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Adilson Marques

2020
Copyright © 2020 do autor

Direitos reservados desta edição:


RiMa Editora

Proibida a reprodução total ou parcial.

Marques, Adilson

M357d O despertar do homo spiritualis / Adilson Marques. São Carlos:


RiMa Editora, 2020.

84 p.
ISBN 978-65-990488-5-2

1. romance espiritualista. 2. homo spiritualis. 3. animagogia.


4. autoconhecimento. I. autor. II. título.

Editora

Rua Virgílio Pozzi, 213 – Jd Santa Paula


13564-040 – São Carlos, SP
Fone: (16) 98806-4652
As pessoas agem inconscientemente motivadas pelo ódio,
pelo orgulho, pela vaidade, etc. Todas essas atitudes afastam
o ser humano do Tao, de Deus. É dando sempre a outra face
que se pratica o “não-lutar”. É dando amor para todos,
inclusive para aqueles que nos ofendem.

A Psicosofia de Lao Tsé, Krishna


e Buda segundo a Espiritologia
Agradecimentos

A os Espíritos que me intuíram durante a escrita, entre os


dias 23 e 29 de abril, e às pessoas com quem aprendi
muito, e aqui uso suas experiências de forma ficcional,
servindo de aprendizado para outras.
Sumário

A emergência espiritual de Patrícia .................................. 11


Uma vida e várias existências ........................................... 16
Sintonizando-se involuntariamente com o passado ........ 20
A equanimidade é um atributo do Espírito ..................... 26
O sábio age sempre desinteressadamente ........................ 31
Todos já conversaram com um Espírito,
intuitivamente ou não ................................................ 36
Reforma íntima é despertar o Homo spiritualis ................. 40
No palácio de Diocleciano ............................................... 50
O ego é o inimigo a ser derrotado .................................... 56
Eremo delle Carcere .......................................................... 62
A incorporação de Pai Damião......................................... 73
De volta ao Brasil para uma nova vida ............................ 79
A emergência espiritual de Patrícia

A espiritualidade não caminha, necessariamente, de mãos


dadas com as religiões, mas todas merecem o nosso respeito

P atrícia estava muito feliz. Ia realizar o sonho de passar


a lua de mel em Veneza com o noivo, Carlos. Em seu
coração, a partir do casamento o relacionamento entre os
dois passaria a ser diferente. Ela o amava, mas sentia que
havia situações espirituais mal resolvidas entre eles, o que
resultava em conflitos bobos.
Os dois jovens universitários moravam em cidades
diferentes e, por isso, com frequência, namoravam e prati-
cavam sexo virtual, enviando nudes um para o outro, dentre
outras imagens com frases eróticas.
A jovem, porém, morava com o irmão mais novo. Este
era muito conservador e sentia um ciúme doentio da irmã.
E, por isso, Patrícia morria de medo que ele visse as imagens
íntimas que trocava com o noivo.
Certo dia, enquanto Carlos mandava alguns nudes,
Patrícia estava entretida com o que escrevia para o noivo,
narrando o que desejava fazer quando o encontrasse, e nem
percebeu a aproximação do irmão. Num relance, ela, mesmo
assustada, conseguiu rapidamente minimizar a tela do
computador antes de ele chegar mais perto e ver a imagem
enviada por Carlos. Em seguida, ela escreveu para o noivo,
com as mãos trêmulas, que se o irmão visse aquelas imagens
mataria os dois.
Patrícia se sentiu aliviada pelo fato de o irmão não ter
visto as imagens, mas suava frio e ficou com palpitação
durante muito tempo. Teve insônia naquela noite, e nos raros
14 Adilson Marques

momentos em que conseguia dormir, logo acordava assus-


tada, sentindo-se perseguida e com medo de ser agredida.
Sentiu também que a garganta secava e o pescoço começava
a doer.
No dia seguinte, notou que estava rouca, quase sem voz.
Resolveu escrever para o noivo contando como fora horrível
a noite anterior e seu problema na garganta. Ele a orientou
a procurar uma amiga sensitiva que aplicava a Terapia
Vibracional Integrativa (TVI) na cidade onde Patrícia
morava.
Além de dominar essa técnica de imposição de mãos, a
amiga de Carlos tinha um estranho poder sensitivo. Sempre
que impunha as mãos sobre uma pessoa, conseguia captar
imagens relacionadas às vidas passadas dela. E com Patrícia
não haveria de ser diferente, por isso Carlos alertou-a:
— Quando ela impõe as mãos, consegue, naturalmente,
realizar uma captação noética, ou seja, ela acessa da alma da
pessoa informações sobre vidas passadas. E é muito comum
fatos ou experiências vividas em outras encarnações atuarem
na vida atual de forma inconsciente, gerando, inclusive,
doenças psicossomáticas. Eu acredito que é isso que acon-
teceu com você. E o legal é que ela faz esse trabalho de forma
voluntária, procurando ajudar o próximo. Eu acho que vai
te ajudar muito, tanto para adquirir autoconhecimento como
para compreender melhor os mecanismos da reencarnação.
Patrícia teve uma formação católica rigorosa e muito
medo de assuntos relacionados com a espiritualidade. Esse
medo foi diminuindo quando conheceu Carlos e começaram
a namorar. Ele era umbandista e a levou várias vezes para
conversar com o Preto-Velho Pai Damião, que se manifestava
por meio de seu irmão mais velho, no terreiro que o avô havia
fundado na década de 1950 e que, até o presente, não ficara
um mês sequer sem abrir as portas. A amiga de Carlos
O despertar do Homo spiritualis 15

também ajudava nos trabalhos espirituais e caritativos


realizados no terreiro, mas esse trabalho de imposição de
mãos ela fazia em outro local.
Após agendar um horário para aquele mesmo dia,
Patrícia foi se encontrar com a terapeuta sensitiva. Durante
a sessão, esta foi captando as imagens de uma possível vida
passada em que Patrícia e o irmão eram casados e ela tinha
um caso amoroso com Carlos. Para a sensitiva, o irmão de
Patrícia seria um político importante durante o Império
Romano e Carlos era o soldado no qual ele mais confiava.
Tanto que, em suas viagens, pedia ao soldado que ficasse
responsável pela segurança do palácio e de sua esposa. Carlos
era o guarda pessoal desse importante político.
A terapeuta perguntou se Patrícia gostaria de ouvir o que
ela estava captando e, com a resposta afirmativa, enquanto
impunha as mãos passou a descrever as cenas que lhe vinham
à mente.
Além do fato de Patrícia e Carlos serem amantes naquela
outra vida, a sensitiva narrou que outro soldado, ciente do
relacionamento extraconjugal da mulher do político e pen-
sando em tomar o posto de Carlos, resolveu revelar a traição.
Segundo a terapeuta, o político decidiu armar uma
cilada para descobrir se de fato era traído. Fingiu que
precisava viajar e pediu ao soldado preferido que ficasse no
palácio cuidando de tudo enquanto estivesse fora em uma
missão, inclusive da segurança de sua mulher.
A falsa viagem não passava de uma estratégia, e ele, com
efeito, descobriu o romance entre a esposa e o seu soldado
preferido. Durante algum tempo ficou atordoado. No íntimo,
queria perdoar o seu mais competente soldado, mas não
podia. Era necessário manter sua reputação política. E, assim,
mesmo sabendo que perderia um ótimo soldado, mandou
matá-lo.
16 Adilson Marques

Continuando com a imposição das mãos, a terapeuta


narrou que via o soldado sendo arrastado nu e todo ferido
pelas ruas para, em seguida, ser decapitado em praça pública.
Enquanto ouvia a narrativa, Patrícia sentia ondas de
energia no corpo. Seu pescoço doía como se estivesse que-
brado. E, ainda quase sem voz, perguntou para a terapeuta se
ela não conseguia ver nada em relação à esposa do político.
— Sim — disse a terapeuta — ela sabia que também
seria morta, mas alguns dias antes da decapitação do soldado
ela cometeu suicídio.
De acordo com a terapeuta, a esposa do político estava
muito envergonhada e temia a censura e o julgamento da
família. Ela nunca sentira nada pelo político, com quem se
casara apenas por interesse das duas famílias. O amor pelo
soldado era verdadeiro, mas não havia como se relacionarem
se não fosse daquela maneira. Assim, desesperada, preferiu
cometer o suicídio a ser morta.
A sensitiva não conseguia ver o que havia acontecido.
Ela via a mulher tentando se enforcar no quarto e também
tentando saltar de uma varanda. Mas sabia, com certeza, que
o pescoço tinha sido quebrado e que no suicídio se encon-
trava o motivo ou a chave para entender o porquê daquela
somatização que a fez perder a voz.
Patrícia, com medo de o irmão ver os nudes enviados pelo
noivo, conectou-se com aquela vida passada na qual ela e
Carlos eram amantes. O medo do irmão, seu antigo marido,
fez com que produzisse um mal-estar na garganta e a dor no
pescoço, com a perda da voz.
Após a sessão de TVI, a dor no pescoço desapareceu
completamente e a voz de Patrícia foi gradativamente
voltando ao normal, o que realmente aconteceu em três dias.
Assim que saiu da sessão, enviou uma mensagem pelo
WhatsApp para o noivo contando tudo o que havia se
O despertar do Homo spiritualis 17

passado na terapia e como ficara impressionada com a


história narrada pela sensitiva. Também pediu a Carlos que
lhe explicasse melhor o que havia acontecido.
Este lhe respondeu, mandando um áudio:
— Eu acredito que nós somos Espíritos eternos viven-
ciando experiências humanizadas. Essa é a base filosófica ou
cosmológica que procuro colocar em prática, mesmo sendo
Engenheiro. E, apesar de respeitar todas as formas de religião,
optei pela Umbanda. É a religião da minha família, desde o meu
avô. Mas isso não me impede de participar, além das práticas
mediúnicas lá do terreiro, de uma prática meditativa em um
templo budista, de ir a uma missa na igreja católica, como já
fomos várias vezes. E, independente das religiões, o que ela faz,
e que chamamos de captação noética, é um fenômeno natural.
Eu sei que a nossa formação acadêmica se baseia em uma
metafísica empirista que vai afirmar que a consciência é um
epifenômeno do cérebro e que postular que somos um Espírito
eterno vivenciando experiências humanizadas é uma “conside-
ração religiosa” ou “pseudocientífica”. Mas tudo o que ela
captou e passou para você, mesmo não podendo provar, são
evidências da continuidade da vida após a morte. E para que
servem essas informações? Elas servem para o autoconhe-
cimento e para possibilitar ao Espírito viver melhor suas
experiências cotidianas, sendo mais humildade, feliz, pacífico,
amoroso, etc., buscando, assim, vencer o egoísmo e o orgulho.
Apesar de ser católica, frequentar missas e ter realizado
os quatro primeiros sacramentos, preparando-se para o
matrimônio, Patrícia considerava a reencarnação um fato
necessário e racional. Porém, nunca teve acesso a nenhum
conhecimento sobre uma possível existência passada. Aquela
informação a deixou curiosa. Ficou interessada em descobrir
mais detalhes que pudessem confirmar as palavras da
terapeuta amiga do noivo.
18 Adilson Marques

Uma vida e várias existências

As experiências místicas e transcendentais não sofrem a ação


de Cronos e se transformam em novos talentos indeléveis

A pesar de cursar Engenharia, Carlos passou a infância


acompanhando os trabalhos espirituais e as festas,
brincando e convivendo com todos que viviam o dia a dia
do terreiro, tanto os encarnados como os desencarnados. A
entidade principal do terreiro se manifestava como Pai
Damião, um Preto-Velho com traços indianos que utilizava
um Tau – um símbolo franciscano – no pescoço e que
costumava citar, além da Bíblia e de O livro dos Espíritos, várias
passagens do Bhagavad Gita em suas palestras públicas.
O avô incorporava aquela entidade e, quando estava
perto de desencarnar, o pai passou a incorporá-lo nos
trabalhos. Quando seu irmão mais velho completou 33 anos,
Pai Damião, em uma comunicação, disse que a partir daquele
momento ele seria o seu “cavalo”, mas para ninguém se
preocupar porque o seu pai ainda ficaria mais algumas
décadas na Terra.
Carlos participava das atividades litúrgicas, tendo
predileção pelas giras com Pretos-Velhos, Caboclos, Exus e,
sobretudo, com os Erês, quando ganhava balas e doces. Um
dos Erês favoritos do menino era aquele que se identificava
como Zezinho e que fazia estripulias com o corpo do médium
que o incorporava.
Zezinho contava histórias, mas sempre com cunho
moral. Certo dia, o pequeno Carlos quis lhe dar uma moto
de plástico para brincar, mas o Erê não aceitou. Disse para
Carlos que as motocicletas tinham sido inventadas no
O despertar do Homo spiritualis 19

umbral e que não gostava delas, nem para brincar. Mas


aceitaria brincar com Carlos de bola ou com carrinhos.
Carlos gostava de ouvir o avô contar a história fantástica
de São Jorge, que era associado a Ogum, ali no terreiro. Na
versão do avô, São Jorge foi um respeitado soldado romano
que teria matado um crocodilo alado que envenenava as
pessoas com seu hálito. Após essa realização, abandonou a
carreira militar e se tornou cristão. O fato teria desagradado
o imperador Diocleciano, de quem era o guarda pessoal, que
mandou decapitá-lo por essa heresia aos deuses romanos.
Embora tratasse como ficção essa história contada pelo
avô, desde pequeno Carlos tinha muita admiração pelo santo
e fazia questão de ter uma imagem dele em seu altar. Além
disso, sempre colocava embaixo da cama duas folhas de
espada-de-são-jorge, na forma de cruz e com a ponta voltada
para a cabeceira, a fim de atrair boas energias e afastar as
negativas. Afora a parte ritualística, Carlos fazia questão de
dizer que diferentes pesquisas cientificas, inclusive da Nasa,
demonstravam que a planta ajudava na purificação do ar e,
por isso, era importante tê-la no dormitório.
Assim, após responder ao questionamento da noiva,
Carlos foi pesquisar um pouco mais sobre a história de São
Jorge. Em seguida, mandou outra mensagem para Patrícia:
— Depois de responder à sua mensagem, eu fui procurar
mais informações sobre a história de São Jorge. No Google,
encontrei várias histórias diferentes, mas uma delas me
chamou a atenção. Quem mandou decapitar São Jorge foi o
imperador Diocleciano, e isto eu já sabia, porém descobri que
este era casado com uma mulher chamada Prisca, que morreu
dois dias antes da decapitação de São Jorge. E ela também
foi canonizada, virou a Santa Alexandra de Roma. Já
imaginou se nós fomos eles em uma vida passada e o seu
irmão, o imperador que mandou matá-lo?
20 Adilson Marques

Enquanto a noiva não respondia, Carlos continuou sua


pesquisa e descobriu que na Croácia, na cidade atualmente
chamada Split, havia um ponto turístico muito visitado: o
Palácio de Diocleciano. Ficou boquiaberto ao perceber que
era possível ir de Roma até Split em um voo rápido, que
durava cerca de uma hora apenas. Feliz com a descoberta,
mandou outra mensagem para Patrícia sugerindo que, além
de Veneza, fossem conhecer também Split e o famoso palácio
de Diocleciano. Quem sabe eles sentiriam alguma coisa
passeando por ele.
Patrícia adorou a ideia. Ela assumiu para si a respon-
sabilidade pelo roteiro que fariam na Itália. As passagens de
ida e volta de São Paulo a Roma estavam marcadas, mas
ainda não tinham definido como fariam para chegar até
Veneza e que outras cidades poderiam também conhecer, e
ficou de inserir no roteiro uma visita à cidade de Split, na
Croácia, para conhecer esse grandioso palácio.

