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A famosa revista Reflexão da PUCCAMP em seu número 35 apresenta uma série de artigos de pensadores
brasileiros que discutem o tema Lazer e Trabalho. A diversidade de opiniões e perspectivas teóricas
demonstram que também no Brasil não há consenso sobre o significado e alcance de cada uma dessas noções.
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Um dos estudiosos que pretendeu traçar com certa objetividade as diferenças em o
“Tempo Livre”, o “Ócio” e o “Lazer” foi o sociólogo francês Joffre DUMAZEDIER em
seu livro Sociologia Empírica do Lazer (1999).
O autor faz uma leitura diacrônica da noção de “Lazer” e critica o que chamou de
abordagem “comportamentalista”, que define como Lazer tudo “o que dá prazer, o feito
com alegria”. Para DUMAZEDIER, esta definição é muito vaga, pois desconsidera que
muitas atividades podem ser realizadas com prazer e nem por isso seriam, cotidianamente,
chamadas de Lazer. Outra definição que o sociólogo critica é a que opõe Lazer ao Trabalho
Profissional e Remunerado. Esta concepção, em sua opinião, possui um sério problema:
deixar na esfera do Lazer, por exemplo, as obrigações "doméstico-familiares".
Para DUMAZEDIER, o “Lazer” deve ser pensado em relação com duas dimensões
importantes: o tempo e a atitude. Assim, em primeiro lugar, ele procura opor em campos
diferente o trabalho remunerado e obrigações doméstico-familiares (incluindo aqui o tempo
escolar), de um lado, e o "Tempo Livre" ou o "Tempo Disponível" do outro.
Esse “Tempo Livre” será, em sua opinião, ocupado com algumas atividades: as
sócio-religiosas, as sócio-políticas e, por fim, os lazeres. A conclusão de sua Tese é óbvia:
o “Ócio” será considerado como algo necessariamente negativo. O Lazer, inclusive, não
seria uma forma de negar o trabalho, mas de negar o Ócio. Possivelmente, não era essa a
intenção de DUMAZEDIER, mas se o Lazer deve negar o Ócio, significa dizer que o Lazer
é um neg-ócio, o que de fato veio a se transformar, hoje em dia, com a Indústria do
Entretenimento e do Turismo.
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industrial” em que o número de empregos a ser criado tende a diminuir, a tendência
correlacionada é a diminuição do Tempo Liberado. Ou seja, com o aumento do
desemprego, aumenta-se também o Tempo Desocupado (o Ócio) e se diminui o destinado
ao Lazer. Assim, com o trabalho se tornando cada vez mais escasso, a diminuição do
Tempo Liberado pelo Trabalho poderá acarretar o fim do fenômeno Lazer na sociedade
pós-industrial. Assim, a tão propagada "Civilização do Lazer" anunciada para o século XX
poderá se extinguir antes mesmo de atingir o seu apogeu, restando apenas o Ócio, algo
necessariamente negativo na concepção de DUMAZEDIER.
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com o imposto, violarmos a imposição, a norma, o dado. Humano
porque violador; e criador porque humano. Exercemos, pois, a
humanidade, no ócio – e na humanidade conferimos dignidade ao
trabalho, subproduto do ócio e a ele subordinado.
A citação acima parece complementar a reflexão de que o Ócio é "o tempo que fica
para além daquele que é exigido para a nossa existência e subsistência" (BRIGHTBILL,
1963). Essa noção descarregada de valores morais faz com que o Ócio também possa ser
pensado como detentor de uma polaridade positiva, ou como o campo possível de práticas
transicionais e o universo capaz de acentuar a socialidade, justamente por possuir um
potencial fático liberto da lógica social da dominação.
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TEIXEIRA COELHO (2000: 145) nos lembra também que foi na própria Grécia antiga que scholé passou
a significar o lugar onde a pessoa passa o tempo livre e, mais tarde, o lugar da instrução.
