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1 INTRODUCAO 1.1 CONCEITO DE DIREITO PENAL 1.1.1, Nota introdutoria Avida em sociedade exige um complexe denormas disciplinadoras que estabelega ‘as regras indispensaveis ao convivio entre os individuos que a compéem. O conjunto dessas regras, denominado direito positivo, que deve ser abedecido e cumprido por to- dos os integrantes do grupo social, pravé as conseqUéncias e sancdes aos que violarem ‘seus preceitos. A reuniao das normas juridicas pelas quais o Estado prolbe determina- das condutas, sob ameaga de sangao penal, estabelecendo ainda os principios gorais e 08 pressupostos para a aplicagdo das penas e das medidas de seguranca, dé-se o nome de Direito Penal. ‘A expressio Direito Ponal, porém, designa também o sistema de interpretagao da legistagao penal, ou seja, a Ciéncia do Direito Penal,” conjunto de conhecimentos e prin- Cipios ordenados metodicamente, de modo que torne possivel a elucidagao do contetido das normas e dos insttutos em que eles se agrupam, com vistas em sua aplicago aos casos ocorrentes, segundo critéris rigorosos de justica ? 1.1.2 Denominagao ‘As denominagdes tradicionais para a matéria referente ao crime e as suas conse- qliéncias sao Direito Penal e Direito Criminal. A primeira delas 6 largamente utlizada, principalmente, nos paises ocidentais, como Alemanha, Franca, Espanha, taliaetc.,em- * bora a segunda ainda seja usada com freqiiéncia. Enire nds, a denominago passou a ser utiizada no Cédigo Penalda Republica (1890), a que se sucederam a Consolidacao das Leis Penais (1936) o Codigo Penal vigente (de 1940), que a consagrou no direito patrio. A nova Constituigéo Federal, mantendo a tradicdo, refere-se a competéncia da Unido para legislar sobre “direito penal” (art. 22, |) 1. Ch ZAFFARON, Eugénio Rai. Marval do dorcho ponat pare genera. Buenos Aes : Eda, 1977 . 21 2 Ct. TOLEDO, Francisco de Assis. Prins isco do date pena Sto Pao : Swaa, 1982. p. 12; GARCIA, Basu. Irsttaydes de elo penal. ea. S40 Paso: Max Liman, 1980. p. 9 22 MANUAL DE DIREITO PENAL Embora Direito Criminal seja expressao mais abrangente, relacionada que esta ‘com o fato principal do fendmeno juridico (crime), alongando-se a seus efeitos juridicos, lum dos quais é a pena, sera utlizada aqui a denominagao ja tradicional de Direito Penal, fem consonancia com a legislagao patria @ o curriculo oficial dos cursos de Direit. Subsistem, porém, resquicios da denominagao antiga: usa-se nas leis de organiza- ‘940 judiciaria a denominagao Varas Criminais, 6 conhecido como advogado criminalista aquele que se dedica ao Direito Penal otc Durante a evolugdo moderna do Direito Penal, foram sugeridos outros nomes: Direito Repressivo, Principios de Criminologia, Direito de Defesa Social, Direlto Sancio- nador, Direito Restaurador, Direito Protetor dos Criminosos etc. Nenhum deles, todavia, ‘obteve maior preferéncia por parte dos doutrinadores nem foi acatado pelas legislagdes, contemporaneas. 1.1.3 Concelto de Direito Penal Como ja se observou, das necessidades humanas decorrentes da vida em socie- dade surge 0 Direito, que visa garantir as condicbes indispeneévels & cooxisténcia dos ‘elementos que compdem o grupo social. O fato que contraria anorma de Direlto, ofendendo ‘ou pondo em perigo um bem alhelo oua prépria existéncia da sociedade, 6 um ilcito juri- ‘ico, que pode ter consoquéncias meramente civis ou possibilar a aplicagéo de sancdes: Penais. No primeiro caso, tem-se somente um ilicit civil, que acarratara aquele que 0 Praticou apenas uma reparagao civil: aquele que, por culpa, causar dano a alguém sera Obrigado a indenizé-1o; o devedor que nao efetua 0 pagamento tempestivamente sofreré, ‘a execugao com a penhora de bens e sua venda em hasta pablica, arcando com 0 6nus: decorrente do atraso (multa, corregao