Palácio original de Diocleciano em Split, na atual


Croácia. Imagem retirada da internet.

Para Carlos, a lei do carma era inexorável. Ele acreditava


que aquele que hoje faz o papel de algoz, amanhã repre-
O despertar do Homo spiritualis 21

sentará o de vítima. E o carma só se extingue quando o


Espírito fala mais alto que o ego.
Patrícia não sabia muito sobre o carma, mas acreditava
no ensinamento de Paulo de Tarso: “Tudo aquilo que
semearmos, iremos colher”. E, para que esse processo
pudesse acontecer, seria necessário existir a reencarnação.
Mas ainda não conseguia compreender como algo vivido em
uma existência passada poderia influenciar a vida presente,
como aconteceu na sua somatização na garganta.
Porém, sentia que a história narrada pela terapeuta
amiga de Carlos fazia sentido. Talvez um trauma vivido no
passado pudesse, realmente, afetar a vida presente. E resolveu
escrever para o noivo:
— Você acredita que hoje eu sou mais forte que o ego? É
possível que hoje eu consiga fazer com que os atributos do
Espírito desabrochem com mais intensidade na vida cotidiana?
Será que os talentos que já conquistei nunca se perderão?
Patrícia compreendeu que a partir daquele momento,
da somatização que vivenciou quando o irmão quase viu o
nude mandado por Carlos, estava iniciando o seu processo
de “emergência espiritual”. Ela já tinha lido sobre o assunto
e sabia que algumas pessoas iniciavam esse processo por meio
de uma experiência de quase morte, de um contato mediú-
nico com um desencarnado ou outra forma qualquer. Para
ela, foi por intermédio da somatização na garganta que a
deixou três dias quase sem voz.
Mesmo com a proximidade do casamento, Patrícia se
considerou pronta para fazer essa jornada de reconexão
espiritual e queria mostrar para Carlos que hoje era um
Espírito mais experiente, com mais bagagem e, portanto, com
mais condições de vencer o ego e a materialidade do mundo,
experienciando com habilidade espiritual sua vida cotidiana.
22 Adilson Marques

Sintonizando-se involuntariamente
com o passado

As virtudes já estão dentro de nós, mas dependem da


vontade para serem despertadas. A dor, muitas vezes,
tem uma causa não consciente

A pós o casamento, Patrícia e Carlos partiram para Roma.


A viagem para Split foi planejada pelo casal para
acontecer após a visita a Veneza, e isso graças a outra feliz
coincidência. A empresa multinacional onde Carlos come-
çaria a trabalhar após voltar da viagem resolveu fazer um
treinamento para os novos funcionários justamente na
cidade de Split, onde também tinha uma filial. E a data
programada seria na semana seguinte à lua de mel do casal.
Carlos tratou de mudar o dia de retorno ao Brasil, e as
taxas de alteração do voo foram pagas pela empresa, que
também acabou sendo beneficiada, pois, em vez de financiar
toda a viagem do funcionário, arcou apenas com as despesas
para a remarcação da passagem de volta.
O casal passou apenas um dia e meio em Roma, para
em seguida ir a Veneza, onde ficou por três dias, e aproveitar
também para conhecer Pádua e a Basílica de Santo Antonio;
Verona, famosa pela história de Romeu e Julieta, de Shakes-
peare; e Florença. Depois, Carlos e Patrícia voltaram nova-
mente para Roma e então seguiram para Split.
Em Roma, optaram por um passeio básico, foram
conhecer o Coliseu, o Fórum romano e o Vaticano, en-
cerrando o dia com um jantar em Trastevere, o boêmio bairro,
onde também visitaram a Basílica de Santa Maria. No dia
O despertar do Homo spiritualis 23

seguinte, antes de pegarem o trem para Veneza, Patrícia fez


questão de conhecer a Basílica de São Paulo.
Carlos encantou-se com a capital italiana. Estava muito
à vontade e feliz. Patrícia, por sua vez, achou a energia do
local opressora. Tinha a sensação de que a cidade a sufocava.
Não se sentiu muito bem na visita ao Coliseu nem ao Fórum.
Ela parecia sentir as dores de todos que sofreram algum tipo
de violência nesses locais, e parecia que já havia vivido ali.
Chegaram a Veneza à noite, indo de Roma em uma
agradável viagem de trem. Foram direto para o hotel onde
se hospedaram e que ficava próximo da Igreja da Santa Maria
Madalena, cuja história e evangelho Patrícia admirava.
No dia seguinte, acordaram cedo para passear pela
cidade. Patrícia havia organizado um roteiro para os três dias
que ficariam na cidade. Neste roteiro, a única sugestão de
Carlos foi um passeio pela Igreja de São Jorge.
O primeiro passeio programado por Patrícia foi na Ponte
de Rialto. Ao chegarem, ela resolveu tirar uma foto e fez uma
pose para Carlos. Enquanto ele preparava a câmera, Patrícia
sentiu um tremor em sua cabeça e um leve calafrio pelo
corpo. Em seguida, uma cena começou a passar em sua
mente.
Patrícia se viu, na mesma pose, naquele mesmo lugar,
mas no corpo de um homem, mais baixo e gordinho que ela.
Era careca e usava um hábito franciscano marrom com uma
corda branca na cintura. Tratava-se de um frei.
Carlos também aparecia. Porém, em vez de uma câmera
fotográfica, ele segurava um pincel e uma tela. Seu atual
marido, na imagem mental, era um jovem pintor renas-
centista e amante do frei.
Ela intuiu que o século seria o XVI ou o XVII. Viu em
sua mente o frei escrevendo cartas amorosas, com teor
erótico, para o jovem pintor. Mas o religioso vivia um conflito
24 Adilson Marques

interno muito intenso. Ele se sentia culpado por ser homosse-


xual e até se martirizava após algum encontro sexual. Ele
sofria com o fato de seu desejo ser intenso e o dominar.
Sempre após saciar-se com o jovem amante, o frei
entrava em crise e orava pedindo perdão a Deus e a São
Francisco, dizendo que não mais cometeria desatinos. Mas
não resistia. Essa vida angustiosa durou cerca de 40 anos,
quando, então, cometeu suicídio.
A história toda veio à mente de Patrícia, que não
entendia como aquilo era possível e a narrou, com certo
estranhamento, para o marido. Ela insistia que não pensou
naquele enredo, ele se manifestou de uma vez em sua mente,
algo que nunca havia lhe acontecido antes.
Carlos não se surpreendeu com a fala da esposa. Para
ele, a visita a Veneza acabou sendo um gatilho para trazer
do inconsciente uma vida passada deles ali, naquele mesmo
local. Ele era reencarnacionista e acreditava que uma
emergência espiritual poderia ser acionada ao se viver uma
experiência similar, e possivelmente era o que estava aconte-
cendo com Patrícia naquele exato momento. Comparou o
processo psíquico que ela acabara de vivenciar com a
somatização na garganta durante a troca de nudes que
resultou na perda da voz.
Patrícia era católica, mas acreditava também em reencar-
nação. Já fora várias vezes ao terreiro de Umbanda que Carlos
frequentava, mas nunca tivera experiências sensitivas como
aquela. E por que logo agora, durante a viagem de lua de mel?
Carlos ficou feliz em ouvir os novos questionamentos
de Patrícia e lhe disse:
— Em primeiro lugar, eu acredito que o Espírito é a vida.
Ele é o logos que se torna carne. Mas a existência pode adormecer
o Espírito ou libertá-lo. Temos uma única vida e várias
existências para aprendermos a levar nossa vida cotidiana com
O despertar do Homo spiritualis 25

“habilidade espiritual”. De certa forma, esse é o objetivo da


encarnação nos chamados “mundos de provas e expiações”
como ainda é a Terra. Assim, a cada existência, mudam os
cenários, mudamos de papel, mas sempre com o mesmo
objetivo: conduzir com mais “habilidade espiritual” nossa vida
cotidiana, não importando em qual cenário nos encontremos.
Temos que viver com “habilidade espiritual” os altos e baixos
da vida, ou seja, as vicissitudes. E a própria existência se
encarrega de proporcionar o chocalhar necessário para despertar
o Espírito. Basta prestar atenção nos sinais. É a morte de um
ente querido, é uma perda material, uma desilusão, um governo
autoritário e genocida, uma lua de mel em Veneza...
Patrícia sorriu e falou:
— Você já me disse que o Espírito não adoece e que Ele
já É. E que o Espírito precisa apenas ser despertado. En-
quanto ele se encontra adormecido, nossa vida é regida pelo
ego, a consciência provisória que nos ilude, invertendo os
valores. Para o ego é a competição, o apego material e o
orgulho que importam. Para o Espírito, o importante é vencer
o ego. Eu já sei disso, mas acho que o meu ego ainda é mais
forte que o meu Espírito. Ainda preciso de muitas encar-
nações para vencê-lo.
Carlos coçou a cabeça e respondeu serenamente:
— Experiências como essa que você está vivenciando são
importantes para perceber que não somos o corpo físico nem
a mente ou as emoções. Conforme a vida nos leva a fazer
essas desconstruções, descobrimos que somos um Espírito
eterno, uma consciência que vive independentemente da
matéria, mas que precisa desta para mais uma ventura e
aventura encarnatória a fim de adquirir mais sabedoria de
vida. Por isso, você não tem um Espírito. Você é um Espírito.
Você tem, momentaneamente, um corpo físico e um ego.
— Sim, você sempre fala isso.
26 Adilson Marques

— E digo também que o mais importante é conseguir


viver com “habilidade espiritual” nossa vida cotidiana.
— Tá bom. Mas como seria isso? – perguntou Patrícia
enquanto respirava fundo.
— Viver com “habilidade espiritual” é a capacidade de
colocar em prática na vida cotidiana os atributos do Espí-
rito — respondeu Carlos com paciência. – E quais seriam?
Dentre outros, a Felicidade Incondicional, o Amor Universal,
a Paz Interior e a Equanimidade. Ou seja, diante de qualquer
fato, conseguir vencer a tentação do egoísmo e viver a
situação com estes atributos.
— Deixa eu ver se agora entendi. Em resumo, quanto
mais egoísmo no ato, menos “habilidade espiritual” se possui.
E, quanto mais amor por si e pelo próximo, o contrário
ocorre, ou seja, mais “habilidade espiritual”. É isso?
— Exatamente! Se um fato qualquer tira da pessoa a
felicidade que já está dentro dela, que não precisa buscar fora,
menos “habilidade espiritual” ela conquistou até o momento.
Por mais dolorosa que possa ser a existência humanizada, a
“habilidade espiritual” oferece a força necessária para buscar
a superação e o sentido da vida – falou Carlos com entusiasmo.
— Estou entendo. Mas ter “habilidade espiritual” não
quer dizer que a pessoa deve ficar passiva diante das
desigualdades ou das injustiças?
— Claro que não. Jesus, apesar de enérgico, expulsou os
vendilhões do templo com amor. O amor é vivido interna-
mente, de forma desapegada e não no ato. Se um ato precisa
parecer violento, ele será. Mas é importante, em vez de lutar
contra alguma coisa, abraçar alguma causa. Ir a favor da
correnteza e nunca contra ela – explicou Carlos.
– E você acha que essas revelações que estou recebendo
vão me tornar mais resiliente e forte diante da vida? A relação
com minha família vai melhorar?
O despertar do Homo spiritualis 27

— O importante sempre é o que você faz com a expe-


riência — respondeu Carlos de forma fraternal. — Se você
aproveitar a chance que a Espiritualidade está te dando, aí
sim. Com essas informações, você adquire mais autoconhe-
cimento e poderá ter mais controle sobre sua vida. O corpo
reage às emoções que podem ser controladas pela mente. E
esta pode ou não estar sob o domínio da Alma. Mas é claro
que, em uma sociedade doente que destrói a natureza, o
Outro e a cultura, tratando tudo como recurso, é mais difícil
viver com “habilidade espiritual”, mas aí é que está o desafio.
Patrícia, então, abraçou e beijou afetuosamente o
marido.

