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Manifesto Anti-Dantas

Quem foi Júlio Dantas?

Júlio Dantas (1876-1962)

Além de médico era uma figura destacada da atividade social, política e cultural
durante as seis primeiras décadas do século XX. Exerceu um elevado número de cargos como
por exemplo professor da Secção Dramática do Conservatório Nacional, Inspetor das
Bibliotecas Eruditas e Arquivos e funções políticas que desempenhou como Ministro de
várias pastas e publicou em vários géneros literários: romance, conto, poesia, teatro, crónica,
oratória, ensaio.

Os seus escritos revelam uma predileção pelo século XVIII, tempo a que dedicou
alguma veia ensaística em O Amor em Portugal no Século XVIII (1915) e onde se situa a
ação de muitas das suas peças de teatro mais emblemáticas: A Severa, 1901; A Ceia dos

O "Manifesto Anti-Dantas" é uma obra literária escrita pelo escritor e pintor português José Cardeais, 1902; Um Serão nas Laranjeiras, 1904; Sóror Mariana, 1915.

de Almada Negreiros. O manifesto é um tipo de texto dissertativo, reivindicativo pode ser


O seu academismo literário encontra-se bem patente na formalização dos seus escritos; a Ceia
de cunho político, cultural ou social, e visa establecer um ponto de vista de um ou mais
dos Cardeais (1902), foi composta em alexandrinos emparelhados. A maioria do seu teatro
autores em relação a um contexto, tem como alvo um grande público, com intuito de revela alicerces românticos, sobretudo na temática de cariz histórico e da mitologia nacional,
sensibilizá-lo ou convencê-lo. Este manifesto foi publicado em 1915, durante um período de com a idealização da história pátria como pano de fundo de uma idealização do amor, de
efervescência cultural e artística em Portugal, conhecido como o Modernismo. pendor saudosista, não deixando de imprimir um cunho fortemente anticlerical vacilando
entre o sentimentalismo romântico, o grotesco e a sátira. Não é avesso, porém, a experimentar
correntes novas, como o realismo/naturalismo decadentista de Crucificados (1902), com
aspirações a drama social, que pretende retratar uma atualidade degenerada, causa e vítima de
promiscuidade e doença. Basicamente, Júlio Dantas, uma das mais reconhecidas figuras da
intelectualidade da época era um defensor dos cânones estéticos tradicionais
romantismo/realismo (o eu lírico, sentimentalismo, adjetivação abundante, formalismo, movimentos literários subsequentes de renovação da literatura portuguesa. O movimento
saudosismo e patriotismo embora comece a aparecer a temática social) modernismo português baseava-se em características como; rutura com o passado, o elogio
da máquina e das transformações tecnológicas, uso de linguagem menos formal, espírito
O seu romance A Severa, de 1901, foi adaptado a teatro, e em 1931, foi argumento do
crítico e provocador, alguma dose de revolução anarquia e excentricidade.
primeiro filme sonoro português, realizado por Leitão de Barros.

Na política foi considerado oportunista, mostrando realmente uma grande versatilidade,


Almada Negreiros tinha uma postura crítica em relação a escritores e intelectuais
servido como deputado na Monarquia, como ministro na Primeira República e finalmente
conservadores da sua época, particularmente em relação a Júlio Dantas, o alvo principal do
como deputado, e embaixador em pleno Estado Novo.
seu manifesto. O Manifesto Anti-Dantas foi assinado por figuras proeminentes da literatura e

Júlio Dantas representa um modelo social que sempre existiu e ainda hoje existe das artes em Portugal, incluindo Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros,

presunçoso, tradicionalista, conservador, oportunista. É uma figura representativa do entre outros que expressaram as suas preocupações em relação à influência de Júlio Dantas e

tradicionalismo literário e cultural, sendo associado à corrente literária do Romantismo tardio à sua oposição ao que viam como valores ultrapassados e a falta de inovação cultural.

em Portugal. A única característica que não se enquadra na sociedade da época é o fato de


ser laico e ter mantido essa convicção até ao fim.

