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Universidade da Madeira

Departamento de Química
Relatório nº1
3ºAno/ 1º Semestre
REACÇÕES DE DIELS-ALDER
Preparação e hidrólise do anidrido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico
Elaborado por: Cesário Camacho Data: 19-10-99
Duarte Correia 26-10-99

 RESUMO

Este trabalho que teve por objectivo a síntese e hidrólise do anidrido cis-norbonen-endo-
5,6-dicarboxílico foi realizada em duas etapas.
Numa primeira parte, preparou-se o anidrido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico através
da reacção de cicloadição do anidrido maleíco com o ciclopentadieno este último obtido pela
pirólise do diciclopentadieno, obtendo-se um rendimento de 72,22 %. Relativamente aos testes
físicos efectuados verificou-se que o anidrido obtido apresentava um intervalo de fusão de 153-
156ºC.
Na etapa complementar procedeu-se à hidrólise do respectivo composto a ácido cis-
norbonen-endo-5,6-dicarboxílico, sendo o rendimento de 77,93%. No que respeita aos testes
físicos verificou-se que o ácido em causa apresentava um intervalo de fusão de 177-180ºC.

 INTRODUÇÃO TEÓRICA

Os compostos de carbonilo α,β insaturados apresentam uma reacção importantíssima


com os dienos conjugados, denominada reacção de Diels-Alder. Trata-se de uma reacção de
adição em que o C-1 e o C-4 do sistema conjugado do dieno se ligam aos átomos de carbono da
ligação dupla carbono-carbono do composto de carbonilo insaturado-dienófilo, com formação
de um anel hexagonal [1].
Trata-se de um sistema típico de uma cicloadição (4π + 2π) em que o composto formado,
aducto, resulta da existência de duas novas ligações σ a partir de duas ligações π dos reagentes
adquirindo deste modo maior estabilidade energética.
Este tipo de reacção ocorre rigorosamente com estereoespecificidade tanto em relação ao
dieno como em relação ao dienófilo, em que o dieno tem de reagir na conformação cisóide.
Deste modo, vem-se a confirmar um mecanismo síncrono implicando a formação
simultânea de ambas as novas ligações no estado de transição. O facto da reacção ser
acentuadamente influenciada pelo efeito electrónico de substituintes, sugere que ambas as
ligações não se formam necessariamente na mesma extensão no estado de transição [2].
Verifica-se que é favorecido por substituintes electrodoadores no dieno e por
substituintes electroatractores no dienófilo, como é o caso do anidrido maleíco em que a

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presença de dois grupos carbonilo (sacadores de electrões) adjacentes à dupla ligação


contribuem para a reactividade.
Um efeito estereoquímico importante neste tipo de reacções é a possibilidade de
formação de dois modos de adição alternativos, o exo e o endo, em que o isómero
predominante é aquele em que ocorre a coalescência máxima dos electrões π no estado de
transição [3].
O facto do produto da reacção endo apresentar interacções secundárias de orbitais ao
nível do estado de transição (o que não acontece com o confórmero exo), confere-lhe
predominância para quase todas as reacções, sendo no entanto termodinamicamente menos
estável, devido a efeitos estéricos.
O ciclopentadieno reage com o anidrido maleíco à temperatura ambiente para dar um
único produto de reacção, novamente o confórmero endo, estabilizado devido a interacções no
estado de transição entre o sistema π das ligações de anidrido -CO-O-CO- e a dupla ligação em
desenvolvimento [4].

 TRATAMENTO DE RESULTADOS

❶ Pirólise do diciclopentadieno

Antes da síntese do anidrido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico procedeu-se a uma


destilação fraccionada do diciclopentadieno de modo a provocar a pirólise deste último. Trata-
se de uma reacção de retro Diels-Alder uma vez que se tinha um aducto a partir do qual se
regenera o ciclopentadieno pois estamos perante uma reacção reversível.
Assim, para evitar a dimerização do ciclopentadieno colocou-se o balão de recolha em
banho de gelo ao longo da destilação.

