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Público • Domingo 3 Janeiro 2010 • 25

Espaçopúblico
Portugal gosta de viver à sombra do Estado, mas raras vezes um governo quis controlar tanto o Estado como o que temos

Salvar o país deste Estado, e o Estado deste governo

O
PEDRO CUNHA
ntem de manhã fui ao Portal do Gover- tiva dos mercados à sua vitória eleitoral, os dedos
no, abri um por um os perfis profissio- de uma só mão chegam para contar as empresas
nais de todos os membros do Governo, cotadas no PSI20 cujo destino (e até cuja cotação)
e confirmei uma suspeita: nenhum deles não dependa, em maior ou menor grau, das suas
trabalhou a maior parte da vida no sec- relações com o Governo.
tor privado. A maioria nunca o fez. Alguns, poucos, Por fim, cinco anos depois de Sócrates ter chega-
exerceram vagamente a advocacia, mas há muito do ao poder graças a um acidente da história, são
José que não têm “escritório”. Duas ministras terão ga- cada vez mais raros os concursos públicos e cada
Manuel nho mais em direitos de autor do que com os pro- vez mais comum a negociação directa entre o po-
Fernandes ventos dos lugares que mantêm na administração der e os empresários para “ajustarem”, na ausência
Extremo pública. E até a “sindicalista” nunca trabalhou numa de um ambiente competitivo, negócios de todas
empresa, começou logo como funcionária da UGT. as dimensões – a arbitrariedade começou com os
ocidental Considerando o conjunto dos ministros, o número PIN (Projectos de Potencial Interesse Nacional), que
total de anos passados no Parlamento ou em gabi- permitiam contornar a lei por decisão discricioná-
netes ministeriais não deve ser muito diferente do ria de um ministro, é hoje moeda comum quer se
acumulado a dar aulas em universidades públicas. trate da adjudicação do Magalhães, da do Terminal
Perguntar-se-á: mas porquê a minha suspeita? E de Alcântara, das concessões das barragens ou das
será que podemos tirar alguma ilação desta consta- obras de recuperação do parque escolar.