monetaria otc.); 0 cOnjuge que abandons o lar es- tard sujeito A separagdo judicial ou ao divércio etc. Muitas vezes, porém, essas sangdes civis se mostram insuficfentes para coibir a pratica de iictos juridicos graves, que atingem nao apenas interassos individuals, mas também bens juridicos relevantes, em condutas profundamente lesivas & vida social ‘Arma:se 0 Estado, entdo, contra os respectivos autores desses fatos, cominando @ apli- ‘cando sangbes severas por melo de um conjunto de normas juridicas que constituem 0 Direito Penal. Justificam-se as disposigSes panais quando meios menos incisivos, como 18 de Direto Civil ou Direito PGblico, néo bastam ao interesse de eficiente protego aos, bens juridicos.* Como o Estado nao pode aplicar as sangbes penais arbitrariamanto, na legislagao penal sao definidos esses fatos graves, que passam aser ilictos penais (crimes © contra ‘veng6es), estabelecendo-se as penas ¢ as medidas de seguranga aplicaveis aos infrato- res dessas normas. Assim, aquele que pratica um homicidio simples sera aplicada a pena de sais a vinte anos de raciusdo, o inimputavel que comete um ilicto penal sera ‘submetido a uma medida de seguranea, ao chamado sem/-imputével poder-se~A aplicar ‘uma pena ou submeté-lo a uma medida de seguranca etc. 1. CLIWESSELS, tars, oto pana! pate Qe Pon Ang: Spo Aono Fabs, 1976.4 INTRODUGAD 2 ‘Segundo o pensamento de Binding @ Jescheck, 0 Direito Penal tem, assim, um ca- rater fragmentario, pols no encerra um sistema exaustivo de protegao aos bens juriai- ‘cos, mas apenas elege, conforme 0 critério do “merecimento da pena’, determinados pontos essenciais, Mas, enquanto o primeiro entendia ser esse 0 defeito do Direto Penal, sJescheck considera um mérito @ uma caracteristica essencial do Estado liberal do Direito {que se recuza a criminalizacéo Aquelas ages que, por sua perigosidade e reprovabilidade, ‘exigom e meracem no interesse da protecao social, inequivocamente, a sango penal. Pade-se dizer, assim, que ofim do Direito Penal é a protego da sociedade e, mais precisamente, a defesa dos bens juridicos fundamentals (vida, integridade fisica e men- tal, honra, iberdade, patriménio, costumes, paz publica etc.). Deve-se observar, contu- do, que alguns dosses bens juridicos nao s40 tutelados penalmente quando, acritério do logislador, nao é relevantemente anti-social a agao que 0 lesou, ou seja, néio é acentuado odesvalor da conduta do autor da lesao. Por isso, ndo estao sujeitos as sangdes penais, por exemplo, aquele que, culposamente, destréi coisa alhela, o que pratica um ato obs- ‘ceno em lugar privado nao aberto ou exposto ao pablico desde que nao constitua um cri- ‘me contra a honra etc. Do exposto, deriva as definigOes de Direito Penal que passamos a reproduzir:"0 Conjunto de normas juridicas que 0 Estado ostabelece para combater o orime, através das penas e medidas de seguranca” 6 ‘o conjunto de normas juridicas que regulam o ‘poder punitive do Estado, tendo em vista os fatos de natureza criminal eas medidas apli- ‘cavels a quom os prtca:”? 6 “o conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena como conseqliéncla, e disciplinam também as relacdes juridicas dai derivadas, para estabelecer a aplicabilidade de medidas de seguranga e a tutela do direto de iber- ‘dade em face do poder de punir do Estado’: 6 “o conjunto de normas e cisposicdes juridi- cas que regulam 0 exercicio do poder sancionador e preventivo do Estado, estabele- ‘cendo 0 conceito do crime coma pressuposto da ago estatal, assim como a responsabi- lidade do sujeito ativo, e associando & infragaio da norma uma pena finalista ou uma me~ dida de soguranga’ Nao se pode deixar de reconhecer, entretanto, que, ao menos em carter secundario, © Direito Penal tem uma aspiragdo ética: deseja evitar o cometimento de crimes que afe~ tam de forma intoleraval os bens juridicos penaimente tutelados.