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CULTURA E Jorge Barbosa

COMPORTAMENTO SOCIAL I

Cultura e
Comportamento Social I
Psicologia – 12º Ano

OUT 2008
Teorias Intuitivas do Comportamento Social.
Todos nós somos psicólogos, num certo sentido. Para tentar compreender as pessoas, agimos como cientistas informais e
construímos as nossas próprias teorias intuitivas sobre o comportamento humano. Ao fazê-lo, realizamos as mesmas tarefas
básicas do cientista formal. Em primeiro lugar, recolhemos dados (por exemplo, “o Paulo diz que as mulheres deviam ter o
direito de interromper a gravidez”; “Kioko obteve a nota mais alta no exame de matemática”). Em segundo lugar, tentamos
detectar correlações, para distinguir o que acompanha o quê (“será que a maioria das pessoas que apoiam o direito ao aborto,
também se opõem à pena de morte?” “Será que em média os Asiáticos obtêm melhores classificações a matemática do que os
não-asiáticos?”). Em terceiro lugar, tentamos inferir causas e efeitos, para avaliar o que causa o quê (“O Paulo apoia o direito
ao aborto por convicção genuína ou devido à pressão dos pares para exprimir opiniões liberais?” “Os estudantes asiáticos
destacam-se em matemática porque são intrinsecamente mais inteligentes nesse domínio, ou porque as suas famílias valorizam
mais esse tipo de aprendizagens?”).

Passamos pelos mesmos processos ao tentar compreendermo-nos a nós próprios. Observamos os nossos pensamentos,
sentimentos ou acções (“O meu coração está a bater mais depressa do que é seu costume”), tentamos detectar correlações (“O
meu coração bate sempre mais depressa quando encontro uma certa pessoa”), e tentamos inferir uma causa (“será que estou a
começar a gostar dessas pessoa, ou é só impressão minha?”).

As nossas tentativas intuitivas para aplicar o raciocínio científico na vida quotidiana funcionam surpreendentemente bem. A
interacção social seria caótica se as nossas teorias informais sobre o comportamento humano não tivessem qualquer tipo de
validade. Mas cometemos também diversos erros sistemáticos ao fazer juízos sociais e, paradoxalmente, as nossas próprias
teorias intuitivas prejudicam o rigor dos nossos juízos. As nossas teorias intuitivas podem mesmo moldar as nossas percepções
dos dados colhidos, distorcer as nossas estimativas de correlação e influenciar as nossas avaliações de causa e efeito.

Esquemas.
A primeira dificuldade que enfrentamos como cientistas informais é na recolha de dados que normalmente não é nem
sistemática nem imparcial. Quando um investigador formal pretende determinar quantos portugueses apoiam o direito das
mulheres ao aborto, toma precauções que lhe assegurem que estudará esse assunto a partir de uma amostra representativa.
Quando, porém, como investigadores informais, tentamos fazer a mesma estimativa intuitivamente, a nossa principal fonte de
dados tende a ser as pessoas que conhecemos. E esta não é seguramente uma amostra representativa da população portuguesa.
Outra importante fonte de dados são os meios de comunicação social, que também nos apresentam amostras não
representativas. Por exemplo, em regra, os meios de comunicação social dão mais atenção a um pequeno número de
manifestantes contra o aborto que se manifestam à porta de uma clínica médica, do que ao grande número de pessoas que,
silenciosamente, aprovam o serviço oferecido pela clínica. Nestes casos, os meios de comunicação social não estão a ser
tendenciosos, pelo menos não propositadamente; limitam-se a comunicar as notícias. Mas os dados que nos fornecem não são
uma amostra confiável, a partir da qual possamos avaliar a opinião pública.
Um investigador formal mantém em seu poder registos actualizados dos dados. Na nossa vida do dia-a-dia, também vamos
acumulando informações na memória, e tentamos recordá-las sempre que precisamos de fazer algum juízo sobre algo ou sobre
alguém. Por conseguinte, para além de os dados que recolhemos constituírem uma amostra tendenciosa, também os dados que
realmente empregamos nos nossos juízos sociais sofrem de uma parcialidade adicional com origem nas nossas recordações
selectivas.