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As expressões ergon (grego) e opus (latim) muitas vezes traduzidas como trabalho,
representavam, na Antigüidade, as obras produzidas e não a atividade de produzi-las. Como
nos lembra Marilena CHAUI (1999:12), "a palavra latina que originou o vocábulo
trabalho foi tripalium, instrumento de tortura para empalar escravos rebeldes e derivada
de palus, estaca, poste onde se empalam os condenados". Podemos pensar também na
expressão latina labor, utilizada hoje em dia para dignificar quem trabalha e foge da
vadiagem, que significava, originalmente, esforço penoso, dobrar-se sob o peso de uma
carga, dor, sofrimento, pena e fadiga.
Podemos dizer que, hoje em dia, as imagens que as expressões Lazer e Ócio
disseminam, sobretudo no Brasil, remetem aos dois regimes de imagens identificados por
DURAND (1997). O Lazer, carregado de imagens diurnas, tem relação direta com o Homo
oeconomicus, daí sua servidão ao Mito do Trabalho e, de certa forma, ao aspecto negativo
do princípio de morte. Os mitos de Apolo e de Prometeu, entre outros mitos heróicos,
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predominam na Indústria do Lazer e do Entretenimento, na qual até simulacros de Dioniso
surgem passando uma imagem de liberdade quando se trata de apenas um Lazer
administrado e instrumentalizado.
Por outro lado, a expressão Ócio remete ao Homo relatens e também ao Homo
cooperativus daí o medo diurno, pois o Ócio nos remete à liberdade, ao princípio do prazer
e aos mitos noturnos como Dioniso e Orfeu, por exemplo, que são mitos extáticos,
religiosos mas, também, trágicos.
No Brasil, uma das principais referências para o estudo do Lazer é Nelson Carvalho
MARCELLINO (1990:31), para quem o Lazer seria
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Comunicação apresentada no II Encontro sobre Imaginário, Cultura e Educação. Universidade de São
Paulo, FEUSP/2000.
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fática29 do Tempo Livre. E essa abertura à faticidade do Tempo Livre parece que foi
vivenciada por MARCELLINO (1990:32) quando afirmou
... quero enfatizar esta última afirmação, uma vez que significa uma
revisão de conceitos que emiti em outros trabalhos. Talvez pelo fato de
estar vivenciando a prática da animação cultural, quando da elaboração
desses escritos, não distingui com clareza as possibilidades de opção que
a disponibilidade de tempo oferece. Comprometia, assim, a
característica básica do lazer – a opção -, e privilegiava a ocupação
ativa do tempo disponível, ainda que destacando que a atividade era
uma atitude e não estaria ligada, necessariamente, à prática. Essa minha
posição anterior, no entanto, colocava em campos opostos lazer e ócio,
ou seja, tirava a possibilidade de opção pelo não-uso do tempo em
atividades – a possibilidade da contemplação. Autocriticando minha
posição anterior, não coloco lazer e ócio em campos opostos. Na
realidade eles se confundem, e constituem oportunidades para opção
pessoal “desinteressada” essa sim, a característica básica,
comprometida de certo modo, na minha concepção anterior, pelo
conceito de “produtividade”, que ironicamente, era por mim criticado,
como bem supremo da sociedade moderna.
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Para classificar a conversa sobre banalidades entre um motorista de taxi e o seu passageiro, o lingüista
Roman JAKOBSON utilizou a expressão “comunicação fática”. Porém, nesta Tese, seu sentido se aproxima
da noção de MALINOWSKI que, ao perceber que os “selvagens” se reuniam sem que um compromisso pré-
estabelecido ou uma missão fosse necessária, classificou tais encontros de “comunhão fática”. Essa palavra é
quase sempre utilizada como adjetivo e a estou usando para caracterizar reuniões de amigos nas quais o
simples prazer de se encontrar e estar junto. E suma, quando as relações afetuais são mais importantes que o
“conteúdo” tratado no encontro.
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antifrásico. Acredito que a definição proposta por MARCELLINO é a mais próxima da que
pretendo utilizar nessa pesquisa.