* Essa finalidade ética 1Ndo 6, todavia, um fim em si mesma, mas a razdo da prevengao penal, da tutela dallei pe- ‘nal aos bens [uridicos preeminentes.’ Assim, atarofa imodiata do Direito Penal édenatu- reza eminentemente juridica e, como tal, primordialmente destinada & protegao dos bens iuriicos. (Ct JESCHECK, Hane-Halmh, Tila dl deco papas gn oBaelone:oseh T98.¥.1,p.7. GGARCIR Basle, Obs 8 [NORONHA.€ Nagas. veto poral 16. 8. So Plo: Sarai 1878.» 1,» 12 MARQUES, Joc Fede. Cuso de dre pea So Pau: Seria 1854.1, p. 1. ‘ASW, Lussier 6, Teco de derecho pent Buses Res owas 1880.» p27 ZAFFAROM, Ein Ra Ob ok 2. WELZEL consra qi amis mse eave do Daa Pana matvesn ce seh em crs pote, 30, ‘arféredo que cone cum a allie do protrso oe bone jigs, pedomnertamerts de exter naa. ‘eLzE, ee, Deol aama pa gine 164 Saag Era utdea de Che 170. 13.No meso rio: BATTAGUN Catt Ovo sal Sao Pauls: Sarvteduep, 1971.9. 68 Ne eaewe! 24 MANUAL DE DIREITO PENAL 1.1.4 Caracteres do Direito Penal Diz-se que o Direito Penal é uma ci&ncia cultural e normativa. E uma ciéncia cultor=t porque indaga o dever ser, traduzindo-se em regras de conduta que devem ser obserr= das por todos no respeito aos mais relevantes interesses sociais. Diferencia-se, a5 das ciéncias naturais, om que 0 objeto de estudo & 0 ser, o objeto em si mesmo. E também uma ciéncia normativa, pois seu objeto 6 0 estudo da lei, danorma, doo reito positivo, como dado fundamental e indiscutivel em sua observancia obrigatoria. N&o '8e preocupa, portanto, com a verificagao da gnese do crime, dos fatos que levam a c= minalidade ou dos aspectos sociais que podem determinar a pratica do ilicito, preocupe- ges proprias das ciéncias causais explicativas, como a Criminologia, a Sociologie Criminal etc. 0 Direito Penal positive 6 valorativo, finalista © sancionador. Anorma penal 6 valorativa porque tutela os valores mais elevados da sociedad=, dispondo-os em uma escala hierarquica e valorando os fatos de acordo com a sua gravi- dade. Quanto mais grave o crime, o desvalor da ago, mais severa sera a sango aplica- vel a seu autor. Tem ainda alei penal carater finalista, porquanto visa & protegao de bens ¢ interes ses juridicos merecedores da tutela mais eficiente que s6 podem ser eficazmente prot= gidos pela ameaca legal de aplicagdo de sangdes de poder intimidativo maior, como 2 ena. Essa preveneao 6 a maior finalidade da lei penal. Discute-se se 0 Direito Penal é constitutivo, primério e auténomo ou se tem carater sancionador, secundario e acessério. Afirma-se que se trata de um direito constitutive porque possui umilicito préprio, oriundo da tipicidade, uma saneao peculiar (pena), eins- titutos exclusivos como o sursis, olivramente condicional, 0 indulto etc. Lembra Welter d= ‘Abreu Garcez que “as normas juridicas nao se recolhem a comportamentos estanques, mas sim atuam em harmonia no quadro de uma sistematizaeao geral, sem que portals core- lagdes se possa falar em acessoriedade, secundariedade ou complementariedade de umas e outras”, Tal iteracdo ndo retiraria, portanto, o carater constitutive do Dircito Pe- nal. Em principio, porém, nao se pode falar de autonomia do illcito penal e, portanto, do carater constitutivo do Direito Penal A contrariedade do fato ao direito nao é meramente: de orciem penal: sua antijuridicidade resulta de sua infragdo a todo o ordenamento jurial- co. Alei penal, portanto, nao cria a antijuridicidade, mas apenas se limita a cominar pe- nas as condutas que ja so antijuridicas em face de outros ramos do Direito (Civi ‘Comercial, Administrativo, Tributario, Processual etc.), © a descriminalizagao de um fato no lhe retirard a sua ilicitude. Revela-se, assim, que a norma penal é sancionadora, re- forgando a tutela juridica dos bens regidos pela