social, não relacionada apenas ausência de doença (OMS,
-------~,,__---,., ..... __,,,,~-~----~_.,.,-,~~--·"'~~--,_,,_.....,_,..~----~-"'"

2012), portanto, ern concordância com as concepções teórico-técnico-políticas determinadas

Lei Federal nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996.

Resolução nº 05 de 15 de março de 2011.

~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade t

no SUS. A saúde é concebida como um processo histórico e social, decorrente da relação do homem
consigo mesmo, com outros homens na sociedade e com o meio ambiente. Enfim, a · . saúde é
resultante das condições de vida do homem, em seu cotidiano, constituindo um campo de saber
interdisciplinar e de práticas diversas (Ribeiro, Luzia, 2008).
Para efetivação deste processo de implantação das novas Diretrizes Curriculares - apoiando o
compromisso com os princípios e diretrizes constitucionais do SUS e a conjugação da área de
ensino em saúde com o SUS - os Ministérios da Saúde e da Educação em ação conjunta, com a
assistência da Organização Pau-Americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde e com a
colaboração da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), mobilizaram a realização de
oficinas regionais para a análise critica e compartilhamento das experiências de mudança, nas
profissões da saúde, que estão em desenvolvimento no país e para a articulação de trabalhadores da
saúde, docentes e estudantes no debate da formação profissional (Brasil, 2004; ABEP, 2006; Spink,
2010).
Í
/ Este acordo de cooperação firmado entre estes órgãos teve como objetivos centrais: o aper-
feiçoamento do atendimento prestado aos pacientes em todos os níveis da rede pública de saúde; '/
\ a formação em Psicologia para atuação no Sistema Único de Saúde e a sistematização da pre-
1
\ sença dos psicólogos no SUS. Ele se fundamenta na política de educação para o SUS - Apren- 370
\ derSUS - desenvolvida em parceria pelos Ministérios da Saúde e Educação e que preconiza:

"A formação para a área da saiíde deveria ter co1110 objetivos a tra11Sfor111ação das práticas
prefissionais e da pr6pria orga11ização do trabalho e estruturar-se a partir da problematização
do processo de trabalho e sua capacidade de dar acolhimento e widado às várias dimensões e
necessidades em smíde das pessoas, dos coletivos e das populações. A melhor síntese para esta
designação à educação dos prefissionais de saúde é a noção de integralidade, pensada tanto 110
campo da atenção, quanto no ca111po da gestão de ser. 1iços e sistemas" (Brasil, 2004, p. 4).

A atenção integral à saúde implica ampliação dos referenciais com que cada profissional de
saúde trabalha na construção de seu repertório de compreensão e atuação e, ao mesmo tempo, o
reconhecimento da limitaç;ãDOaãÇãb-1:1~ofissional para dar conta das necessidades de saúde de indivíduos e
populações:)\ integralidade r~uer a adoção clara e precisa de uma formação para as competências
gerais ne~"essárias a todos p~ profissionais de saúde, tendo em vista uma prática de qualidade,
qualquer que se;~~ área de atividade profissional.

Visando ainda a uma confirmação e maior aproximação entre a formação de graduação e as


necessidades da atenção, desde o nível básico até a alta complexidade, o Minístério da Saúde, por
meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) e o Ministério da
Educação, por intermédio da Secretaria de Educação Superior (SESu) e do Instituto Nacional

~ A formação do psicólogo da saúde ~

de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), lançaram, em novembro de 2.005, o


Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde)5 tendo,· como
finalidade, desenvolver projetos e ações que articulem as bases dos conhecimentos científi cos da
saúde e da educação superior, objetivando uma formação de recursos humanos em saúde coerente
com o Sistema Único de Saúde. Através da formação de recursos humanos, da produ ção do
conhecimento e da prestação de serviços, ff Pró-Saúde pretende uma escola integrada ao serviço
público de saúde e que dê respostas às necessidades concretas da população brasileira, sempre na
direção do fortalecimento do SUS (Brasil, 2005a).
Como resultado de todo este processo, em julho de 2.006 foi realizada a Oficina Nacional da
ABEP, com foco no tema Psicologia e Saúde Pública/Coletiva, que definiu princípios norteado res
para o projeto pedagógico dos cursos, entre os quais, destacam-se: (1) orientar as graduações em
Psicologia para a integralidade; (2) inserir a discussão sobre a saúde pública/ coletiva de forma
transversal, de modo a superar a segmentação teoria e prática, clínica e política, desde o início da
formação; (3) promover a compreensão das dimensões subjetivas, técnicas, políticas, sociais, cul
turais, biológicas e ambientais do processo saúde-doença; (4) incorporar os princípios e diretrizes
do SUS na matriz curricular e (5) abordar criticamente as temáticas relativas à psicopatologia e
à saúde, com o intuito de superar a compreensão polarizada entre saúde e doença, considerando 371
as transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais instituídas pela Reforma Psiquiá
trica, a luta antimanicomial e a atenção psicossocial (ABEP, 2006; CRP, 2006).
Ganhou destaque a necessidade de se construírem novas formas de ensinar e aprender Psico
logia para a saúde face às mudanças contemporâneas, ao aumento da produção de conhecimento, à
perspectiva de colocar em xeque as ideias vigentes, à influência dos meios de comunicação na
interação humana e à configuração de uma nova forma de estar no mundo. Essas transformações
evidenciam a necessidade de se repensar o homem e sua articulação com o conhecimento, arti
culação esta que se fundamenta nas relações interpessoais, na valorização do contexto, em novas
perspectivas e na integração dos saberes (Mendes et al., 2012).
A constatação de que novos saberes e novas práticas de atenção são necessários não é mais
assunto novo. Definitivamente, o modelo de atendimento exclusivo da clínica, que antes era
transposto para ambientes institucionais numa tentativa de levar a Psicologia a uma prática con
junta com outras profissões na promoção de saúde, foi substituído. Durante todo este percurso de
passagem para uma nova forma de fazer saúde, a Psicologia foi conquistando espaço, ao se inserir
no contexto de luta dos movimentos sociais e advogar em causa própria, defendendo a profissão
como parte do espectro do campo da saúde, trazendo propostas que incluíam psicólogos junto às
novas formas de abordagem ao usuário dos serviços, chamando a atenção para as novas demandas
de responsabilidade social solicitadas pela população atendida, questionando as atuações, saberes

Portaria lnternúnisterial nº 2.118 de 03 de novembro de 2005.

i A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~

e referencias teóricos utilizados e expandindo a oferta de serviços psicológicos para a população

mais carente, mediante a realidade e adequação


com o SUS (Bock, 1999).
Í
Assim, a Psicologia como
Í uma prática de construção de
ciência e profissão - uma "ciência que se configura cada vez mais como

modelos, de formulação e solução de problemas, num mundo em constante !


l mutação" (Almeida

Filho, 1997, p. 8) evoluiu e amadureceu fortemente marcada pelo reconhe


cimento da necessidade de
formar profissionais preparados para uma consistente participação \ social voltada às políticas públicas
de saúde.
Dentro deste processo de construção de novo ordenamento institucional para o cuidado das pessoas,
são destacados os desafios e estratégias necessários para uma mudança de paradigma na formação
do psicólogo, de modo a promover uma formação cidadã e democrática, comprometi da com a
realidade social brasileira, sensível às especificidades regionais e orientada pela noção da
integralidade na saúde. Moura (1999) apontou uma prática curricular generalista e crítica como o
caminho para a formação de um profissional da transformação: " ... já temos uma referência sobre o
que precisamos e queremos fazer: construir um prefissíonal capaz de empreender uma prática
pluralista,

((
372
1989; Bastos et ai., 2010;Yamamoto et ai., 2010).

A formação dentro do novo


modelo
crítica e traniformadora, que saiba reconhecer as
demandas de intervenção e propor caminhos que
A partir do reconhecimento de que o modelo tradicional
atendam a essas demandas" (p.19).
não era suficiente para atender à demanda crescente por
Considerando todas estas questões e a ampliação da
serviços psicológicos - além das questões de eficácia,
Psicologia no cenário brasileiro, os pro fissionais estão
resolutividade e acesso - avançou-se na construção de
atentos para suas concepções e práticas e fazem uso de
um corpo de conhecimentos que permite hoje à Psicolo
diversas estratégias como cursos, congressos, grupos de
gia transitar com tranquilidade e segurança em esferas
estudo, supervisões etc., em uma busca contínua de
fora das quatro parede~ dos consultórios.A passagem do
aperfeiçoa mento profissional, sendo a especialização a
modelo tradicional para o novo paradigma constituiu-se
principal modalidade de pós-graduação utilizada para a
não como uma ampliação, mas como a construção de
qualificação. De acordo com Lima e Santos (2012),
uma nova e distinta área de atuação, estabelecendo um
60,3% dos psicólogos fizeram ou estão fazendo uma
novo corpo de conhecimentos.
especialização, o que abre perspectivas de formação
paralela às instituições de en sino (Bastos, Gornide,