Quem foi Almada Negreiros?

Acontecimentos que estão na génese da criação do manifesto Anti-Dantas.

Quando, em 1915, aparece o primeiro número da revista Orpheu, Júlio Dantas tem
uma atitude sobranceira e quase paternalista, apelidando os autores de «pessoas sem juízo»,
José Sobral de Almada Negreiros nascido em S. Tomé e Príncipe a 7 de abril de 1893 ou «paranoicos», não encontrando, portanto, justificação para o sucesso da revista. Dantas
foi um artista multidisciplinar tendo sido um pintor, escritor, poeta, ensaísta, dramaturgo e escreve uma crónica na revista Ilustração Portuguesa intitulada de “Poetas-paranóicos”, faz
romancista português ligado ao grupo modernista. Em 1913, já a viver em Lisboa, apresenta, uma analogia psiquiátrica da literatura e arte decadente com a paranoia, usando expressões
na Escola Internacional de Lisboa, a sua primeira exposição individual. É nessa exposição como linguagem própria de mentes perturbadas, feita de brilhos de brocado falsos e de ideias
que trava conhecimento com Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiros. Juntos os, então delirantes. Estas características excêntricas e o uso de temas associados a sonhos impossíveis
jovens, artistas, decidem editar uma revista trimestral de literatura destinada a Portugal e ou provocando um corte com a realidade são um dos alicerces do movimento futurista que

Brasil, com 83 páginas impressas, chamada “A Revista Orpheu” – um conjunto de textos Júlio Dantas despreza remetendo este tipo de arte a algo do foro psiquiátrico.
literários de novos e irreverentes escritores, com estilo e conteúdo vanguardista que inspirou
Em outubro, desse mesmo ano Júlio Dantas vê ser representada a sua peça de Teatro Antes do Modernismo, a cultura em Portugal era dominada por uma abordagem acadêmica
“Sóror Mariana”, entre os espectadores alguns manifestaram descontentamento contra a e tradicionalista, que seguia as convenções estabelecidas e rejeitava a inovação. Os
baboseira teatral, entediante e ultrapassada que a peça demonstrou ser. modernistas, incluindo Almada Negreiros, sentiram a necessidade de confrontar essa
tradição e buscar uma expressão cultural mais contemporânea e ousada.
Mariana Alcoforado foi uma freira portuguesa, no século XVII, conhecida por ser a
suposta autora das "Cartas Portuguesas", uma série de cinco cartas de amor escritas em O "Manifesto Anti-Dantas" de Almada Negreiros deve ser visto no contexto dessa agitação
francês, símbolo do ultrarromantismo. Almada Negreiros e outros signatários do "Manifesto cultural, política e social. Foi uma resposta à cultura conservadora que predominava na
Anti-Dantas" expressaram o seu ceticismo em relação à autoria das cartas. Júlio Dantas, por época e uma declaração de intenção de inovação e experimentação nas artes e na
sua vez, foi visto como uma figura que promoveu a autenticidade das "Cartas Portuguesas" literatura.
como obra de Mariana Alcoforado. Portanto, a controvérsia em torno das cartas de Mariana
Alcoforado, a estreia da peça relacionada e a crítica à revista de Orfeu, desencadearam a A Geração De Orfeu
oposição expressa no "Manifesto Anti-Dantas" contra a influência de Dantas na cultura e na
A Geração d’Orpheu foi o grupo responsável pela introdução do Modernismo nas artes e
literatura portuguesa.
letras portuguesas. O nome advém da revista literária Orpheu, publicada em Lisboa no ano de

Neste libelo/manifesto há uma denúncia de toda uma sociedade tradicionalista e 1915. A intenção deste grupo seria provocar a rutura e edificar culturalmente o Portugal do

conservadora usando um ataque pessoal à figura representativa de Dantas. séc XX- “"dar uma bofetada no gosto público".