legislacdo extrapenal. Protege penal- mente 0 patriménio no crime de furto, a instituigdo do casamento no delito de bigamia, a regularidade do comércio nos ilicitos falimentares, a Administragao Publica no peculato, ja disciplinados nas leis civis, comerciais, administrativas etc. Apesar disso, a tutela pe- 1. GARCEZ, Walter de Abreu. Curso ica de crate pena: pare geral. S20 Palo Jose Bushatshy, 1872p. 14-15, INTRODUGAO 2 nal alcanga bens juridicos que nfo so objeto das leis extrapenais, como a integridade f- sica e a vida, por exemplo, no crime de omissao de socorro, em que a infragdo a uma. simples regra de solidariedade humana é elevada & categoria de ilcito penal. Também 2s tentalivas ¢ 0s crimes de perigo em que nao haja qualquer dano restariam sem sangao juridica se no fosse.a existéncia do Direito Penal positive. Poressa tazao, omais correto 6 afirmar, como Zaffaroni, que “o Direito Penal é predominantemente sancionadore ex- cepeionaimente constitutive’! ‘Como ciénciajuricica, o Direito Penal tem carater dogmtico, ja que se fundamenta ‘no diaitopositvo, exigindo-se o cumprimento de todas suas normas pela sua obrigalo- riedade. Por essa razo, seu método de estudo ndo 6 experimental, como na Criminolo- die, por exemplo, mas téonicojurdico. Desenvolve-se esse método nainterpretagéo das ‘normas, na detnicdo de principios, na construcao de institutes préprios ena sistematiza {80 final de normas,principios e institutes, Deve o estucioso de Direito Penal, contudo, evitaro excesso de dogmatismo, jd quea lee asua aplicacao, pel inimo contato como individuo ea sociedad, exigem que se observe a realidade da vida, suas manifestagies © ‘exigéncias socials @ a evolugdio dos costumes. 1.1.5. Posig&o enciclopédica Deve-se situar o Direito Penal como componente da Enciclopédia Juridica na divi- ‘80 do Direito em Publico ¢ Privado. Atende ale, de maneira imediata e prevalecente, a0 interesse goral e estabelace as relacdes juridicas entre o Estado, num piano superior, 00 individuo, que deve obedecer aos comandos imperativos daquele. As normas panais i ‘vem ser obadecidas pelos particulares, quenao.as podem submeter a qualquer compos! ‘go de vontades, como ocorre no campo do Direito Privado. Assim, conclui-se que 0 Direito Penal pertence ao Direito Publica. Destinado, além disso, a viger nos limites territoriais como direito positive de deter- rminado pais, embora possa alcancar fatos ocorridos no exterior, 6 o Direito Penal ramo do Direito Publica interno. Mesmo as normas referentes & extraterritorialidade da lei pe- nal s6 obrigam o pais a que pertencem e somente de forma indireta repercutem no es- trangeiro por meio dos tratados © convengdes internacionais. 1.1.6 Direito Penal objetivo e Direito Penal subjetivo Denomina-se Direite Penal objetivoo conjunto de normas que reguiam a acdo esta- tal, definindo os crimes e cominando as respectivas sangbes. Somente o Estado, em sua fungao de promover o bem comum e combatera criminalidade, temo direto de estabolo- cer eaplicar essas sangdes. €, pois, 0 Gnico e exclusive titular do “direto de punir jus pu- niendi que constitui o que se denomina Direito Penal subjetivo, O direito de punir, todavia, nao é arbitral, mas limitado pelo préprio Estado ao elaborar este as normas ‘que constituem o Direito subjetivo de liberdade que é o de no ser punido sen&o de acor- do com a lei ditada pelo Estado. $6 a lel pode estabelecer o que é proibido penalmente 1. ZAFFAOM, Eugénio Ra. 0b. el» 54 28 MANUAL DE DIREITO PENAL. {quais sto as sangdes aplicévels aos autores dos fatos detinidos na legislago como in- fragées penais ‘Anibal Bruno contesta a existéncia do Direito Penal subjetivo ao afirmar que a mani testacao do exercicio da Justica penal é decorrente do poder soberano do Estado, do po- dr juridioo destinado a cumpri sua fungao de assegurar as condigdes de existénciae a ccontinuidade da organizagaio social." Esse poder uridico (jus impeni, todavia, existe em ‘momento anterior ao direito posttvo; é 0 poder do Estado de estabelecer a norma penal como atributo da soberania. Sé ap6s a elaboracdo da norma que define as infragdes pe- nis, vigente a lei penal, surge 0 jus puniendi, ou seja, o dieito de punir, de acordo coma legislagao néio como resultado de dominacéo do Estado. Correta, pois, se nos afiguraa afirmagao de que 0 Direito Penal subjetivo € 0 “direito de punir” do Estado. 