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MICHEL FOUCAULT

-PODER-

Trabalho da disciplina de:


Filosofia da Educação
Docente: Professora Teresa Macedo

1
Discente: Esmeraldina Pereira
7 Junho 2010
INDICE

Índice
INTRODUÇÃO
________________________________________________________________3

O
PODER____________________________________________________________________4

CONCLUSÃO________________________________________________________________
_14

BIBLIOGRAFIA_______________________________________________________________
_15

2
Introdução
Michel Foucault (1926-1984) foi um importante filósofo e professor de cátedra
de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France desde 1970 a 1984. Suas
ideias notáveis envolvem o bio poder e a sociedade disciplinar, sendo seu pensamento
influenciado por Nietzsche, Heidegger, Althusser e Canguilhem. As obras, desde a
História da Loucura até a História da sexualidade (a qual não pôde completar devido a
sua morte) situam-se dentro de uma filosofia do conhecimento. As teorias sobre o saber,
o poder e o sujeito romperam com as concepções modernas destes termos, motivo pelo
qual é considerado por certos autores, contrariando a própria opinião de si mesmo, um
pós-moderno. Os primeiros trabalhos (História da Loucura, O Nascimento da Clínica,
As Palavras e as Coisas, A Arqueologia do Saber) seguem uma linha pós-estruturalista,
o que não impede que seja considerado geralmente como um estruturalista devido a
obras posteriores como Vigiar e Punir e A História da Sexualidade. Além destes livros,
são publicadas hoje em dia transcrições de seus cursos realizados no Collège de France
e inúmeras entrevistas, que auxiliam na introdução ao pensamento deste autor.
“Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o
significante... É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma. Se não
há pessoas para utilizá−la, a começar pelo próprio teórico que deixa então de ser
teórico, é que ela não vale nada ou que o momento ainda não chegou.”
(Gilles Deleuze – Os intelectuais e o poder in Microfísica do Poder 1989: 71)
Procuro fazer uso de Foucault como uma caixa de ferramentas que possibilite
um apreender, um “bisbilhotar” e um escavar as relações de poder existentes no
quotidiano, prefiro apostar na potencialidade provocadora de cada nova abordagem, por
se tratar de uma busca de apropriação teórica. Foucault pode ser bastante frutífero para
uma abordagem que se assume local e fragmentada. Possibilita revelar aspectos pouco
observados do quotidiano. Pretendo ter como objectivo o mesmo que FOUCAULT
(1994:778) revela ter em seu trabalho: Um dos meus objectivos é mostrar às pessoas
que um bom número de coisas que fazem parte dessa paisagem familiar – que as
pessoas consideram como universais – não são senão resultados de algumas mudanças
históricas muito precisas. Todas as minhas análises vão contra a ideia de necessidades
universais na existência humana. Mostram o carácter arbitrário das instituições e nos
mostram qual é o espaço da liberdade que ainda dispomos e que mudanças podemos
ainda efectuar.
O texto pretende ser coerente com o título, ou seja, trata-se apenas de um trabalho sobre
Foucault, focando minha atenção no Poder.

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Foucault, no seu livro AS PALAVRAS E AS COISAS, declarou a “Morte do
Homem”. Seu objectivo era fazer “uma arqueologia das ciências humanas”, como deixa
claro o seu subtítulo. Qual pode ser a relação entre uma “arqueologia das ciências
humanas” e a declaração da “Morte do Homem”? Segundo Foucault, “O Homem” que
morre é aquele instituído pelas ciências humanas, daí a necessidade de compreender a
obra de Foucault e ver o que significa esta declaração. A arqueologia das ciências
humanas realizada por Foucault retrata três períodos: o Renascimento, a Idade
Clássica e a Modernidade1. Nestes três períodos, Foucault percebe a existência de três
tipos diferentes de “disposições epistemológicas” que marcariam as “condições de
possibilidade” dos saberes.
1) O período do Renascimento, que vai até o século 16, é marcado pela
existência de uma unidade entre as palavras e as coisas; o período clássico, que vai do
fim do século XVI ao início do século XVIII, é marcado pelo rompimento da unidade
entre a linguagem e as coisas criando-se uma “idade da representação”; o período da
modernidade começa a partir do fim do século XVIII e caracteriza-se pela busca da
“estrutura oculta das coisas”, instaurando-se a “idade do homem”. O estudo minucioso
de Foucault sobre a passagem da idade clássica à idade moderna assume um papel
importante para compreensão do tema da “Morte do Homem”. Segundo Foucault, com
Kant surge a temática da finitude do homem e isto marca não só o início da transição da
Idade Clássica à Idade Moderna como também o surgimento da Antropologia
Filosófica. É a partir da Antropologia Filosófica que surge o HOMEM. Segundo
Foucault: “antes do fim do século XVIII, o HOMEM não existia. Não mais que a
potência da vida, a fecundidade do trabalho ou a espessura histórica da linguagem. É
uma criatura muito recente que a demiurgia do saber fabricou com suas mãos há menos
de 200 anos (...). E acrescenta: “O homem é uma invenção cuja recente data a
arqueologia de nosso pensamento mostra facilmente. E talvez o fim próximo”. Portanto,
segundo Foucault, o homem é uma invenção recente e o seu fim chegará brevemente.
Mas resta definir com precisão que “homem” é este que foi “inventado” recentemente e
que terá o seu fim próximo. A noção de “homem” é tão antiga quanto a Filosofia e já
possuiu os mais variados significados na História. Certamente o “homem” a que se
refere Foucault não é sinónimo de “género humano” ou “espécie humana”. O homem ao
qual Foucault se refere é aquele que o saber passou a rondar a partir da Idade Moderna,
ou seja, é o homem entendido como “objecto do conhecimento”. Na Idade Clássica não
podia haver “ciências do homem” porque o homem não era o “objecto do
conhecimento”, não existiam as ciências da vida, do trabalho e da linguagem, ou seja, as
ciências empíricas que possibilitam as ciências humanas.
2) Na Idade Clássica havia a história natural, a análise das riquezas
e a gramática geral. É na Idade Moderna, com o surgimento das ciências humana,
fundamentadas a partir das “ciências empíricas”, que o homem se torna o objecto do
conhecimento. Aqui se revela a relação entre uma “arqueologia das ciências humanas” e
a declaração da “Morte do Homem”: o surgimento das ciências humanas significa o
aparecimento do homem como objecto do conhecimento. Mas isto possui uma
implicação mais profunda, pois o homem instituído como “objecto do conhecimento”
leva, necessariamente, a sua instituição como “sujeito do conhecimento”. Isto ocorre
porque o homem como objecto do conhecimento das ciências humanas passa a ser
estudado e visto como aquele que produz as representações sobre o mundo (a vida, o
trabalho, a linguagem) e por isto ele deve ser reconhecido como “sujeito do
conhecimento”. O homem ao qual Foucault se refere é, ao mesmo tempo, o sujeito e o
objecto do conhecimento.