Vividez. Um dos factores que influenciam as informações que percepcionamos e lembramos é a sua vividez. A investigação
tem demonstrado que quando informações vívidas (vivazes) e não vívidas concorrem para liderar a nossa atenção, as nossas
estimativas e juízos tendem a ser mais influenciados pelas informações vívidas – mesmo quando a informação não vívida é
mais confiável e potencialmente mais informativa.

Numa investigação, alunos do Ensino Secundário, que pretendiam licenciar-se em Psicologia, receberam informações sobre os
cursos superiores nessa área. Foi-lhes pedido que, com base nessas informações, indicassem os cursos que pretendiam fazer. Os
participantes (sujeitos da experiência) ouviram pessoalmente as opiniões de alguns alunos do Ensino Superior sobre cada curso,
ou leram uma descrição estatística das avaliações dos cursos feitas pelos alunos. As escolhas dos sujeitos foram mais
influenciadas pelas observações e comentários feitos pessoalmente do que pela descrição estatística – mesmo nos casos em que
a descrição estatística era acompanhada pelos mesmos comentários orais passados a escrito. A informação pessoal vívida foi
mais influente do que a informação escrita não vívida, apesar de estar baseada em dados menos completos e menos
representativos (Borgida e Nisbett, 1977)

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O efeito da vividez é particularmente problemático quando se estuda o seu efeito sobre as informações obtidas através dos
órgãos de comunicação social. Mesmo que os repórteres façam escrupulosamente uma cobertura idêntica dos aspectos vívidos e
dos não vívidos, a nossa tendência no processamento da informação tratá-los-ia de forma tendenciosa. Assim, mesmo que um
noticiário de televisão divulgue os resultados de uma pesquisa indicando que a maioria das pessoas no país apoia o direito ao
aborto, temos maior tendência para armazenar, e depois, recordar as imagens vívidas de manifestantes contra o aborto, na
altura de avaliar a opinião pública.

Mesmo que nos fosse possível recolher dados de maneira sistemática e imparcial, as nossas percepções dos dados poderiam
ainda ser influenciados pelas nossas expectativas e preconceitos. Sempre que percepcionamos um objecto ou um facto,
comparamos as novas informações com memórias de contactos anteriores com objectos ou factos semelhantes. As lembranças
dos objectos e factos não são reproduções fotográficas do estímulo original, mas reconstruções das nossas percepções originais.
Estas representações ou estruturas de memória são denominadas esquemas, isto é crenças e conhecimentos organizados sobre pessoas,
objectos, factos e situações. O processo de buscar na memória o esquema mais compatível com os novos dados chama-se
processamento esquemático. Os esquemas e o processamento esquemático permitem-nos organizar e processar uma enorme
quantidade de informações de modo muito eficiente. Em vez de ter que perceber e recordar todos os detalhes de cada novo
objecto ou facto, podemos simplesmente notar que ele é como um dos nossos esquemas pré-existentes e codificar ou recordar
apenas as suas características mais importantes. O processamento esquemático geralmente ocorre de maneira muito rápida e
automática; e geralmente nem percebemos que está ocorrer um processamento de informação.

Por exemplo, temos esquemas para diferentes tipos de pessoas. Quando alguém nos diz que vamos conhecer uma pessoa
extrovertida, nós recuperamos o nosso esquema de “extrovertido” para nos prepararmos para o encontro. O esquema
“extrovertido” consiste, geralmente, num conjunto de traços inter-relacionados: sociabilidade, cordialidade, e talvez espalhafato
e impulsividade. Esquemas gerais de pessoas como este normalmente recebem o nome de estereótipos. Também temos um auto-
esquema ou um esquema de nós próprios – um conjunto de auto-conceitos organizados e armazenados na memória. Quando
vemos um anúncio de emprego, podemos avaliar a compatibilidade entre o esquema que temos a respeito do emprego e o
nosso auto-esquema. O mesmo acontece quando escolhemos uma determinada formação académica.