TEIXEIRA COELHO (2000: 145), é um outro autor que também discute o tema do
Lazer. Este autor, porém, não chega a discutir as diferenças entre Lazer e Ócio, adotando o
primeiro termo e o relacionando diretamente à scholé grega. Dentro dessa perspectiva, é
interessante assinalar que para TEIXEIRA COELHO o Lazer (scholé) se opõe à ocupação,
à recreação (anapausis) e ao entretenimento (paidia).
Por sua vez, a noção de Ócio que permeará esse artigo, além da dimensão Tempo e
Atitude, contempla a dimensão mítica. A expressão Ócio, como categoria de análise,
significará, no contexto acima:
Nessa definição, o Ócio passa a ser pensado também a partir de uma perspectiva
arquetípica, ou seja, como um fenômeno vivido pelos laços de Ananke, um mito ctônico
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capaz de segurar o impulso conquistador do Titã Prometeu. Ou seja, quando os laços de
Ananke se encontram enfraquecidos, Prometeu pode se manifestar com mais liberdade,
criando, inclusive, o Lazer (ou o Ócio instrumentalizado).
Por isso, sem os laços de Ananke, podemos falar em "Lazer Educativo", "Lazer
civilizatório" ou simplesmente em "Lazer", pois se trata de um neg-ócio que pode ser tanto
entendido, no plano arquetípico, como fruto do domínio racional (nous) ou, no plano
fenomenológico, como um campo propício para exploração capitalista através da indústria
do Entretenimento e do Turismo, entre outras formas de neg-ócio.
Tentarei apresentar com mais profundidade o mito de Ananke para que possamos
compreender a diferença arquetípica entre Ócio e Lazer, conforme a proposta aqui
apresentada.
HILLMAN (1997:09) cita PLATÃO para quem "nem mesmo um Deus pode
arrostar a Necessidade". É por isso que sem os laços de Ananke o des-envolvimento se
torna obsessivo e totalmente racional e abstrato, em suma, esquizomorfo. Mas romper com
os seus laços é praticamente impossível. Prometeu (ÉSQUILO apud HILMMAN: 1997,
17), quando acorrentado, dizia:
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Assim, como já salientei, apenas a Necessidade é capaz de limitar a fantasia
prometéica. Essa força ctônica que ajuda Zeus a governar o mundo "é a única deusa sem
altar ou imagem a que se possa rezar. Ela não dá atenção aos sacrifícios" (EURÍPEDES
apud HILLMAN, 1997, 18). Libertar-se de Ananke é libertar-se do corpo físico e como
disse HILLMAN (op.cit., 29), "se você foge da necessidade, você sofre na carne".
... assim como o demiurgo nunca reduz de todo o caos à ordem, também
a razão nunca persuade de todo a necessidade. Ambas estão presentes
como princípios criadores, sempre. No todo e em cada parte, Nous e
Ananke cooperam; o mundo é uma mistura resultante dessa combinação.
Após essa breve reflexão sobre Lazer, Ócio e Tempo Livre, valorizando o Ócio
como (scholé), penso que é nele e através dele que a Ação Cultural irá, como dissemos, em
seu sentido hermesiano se manifestar de uma forma mais plena.
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Segundo HILLMAN (1997, 38), o caminho do meio é a posição dos pragmáticos homens de ação. Esse
caminho evita tanto descer até o toque voluptuoso quanto subir à abstração contemplativa.
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A Ação Cultural31, entretanto, também não é um assunto desprovido de polêmicas.
De forma geral, ela ainda hoje envolve três grandes questões, ainda não resolvidas.
A primeira refere-se ao seu próprio nome: ação ou animação cultural? Não há aqui
uma resposta pronta. Na bibliografia sobre o assunto, que não é muito vasta, encontraremos
diferentes opiniões defendendo ora uma nomenclatura, ora outra. A segunda questão refere-
se a sua função, o seu papel: ela deve valorizar a difusão ou a criação cultural? Por sua vez,
a terceira questão está relacionada ao seu procedimento sobre grupos: ela deve ser diretiva
ou não-diretiva?