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3) É com a Idade Moderna, segundo Foucault, que surge o homem
como sujeito e objecto do conhecimento e é com o fim da Idade Moderna que ocorrerá a
“Morte do Homem”. A arqueologia das ciências humanas serviu para demonstrar isto. A
sua análise das “disposições epistemológicas” leva-o a dividir estas em três tipos
existentes em três épocas diferentes: o Renascimento, a Idade Clássica e a Modernidade.
O estudo arqueológico das “disposições epistemológicas” revela as estruturas
fundamentais do saber nestas três épocas. “Este método arqueológico permite-lhe
definir a modernidade como a idade do homem, e mostrar que, o que faz a
exemplaridade do homem, é sua capacidade de ser ao mesmo tempo o sujeito total e o
objecto total de seu próprio saber. Acontece que, se o homem é uma criação da
modernidade, com o fim da Idade Moderna chegará o fim do homem.
Foucault não se limita a declarar isto: em AS PALAVRAS E AS COISAS o homem é
abolido tanto como sujeito do conhecimento quanto como objecto do conhecimento. As
“disposições epistemológicas” de cada época são descritas sem referência aos homens
que as produzem e o objecto do conhecimento, em Foucault, nunca é o homem e sim
essas mesmas “disposições epistemológicas”, inclusive a moderna que, ela sim, tem o
homem como objecto. AS PALAVRAS E AS COISAS se revela assim como um passo
adiante da modernidade, como um “além da modernidade”, que já marcaria a superação
do homem. Entretanto, isto não é privilégio de AS PALAVRAS E AS COISAS, pois a
ausência do homem está presente em toda sua obra. Tanto sua “arqueologia do saber”
quanto á sua “genealogia do poder” estão perpassadas por uma desconsideração total
pelo homem. A definição da arqueologia como “disciplina dos monumentos mudos, dos
rastos inertes, dos objectos sem contexto e das coisas deixadas pelo passado”, deixa
claro o significado do projecto arqueológico de Foucault5. O objecto de estudo de
Foucault não é o homem e sim o saber e o poder, compreendidos não como produtos
humanos e sim como “feixes de relações”, termo, aliás, que lembra Lévi-Strauss. Por
que a referência à Lévi-Strauss? Isto se deve a ligação de Foucault com o
estruturalismo. Sabe-se, aliás, que AS PALAVRAS E AS COISAS, “uma arqueologia
das ciências humanas” tinha como título “Arqueologia do Estruturalismo”. Pois o
estruturalismo também dissolve o homem transpondo o modelo linguístico para o
estudo da sociedade e das culturas. O próprio Foucault reconhece que sua análise (com
seus instrumentos, conceitos e resultados) não é estranha ao método estruturalista, sobre
o poder. Lévi-Strauss utilizou tal conceito nas várias oportunidades em que tratou do
método estrutural, principalmente na sua clássica análise do mito embora não faça uma
análise estruturalista. Mas, independentemente da discussão sobre se Foucault é
estruturalista ou não, o que importa reconhecer é que Foucault admite seu “parentesco”
com o estruturalismo e isto se torna mais fundamental no que diz respeito ao homem:
tanto em Foucault quanto no estruturalismo O HOMEM NÃO EXISTE. A simpatia de
Foucault pelo método estrutural também se revela na sua aceitação da deformação
estruturalista do pensamento de Marx feito por Louis Althusser, considerado “o
fundador do estruturalismo marxista”. O “anti-antropologismo” de Foucault se encontra
com o “anti-humanismo” de Althusser. Resta saber como o Foucault da “arqueologia do
saber e das ciências humanas” passa para o Foucault da “genealogia do poder”
mantendo o seu anti-humanismo. Sabe-se que a arqueologia de Foucault foi objecto de
inúmeras críticas sob os mais variados aspectos. Mas foi a crítica de Jean-Paul Sartre
que atingiu o ponto fraco de AS PALAVRAS E AS COISAS: “Sartre nota que Foucault
descreve as estratificações sucessivas do saber, mas que não nos diz o essencial, isto é,