1 A formação do psicólogo da saúde r

Mas, na prática, ao sair da relação protegida pelo enquadramento na clínica, o trabalho em


instituições de saúde revelou-se um desafio em virtude da necessidade de compreender os pro
cessos de saúde em uma descrição ampliada e das dificuldades na adequação do modelo proposto
para o trabalho, do tipo de clientela atendida, da rede complexa de normas institucionais e, mais
ainda, da necessidade de desenvolver uma ação diferenciada daquelas às quais os profissionais
estavam acostumados. Nessa perspectiva, para fortalecimento dos aportes teóricos e técnicos que
embasam a atividade profissional, foi fundamental repensar as práticas, os cenários de atuação e os
referenciais teórico-técnicos e modelar a atuação dentro da realidade organizacional de assis tência à
saúde a fim de que o psicólogo viesse de fato a causar impacto nos resultados do setor de saúde.
Diante destes aspectos, fez-se necessário criar estratégias de formação para as novas áreas,
construindo uma formação em Psicologia fundamentada na ideia de proteção, promoção, pre
venção, recuperação e reabilitação da saúde, como algo que envolve as condições de existência, de
produção de subjetividades, de qualidade de vida e que fortalece as capacidades singulares e
coletivas para a busca ativa de alternativas para o viver, tornando-se mais efetiva em suas práticas,
integrando conceitos e habilidades, a novas formas de inserção e atuação (Silva, Garcia, 2011).
Como parte deste processo de construção do novo modelo, destaca-se o reconhecimento das 373
especialidades de atuação do psicólogo, pelo Conselho Federal de Psicologia6, (CFP, 2000), que
instituiu o Título Profissional de Especialista em Psicologia. Quando a entidade que regulamenta a
profissão no país estabelece o título de especialista como um direito adquirido do psicólogo, é
porque se está diante de um avanço teórico-prático que consolida a atuação da Psicologia em
diversos âmbitos, definindo a identidade do psicólogo para cada contexto de atuação. Dentre as
especialidades já definidas, algumas áreas específicas estão diretamente relacionadas à prática na
área da saúde, como a Psicologia Clínica, a Psicologia Hospitalar e a Neuropsicologia.
Doze anos se passaram reconhecimento das especialidades e, seguindo neste processo de
amadurecimento da profissão, a Psicologia tem hoje condições plenas de pensar e praticar a saúde
de forma ampla, participando das discussões sobre aspectos políticos, sociais e econômicos
relacionados.
Como a competência profissional é fundamental para atender às necessidades dos usuários do
sistema de saúde, para oferecer serviços efetivos à comunidade e para realizar pesquisas que
possibilitem o desenvolvimento da área, o investimento na formação profissional é fundamental
(Miyazaki et al., 2002).
Desta forma, atualmente tem-se um panorama de ensmo com vistas à formação de um
psicólogo capacitado para uma atuação ·crítica e eficaz, através de uma Psicologia voltada para

Resolução CFP nº 14/00 de 20 de dezembro de 2000.


~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~

questões muito mais amplas que não só a compreensão clínica, mas também condizente com as
demandas socioeconôrnicas e culturais da população que assiste.
Esta nova posição está claramente estabelecida no Serviço de Psicologia da Santa Casa de São
Paulo, Instituição de saúde na qual a Psicologia encontra-se consolidada, que reúne uma enorme
diversidade de experiências humanas, de fundamental importância para a formação do psicólogo
em sua relação com o trabalho na saúde.
Nesta Instituição, o termo "saúde" concretamente designa: um campo composto por diversos
locais de atuação, por uma ampla área que abriga um continuum de assistência, que tem, em um
extremo o trabalho de prevenção e promoção da saúde na atenção primária e, no outro, aquele
relativo aos procedimentos de alta complexidade voltados à recuperação e reabilitação da saú
\
de. Assim, o trabalho conduzido nos diversos equipamentos de saúde da Instituição, no âmbito"-, da
comunidade, da Unidade Básica de Saúde, do ambulatório, da enfermaria, da Unidade de 1 Terapia
Intensiva, do hospital dia, com suas características peculiares, é considerado como uma ,!'!
multiplicidade de vertentes de ação para a Psicologia no campo da saúde, que pedem diferentes
modalidades de atuação e a adoção de posturas radicalmente distintas.
Ao capacitar o psicólogo para esta prática diversificada em saúde, o que se tem em foco é
o próprio processo de formação profissional. E é com este processo de construção profissional 374
que o Serviço de Psicologia da Santa Casa de São Paulo se compromete como parte de suas
atribuições, ao propor Cursos de Especialização em Psicologia. Ele tem como parte de suas
responsabilidades, colaborar para a formação de recursos humanos -da Psicologia para o traba lho
institucional na saúde, da atenção primária à alta complexidade, em conformidade com os
princípios e diretrizes do SUS, para o atendimento de segmentos antes excluídos buscando, para
tanto, fundamentos teóricos/ científicos/metodológicos mais apropriados de ação.
Isto implica um movimento de revisão permanente de práticas e conhecimentos a partir de uma
postura de constante investigação, para uma melhor instrumentalização técnica, funda mentada em
desenvolvimentos teóricos consistentes, para subsidiar as práticas.A regra é a busca permanente de
referenciais compatíveis com a nova realidade enfrentada no âmbito da saúde.
O modelo de formação profissional utilizado pelo Serviço de Psicologia inclui estágios cur
riculares, visitas técnicas, supervisões técnicas e de campo, reuniões clínicas e científicas, além do
oferecimento de cursos teórico-práticos que são realizados dentro dos paradigmas de assistência
psicológica praticada na Instituição. Estes cursos são os seguintes:

> Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Psicologia Hospitalar

> Curso de Pós-Graduação Lato·Sensu em Área Específica do Hospital Geral J >


Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em ~sicologia na Saúde Mental , / > Curso de
Pós-Graduação Lato Sensu em Area Específica na Saúde Mental ''---"
~ A formação do psicólogo da saúde r

> Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Neuropsicologia


> Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Psicologia na Rede Básica de Atenção à Saúde >
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Psicoterapia Familiar Sistêmica em Saúde

Para a realização destas atividades de ensino, o Serviço de Psicologia desfruta de uma situação
privilegiada e rica na promoção de experiências e atuações assistenciais/ acadêmicas proporcio nada
pela sua inserção em duas instituições cuja filosofia, tradição, vocação e organização para a
formação para a área da saúde é histórica: a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
(ISCMSP) e a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), que
abrigam todos os cursos realizados.
Estas Instituições oferecem uma riqueza de ambientes de ensino e de estágio, um campo vasto e
abundante em experiências para a prática intensiva supervisionada, aspectos valorizados como
altamente propícios à aprendizagem, por proporcionarem contato com pacientes em uma variedade
de experiências e ainda tornarem possível maior proximidade com a realidade social e vinculação
do trabalho aos princípios do SUS. Assim, é possível ultrapassar as concepções in
dividualistas e adotar um conceito de saúde que implica uma atenção diferenciada, equânime e
preventiva, e favorecer os procedimentos que diferem do modelo assistencial-curativo, reinante
375
no ordenamento das políticas e nas ações de saúde, garantindo uma formação sólida e capaci tando
o aluno para o pleno exercício profissional no atendimento à população, nas instituições de saúde.
Ele circula pelas várias áreas da assistência em saúde, o que lhe possibilita o contato e o
conhecimento da organização e do seu funcionamento, como também o coloca diante das vá rias
modalidades assistenciais, levando em conta as demandas sociais para prestar uma assistência
humanizada e de qualidade (Oliveira et. al., 2004).
A convivência multiprofissional oferecida em todo o complexo assistencial da Santa Casa
permite a especialização de um profissional em Psicologia com maior capacidade de compreen são
do significado do trabalho em equipes multiprofissionais e do conhecimento interdisciplinar na
promoção, manutenção ou recuperação da saúde dos indivíduos, grupos, instituições ou co
munidades. Psicólogos inseridos em equipes multiprofissionais desenvolvem quantidade maior e
mais diversa de atividades, tendência que tem exigido mais habilidades e competências. Este ponto
é considerado fundamental já que, em quaisquer domínios de atuação, o psicólogo sem pre estará
diante de situações cuja complexidade e multideterminação tornam impossível a sua compreensão
exclusivamente à luz de uma única área do conhecimento.
Além disto, a imersão no contexto das unidades de saúde que a Instituição agrega, com esta
possibilidade da prática interdisciplinar intensa, que treina a habilidade de trabalhar em equipe, ao
lado de propiciar ao aluno qualidade de ensino e formação técnica apropriada, ainda con tribui para
a sua formação ética e de cidadania. Ao favorecer a formação integral, a Instituição
~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~

torna o profissional capaz de também oferecer atenção integral, transformar o modelo de assis
tência e produzir conhecimento relevante e útil para a construção do sistema de saúde (Feuer
werker, 2003).
Situar o ensino da Psicologia da Saúde, nos diversos equipamentos de saúde componentes da
Instituição, que prestam atendimento desde a atenção básica até a _mais especializada, possi bilita
ao aluno, uma apreensão mais efetiva do processo saúde-doença em sua dimensão social, questão
que já estava na raiz do discurso daqueles que se embrenharam pioneiramente por essa
modalidade de ação. Do ponto de vista da formação, viabiliza ao especializando, o entendimento
_.,,_,__, ___ ,_~- ----~-~ ,_,, ~--- - • ~;",,,O''~'~~c·•,,,._,"W._~,,_,,,,-,~.-'-'-~---•''--·-c&uu~,-._,~

das formas singulares de responder ao adoecimento, capacitando-o a escutar, analisar e lidar com
a;-;ariada;d~~~as, em ~odo-;-~;;~d~ cÕmpleXídade·~º~--pâCl.ente, mas tambêlll.. da
equipe=em·suaTensãoae~espon.cler.prof;t~ente-cÕm~-clia~futi~~in;e-;;enção adequada ' ·-· ··•··· ···---·-·-· \ ......... ~