Ruínas romanas.
28 Adilson Marques

A equanimidade é um
atributo do Espírito

Ninguém consegue ficar sem agir. Todos são compelidos


a fazer o que precisa ser feito. O importante é agir com
desinteresse e sem esperar nada em troca

À noite, no hotel, enquanto Patrícia secava o cabelo após


tomar um refrescante banho, Carlos fez uma brinca-
deira com a experiência vivida por ela na Ponte de Rialto.
Ela ficou enfurecida e disse gritando:
— Cala essa boca ou eu te enfio o cabo do meu secador
no...
Antes de terminar a frase, Patrícia começou a sentir
novamente o tremor na cabeça e uma nova cena passou por
sua mente. Desta vez, ela se via como um guerreiro árabe
que lutava contra os cristãos, por volta do século XIV. Esse
guerreiro defendia Alá com unhas e dentes, manifestando
muito ódio por aqueles que considerava inimigos de Maomé.
Na cena, o guerreiro chega à casa de uma família de
cristãos. Carlos, o chefe da casa, é o primeiro a ser assassi-
nado e empalado. A mulher deste, que ela identificou como
sendo sua mãe atual, tenta fugir. O guerreiro, porém,
persegue-a e consegue agarrá-la.
O guerreiro estupra a mulher e, depois de cortar sua
cabeça, retalha todo o seu corpo. Um jovem, talvez filho do
casal, é amarrado pelas mãos e pendurado em um alpendre.
Com sua espada afiada, o guerreiro o atravessa com um
certeiro golpe na barriga.
Patrícia intuiu que esse jovem era o seu atual irmão.
Ficava evidente, agora, o motivo da aversão que este parecia
O despertar do Homo spiritualis 29

sentir, não a tratando como irmã, mas como uma inimiga


pronta para atacá-lo. Ela se desesperou e chorou. Não queria
acreditar que pudesse ter feito aquilo com Carlos, com a mãe
e o irmão.
Carlos abraçou e consolou a esposa. Disse-lhe que a cada
encarnação somos sempre Espíritos melhores. O fato de ela
não ter coragem de fazer o mesmo hoje, demonstrando
arrependimento, já era prova do avanço vivenciado pelo
Espírito. O importante, com essas revelações, era o auto-
conhecimento e, a partir de agora, usá-las para não ser tão
crítica com as pessoas que não agem da forma como ela
considera correta, no presente.
Com certeza ela fora perdoada por Deus e também por
ele, Carlos, que sofreu nas mãos dela. Por isso, deveria
aproveitar para vibrar amor por aqueles que hoje fazem coisas
similares e também pela mãe e irmão, com quem ela vivia
constantes conflitos. Todos, mais cedo ou mais tarde, vão se
arrepender e mudar. O Bem sempre vence, gostava de
afirmar.
Patrícia, realmente, era muito crítica. Bastava ver uma
noticia sobre alguma injustiça para ficar remoendo o assunto
por semanas. Carlos não aguentava ouvi-la falando da mãe,
julgando-a e a condenando. Quando ele se cansava disso,
costumava repreendê-la, e eles terminavam brigando. Ele
sempre dizia que, se Patrícia se revoltava tanto com quem
cometia tiranias no presente ou injustiças, era porque ela
também havia feito o mesmo no passado. Era a “função
espelho”, ou seja, ver-se através da ação do Outro.
Após essa experiência anômala, a moça começou a
concordar com ele:
— Carlos, hoje acredito que não somos mais Espíritos
ingênuos. Já estamos na “pós-graduação” em matéria de
encarnações. Está na hora de despertar o Espírito, que é
30 Adilson Marques

transcendente e imanente ao mesmo tempo. Ele não está


dentro do corpo, mas ligado a ele. E o Espírito já vivia antes
da encarnação e vai continuar vivendo. Vivenciar a huma-
nização com desapego é o único caminho para colocar em
prática os atributos do Espírito em quaisquer circunstâncias,
por mais dolorosas que estas possam ser.
— Essas informações se encontram no seu inconsciente
— respondeu com afeto o marido. — E o inconsciente não
se localiza no cérebro nem é um depósito para experiências
recalcadas ou reprimidas, como pensava Freud. Para nós,
espiritualistas, todas as vidas passadas formam o cabedal de
conhecimento do Espírito humanizado. As diversas perso-
nalidades já vivenciadas ao longo do tempo ajudaram a
formar a experiência de vida e a sabedoria do Espírito.
Experiências como homem ou mulher, como rico ou pobre,
como religioso ou ateu, como integrado à sociedade ou
marginal, etc., ajudam na resolução de problemas na vida
cotidiana, mesmo não nos lembrando delas, assim como
passar pelas vicissitudes, os altos e baixos da vida. Até hoje
você ignorava tais informações, mas elas de alguma forma
influenciavam os seus relacionamentos. Agora que estão
vindo à tona, o importante é usá-las na resolução de conflitos
similares na vida atual. Quem sabe não chegou a hora de se
reconciliar com seus parentes e ter um relacionamento mais
fraterno com sua mãe e irmão?
Patrícia comentou:
— Uma pessoa com menos “bagagem” tende a alternar
euforia e desespero diante de um fato. Já um Espírito mais
“velho”, ou com mais experiência de vida, é capaz de passar
pelo mesmo fato com equanimidade, sem alternar entre a
euforia e o desespero, não é mesmo? Será que eu sou um
Espírito muito jovem ainda? Não consigo vencer o ego como
você parece fazer!
O despertar do Homo spiritualis 31

Carlos abraçou-a e, levando-a para perto da janela a fim


de olhar a rua, disse que, velho ou novo, era o Espírito que
ele amava, independente do que aconteceu no passado ou
acontecerá no futuro.

Imagem do livro Bhagavad Gita, representando o encontro


de Krishna com Arjuna.

Em uma pequena estante perto da janela, Carlos viu um


exemplar do Bhagavad Gita, livro que Pai Damião gostava de
citar. Abriu-o casualmente e leu:
18. Quem age sem perder o repouso interno, e quem vê
atividade na inatividade – este é um sábio, quer ativo, quer
inativo, sempre realiza o seu dever e age corretamente.
19. O seu trabalho é livre da maldição do egoísmo, o seu
desejo de recompensa foi consumido no fogo do conhe-
cimento sagrado – este é um santo, porque santo é o
espírito que o anima.
20. Não se compraz em nenhum fruto do seu trabalho nem
se apega a objeto algum da natureza: habita, sempre
sereno, na paz do seu eu, porque sabe que não é ele que
age, mesmo quando realiza alguma obra.
32 Adilson Marques

21. Não espera lucro nem receia perda; vive todo em si


mesmo, senhor dos seus sentimentos e pensamentos,
enquanto age, rei no reino da alma.
22. Habita puro no meio dos impuros, aceita com serenidade
todos os acontecimentos, nenhuma adversidade o abate,
nenhuma prosperidade o exalta; ele é sempre o mesmo.

Patrícia ficou encantada com o texto, que desconhecia,


e com a sensibilidade de Carlos. Os dois se abraçaram e
começaram a trocar carícias e beijos.
O despertar do Homo spiritualis 33

O sábio age sempre


desinteressadamente

Deus está no bisturi do médico que salva uma vida


e na arma de um bandido que tira uma vida

N aquela noite, ambos tiveram sonhos agitados. Carlos


sonhou com um escravo revoltado que se achava
injustiçado e maldizia o seu Deus. Seu pai biológico, também
escravo, tentava apaziguar seu coração e, sem sucesso, fazer
com que fosse mais resiliente e aceitasse os desígnios de
Deus. Mas as palavras do pai não o seduziam e a revolta
crescia a cada dia, até que, para se vingar do dono, estuprou
e matou a filha do fazendeiro. Ao tentar fugir, foi pego e
torturado até a morte em um pelourinho que ficava no centro
da fazenda, na presença de todos os demais escravos, para
que estes aprendessem a lição.
O pai de Carlos, naquela encarnação, assistiu à cena com
o coração partido, mas orando para que os Orixás per-
doassem e acolhessem a alma do filho. Ao desencarnar, o
escravo, revoltado, foi recebido por um Preto-Velho que o
consolou e o convidou a trabalhar com ele na Umbanda. Ao
acordar, Carlos pressentiu que acessara, através do sonho,
uma vida passada como um africano que foi para o Brasil
na condição de escravo, no início da colonização brasileira.
A mulher que ele violentara e matara era sua atual esposa,
Patrícia. Intuiu também, pela forma de falar, que o seu pai
biológico era o Zezinho, grande amigo espiritual que o tem
orientado desde a infância e por quem nutria muito respeito
e admiração.
34 Adilson Marques

Patrícia, por sua vez, sonhou com duas possíveis


encarnações femininas: uma como filha de um português
com uma índia, no Brasil, e outra como cigana, prova-
velmente em Roma, concluiu ela. Mas ficou em dúvida se a
paisagem que viu no sonho não havia sido influenciada pelo
passeio na cidade.
O importante, porém, é que havia uma diferença signifi-
cativa entre elas. Enquanto a jovem mestiça se via sendo abu-
sada por um homem negro e acabou morrendo empalada
durante a colonização do Brasil, a dançarina tirava vantagem
da sedução para enganar e roubar os homens. Não ficou
evidente, para ela, a ordem em que essas duas existências
aconteceram, mas Patrícia estava convicta de que foram
encarnações posteriores àquela em que viveu como um
guerreiro árabe.
A moça também tinha certeza de que seu irmão estava
presente nas duas encarnações. Na primeira, ele fora seu pai,
que humilhava os escravos, principalmente aquele que a
matou por vingança, depois de estuprá-la. Na outra, era um
dos homens a quem ela enganara, roubando toda a fortuna.
Durante o café da manhã, o jovem casal conversou
muito sobre os sonhos. Mas, enquanto Carlos estava mais
receptivo às informações, certo de que o aprendizado
espiritual não retrocede e, por isso, aberto a toda e qualquer
informação que viesse até ele sobre suas vidas passadas,
Patrícia ainda tinha medo e insegurança. Não se conformava
com o que se via fazendo com outras pessoas e também ficou
com raiva de Carlos quando ele contou seu sonho, revelando
ser o escravo que a matou.
Ela até gostava de se ver como vítima. Era mais fácil
justificar sua indisciplina e revolta atuais. Mas saber que
seu algoz era o atual marido fez com que perdesse as
estribeiras.
O despertar do Homo spiritualis 35

— O meu irmão, ou meu pai naquela encarnação,


abusava de todo mundo, principalmente dos escravos, mas
isso não justifica o que você fez comigo naquela vida! – disse
inconformada.
Ainda muito presa ao ego, Patrícia sofria muito. Ficava
remoendo um fato ou uma informação por muito tempo. E
não foi diferente com as revelações espirituais que estavam
recebendo durante a viagem.
Tentando acalmá-la, Carlos pediu-lhe que relaxasse e
aproveitasse o passeio por Veneza. Também citou uma fala
que ouviu certa vez de um Exu:
No palco da vida, o que hoje come, amanhã é comido!
Naquele dia, fizeram um passeio a pé do hotel até o
jardim da Bienal, parando em vários locais pelo caminho para
contemplar as belas construções e os canais, encerrando o
roteiro na Basílica de São Jorge. Carlos se sentiu realizado,
admirando e identificando várias edificações na paisagem,
como a Basílica de Santa Maria e a Praça São Marcos, além
de se encantar com um belo pôr do sol, na torre do campa-
nário, e descobrir que São Jorge era considerado o santo
protetor da cidade de Veneza. Ele não cabia em si de
felicidade.
Mais tarde no hotel, após mais uma noite de amor,
Patrícia, que não conseguia silenciar a mente, comentou:
—– Se nossas vidas passadas estão presentes em nossa
vida atual, elas podem nos influenciar de forma positiva e
agradável, mas podem também influenciar de forma nega-
tiva. Daí ser importante conhecer o que já fomos ou fizemos
para melhor lidar com tais situações, não é mesmo?
— Sim, por exemplo, uma pessoa com medo de ficar
sozinho em lugar escuro e pequeno pode ser uma manifes-
tação inconsciente de já ter ficado preso em um calabouço.
36 Adilson Marques

Ou alguém que tenha muito medo de água, não entrando


nem em piscina rasa, pode ser por já ter morrido afogado. E
isso também explicaria a sensação de estar sendo vigiada e
perseguida na noite em que você perdeu a voz.

Imagem da Basílica de São Jorge e vista de Veneza (Google Maps).

— Mas eu queria entender como foi que eu me sintoni-


zei com a encarnação na qual eu fui esposa do político
romano. Será que já estava escrito que isso aconteceria ou
foi por acaso? Se eu não tivesse conflitos com o meu irmão
ou medo dele será que a somatização não teria ocorrido?
Cansado e querendo dormir, Carlos a interrompeu:
— Isso mesmo, Prisca! Mas agora é hora de dormir!
Esqueça o Diocleciano um pouco e o caso amoroso com o
São Jorge e durma! Amanhã quero conhecer Pádua e Verona
e não quero ninguém cansada e irritada ao meu lado por não
ter dormido bem!
Ela sorriu e pediu para ouvir mais uma passagem do
Bhagavad Gita. Ao acaso, Carlos abriu uma página e leu:

12. Nunca houve tempo em que eu não existisse, nem tu, nem
algum desses príncipes – nem jamais haverá tempo em
que algum de nós deixe de existir em seu Ser real.
O despertar do Homo spiritualis 37

13. O verdadeiro Ser vive sempre. Assim como a alma


incorporada experimenta infância, maturidade e velhice
dentro do mesmo corpo, assim passa também de corpo a
corpo – sabem os iluminados e não se entristecem.
14. Quando os sentidos estão identificados com objetos
sensórios, experimentam sensações de calor e de frio, de
prazer e de sofrimento – estas coisas vêm e vão; são
temporárias por sua própria natureza. Suporta-as com
paciência!
15. Mas quem permanece sereno e imperturbável no meio do
prazer e do sofrimento, somente esse é que atinge a
imortalidade.
38 Adilson Marques

Todos já conversaram com um


Espírito, intuitivamente ou não

A simplicidade do coração nos faz amar tudo aquilo que


nos acontece porque as circunstâncias materiais ocultam
o que precisamos para a nossa realização espiritual

A pós o passeio por Veneza, o casal pegou um trem na


estação Santa Lúcia e, em poucos minutos, estavam na
cidade de Pádua. Tomaram o VLT ao lado da estação e foram
até o centro da cidade para conhecer a catedral; alguns jardins
e praças, como a Prato della Vale, onde acontecia uma feira
de artesanato, e o jardim Botânico; e, sobretudo, a Basílica
de Santo Antonio.
Carlos percorreu a Basílica e os arredores, enquanto
Patrícia resolveu se sentar para descansar um pouco. Ele logo
se encantou com as imagens da Madonna e também com o
Oratório de São Jorge. Mas achou engraçado o fato de nunca
ter relacionado que Madonna, para os italianos, significava
Nossa Senhora, em português. Ficou tão encantando com sua
ignorância que quis contar o que tinha descoberto para a esposa.
Ao olhar para trás, porém, viu que Patrícia conversava
com uma mulher que usava uma roupa vermelha. Não quis
incomodar e continuou o passeio pelo interior da Basílica.
Quando retornou, perguntou à esposa com quem ela
conversava.
— Com ninguém!
Desconcertado, insistiu:
— Mas eu vi você sentada e, ao seu lado, uma mulher
de roupa vermelha conversando com você!
O despertar do Homo spiritualis 39

Basílica de Santo Antonio, em Pádua (Google Maps).