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como se passa de uma para outra, como se explica a passagem”. Garaudy explica esta
ausência de “explicação da passagem” pela ausência do homem.
Entretanto, Foucault buscará explicar tal passagem nos seus escritos posteriores.
Segundo Deleuze ”o estudo das relações estratificadas de saber chegava a seu ápice na
ARQUEOLOGIA. O das relações estratégicas de poder começa em VIGIAR E PUNIR
e culmina, paradoxalmente, em A VONTADE DE SABER, isto não impede que haja
pressuposição e captura recíprocas, imanência mútua. As ciências do homem não são
separáveis das relações de poder que as tornam possíveis e que suscitam saberes mais
ou menos capazes de atravessar um limiar epistemológico ou de formar um
conhecimento: por exemplo, para uma SCIENTIA SEXUALIS, a relação penitente-
confessor, fiel-director de consciência; ou, para a psicologia, as relações disciplinares.
Segundo palavras do próprio Foucault: “é talvez verdade que a matemática, na Grécia,
nasceu das técnicas da medida; as ciências da natureza, em todo o caso, nasceram, por
um lado, no fim da Idade Média, das práticas do inquérito, o grande conhecimento
empírico que recobriu as coisas do mundo e as transcreveu na ordenação de um discurso
indefinido que constata, descreve e estabelece os ‘fatos’ (e isto no momento em que o
mundo ocidental começava a conquista económica desse mesmo mundo) tem sem
dúvida seu modelo operatório na inquisição - essa imensa invenção que nosso recente
amolecimento colocou na sombra da memória. Ora, o que esse inquérito político-
jurídico, administrativo e criminal, religioso e leigo foi para as ciências da natureza, a
análise disciplinar foi para as ciências do homem. Essas ciências com que nossa
‘humanidade’ se encontra há mais de um século têm sua matriz técnica na minúcia
tacteante e maldosa das disciplinas e de suas investigações.
Portanto, a passagem de uma “disposição epistemológica” para outra tem como
“condições de possibilidade” a mudança na forma do poder. Uma nova “disposição
epistemológica” surge quando se instaura uma nova forma de poder. O estudo
genealógico não parte das relações de produção, tal como no marxismo, e sim das
práticas políticas disciplinares. Foucault, ao explicar a passagem de um “campo
epistemológico” ao outro, responde o questionamento de Sartre e de Garaudy. A
arqueologia do saber descreve as estratificações sucessivas do saber e a genealogia do
poder explica como isto ocorre.
Foucault ao utilizar uma “genealogia do poder” para explicar a “constituição dos
saberes” pode dar a impressão de ter abandonado o seu anti-antropologismo. Mas o que
ocorre é justamente o contrário: a “arqueologia” e a “genealogia” são, tal como colocou
com perspicácia John Rajchman, as estratégias criadas por Foucault para fazer sua
filosofia anti-humanista. A noção de poder sempre esteve ligada ao conceito de
compreendeu bem esta relação entre saber e poder instituída por Foucault: “o
adestramento do corpo, a aprendizagem do gesto, a regulação do comportamento, a
interpretação do discurso, com o objectivo de separar, comparar, distribuir, avaliar,
hierarquizar, tudo isso faz como que apareça pela primeira vez na História esta figura
singular individualizada - o Homem - como produção do poder. Mas também, e ao
mesmo tempo, Foucault busca dar-lhe uma nova definição: o poder não é uma
“propriedade”, pois não existe aqueles que o detém; o poder não se confunde ou está
centralizado no estado; o poder é relação: relação de forças. O poder se caracteriza por
ser um “feixe de relações; o poder não se possui, mas se exerce como uma estratégia e
seus efeitos de dominação devem ser atribuídos a disposições, a manobras, a tácticas, a
técnicas, a funcionamentos. O homem está ausente nesta concepção de poder. Mas