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/mais
Além disto, esta inserção que propicia ao aluno a oportunidade de se engajar em uma ação
comprometida e pautada nas realidades sociais, desenvolve profissionais críticos e não so
l ' mente

técnicos, que se fundamentam em modelos científicos bem elaborados, que incluem ponderações
relativas aos efeitos das atuações e das questões ético-políticas que atravessam as
práticas. Essas reflexões são essenciais, uma vez que as aplicações da produção de conhecimento
376
estão a serviço da melhoria das condições de vida e de promoção da saúde, sempre focando na
transformação da realidade a partir da formação, pois essa é uma das características necessárias
para a sustentação do projeto do SUS.
O primeiro dos cursos a ser criado pelo Serviço de Psicologia foi o de Especialização em
Psicologia Hospitalar. Desde a sua criação em 1.993, passou por reformulações tanto em seu as
pecto formal, como nos conteúdos dos módulos teóricos e nas áreas de estágios, quanto em seus
objetivos e propostas, sempre de forma a acompanhar a evolução do conhecimento e atender as
necessidades de uma formação qualificada e atual do Psicólogo dentro do contexto hospita lar. Em
outubro de 2.003, por ocasião de seu reconhecimento como Curso de Especialização em Psicologia
Hospitalar, através da avaliação da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) e do
credenciamento do Conselho Federal de Psicologia (CFP)7, o Serviço de Psico logia foi declarado
"Núcleo Formador de Especialistas". Dessa forma, o aluno do Curso, uma vez aprovado, terá seu
certificado de conclusão reconhecido para fins de concessão do Título de Especialista. Entende-se
que este cadastramento como Curso de Especialização, implica a certificação da qualidade do
ensino e a possibilidade de formar profissionais mais capacitados e atualizados. Além disso, ele um
é elemento diferenciador, indicando maior segurança para os profissionais que buscam
aperfeiçoamento (Bruscato et al., 2004).
Credenciamento de Curso CFP nº 021/03. Oficio 1.383-03/DIR-CFP de 16 de outubro de 2003.

i A formação do psicólogo da saúde r

Mas todos os cursos oferecidos pelo Serviço de Psicologia estão voltados para a capacitação do
psicólogo para a inserção nos novos e diferentes campos de atuação na saúde, formando cerca de
uma centena de profissionais por ano, unindo a teoria com a vivência do cotidiano do traba-
/ lho. Seu papel cultural, como centros de produção, divulgação e difusão do conhecimento, com / o
compromisso de promover o ser humano através de seu desenvolvimento físico, intelectual, Í
psicológico, social e econômico, encontra nesta Instituição espaço adequado para justificar sua 1

\ proposta de trabalho e para consolidar uma formação na área.


\"'-- Os cursos foram configurados para oferecer ao aluno a possibilidade de dar um significado maior a
essa experiência pessoal/profissional dentro da Instituição de saúde, redimensionando os limites de
atuação, revendo modelos e referenciais teóricos e metodológicos, adequando-os à prática nos
diversos âmbitos da saúde, levando em conta o universo pessoal e individual de cada aluno o que,
certamente, refletirá em sua atuação. Estimulam o desenvolvimento de uma postura profissional,
sempre questionadora de valores e atitudes diante das situações as mais diversas, e propiciam o
aprendizado da flexibilidade no contato com outros profissionais, ajustado às nor
mas e regras que regem as relações institucionais.
Sempre com sensibilidade às mudanças socioculturais e econômicas mais amplas e ao desen
volvimento da ciência psicológica, os cursos propõem um modelo de atuação estendida para 377
a sociedade onde a Instituição está inserida, associada à ação de outros profissionais, lidando
continuamente com contextos e problemas que não se restringem a um indivíduo isolado e
desvinculado das suas condições reais de existência. O especializando é colocado em contato com
atividades emergentes e inovadoras e desenvolve donúnios específicos de habilidades para o
exercício profissional, tendo uma formação mais adaptada a contextos locais e a novos interesses.
Outro aspecto diferencial está na especialização de um psicólogo apto para desenvolver uma
atuação como agente de saúde e capaz de compreender as implicações das concepções e políticas de
saúde na sua relação com a sociedade, ampliando a abrangência e a capacidade de aplicação da
Psicologia, voltando-a para camadas sociais mais desfavorecidas, que têm acesso dificultado aos
recursos da comunidade, inclusive no que concerne ao atendimento psicológico especializado,
democratizando assim a assistência neste campo. Assim, os cursos contemplam não só a com
preensão e tratamento dos aspectos psicológicos intervenientes no adoecimento, na adesão ao
tratamento e no processo de recuperação, mas também numa forma de atuação psicoprofilática em
saúde mental.
Os programas dos cursos são planejados de modo a englobar os conceitos fundamentais necessários
à atuação em saúde, e também o 1:J:einamento prático supervisionado, que possibi lita ao aluno
aplicar os conhecimentos adquiridos na prática clínica e, através de um processo pedagógico,
durante o qual se multiplicam as perguntas, o aluno obtém, por indução dos casos particulares e
concretos, um conceito geral das diversas áreas de atuação profissional, tornando- -se capaz, ao final
de seu percurso, de planejar, implantar e desenvolver projetos de assistência,
1 A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade r
ensino e pesquisa em qualquer outra realidade institucional da qual venha, futuramente, a fazer
parte (Bruscato et al., 2004).
Visualizando o processo de ensino-aprendizagem, os conhecimentos, como fios condutores, são
trabalhados de maneira integrada, em eixos norteadores e, na observância do princípio de
complexidade crescente, os cursos propõem a exposição do aluno de forma intensa a diversas
demandas, usando recursos que o colocam progressivamente como responsável por atividades e
queop~ç~;;;t~ffiã<la.de~decisões, ~~i~do a possibilidad~d~f~~~aÇão de espeaãlistas
quãfilicãdose'c:onsciéntes de seus direitos e deveres como profissionais, habilitados a atuar em
centros assistenciais nas mais diversas necessidades da saúde e a produzir conheci
mentos que se enquadrem nos bens e serviços que objetivam a melhoria das condições de vida da
população.
O conhecimento e a compreensão abrangente da realidade organizacional e do funciona mento dos
contextos institucionais torna-se também importante para que o estudante conheça o contorno maior
no qual realiza o seu trabalho. Nestes contextos ocorre o contato direto do profissional com as
demandas da população, o que possibilita que ele aprenda a construir inter venções que não se
restrinjam à mensuração/ avaliação de características psicológicas, desvios e
distúrbios,já que será necessário incluir a concepçãO de que a investigação psicológica não pode
378
desconsiderar as condições sociopolíticas e econômicas dos indivíduos. Assim, os projetos de ação
estão referenciados em uma prática social, uma vez que a ausência de referência a este con texto
não possibilita a construção das competências necessárias ao profissional comprometido com a
transformação da sociedade.
Para concretizar a proposta pedagógica dos cursos, o processo ensino-aprendizagem se ampli\
para além do espaço de sala de aula. As atividades formativas se articulam em uma estrutura fle- \

~~:~i::~:~~a~:~:~::: ~::~:~::1ear:;:::c~:~:::~~o::::i::e:~:~::s::b:: t:::: \1i1l

clínicos e inclui alunos e professores/ orientadores além da presença de diferentes especialistas, •

possibilita ao aluno e mesmo aos professores/ orientadores, a discussão da Psicologia em diferen- J


tes especialidades médicas de atendimento e em contextos diversos de atenção à saúde.
Os cursos têm como exigência para sua conclusão, a realização de um Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC), elaborado a partir de tema escolhido dentro das linhas de pesquisa dos orien tadores,
em forma de uma pesquisa que inclui revisão da literatura, relatando o que tem sido publicado sobre
o assunto por acadêmicos e pesquisadores reconhecidos, quais conhecimentos e ideias já foram
estabelecidos sobre o tema e quais são seus pontos fortes e sua fragilidade. A revisão de literatura é
descritiva, inclusiva, explícita e sistemática e provê um resumo minucioso da literatura. Ela garante
a ampliação dos conhecimentos sobre o tópico e faz com que o aluno ganhe e demonstre
habilidades em duas áreas: busca de informação (habilidade de examinar a literatura eficientemente,
usando manuais ou métodos de computação para identificar um
1 A formação do psicólogo da saúde r

conjunto de livros e artigos úteis) e avaliação crítica (habilidade de aplicar princípios de análises
para identificar ausência de vieses e a validade dos estudos).Após a revisão da literatura, é elabo
rado e realizado um projeto de pesquisa.
O Serviço de Psicologia tem também, como uma das suas preocupações prioritárias, ser fonte de
produção de conhecimento e de formação de pesquisadores qualificados, que aprendam a por ordem
nas próprias ideias, a organizar dados para explicar os fenômenos, a ver a investigação como o
arcabouço da ciência. Para as atividades relacionadas à pesquisa, através de seu Setor de Ensino e
Pesquisa em Psicologia, ele tem participação na Comissão Científica do Serviço de Psicologia - que
sistematiza o desenvolvimento de pesquisas no campo da Psicologia na área da saúde, pratica e
atende às normas metodológicas científicas e contempla os requisitos éticos de acordo com a
Resolução CNS nº 196/968, responsabilizando-se por orientar os pesquisadores da Psicologia,
metodológica e eticamente, para que os projetos sejam adequadamente encami nhados ao Comitê de
Ética em Pesquisa - e no Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Santa Casa de São
Paulo, vinculado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP, 1998) do Conselho Nacional
de Saúde (CNS).
Realiza atividades diversas - nas quais estão engajados não só os profissionais do Serviço, mas
também os alunos dos Cursos de Especialização e os alunos estagiários de outras Instituições de 379
Ensino - que abrangem desde pesquisas de pequeno porte, até pesquisas de campo. Incluem-se
nestas atividades: levantamento de dados, caracterização da população atendida, elaboração de
protocolos de pesquisa, abertura e preenchimento de banco de dados; pesquisa de literatura; re sumo
de artigos; apresentação de journal clubs; elaboração de monografias; elaboração de projetos
interventivos e atuação como auxiliar de pesquisa.
Criar espaço para a pesquisa significa manter a mente aberta, movimentar outras mentes,
acionar novas ideias, abrir a possibilidade de debate, enxergar o que ainda não foi visto, ir além do
aparente, desmascarar o senso comum, interpretar os dados em profundidade, modificar ca minhos
de forma criativa, sempre rumo ao novo, ao não conhecido e, extrair daí, conhecimento (Bruscato,
Benedetti, 2004).
Afirma-se, assim, a relevância da produção de conhecimento em Psicologia da Saúde, uma vez
que é o conhecimento que orienta a ação. Para influenciar, alterar, transformar a ação, é necessária a
compreensão do que a embasa. Trata-se, então, de fazer ciência, de produzir conhe cimento (Spink,
2003; Bruscato, Benedetti, 2004).
É necessária também a reorientação das pesquisas desenvolvidas na área d~ saúde, com ênfase na
investigação das necessidades da comunidade, organização dos serviços de saúde, experimen tação
de novos modelos de intervenção, avaliação da incorporação de novas tecnologias e o