A investigação confirma que os esquemas nos ajudam a processar as informações. Por exemplo, quando sujeitos são
explicitamente instruídos para recordar o máximo possível de informações sobre uma pessoa, acabam por se lembrar de menos
coisas do que quando são instruídos para formarem uma impressão geral a respeito dessa pessoa. A instrução para formar uma
impressão geral induz os sujeitos a procurarem diversos esquemas pertinentes que os ajudem a melhor organizar e recordar o
material. O auto-esquema também nos permite organizar e processar as informações de maneira eficiente. Por exemplo, as
pessoas recordam melhor uma lista de palavras, se forem instruídas a decidir se cada palavra da lista as descreve a elas próprias.
Chama-se a este resultado o efeito de auto-referência e ocorre porque relacionar cada palavra consigo próprio faz com que a
pessoa pense mais profunda e detalhadamente sobre a palavra para ponderar se ela se aplica a si mesma, e também porque o
auto-esquema serve para ligar na memória o que de outro modo seria uma informação desvinculada.

Esquemas e Percepção
Sem esquemas e processamento esquemático, seríamos sobrecarregados pelas informações que nos inundam. Seríamos muito
maus processadores de informação. Mas o preço que pagamos por esta eficiência é uma tendenciosidade tanto ao nível da
percepção quanto ao nível da nossa memória.

Lendo o texto da página seguinte, com que impressão fica a respeito do João? Acha que é simpático e sociável ou, pelo
contrário, na sua opinião ele é tímido e introvertido? Se acha que ele é simpático, concorda com 78% das pessoas que lêem esta
mesma descrição em inglês. Mas examine a descrição atentamente; na verdade, ela é composta por dois retratos muito
diferentes. Até à frase “depois das aulas, o João saiu...”, o João é retratado em diversas situações como muito simpático.
Depois daquele ponto, contudo, um número quase idêntico de situações mostra-o muito mais como um solitário. Enquanto que
95% das pessoas que lêem somente a primeira metade da descrição classificam o João como simpático, apenas 3% das pessoas
que lêem somente a segunda metade pensa do mesmo modo. Portanto, na descrição composta a simpatia do João domina a
impressão geral. Mas quando as pessoas lêem a mesma descrição com a segunda metade do parágrafo aparecendo em primeiro
lugar, somente 18% classificam o João como simpático; o seu comportamento não amigável causa maior impressão. Em geral,
a primeira informação que recebemos tem maior impacto sobre as nossas impressões. A este efeito chama-se efeito primacial ou de
primazia.

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O João saiu de casa e foi comprar cadernos. Caminhou pela rua ensolarada com dois
amigos, aproveitando o calor agradável do sol enquanto caminhava. Entrou na
papelaria que estava cheia de gente. Enquanto esperava para ser atendido pelo
funcionário, conversou com um conhecido que lá se encontrava também à espera da
sua vez. Ao sair da loja, parou para conversar com um amigo da escola que estava a
entrar naquele momento. Depois dirigiu-se para a escola. No caminho encontrou a
rapariga a quem tinha sido apresentado na noite anterior. Conversaram um pouco e
depois o João continuou o seu caminho. Depois das aulas, o João saiu da sala
sozinho. Deixando a escola, começou a sua longa caminhada para casa. O sol ainda
brilhava na rua. João caminhava pelo lado da rua que tinha sombra. Viu,
caminhando pela rua na sua direcção, a rapariga bonita que tinha conhecido na tarde
anterior. O João atravessou a rua e entrou numa confeitaria. A confeitaria estava
cheia de estudantes e ele identificou alguns rostos familiares. Esperou pacientemente
até que fosse atendido e depois fez o pedido. Pegou na sua bebida e sentou-se numa
mesa lateral. Quando terminou a bebida, foi para casa. (Luchins, 1957, p. 34-35)

