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16 Contracapa Florianópolis, abril de 2010

Ser acessível
M
Fotos: Dael Limaco
anoel Carlos, autor da telenovela Viver a
Vida, tem uma certa habilidade em pautar os
colóquios sociais, as manchetes do jornalismo
e, certas vezes, até contracapas. A nova carta foi co-
locar Alinne Moraes para viver uma garota cadeirante,
a quem as necessidades se vão colocando capítulo a
capítulo. Some-se um blog, escrito por vias da irmã,
que ganhou uma encarnação além-novela, e está
feita a receita para inserir na agenda do universo
pop a acessibilidade de pessoas com deficiência. O
tema não é novo, não é tabu e ninguém precisa ser
convencido do valor fundamental que a acessibilidade
tem para a cidadania. Mas um reacender de ideias
como essa vem sempre em boa hora.
A acessibilidade como um recurso disseminado
e a livre locomoção pelos diversos caminhos da
pólis ainda são questões distantes na Ilha de Santa
Catarina. O relevo acidentado é um agravante natural.
E Florianópolis é subida e descida em todo canto. A
reduzida largura de algumas ruas, a precariedade
das calçadas e a falta de rampas de acesso con-
stituem, por sua parte, um quadro especialmente
problemático. De uma frota de 466 ônibus urbanos,
56 apenas são adaptados para cadeirantes. Os 12%
com adaptações são uma exigência da Prefeitura,
e se distribuem segundo requisições da Associação
Florianopolitana de Deficientes Físicos (Aflodef), junto
a Secretaria de Transportes. A associação atende a
4 mil pessoas, das quais cerca de 200 usam cadeira
de rodas. Não existem dados específicos no Censo
de 2000, mas Ana Paula Althaus, assistente social da
Aflodef, estima que os 200 atendidos não represen-
tam 20% do total na cidade. “A maioria deles não
consegue sair de casa”. A associação dispõe ainda de
um serviço de transporte. Uma besta e duas kombis
atendem aos cadeirantes que não têm outros meios
de locomoção, cerca de 12 semanalmente.
Um decreto do Governo Federal de 2004 firmou
um prazo de 10 anos para que 100% da frota de
transporte público tivesse adaptações. Até 2014, o
ano da Copa, portanto. Rio de Janeiro e São Paulo,
que serão sedes, passaram recentemente por um
teste feito pelo Fantástico. Em São Paulo, verificou-
se a demora que o usuário de cadeira de rodas tem
de enfrentar até que chegue um ônibus adaptado.
No Rio, o mau funcionamento do equipamento que
dá acesso a alguns ônibus. O desencontro entre os
horários dos coletivos e a necessidade dos cadei-
rantes é um grande problema. Josemar Tagliapietra,
supervisor da empresa Transol, afirma que, em Flori-
anópolis, alguns veículos adaptados chegam a passar
4 meses sem o uso da funcionalidade. O que, mais
do que uma falta de demanda, corresponde à falta de
sintonia entre a necessidade e sua solução.
O debate sobre acessibilidade não está concluído,
porém é uma daquelas poucas questões que se
encontram em fase adiantada junto ao esclareci-
mento público. Mais do que discutir as bases – que
já estão assentadas como essenciais ao exercício da
cidadania –, as medidas agora dão conta de melhorar
a qualidade de vida dos deficientes físicos. Diversas
inovações que os auxiliam em tarefas cotidianas são
apresentadas ao público pela personagem Luciana,
diariamente.
Ilustram essa página alguns espaços públicos já
adaptados – e outros não – que demonstram o quão
simples é tornar a cidade mais acessível. Rampas de
acesso ao lado de escadarias, calçadas com guias
para deficientes visuais, vagas de estacionamento
reservadas. Eles não respondem, como se viu, pela
realidade que se confronta numa simples caminhada.
Mas servem de exemplo à boa vontade dos homens
da política, ao juízo dos comerciantes que, através de
adaptações, só fazem aumentar sua clientela, e ao
cidadão, que tem o poder de transformar e lutar por
espaços compatíveis com as mais diversas necessi-
dades. Acessibilidade é um direito, mas ser acessível
é uma premissa para ser humano.

Dael Limaco

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