Resolução CNS nº 196 de 10 de outubro de 1996

i A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade t

desenvolvimento de indicadores que permitam melhor estimativa da resolubilidade da atenção. A


pesquisa não se constitui em uma atividade dissociada da assistência no cotidiano do exercício
profissional do psicólogo desta Instituição. Cada vez mais a produção de conhecimento, através do
desenvolvimento de pesquisas científicas, tem sido parte integrante e inseparável da rotina do
Serviço de Psicologia dentro desta Instituição. Seja como forma de e.ncontrar respaldo para uma
atuação de qualidade, seja para conhecer melhor uma determinada população, e oferecer a ela novas
possibilidades de atendimento, ou ainda para dar respaldo teórico para aquilo que já vem sendo
desenvolvido, a pesquisa tem trazido subsídios importantes, sem os quais a prática poderia correr o
risco de se atrelar ao senso comum quando se encontra diante de lacunas de conhecimento
(Bruscato, Benedetti, 2004).
Estes aspectos são contemplados nas linhas de pesquisa desenvolvidas pelo Serviço de
Psicologia:

> Ensino e pesquisa em Psicologia para a Área da Saúde; V


> Investigação, prevenção e intervenção em Psicologia da Saúde com foco no processo
saúde-doença e suas implicações psicológicas; \_/,,//
> Investigação, prevenção e intervenção em Psicologia n~ Saúde Mental com foco na rea
bilitação e reinserção social;
380
> Neuropsicologia e comportamento;
> Saúde e qualidade de vida do profissional de saúde.

Para estimular a produção científica e propiciar aos psicólogos meios de realização de pesqui sas,
publicação dos trabalhos e participação em eventos científicos para divulgação dos resultados, o
Serviço de Psicologia conta com recursos oriundos do Centro de Estudos e Pesquisas, associa ção
cultural sem fins lucrativos, que tem o objetivo de promover o aperfeiçoamento profissional e
cultural de seus associados, especialmente no que se refere à produção de conhecimento da
Psicologia para a área da saúde.

Considerações finais

Com ~ ampliação da configuração do campo profissional do psicólogo, .este conseguiu in serir-se de


forma estável e significativa no ambiente da saúde, ultrapassando os papéis conven cionais, para o
desenvolvimento de uma imagem mais ampla como profissional, assumindo seu potencial de
avaliação e manejo de problemas de saúde, oferecendo serviços que, seguramente, representam uma
ampliação da cobertura para setores da população antes desatendidos. O con texto institucional, as
políticas públicas de saúde e a atuação interdisciplinar fazem parte do
~ A formação do psicólogo da saúde r

cotidiano do psicólogo, considerado como um dos profissionais com participação fundamental no


processo assistencial para que todo indivíduo, grupo, instituição ou comunidade sejam aten didos
em suas necessidades de saúde, em diversas áreas e em diferentes níveis de complexidade.
Hoje, a relevância social da profissão na saúde está difundida e tem conseguido propiciar efe
tivamente uma alteração nos padrões de atuação dos psicólogos. A formação do profissional da
Psicologia para esta área, respeitando as diretrizes nacionais aprovadas pelo MEC, está atenta ao
acelerado ritmo de evolução do conhecimento, às alterações nos aspectos demográficos e epi
demiológicos, à mudança do processo de trabalho e, para assegurar uma abordagem integral do
processo saúde-doença desde a atenção básica, vem promovendo transformações nos processos de
geração de conhecimento, ensino-aprendizagem e de assistência à população, com a certe za de que
a produção de conhecimento, a formação profissional e a prestação de serviços são elementos
indissociáveis para uma nova prática e tendo, como meta, o equilíbrio da excelência técnica com o
valor social (Brasil, 2005a).

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~ capítulo 21 r

A educação continuada para


o psicólogo da saúde
Andréa Cristina da Silva
Wilze Laura Bmscato

"Educação não traniforma o mundo.


Educação muda pessoas.
·Pessoas traniformam o mundo".
Paulo Freire

A educação como processo contínuo

Na definição do dicionário, educação é o ato ou efeito de educar (se); o processo de desen


volvimento harmônico da capacidade física, intelectual e moral do ser humano visando à sua
inserção na sociedade; os conhecimentos e aptidões resultantes de tal processo; o conjunto dos
saberes científicos e os métodos empregados na obtenção de tais resultados; instrução; preparo;
ensino; aperfeiçoamento integral de todas as faculdades humanas; conhecimento e prática dos
comportamentos e atitudes correspondentes aos usos socialmente tidos como corretos e adequa:-
dos; civilidade; cortesia; delicadeza; polidez (Houais, 2001; Ferreira, 2009).
Os termos "processo" e "desenvolvimento", utilizados nesta definição remetem a movimen to,
indicam a ação de avançar, ir para frente, através de um conjunto sequencial e particular de atos que
apresentam certa unidade, ou que se reproduzem com certa regul~ridade, em todos e quaisquer lugares,
no ensino e propagação de todos os saberes. Então a educação não é um procedimento estático, de
transmissão e acumulação de saberes. O dinamismo inerente a esse processo permite a construção,
a difusão e a socialização constante de conhecimentos.

1 A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~

A educação é um. fenômeno observado em. qualquer sociedade e nos grupos constitutivos destas,
responsável pela sua manutenção e perpetuação, a partir da transposição, às gerações que se seguem,
dos conhecimentos, dos modos culturais de ser, estar e agir necessários à convivên cia e ao
ajustamento de um. m.em.bro no seu grupo ou sociedade. A escola não é o único lugar onde ela
ocorre e nem. o professor é seu único agente. Enquanto processo de sociabilização, a educação é
exercida nos diversos espaços de convívio social, seja para a adequação do indivíduo à sociedade, do
indivíduo ao grupo ou dos grupos à sociedade (Brandão, 1995).
Para Paim. e Nunes (1992), o conhecimento se origina nas necessidades ou problemas sociais,
sendo assim., todo grupo social é educativo. O esforço educativo é universal e a educação é um.
processo contínuo, permanente, integral, inovador, dinâmico e ordenador do pensamento, tendo um.
caráter integrador.
Educação não é som.ente um.a atividade é, acima de tudo, a estruturação de um. saber que
ultrapassa o sentido escolar e se torna um.a construção permanente na vida do ser hum.ano. Todo
processo educativo não tem. um. fim em. si m.esm.o. Ele é um. sistema inacabado, sendo necessário
retroalim.entá-lo continuam.ente. A educação, para Freire (1979), "tem caráter permanente. Não há
seres educados e não educados. Estamos todos nos educando. Existem graHS de educação, mas estes
não são
absolutos" (p. 28).
386
A educação permanente, baseada no aprendizado contínuo, é condição necessária para o de
senvolvimento do sujeito, no que se refere ao seu auto aprimoramento, movendo-o na direção da
busca de competência pessoal, profissional e social, com.o uma filosofia a ser praticada por toda a
sua vida (Paschoal et ai., 2007). Dilly e Jesus (1995) entendem. a educação continuada " ... como um
processo que se corifunde com a própria vida" (p. 92).
Nas últimas décadas, confirmando a tendência global de transformação acelerada, em. todos os
setores, foram produzidas m.ais informações e descobertas do que em toda a história da civi lização.
Neste início de século XXI, o progresso científico e tecnológico e sua incidência sobre as práticas
profissionais, são responsáveis pelo avistar de horizontes impensáveis e por efetivar possibilidades
antes inimagináveis de atuação profissional.
Na área da saúde, a evolução e crescente complexidade das práticas que organizam o traba lho e a
velocidade de incorporação de novas tecnologias vêm. estabelecendo padrões mutáveis das ações
nesse campo, tornando rapidamente obsoletos os cenários estabelecidos para a sua realização e
determinando a revisão cotidiana das condutas e dos processos de trabalho de todos profissionais,
para prover a melhor atenção possível à saúde.Acompanhar as mudanças constantes deste espaço
profissional exige esforços contínuos para capacitação dos inélivíduos e torna impe rativa a busca de
complementos educacionais mais especializados. Isto leva à necessidade de or ganizar projetos
educativos para os profissionais de saúde, com ações intencionais e planejadas, e estratégias
preparadas para enfrentar problemas de desenvolvimento dos serviços, para fortalecer
~ A educação continuada para o psicólogo da saúde }