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Foucault vai mais longe: o seu método genealógico é, assim como seu método
arqueológico, anti-humanista por natureza: “é preciso se livrar do sujeito constituinte;
livrar-se do próprio sujeito, isto é, chegar a uma análise que possa dar conta da
constituição do sujeito na trama histórica, é isto que eu chamaria de genealogia, isto é,
uma forma de história que dê conta da constituição dos saberes, dos discursos, dos
domínios de objecto, etc., sem ter que se referir a um sujeito, seja ele transcendente com
relação ao campo de acontecimentos, seja perseguindo sua identidade vazia ao longo da
história”. Por conseguinte, Foucault abole o homem não só como sujeito e objecto de
conhecimento mas também como sujeito e objecto do poder. Se ninguém “detém” o
poder, então ele não possui um sujeito. Se é uma “multiplicidade de correlação de
forças”, então ele busca se reproduzir e não exercer-se sobre o homem. Não há aqueles
que exercem o poder e aqueles que são seus objectos. O poder é relação, estratégias. O
poder produz o indivíduo. Mas não é todo o poder que individualiza e sim o tipo
específico de poder que Foucault denomina disciplina.
Segundo R. Machado “a existência de um tipo de poder que pretende instaurar uma
dissimetria entre os termos de sua relação, no sentido em que se exerce o mais possível,
anonimamente e deve ser sofrido individualmente é (...) uma das grandes diferenças
entre a sociedade em que vivemos e as sociedades que a precederam”. O poder é
exercido “anonimamente” e o seu objecto não são os indivíduos, embora sua forma
específica de agir - disciplinadora - crie um processo de individualização. O saber
político institui o homem como sujeito e objecto do poder, assim como as ciências
humanas o institui como sujeito e objecto do conhecimento. É claro que esta afirmação
sobre o saber político - aplicável tanto ao saber político comum, tal como se vê nas
doutrinas políticas de cada país, quanto ao da ciência política - não se encontra em
Foucault; é um desenvolvimento lógico do seu pensamento que, aliás devia ter sido
aprofundado pelos seus discípulos que se limitam a reproduzir o que ele diz ou fazer
apologia das suas ideias.
O homem não é mais o sujeito e o objecto do conhecimento e do poder. Chegamos ao
“fim do homem”. As “estratificações sucessivas do saber” se alteram graças às
mudanças nas formas de poder. E o que explica a passagem de uma “forma de poder” À
outra? A resposta é a mesma: um “feixe de relações” que envolve factores económicos,
políticos, demográficos, etc. Foucault realiza, assim, a abolição do homem tanto na
esfera do saber quanto na esfera do poder.
Para realizar a crítica de tal concepção tenho que inverter a ordem de construção
Foucaultiana: iniciaremos pela questão do poder para depois tratarmos da questão do
saber. Esta inversão se justifica por partirmos de pressuposto teóricos diferentes.
A concepção foucaultiana do poder pode ser criticada por diversas maneiras. Ao
considerar que o modelo económico e o modelo jurídico não dão conta de explicar o
poder, Foucault diz que o modelo que pode esclarecer o significado do poder é o da
guerra. É deste modelo que ele retira as noções de “estratégia”, “táctica”, “manobras”.
Acontece que numa guerra que ocorre na realidade existem aqueles que guerreiam: os
homens. Numa guerra moderna, os homens se organizam em grupos colectivos
(exércitos), que possuem comandantes, elaboram estratégias, tácticas e manobras. Eles
entram em guerra para defender determinados interesses. A primeira guerra mundial e a
segunda guerra mundial não foram realizadas sem motivo. Portanto, a analogia entre
guerra e poder feita por Foucault, objectivando destruir o homem como sujeito e objecto
do poder, tem como modelo não uma “guerra real” e sim uma guerra fictícia. A fonte de