❷ Preparação do anidrido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico

De modo a que a reacção entre o anidrido maleíco e o ciclopentadieno ocorresse


dissolveu-se 6,0311g de composto sólido em acetato de etilo, o que provocou a rápida
dissolução dado que ambos são polares. Sendo o ciclopentadieno apolar, houve a necessidade
de provocar um abaixamento da polaridade o que foi conseguido pela adição de n-hexano
(apolar) explicando-se, deste modo, a precipitação de algum anidrido maleíco.
Assim, após a adição do ciclopentadieno verificou-se a formação de pequenos cristais
correspondentes ao produto pretendido.
Aquando da recristalização, o precipitado não redissolveu totalmente devido,
provavelmente, ao facto do aquecimento prolongado ter provocado a evaporação de grande
parte do solvente. Consequentemente a solução ficou saturada provocando a precipitação do
produto.
Deste modo, após deixar a solução em repouso deu-se a recristalização do produto.
Depois de ser separado e quantificado efectuaram-se alguns testes de caracterização.
No que respeita à quantificação do produto obtido, verificou-se que o rendimento foi de
72,22% (ver apêndice I).

❸ Hidrólise do anidrido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico

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No processo de hidrólise do anidrido cis norbonen-endo-5,6-dicarboxílico dissolveu-se


por completo o produto obtido na etapa anterior, tendo-se obtido, por algum tempo, cristais
brancos em forma de agulha correspondentes ao ácido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico.
Depois da filtração a vácuo, obteve-se um rendimento de 77,93% (ver apêndice I) do
produto anterior efectuando-se seguidamente alguns testes de caracterização.

❹ Caracterização dos compostos obtidos

Neste capítulo efectuaram-se os testes químicos e físicos considerados necessários para a


identificação dos compostos sintetizados. Outros ensaios poderiam ser utilizados, como por
exemplo o teste de bromo e o recurso à espectroscopia. Contudo, tal não foi possível devido à
falta dos reagentes necessários e também ao facto de certo equipamento não estar acessível aos
alunos.

➲ Anidrido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico

Relativamente aos testes físicos, determinou-se que o intervalo de fusão deste composto
está compreendido entre 153-156ºC. No teste referente à pesquisa do carácter ácido (para
identificação de ácidos carboxílicos) verificou-se que quando se adicionou um cristal da
substância a analisar a uma gota de NaOH 0,01M (avermelhada pela fenoftaleína) a solução
ficou incolor, logo o teste deu positivo. No entanto, o composto não produziu CO2 quando em
contacto com uma solução aquosa de NaHCO3.

➲ Ácido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico

No que respeita aos testes físicos para este composto, mediu-se o intervalo de fusão
tendo-se verificado que este está situado a 177-180ºC.
Relativamente aos testes químicos foram efectudaos os mesmos que no composto anterior
tendo-se constatado que para ambos os casos deram positivo.

 CONCLUSÃO/CRÍTICA

A preparação do anidrido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico é um exemplo típico de


uma reacção de Diels-Alder. Trata-se de um sistema policíclico decorrente de uma cicloadição
do tipo 4π + 2π, ou seja, resulta da reacção entre um dieno conjugado (ciclopentadieno-sistema
4π) com um composto contendo uma dupla ligação (anidrido maleíco-sistema 2π) designado
por dienófilo. O produto resultante (cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico) é o aducto:

Atenda-se, porém, que o anidrido maleíco reagiu prontamente à temperatura ambiente


devido sobretudo à presença de dois grupos carbonilo (sacadores de electrões) que se
encontram adjacentes à dupla ligação sendo essa reactividade reforçada com a existência de
grupos dadores de electrões junto às duplas ligações do sistema 4π [4].