1.1.7 Direito Penal comum e Direito Penal especial Distinguem os doutrinadores o Direito Penalcomum, que se aplica a todas as pes- ‘5048 € a0s atos delitivos em geral, do Direito Penal especialdirigido a uma classe de indi= viduos de acordo com sua qualidade especial, e a cerios alos Ilicitos particularizados. A distingéio entre ambos, porém, néo & precisa, tanto que a divisao ¢6 pode ser assinalada tendo em vista 0 érgao encarregado de aplicar 0 Direito objetivo comum ou especial? Nesse aspecto, sao de Direito Penal comum 0 Codigo Penal e as leis extravagantes (Lei das Contravengdes Penais, Lei de Economia Popular, Lei de Toxicos, Lei de Imprensa ete.), sujeitas a aplicacdo pela Justia comum. Sao de Direito Penal especial o Cédigo Penal Militar, aplicado pela Justiga Militar; a lei do impeachment do Presidente da Rept- blica, dos prefeitos municipais etc. aplicavels pelas CAmaras Legislativas, A.citada distingdo, porém, nao encontra apoio na legislacdo, que se refere generi- camente a legislagao especialcomo sendo aquela que nao consta do Cédigo Penal (ars. 126 360 do CP). Assim, pode-se falar em legislacao penal comumem relagao ao Codigo Penal, ¢ em legislacao penal especial como sendo as normas penais que nao se encon- tram no referido Estatuto. 1.1.8 Direito Penal substantivo e Direito Penal adjetivo Antiga ej superada é a distingdo entre Direito Penal substantivo (ou material) ¢ Di reito Penal adjetivo (ou formal). O primeiro é representado pelas normas que definem as figuras penais, estabelecendo as sangdes respactivas, ber como os principios gerals a elas relativos (Cédigo Penal, Lei das Contravengées Penais etc.) 0 segundo constitui-se de preceitos de aplicagao do direito substantivo e de organizacao judiciaria. Modema- mente, essa cistincao ja néo tem razao de ser, uma vez que as uilimas normas ganharam autonomia com o reconhecimento da existéncia do Dirsito Processual Penal. Este ndo é 1. BRUNO, Anibal. Deo pena! Ri de Janeko: Foren, 1859. v1, 2. 1924, 2. Cl. MARQUES, José Federco. Ob. 2022; JESUS, Damasio E, de. Dra pana 8 ed. So Pau: Swaive, 1883p. 8; NOAONHA,E. Magahes. Cb. cp 7; PIEDADE JUNIOR, Har roo pena nova pare perl Flo 68 Janova : Foronse, 1985. v1 ps 8 INTRODUGAO 2 Parte ou complemento do Direito Penal, mas objeto de ciéncia diversa, destinada ao es- tudo da lei referente a aplicagao do Direlto Penal objetivo. Isto ndo impede que de um ‘mesmo diploma legal constam normas de Direito Penal e de Direito Processual Penal, ‘como é 0 caso da Lei de Téxicos, da Lei de Imprensa, da Lel de Responsabilidade de Pre- feitos etc. 1.2. RELACOES DO DIREITO PENAL 1.2.1 Introduga Como o sistema juridico de um pais é formado de elementos que se completam, ‘sem contradigSes, 0 Direito Penal, como uma das partes desse todo, tem intima correla ‘940 com os demais ramos das cincias juridicas. Existem, também, ciéncias que, sem se destinarem propriamente ao estude do cri- ‘me, trazem subsidios e esclarecimentos a certas questdes da doutrina e elementos cien- tificos indispensaveis, sobretudo, a aplicagao da lei penal. Além disso, criaram-se ciéncias criminolégicas, causais-oxplicativas, destinadas ao estudo do crime como uma. forma do comportamento humano, episéalo de desalustamento do homem as