Patrícia comentou que realmente sentiu uma leveza


dentro da Basílica e que conversou mentalmente com ela
mesma, fazendo perguntas e ouvindo as respostas que sua
mente lhe trazia.
Carlos pensou um pouco e disse que, provavelmente,
ela havia conversado com um Espírito que utilizava uma
forma feminina. Talvez fosse uma cigana ou uma pomba-gira.
Ou, quem sabe, pela roupa, uma pomba-gira cigana.
Patrícia ficou assustada, queria saber se ele estava
falando a verdade ou de chacota. Ela aceitava com natura-
lidade entidades como os Pretos-Velhos e os Caboclos, mas
ainda tinha medo das chamadas entidades de “esquerda”,
como são chamadas as Pombas-Giras e os Exus.
Apesar de alegre e brincalhão, Carlos enfatizou que era
verdade o que dizia. De fato, tinha visto uma mulher usando
roupa vermelha ao lado de Patrícia, e as duas conversavam
muito. Por isso, não foi incomodar com sua pueril descoberta:
que Madonna e Nossa Senhora eram duas formas de
representar a mesma pessoa, como também seria a expressão
Notre Dame, em francês. Mas quis fazer uma piadinha e disse
40 Adilson Marques

que, se soubesse que a esposa estava conversando com um


Espírito, teria ido até lá conversar também. Não perderia essa
oportunidade por nada, ainda mais dentro da Basílica de
Santo Antonio, em Pádua.
Em seguida, perguntou:
— E o que você conversava tanto com ela?
— Não me recordo dos detalhes, mas eu me questionava
sobre quantos encarnados não sentem uma tristeza que vem
do nada, sem saber o porquê daquela dor que parece vir do
fundo da alma, mas sem uma causa definida ou um motivo
racional que a justifique.
— E você lembra o que você ou a pomba-gira cigana
respondeu? — quis saber Carlos.
— Era algo mais ou menos assim. Quando algo que
fizemos ou que deixamos de fazer pesa na consciência,
queremos reparar o erro. E não é Deus ou Jesus que nos pune
ou castiga, mas a própria consciência arrependida é que
deseja reparar seus erros. E essa angustia da alma não chega
ao consciente, que é o ego, mas se manifesta no corpo.
Quando essa informação se torna factível, temos um ele-
mento a mais para superar a dor.
Carlos concordou, independentemente de a informação
ter sido dada por um desencarnado ou ser reflexão da própria
Patrícia. E, como ainda tinham um tempo antes de tomar o
trem para Verona, resolveram seguir a pé até a estação.
Horas depois, já na estação à espera da composição que
os levaria a Verona, Carlos riu e disse:
— Tenho certeza que foi a pomba-gira cigana quem
respondeu e não você mesma.
— Você acha que eu não tenho capacidade para trans-
cender a barreira do ego? – respondeu Patrícia irritada e
sentindo-se menosprezada. – Seu anarquistazinho metido a
besta! E não adianta insistir: hoje não tem sexo!
O despertar do Homo spiritualis 41

Carlos, ainda rindo, falou:


— Terá capacidade quando, além de conseguir acessar
as informações que estão em seu self, ou na sua alma,
conseguir compreender o que se passa em sua vida atual e
superar os conflitos com outras pessoas, principalmente as
encarnadas no seio de sua própria família, como seu irmão
e sua mãe, e comigo também, que agora sou seu marido.
Patrícia, que ora se enfezava, ora se encantava com as
tiradas de Carlos, abriu um sorriso e o puxou, dando-lhe um
intenso e provocante beijo ali mesmo na estação de trem.
Passando a mão nas pernas de Carlos, disse:
— Está perdoado, seu anarquistazinho lindo!
42 Adilson Marques

Reforma íntima é despertar o


Homo spiritualis

O despertar espiritual consiste em abandonar o


porto da ignorância com destino ao porto da
sabedoria e, ao chegar, abandonar o barco

N o mesmo dia, o casal chegou de trem a Verona, famosa


por acolher a história de Romeu e Julieta, de Shakes-
peare. Mas a cidade tem muitos outros locais especiosos. Já
ao chegarem à estação, viram um cartaz anunciando, para
aquela mesma noite, um concerto de rock na Arena, um
enorme anfiteatro romano do século I.
Carlos e Patrícia gostavam de vários estilos de rock, do
progressista ao heavy metal dos anos 80. Decidiram deixar as
malas no hotel e depois ir direto para o concerto. Não conse-
guiram entrar, mas, do lado de fora, se juntaram a uma multidão
para ouvir a música que transcendia os limites físicos da Arena.
Uma pequena feira com artesanato e comida acontecia em uma
praça em frente e lá ficaram apreciando os produtos ofertados
enquanto ouviam um bom e velho rock’n’roll.
Ao voltarem para o hotel foram direto dormir. Ninguém
se lembrou de nenhum sonho na manhã seguinte. Estavam
felizes e prontos para o roteiro que fariam na cidade de
Romeu e Julieta.
Como bom anarquista, Carlos sugeriu começar pela
praça que levava o nome de dois famosos anarquistas
italianos: Sacco e Vanzetti. Seria de lá que eles fariam o
restante do passeio, que incluía o centro histórico com suas
construções e igrejas, a ponte de Castelvecchio e o santuário
O despertar do Homo spiritualis 43

de Nossa Senhora de Lourdes, de onde poderiam contemplar


a beleza da cidade.

Arena de Verona e parte da cidade antiga (Google Maps).

Pela primeira vez, durante a viagem, tiveram um dia de


turista, sem nenhuma revelação ou experiência anômala para
desviar a atenção das atrações da cidade. Aproveitaram os
dias em Verona para apenas curtir juntos e namorar bastante
na bela e romântica cidade. Possivelmente, tratou-se de uma
trégua para o casal, uma vez que, em breve, as revelações e
as catarses ocorreriam de forma intensa na emergência
espiritual de Patrícia.
Foram de ônibus de Verona para Florença. A partida,
porém, atrasou mais de duas horas, deixando Patrícia
irritada. Carlos, por sua vez, comentou que, se soubesse que
atrasaria tanto, teria ido visitar o estádio do Verona, o
Mercantonio Bentegodi, que não estava no roteiro feito pela
esposa, mas ficava perto do hotel onde se hospedaram.
Em Florença, não houve trégua. O processo de emer-
gência espiritual de Patrícia foi intenso, principalmente ao
pisar na Basílica de Santa Cruz, a primeira e maior igreja
franciscana do mundo.
44 Adilson Marques

Santuário Nosso Senhora de Lourdes (Google Maps).

Para sorte do casal, a visita à Basílica foi a última


atividade da programação. Antes, havia um passeio pela
Galeria Degli Uffizi, pela Catedral, pela Ponte Vecchio,
encerrando o dia na Praça Michelangelo, para ver o pôr do
sol. No dia seguinte, finalmente, visitariam a Basílica de
Santa Cruz e seguiriam novamente para Roma.

Praça Michelangelo (à esquerda) e o rio Arno. À direita, a Catedral e a


Basílica destacam-se entre as edificações (Google Maps).
O despertar do Homo spiritualis 45

Nem Carlos, nem Patrícia poderiam imaginar que o frei


franciscano e o seu amante, um pintor renascentista,
tivessem residido em Florença. Ao chegarem à Basílica, ela
se ajoelhou e chorou copiosamente. Muitos episódios da vida
do frei começaram a passar por sua mente como se fosse um
filme. Viu a infância, a relação com os pais, o ingresso na
ordem franciscana, a dificuldade para lidar com a homosse-
xualidade, sua paixão pelo jovem pintor, os momentos em
que se martirizava por não conseguir dominar os impulsos
sexuais e, finalmente, o momento em que, transtornado,
cometeu suicídio.
Vendo o sofrimento da esposa, Carlos a consolou e disse
que poderiam ir embora dali se ela quisesse. Era um local que
gostaria de visitar, mas abriria mão do passeio por ela.
Patrícia, porém, queria entrar na Basílica. Só precisava de um
tempo para se recuperar.

Basílica franciscana de Santa Cruz (Google Maps).

Ainda na praça em frente à Basílica, ela começou a


descrever o interior do lugar, foi se lembrando de cada local.
Disse para Carlos que gostaria muito de rever as capelas
funerárias, passar pela sacristia, revisitar o refeitório e, por fim,
46 Adilson Marques

o claustro. Ela tinha receio de que, para os turistas, o passeio


ficasse restrito à nave central, sem acesso aos outros locais.
Carlos percebia admirado e boquiaberto a capacidade
psíquica de Patrícia, que se expandia de forma assustadora.
Nenhum dos dois imaginara que isso se daria daquela forma
tão intensa. Ele a abraçou carinhosamente e disse que a
amava muito.
Quando ela se recompôs, o casal entrou na Basílica. No
púlpito, ao ver a representação da morte de São Francisco,
Patrícia voltou a chorar. Mas agora de forma mais discreta.
O mesmo se passou na capela maior, diante da Cruz. Disse
que não sabia de onde vinha essa admiração pelo santo de
Assis. Este e Maria Madalena eram seus santos de devoção.
Patrícia recordou-se da Florença do final do século XV
e começo do século XVI, quando a cidade era um dos
principais centros culturais, com a presença de filósofos,
escritores, teólogos e, sobretudo, pintores. Ela se encantava
com os pilares que suportavam os arcos e as grandes janelas
que iluminavam todo o interior da Basílica. As represen-
tações com as cenas da vida de São Francisco também a
emocionavam. Parou diante de La Flagelación, pintura de
Alessandro Fei, e confessou que aquela era uma de suas
preferidas.
Carlos coçou a cabeça.
— Será que eu fui ele? Deixa eu ver quando ele viveu...
— disse enquanto pesquisava no Google. – Ele nasceu em
1543 e morreu em 1592, aqui em Florença. O que você acha?
Seria ele o amante do frei?
Patrícia se concentrou, mas nada veio em sua mente.
Então, comentou:
— Acredito que nem tudo é permitido saber. Mas acho
que ele foi contemporâneo do frei sim, mas não me vem nada
sobre o amante.
O despertar do Homo spiritualis 47

Interior da Basílica de Santa Cruz

Após o passeio de quase duas horas pela Basílica, a


jovem sentiu uma queimação nas costas. Pediu para Carlos
olhar. Ao levantar sua camiseta, o marido levou um susto.
Vergões avermelhados que lembravam chicotadas tomavam
conta de suas costas. Fez uma foto com o celular e mostrou
para a Patrícia, que entrou em desespero:
48 Adilson Marques

— O que é isso? Preciso de um médico urgente! O que


vamos fazer?
— O que acha de irmos a alguma farmácia e ver se não
encontramos alguma pomada que possa resolver isso. Parece
que você foi chicoteada!
Compraram uma pomada dermatológica que amenizou
o inchaço. Acreditando que gradativamente tudo sumiria,
foram para a estação ferroviária. O trem para Roma sairia
em breve, e a viagem duraria menos de duas horas.
Patrícia não conseguiu aproveitar a viagem. As costas
voltaram a incomodar muito, o remédio não estava mais
fazendo efeito. Começaram a se preocupar, achando que iriam
precisar de ajuda médica. Carlos, porém, se lembrou da amiga
sensitiva e mandou uma mensagem comentando que, após
saírem da Basílica franciscana de Florença, a esposa começara
a sentir dores e ardência nas costas, sem uma explicação
racional. Só poderia ter uma causa espiritual, ele acreditava.
Já se encontravam no hotel, em Roma, quando recebe-
ram a resposta da amiga de Carlos. À noite ela participaria
da Apometria e pediria para abrir um trabalho para Patrícia.
Assim que o trabalho aconteceu, ela mandou outra men-
sagem para Carlos explicando o que aparecera:
— Carlos, o trabalho foi muito interessante. Eu coloquei
o nome da Patrícia e, assim que ele foi aberto, uma das
médiuns disse que a via como homem. Era um padre
franciscano. Esse padre se martirizava com um chicote. Ela
disse que achava que era na Itália. Possivelmente quando ela
entrou na igreja acabou se conectando a essa vida passada.
Começamos a mandar energia para despolarizar essa memó-
ria e depois fizemos vibrações. Um caboclo da linha de
Oxossi disse que ia tratar as costas dela. Possivelmente aí já
é de madrugada. Quando acordar e ler esta mensagem me
fale como ela está. Uma boa viagem!
O despertar do Homo spiritualis 49