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Foucault deve ter sido apenas os escritos sobre guerra, tal como o de Clausewitz, e não
os elementos histórico-concretos componentes das guerras reais. Além disso, a guerra
possui localização temporal e espacial enquanto o poder, segundo Foucault, está
presente em todos os lugares e em todos os momentos.
Afirmar que o poder é relação não significa muita coisa se não se explicitar o
conceito. O que é uma “relação”? A relação é uma acção recíproca repetida entre dois
ou mais “termos” (ou “corpos”, “objectos”, “seres”, “coisas”, etc.) que pressupõe,
portanto, uma certa estabilidade. Esta acção recíproca e repetida demonstra a existência
de laços permanentes entre dois ou mais termos e isto significa que não se pode falar de
“relação” sem se falar daqueles termos (corpos, etc.) que se relacionam. Por
conseguinte, a definição de poder como “relação de forças” é incompleta, pois é
necessário explicitar quais são essas forças e porque elas entram nesse determinado tipo
de relação. Esta abstracção metafísica das relações reais é o fundamento da análise
antihumanista de Foucault, pois ao criar uma relação onde os termos da relação estão
ausentes torna-se possível imaginar relações de poder sem sujeito e sem objecto, ou
seja, sem o homem. A Filosofia anti-humanista de Foucault é uma “metafísica das
relações” e sua “genealogia do poder” não passa de uma “metafísica das relações de
poder”. Pensar uma relação social (independentemente de qual aspecto do social se
trata: económico, político, artístico, sexual, etc.) sem pensar o homem é uma mera
ficção. Neste sentido, concordo literalmente com a afirmação de Foucault:
“Nunca escrevi senão ficções...”.
É claro que essas relações de poder descritas por Foucault desde que sejam
“humanizadas”, ou seja, desde que se coloque como, por que e quem exerce e/ou é
submetido ao poder - influenciaram a constituição dos saberes, principalmente os
saberes mais técnicos tais como a Psiquiatria, a Criminologia, etc., mas a passagem de
uma disposição epistemológica” à outra não pode ser reduzida a isto. A tese da
“descontinuidade” no “solo epistemológico” pode ser explicada pela influência da
forma de poder sobre ele, mas não pode se limitar a tal constatação. O que ocorre é que
mesmo mudando as relações de poder em uma sociedade - e Foucault trata da Europa
Ocidental -, alterando-se os interesses, agentes, mecanismos de execução, etc., que estão
por detrás dele, a mudança no pensamento de uma época não se faz sem referência
época anterior. A “disposição epistemológica” da “idade moderna” critica, utiliza,
refunde a “disposição epistemológica” da época anterior. É claro que neste nível fica
bastante difícil refutar Foucault, por dois motivos principais:
a) O conceito de “disposição epistemológica” (ou “solo epistemológico”
“campo epistemológico”, “epistèmé”) criado por Foucault dificulta qualquer
aproximação crítica;
b) O mesmo ocorre com os documentos históricos utilizados, sendo a
maioria de difícil acesso, principalmente fora da França.
Começo, portanto, com a crítica do conceito de “disposição epistemológica”.
Segundo R. Machado: “o que caracteriza a reflexão de Foucault em LES MOTS ET
LES CHOSES é especificamente a investigação de uma ordem interna constitutiva do
saber. É então que se coloca que a questão da ÉPISTÈMÉ não é sinónimo de saber;
significa a existência necessária de uma ordem, de um princípio de ordenação histórica
dos saberes anterior à ordenação do discurso estabelecida pelos critérios de
cientificidade e dela independente. A ÉPISTÈMÉ é a ordem específica do saber; é a

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configuração, a disposição que o saber assume em determinada época e que lhe confere
uma positividade enquanto saber”. Esta definição é bastante vaga e é por isso que R.
Machado se apressa em “aprofundar” a definição distinguindo dois aspectos
complementares do conceito de epistèmé:
1.º) Tal conceito tem a pretensão da globalidade, pois, para Foucault, em cada
cultura e época determinada só existe uma única disposição epistemológica” e é ela que
define as condições de possibilidade de todo saber;
2.º) Ele também tem a pretensão da profundidade, pois “a arqueologia é a análise
histórica dos saberes a partir daquilo que os caracteriza mais fundamentalmente”. A
partir da definição do conceito da “disposição epistemológica” (sinónimo de epistèmé)
podemos questionar toda a construção que Foucault realizou em AS PALAVRAS E AS
COISAS.
Em primeiro lugar, é bastante discutível essa “pretensão de globalidade”. É
muito difícil sustentar que durante o Renascimento ou durante a Idade Clássica tenha
existido apenas uma ”única” disposição epistemológica. Mas é melhor questionar
Foucault onde há mais facilidade: na Idade Moderna. Não se pode dizer que existe uma
única “disposição epistemológica” entre pensadores tão díspares como Comte e Marx
ou Marx e D. Ricardo. Poderíamos multiplicar os exemplos: Durkheim e Bakunin,
Freud e Comte, Weber e Bergson, etc. O que é que existe em comum em todos estes
autores? E, se a modernidade chega até aos dias de hoje, pode-se dizer que a
“disposição epistemológica” de Marx, Nietzsche, Comte, Durkhein, Freud, Lévi-
Strauss, Husserl, Heidegger, Saussure, Lukács, Weber, Jung, Foucault é a mesma?
Entretanto, Foucault tem uma resposta para isto. Vejamos como ele trata de um
exemplo específico e veremos a resposta. Segundo Foucault, na Idade Moderna, os
temas da Antropologia e a historicidade são introduzidas na economia. Essa introdução
da historicidade na economia permite pensar uma “imobilização da história”. Daqui
surgem duas soluções: o pessimismo de Ricardo e a promessa revolucionária de Marx.
“Mas, sem dúvida, pouco importa a alternativa entre o ‘pessimismo’ de Ricardo e a
promessa revolucionária de Marx. Tal sistema de opções nada mais representa senão
duas maneiras possíveis de percorrer as relações entre a antropologia e a história, tais
como a economia a instaura através das noções de raridade e de trabalho. Para Ricardo,
a história preenche o vão disposto pela finitude antropológica e manifestado por uma
perpétua carência, até o momento em que seja atingido o ponto de uma estabilização
definitiva; segundo a leitura marxista, a história, espoliando o homem de seu trabalho,
faz surgir em relevo a forma positiva de sua finitude - sua verdade material enfim
liberada. Certamente, compreende-se sem dificuldade como, ao nível da opinião, as
escolhas reais se distribuíram, porque alguns optaram pelo primeiro tipo de análise e
outros pelo segundo. Mas trata-se somente de diferenças derivadas que procedem em
tudo e por tudo de uma inquirição e de um tratamento doxológicos. No nível profundo
do saber ocidental, o marxismo não introduziu nenhum corte real; alojou-se sem
dificuldade, como uma figura plena, tranquila, confortável, e, reconheça-se satisfatória
por um tempo (o seu), no interior de uma disposição epistemológica que o acolheu
favoravelmente (pois foi ela justamente que lhe deu lugar) e que ele não tinha, em troca,
nem o propósito de perturbar nem sobretudo o poder de alterar, por pouco que fosse,
pois que repousava inteiramente sobre ela. O marxismo está no pensamento do século
XIX como peixe na água: o que quer dizer que noutra parte qualquer deixa de respirar.
Se ele se opõe às teorias ‘burguesas’ da economia e se, nessa oposição, projecta contra