conhecimentos, habilidades, atitudes e práticas (Pairn, Nunes, 1992; Farah, 2003; Maneia et al.,
2004; Brasil, 2004).
Este sistema de educação permanente parte do princípio que as pessoas são capazes de apro
veitar oportunidades de aprendizado ern todos os contextos e atende, de forma ágil, às neces sidades
de mudança nas habilidades profissionais, permitindo que essa aprendizagem se realize ern
consonância corn as limitações de tempo. Ela se propõe a auxiliar o profissional no despertar de
suas potencialidades, proporcionando situações de enriquecimento pessoal e profissional ao longo
da vida.
Assim, este modelo de instrução contínua na área da saúde se produz não só quando a insti tuição
estabelece atividades de capacitação. A dinâmica das organizações também oferece outros meios.
Na medida ern que não se trata apenas de transmissão de informações ou atualização, rnas visa a
propiciar o desenvolvimento profissional integral dos trabalhadores da saúde, a educação também se
faz quando o profissional, convencido da vantagem de estar atualizado e motivado para lutar por sua
própria imagem profissional e pessoal, assim corno pela da equipe de saúde a que pertence, busca
opções para alcançar a informação e a formação que necessita, seja por rneio da consulta a outros
colegas, da investigação bibliográfica, da realização de estudos científicos ou
da colaboração no desenvolvimento de programas educativos (Muller, 1987).
387
De qualquer rnodo, a formação, decorrente da relação profissional/trabalho, se dá ao longo da
vida profissional, dentro de urn processo educacional gradual e cornplernentar, que estabelece
níveis crescentes de capacitação, alimentando-se das inovações tecnológicas e da recriação das
práticas, e seus conteúdos seriam também gerados desse processo contínuo.
E, ao contrário da educação tradicional, que estabelece, a priori, rnornentos determinados para a
aprendizagem, no caso deste modelo de educação, por centrar-se sobre as práticas de saúde, por
enfrentar questões não solucionadas no âmbito dos serviços e nas comunidades e por pri vilegiar as
oportunidades educativas surgidas no cotidiano dos trabalhadores de saúde, escapa da concepção
habitual da planificação educacional, e os conhecimentos e habilidades poderão ser adquiridos
gradual e progressivamente, conforme se apresentem os problemas relacionados corn o objetivo
educacional (Haddad et al., 1987).
Historicamente, a ideia de educação prolongada, continuada, progressiva, permanente, re monta
a 600 a. C., a Lao-Tsé, para quern todo estudo é interminável. A concepção de educação incessante
também fazia parte do programa educativo da Revolução de 1. 789, na França, docu mento que foi
tornado por base pelos demais países, nos estudos da educação contínua, processo que hoje se
mostra corn características da modernidade, corn visão de progresso, desenvolvimen to e
crescimento, rnas reflete o passado, sendo urna expressão recente de urna inquietação antiga
(Gadotti, 1988).
~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade t

A preocupação em estabelecer processos educativos para o pessoal da saúde em nosso país co


meça a surgir em 1.963, quando, na III Conferência Nacional de Saúde, foi proposta a criação de
uma atividade que viesse a prevenir o desajustamento técnico em relação aos recursos existentes e
evitar a fuga do técnico do local de trabalho (Farah, 2003; Lima, 2012).
Em 1. 966 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
considerou prioritário o conceito de educação continuada, que foi tomado como a ideia mestra da
sua política educacional, como um processo que atravessasse toda a vida, uma vez que as
necessidades dos sujeitos nem sempre são de caráter emergente. Passou a insistir junto aos
governos quanto à determinação de planejamento de políticas educacionais que contemplassem o
tema, considerando o desenvolvimento pessoal e profissional dos indivíduos, a evolução das suas
capacidades, motivações e aspirações (UNESCO, 1966; Gadotti, 1988).
Na IV Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1.967, surge o termo "treinamento em
serviço", definido a partir das necessidades de atualização de pessoal, mas é na VI Conferência, em
1. 977 que a educação continuada aparece de forma explícita.
A partir da década de 70, o conceito de educação ao longo da vida passou efetivamente a fazer
parte das políticas educativas ao redor do mundo, em especial depois do lançamento do
relatório mundial de educação, intitulado "Aprender a Ser" (Faure, 1972), que relacionava uma 388
série de estudos sobre processos biológicos e sociais da trajetória da vida dos indivíduos, indi cando
a necessidade constante de aperfeiçoamento nos planos cognitivo, moral e ético. Junto a isto, o
impacto da globalização sobre os processos de produção - que trouxe o conhecimento para uma
escala universal - impulsionou a entrada do tema na pauta. A pressão para se atualizar no mercado
de trabalho fez da educação continuada uma necessidade e um direito (Girade et al., 2006; Noleto,
2008).
Em 1.978, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) - o mais antigo organismo de
cooperação internacional na área de saúde, que exerce um papel fundamental na melhoria de
políticas e serviços públicos de saúde, por meio da transferência de tecnologia e da difusão do
conhecimento acumulado - tomando o capital humano como o elemento mais importante no
funcionamento de qualquer empresa ou instituição, entendeu que ele deveria ser objeto de aná
lises permanentes e de adequação de funções para melhorar a eficiência do trabalho, a compe tência
profissional e o nível de satisfação. Preconizou a educação continuada como um processo dinâmico
de ensino-aprendizagem, ativo e permanente, que se inicia após a formação básica e é destinado a
atualizar e melhorar a capacitação de pessoas ou grupos, diante da evolução técnico- -científica, das
necessidades sociais e dos objetivos e metas institucionais. Processo ativo, porque o indivíduo
precisa buscar esse conhecimento em alguma fonte de informação que considerar mais adequada às
suas necessidades, e permanente, porque não tem um limite de tempo ou de demanda. Ele terá que
fazer esse movimento sempre que for despertada nova necessidade de aprendizado (OPAS, 1978;
OMS, 1978).
~ A educação continuada para o psicólogo da saúde r
Posteriormente, a OPAS se integrou à Organização Mundial da Saúde (OMS) quando, sem
perda de sua identidade, se tornou o seu Escritório Regional para as Américas, vindo a fazer parte
do sistema da Organização das Nações Unidas (ONU).Assim, ém 1.982 a OMS assume a educação
contínua como um processo que inclui todas as experiências posteriores à formação inicial, que
ajudam o indivíduo a aprender competências importantes para o seu trabalho. Ela englobaria as
atividades de ensino após os cursos de graduação generalista, com finalidades mais específicas de
atualização e aquisição de novas informações, com atividades de duração definida e através de
metodologias tradicionais. Estas organizações, em um esforço sistemático de me
lhorar o funcionamento dos serviços por meio do desempenho do seu pessoal, estabeleceram o
desenvolvimento dos recursos humanos através da educação continuada como essencial para a
qualidade da assistência (OMS, 1982; Oguisso, 2000; Farah, 2003; Silva et al., 2008; Lima, 2012).
Nos anos de 1.986 e 1.993, realizaram-se no Brasil, respectivamente, as I e II Conferências
Nacionais de Recursos Humanos para a Saúde, nas quais foi discutido que educação contínua é um
processo organizado, permanente, sistemático, direcionado a clientes institucionais, com uma
política de saúde definida, tendo em vista a real necessidade dos usuários. A necessidade de edu
cação continuada para os profissionais de saúde foi se tornando gradativamente imprescindível,
como forma de fazer os recursos humanos capazes de compreender as demandas dos serviços e
389
os problemas de saúde da população (Farah, 2003).
Este modelo convencional de educação contínua - voltado para a atualização técnico-cientí fica,
com enfoque em temas específicos para determinadas categorias profissionais, que utiliza os moldes
da educação tradicional da pedagogia da transmissão e memorização de conhecimentos, mantendo
a lógica programática das ações - foi considerado como limitado pelo Ministério da Saúde, por
apenas transmitir informações e não reagir ao ambiente de trabalho de forma dinâmica frente aos
problemas contextuais, não desafiando os trabalhadores para uma postura de mudança e
problematização de suas próprias atividades e do trabalho em equipe. Assim, não teria,
supostamente, o potencial de transformar as práticas nos serviços, introduzindo apenas mudanças
pontuais nas instituições.
Ainda segundo esta avaliação, a complexidade dos problemas de saúde exige mais do que tra
balhadores preparados continuamente para cumprir normas e desenvolver técnicas no cotidiano da
assistência à saúde. Necessita de profissionais cuja formação continuada tenha amplitude de saberes
que contemplem a integralidade dos serviços assistenciais e que promovam a transfor mação do
cotidiano de seus processos de trabalho.
Dentro desta perspectiva, e na busca de alternativas com a finalidade de alcançar o desen volvimento
dos sistemas de saúde, favorecer mudanças significativas das práticas, da gestão e do controle
social, para obtenção de maior qualidade dos serviços, este órgão tem desenvolvido, ao longo do
tempo, várias estratégias e políticas voltadas para a adequação da formação e qualifica ção dos
trabalhadores às necessidades de saúde da população e ao desenvolvimento do Sistema
~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~