O efeito primacial foi repetidamente constatado em diversos estudos sobre formação de impressões, incluindo estudos que
utilizaram pessoas reais e não hipotéticas (Jones, 1990, por ex.). Por exemplo, alguns sujeitos viram um estudante do sexo
masculino a tentar resolver uma série de problemas difíceis de múltipla escolha, e foi-lhes pedido que avaliassem a sua
capacidade geral (Jones, 1968). Embora o estudante, de acordo com as condições experimentais, resolvesse sempre
exactamente 15 dos 30 problemas de forma correcta, era considerado mais capaz se as respostas correctas surgissem
predominantemente no início da série do que se surgissem próximo do fim da série de perguntas. Para além disso, quando se
lhes perguntou quantos problemas o estudante tinha resolvido correctamente, os sujeitos que tinham visto os 15 acertos no
início estimaram uma média de 21, e os que tinham visto os acertos no final estimaram uma média de 13.
Embora diversos factores contribuam para o efeito primacial, ele parece ser principalmente uma consequência do
processamento esquemático. Quando estamos a tentar formar as nossas impressões a respeito de uma pessoa pela primeira vez,
vasculhamos activamente a memória em busca do esquema (ou esquemas) de pessoa que melhor combina com os novos dados.
Num certo momento, tomamos uma decisão preliminar: “esta pessoa é simpática” (ou outro juízo do mesmo tipo). Depois
incorporamos eventuais informações adicionais àquele juízo e descartamos informações discrepantes como não representativas
da pessoa que acabamos de conhecer. Por exemplo, quando se pede que conciliem as aparentes contradições no
comportamento do João, os sujeitos às vezes dizem que ele é realmente simpático, mas que provavelmente estaria cansado no
fim do dia (Luchins, 1957). Quando, de forma superficial, repliquei esta experiência em sala de aula, um dos alunos (o Justino,
se não estou em erro) sentiu necessidade de conciliar essa contradição, dizendo que achava que o João estava farto da escola e
que, portanto, já ia menos bem disposto para casa. Isto é: o nosso esquema a respeito do João, que já está estabelecido, molda a
nossa percepção de todos os dados posteriores à formação desse esquema. De modo mais geral, as nossas percepções
posteriores são guiadas pelo esquema e, por isso, tornam-se relativamente impermeáveis a novos dados. Não fosse assim, como
se explicaria que uma pessoa fique insensível aos avisos a respeito da sua namorada ou namorado que contrariem as suas
impressões? Não é estupidez, é um esquema mental a funcionar como mandam as regras. Entendamo-nos: os esquemas
felizmente não são eternos...
Esquemas e memória. O modo através do qual o processamento esquemático influencia a memória, foi estudado numa
experiência em que os sujeitos viam um vídeo que mostrava uma mulher a comemorar o seu aniversário num jantar com o
marido. A alguns sujeitos foi dito que ela era bibliotecária; a outros, que era empregada de balcão. Alguns dos comportamentos
registados no vídeo eram compatíveis com o estereótipo comum de bibliotecária: por exemplo, usava óculos, gostava de música
clássica, tinha passado um dia a ler e tinha feito uma viagem por vários países da Europa. Um número idêntico de
comportamentos era compatível com o estereótipo de empregada de balcão: por exemplo, bebia cerveja, gostava de música
popular e usava um símbolo de uma taberna. (esta experiência foi feita em 1981: nessa altura, as empregadas de balcão
correspondiam a um estereótipo diferente do de hoje, penso eu).
Depois de verem o vídeo, os sujeitos responderam a um questionário que sondava as suas recordações dos comportamentos da
mulher. Perguntava-se, por exemplo, se a mulher tinha bebido cerveja ou vinho durante o jantar. Os sujeitos lembravam-se
correctamente dos comportamentos compatíveis com o esquema em 88% das vezes, e de comportamentos incompatíveis
apenas 78% das vezes. Assim, os sujeitos que tinham sido informados de que a mulher era bibliotecária tendiam mais a lembrar
que ela tinha feito uma viagem por vários países do que a lembrar que ela usava um símbolo de uma taberna (Cohen, 1981).