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elas uma reversão radical da história, esse conflito e esse projecto têm por condição de
possibilidade não a retomada de toda a história nas mãos, mas uma acontecimento que
toda a arqueologia pode situar com precisão e que prescreveu simultaneamente, segundo
o mesmo modo, a economia burguesa e a economia revolucionária do século XIX. Seus
debates podem agitar algumas ondas e desenhar sulcos na superfície: são tempestades
num copo de água”. O que esta longa citação revela é que Foucault, para sustentar a
pretensão de globalidade do seu conceito de “disposição epistemológica”, apela para a
pretensão de profundidade, que lhe é complementar.
No entanto, tal pretensão de profundidade é afirmada mas não é fundamentada.
Podemos colocar duas objecções à Foucault:
1. O que é fundamental no “saber ocidental” - os temas da
antropologia e a historicidade, segundo Foucault - pode não ser fundamental na obra de
Marx e de Ricardo. Para Marx, o elemento fundamental de sua obra está em que ele
parte do ponto de vista do proletariado e os temas da antropologia e da historicidade são
MERAS CONSEQÜÊNCIAS disto, ou seja, o que é fundamental para Foucault no
pensamento de Marx é, para este, uma derivação, um elemento secundário e não
fundamental. O mesmo ocorre com inúmeros outros pensadores na idade moderna, isto
sem falar naqueles tais como os estruturalistas, que rompem com tal “disposição
epistemológica”. Neste sentido, baseando-se em que Foucault se julga no direito de
dizer o que é fundamental ou não no saber ocidental? A mera existência de aspectos
comuns no pensamento não significa que eles sejam fundamentais. Isto significa que a
pretensão de profundidade não pode sustentar a pretensão de globalidade e nem esta
pode sustentar àquela.

2. Ainda tomando por base o caso concreto de Ricardo e Marx,


colocar a teoria económica marxista e a burguesa como possuindo diferenças apenas
“superficiais” é um tanto problemático. Como que teorias diferentes apenas num plano
superficial podem produzir práticas políticas antagónicas? Em nome de Marx e do
marxismo buscou-se realizar inúmeras revoluções anti-capitalistas e em nome de David
Ricardo e dos “economistas burgueses” buscou-se reproduzir o “sistema capitalista”.
Resta saber como diferenças superficiais na teoria podem levar à diferença
fundamentais na prática. Qual é o critério para definir o que é fundamental ou não no
saber ocidental: as ideias isoladas e fechadas em si mesmas ou em relação com a
realidade? Por conseguinte, AS PALAVRAS E AS COISAS revela-se como uma
construção engenhosa de Foucault, embora fictícia. Foucault cria uma estrutura
conceitual e busca “enquadrar” a realidade nela, realizando, assim, uma construção
arbitrária e fictícia, tal como o fez Althusser. Em suma, nem tudo que é “profundo” é.
A ideia de que expressar o ponto de vista do proletariado é o fundamental para o
pensamento de Marx perpassa toda a sua obra e é adoptada por alguns de sues
continuadores. “Este modo (...) de pensar é exactamente aquele que foi geralmente
chamado, na tradição marxista, de idealismo. Tal idealismo consiste não em postular ou
negar o primado de um mundo material ulterior, mas um universo conceptual auto
gerador que impões sua própria idealidade aos fenómenos da existência material e
social, em lugar de se empenhar num diálogo contínuo com os mesmos. Se há um
“marxismo” do mundo contemporâneo, que Marx ou Engels reconheceriam
imediatamente como um idealismo, é o estruturalismo Althusseriano. A categoria
ganhou uma primazia sobre o seu referente “global” e nem tudo que é “global” é