Único de Saúde (SUS). Essas iniciativas do Ministério da Saúde decorrem de sua responsabi lidade
na organização da formação de recursos humanos e sua articulação com a atenção em saúde, com a
gestão dos serviços e com o controle social sobre o sistema de saúde como um todo (Brasil,
2003a).
O Ministério da Saúde compreende a administração da educação na saúde para formação e
desenvolvimento, não como uma questão simplesmente técnica, mas de natureza tecnopolítica, uma
vez que transformar a formação e a gestão envolve mudanças nas relações, nos processos, nos atos
de saúde, nas organizações e nas pessoas. Implica, portanto, a necessidade de articulação intra e
interinstitucional que crie compromissos entre as diferentes redes de gestão, de serviços de saúde e
educação e do controle social, possibilitando o enfrentamento criativo dos problemas e uma maior
efetividade das ações de saúde e educação (Brasil, 2003b; Brasil, 2006).
Assim, em 2.004, - na intenção de viabilizar um projeto de educação que contemplasse a grande
estrutura que é o SUS, na perspectiva de sua consolidação, bem como de sua qualificação, uma vez
que esta só é possível, por meio da educação de seus recursos humanos - o Minis tério da Saúde
instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) 1,2 elaborada como
estratégia do Sistema Único de Saúde para formação e desenvolvimento de
trabalhadores desse setor. Tendo por objetivo favorecer mudanças nas práticas do trabalho em 390
saúde, articulando o sistema de saúde com as instituições formadoras e, mediante a identifica ção de
problemas cotidianos, formular processos educativos que respondessem à realidade e às
necessidades do SUS, ela trazia como propostas: (1) transformar e qualificar as práticas de for
mação, atenção, gestão, controle social e participação popular; (2) organizar os serviços de saúde e
os respectivos processos de trabalho e (3) aprimorar os métodos pedagógicos de formação e
desenvolvimento dos trabalhadores de saúde. Ao colocar em evidência a formação e o desen
volvimento para o SUS, por meio da construção da educação permanente, ficou estabelecida a
agregação entre desenvolvimento individual e institucional.
Este ato veio atender aos propósitos da Constituição de 1. 988, no inciso III do seu art. 200º,
que atribuiu ao SUS, a competência de determinar a formação de recursos humanos na área da
saúde. As suas várias instâncias devem cumprir um papel indutor no sentido das mudanças, tanto
no campo das práticas de saúde como no campo da formação profissional (Brasil, 1988).A partir de
então, as questões da educação na saúde passaram a fazer parte do rol de atribuições do SUS, que
tem assumido um papel ativo na reorientação das estratégias e modos de cuidar, tratar e
acompanhar a saúde individual e coletiva e tem sido capaz de provocar imp9rtantes repercussões
nas circunstâncias e modos de ensinar e aprender.

Resolução CNS nº 335 de 27 de novembro de 2003.

Portaria nº 198 de 13 de fevereiro de 2004.

1 A educação continuada para o psicólogo da saúde r

Em 2.007, foram definidas novas diretrizes e estratégias para a execução da PNEPS3, que
vigoram até hoje, de forma a fazer com que as ações de educação permanente sejam parte inte
grante e indissociável do sistema de saúde (Brasil, 2004, 2006, 2009; Mângia, 2007).
Assim, a educação compreendida como um processo contínuo de aprendizado na área da saúde
vem passando por muitas alterações em suas concepções, definições e caracterizações, pa
ralelamente ao dinamismo do setor, às constantes inovações tecnológicas e à evolução que vem
ocorrendo neste campo, sofrendo influência direta dos momentos sócio-histórico-econômico-
-políticos. Mas, todas elas entendem o trabalho como centro privilegiado de aprendizagem e têm
caráter de continuidade do processo educativo, embora se fundamentem em diferentes princípios
metodológicos. Trata-se de "educação em saúde e trabalho em saúde ... é impossível haver
separação dos termos. Um produz o outro" (Merhy, 2005, p. 172).
As diferentes conceituações aparecem em grande parte da literatura com denominações distintas
que incluem a capacitação profissionalizante, a atualização profissional e o estudo no trabalho, e é
registrada uma variedade de termos para se referir a este processo, sendo os mais frequentes: (1)
Treinamento em Serviço; (2) Educação no Trabalho; (3) Educação em Serviço; (4) Educação
Continuada e (5) Educação Permanente.
Mas, independentemente da denominação que lhe seja atribuída, este sistema vem sendo 391
compreendido como um conjunto de alternativas educacionais, articulado, visando ao desenvol
vimento de ações voltadas à aprendizagem significativa no e para o processo de trabalho. Este,
entendido enquanto eixo para a transformação das práticas, de forma participativa e contextua
lizada, objetivando a melhoria da qualidade dos serviços de saúde (Motta et ai., 2002). Optando por
uma conceituação geral, com o respaldo da produção que vem sendo sistema tizada ao longo dos
anos, e usando a síntese proposta por Rovere (1994), entende-se a educação contínua, permanente,
progressiva, incessante na área da saúde como "a educação no trabalho, pelo trabalho e para o
trabalho, nos diferentes serviços, cuja finalidade é melhorar a saúde da pop11lação" (p. 9).

Modalidades de educação como processo


contínuo na área da saúde

As expressões utilizadas na literatura, para se referirem a este processo constante de cru zamento
das ações assistenciais com as educativas, foram se apresentando na área da saúde, constituindo-se
conceitualmente, por vezes de modo impreciso, com caracterização vaga no

Portaria nº 1.996 de 20 de agosto de 2007.


~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~

que diz respeito às suas dimensões metodológicas, organizacionais e estratégicas. Outras vezes,
eram empregadas de forma complementar, mantendo significados, no geral, muito semelhantes e
sendo mesmo tomadas como sinônimos, podendo ser atribuídas tanto aos programas pontuais de
treinamento e capacitação para o trabalho ou atualização científica e tecnológica, portanto
transitórios, como para projetos incluídos nos organogramas oficiais das instituições de saúde
(Massaroli, Saupe, 2012).
Mas, todos os sentidos implicam, em maior ou menor grau, um processo educativo, formal ou
informal, dinâmico, dialógico e contínuo, de revitalização e superação pessoal e profissional, de
modo individual e/ ou coletivo, buscando qualificação, postura ética, exercício da cidadania,
conscientização, reafirmação ou reformulação de valores, construindo relações integradoras en
tre os sujeitos envolvidos para uma atuação crítica e criadora (Backes et al., 2003). Os três
primeiros termos - Treinamento em Serviço, Educação no Trabalho e, mais :frequente mente,
Educação em Serviço - foram os primeiros conceitos a serem produzidos, como forma de
ajustamento dos profissionais às necessidades de saúde nos serviços. Referem-se todos ao mesmo
conceito de educação, cujo desenvolvimento se processa no cotidiano do ambiente de trabalho por
meio das experiências profissionais, pela necessidade imediata de solucionar um problema. É
o conjunto de práticas educacionais planejadas com a finalidade de ajudar o funcionário a atuar
392
de forma mais adequada, para atingir diretamente os objetivos da organização. É a capacitação do
trabalhador para uma atividade específica, por meio de um programa restrito, voltado para uma
instituição em particular. As ações são planejadas para que o profissional possa adquirir, manter e/
ou aumentar sua competência, cumprindo suas responsabilidades de acordo com objetivos
exclusivos daquela instituição. É o treinamento sobre como proceder em uma determinada
situação. Esse tipo de educação ainda é muito utilizado na capacitação dos profissionais de saú
de, dirigido principalmente, mas não exclusivamente, ao pessoal de nível médio e tem, como
finalidade principal, os interesses da organização, deixando em segundo plano o interesse dos
profissionais (Silva et ai., 1989;ANA, 1992; Kurcgant, 1993).
A Educação Cotttimiada, por sua vez, surgiu como uma estratégia mais abrangente do que a
Educação em Serviço, para a capacitação de grupos de trabalhadores da saúde, de diferentes
categorias profissionais,já treinados para os serviços. Para a OMS (1982) é "11111 processo que inclui
as experiências posteriores ao adestramento inicial, que ajuda o pessoal de assistência à saúde a
aprender competências importantes para o seu trabalho" (p.130). Ela é aquela que capacita o
profissional não só para as mudanças desejadas pela instituição como também para as requeridas
pelo próprio indivíduo e pela sociedade, desenvolvendo-o como pessoa e como profissional.
Compreende-se a Educação Continuada como um conjunto de experiências subsequentes à
formação inicial, um processo permanente de qualificação profissional, realizado através de uma
série de práticas educacionais, planejadas a médio e longo prazo, a partir das reais deman das
sociais e da própria evolução do setor saúde. Ela é destinada à mudança de atitudes e de
~ A educação continuada para o psicólogo da saúde t

comportamentos nas áreas cognitiva, afetiva e psicomotora, para melhorar ou atualizar a capaci
dade do indivíduo na perspectiva de transformação de sua prática. Deve permitir ao trabalhador
manter, aumentar ou melhorar suas habilidades e desenvolver suas potencialidades, e promover
oportunidades para uma atuação qualificada, compatível com o desenvolvimento de suas respon
sabilidades, dentro de uma visão crítica e responsável da realidade.
Os conteúdos trabalhados devem ter funcionalidade e relevância para a prática profissional e
devem valorizar os conhecimentos prévios dos indivíduos, uma vez que não se propõem a
preencher as lacunas de formação na graduação. Ela torna-se, então, uma abordagem para
complementar a formação dos profissionais, auxiliando-os a se aproximar da realidade social e
oferecendo subsídios para que possam entender e atender às necessidades de saúde da população e
contribuir para a organização dos serviços com as mudanças necessárias ao atendimento das
demandas (OPAS, 1978; Silva et al., 1989; Motta et al., 2002; Paschoal et al., 2007).
Caracteriza-se pelo investimento na competência individual, diferenciando-se, assim, das lis tas
de demandas por treinamento, resultantes da avaliação de cada um sobre o que lhe falta ou deseja
conhecer, ou das exigências organizacionais que, muito frequentemente, orientam as ini ciativas de
capacitação (Motta et al., 2002).
Propicia oportunidades de desenvolvimento em função das necessidades do próprio profis 393
sional e da instituição em que trabalha, com a finalidade de qualificá-lo para atuar mais efetiva e
eficazmente na sua vida institucional. É um meio de atualização do conhecimento técnico-
-científico para a transformação das práticas, que permite ao profissional a reflexão sobre seus
objetivos, sua atuação, levando-o também ao desenvolvimento pessoal, o que propicia mais gra
tificação e prazer no seu desempenho. Desta forma, essas mudanças trarão proveito não só ao
próprio profissional, como à instituição e, principalmente, às pessoas assistidas por ele (ANA,
1992; Girade et al., 2006; Paschoal et al., 2007; Silva, Seiffert, 2009).
Nesse conceito, a Educação Continuada é colocada como um beneficio destinado ao sujeito que
participa do processo educativo e esse ganho retorna para a instituição, sob a forma de satis fação,
motivação, conhecimento, maior produtividade e otimização dos serviços.
Na medida em que a Educação Continuada tem como finalidade desenvolver o indivíduo
integralmente, como pessoa e como profissional, de acordo com os objetivos e responsabilidades da
instituição, pressupõe que os trabalhadores estejam abertos a novas idéias, decisões, habilidades ou
comportamentos.
Já a Educação Permanente pode ser definida como um processo de ensi~o e aprendizagem dinâmico
e contínuo, centrado no trabalho, que tem como finalidade o aprimoramento das competências de
pessoas e grupos, para enfrentarem a evolução tecnológica, as necessidades so ciais e atenderem aos
objetivos e metas da instituição a que pertencem. Ela é apresentada como prática institucionalizada,
com o objetivo de promover mudança institucional, fortalecer as ações
~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~