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Como acontece com o efeito primacial, existe mais do que uma explicação possível para os efeitos na memória como os
anteriormente descritos. Por exemplo, se os sujeitos não tinham a certeza sobre um facto pertinente, podiam simplesmente
utilizar o seu conhecimento de que a mulher era bibliotecária ou empregada de balcão para dar um palpite informado, ou seja,
estereotipado. Outra explicação muito frequente é a de que os esquemas funcionam como pastas num grande arquivo ou
espaço do computador (My documents, por exemplo). Ajudam-nos a recuperar informações fornecendo um caminho para os
itens pertinentes. O nosso esquema (pasta) empregada de balcão tem mais hipótese de conter o item “símbolo de uma taberna”
do que o item “música clássica”, tal como a pasta “filosofia” nos meus documentos do computador tem mais provavelmente
textos de apoio sobre filosofia do que sobre psicologia.
No entanto, embora estas descobertas sugiram que temos muito mais hipóteses de recordar informações compatíveis com os
nossos esquemas, a verdade é que nem sempre é assim. Por exemplo, se alguém se comporta de uma forma
surpreendentemente discordante com as nossas expectativas (por exemplo, a bibliotecária queima um livro), tendemos a
lembrar melhor este comportamento do que um comportamento compatível (ela passou o dia a ler) ou ligeiramente
incompatível (ela bebeu cerveja).
Persistência dos Esquemas. Esquemas mais complexos de crenças (do que o referido anteriormente) também são muito
resistentes a novas informações. Este fenómeno foi comprovado numa experiência em que estudantes, que tinham crenças
muito divergentes sobre o papel da pena de morte na diminuição da criminalidade, leram um resumo de dois estudos
supostamente autênticos (apresentados como tal, em todo o caso). Um desses estudos parecia indicar que a pena de morte
cumpre bem a missão de reduzir a criminalidade; o outro parecia indicar o contrário. Os estudantes também tiveram acesso a
uma análise de cada estudo que criticava a metodologia neles utilizada. Como era de se esperar, os estudantes de cada lado da
questão acharam que o estudo que apoiava a sua própria posição era significativamente mais convincente e mais bem realizado
do que o outro estudo. (Nada de surpreendente, se tivermos em conta as experiências anteriormente referidas). O resultado
mais surpreendente e até perturbador foi o de que, depois de lerem todas as evidência de ambas as partes em debate, os
estudantes estavam mais convencidos sobre a correcção da sua posição inicial do que no início do estudo (Lord, Ross e Lepper,
1979). Isto significa que as evidências apresentadas em debate público com a intenção de resolver uma questão – ou, pelo
menos, moderar opiniões extremas – tendem a polarizar ainda mais a opinião pública. Tudo parece indicar que os defensores
de cada lado seleccionam cuidadosamente as evidências de modo a reforçar as suas opiniões iniciais e não a pô-las em causa.
Persistência dos Auto-Esquemas. Demonstrou-se um efeito semelhante com os auto-esquemas. Pediu-se aos sujeitos de um
estudo experimental que distinguissem declarações de suicídio genuínas e falsas. Alguns dos sujeitos forma levados a acreditar
que se tinham saído muito bem na tarefa; os outros foram levados a acreditar que se tinham saído muito mal. Posteriormente, o
experimentador explicou-lhes que os resultados tinham sido manipulados e que, na realidade, não fazia a mais pequena ideia a
respeito do desempenho que cada um tinha conseguido obter na prova. Mesmo assim, os “sujeitos bem sucedidos” persistiam
na crença de que provavelmente se tinham saído muito bem e eram bons na tarefa; de igual modo, os sujeitos “mal sucedidos”
continuaram a acreditar que se tinham saído muito mal e que não eram bons na tarefa (Ross, Lepper e Hubbard, 1975).
(Percebem agora por que razão não se deve brincar às avaliações?) Este fenómeno foi chamado efeito de perseverança.

Estereótipos
Detectar correlações – descobrir o que acompanha o quê – é uma tarefa essencial em todas as ciências. Descobrir que sintomas
de uma doença variam com a poluição do ambiente ou se correlacionam com a presença de um vírus é o primeiro passo para se
encontrar um método de cura. Como cientistas intuitivos percebemos sempre – ou achamos que percebemos – estas
correlações. (“As pessoas que são contra a pena de morte parecem tender a manter uma posição favorável à liberalização do
aborto”; “Os Asiáticos parecem ter melhores resultados a matemática do que os não Asiáticos”). Os estereótipos ou esquemas de
classes de pessoas, na verdade são mini teorias de correlação (também dita co-variação): o estereótipo do extrovertido, do
homossexual ou do professor de filosofia é uma teoria sobre os traços ou comportamentos particulares que acompanham certos
traços ou comportamentos.
A investigação científica indica que não somos realmente nada bons a detectar correlações. Os nossos esquemas induzem-nos
muitas vezes em erro. Quando os nossos esquemas nos fazem esperar que duas coisas variem juntas, sobrestimamos a
correlação entre elas, e acabamos por ver correlações ilusórias que, de facto, não existem. Mas, quando não temos um esquema
que nos leve a esperar que elas variem juntas, subestimamos a correlação, deixando de detectar uma correlação que até pode
estar fortemente presente nos dados.
Isto mesmo foi demonstrado numa investigação muito interessante, realizada por Chapman e Chapman em 1969. Este casal de
investigadores estava muito intrigado com o facto de os psicólogos clínicos muito frequentemente relatarem correlações entre as