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“profundo”; não há sinonímia entre profundidade e globalidade e isto revela as
limitações da construção foucaultiana. Não basta encontrar “elementos comuns” no
pensamento ocidental - e mesmo estes, na obra de Foucault, são questionáveis - e
afirmar que eles são “fundamentais”, pois é preciso provar que eles são “fundamentais
para os pensadores que os produziram, ou seja, é necessário estudar cada autor
particularmente, analisando sua obra em sua totalidade, e, distinguir o que é
fundamental e o que é acessório e somente depois pode-se comparar com o que é
fundamental em outros autores e ver se há coincidências. A análise que Foucault faz dos
autores que ele pesquisa é superficial. Já existe uma “intencionalidade” na leitura de
Foucault, que é a de descobrir uma “planície uniforme entre as palavras e as coisas” em
uns, ou “a representação reduplicada” em outros, sem se perguntar qual é a importância
disto no conjunto do pensamento de tal autor. Foucault é igual a um pescador que busca
pescar somente peixes grandes (ou pequenos) e por isso utiliza uma rede especial para
realizar tal feito. Só que o pescador tem a vantagem de saber que existem peixes de
outros tamanhos no mar e Foucault desconhece tal facto. Mas não precisamos refutar
Foucault: ele mesmo o faz. Foucault afirma que o marxismo é no século XIX como um
peixe na água, fora do qual deixa de respirar. A sereia da antropologia filosófica
encantou os ouvidos de Karl Marx com sua canção e o fez um representante da
modernidade, do humanismo. Sendo assim, na “Idade Moderna”, existe uma única
“disposição epistemológica”, fundada sob o domínio do antropologismo, da “Idade do
Homem”, e, por isso, Karl Marx não se distingue, no que há de fundamental, dos
demais pensadores de sua época, tais como Ricardo, Comte, etc., pois todos estão
submetidos ao antropologismo típico da modernidade.
Entretanto, é o próprio Foucault que afirma que Marx realizou uma “descentralização
do sujeito” e que ele foi alvo da crítica daqueles que buscam “resgatar o sujeito”. Após
a crítica, efectuou-se uma distorção no pensamento de Marx para “antropologizá-lo” e
apresentá-lo como “humanista” e como um defensor da “consciência”. O Foucault da
ARQUEOLOGIA DO SABER refuta o Foucault de AS PALAVRAS E AS COISAS,
isto por dois motivos principais: em AS PALAVRAS E AS COISAS Foucault apresenta
Marx como um humanista e em A ARQUEOLOGIA DO SABER como um
antihumanista, mas isto significa que se a segunda hipótese é verdadeira, Marx não
estava inserido na “disposição epistemológica” da Idade Moderna, tal como foi
colocado anteriormente. Se ele não estava inserido nesta “disposição epistemológica”
isto significa que ela NÃO É ÚNICA. Aliás, Foucault também cita Nietzsche, outro
pensador do século XIX, como outro que realizou a “descentralização do sujeito”.
Embora a leitura que Foucault faz de Marx, tanto na primeira quanto na segunda
(baseando-se em Althusser) e de Nietzsche sejam discutíveis, o que importa ressaltar é
que ele mesmo se refuta. Neste sentido, o marxismo no século XIX deixa de ser
considerado como um peixe na água para ser visto como um peixe “fora de água”.
O outro motivo se refere ao carácter discutível da leitura dos diversos autores que ele
fez, já que ele mesmo realiza “novas leituras” que contradizem as realizadas em AS
PALAVRAS E AS COISAS. Tal leitura deixa transparecer - tanto a primeira quanto a
segunda - uma certa superficialidade. É possível se discordar amplamente de suas
leituras de Descartes, Adam Smith, Ricardo, Comte, Lamarck, D. Hume, Spinoza e
muitos outros. O próprio Foucault, em A ARQUEOLOGIA DO SABER, apresenta
motivos favoráveis para se repensar toda a sua construção em AS PALAVRAS E AS
COISAS.