Patrícia acordou primeiro e foi olhar-se no espelho. Não


viu nada e também não sentia mais dores. Acordou o marido
e mostrou-lhe as costas. Surpreso, Carlos resolveu olhar no
celular se havia alguma mensagem da amiga. Com cara de
espanto, chamou Patrícia para ler.
Ela ficou boquiaberta. Como aquilo seria possível?
Contou, então, que teve um sonho em que se encontrava
deitada de bruços e que um índio colocava umas folhas
verdes geladas em suas costas. A sensação de ardência ia
desaparecendo como se alguém a tirasse com as mãos. Carlos
correu para responder ao e-mail da amiga e relatar a cura nas
costas da esposa.
Patrícia, curiosa, perguntou ao marido como funcionava
a Apometria.
— A Apometria é uma técnica que foi criada por um
médico chamado José Lacerda, em meados da década de
1950. Ele era espírita, mas gostava muito da Umbanda. Ele
aprofundou uma técnica chamada hipnometria, que apren-
deu em um congresso em Buenos Aires. A Apometria precisa
de uma equipe, normalmente nove pessoas: uma para
coordenar os trabalhos, pelo menos dois sensitivos e uma
equipe de sustentação. Sem esta, o trabalho dificilmente
acontece.
— Sua amiga disse que abriram o trabalho! Como é isso?
Como pode ser feito a distância?
— Então — respondeu Carlos —, para o trabalho
acontecer, todo mundo é desdobrado, toda a equipe e a
pessoa que será atendida. E pode ser feito a distância
também. Quem coordena dá um comando para sintonizar
o grupo com a energia do consulente. Os sensitivos come-
çarão a descrever situações. No seu caso, viram o frei se
martirizando. A partir dessas informações, quem estiver
coordenando encaminha o tratamento. Através de pulsos
50 Adilson Marques

energéticos vão fazendo as limpezas necessárias. No seu


atendimento, o grupo despolarizou a memória, ou seja,
desconectou você da energia daquele fato. Possivelmente,
você se conectou quando entrou na Basílica e, de forma
inconsciente, passou a somatizar no corpo os vergões das
chicotadas.
— Possivelmente foi algo similar ao que aconteceu com
a garganta lá no Brasil – lembrou Patrícia.
— Exatamente. Essas sintonizações acontecem com
muita frequência, seja assistindo a um filme, lendo um livro,
visitando um lugar...
A jovem estava ficando encantada com o mundo que
se abria à sua frente. Mas, como sua mente nunca parava
quieta, perguntou:
— Essa encarnação como frei deve ter ocorrido no século
XVI. Poderiam existir desencarnados presos àquele momento
e precisando de ajuda também?
— Sim, essa é uma das leis da Apometria. É possível que
um desencarnado fique preso ao passado e mesmo assim se
torne um obsessor de alguém no presente. Vamos dizer, por
exemplo, que eu fui o pintor renascentista e estou reencar-
nado agora. Se você ainda não tivesse encarnado, ainda
estivesse preso ao ego do frei e ficasse chamando pelo pintor,
eu sentiria o seu chamado. Não sou mais o pintor, mas sou
o mesmo Espírito. E, caso fosse aberto um trabalho de
Apometria para mim, apareceria o frei precisando de ajuda,
e ele seria auxiliado.
Patrícia pensou um pouco e disse:
— Sabe de uma coisa? Nós não programamos passar por
Assis, não seria legal irmos até lá?
Carlos lembrou-se de que haveria um treinamento em
Split, com duração de três dias. Eles teriam ainda quatro dias
antes do voo de Roma para São Paulo. Se passassem mais
O despertar do Homo spiritualis 51

um dia em Split para conhecer o palácio de Diocleciano e


voltassem para Roma, talvez desse para ir até Assis e voltar
para pegar o avião.
Patrícia achou a proposta muito boa e foi verificar preços
de trem, horários e onde ficar em Assis. Decidiram, naquele
momento, passar dois dias na cidade onde nasceu Francisco
de Assis.
52 Adilson Marques

No palácio de Diocleciano

Aquele que você chama de inimigo é o seu melhor amigo.


Deus o coloca ao seu lado para você fazer a reforma íntima

O casal chegou a Split, a bela cidade da Croácia que


durante o império romano se chamava Spalatum. Após
tomar conhecimento da existência do palácio de Diocleciano,
imperador que mandou matar São Jorge, Carlos descobriu
que ali foram gravadas algumas das cenas da série de TV
Game of Thrones, da qual era fã. Patrícia achava que ele
gostava mesmo era das cenas eróticas, sem se preocupar
muito com o enredo da trama.
De acordo com a programação, ficariam quatro dias na
cidade. Carlos, porém, passaria três em treinamento, tendo
apenas a noite livre. No último dia visitariam o palácio de
Diocleciano. Combinaram que Patrícia faria alguns passeios
durante o dia. Das opções disponíveis, Carlos brincou que
não permitiria que Patrícia fosse apenas a um dos passeios:
para uma famosa praia de nudismo na cidade de Bol, a cerca
de 50 quilômetros de onde estavam.
Patrícia aproveitou bem os dias em que passeou sozinha
por Split. No primeiro, foi conhecer o morro Marjan Hill.
De lá pôde ver a beleza da cidade e conhecer as igrejas de
São Nicolau e de São Jerônimo. No segundo dia foi até a
cachoeira do Parque Nacional de Krka, a cerca de 80
quilômetros de Split, e, no terceiro, permaneceu no centro
histórico, visitando vários locais, mas com uma vontade
incontrolável de entrar no Palácio de Diocleciano, que mais
parecia um bairro. Foi visitar a Fortaleza de Klis, distante 15
quilômetros, onde algumas cenas da série favorita de Carlos
O despertar do Homo spiritualis 53

foram gravadas, deixando-o inconformado por não estar


presente.
No quarto dia em Split, o casal, finalmente, conheceu
o Palácio. Carlos ficou com receio do que aconteceria com
Patrícia depois da experiência na Basílica, em Florença. Mas
a jovem não sentiu nada quando se aproximou das muralhas.
Ela dizia que em sua mente vinha imagens da construção.
Sentia que muito empenho e esforço foram necessários, mas
não intuía que vivera ali. Ela até captou uma cena em que
uma mulher conseguia subir por uma passagem das muralhas
e ir até os aposentos privados para se encontrar com um
homem, mas não era ela. Poderia ser a filha do imperador
ou outra mulher.
Chegando ao peristilo, um grande pátio rodeado por
colunas, ela viu mulheres, possivelmente servas do palácio,
combinando com alguns soldados onde se encontrariam.
Depois, parou e olhou para o céu:
— Não foi aqui nesta cidade que morremos – afirmou
convicta. – Fomos condenados à morte, eu e meu amante.
E, apesar de ter ocorrido um massacre de cristãos ordenado
por Diocleciano, não foi esse o motivo da nossa morte, fomos
acusados de cristãos apenas para justificar nossa morte. O
problema mesmo foi a traição ao meu marido. Isso eu vejo
muito bem. Mas não tem relação com esta cidade ou este
palácio. O que você levantou sobre a história desse impera-
dor? Quem sabe enquanto você me conta venha algo na
minha mente.
Carlos passou a contar o que já havia pesquisado. Sobre
Diocleciano, disse que ele tinha nascido em uma cidade
vizinha, chamada Solin, por volta de 240 d.C. Foi imperador
entre 284 e 305, quando renunciou, e morreu por volta de
312. Antes de ser imperador, foi o comandante da escolta
imperial. Deve ter sido nesse momento que conheceu São
54 Adilson Marques

Jorge, acreditava Carlos, e, ao se tornar imperador, o chamou


para ser da sua guarda pessoal.
Foi também em seu governo que foi criada a Tetrarquia,
uma divisão de poder entre quatro titulares, que passaram a
administrar doze dioceses, como foi dividido o Império
Romano. E Diocleciano era associado a Júpiter, o que
legitimava suas ações como sendo um direito que lhe havia
sido dado pelos deuses. Esse imperador ficou com a Diocese
do Oriente, que incluía o Egito e a região onde hoje é Israel,
a Líbia, a Síria e outros países.
— E foi nessa região que nasceu São Jorge? – perguntou
Patrícia.
— Sim, ele nasceu na Capadócia, na Turquia.
— E fica muito longe daqui?
— Cerca de dois mil quilômetros, eu acho. Por quê?
— Eu não sei se São Jorge foi realmente amante da
mulher de Diocleciano. Eu vejo apenas nós dois nos encon-
trando várias vezes em um palácio, mas não era nesse que
nós estamos. Mas não está claro para mim se seríamos São
Jorge e a mulher do Imperador. E vejo eu e você como
amantes, mas não tenho certeza se eu era a esposa do
Diocleciano. O que você sabe a respeito dela?
— Não achei muita coisa. Sei que ela tinha uma filha
com Diocleciano. Acho que o nome da filha era Valéria.
Durante a perseguição aos cristãos, que começou em 303,
as duas foram obrigadas a fazer sacrifícios para os deuses
romanos. Como se recusaram, foram condenadas à morte.
— E o marido dessa Valéria também foi Imperador?
— Parece que sim, um homem chamado Galério.
— São histórias muito próximas, tenho a impressão de
que, se eu fui mulher de imperador, parece mais com essa
Valéria, a filha, e não com a mulher do Diocleciano. Não sei...
é muita informação misturada que vem à minha mente. Mas
O despertar do Homo spiritualis 55

é certo que estávamos encarnados naquela época. E cer-


tamente nossa morte não foi por motivos religiosos. A razão
foi a descoberta da traição. E eu já acreditava em reen-
carnação. Eu estudava muitas doutrinas e estava na busca
espiritual. Simpatizava-me com o cristianismo também e
desde aquela época eu tinha grande admiração pela história
de Maria Madalena.
Carlos complementou:
— Sobre a mulher de Diocleciano, eu achei várias
histórias aqui. Em uma delas, Prisca seria uma cristã em
segredo. E, quando o Imperador ordenou que São Jorge fosse
torturado, ela teria ido até a arena e professado sua fé no
Cristo. O marido ordenou que ela também fosse decapitada.
Ela teria morrido em 21 de abril de 303 e São Jorge, dois
dias depois. Mas outra história diz que ela foi morta na
Grécia, em 315, anos depois da morte do marido, a mando
de Licínio, que foi quem unificou o Império Romano do
Oriente.
— A primeira história é mais parecida com o que eu
consegui captar. Eu me vejo cometendo suicídio dias antes
da decapitação do soldado que era o meu amante. Não deixei
que me matassem. E o que você sabe sobre São Jorge?
— Até onde eu sei, ele nasceu na Capadócia, na Turquia,
e foi decapitado em Lida, hoje Israel. Uma tradição diz que
sua morte ocorreu em 303, mas não há registro histórico de
quando aconteceu realmente. Parece que ele já havia nascido
em uma família cristã. Ele teria sido capitão do exército
romano e, em seguida, promovido a conde da Capadócia.
Com um pouco mais de 20 anos de idade, foi morar na corte
imperial e tornou-se guarda pessoal do imperador Dio-
cleciano.
— Mas será que ele foi guarda pessoal aqui em Split?
Será que não foi em outro local?
56 Adilson Marques

– Não sei, mas podemos tentar descobrir.


Carlos, então, acessa, pelo Google, páginas sobre o
santo.
– Não – garante. – Ele foi guarda pessoal em Nicomédia,
que fica hoje na Turquia. Essa cidade foi a capital do Império
Romano Oriental, sob o regime de Diocleciano.
– E será que você acha alguma imagem do palácio dessa
outra cidade na internet?
– Hum, deixa eu ver... Achei! Veja!

Ilustração representando o Palácio de Diocleciano em Nicomédia.

— Nossa! Parece que foi aí que vivi. Eu tinha conheci-


mento desse outro palácio de Split, mas as imagens que vêm
à minha mente são mais parecidas com o palácio de Nico-
média, por causa da arena aqui no fundo. Se tivéssemos
tempo para ir até a Turquia...
— Eu acho que nem existe mais esse palácio...
Passando o olho por um texto que acabara de encontrar
na internet, Carlos diz:
O despertar do Homo spiritualis 57

— Veja isto! Aqui está escrito que no ano de 303 o


imperador Diocleciano, influenciado por Galério, publicou
um édito mandando prender todo soldado romano que fosse
cristão. Os demais precisaram oferecer sacrifícios aos deuses
romanos. São Jorge, que era guarda pessoal do imperador,
foi conversar com este e confessou ser cristão. O imperador,
para não perdê-lo, ofereceu terras, dinheiro e escravos para
ele abandonar o cristianismo, mas São Jorge não aceitou. O
imperador teve que mandar torturá-lo e, mesmo assim, ele
não negava sua crença. Vendo sua fé, muitas pessoas se
converteram ao cristianismo, inclusive a mulher do impera-
dor. Não tendo êxito, este mandou degolá-lo no dia 23 de
abril de 303, em Nicomédia.
— Então é isso! Nós não vivemos em Split. Nós vivemos
e fomos amantes em Nicomédia – concluiu Patrícia.
— Mas nós fomos ou não a mulher do imperador e o
São Jorge? — questionou Carlos.
— Ainda não sei. Mas você e ele tiveram o mesmo fim.
Vejo você sendo carregado de onde estava encarcerado e
sendo arrastado nu pela cidade. E teve a cabeça cortada.
A volta para Roma foi envolta em mistérios. Mesmo
com seu poder sensitivo que começava a se expandir, Patrícia
não conseguiu saber se ela e Carlos tinham sido Prisca, esposa
do imperador Diocleciano, e São Jorge. Porém, estava claro
para a jovem que, naquela encarnação, ela tinha um amante
e foi morta com a descoberta da traição. E, para encobrir o
caso, o marido a acusou de ser cristã. O mesmo aconteceu
com o amante, que era um soldado romano.
Eram muitas as semelhanças com a história de São Jorge.
Mas, possivelmente, muitas histórias como aquela devem ter
acontecido durante o reinado do imperador Diocleciano.
58 Adilson Marques