Contexto Histórico e Social em que Almada Negreiros escreveu o manifesto: Seguindo as vanguardas europeias do início do século XX, nomeadamente o Futurismo,
poetas como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, e pintores como
O manifesto de Almada Negreiros reflete a sua rebeldia contra o academicismo e o Amadeo de Souza-Cardoso e Santa Rita Pintor reuniram-se em torno duma revista de arte e
tradicionalismo literário e artístico, propondo uma renovação da cultura e das formas de literatura cuja principal função era agitar as águas, subverter, escandalizar o burguês e pôr todas
expressão.Neste manifesto, Almada Negreiros critica a estagnação cultural e intelectual, as convenções sociais em causa.
propondo uma nova visão artística, que ele acreditava ser mais adequada para a época. Ele
O nome Orfeu vem de uma lenda da mitologia grega em que o músico Orfeu para
defendia a inovação, o dinamismo e a experimentação na arte e na literatura, rejeitando as
resgatar a sua mulher para o mundo dos vivos não poderia nunca olhar para trás. Era essa
convenções estabelecidas.
metáfora que importava aos homens da Orpheu, esse não olhar para trás, esse esquecer, esse
olvidar do passado para concentrar as atenções e as forças no caminho para diante.
O período em que o "Manifesto Anti-Dantas" de Almada Negreiros foi escrito, no início do
século XX, é marcado por mudanças significativas em Portugal, tanto cultural, social quanto O escândalo que a revista provoca explica-se
politicamente. Politicamente, a monarquia tinha sido abolida, a recém instituída Républica
passava por vários governos, revoluções. Isso refletiu em grande agitação social e cultural. • Textos repletos de sarcasmo, subversivos

Socialmente, o aumento da população levou à urbanização, incluindo uma crescente • Desconstrução da linguagem verbal

exposição à cultura e às ideias estrangeiras até fruto da emigração. Surgiram também os • Substituição dos heróis por homens vulgares e atormentados.

movimentos operários e de mulheres em busca de direitos. • Associação de artes plásticas e visuais vanguardistas com a literatura
A título de curiosidade o fato de terem sido apelidados de loucos e decadentes logo após o UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR
primeiro número teve como resposta provocatória, a inclusão no segundo número de textos
POR UM DANTAS É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM
do poeta Ângelo de Lima que efetivamente estava internado num hospital psiquiátrico. Os
poemas “16” de Mário de Sá-Carneiro e “Ode Triunfal” de Álvaro de Campos foram dos
COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS E DE CEGOS! É UMA RESMA
mais disruptivos.
DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
DE ZERO!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!

Em fúria fora e dentro de mim, ABAIXO A GERAÇÃO!

Por todos os meus nervos dissecados fora,


MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
UMA GERAÇÃO COM UM DANTAS A CAVALO É UM BURRO
Excerto de Ode Triunfal- Álvaro de Campos
IMPOTENTE!
As mesas do Café endoideceram feitas ar...
Caiu-me agora um braço... Olha, lá vai êle a valsar
Vestido de casaca, nos salões do Vice-Rei... UMA GERAÇÃO COM UM DANTAS À PROA É UMA CANOA

Nota- se uso de linguagem banal e não formal, a utilização de metáforas cruas que devem
ter chocado o contexto literário da época. FURADA!