de equipe, transformar práticas profissionais, técnicas e sociais e a própria organização do tra balho,
melhorando a qualidade de vida do profissional em todas as dimensões pessoais e sociais,
auxiliando na formação integral do indivíduo.
Adota, para tanto, uma pedagogia centrada na resolução de problemas e efetuada no am biente de
trabalho, de maneira a promover a apropriação do saber científico, configurando-se como
responsabilidade da instituição na qual o profissional de saúde atua. O processo educativo
estabelecido através da Educação Permanente deverá contribuir para um modelo de assistência à
saúde, no qual as adaptações do conhecimento possam ser incorporadas como uma nova visão e
prática no trabalho em saúde, um fator que influenciará no processo de reflexão e transformação das
práticas vigentes nos serviços, para que os profissionais possam enfrentar a realidade, através da
complementação e/ou aquisição de novos saberes (Haddad et al., 1990, 1994; Girade et al., 2006).
A Educação Permanente, dentro dos princípios orientadores de sua elaboração como Política,
tem por desafio constituir-se em eixo transformador, em estratégia mobilizadora de recursos e
poderes e em função estruturante do fortalecimento dos serviços de educação das instituições de
saúde. É considerada uma nova ordem para a formação e desenvolvimento das práticas educativas,
devendo ser tomada como um expediente inovador para a gestão do trabalho, na medida em
que o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das organizações e ao exercício profis 394
sional. Dentre suas diretrizes, está a promoção desta integração entre o ensino e o serviço, entre a
educação e o trabalho, com o objetivo de promover mudanças tanto no processo de formação
quanto nas condições de organização e no exercício da atenção, no âmbito do SUS, mudanças estas
a serem construídas na prática concreta das equipes. A Educação Permanente é a realização do
encontro entre o mundo de formação e o mundo de trabalho (Alves, 2006; Brasil, 2006, 2009).
A proposta da Educação Permanente toma como referência as necessidades de saúde das
pessoas e das populações, a capacitação das equipes, os conteúdos das ações formativas e as tec
nologias. A metodologia a ser utilizada deve ser determinada a partir da observação dos proble mas
que ocorrem no dia a dia do trabalho e que precisam ser solucionados para que os serviços
prestados ganhem qualidade, e os usuários fiquem satisfeitos com a atenção prestada.
As demandas por capacitação se definem prioritariamente a partir dos problemas de orga nização
do trabalho, considerando a necessidade de prestar atenção relevante e de qualidade. A partir da
problematização do processo e da qualidade do trabalho em cada serviço de saúde, são
identificadas as necessidades de capacitação, garantindo a aplicabilidade e a relevância dos con
teúdos, método e tecnologias estabelecidas.Ao considerar o trabalho para além de sua dimensão
instrumental e técnica, a Educação Permanente se vê operando no contexto dos modelos orga
nizacionais e das formas de relação dos serviços com a sociedade.
Abordar a educação contínua nessa dimensão significa colocá-la como parte do processo de
gestão do trabalho coletivo nos serviços, voltada à construção de um novo contrato ético
1 A educação continuada para o psicólogo da saúde ~

i
1!

e político dos profissionais com a população. Seus limites e potencialidades se circunscrevem, assim, à
realidade dos projetos políticos-institucionais.
A Educação Permanente apresenta-se como uma proposta de ação capaz de contribuir para a
transformação dos processos formativos, das práticas pedagógicas e de saúde e para a organi zação dos
serviços. É entendida como uma atualização cotidiana das práticas, seguindo os no vos aportes
teóricos, metodológicos, científicos e tecnológicos disponíveis, contribuindo para a construção de
relações e processos. Parte do pressuposto, conforme referido na Política, que a aprendizagem é
significativa, que origina e impulsiona seu próprio intento, promove e produz sentidos, e sugere que a
transformação das práticas profissionais esteja baseada na reflexão crítica sobre as práticas reais, de
profissionais reais, em ação na rede de serviços.
Para Haddad et ai. (1990), o conceito de Educação Permanente

"b11sca altemati11as e sol11ções para os problemas reais e concretos do trabalho habit11al pri11ile
giando o processo de trabalho como eixo ceutral da apre11dizage111 e e1ifatiza11do a capacidade
h11111ana de criar conhecimento novo, a partir da diswssão e análise co11j11ntas e participativas
dos problemas reais, de suas ca11sas e das implicações q11e as alternativas de solução têm na
b11sca da tra11sfor111ação da prática de saâde, objeti110 essencial do ato ed11cativo" (p. 136).

395
Há diversas maneiras de conceituar educação contínua, todas têm propósitos definidos, não
opostos, mas complementares, que conferem especificidades ao sistema de ensino-aprendizagem na
área da saúde e culminam, de forma explícita ou não, para atendimento das metas da insti tuição,
desenvolvimento profissional e pessoal, acréscimo de conhecimentos, aprimoramento de habilidades e
promoção de mudanças de atitudes (Girade et ai., 2006). Em todas elas, as neces sidades de
conhecimento e a organização de demandas educativas são geradas no processo de trabalho,
apontando caminhos e fornecendo pistas ao processo de formação.
Todos estes conceitos desenvolvidos se caracterizam por reconhecer e valorizar o trabalho em
todas as suas dimensões e por ampliar a noção de educação, para enriquecer a natureza hu mana, em
qualquer momento da sua existência, inclusive no exercício profissional. Sob este en foque, o trabalho
não é concebido apenas como uma aplicação do conhecimento, mas entendido em seu contexto
sócio-organizacional.
Nesse sentido, Rovere (1994) trabalha com a hipótese de que as diferentes concepções que tiveram
êxito em estruturar a cultura de formação continuada dos serviços de saúde trazem im plícitas,
concepções do trabalho, do trabalhador, das relações de poder, da participação, da natu reza dos
contratos de trabalho formais e informais, que predeterminam os espaços permitidos, os estilos
educacionais, os conteúdos e as características das demandas que especificamente podem ser feitas à
educação continuada.

i A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~

As ações dos programas de formação contínua são uma estratégia de reestruturação e de


senvolvimento dos serviços, a partir da análise dos determinantes sociais e econômicos, mas,
sobretudo de transformação de princípios e conceitos dos profissionais. São um instrumento que
auxilia o profissional a refletir sobre a importância do seu trabalho e estimula o repensar sobre os
valores profissionais, o que resulta na melhoria do processo de cuidar (Oguisso, 2000).
Assim trata-se sempre de um processo permanente, que promove o desenvolvimento integral
dos profissionais, empregando os acontecimentos do trabalho, o ambiente normal das atividades em
saúde, os estudos dos problemas reais e do cotidiano e todas as situações consideradas mais
apropriadas para atingir uma aprendizagem significativa.

Objetivos e estratégias utilizadas na Educação


Continuada no Serviço de Psicologia da Santa
Casa de São Paulo
396
O Serviço de Psicologia da Santa Casa de São Paulo toma "Educação Continuada" como o
termo mais apropriado ao formato e às atividades que pratica para formação contínua, uma vez que
as ações realizadas não se configuram como de responsabilidade da Instituição. Ainda que ela
permita, apoie e estimule todas as iniciativas no sentido de uma educação contínua, tais ações não
se fazem oficialmente dentro dos princípios e diretrizes da Política de Educação Permanente para a
Saúde, não se constituindo, neste sentido, como uma política institucional.
Além disto, a formação contínua proposta por este Serviço de Psicologia tem atuação bas tante
abrangente, incluindo desde simples treinamentos voltados às práticas específicas da Psi cologia
(como a aplicação e avaliação de um novo teste psicológico que demanda aprendizado) ou mesmo
às normas de organização e segurança institucionais (como treinamentos ligados ao uso da
documentação oficial ou de documentos normativos que têm por objetivo estabelecer e padronizar
os procedimentos a serem seguidos para cumprimento das diretrizes da Organização Nacional de
Acreditação (ONA, 2012) ou à prevenção de acidentes de trabalho), até aquelas ações mais
elaboradas que demandam reorganização do processo de trabalho e transformações nas rotinas do
atendimento psicológico. Entende-se que mesmo aqueles treinamentos conside rados básicos podem
acrescentar competência ou habilidades ao indivíduo, ainda que estejam atendendo prioritariamente
às necessidades organizacionais.
As ações são planejadas de forma a incluir os treinamentos básicos, mas também a propi ciar
oportunidades de desenvolvimento ao profissional para que ele adquira ou aumente sua
i A educação continuada para o psicólogo da saúde ~