O ego é o inimigo a ser derrotado

A fatalidade está nos acontecimentos que se


apresentam, jamais nos atos da vida moral

P atrícia e Carlos voltaram felizes para Roma após o passeio


em Split, mas decepcionados com as descobertas
espirituais. Não tinham provas, mas a convicção de terem
vivido na época do imperador Diocleciano. Sabiam que ela
fora esposa de um importante político e ele, um soldado
romano. Ambos foram amantes e mortos quando desco-
bertos. Para legitimar o crime, foram acusados de cristãos.
A história deles lembrava a de Prisca, esposa do imperador,
e de São Jorge, mas Patrícia não conseguiu acessar infor-
mações que trouxessem evidências de que esses dois santos
católicos foram amantes. E considerava muita pretensão
achar que ela e o marido vivenciaram tais personalidades.
A jovem preferia acreditar que poderiam ser próximos
da família do imperador e que ela teria se relacionado com
outro político da época. O número de soldados cristãos
mortos pela perseguição iniciada por Diocleciano pode ter
sido grande. Daí a semelhança entre a vida dela com a de
Prisca e a de seu marido Carlos com a de São Jorge.
Chegando a Roma, tomaram o Leonardo Express, trem
que liga o aeroporto ao centro da cidade e, em seguida, o trem
para a cidade de Assis, última cidade da lua de mel na
Europa. Assim que desceram na cidade do “Il poverello”,
sentiram uma ambiência diferente. Uma leveza e uma pureza
que não perceberam em nenhum outro lugar, nem mesmo
na Basílica franciscana de Florença.
O despertar do Homo spiritualis 59

Da estação do trem, foram a pé até a Basílica de Santa


Maria dos Anjos. A construção imponente, iniciada em
meados do século XVI e que levou mais de cem anos para
ficar pronta, apresenta em seu interior a Porciúncula, uma
pequena igreja construída no século IV e reconstruída por
São Francisco. Dentro dela, ele morreu em 1226.
Na Basílica, apesar de sua beleza e suntuosidade, nada
sentiram, mas, ao adentrar na Porciúncula, Patrícia começou
novamente a chorar, enquanto Carlos sentiu-se leve e
visualizou uma radiosa luz azul-celeste envolvendo-o. Viu
também, à sua frente, um Preto-Velho que se identificou
como Pai Damião, que acompanharia o casal durante todo
o passeio por Assis.

Porciúncula, dentro da Basílica.


60 Adilson Marques

Voltaram até a Estação e pegaram um ônibus para o


centro de Assis, admirando a beleza do caminho e a cidade
que se avizinhava sobre uma colina. Conforme o ônibus se
aproximava, mais Carlos se encantava e, vendo uma enorme
igreja do lado esquerdo, disse:
— Ali deve ser a Basílica de São Francisco. Poderíamos
ir até o hotel e começar o nosso passeio por ela, o que acha?
Não tiveram tempo de preparar um roteiro para o
passeio em Assis. Só conseguiram reservar um hotel. Na
verdade, o roteiro estava feito, mas pelo Preto-Velho Pai
Damião.
O primeiro passeio foi pela Basílica, construída na
chamada colina do inferno, por ser onde os criminosos eram
executados. Passearam por toda a Basílica, visitando o nível
inferior e o superior da construção, e, ao descer para a Cripta,
onde se encontra o túmulo de São Francisco, novamente Pai
Damião apareceu para Carlos, com aquela luminosidade
azul, e perguntou se estavam gostando de Assis.
Patrícia não viu o Preto-Velho, mas sentiu sua presença
e conseguiu ouvir a pergunta em sua mente. Ao responderem
mentalmente que sim, Pai Damião pediu para que manti-
vessem aquela serenidade durante todo o passeio a fim de
que pudessem senti-lo e intuir as orientações que passaria
ao casal. Também sugeriu que evitassem discussões tolas e
ficar falando mal das pessoas, principalmente da família, que
estava tão longe, no Brasil. Patrícia sentiu que aquela
orientação dirigia-se diretamente a ela.
Saíram da Basílica e passaram pelo sacro convento e pelo
museu missionário dos índios. Em seguida, o Preto-Velho
pediu para irem até o Bosque de São Francisco e visitar
também a Igreja de Santa Cruz. Eles iriam conhecer um local
por onde São Francisco costumava caminhar. Seria impor-
tante fazer o percurso e sentir a energia durante todo o
O despertar do Homo spiritualis 61

trajeto. Ao localizar o caminho no mapa, o casal levou um


susto. Seria uma longa caminhada, mas não questionaram
a orientação de Pai Damião.

Cripta com o corpo de São Francisco de Assis.

Atravessaram a Porta São Giacomo e começaram a


peregrinação. Quando Patrícia achou que não conseguiria
mais prosseguir, um carro passou por eles e ofereceu carona.
Não pensaram duas vezes. O motorista chamava-se Alberto
62 Adilson Marques

e era um artista plástico da cidade. Ficaram amigos e


combinaram de conhecer seu ateliê à noite. Após visitar a
igreja e contemplar a paisagem, voltaram também de carona
para a cidade. Mas o novo amigo, ao saber que ficariam
pouco tempo em Assis, ofereceu-se para levá-los, ainda
naquele dia, às Basílicas de Santa Clara e de São Damião,
este fora da cidade, mas de vital importância para com-
preender o movimento franciscano. E ainda sugeriu que, no
dia seguinte, fossem até o Monte Subásio, logo pela manhã,
e passeassem pelo centro de Assis, no período da tarde.
Patrícia ficou preocupada, imaginando se o roteiro
pensado pelo Preto-Velho não seria outro, mas Carlos tratou
de acalmá-la dizendo que Pai Damião falava através de
Alberto. Ou seja, o novo amigo do casal estava sendo intuído,
era um instrumento para fazer com que o roteiro fosse
cumprido, mesmo não tendo consciência disso.
Antes de terminar o primeiro dia em Assis, conheceram
também as duas Basílicas. E Carlos contou para o novo
amigo, que ouviu atentamente, sua história pessoal com o
crucifixo de São Damião. O rapaz contou que, por volta do
ano 2000, fez um curso de iniciação no Reiki, uma técnica
de imposição de mãos. E, sempre que aplicava a técnica em
alguém, aquela cruz aparecia em sua mente, sempre em uma
tonalidade verde-brilhante.
De tanto ver aquela imagem, resolveu desenhá-la em um
papel. Como na época não havia Facebook nem Orkut,
postou a imagem em uma lista de discussão e perguntou se
alguém conhecia aquele símbolo. Várias pessoas começaram
a dar palpites, dizendo até que parecia um ET. Mas, por volta
de 2003, descobriu o significado. Ele havia conhecido um
estudioso da Cabala que fazia pequenos amuletos em prata.
Este, ao mostrar para Carlos seus objetos, apresentou o
crucifixo. Carlos ficou surpreso e perguntou o que ele
O despertar do Homo spiritualis 63

significava. Foi quando soube que era o famoso crucifixo de


São Damião que ornava a capela onde São Francisco teve
suas primeiras revelações espirituais.
As almas de Carlos e Patrícia irradiavam uma sensação
de plenitude. Pisar em locais tão sagrados, tão cheios de boas
vibrações, mexia profundamente com as células físicas e
astrais de ambos. Um processo metanoico se processava, que
renovaria completamente a vida do casal daquele dia em
diante.

Réplica do famoso crucifixo, na Basílica de São Damião.


64 Adilson Marques

Eremo delle Carcere

O importante para quem chegou ao “porto da


sabedoria” é viver permanentemente em
contato com a força universal, com Deus

P ara ir do hotel até o Eremo delle Carcere, o casal teria


de andar cerca de sete quilômetros. O dia estava
ensolarado, então trataram de levar muita água. Desta vez
não puderam contar com nenhuma carona, mas todo o
esforço foi recompensado quando chegaram a um dos mais
fantásticos locais de paz e oração de Assis.
Na entrada, ao lado de uma bela escultura universalista
com representação das cinco principais religiões da Terra, o
Preto-Velho aguardava-os com sua luz azulada, de braços
abertos e um sorriso no rosto.
— Nunca disse que seria fácil chegar aqui, mas vocês
verão que todo o empenho será compensado.
Nesse que é um dos mais significativos locais francis-
canos de Assis, o casal sentia a ambiência pura e revigorante.
Uma missa estava prestes a começar e, além do casal, mais
três pessoas estavam presentes. Um monge franciscano
conduziu a liturgia.
Durante a missa, Carlos viu pétalas de rosas caindo
sobre todos que ali estavam. Quando as pétalas tocavam o
corpo de cada participante, ele via manchas escuras come-
çarem a sair pelos poros e, de repente, se dispersarem. E a
sala ganhava uma coloração lilás. Patrícia também estava
emocionada com a energia da missa, nunca havia participado
de uma celebração como aquela.
O despertar do Homo spiritualis 65

Estátua universalista de São Francisco, na entrada do Eremo delle Carcere.

Ao saírem da pequena capela, Carlos viu novamente Pai


Damião, que pediu para que o seguissem. Andaram por várias
salas e atravessaram uma porta que trazia uma placa dizendo
que não era permitido entrar ali. Mas, como estavam
seguindo o Preto-Velho e não havia ninguém ali para impedi-
los, desobedeceram aquela orientação. Passaram por um
apertado corredor, subiram uma escada de pedra com
pequenos degraus e saíram na entrada do bosque. Pai
Damião sugeriu que andassem por lá à vontade, contem-
plando o lugar. Dentro de uma hora eles se encontrariam em
um altar onde São Francisco costumava orar e fazer suas
66 Adilson Marques

reuniões. O Preto-Velho descreveu o local, eles o achariam


facilmente.
O casal andou faticamente por boa parte do bosque.
Contemplaram a cidade ao fundo, pararam para meditar e
fazer chi kung. Chegaram com antecedência ao local descrito
pelo Preto-Velho, então Carlos resolveu fazer uma experiência
de desdobramento com Patrícia. Ela aceitou na hora.
Durante a viagem, Carlos tentou desdobrar Patrícia
algumas vezes, sem resultado. Ali, porém, ele acreditava que
o processo aconteceria.
– Eu vou usar o método da captação noética que é,
basicamente, o seguinte: eu vou tentar desdobrá-la através
de pulsos energéticos – explicou Carlos. – O que vai acontecer
é que, sem perder a consciência, haverá certo afastamento
entre o seu corpo astral e o corpo físico, aumentando sua
sensibilidade psíquica. É o mesmo procedimento utilizado
na Apometria. Se der certo, você vai interagir de forma
consciente com a terceira dimensão e com a quarta, o
chamado mundo astral. Você verá com mais nitidez os
desencarnados que estiverem aqui.
E, ali, no monte Subásio, dentro do Eremo delle Carcere,
o desdobramento funcionou. Em poucos segundos, Patrícia
viu que atrás do púlpito de pedra com um Tau fixado estava
o Pai Damião. Nos bancos de pedra onde Carlos e Patrícia
acreditavam estar sentados sozinhos havia uma multidão de
Espíritos aguardando para ouvir o Preto-Velho. Alguns
Espíritos trajavam o hábito franciscano, mas também havia
Caboclos, Pretos-Velhos, Orientais e outros. Também esta-
vam ali alguns encarnados em desdobramento, mas que não
se lembrariam da reunião ao acordar em seus corpos físicos.
Os desencarnados eram Espíritos que, em breve, encar-
nariam na Terra. Todos já contavam com considerável
bagagem espiritual e encarnariam para ajudar na regeneração
O despertar do Homo spiritualis 67

da Terra. Os encarnados em desdobramento que ali estavam


presentes seriam seus futuros pais. A previsão é que todos
estariam encarnados em breve, nascendo entre 2020 e 2030.

Púlpito de pedra, com o Tau.