condigaes, fundamentais da convivéncia social. Devern-se, pois, estudar as relacdes de Direito Pe- nal com as ciéncias juridicas fundamentais © outros ramos de estudos juridicos, com as, chamadas disciplinas auxilares e com as ciéncias penalls, em especial a Criminologia, fundamentais Relaciona-se o Direlto Penal, como todos os demais ramos das ciénclas juridioas, ‘com a Filosofia do Direto. As investigacOes desta levam & fixacao de principios légicos, & formulagao de conceitos basicos e a definicao de categorias fundamentals e indispensé- veis delaboragao dallel penal. Assim, hd fundamentos floséfices nos conceitos de delto, Pena, imputabilidade, iresponsabilidade, dolo, culpa, causalidade, erro etc. ‘Além disso, para a elaboracao e aplicagao da ll penal, na descrigao dos fatos cr- mminosos e no estabelecimento de sancdes, faz-se um |ulzo de valor sobre a conduta hu- mana, numa opetagdo eminentemente ética (Filosofia Moral), @ tanto a elaboracao Iegisiativa como ainterpretagao do ordenamento juridico dever ser presiidas por meto- dos dedutivos légicos (Légica. Coma Teoria Geral do Direito, em que séo elaborados conceios o institut uri- 08 validos para todos os ramos do Direito, relaciona-s¢o Direito Penal. No ordenamento juridico do Estado, ha uma série de regras fundamentals elaboradas em consonancia ‘com alégica e a deontologia do Ditto (Fiosoia) om quo as ciéncias lurdicas vao haurir diretrizes capita. Essa ciéncia, denominada Teoria Geral do Direito, com método etéc- nica uridica, serve de intermédiaria para que a Filosofia do Direito penetre no Direto Pe- nal e coordene as rogras basicas na conceltuagao de varios institut penais. Estudando 0 ordenamentojuridico em suas causas ¢ fungbes socies, a Sociologia Juridica tem por foco 0 fenémeno juridico como fato social, resultante de processos so- ais. Como 0 enfoque do Direito Penal é sempre dirigido a uma conduta humana ou fato 2 MANUAL DE DIREITO PENAL social, 6 necessério para o estudo de suas instituigdes e canceitos 0 conhecimento da realidade social subjacente, Dal as relagdes entre essas ciéncias e a grande colabora- ‘go que pode a Sociologia Juridica presiar ao Direito Penal, principalmente num de seus amos, a Sociologia Criminal. 1.2.3 Relagées com outros ramos de ciéncias juridicas © Direito Penal, como os demais ramos das ciéncias juridicas, relaciona-se como Direito Constitucional, em que se definem 0 Estado @ seus fins, bem como os direitos indi- vviduais, politicos e sociais. Diante do principio de supremacia da Constituigdo na hierar- ‘quia das leis, o Direito Penal deve nela enquadrar-se e, como o crime é um confit entre ‘os direitos do individuo e a sociedade, é na Carta Magna que se estabelecem normas es- ppecificas para resolvé-lo de acordo com o sentido politico da lei fundamental, exercen- do-8e, assim, influéncia decisiva sobre as normas punitivas. Por essa razo, no art. 5°da nova Constituigéo Federal, sao estabelecidos principios relacionados com anterioridade {ale penal (XXXIX), sua irretroatividade como regra ea retroatividade da mais benigna (XL), dispositivos a respeito dos crimes de racismo, tortura, trafco ilicto de entorpecen- tes drogas afins, terrorismo (XLII, XLII!) da personalidade da pene (XLV), de sua indivi- dualizacao e espécies (XLVI, XLVIl) ete. Refere-se, ainda, a Constituigao a fonte da legislagao penal (art. 22), 4 anistia (arts. 21, XVII, e 48, Vill), @ efeitos politicos da conde- hago (art. 55, VI), a0 indulto (art. 84, VI) etc. ‘Como é administrativa a fungao de punir, 6 evidente o relacionamento do Direito Penal com 0 Direito Administrativo. lei panal & apicada através dos agentes da Adm. nistrago (Juiz, Promotor de Justiga, Delegado de Policia ete); utlizam-se conceitos de Direito Administratvo na lei penal "cargo", Yuneao’,“rendas publicas” etc.); punem-se