É compreensível a crítica que faz ao termo animador cultural, pois essa prática,
quando surgiu no início do século XX apresentava um caráter “conservador”, “moralista” e
“conformista”. Isto não quer dizer que o termo agente cultural também não seja polêmico,
pois pode ser associado a alguém que apenas agencia um espetáculo, uma espécie de
promotor de eventos.
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A história da ação cultural e outras questões aqui abordadas, foram pensadas com base em duas obras de
TEIXEIRA COELHO: “O que é ação cultural?” e “Dicionário crítico de políticas culturais”, ambas se
encontram com suas referências completas na bibliografia dessa Tese.
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Ao contrário desta, e é o que normalmente ocorre em algumas organizações que promovem
“lazer educativo” e em certas ONGs, o que se vê é uma espécie de animus-ação cultural,
uma vez que o dirigismo e o “princípio masculino” da vontade e do controle são os
elementos dominantes. E, em outros casos, para atingir seus objetivos “civilizatórios”,
transforma-se, como veremos adiante, em uma super-ação cultural.
Reconheço, porém, que mais importante que o nome é ter com mais clareza a
função do animador ou do agente cultural. Nesse sentido, concordo com TEIXEIRA
COELHO (1989:70) quando define essa função:
Pode-se perceber em suas palavras que o animador (ou agente cultural) deve possuir
uma alma hermesiana, ou seja, na qual os atributos de Hermes se sobressaem. Hermes, na
mitologia grega, era o deus dos viajantes, o patrono dos ladrões, o protetor da magia, entre
outros atributos. Ele representa o filho da luz espiritual (Zeus) e das trevas primordias (a
ninfa Maia) o que, psicologicamente, significa uma mistura entre as paixões terrenas com a
clareza espiritual, importante na formação do “guia” que re-liga os opostos, que oferece
auxílio e orientação.
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“popular” para que o grupo com o qual trabalha possa fruir e usufruir plenamente de
atividades sócio-culturais inventivas; ou mesmo, com sua alma fratriarcal, criar as
condições para que o grupo (crianças, idosos, comerciários etc.) possa realizar os seus
próprios sonhos através de projetos culturais, transformando, assim, o que seria uma mera
intervenção sobre um grupo, em uma inter(in)venção com o grupo.
Essa alma é diferente, portanto, da prometéica que caracteriza ainda hoje o processo
educativo formal, e algumas práticas de Ação Cultural, em que a figura de um “herói”,
normalmente centralizador e autoritário, torna-se responsável por conduzir os demais como
se fossem ovelhas obedientes, alimentando muito mais o seu próprio ego do que
disseminando “cultura”.
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violonista não pode ser também uma forma de estimular jovens a quererem aprender a tocar
esse instrumento? Ou mesmo possibilitar a um jovem estudante conhecer novas técnicas e
estilos musicais? Por outro lado, a ênfase na criação – o que normalmente ocorre nas
chamadas Casas de Cultura – por mais rudimentar que seja o produto final, é importante
para o germinar da arte na vida cotidiana, repensando o “papel” da arte no mundo
contemporâneo, desconstruindo a imagem da arte como algo pertinente apenas aos
“eleitos”.
A questão, a meu ver, é discutir se a ação cultural será dirigida ou não. Por exemplo,
as políticas culturais do antigo CPC da UNE tinham um caráter dirigista e autoritário, o
mesmo pode ser dito do trabalho realizado pelas Casas de Cultura em Cuba, em que é “livre
a expressão”, desde que se siga as determinações estéticas do marxismo-leninismo, como
afirmou TEIXEIRA COELHO (1989).