Patrícia foi sussurrando no ouvido de Carlos o que


estava vendo. Ficou admirada quando Pai Damião se
transfigurou em Mahatma Gandhi, saudando a todos os
presentes, primeiramente, em inglês e, depois, os Espíritos
das linhas orientais, particularmente, em hindi. Em seguida,
disse ao casal – os únicos encarnados que se encontravam
ali com o corpo físico – que estava muito feliz com a presença
deles e agradeceu a Deus por tudo ter acontecido da forma
prevista. Contou ainda que foi ele quem intuíra o hóspede
anterior a deixar um exemplar do Bhagavad Gita no quarto
e também quem orientou qual passagem Carlos deveria ler.
Em seguida, enquanto Patrícia estava em prantos, Pai
Damião se transfigurou novamente, desta vez no próprio São
Francisco, e disse que naquela manhã, para todos aqueles
convidados, falaria sobre os cinco agregados e a reforma íntima.
68 Adilson Marques

Patrícia estava muito feliz, mas, ao olhar para Carlos


para saber qual era a reação dele, surpreendeu-se ao vê-lo
dormindo. Na hora em que o seu sangue começou a ferver e
estava prestes a chacoalhá-lo, ouviu Pai Damião, ou o próprio
São Francisco, dizendo a ela para não se preocupar com o
marido, pois ele estava desdobrado, ouvindo tudo. O corpo
estava dormindo, mas não a alma. Ao final do evento, ele
acordaria naturalmente e, mesmo que não se lembrasse de
tudo o que viu e ouviu, as informações seriam intuídas
posteriormente. Pediu a ela para ser um pouco mais paciente,
não só com ele, mas também com a mãe, o irmão e, sobre-
tudo, com ela mesma, deixando de ser tão crítica e exigindo
tanta perfeição de todos.
Nesse momento, na multidão, ela identificou Carlos em
pé, próximo a ela. Com o corpo astral, deu um tchauzinho para
Patrícia e brincou atravessando um banco de pedra, antes
de sentar. Ela fez uma cara de desaprovação, pois nem em
um momento sério como aquele Carlos deixava de brincar.
Em seguida, São Francisco começou a pregação:

Queridos irmãos espirituais, hoje gostaria que todos vocês


compreendessem que a felicidade não significa prazer nem
euforia. Ao se humanizar e encarnar, passamos a confundir
a felicidade com prazer e, por isso, acreditamos que somos
felizes quando nossos desejos se realizam. Isso é apenas uma
satisfação individual.
A felicidade, meus caros, é sempre Universal. E ela se
manifesta quando nos libertamos dos “cinco agregados”, que
fazem parte do ego, da consciência humanizada da persona-
lidade que vamos vivenciar ao longo de mais uma encarnação.
De forma resumida, pois todos vocês sabem disso, eles são as
formas materiais, as sensações, as percepções criadas pelos
sentidos, as formações mentais (os pensamentos) e a memória.
O despertar do Homo spiritualis 69

A felicidade está além de tudo isso. A alegria contém a semente


da tristeza, assim como o prazer traz a semente do desprazer.
Se para eu me alegrar o Outro precisa ficar triste, isso não é
felicidade. Se o meu prazer é obtido pelo desprazer do Outro,
isso também não é felicidade.
A felicidade, enquanto um atributo do Espírito, é paz, é
plenitude. Ela pode ser vivenciada sem estar condicionada a
nenhum prazer momentâneo.
Em breve, a terra mudará de estágio. Ela deixará de ser um
mundo de provas e expiações e se tornará um mundo de
regeneração. Isso fará com que as formas materiais sofram
mudanças significativas, mas continuará a ser o primeiro
agregado do ego. Lembrem-se de que não somos donos de nada.
Deus apenas nos empresta estes recursos para o nosso
aprimoramento espiritual. Quem se apega às formas necessa-
riamente vai sofrer.
Por isso, todo sentimento que o ser humanizado e encarnado
nutre pelas coisas, ou pelas formas materiais, incluindo os
acontecimentos e as pessoas, geram sensações. E aqui estamos
incluindo também as emoções. As sensações formam o segundo
agregado e geram sofrimento, justamente por não aceitarmos
que cada pessoa é diferente. Nosso ego deseja que o Outro seja
apenas uma cópia perfeita de nós mesmos.
Para não sofrermos, é preciso respeitar o direito de cada um de
ser diferente, da forma que quiser. Isso não significa que vamos
deixar de sentir, mas vamos permitir que o Outro faça suas
escolhas, aceitaremos com mais naturalidade as diferenças.
E se lembrarmos que não cai uma folha de uma árvore sem
que Deus o permita, é da vontade de Deus que cada um tenha
sua liberdade e aja de acordo com sua consciência, plantando
e colhendo no palco da vida.
70 Adilson Marques

Essa compreensão nos leva a entender o que significa ter a


“percepção correta”. Esta corresponde a aceitar que toda ação
de Deus é sempre Justa e Amorosa. E que Ele sempre dá a
cada Espírito humanizado o que este precisa e merece. Daí
sempre sermos o instrumento para o Outro, com nossas
palavras e ações. Todos os atos são direcionados por Deus para
cada um só receber o que precisa e merece naquele exato
momento de sua existência. Vocês, com muitas encarnações
vividas, sabem muito bem disso, mas faz parte da regra do
jogo chamado encarnação esquecer esse fato.
E vocês sabem quanto sofre quem acredita que comanda os
próprios atos e, além disso, acha que pode mudar os dos outros.
Nosso ego, quando encarnados, nos faz acreditar que qualquer
coisa no Universo pode acontecer independentemente da
Inteligência Suprema.
Vamos falar agora sobre a “reforma íntima”. Muitos nascerão
em famílias espiritualistas nas quais o termo é muito utilizado.
Mas o que seria isso?
Entendam que ela nunca acontecerá se vocês acreditarem que
agem individualmente. E não importa se estão dando pão para
alguém com fome, vestindo quem está nu, agasalhando quem
passa frio ou qualquer outro ato. Em qualquer ato, em
qualquer ação, vocês estarão sempre sendo guiados por um
amor sublime para que não aconteça um desequilíbrio na
balança universal. E a memória vai sempre ser um empecilho,
pois ela arquiva as formas materiais, as sensações, as
percepções, as formações mentais de modo a provocar sofri-
mento quando algo não acontece da maneira como vocês
queriam. E, por isso, vamos sentir a tentação de julgar e
condenar a ação do outro ou a própria ação.
Tudo no Universo é interdependente, e Deus é a causa
primária de todas as coisas. Se uma coisa não deve ser dita
O despertar do Homo spiritualis 71

ou não deve ser feita, não será. E isso vale tanto para as coisas
que vocês considerarem positivas como para as que consi-
derarem negativas. Lembrem-se de que vocês encarnarão
durante a transição planetária. Vocês ainda não viverão a
Terra regenerada quando as regras desse jogo serão outras.
Assim, todos vocês não terão como se libertar dos cinco
agregados, mas, pela bagagem que já possuem, terão uma
intuição muito aguçada e vão conseguir perceber e sentir a
presença do mundo espiritual e como é este que conduzirá a
vida de vocês. E vejam como vocês foram agraciados por Deus,
que lhes permitiu ser acolhidos por Espíritos benevolentes que
vão ser os seus pais biológicos. Mais do que uma relação de
pais e filhos, vocês viverão uma relação de irmandade
espiritual. Seus talentos serão compreendidos e eles ajudarão
a desabrochá-los.
Por mais dificuldades pelas quais a Terra ainda precise passar
nas próximas décadas, todos vocês estão prontos para
compreender que existe sobre o planeta uma justiça perfeita e,
no comando, um amor sublime, e estarão prontos para consolar
quem precise.
Por mais que aqueles que não fizeram a “reforma intima”
gritem que a Terra é um mundo injusto e mal, vocês estarão
prontos para viver felizes e em paz, mesmo quando, durante
a existência de cada um, aconteça ferimentos ou vicissitudes.
Em cada parte do planeta onde vocês estarão encarnados
haverá ainda situações conflituosas, tragédias naturais,
pandemias, etc., mas vocês nunca estarão sós. Além de grandes
amigos espirituais encarnados, terão os amigos espirituais os
acompanhando. E, com frequência, estaremos nos reunindo
aqui para organizarmos os trabalhos que acontecerão. Mesmo
que um esteja no Japão, outro na Europa, outro na África ou
na América do Sul, vocês formam uma família espiritual, e
72 Adilson Marques

esta estará sempre unida. Talvez vocês não se conheçam


fisicamente por lá, mas serão sempre irmãos espirituais e se
encontrarão durante o sono.
Em pouco tempo, vocês vão “renascer de novo”, ou seja, não
vão alterar as formas materiais, as sensações, as percepções
ou as formações mentais, pois elas dependem do ego criado para
a personagem que vocês vão vivenciar, seja ela homem ou
mulher, africano ou oriental, e assim por diante. Mas
conseguirão abandonar, ainda na carne, essas verdades.
Assim, conseguirão vivenciar com habilidade espiritual suas
existências. Isso é o “renascer de novo”.
Na Terra, vocês ouvirão muitas pessoas dizendo que fazer a
“reforma íntima” é mudar as formas, as sensações, as percepções,
as formações mentais. Mas elas fazem parte do ego e são
interdependentes. Vocês estarão preparados para vivenciar a
existência de vocês com uma consciência universalista.
Neste momento, eu quero deixar vocês conversarem entre si.
Quero que cada família humana confraternize, abrace, acolha
seu novo membro. Vocês, encarnados aqui em desdobramento,
receba o irmão espiritual que em breve será um filho ou uma
filha biológica. E vocês dois que chegaram até aqui com o corpo
físico, acolham esse irmão que tanto os ama e que será um filho
muito querido e adorado.

Nesse momento, Patrícia e Carlos, em desdobramento,


perceberam que um Espírito muito iluminado que estava
sentado em outro banco de pedra, quase diante deles,
levantou-se em veio em direção a eles com os braços abertos.
Enquanto ele caminhava, Patrícia captou diferentes
encarnações em que já tinham vivido juntos. Eram grandes
amigos espirituais. Carlos também tinha muita afinidade
com aquele Espírito e logo reconheceu que era o Zezinho, o
O despertar do Homo spiritualis 73

Erê com quem sempre brincava no terreiro, nas festas de


Cosme e Damião.
Os três se abraçaram e conversaram muito. De repente,
Patrícia notou que de seu corpo astral saía um rastro de luz,
como um fino cordão, e que ele estava ligado ao de Zezinho,
como também passou a chamá-lo.
De volta à forma de Preto-Velho, Pai Damião chamou
os três para uma conversa. Falou para o casal do potencial
mediúnico que o menino teria e que iria acompanhá-lo de
perto. Disse também a Carlos que, em breve, ele passaria a
incorporá-lo nos trabalhos mediúnicos e não mais seu irmão
mais velho. Este, assim como o avô e o pai de Carlos, poderia,
em breve, descansar.
Carlos ficou feliz em saber que seria o novo “cavalo” de
Pai Damião, queria saber se esse dia iria demorar, e ouviu
como resposta que demoraria muito menos do que ele
imaginava. E o Preto-Velho concluiu:
— Carlos, experiências como esta que você está viven-
ciando aqui em Assis são permitidas pela espiritualidade não
para fins acadêmicos. Você vai querer falar sobre isso nas
universidades, mas elas ainda não estão prontas para esse
tipo de trabalho. A missão delas é outra. Tente controlar essa
sua tentação. E ajude Patrícia a se preparar melhor e aceitar
o potencial psíquico que possui. Durante muito tempo, ela
acreditou que era apenas fantasia da mente. Hoje, ela sabe
que não é. E o Zezinho vai precisar muito de vocês dois.
Ajude-o a se preparar, pois será um sensitivo de mão cheia.
Ainda criança ele vai ver os Espíritos. Ele precisará de ajuda
para confiar e aceitar todo o potencial que terá para ser um
grande e responsável sensitivo.
Apesar de encantada com tudo o que estavam viven-
ciando no Eremo delle Carcere, o ego de Patrícia era ainda
muito forte. Não se conteve e aproveitou para perguntar se
74 Adilson Marques

ela fora a encarnação de Prisca, e Carlos a encarnação de São


Jorge, pois não conseguia acessar mais detalhes daquela
encarnação, nem ali em desdobramento.
Pai Damião sorriu e disse-lhe para ficar calma. Na hora
certa, ela saberia mais detalhes sobre aquela encarnação, na
qual viveu um grande amor com Carlos. Segundo o Preto-
Velho era somente isso que ela precisava saber. E ainda
brincou com Patrícia dizendo que, se não fossem as fotos de
Carlos pelado, ela não teria chegado até ali nem ficaria
sabendo dessa encarnação em Roma.
O despertar do Homo spiritualis 75

A incorporação de Pai Damião

Agir corretamente é ser sempre amoroso, benevolente e


perdoar as ofensas. Ter compaixão por todos,
amigos e inimigos, vítimas e algozes.

T odos se despediram com duas orações: A Oração de São


Francisco e o Pai-Nosso. Assim que terminaram, Carlos
despertou e perguntou o que tinha acontecido.
— Você não se lembra de nada? – perguntou Patrícia
sorrindo.
— Tive uns sonhos malucos. Acho que vi São Francisco,
Gandhi e também o Pai Damião. Tinha uns caboclos e acho
que até o Zezinho estava no sonho. Parece que estávamos
todos aqui.
— E estávamos, você dormiu durante uma hora – disse
Patrícia olhando no relógio. – Mas sua alma estava desdo-
brada e acompanhou uma das mais bonitas reuniões que eu
já vi nesta vida. Muita gente participou, incluindo encar-
nados em desdobramento como você. E, além destes, vários
Espíritos que vão encarnar nos próximos anos, inclusive o
nosso filho.
— Como assim?
— Você será o pai biológico do Zezinho!
— Não acredito! Ele vai reencarnar e será nosso filho?
— E ele já está ligado a mim.
Carlos a abraçou muito emocionado por saber que
aquele Erê com quem aprendera muito e brincava desde a
infância, nas festas de Cosme e Damião e em outras ativi-
dades do terreiro, seria em breve seu filho biológico.
76 Adilson Marques

— E o que mais aconteceu nessa reunião, me conta tudo


— quis saber. — Eu não me lembro de nada!
Patrícia, então, revelou a ele que Pai Damião, Mahatma
Gandhi e São Francisco eram o mesmo Espírito, e que foi
ele quem escolhera as passagens do Bhagavad Gita lidas no
hotel. Carlos não se continha de felicidade. Era a experiência
espiritual mais importante de sua vida. E continuaram
conversando enquanto terminavam o passeio pelo Eremo
delle carcere.
Já se direcionando para a saída, viram placas indicando
onde ficavam as grutas de Frei Leão e de outros importantes
franciscanos. Ao chegarem lá, ficaram admirados imaginando
quanta energia aquele lugar não irradiava para o planeta.
— Há quanto tempo você conhece o Pai Damião? –
perguntou, de repente, Patrícia.
— Desde que me entendo por gente, com três ou quatro
anos de idade. Desde essa época conversava com ele.
Primeiro através do meu pai e, em seguida, do meu irmão
mais velho. Infelizmente, quando nasci, meu avô já havia
desencarnado e não tive oportunidade de vê-lo como
“cavalo” de Pai Damião.
Nesse momento, começou a imitar o jeito de o Preto-
Velho falar. Tudo começou como uma simples brincadeira,
até que Carlos sentiu seu corpo inteiro arrepiar e, usando
ainda as idiossincrasias típicas de Pai Damião, passou a dizer:

Meus filhos, as vicissitudes da vida são criadas de acordo com


o gênero de existência escolhido antes de encarnar. Nunca é
por acaso que nascemos em um ou outro país, em uma ou outra
família, em uma ou outra classe social, em uma ou outra raça.
Até a nossa profissão foi definida antes da encarnação.
A vida humanizada e encarnada do Espírito ainda é
composta, ao mesmo tempo, por missões, provas e expiações,
O despertar do Homo spiritualis 77

definidas, também, antes da encarnação. As missões estão


ligadas diretamente com o que pretendemos fazer em prol da
coletividade. Já as provas estão relacionadas com problemas,
quase sempre de ordem moral, que queremos demonstrar para
nós mesmos, e a mais ninguém, que superamos e não cometemos
mais. E, por fim, a expiação são as situações que não temos
como evitar. Seriam os famosos “resgates cármicos”.
Você, minha filha, não tem expiações. Tem uma missão muito
bonita e provas que escolheu, seja com sua família, seja no
seu trabalho. Você reclama muito, mas não deveria. Você julga
e condena muito, mas também não deveria. Do ponto de vista
de vocês, é impossível saber quem está passando por prova,
missão ou expiação. Uma pessoa em uma cadeira de rodas pode
ser um missionário e você já julga que é um Espírito em
expiação.
Mas não a estou julgando. Estou falando como é o seu ego. É
um ego difícil de controlar. Mas foi você mesma que quis assim.
A vontade de Deus é realizar a vontade de cada Espírito.
Com todas essas experiências que viveu neste último mês, espero
que você consiga compreender que é um Espírito eterno vivendo
mais uma experiência humanizada e encarnada. Você já era
reencarnacionista. Mas agora tem condições de entender que
somos Seres multidimensionais. Nossa essência espiritual
vibra em uma dimensão que alguns chamam de Logosfera. Lá
está nossa essência, que é à imagem e à semelhança de Deus.
E o Espírito, minha filha, não é humano, mas se humaniza.
Estamos terminando a fase humanizada do Espírito para
começar em breve a fase angelical. E você não é o seu ego, isso
tem que ficar muito bem claro para você.
No momento, você é o ser humanizado que escolhe os gêneros
de existência, portanto o que importa é ouvir a Individualidade
ou seu Self, que outros chamam de alma ou de “Eu superior”.
78 Adilson Marques

O nome, minha filha, para essa essência humanizada que


habita os planos causais é o que menos importa. O importante
mesmo é saber que é nele que estão armazenadas todas as
experiências humanizadas que vivenciou ao longo de milênios,
sejam elas consideradas positivas ou negativas, do ponto de
vista da Terra.
Não existe um número fixo de encarnações, porém a fase
humanizada do Espírito costuma ser completada em torno de
sete mil anos. Dá para aprender muita coisa nesse período,
não é mesmo?
É a alma ou esse ser humanizado que vai criar uma nova
personagem para vivenciar a cada encarnação. Essa persona-
gem vibrará em outra dimensão, que vocês chamam na Terra
de plano astral. Foi a que você acessou durante nossa reunião
e viu encarnados desdobrados, desencarnados e a minha forma
simbólica como Preto-Velho, pois, como você percebeu, eu não
sou nem preto nem velho. Uso essa forma simbólica quando
trabalho na Umbanda, religião que respeito muito, mas
trabalho também em outras religiões. O objetivo, em todas, é
servir para que possamos, em breve, ter nossa Terra regene-
rada. E eu, em breve, também vou reencarnar, e será no Brasil.
Mas não posso passar nenhuma outra informação sobre ela,
só posso dizer que está próximo o momento.
Você, a partir de agora, conseguirá com muita facilidade fazer
o que Carlos chama de Captação Noética. Você ajudará
muitas pessoas com esse seu potencial. Mas não se empolgue
tanto. Lembre-se de que em breve terá uma criança para
amamentar, trocar fraldas, levar ao pediatra...
Para encerrar, lembre-se de que Patrícia é o ego, é a perso-
nalidade, é o “eu inferior” que um Espírito humanizado criou
para vivenciar uma nova existência. E a Patrícia, um dia,
terá que ser abandonada, como você abandonou a mulher do
O despertar do Homo spiritualis 79

político romano, o guerreiro árabe, o franciscano homossexual


e tantos outros egos.
Carlos é bem intuitivo, mas ele não tem a sua facilidade para
acessar as informações que estão na alma. Ele consegue se
projetar com frequência na Psicosfera, ou na dimensão astral,
mas quando volta para o corpo não se lembra de nada. Porém,
não tem problema. Gradativamente, as informações vão
chegando ao consciente dele, ao ego. Como ele gosta de dizer, o
ego dele passa frequentemente por um upgrade, e novas
informações são assimiladas, mesmo que ele não se recorde que
foi aqui, em reuniões como a que fizemos, que elas foram
discutidas e aprovadas para chegarem à Terra.
E é também na Psicosfera, ou na dimensão astral, que estão
todos os diversos céus descritos pelas religiões, das mais simples
às mais complexas. A diversidade de descrições de como é o
paraíso é fruto justamente da diversidade cultural. Por isso,
quando um sensitivo começa a descrever o paraíso (seja o
árabe, o católico ou as colônias espirituais dos espíritas), ele
está ainda captando as vibrações dessa dimensão e não as do
Self, da Individualidade ou do “mundo causal”.
O importante em sua jornada é saber que a Psicosfera não é
o verdadeiro mundo espiritual, mas uma projeção da vida na
Terra. É uma fase intermediária. Poderíamos até dizer que
seria o “purgatório”, onde energias deletérias acumuladas ao
longo da encarnação precisam ser drenadas antes de “ascen-
der” para os “planos superiores” habitados pelos Espíritos
humanizados já desligados do ego, ou seja, da personalidade
vivenciada em sua última encarnação e que estão em condições
de avaliá-la e planejar as próximas.
E é também na Psicosfera que se encontram os “obsessores”,
conforme a doutrina espírita os apresenta na Terra. Aqui estão
aqueles que não conseguiram perdoar, que se encontram
80 Adilson Marques

revoltados com seus algozes, que ainda não compreenderam


como se processa a lei de causa e efeito. Não existem obsessores
ou sofredores na esfera da Individualidade. Por isso, seu
trabalho, ao lado de seu marido e filho, será o de ajudar a
despertar a consciência plena desses Espíritos ainda presos ao
ego. Ajudá-los a compreender que são Espíritos eternos
vivenciando experiências humanizadas, e não importa se estão
encarnados ou desencarnados. Todos nós já somos Homo
spiritualis e podemos viver nossa humanização com os
atributos do Espírito. Despertar o Homo spiritualis em cada
um será a nova missão de vocês daqui para frente.
O despertar do Homo spiritualis 81

De volta ao Brasil para


uma nova vida

E a semente foi, portanto, semeada. Se germinar será


graças à vontade de Deus, que é, justamente, fazer
acontecer o gênero de existência que cada Espírito
humanizado escolheu antes de mais uma encarnação

P atrícia e Carlos voltaram ao Brasil sem saber ao certo se


foram Santa Alexandra – também chamada de Priscila,
a imperatriz-consorte de Diocleciano – e São Jorge. Mas essa
informação não era mais relevante. O que importa é que
viveram um grande amor no passado, esquecido quando
experimentaram encarnações conflituosas, mas estavam,
outra vez, diante de uma nova oportunidade. E, desta vez,
na nova experiência, teriam a companhia de um grande
amigo espiritual que Carlos conhecia como Zezinho, um Erê
com quem passou a infância brincando e ouvindo ensina-
mentos de cunho moral. Depois de várias décadas, ele
voltaria a encarnar na Terra para ajudar no processo de
regeneração planetária. Além disso, por sua energia angelical
e força moral, seria o elo para que Patrícia se reconciliasse
com a mãe e o irmão.
Algumas semanas depois do regresso da Europa, Patrícia
sentiu um mal-estar. No mesmo dia em que Carlos orga-
nizava um evento em homenagem a Mahatma Gandhi, ela
comprou um teste em uma farmácia. Em seguida, foi ao
encontro do marido:
— Estou grávida! Em breve o Zezinho estará conosco
em mais uma jornada!
Adilson Marques, professor e escritor residente em São
Carlos, desde 1988, escreveu diversos livros, livretos e gibis.
Abaixo não estão relacionados os livros organizados pelo
autor, os capítulos publicados em livros organizados por
outras pessoas, nem artigos em revistas e jornais.

1. Dinorah do Valle: uma vida dedicada à memória e a


história rio-pretense (S.J. Rio Preto: SESC, 1997).
2. Guia do Blues (S.J. Rio Preto: SESC, 1997).
3. Guia SESC de Música Eletrônica (São Carlos: SESC,
1998).
4. Educação, Saúde e Espiritualidade a partir de um enfoque
transpessoal (São Carlos: e-book, 2003).
5. Introdução ao mandala-reiki (São Carlos: e-book, 2003).
6. Educação Após a Morte: princípios de animagogia com seres
incorpóreos (São Carlos: Editora Sirius, 2004).
7. Resgatando as plantas medicinais da vovó (São Carlos:
Editora BN, 2004).
8. O mito de Hermes na pós-modernidade (São Carlos: e-book,
2004).
9. Os símbolos do reiki e seus ensinamentos morais (São Carlos:
Editora BN, 2004).
10. Dharma-Reiki: a caridade e o aprimoramento espiritual como
caminhos para a cura (São Carlos: Editora Sirius, 2004).
11. O reiki segundo o espiritismo (São Carlos: Editora BN,
2005).
12. Nas Trilhas Indeléveis de Hermes: memória, topofilia e ação
cultural (São Carlos: Editora BN, 2005).
13. Envelhecimento e Espiritualidade (São Carlos: e-book,
2005).
14. A oração de São Francisco interpretada por pai Joaquim de
Aruanda (São Carlos: Editora BN, 2005).
15. Psicosofia: sabedoria espiritual para um mundo em regeneração
(São Carlos: Editora BN, 2006).
16. Ciência e Espiritualidade: trabalhos práticos de apometria (São
Carlos: e-book, 2006).
17. O Reiki, a TVI e outros tratamentos complementares. (São
Carlos: Editora BN, 2007).
18. Fragmentos da História Oculta de São Carlos (São Carlos:
Editora BN, 2007).
19. Umbanda: manifestação cultural pós-moderna (São Carlos:
Editora BN, 2008).
20. Educação e Espiritualidade: introdução à animagogia (São
Carlos: e-book, 2008).
21. Projeto Homospiritualis: 10 anos de cultura de paz e promoção
da tolerância religiosa (São Carlos: e-book, 2009).
22. Educação Após a Morte: princípios de animagogia com seres
incorpóreos - segunda edição revista e ampliada (São Carlos:
Editora BN, 2009).
23. História Oral, Imaginário e Transcendentalismo: mitocrítica dos
ensinamentos do espírito Pai Joaquim de Aruanda (São Carlos:
e-book, 2009).
24. Introdução à mito-estória de vida (São Carlos: e-book,
2010).
25. A Umbanda sem mistificação (São Carlos: e-book, 2010).
26. História Oral, Imaginário e Transcendentalismo: mitocrítica dos
ensinamentos do espírito Pai Joaquim de Aruanda (São Carlos:
RiMa Editora, 2011).
27. Introdução à Terapia Vibracional Integrativa (São Carlos:
RiMa Editora, 2011).
28. Gênero e Espiritualidade: introdução ao estudo das imagens e
do imaginário do invisível (São Carlos: RiMa Editora,
2011).
29. A arte de envelhecer com saúde integral e paz interior: introdução
à gerontagogia holonômica (São Carlos: RiMa Editora, 2011).
30. Apometria: a mediunidade e o poder da mente a serviço da
regeneração espiritual da Terra (São Carlos: RiMa Editora,
2011).
31. Educação após a morte: princípios de animagogia com seres
incorpóreos - 3ª edição (São Carlos: RiMa Editora, 2011).
32. Saúde e Espiritualidade: reflexões sobre tratamentos vibracionais
e medianímicos (São Carlos: RiMa Editora, 2012).
33. A psicosofia de Lao-Tsé, Krishna e Buda segundo a espiri-
tologia (São Carlos: RiMa Editora, 2012).
34. Introdução à Terapia Vibracional Integrativa – 2ª edição (São
Carlos: RiMa Editora, 2012).
35. Rede da esperança (São Carlos: RiMa Editora, 2012).
36. Quando grãos de areia se transformam em fios de ouro (São
Carlos: RiMa Editora, 2012).
37. Duda e Dudu conhecendo a ONG Círculo de São Francisco
(São Carlos: Akicekria, 2014).
38. Educação em saúde para um envelhecimento saudável
(São Carlos: FESC/UFSCar, 2015).
39. Rede da Esperança (São Carlos: Akicekria, 2015).
40. Umbanda: conhecendo para respeitar (São Carlos:
Akicekria, 2015).
41. Animagogia: Educação espiritual para um mundo em
regeneração (São Carlos: ONGCSF, 2015).
42. Terapia Vibracional Integrativa (São Carlos: ONGCSF,
2015).
43. As aventuras de Gabriel na cidade-luz (São Carlos:
Akicekria, 2016).
44. As aventuras de Gabriel em Portugal (São Carlos:
Akicekria, 2016).
45. Umbanda: manifestação cultural pós-moderna (São
Carlos: ONGCSF, 2016).
46. Os símbolos do Reiki e seus ensinamentos morais – 2ª
edição revista e ampliada (São Carlos: ONGCSF, 2016).
47. A prática da meditação integrativa na terceira idade: um
estudo sobre educação popular em saúde e espiritualidade
(São Carlos: ONGCSF, 2016).
48. A prática da meditação integrativa na terceira idade: um
estudo sobre educação popular em saúde e espiritualidade
(João Pessoa: Vepopsus/Ministério da Saúde, 2018).
49. A apometria e a TVI segundo a animagogia: um estudo sobre
práticas complementares de saúde e espuritualidade (São
Carlos: RiMa, 2019).
50. O carma do senhor Immanuel Kant na França, e seus últimos
10 dias (São Carlos: RiMa, 2020).
51. Operação Auschwitz (São Carlos: RiMa, 2020).

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