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respostas dos seus clientes em testes projectivos1 e as suas características de personalidade, apesar de investigações de natureza
experimental negarem sempre essas correlações. Por exemplo, clínicos experientes relataram muitas vezes que homossexuais
masculinos têm maior tendência do que os heterossexuais para verem imagens anais, roupas femininas e três outros tipos
semelhantes de imagens nas pranchas de Rorschach (um teste projectivo muito vulgar nos anos 60). Mas estudos, controlados
experimentalmente, não encontraram correlações entre estas imagens e a orientação homossexual. Os investigadores
levantaram, então, a hipótese de que os psicólogos vêem estas correlações porque as imagens relatadas se encaixam num
estereótipo popular, ou esquema, da homossexualidade masculina. Várias experiência confirmam esta hipótese.
Numa delas, pediu-se a estudantes universitários que estudassem um conjunto de pranchas de Rorschach. Cada prancha
continha uma mancha de tinta, uma descrição dessa imagem feita por um cliente, e um enunciado de duas características
pessoais do cliente. As descrições de imagens incluíam as cinco imagens estereotipadas que os psicólogos clínicos diziam
correlacionar-se com a homossexualidade masculina, além de diversas outras imagens não relacionadas (por exemplo, imagens
de comida). As características relatadas pelo experimentador a respeito dos clientes eram homossexualidade (“tem atracção
sexual por outros homens”) ou características sem relação, tais como “sente-se triste e deprimido a maior parte do tempo”. As
pranchas foram cuidadosamente construídas para que nenhuma descrição de imagem fosse sistematicamente associada à
homossexualidade (isto é, foi garantida uma distribuição aleatória das pranchas e das outras variáveis)
Depois de estudarem todas as pranchas, aos sujeitos foi solicitado que dissessem se tinham detectado “qualquer coisa que fosse
mais frequentemente vista por homens” com as diferentes características (homossexualidade, depressão, etc.). Os resultados
revelaram que os estudantes neste estudo – tal como os psicólogos clínicos experientes – erradamente relataram uma correlação
entre as descrições de imagens estereotipadas e a homossexualidade. E não relataram quaisquer correlações entre as descrições
de imagens não estereotipadas e a homossexualidade.
Depois, os investigadores repetiram o estudo, modificando as pranchas de modo a que duas das descrições de imagens não
estereotipadas (numa, uma imagem de um monstro, e noutra, uma imagem meio-humana meio-animal) aparecessem sempre
com a característica de homossexualidade – uma correlação estatística perfeita, mas fora do estereótipo de homossexualidade.
Apesar disso, os sujeitos continuaram a ver uma correlação (de facto inexistente) com as imagens estereotipadas mais do que o
dobro das vezes do que a correlação (de facto existente) com as imagens não estereotipadas.
Como cientistas intuitivos, somos guiados por esquemas. Vemos correlações que os nossos esquemas nos preparam para ver,
mas não vemos as correlações que os nossos esquemas não nos preparam para ver.
Persistência dos Estereótipos. Talvez não seja surpreendente que os estudantes inexperientes, na investigação atrás descrita,
tenham sido levados a ver correlações inexistentes nos dados que lhes foram fornecidos. Mas porque haveria isso de ocorrer
com psicólogos clínicos experientes? Porque é que o seu contacto diário com dados reais não corrigiu as suas percepções
erradas de correlação? Em termos gerais, porque é que os nossos estereótipos persistem, a despeito dos dados em contrário?