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... [a ação cultural] Tem sua fonte, seu campo e seus instrumentos na
produção simbólica de um grupo. E entre as formas do imaginário que a
constituem, as da arte – ao lado de praticas culturais leigas, mítico-
religiosas, etc. – são privilegiadas, por mais que se diga o contrário. O
trabalho com uma modalidade artística em particular pode até não ser
do interesse de uma ação cultural específica. Mas, o que é vital à ação
cultural é a operação com os princípios da prática em arte, fundados no
pensamento divergente (identificado por Gaston Bachelard como o
‘princípio do diagrama poético’, que consiste em aproveitar, para o
processo, tudo o que interessar, venha de onde vier, na hora em que for
necessário, sem o recurso a justificativas claras e precisas) e no
pensamento organizado, e movido pela possibilidade, pelo vir-a-ser. É
esse tipo de pensamento e essa modalidade de prática, em parte
privilegiada também pela ciência mais criativa, que permite o
‘movimento’ de mentes e corpos tão privilegiado pela ação cultural. É
esse na verdade o tipo de pensamento que altera os estados, transforma
o estado em processo, questiona o que existe e o coloca em movimento
na direção do não conhecido. A proposta, portanto, é usar o modo
operativo da arte – livre, libertário, questionador, que carrega em si o
espirito da utopia – para revitalizar laços comunitários corroídos e
interiores individuais dilacerados por um cotidiano fragmentante.
Opto pelo termo sociagogia ao invés de pedagogia, uma vez que a intervenção
sócio-educativa promovida pelo animador/agente cultural normalmente é realizada sobre
e/ou com diferentes grupos sociais, atingindo crianças, adolescentes, adultos e idosos.
Assim, por não restringir o seu trabalho às crianças (pedos), mas a praticamente toda a
parcela do socius, o termo sociagogia me parece mais adequado.
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forma sua ação ocorre no tempo livre do grupo e não é o ambiente escolar o seu principal
locus de atuação. Se o seu trabalho não é pedagógico, no sentido estrito da palavra, ou seja,
de um ensino-aprendizagem voltado para crianças, ele é, sobretudo, sociagógico, como
apresentei acima.
Apesar da infinidade de deuses e figuras míticas, com base nas reflexões de Gilbert
DURAND apresentadas no capítulo anterior, podemos dizer que a Ação Cultural tende a
apresentar matizes mitodológicas e, pelo menos duas modalidades diferentes são facilmente
identificadas.
A animus-ação cultural
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Entre outros, podemos citar alguns pesquisadores que assumem essas nomenclaturas: MARCELLINO
(1990, 1990b), WAICHMAN (1997), CAMARGO (1998) e GARCIA (2000).
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Assim, por animus-ação cultural estou compreendendo as propostas de Ação
Cultural cuja estrutura organizacional e sua práxis costuma ser predominantemente
entrópica, burocrática, funcionalista e intervencionista. Nessa modalidade de Ação
Cultural, o grupo que sofre a ação pode, em alguns casos, optar em participar ou não do
projeto cultural a ser realizado, mas este é totalmente planejado e decidido pelos
especialistas (os animadores ou agentes culturais). Em nenhum momento, aqueles que
sofrerão a ação podem sugerir o quê poderia ser realizado e como.
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Ao relacionar essa modalidade de Ação Cultural aos mitos de Apolo e Atena, é preciso atentar para
algumas diferenças entre os atributos desses dois deuses. Apolo é um deus punitivo e analítico; Atena, apesar
de ser uma deusa guerreira, tende a ser mais compreensiva, apesar de persuasiva. Esses atributos arquetípicos
podem ser compreendidos na narrativa mítica de Orestes, quando este foi obrigado, por Apolo, a matar a
própria mãe, vingando, assim, a morte do pai. Ao pedir ajuda a Atena, ela consegue persuadir as fúrias,
dando-lhes um templo próprio e o liberta da loucura.
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paranóica dentro da organização, fazendo com que todos os animadores/agentes culturais
vivam constantemente “armados” e em vigília.
Nos projetos de Ação Cultural nos quais o imaginário heróico é evidente, algumas
expressões aparecem com certa freqüência: "ordem", "ação", "desempenho", "função
educativa do projeto", "desenvolvimento", "ser crítico", "ser ativo", "participar
politicamente", "transformação social", entre outras, são as “metáforas obsessivas” da
animus-ação cultural.