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É com base neste pressupostos teóricos e metodológicos que Foucault irá declarar a
“Morte do Homem”. Segundo ele, é com a modernidade que o homem surge como
sujeito e objecto do conhecimento e é por isto que essa “invenção recente” está prestes a
desaparecer.
1 O homem não surge no século XIX, tal como coloca Foucault.
Existe interpretações de fragmentos dos filósofos pré-socráticos, que são anteriores a era
cristã, que reconhecem a presença do homem (no sentido foucaultiano da palavra) pelo
menos em Heráclito e Paramênides. Assim como os filósofos sofistas também trataram
do homem, inclusive de uma forma mais concreta, num plano social, tal como
demonstra algumas análises de seus fragmentos. A fórmula de Protágoras (“o homem é
a medida de todas as coisas”) reforça este tipo de análise. R. Garaudy diz que: “quando
ele nos diz que o homem é uma criação do século XVIII, eu gostaria que Foucault nos
explicasse onde ele vai colocar as CONFISSÕES de Sto. Agostinho ou mesmo as
pesquisas dos padres gregos que, a partir da noção de pessoa divina, depois da
cristologia, chegaram a noção de pessoa humana”. Além disso, Garaudy questiona a
interpretação foucaultiana de Descartes que expulsa do “cogito” a noção do sujeito, isto
além de outros estudiosos que colocaram em questão sua interpretação de Lamarck,
Spinoza, entre outros. Existem muitos outros pensadores que colocaram, antes do século
XIX, o conceito de homem em evidência, tais como La Boétie e Thomas Münzer,
ambos no século XVI.
Enfim, podemos dizer que a ausência do homem na obra de Foucault expressa não uma
visão filosófica do mundo e sim uma visão fetichista da realidade. O fetichismo,
segundo Marx, ocorre quando o homem não reconhece no produto de seu trabalho um
resultado de sua actividade e sim com o algo que lhe é estranho e superior. Os produtos
criados pelo homem se viram contra ele, ganham vida própria na consciência fetichista.
O fetichismo pode ser comparado com a idolatria. No antigo testamento, segundo Erich
Fromm, há uma descrição esclarecedora da idolatria. Os homens criam seus ídolos e
passam a adorá-los, ou seja, o criador passa a adorar sua criatura como se esta fosse algo
“superior”. Tal como colocaram Feuerbach e Nietzsche, o homem criou Deus à sua
imagem e passa a adorá-lo, julgando ser deus o criador e ele, sua criatura.
Em Foucault, as “disposições epistemológicas” e o poder não aparecem como produtos
humanos e sim como algo que lhe é estranho e superior. É o poder e a disposição
epistemológica que, segundo Foucault, produzem o homem. O homem deixa de ser
produtor de suas ideias e relações para ser um produto delas. Foucault inventa seus
próprios ídolos. Além disso, erige seus ídolos como a última palavra no mundo do
saber: a modernidade e sua disposição epistemológica serão abolidas e, junto com elas,
O HOMEM, sua criação, irá sucumbir. AS PALAVRAS E AS COISAS marcam o
início de uma nova época, com uma nova “disposição epistemológica”. Foucault é o
mensageiro de uma nova época, que ele anuncia com entusiasmo.
Assim, ele troca a Filosofia pelo fetichismo. Mas, essa nova época, segundo a
linguagem de Foucault, mais perece uma nova versão da “Idade Clássica”. Aliás, é por
isto que Baudrillard pôde chamá-lo de o “último dinossauro” da “Idade Clássica”. Mas,
seja um retorno nostálgico á Idade Clássica seja um avanço rumo à “Pós-Modernidade”,
isto não anula o fato de Foucault declarar a morte do homem e trocar a Filosofia pelo
fetichismo.

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Conclusão
Na exposição dos pensamentos dos dois autores, consigo perceber que Foucault, partiria
para a observação do que descreveu em sua forma real, ou seja, as observações acerca
do funcionamento da prisão, da fábrica, da escola, etc., seriam em sentido lato, “o
como” o poder realmente é exercido nestas instituições e as descrições sobre os efeitos
desse poder, realmente apresentariam os resultados nos corpos dos afectos das relações
de força características deste poder.
Quanto à forma de funcionamento podemos ver em Foucault a inexistência de uma
fonte onde o poder emanaria e também uma inexistência de algo que o possuísse, assim,
como a inexistência de uma materialidade e de certa forma de uma negatividade em seu
exercício. O poder não seria algo que uns deteriam e outros não. O poder também não
emanaria a partir de um determinado ponto fixo, seja o chefe da tribo ou o guerreiro, no
caso da sociedade tradicional ou do cargo, no caso da sociedade Burocrática. O poder
aconteceria em um exercício e assim, não consistiria em nada além de uma relação de
forças. Posso dizer também que o poder não possuiria uma negatividade, ou seja, agiria

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negando e reprimindo a quem não o detivesse, mas sim, agiria de forma positiva no
sentido de produzir as realidades e as subjectividades próprias ao seu exercício.
Ao contrário do pensamento usual, o poder não é contrário à liberdade. Sociedades nas
quais seus membros não gozem de liberdade política estão sob o jugo de relações de
submissão e não relações de poder.
Concluí assim, ser de extrema importância a introdução dos estudos de Foucault para a
compreensão do funcionamento das relações de poder no interior das organizações.
Primeiramente pelo facto dele ter apresentado com maestria sem igual o funcionamento
dos dispositivos de poder no interior das mesmas, como afirma Deleuze (1992, p. 219):
“Foucault analisou muito bem o projecto ideal dos meios de confinamento, visível
especialmente na fábrica: concentrar; distribuir no espaço; ordenar no tempo; compor
no espaço-tempo uma forma produtiva cujo efeito deve ser superior à soma das forças
elementares”.
Em segundo lugar pelo fato de ter trabalhado com formas reais em oposição a tipos
ideais ou puros o que ajuda a análise ao tirar seu foco de elementos transcendentes. Mas
talvez o que mais torna o pensamento de Foucault importante para compreender as
relações de poder nas organizações contemporâneas é o fato de que com as
modificações da estrutura das organizações – a estrutura departamentalizada foi
substituída por estruturas voltadas para processos – e na forma com que o trabalho é
executado – de uma extrema separação entre a concepção e a execução para a realização
do trabalho em equipas multifuncionais – fica difícil ainda acreditar que os sujeitos
aceitam o mando por serem fiéis às regras e prescrições de seus cargos. Parece fazer
mais sentido acreditar que as pessoas aceitam serem lideradas por o conteúdo do
trabalho as afectarem de alguma forma, ou seja, as actividades que tem de executar
fazerem algum sentido para as mesmas e, como última observação, posso citar também
a importância do conceito da produção subjectiva como factor explicativo para a actual
debilidade e inoperância dos movimentos trabalhistas.

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