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De forma a melhor compreender a reacção que dá origem à estrutura do composto obtido,


iremos analisar o tipo de interacções que ocorrem entre as orbitais envolvidas.
Assim, nesta reacção a orbital molecular ocupada de maior energia, HOMO, do
ciclopentadieno escolhe a orbital de mais baixa energia (LUMO) e portanto mais estável do
anidrido maleíco para onde os electrões são promovidos. Deste modo, a maior interacção
resultante da sobreposição das orbitais, pode ser justificada com o facto dos substituintes do
anidrido maleíco provocarem uma redução do nível de energia do LUMO do dienófilo e um
aumento da energia da orbital HOMO do dieno [1].
Quando estamos perante uma cicloadição deste tipo verifica-se que mais do que um
estereoisómero pode ser formado. Ora, se para um dado isómero a coalescência dos electrões π
for máxima este é o que predomina. Contudo, essa coalescência só será possível se os planos
moleculares envolvidos estiverem em posição paralela, pois essa orientação provoca a
sobreposição máxima da ligação π dos dois reagentes e favorece a formação inicial de um
complexo π e finalmente do produto final [3].

Máxima sobreposição Isómero endo


dos electões π

Menor sobreposição Isómero exo


dos electões π

Neste caso, verifica-se que o aducto endo predomina. Supõe-se que isto se deve ao facto
de no estado de transição para a adição endo, mas não para a adição exo, poder ocorrer
estabilização adicional possibilitando um mecanismo reaccional com menores requisitos
energéticos. Temos portanto uma reacção mais rápida resultante da interacção das orbitais
secundárias. Verifica-se, no entanto, que esta sobreposição secundária não pode ocorrer no
estado de transição para a adição exo pelo facto das orbitais relevantes se encontrarem
excessivamente afastadas. Assim, a estrutura endo do anidrido cis-norbonen-endo-5,6-
dicarboxílico é termodinamicamente menos estável devido aos efeitos estéreos e cineticamente
favorecida em relação ao seu confórmero exo.
De forma a explicar esta situação observemos o que se passa ao nível da interacção das
orbitais de valência (secundárias) que não estão directamente envolvidas na formação de novas
ligações [5].

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As linhas a tracejado são as interacções primárias, que representam os locais das novas
ligações. No entanto, pode-se verificar que as linhas ponteadas identificam as reacções
adicionais que, como já vimos anteriormente, não levam à formação de novas ligações mas sim
baixam a energia do estado de transição.
Refira-se também que a reacção retro Diels-Alder assume um papel fundamental pois a
partir de um aducto Diels-Alder (diciclopentadieno) permitiu-nos obter o ciclopentadieno
desejado.
Por outro lado, o processo de hidrólise do anidrido ao respectivo ácido cis-norbonen-
endo-5,6-dicarboxílico pode ser descrito pelo seguinte mecanismo reaccional [6]:

Numa primeira etapa, assiste-se a um ataque nucleófilo a um dos átomos de carbono


carboxílico por parte da molécula de água sendo este processo facilitado pela capacidade do
oxigénio, que estabelece uma ligação com esse carbono, captar um par de electrões resultante
da ligação π.
Posteriormente ocorre a ruptura da ligação σ com o outro átomo de oxigénio, resultante
da regeneração da ligação dupla carbono-oxigénio.
Finalmente, o átomo de oxigénio positivo perde um protão para o átomo de oxigénio
negativo, estabilizando-se desta forma as cargas existentes na molécula [6].
Deste modo, é formado o ácido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico.
Recorrendo aos testes físicos e químicos efectuados pode-se verificar que ocorreram
pequenas discrepâncias, embora pouco significativas, em relação aos resultados esperados.
Assim, em relação aos intervalos de fusão dos compostos analisados observou-se que, o
anidrido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico apresentava um intervalo de fusão de 153-156ºC,
sendo este inferior ao da literatura (164-165ºC [7]).
Esta diferença pode ser justificada pela provável existência de impurezas que
contaminaram o produto obtido. Quanto ao ácido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico obteve-
se um intervalo de fusão de 177-180ºC o qual é próximo do teórico (175 [8]).