O Manifesto Anti-Dantas foi o maior texto virulento do jovem Almada (que contava com O DANTAS É UM CIGANO!
23 anos de idade na altura) cujo alvo era Júlio Dantas e, como diz o texto, a “todos os Dantas
que houver por aí. Este folheto de 8 páginas impresso em papel de embrulho, todo escrito em O DANTAS É MEIO CIGANO!

maiúsculas e utilizando aqui e além, para sublinhar a onomatopeia - PIM!-,uns ícones


Almada compara a geração incapaz de compreender a modernidade, liderada por Dantas a
representando uma mão no gesto de apontar, esgotou em poucos dias.
um conjunto de cegos e indignos. A utilização da palavra charlatães e vendidos pode fazer
referência à plasticidade política de Dantas, adaptando a sua arte consoante o governo em
Análise de excertos
vigor. Este excerto revindica a insatisfação e crítica à estagnação cultural, literária e artística

1ºexcerto de Portugal na época. Os modernistas acreditavam que essa tradição estava a sufocar a
criatividade e a inovação artística. Dantas representa essa geração cultural tradicional e
O manifesto inicia-se com um achincalhar à figura moral, social e cultural de Júlio conservadora por isso se instiga à sua morte, representada na onomatopeia de um tiro PIM!
Dantas, um apelo à sua morte que metaforicamente representa o romper com as convenções
tradicionais para poder evoluir. O DANTAS SABERÁ GRAMÁTICA, SABERÁ SINTAXE, SABERÁ

BASTA PUM BASTA! MEDICINA, SABERÁ FAZER CEIAS PRA CARDEAIS SABERÁ TUDO

MENOS ESCREVER QUE É A ÚNICA COISA QUE ELE FAZ!


O DANTAS PESCA TANTO DE POESIA QUE ATÉ FAZ SONETOS O DANTAS É UM CIGANÃO!

COM LIGAS DE DUQUESAS! NÃO É PRECISO IR PRÓ ROSSIO PRA SE SER UM PANTOMINEIRO,

O DANTAS É UM HABILIDOSO! BASTA SER-SE PANTOMINEIRO!

Este troço faz referência ao fato de Dantas saber escrever corretamente em termos de O manifesto faz uso de uma linguagem simbólica e imagética. Almada Negreiros recorre
sintaxe, de versos e enuncia a obra com mais sucesso a peça “ceia para cardeais”, mas a metáforas para expressar as suas ideias, tornando o texto mais artístico e criativo. Dantas é
termina dizendo saberá tudo menos escrever. Os seus sonetos são comparados a ligas de ciganão pois engana todos com a peça de fraca qualidade “Sóror Mariana”. Expressar que
duquesas evocando uma poesia de Júlio Dantas de sintaxe correta, mas brejeira no tema e Dantas é pantomineiro sem ir para o Rossio é uma metáfora que o compara a um mimo em
complexidade. É habilidoso pois engana um público português e provinciano usando o que os gestos exagerados podem ser vistos como fanfarronice, excesso de vaidade.
sentimentalismo piegas e o saudosismo patriótico.

O DANTAS VESTE-SE MAL!


NÃO É PRECISO DISFARÇAR-SE PRA SE SER SALTEADOR, BASTA
O DANTAS USA CEROULAS DE MALHA!
ESCREVER COMO DANTAS! BASTA NÃO TER ESCRÚPULOS NEM
O DANTAS ESPECULA E INOCULA OS CONCUBINOS!
MORAIS, NEM ARTÍSTICOS, NEM HUMANOS! BASTA ANDAR CO
O DANTAS É DANTAS!
‘AS MODAS, CO ‘AS POLÍTICAS E CO ‘AS OPINIÕES! BASTA USAR
Há uso de metáforas, sátira e ironia para criticar a figura de Júlio Dantas e o
O TAL SORRISINHO, BASTA SER MUITO DELICADO E USAR
conservadorismo cultural que ele representa.

CÔCO E OLHOS MEIGOS! BASTA SER JUDAS! BASTA SER


O DANTAS É JÚLIO!

DANTAS!
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!

MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!


O DANTAS FEZ UMA SOROR MARIANA QUE TANTO O PODIA

O DANTAS NASCEU PARA PROVAR QUE, NEM TODOS OS QUE


SER, COMO A SOROR INÊS OU A INÊS DE CASTRO, OU A

ESCREVEM SABEM ESCREVER!