ORIENTAÇÃO HOMOSSEXUAL ORIENTAÇÃO HETEROSSEXUAL

A B
GESTOS EFEMINADOS
10 100

C D
GESTOS NÃO EFEMINADOS
90 900

100 1 000

Analisemos este quadro hipotético. A figura apresenta alguns dados hipotéticos relativos a um estereótipo popular semelhante
àquele que foi explorado no estudo com as manchas de Rorschach: o estereótipo de que os homossexuais têm gestos
efeminados. A tabela classifica uma amostra hipotética de 1100 homens distribuído em quatro células, segundo a sua
orientação homossexual ou heterossexual e a presença ou não de gestos efeminados.
A maneira correcta de avaliar se os dois factores têm correlação entre si é verificarmos se a proporção de homossexuais
masculinos que apresenta gestos efeminados (coluna à esquerda) é diferente da proporção de heterossexuais masculinos que
apresentam gestos efeminados (coluna à direita). Para isso, precisamos, em primeiro lugar, de somar as duas casas de cada

1
Um teste projectivo apresenta um estímulo ambíguo ao qual a pessoa pode responder como quiser. Como o estímulo é ambíguo e não exige
uma resposta específica, presume-se que o indivíduo projecte a sua personalidade no estímulo e assim revele a sua personalidade

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coluna para descobrir quantos homens de cada orientação existem na amostra. Verificamos, então, que 10 em cada 100, ou
10% dos homossexuais masculinos apresentam gestos efeminados, e que 100 em cada 1000, ou 10% dos heterossexuais
masculinos também apresentam gestos efeminados. Por outras palavras, estes dados indicam que não há correlação entre a
orientação sexual e gestos efeminados.
É importante assinalar que, para avaliar a correlação, tivemos que ter em consideração as quatro casas ou células da tabela.
Vejamos agora o que nos diriam as nossas intuições se encontrássemos estes dados na vida quotidiana – na qual não temos
dados organizados à nossa frente, somos nós que os organizamos.
Na nossa sociedade, os homens de orientação homossexual são uma minoria, assim como os homens que apresentam gestos
efeminados. Quando as duas coisas ocorrem juntas (como na célula A, homossexuais masculinos com gestos efeminados), esta
é uma ocorrência especialmente distintiva e clara. Esta clareza e distinção tem, pelo menos, duas consequências:
1. A investigação mostra que as pessoas sobrestimam a frequência com que se deparam com combinações distintivas;
2. Mesmo que não sobrestimássemos a sua frequência, teríamos mais tendência para perceber e lembrar casos que se
encaixam na casa A e ignorar os casos que se encaixam nas outras casas da tabela.
Isso acontece, em parte, porque as informações pertinentes quase nunca estão disponíveis na nossa vida do dia-a-dia. Em
particular, raramente temos oportunidade de avaliar a frequência da casa C, isto é, o número de homossexuais masculinos que
não têm gestos efeminados. A casa B também apresenta uma armadilha para algumas pessoas. Quando observam um homem
com gestos efeminados, podem presumir que ele é homossexual, mesmo que não tenham um real conhecimento da sua
orientação sexual. Pode pertencer à casa A ou à casa B, mas por um raciocínio circular convertem as refutações da casa B ao
seu estereótipo em confirmações da casa A. Note-se que é o próprio estereótipo que as leva a cometer este erro – outro exemplo
de como o nosso processamento de informações é guiado por esquemas.
No entanto, mesmo que outros dados, que não os da casa A, estivessem disponíveis, normalmente não nos ocorreria que
precisaríamos de conhecer essas outras informações. Temos especial dificuldade em ter em conta a casa D, a frequência de
heterossexuais que não apresentam gestos efeminados. Qual será o motivo desta dificuldade?
Já vimos antes que temos mais tendência a perceber e a recordar informações vívidas do que informações não vívidas. É por
isso que a casa A é percebida, recordada e sobrestimada: homossexuais masculinos com gestos efeminados são distintivos e,
portanto, vívidos. Em contraste, não existem muitos factos que sejam menos vívidos – e, portanto, menos perceptíveis e menos
memoráveis – do que os factos que não acontecem. E este é precisamente o tipo de factos da casa D: factos insignificantes.
Homens não homossexuais que não apresentam gestos efeminados não constituem um facto psicológico para nós. Na vida do
quotidiano, é difícil perceber ou avaliar a relevância de factos insignificantes, isto é, sem um significado particular.
A falta de vividez de factos insignificantes também leva os meios de comunicação social a promover a e a sustentar
estereótipos. Quando um homossexual comete assassínio – principalmente de natureza sexual – quer a orientação sexual quer o
assassínio são reportados nos noticiários; quando um heterossexual comete um assassínio – mesmo que tenha natureza sexual –
a orientação sexual não é mencionada. Assim, factos da casa A são amplamente divulgados (alimentando o estereótipo),
enquanto factos da casa B não são vistos como correlacionados com a orientação sexual. E, evidentemente, factos das casas C e
D – homens de qualquer orientação sexual que não cometem assassínios – não são notícia. São insignificantes (os factos).