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responsável pela apresentação musical começou um longo discurso criticando tudo e todos,
inclusive o público ali presente. Naquele momento, por "encarnar" o mito de Belerofonte,
teve o mesmo destino do mito: o fundo do Tártaro. No seu caso, a demissão.
A anima-ação cultural
Meditar, por exemplo, não significa dormir, mas, em estado de vigília, manter uma
postura e formas de respiração que permitam a pessoa entrar em contato com o seu mundo
interior. A expressão yoga significa religar. Por sua vez, a palavra japonesa reiki são duas:
rei (energia universal) e ki (energia vital), assim temos novamente a imagem da religação
entre dois mundos complementares.
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entre os animadores culturais e os monitores de esportes, quando a anima-ação cultural é
predominante, costuma existir uma integração dessas duas áreas dentro da organização.
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Essa "procura" parece demonstrar bem a diferença sensível entre o imaginário
ocidental, fortemente heróico, e o oriental, muito mais noturno. Sobre essa questão, JUNG
(1990:107) já havia apontado que:
Em suma, a cultura da alma que essa forma de ação cultural realiza tem muita coisa
a nos dizer, e aqui me refiro ao homem ocidental "que não descansará enquanto não tiver
contaminado o mundo inteiro com sua agitação febril e sua cobiça desenfreada." (JUNG,
1990: 125).
Mas a anima-ação cultural pode também ter um lado “sombrio”. Como nela há o
predomínio dos schèmes de descida e de mistura, sua constelação mítica pode incluir
também mitos noturnos como Hades, Netuno, Pã, entre outros. Tal manifestação
arquetípica pode estimular o desejo por atividades culturais “transgressoras” ou
consideradas como frutos da "ociosidade" (como o skate, a escalada, grafite etc.) e da
cultura subterrânea (underground).
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como espaço cultural um posto de gasolina abandonado, a instituição contratou a
performista Eliete Mejorado, do Tétine (grupo brasileiro de Eletronic Body Music), para ser
a curadora do projeto. Por transitar pelo cenário underground brasileiro, a performista
reuniu praticamente todos os artistas transgressores do submundo urbano brasileiro.
Porém, justamente por não apresentar um caráter utilitário, sua dimensão pânica
pode gerar um relacionamento sem culpa com o lado “não-aproveitável” do lúdico e da
imaginação ou problemas de ordem moral, sobretudo, relacionado à sexualidade e ao
consumo de drogas.
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humana, ou em um sistema vivo, na linguagem de MORIN (s/d). Normalmente, o ruído é
associado ao “erro”, ou seja, a toda recepção inexata de uma informação em relação à sua
emissão. Porém, tal "problema" na Comunicação pode adquirir um outro significado se
atentarmos, como fez MORIN em O Paradigma perdido: a natureza humana, ao estudar o
erro e o ruído em relação aos “sistemas vivos” e concluir que estes são capazes de
funcionar apesar de e com o erro e o ruído.
Ainda segundo MORIN, nos “sistemas vivos” e quanto mais complexo for o
cérebro, menos este reage com respostas unívocas aos estímulos do ambiente. Por isso,
quanto mais complexas e aleatórias são as relações cerebrais com o sistema genético e com
o ecossistema, mais apto o cérebro está para utilizar os acontecimentos aleatórios e compor
associações ao acaso.
Mas é em sua relação com o sonho e com a fantasia que esta noção de “ruído” passa
a apresenta um papel fundamental para a Ação Cultural, pois é sobre e partir do “ruído” que
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se constituem as combinações do sonho e da fantasia. Novamente retorno a MORIN
(s/d:120) para melhor contextualizar essa discussão:
Encerrando essa discussão sobre Ação Cultural, quero ressaltar que considero o seu
aspecto ideológico e político como fruto, sobretudo, do imaginário. E, por isso, nem
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sempre a opção ideológica é realizada de forma consciente. A identificação com uma ou
outra corrente de pensamento se dá muito mais pela identificação entre mitos e arquétipos
do que por uma posição racionalmente construída.
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