LEONOR TELLES, OU O MESTRE D'AVIS, OU A DONA

O DANTAS É UM AUTÓMATO QUE DEITA PRÁ FORA O QUE A


CONSTANÇA, OU A NAU CATRINETA, OU A MARIA RAPAZ!

GENTE JÁ SABE QUE VAI SAIR... MAS É PRECISO DEITAR


E O DANTAS TEVE CLAQUE! E O DANTAS TEVE PALMAS! E O

DINHEIRO!
DANTAS AGRADECEU!
O DANTAS É UM SONETO D'ELE-PRÓPRIO! O autor utiliza técnicas de inovação formal, como a disposição gráfica do texto, o abuso de
maiúsculas, a utilização maioritariamente de frases exclamativas e a inserção se símbolos de mãos a
O DANTAS EM GÉNIO NUNCA CHEGA A PÓLVORA SECA E EM apontar para o alvo do disparo ou sátira, reflete a ênfase modernista e a disrupção com as normas
tradicionais. Em conformidade com a corrente futurista, cultiva-se marcas de oralidade com
TALENTO É PIM-PAM-PUM!
onomatopeias, mas também através da negação destrutiva das convenções do presente: da
O DANTAS NU É HORROROSO! solenidade, da frase feita e do lugar-comum.

O DANTAS CHEIRA MAL DA BOCA!

MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!

Dantas nu é horrível, sem todos os artefactos e cargos que tem, intelectualmente é horroroso,
2ºExcerto/resumo.
o cheirar mal da boca poderá significar que as palavras que usou para criticar a revista de
Orfeu são difamatórias. O manifesto de Almada surge na consequência direta de um evento específico, a estreia
da peça de Júlio Dantas “Sóror Mariana”. A segunda parte do manifesto é uma longuíssima e
O DANTAS É O ESCÁRNIO DA CONSCIÊNCIA!
caricatura e descrição da estreia de Sóror Mariana. Criticando a superficialidade e o texto

SE O DANTAS É PORTUGUÊS EU QUERO SER ESPANHOL! pobre da peça, a baboseira da peça. Neste pequeno trecho compara a abadessa da peça à
pintura grotesca de Goya, incompatível com a voz fresca da tia Felicidade vizinha do lado.
O DANTAS É A VERGONHA DA INTELECTUALIDADE Seria similar a uma figura imponente dos nossos dias falar com uma voz esganiçada, um
Presidente Marcelo com voz de Cristina Ferreira...
PORTUGUESA! O DANTAS É A META DA DECADÊNCIA MENTAL!
“MENOS UMA QUE USA ÓCULOS E BENGALA E AINDA TODA CURVADA PRÁ FRENTE O
E AINDA HÁ QUEM NÃO CORE QUANDO DIZ ADMIRAR O
QUE QUER DIZER QUE É ABADESSA. E SERIA ATÉ UMA EXCELENTE PERSONIFICAÇÃO DAS
BRUXAS DE GOYA SE QUANDO FALASSE NÃO TIVESSE AQUELA VOZ TÃO FRESCA E
DANTAS!
MAVIOSA DA TIA FELICIDADE DA VIZINHA DO LADO, E REPARANDO NOS DOIS VULTOS
E AINDA HÁ QUEM LHE ESTENDA A MÃO! INTERROGA ESPAÇADAMENTE COM CADÊNCIA, AUSTERIDADE E IMENSA FALTA DE
CORDA...”
E QUEM LHE LAVE A ROUPA!
“A ÚNICA CONSOLAÇÃO QUE OS ESPECTADORES DECENTES TIVERAM FOI A CERTEZA
E QUEM TENHA DÓ DO DANTAS!
DE QUE AQUILO NÃO ERA A SOROR ALCOFORADO MAS SIM UMA “MERDARIANA
ALDANTASCUFURADO” QUE TINHA CHELIQUES E EXAGEROS SEXUAIS.”
E AINDA HÁ QUEM DUVIDE DE QUE O DANTAS NÃO VALE