fatos que atentam contra a regularidade da Administragao Publica (arts. 312 a 350); esta- belecem-so dispositivos espectficos a respeito de crimes praticados por funciandros pi biicos (arts, 312 a 926 do CP e Lei n®4.898/65); prevé-se como efeito da condenagao a Porda de cargo, a funcao publica ou © mandato eletivo (ar. 92, inciso |); as ponas séo cumpridas em estabelecimentos publicos etc. 0 Direito Processual Penal, denominado Direito Penal Agjetivo, 6 um ramo juridi- co auténomo, em que se prevé a forma de realizapao @ aplicagao da lel penal, tomando efetiva sua fungao de prevengao ¢ repressao dos crimes. E intima a relagao entre o Direi to Penal ¢ o Direito Processual Penal, porque é através deste que se decide sobre a pro- ‘cedéncia de aplicagao do jus puniendi ( Direito Penal Subjetivo) do Estado, em confito ‘como 0 jus libertatis do acusado. Por essa razAo, o Cédigo Penal contém dispositivos a respeito da agao penal, que sera disciplinada no Codigo de Processo Penal nasieis ex- travagantes, para a etetivaeao do jus puniendi do Estado. Acresce ainda que, no Cédigo Penal, so definidos como crimes certos fatos que lesam ou poem em perigo a regulari- dade da administrago da Justica, seja esta civil ou penal (arts. 338 a 359). Ha também correlagao do Direito Penal com o Direito Processual Civil, em que se fomecem normas comuns ao Direito Processual Penal. So os dispositivos referentes aos atos processuais, as agdes, as sentengas, aos recursos etc. INTRODUGAO ‘Como se acentua a cooperagao internacional na repressao ao crime, fala-se.em DE zelto Penal intemacional como o ramo do Direito que tem por objetivo a luta contra acme nalidade universal. Define-o Celso D. Albuquerque Mello como sendo “o ramo de Dirato Penal que determina a competéncia do Estado na ordem intemacional para a repress2o 0s delitos, bem como regulamenta a cooperacao entre os estados em matéria penal.” O Cédigo Penal, aliés, consagra, no art. 7°, inisos lel, e§ 6, regras que se inspiraminesses principios. A incidéncia da lei penal no espago implica a existéncla de relagdes juridicas en- tre 08 paises e, conseqilentemente, a necessidade de normas juridicas para resolver ‘eventual aplicagao simulténea de leis penais (nacional e estrangeira). Com base em trata- dos e convengées intemacionais, 0 art. 7, iniso Il, a, do CP, estabelece regra a respeito dos crimes que, embora cometids no estrangeiro, o Brasil se obrigou a reprimir (trafico de mulheres, tréfico de entorpecentes, roubos de aeronaves e seqUestros de passageiros, falsiicagéo de moeda etc), @ a Lel dos Estrangoiros fia 0s requistos para a extradigSo. HA, pois, evidente correlagaio entre o Diteito Penal Intemacional e o Direito Penal Deve-se fazer referéncia também ao Direito Internacional Penal, ramo do Direito Internacional Pablico que tem por objetivo a luta contra as infragdes internacionais. Pode ele ser definido como “o conjunto de regras juridicas concementes as infracdes intera- cionais, que constituem violagSes de direito intemaciona’”.? Entrariam nessa categoria 1.3.4 Sociologia Criminal Tomando o crime como um fato da vida em sociedade, a Sociologia Criminal estu= da-o como expresso de certas condi¢Ges do grupo social. Criada por Henrique Ferri {item 1.4.10), preocupa-se essa ciéncia, preponderantemente, com os falores externos (ex6genos) na causaeo do crime, bern como com suas conseqiiéncias para acoletivida- de. Serve-se a Sociologia Criminal da Estatistica Criminal como método ou técnica para © estudo quantitativo dos fenémenos criminais. Nao dispensa a Sociologia Criminal a colaboragao de outras ciénclas ou técnicas {que auxiiam 0 estudo do crime como fato social e os melos mals eficazes de prevencaoe repressao criminal. Nessa situacao, esta a Politica Criminal, que 6 um conjunto de prinof- fos, produtos da