É
tação? Na verdade não há mal intrínseco em se ter
feito toda a carreira no sector público. Nem de tal se triste, é trágico, escrevê-lo, mas o nível
pode tirar qualquer ilação, sobretudo se pensarmos de discricionariedade – a nível central, a
nos que dão aulas nas universidades. Contudo… nível regional e a nível local –, associado à
Contudo estamos perante um sinal dos tempos: correspondente subserviência (e também
o melhor (?) que o país foi capaz de produzir para à corrupção) não tem paralelo na história
depois lhe entregar a responsabilidade de o gover- recente de Portugal, pois até antes do 25 de Abril
nar foi um grupo de quadros que nunca correu os havia mais respeito por certas regras. Quanto mais
riscos associados à actividade privada e sempre não seja porque havia mais pudor – agora qualquer
cresceu no ambiente protegido – mesmo que nem vestígio de pudor é rapidamente sacudido em nome
sempre glorioso – da administração pública. Sucede da “legitimidade democrática”.
com este Governo, como poderia suceder com um Podemos ter mil conversas tecnocráticas sobre
governo liderado pelo PSD, talvez com pequenas o “programa” para tirar Portugal de crise e nos re-
nuances, e não deve surpreender ninguém: o so- Grau de discricionariedade batuta dos executivos de Sócrates, aproximar da Europa, que serão inúteis. O nosso
nho da maioria dos portugueses é, há décadas, há mas é um mal que vem detrás. problema, como tantas vezes no passado, é de li-
séculos, acolher-se no regaço protector do Estado. – a nível central, regional e Vinte anos depois de termos ini- berdade e de responsabilidade. Em nome da liber-
De preferência como seu servidor, se necessário ciado o processo de privatizações, dade derrubámos o anterior regime, em nome da
como seu subsidiado.
local –, associado à natural o número de empresas públicas – e liberdade acabámos coma tutela militar sobre o po-
Acontece que isto tem causas e consequências. subserviência não tem dos gestores que por elas circulam der político, em nome da liberdade reprivatizámos
As raízes desta maneira de ser mergulham na nossa – é muito maior. Dos hospitais EPE a economia. Entretanto, esquecemos demasiadas
muito particular história como povo e uma delas paralelo na história recente às empresas municipais. Trinta e vezes a responsabilidade e agora, em nome da de-
resulta bem evidente quando lemos a nova História de Portugal, pois até antes cinco anos depois do 25 de Abril mocracia, do “voto do povo”, querem limitar-nos
de Portugal, coordenada por Rui Ramos. No texto não se concebe que um alto quadro a liberdade. É tempo de dizer “basta”.
que escreveu para a apresentação da obra, António do 25 de Abril havia mais da administração pública não seja E será que não há aí ninguém capaz de assumir as
Barreto não deixou de a destacar: “A omnipresença de “confiança política”, tendo de- consequências políticas deste diagnóstico? Talvez
de um Estado que desempenhou todos os papéis, o
respeito por certas regras saparecido por completo o espírito não, pois bem sei o que custaria fazê-lo: Portugal é
de inovador e o de conservador, o de revolucionário de lealdade independente e competente nos altos o que é há muitos séculos. Jornalista
e o de reaccionário, o de motor e o de obstáculo ao lugares da administração. Catorze anos depois de Extremo ocidental volta a ser publicado
desenvolvimento, o de abertura e o de fecho ao mun- Guterres se ter entusiasmado com a reacção posi- todas as sextas-feiras a partir da próxima semana
do exterior, o de déspota e o de liberal. Parece que
quase tudo começou e acabou no Estado. Conquista
e reconquista, expansão e retracção, instrução e
obscurantismo foram obra de um Estado que pouco
Uma semana em http://twitter.com/jmf1957
espaço deixava para a sociedade de classes, grupos
e homens livres e independentes.” a 02Jan10 NYTimes: The Worst May Not Be Over surge. http://bit.ly/78MUyJ
Se assim foi desde a fundação da nacionalidade – – É fantástico o contorcionismo a for Europe http://bit.ly/8O3hBj – São Pedro está a ajudar para
“foi o Estado, isto é, o poder político organizado ou q alguns se dedicam pr fugirem ao – Obama under criticism: No termos sucesso na contabilidade das
em vias de organização, que criou a nação, o que essencial: o que Cavaco disse ontem é despot fears the President, and no renováveis: barragens estão a turbinar
durou séculos”, notou também António Barreto – o retrato cru da nossa realidade demonstrator in Tehran expects him to q se fartam. EDP podia ajudar Oeste
dificilmente poderia deixar de ser hoje. Dificilmente – RT @agranado: É preciso ver esta ride to the rescue http://bit.ly/5EDdze a 28Dez09
poderia de ter hoje um peso ainda maior do que no demonstração da Sports Illustrated em a 30Dez09 – As much of Europe basks in cold, the
passado, e nem devemos começar por falar da econo- Tablet http://twurl.nl/nvf876 – Os dois despachos de Noronha continent’s failure to confront its urgent
mia para o sublinhar. É verdade que, como ainda na a 01Jan10 do Nascimento, mas sobretudo o energy-security concerns is a disgrace
sua mensagem de Ano Novo recordou o Presidente – Um vandalismo que já se tornou primeiro, de 3 de Setembro, são duas http://bit.ly/7lzwkn
da República (que, como ex-primeiro-ministro, é um habitual em França: Mais de mil carros peças extraordinárias de cinismo – Texto do Presidente que sustenta
dos responsáveis pela situação), “Portugal tem já um queimados na noite de passagem de jurídico promulgação da suspensão Código
nível de despesa pública e de impostos que é despro- ano. http://bit.ly/4xyr6x – Crime (do mail) não compensou: Contributivo é bofetada de luva
porcionado face ao seu nível de desenvolvimento”, – Há exactamente 30 anos, num dia PÚBLICO versus DN em Out 2008: branca na retórica da vitimização
mas isso também sucede com outros países. O nosso de Ano Novo luminoso, a terra tremeu mais 7248 exemplares, + 23%; e em Out a 27Dez09
problema é mais grave e mais fundo. de repente. Nos Açores. Vale a pena 2009: mais 8940 exemplares, + 34% – Cadê o Mexia? Mau Tempo: Técnicos

O
recordar -http://bit.ly/7gGSz3 – Mais do INE: decorridos os primeiros de Protecção Civil dizem que resposta
nosso problema é que temos cada vez a 31Dez09 11 meses do ano, plano anticrise do da EDP foi lenta e insuficiente http://
mais governo no Estado – e quando falo – Bom gráfico: Facebook representa Governo apenas está executado em 53 bit.ly/5CtYwb
de governo, também incluo as autarquias 24% das trocas de mensagens na Net, por cento http://bit.ly/4AMVhQ a 26Dez09
regionais e locais – e cada vez menos sen- Twitter está quase a superar n.º mails a 29Dez09 – O Mourinho disse o q mts pensam
tido de Estado no Estado. A omnipresen- http://twitpic.com/w1yvv – A good interview with Petraeus, the mas maioria ñ gosta de ouvir: Portugal
ça da mão que tudo condiciona, ou mesmo tudo – Os que acham que Portugal está head of Central Command and the deve ganhar sem andar a naturalizar
controla, agravou-se muito nos últimos anos, sob a na maior devem ler este artigo do commander in Iraq during the Bush brasileiros à pressa. Apoiado.

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