O PANO TAMBÉM CAI E O ESPECTADOR TAMBÉM CAI DA PACIÊNCIA ABAIXO E DESATA


NADA, E QUE NÃO SABE NADA, E QUE NEM É INTELIGENTE
NUMA DESTAS PATEADAS TÃO ENORMES E TÃO MONUMENTAIS QUE TODOS OS JORNAIS
NEM DECENTE, NEM ZERO! DE LISBOA NO DIA SEGUINTE FORAM UNÂNIMES NAQUELE ÊXITO TEATRAL DO DANTAS.
Almada relata o descontentamento de grande parte do público que bate com os pés a meio Sarcasticamente, sugere que a continuar a escrever assim iriam ser erigidas
da peça como desagrado, e ironiza o comportamento da imprensa que ignora esse detalhe e estátuas, renomear praças. Tudo teria o nome Dantas, autoclismos, pastas de dentes,
descreve a estreia como um êxito. medicamentos, ironiza dizendo que se houver justiça saberão que ele é o verdadeiro
autor dos Lusíadas e Camões um pseudónimo.
3ºExcerto
E FIQUE SABENDO O DANTAS QUE SE TODOS FOSSEM COMO
CONTINUE O SENHOR DANTAS A ESCREVER ASSIM QUE HÁ DE
EU, HAVERIA TAIS MUNIÇÕES DE MANGUITOS QUE
GANHAR MUITO COM O ALCUFURADO E HÁ DE VER, QUE
LEVARIAM DOIS SÉCULOS A GASTAR.
AINDA GANHA UMA ESTÁTUA DE PRATA POR UM OURIVES DO
Se todos apreciassem Júlio Dantas como Almada os gestos de manguito demorariam dois
PORTO, E UMA EXPOSIÇÃO DE MAQUETES PARA O SEU séculos a acabar, tal o seu asco.

MONUMENTO ERETO POR SUBSCRIÇÃO NACIONAL DO SÉCULO 4º Excerto

A FAVOR DOS FERIDOS DA GUERRA, E A PRAÇA DE CAMÕES


E OS CONCERTOS DO BLANCH! E AS ESTATUAS AO LEME, AO
MUDADA EM PRAÇA DO DR. JÚLIO DANTAS, E COM FESTAS DA
EÇA E AO DESPERTAR E A TUDO! E TUDO O QUE SEJA ARTE EM
CIDADE PELOS ANIVERSÁRIOS, E SABONETES A DIZER «JÚLIO
PORTUGAL! E TUDO! TUDO POR CAUSA DO DANTAS!
DANTAS» E PASTAS DANTAS PRÓS DENTES, E GRAXA DANTAS
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
PRÁS BOTAS, E NIVEINA DANTAS, E COMPRIMIDOS DANTAS
PORTUGAL QUE COM TODOS ESTES SENHORES, CONSEGUIU A
E AUTOCLISMOS DANTAS E DANTAS, DANTAS, DANTAS,

CLASSIFICAÇÃO DO PAIS MAIS ATRASADO DA EUROPA E DE


DANTAS... E LIMONADAS DANTAS - MAGNÉSIA.