investigagao cientifica e da experiéncia, sobre os quai 0 Estado deve bbasear-se para prevenire reprimir a criminalidade. A diferenca entre Criminologia o Poll ‘ca Criminal ~ diz bem Senderey— repousa no fato de esta ser um ramo do Direito Penal; A pons ds uence, exo, ra nena plies no home cininos: SENDEREY, laden. (08 p. 110-165 Coasts ales’ SERRAT, Salo Morte. Faloee Neigens do enminiogs na nels porte, AT 65003408, 2 Famoss ets cp, cen de ALTAVILLA Enc, Paola judi. 2. Colnba Adel Amado, 1857 |3 A popstar: BRANCO, Vicor Pala Cae, Contos So Pada Sigietie Le, 080.1531 3 MANUAL DE DIREITO PENAL néo estuda 0 delingiiente, deixando isto a cargo da Criminologia e, fundada nos resultados ‘btidos por esta, cita os meios de prevengao e repressao a delingdéncia.' Seu objeto, portan- to, € fomecer orientagdo aos elaboradores da lel para que o combate a criminalidade se faa ‘em bases racionais, com os meios adequados, e estabelecer crticas a lei vigente para as re- formas recomendadas. Ja a “Politica Criminal Atemativa’, formada pelas correntes da Nova CCiminologia ou Criminologia Critica, véo sistema penal organizado ideologicamerte, prote- endo intoresses das classes dominantes, ao sancionar mais gravemente condutas tipicas dde grupos marginalizados, propondo a extincdo da pena privativa de liberdad, por meio de um programa gradativo de despenalizacao, desjudicializacao desoriminalizagao? {A Vitimologia, por sua vez, preocupa-se com a pessoa do sujeito passivo da infra- ‘¢4o penal e com sua contribuigao para a existéncia do crime. Com as pesquisas de Von Henting, percebeu-se que a vitima pode ser colaboradora do ato criminoso, uma “vitima rata” (personalidades insuportaveis, pessoas sarcésticas e iritantes, homossexuals € prostitutas etc.). A nova ciéncia aponta, a par do binémio crime-criminoso, a dupla vi ‘ma-criminoso, aquela personagem tao importante como 0 delinguente na apreciagéo do {ato delituoso.? Os estudos, porém, estenderam-se para incluir investigagdes © propor solugdes a respeito da necessidade da reparacdo do dano material e moral a vitima do crime. Atentos a esses problemas, os autores do anteprojeto da reforma da Parte Geral inclufram como sangao a “multa reparatéria’, excluido, porém, do projeto convertide em. ol inclulda, todavia, com fundamento nos ostudos da Vitimologia, ocomportamento ima como uma das circunstancias que devem ser consideradas pelo juiz para a fi- xagao da pena do autor do crime (art. 59 do CP). Por im, deve-se mencionar a Biotipologia Criminal, que tem por objeto a classifica- «0 dos criminosos para.a correta aplicagao da execugo da pena. Como bem afirma Ma- noel Pedro Pimentel, ‘mesmo com a precariedade conceptual do que seja tipo puro, é possivel falar-se em uma biotipologia criminal, estabelecendo-se classificagdes nas quais certos individuos podem ser agrupados, por serem portadores de anomalias orgaé- nicas ou funcionais caracteristicas, que comprovadamente estao presentes na genese das condutas agressivas’ 1.3.5 Conclusao Oestudo do delito como fendmeno social, como foi visto, 6 do Ambito da Sociologia Criminal, assim como o crime, como fato individual, pertence ao campo de observagao da Biologia Criminal. Entretanto, ainterpenetragao dessas ciéncias, para o estudo da gé- nese do delito, é Incontestavel. Notou Gemelli que a dindmica da agao do ambiente nao pode ser separada “da dindmica da personalidade por serem dois aspectos de um s0 ci- rnamismo que necessitam ser ponderados por quem pretenda compreender o significado de uma ago delituosa’.> SSENDEREY, lal Opin. Ob. p71 MARQUES, Oswaldo Horsique Duo, Sistema penal para otc miéio, AT €63080352 (ALVES. Roque de Bite. A stimelogia, AT 6646, PENTEL, Maro! Peto. Ob. ct p28. MARQUES. Jost Fresco. Ob ot. 62463. ergy

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