capacidade, sua habilidade e sua competência, para uma atuação qualificada, cumprindo suas
responsabilidades, dentro dos quesitos éticos, de acordo com o preconizado pela Psicologia como
ciência e profissão. Em qualquer destas situações, considera-se a realidade do contexto de trabalho,
de tal forma que as capacitações tenham consonância com a prática profissional e acredita-se que
este processo de formação contínua acabe por produzir uma visão crítica e res
ponsável, que redundará em mudanças significativas dos indivíduos, dos processos, das práticas e
da organização do trabalho.
Além de todos estes anteriores, considera-se ainda o processo de Educação Continuada, como
sendo aquele que propõe aos profissionais outros aspectos do desenvolvimento pessoal, como
adquirir novos conhecimentos com o objetivo de enriquecer a cultura, o lazer e a con vivência
social.
Assim, as demandas para a capacitação dos psicólogos do Serviço de Psicologia são oriundas de
diferentes fontes: desde as necessidades de atualização nas normas e orientações institucionais até,
em um sentido mais amplo, os problemas e carências detectados em algum nível do processo e da
qualidade do trabalho psicológico no âmbito dos serviços de saúde. Mas, venham de onde vierem,
concentram-se no profissional, foco por excelência de todo processo de educação e
subjetivação, e as estratégias de formação permanente visam a apoiar o psicólogo na realização 397
das atividades pertinentes à sua função e à sua inserção na instituição. De alguma forma, todas elas
propõem mudanças, transformações, ou seja, os processos de capacitação dos psicólogos são
estruturados a partir da sua atuação profissional e objetivam a transformação das práticas profis
sionais e da própria organização do trabalho, tendo como referência as necessidades de saúde das
pessoas para que a atenção prestada seja relevante e de qualidade.
Sempre com a indicação da relação teoria-prática e assumindo as atividades psicológicas em
saúde como eixo integrador do processo educativo, opta-se por uma combinação de métodos e de
conteúdos para o enfrentamento de temas priorizados. Algumas atividades possuem duração
definida e utilizam metodologia tradicional, com conteúdos organizados dentro de disciplinas e/ ou
especialidades da saúde, enquanto outras se estruturam a partir de problemas identificados e
necessidades do processo de trabalho, mas sempre garantindo a aplicabilidade e a relevância dos
conteúdos, métodos e tecnologias adotados.
Estabelecem-se como objetivos da Educação Continuada:
> Desenvolver experiências pedagógicas articuladas ao exercício profissional no âmbito do
Serviço de Psicologia;
> Orientar e programar atividades de capacitação profissional;

~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade r


> Cumprir com as exigências organizacionais de treinamento e adequação às normas, pro
cedimentos e protocolos de atuação;
> Propiciar o cruzamento das atividades de trabalho com a formação profissional; > Atualizar
a prática profissional, qualificando o psicólogo para atuar mais efetiva e eficaz mente na sua
vida institucional;
> Difundir informações atualizadas do campo da saúde, em especial da Psicologia da Saúde; >
Estimular e apoiar o desenvolvimento da qualificação profissional;
> Propiciar oportunidade para o desenvolvimento do potencial do psicólogo para uma atuação
qualificada;
> Atualizar o conhecimento técnico-científico, capacitando o psicólogo para o uso eficiente das
inovações;
> Formar quadros atualizados para o Serviço de Psicologia;
> Facilitar a discussão e apropriação dos conhecimentos pelos psicólogos como agentes das
práticas de saúde inseridos na instituição;
> Desenvolver no psicólogo a competência para relacionar teoria e prática em beneficio da
assistência prestada;
398

> Facilitar a análise e a reflexão sobre as situações práticas da Psicologia da Saúde na assis
tência e no ambiente de trabalho e sua reatualização;
> Identificar as necessidades de saúde, problemas, insatisfações e utilizar meios e métodos para
saná-los, como opções para o desenvolvimento dos serviços;
> Favorecer uma aproximação com a realidade social;
> Examinar as mudanças no perfil epidemiológico e na organização dos serviços de saúde; >
Motivar o profissional para a busca de constante aperfeiçoamento;
> Apoiar a mudança de atitudes e comportamentos para melhorar a atuação profissional; >
Favorecer maior entrosamento intraequipe, propiciando a harmonia no relacionamento
interpessoal;
> Promover satisfação na atuação profissional, melhorando as condições de trabalho na bus ca
de um objetivo comum;
> Melhorar a assistência proporcionada ao paciente.

A Educação Continuada do Serviço de Psicologia pode ser feita para um único profissional,
para toda a equipe de psicólogos ou para grupos de psicólogos de diferentes especialidades, de
ambientes ou regiões de trabalho diversos, que apresentam necessidades distintas. Não há uma
duração específica para uma atividade de Educação Continuada, que pode ocupar algumas horas,
um final de semana, ou estender-se por períodos mais longos. Para proporcionar aos psicólogos
~ A educação continuada para o psicólogo da saúde ~

meios de participação em atividades diversas de formação continuada, o Serviço de Psicologia


fundou, em 20 de fevereiro de 2002, um Centro de Estudos e Pesquisas, associação cultural sem
fins lucrativos, que tem o objetivo de promover o aperfeiçoamento profissional e cultural de seus
associados, especialmente no que se refere à prática da Psicologia.
O processo de aprendizagem da Educação Continuada no Serviço de Psicologia pode adqui rir
formatos diversos, sempre representando iniciativas e oportunidades para instrumentalizar o
trabalho como eixo educativo, que incluem: reuniões de equipe - técnicas ou científicas - semi
nários, palestras, conferências, congressos, simpósios,jornadas e afins, workshops, cursos de curto
prazo de caráter complementar ou de reciclagem, supervisão técnica, orientação de estudos,
instruções técnicas, trocas de experiência entre colaboradores, grupos de estudo, participação em
conselhos, comitês ou comissões técnicas/ científicas (com representantes das diversas categorias de
trabalhadores de saúde) e outras ações concretas no ambiente de trabalho (elaboração de pro
tocolos, manuais, levantamentos de necessidades, atividades em cooperação interdisciplinar etc.).
Alguns exemplos das atividades regulares realizadas com foco na formação continuada:

> Grupos de Estudos: de frequência quinzenal, promovem espaço para a formação con
tínua dos psicólogos, oferecendo a possibilidade de leitura e discussão de artigos com uma
399
temática específica e de estudos de casos visando à articulação de conceitos teóricos à
prática profissional.

> Palestras: realizadas com frequência mensal, dirigidas a toda a equipe, ministradas por
convidados externos e também pelos próprios psicólogos do Serviço. Os temas são sele cionados
de acordo com as necessidades identificadas na atuação prática, e também aten dendo a
exigências institucionais. O grande desafio desta prática está relacionado ao fato de que as
palestras precisam atingir as expectativas dos psicólogos atuantes nas diferentes esferas da
Psicologia da Saúde, da atenção primária à alta complexidade, sendo fundamen tal que os temas
abordados sejam abrangentes e atuais. Como estratégia complementar de organização e
reformulação dos temas propostos para palestras, ao término de cada reunião os psicólogos
preenchem um formulário de avaliação, que tem a finalidade de ve rificar se o evento atingiu os
objetivos propostos. Esta avaliação tem se constituído em um instrumento relevante para
comentários e sugestões de temas para os próximos encontros.

> Mostra de Práticas Psicológicas na área da Saúde: realizada mensalmente, desti nada aos
profissionais da área, com a finalidade de divulgar e expandir o conhecimento da Psicologia da
Saúde. A programação é anual e aborda temas específicos das atividades da Psicologia na
instituição de saúde. Nestas ocasiões, os psicólogos têm a oportunidade
~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~

de apresentar os objetivos e o modelo de sua atuação e os resultados alcançados com o


trabalho desenvolvido nesta Instituição.

> Eventos científicos, cursos de reciclagem ou aprimoramento: de :frequência es porádica,


são atividades que possibilitam o debate de assuntos atuais, favorecem a troca de
experiências, mantêm os profissionais atualizados e motivados para o desenvolvimento
pessoal e profissional.

> Comitês e Comissões Técnicas e Científicas: de :frequência mensal, são espaços in


terdisciplinares/multiprofissionais que possibilitam a discussão teórico/prática e técnico/
científica dos problemas de saúde e de organização da assistência enfrentados na institui ção.
Comitês e Comissões que contam com a participação de psicólogos:
> Comitê de Humanização
> Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos
> Comitê de Ergonomia
> Comitê de Prevenção e Tratamento de Feridas
400
> Comitê de Qualidade de Vida
> Comissão de Transplantes
> Comissão de Oncologia
> Comissão Científica do Serviço de Psicologia
> Comissão de Mortalidade Materna e Fetal
> Comissão de Prontuários
> Programa de Apoio à Aposentadoria Humanizada
> Núcleo de Prevenção à Violência

Desta forma, a Educação Continuada para o psicólogo da saúde do Serviço de Psicologia da


Santa Casa de São Paulo observa os interesses e objetivos da organização, mas sem prejuízo do
investimento nas necessidades do próprio psicólogo. O desenvolvimento do psicólogo como pessoa
e como profissional, constitui-se no seu foco central, quer este crescimento se faça através de
treinamentos, ou de sofisticada atualização técnico-científica. Afinal, acredita-se, de acordo com
Freire (1979), que a "educação não transforma o mundo. Educação muda pessças. Pessoas transfor
mam o mundo" (p.84).
i A educação continuada para o psicólogo da saúde r

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