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Relativamente aos testes químicos, constatou-se que a pesquisa do carácter acídico


revelou-se positivo para ambos os casos apesar de no caso do anidrido cis-norbonen-endo-5,6-
dicarboxílico não ter ocorrido a libertação de CO2 talvez pelo facto das quantidades adicionadas
não terem sido suficientes.
Com base no que foi referenciado anteriormente pode-se concluir que se obteve os
produtos desejados apesar da informação colhida não ser a mais completa.
Por fim, refira-se que os rendimentos obtidos foram satisfatórios, isto é, para o caso do
anidrido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico obteve-se um rendimento de 72,22% enquanto
que para o respectivo ácido obteve-se um rendimento de 77,93%.
Note-se que apesar de no caso do anidrido o rendimento ser satisfatório há que ter em
conta as perdas que ocorreram no decurso da experiência devido fundamentalmente às
operações de transferência realizadas.

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APÊNDICE I

CÁLCULOS EXPERIMENTAIS

MM (C4O3H2)= 98,06g.mol-1
MM(C5H6)= 66,11g.mol-1
MM(C9H8O3)= 164,16 g.mol-1
m(anidrido maleíco)pesada= 6,0311g
V(ciclopentadieno)= 6ml

Cálculo do número de moles do anidrido maleíco

n= 6,0311/98,06= 0,0615 mol

Cálculo do número de moles do ciclopentadieno

ρ=m/v ⇒ m=0,80475x6= 4,8285g

n=4,8285/66,11= 0,07304 mol

Uma vez que a reacção se dá na proporção de 1:1 então o reagente limitante é o anidrido
maleíco.

Cálculo da massa do anidrido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico

n=m/M ⇒ m=0,0615x164,16= 10,097g

Cálculo do rendimento da reacção

m(C9H8O3)obtida = 7,29239 g

η= (7,29239/10,097)x100%= 72,22%

Assim sendo, obteve-se um rendimento para o anidrido cis-norbonen-endo-5,6-


dicarboxílico de 72,22%.

Determinação do rendimento do ácido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico

Sabendo que:
MM(C9H10O4)= 182,18 g.mol-1
m(ácido)obtido= 3,40760 g
m(anidrido)pesada= 3,94027 g

determinou-se o nº de moles do anidrido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico que foi de


2,40x10-2 e calculou-se a massa do ácido cis-norbonen-endo-5,6-dicarboxílico para um
rendimento de 100% que foi de 4,37280g.
Assim, o rendimento é:

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η= (3,40760/4,37280)x100%= 77,93%

BIBLIOGRAFIA

[1]- Morrison, R. and Boyd,; "Química Orgânica", 13ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian,
Lisboa, 1996;

[2]- Sykes, P., "Guia de Mecanismos da Química Orgânica", 1ª Edição, Universidade Nova
de Lisboa-Faculdade de Ciências e Tecnologia, Lisboa, 1989;

[3]- Fieser, W., "Organic Experiments", 8ª ed., Houghton Mifflin Comapny, New York, 1998;

[4]- Castilho, Paula C., "Química Orgânica II-Apontamentos", Departamento de Química da


Universidade da Madeira, 1999;

[5]- Fleming, Ian, "Frontier Orbitals and Organic Chemical Reactions", Jonh Wiley &
Sons, 1990;

[6]- Solomons, T.W. Graham, "Fundamentals of Organic Chemistry", 3ª ed., Jonh Wiley &
Sons, 1990;

[7]- Lide, D.R. (editor), "Handbook of Chemistry and Physics", 72ª ed.,CRC Press, Inc.,
USA, Boston, 1991-1992;

[8]-Catálogo de Química Fina 1996-1997, Aldrich.

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