Estereótipos Auto-determinados. Os nossos esquemas influenciam não apenas os nossos processos perceptivos e inferenciais,
mas também o nosso comportamento e as nossas intenções. O nosso comportamento e as nossas intenções, por seu turno,
podem sustentar os nossos estereótipos. Por outras palavras, os nossos estereótipos podem levar-nos a interagir com aqueles que
estereotipamos de modo a fazer com que satisfaçam as nossas expectativas.
Num estudo, realizado nos Estados Unidos, os investigadores, primeiro, deram-se conta de que os entrevistadores brancos
pareciam menos simpáticos durante as entrevistas de trabalho com candidatos pretos (afro-americanos, como eles dizem) do
que com candidatos brancos. Levantaram, então, a hipótese de que isso poderia fazer com que os candidatos pretos tivessem
um menos bom desempenho nas entrevistas. Para testar esta hipótese, treinaram os entrevistadores a reproduzir quer o estilo
mais simpático quer o menos simpático de entrevistar. Os candidatos (todos brancos) foram então filmados enquanto eram
entrevistados por um entrevistador que utilizava um dos dois estilos. Juízes, que não tinham acesso ao esquema da experiência,
e que viram o vídeo das entrevistas, consideraram o desempenho dos candidatos, que tinham sido entrevistados de um modo
menos simpático, como significativamente mais baixo do que o daqueles que tinham sido entrevistados de uma forma mais
simpática (Word, Zanna e Cooper, 1974). O estudo confirmou a hipótese de que indivíduos preconceituosos podem interagir de
modo que realmente evoque os comportamentos estereotipados que sustentam o seu preconceito.
Os estereótipos podem ainda ser auto-determinados de forma mais insidiosa, afectando directamente o desempenho do
indivíduo. A simples ameaça de ser identificado com o estereótipo pode aumentar o nível de ansiedade da pessoa e assim
prejudicar o seu desempenho (Steele, 1997). Este efeito foi comprovado quer para o estereótipo de que os pretos são
intelectualmente menos capazes do que brancos, quer para o estereótipo de que as mulheres têm menos aptidão para a

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matemática do que os homens. Num estudo, estudantes pretos e brancos academicamente talentosos de uma universidade
altamente selectiva fizeram um teste composto pelos itens mais difíceis do Exame de Desempenho Universitário (dos USA). Ao
serem informados de que o exame era apenas uma tarefa de resolução de problemas de laboratório (era apenas uma
experiência), não relacionada com capacidade, os estudantes negros tiveram um desempenho tão bom como o dos brancos.
Mas quando foram informados de que se tratava de um teste de desempenho intelectual, os estudantes negros não tiveram um
desempenho tão bom como o dos estudantes brancos. Uma variação deste estudo revelou que o simples facto de se pedir aos
estudantes que indicassem a sua cor de pele, num questionário, antes de fazer o teste, era suficiente para prejudicar o
desempenho dos estudantes negros – mesmo quando o teste era descrito como não relacionado com a capacidade intelectual
(Steele e Aronson, 1995). Estes resultados dão muito que pensar porque os estereótipos com impacto na redução do
desempenho escolar, por exemplo, estão longe de só afectar a população negra e, portanto, acabam por ter efeitos insidiosos
muito perversos em populações ainda menos bem identificadas com os preconceitos de que são vítimas.
Num estudo que utilizou o estereótipo sobre a capacidade matemática das mulheres, alunos, de ambos os géneros, do segundo
ano da Universidade com muito bons resultados a matemática receberam um teste de matemática muito difícil. Quando os
sujeitos eram informados, antes da realização do teste, de que os homens e as mulheres geralmente tinham um desempenho
idêntico em provas daquele género, as mulheres realmente tinham tão bom desempenho quanto os homens. Mas quando se
dizia que os homens eram geralmente superiores, as mulheres obtinham, em média, resultados menos bons do que os dos
homens (Spencer, Steele, e Quinn, 1977).
Dá que pensar... Ou não?

Jorge Barbosa http://web.mac.com/jbarbo00 8

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