E FIQUE SABENDO O DANTAS QUE SE UM DIA HOUVER JUSTIÇA TODO O MUNDO! O PAIS MAIS SELVAGEM DE TODAS AS

EM PORTUGAL TODO O MUNDO SABERÁ QUE O AUTOR DOS ÁFRICAS! O EXILIO DOS DEGRADADOS E DOS INDIFERENTES! A

LUSÍADAS É O DANTAS QUE NUM RASGO MEMORÁVEL DE AFRICA RECLUSA DOS EUROPEUS! O ENTULHO DAS

MODÉSTIA CONSENTIU A GLÓRIA AO SEU PSEUDÓNIMO DESVANTAGENS E DOS SOBEJOS! PORTUGAL INTEIRO HÁ DE

CAMÕES.
ABRIR OS OLHOS UM DIA - SE É QUE A SUA CEGUEIRA NÃO É
INCURÁVEL E ENTÃO GRITARÁ COMIGO, ao meu LADO, A O Manifesto Anti-Dantas não é, apenas, um ajuste de contas e a escolha de um bode
expiatório. Traduz o conflito de gerações e integra-se numa corrente literária e artística com
NECESSIDADE QUE PORTUGAL TEM DE SER QUALQUER COISA orientação estética de rutura com convenções.

DE ASSEADO! O "Manifesto Anti-Dantas" refletiu e contribuiu para essa dinâmica cultural, desafiando
as tradições e buscando uma renovação nas formas de expressão. O Manifesto Anti-dantas
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM! reflete várias características do modernismo:

Visando prioritariamente o teatro, embora declare como alvo «TUDO O QUE SEJA Experimentação e Vanguardismo
ARTE EM PORTUGAL», Almada transforma Dantas no bode expiatório, sacrificado em
Crítica à Tradição Conservadora
nome de uma necessidade de expurgar: «MORRA O DANTAS!». A sua morte simbólica é
tão-só a morte que se deseja de todas as formas artísticas antiquadas. Afirmação da Modernidade: buscava explorar novas formas de expressão artística que
estivessem mais alinhadas com o espírito do século XX.
O manifesto termina com um ultimato futurista às gerações portuguesas do século XX à
Irreverência e Provocação: uso de linguagem contundente para expressar sua rejeição às
necessidade de fazer de Portugal «QUALQUER COISA DE ASSEADO», de limpá-lo, de
ideias e valores que considera antiquados.
expurgá-lo atraso cívico e cultural, dos Dantas da vida que impedem a intelectualidade
portuguesa de ver o que, por essa Europa fora, se vai fazendo e pensando. O "Manifesto Anti- Identidade Nacional moderna:

Dantas" é um chamado à rutura com o passado e à abraço do futuro. Almada Negreiros O manifesto foi um dos primeiros sinais do Modernismo em Portugal e desempenhou
encoraja a experimentação e a inovação como meio de rejuvenescer a cultura portuguesa. um papel fundamental na ruptura com o conservadorismo literário e artístico predominante na
época. Ele influenciou muitos escritores e artistas que buscavam novas formas de expressão.
Conclusão
Teve impacto na Crítica e no Debate Cultural: O manifesto provocou debates significativos
sobre a cultura em Portugal, estimulando a crítica e a discussão sobre o papel da arte e da
Em suma, o início do século XX em Portugal foi uma época de mudança e turbulência,
literatura na sociedade.
que criou o ambiente propício para o surgimento do Modernismo e para a escrita de
manifestos como o de Almada Negreiros. Almada Negreiros e outros escritores e artistas modernistas desempenharam um papel
importante na transformação cultural do país, influenciando a forma como a arte e a literatura
É evidente que Júlio Dantas permanece ligado a uma época e às suas circunstâncias, mas,
são produzidas e apreciadas em Portugal até hoje.
além disso, constituía um modelo social, cultural e político que não se extinguiu. Já existia
antes e continuou a existir depois. Eça de Queiroz já ridicularizara o conselheiro Acácio, o Por fim colocaremos um pequeno vídeo do ator Mário Viegas ele também uma figura

Pacheco, o Dr. Margaride, o Gouvarinho, e outros símbolos da presunção oficiosa e da que quebrou convenções a fazer a leitura do manifesto.

mentalidade conservadora. Se virmos a imagem do velho do restelo nos lusíadas também se


vê o conservadorismo e a aversão/crítica ao modernismo e ao desbravar novos caminhos. No
fundo Dantas corresponde ao Portugal antiquado e provinciano avesso à mudança. Manifesto
Anti-Dantas, atualidade e permanência

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