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Literatura brasileira do século xx

IX - PRÉ-MODERNISMO

Período de abrangência: 1902 a 1922

Período eclético*:

· grupo passadista (parnasianos e simbolistas retardatários)

· grupo renovador (sob variadas linguagens, com predomínio da prosa neo-realista, um conjunto de escritores
– sem um projeto comum – tenta olhar para o país de uma forma mais ou menos crítica.

* eclético - mistura de várias tendências.

1. Euclides da Cunha

Os sertões

· Relato sobre a guerra de Canudos travada entre sertanejos fanáticos e soldados do exército;

· A base fatual do relato são as reportagens que E.C. enviou para o jornal durante o confronto.

· A obra se divide – de acordo com as teses deterministas que a delimitam (Taine: meio, raça e momento) em
A terra – O homem – A luta.

· As teses cientificistas de E. C. estão mais presentes nas duas primeiras partes da obra.

· Em O homem, o sertanejo é apresentado, simultaneamente, como uma "sub-raça", "raça degenerescida" e


como um "forte", um "titã de cobre".

· A luta – parte mais importante – é uma mescla de texto científico, resgate histórico, reportagem jornalística,
narrativa romanesca, análise da guerra, denúncia da chacina dos sertanejos e uma profunda interpretação do
Brasil.

· A percepção da guerra como tradução da existência de dois Brasis – um civilizado e moderno e outro
arcaico e primitivo – dois Brasis sem unidade, sem um núcleo comum, constitui a grande colaboração de E.
C. para a consciência dos brasileiros da época a respeito do seu próprio país.

Não esqueça: A linguagem – extraordinariamente elaborada, ornamental, difícil, poética, barroca em suas
antíteses, em suas metáforas e em seus paradoxos – é o que confere caráter literário ao texto.

2. Lima Barreto

· Relatos neo-realistas, de estilo simples, mais ou menos desleixados na linguagem.

· Valorização da vida suburbana e das camadas pobres do Rio de Janeiro


· Caricatura dirigida aos poderosos da época (políticos e letrados, em especial)

· Ironia corrosiva ao nacionalismo ufanista

· Denúncia dos preconceitos sociais e de cor (o autor era mulato)

Triste fim de Policarpo Quaresma (Relato centrado em um burocrata visionário, dominado por formulações
de nacionalismo ufanista e que, por isso, crê piamente na grandezas convencionais da nação. A narrativa é a
da perda progressiva de seus ideais, perseguidos e destroçados pela realidade, como, por exemplo, a sua
fracassada experiência agrícola e a sua consciência da brutalidade das elites, após o episódio da Revolta da
Armada (1893). Por protestar contra a violência do próprio governo que ajudara a defender, Policarpo
Quaresma será preso e fuzilado.)

Recordações do escrivão Isaías Caminha (O jovem mulato Isaías Caminha sai do interior em busca de uma
chance no Rio de Janeiro, mas o preconceito de cor impedem-no de alçar-se, restando-lhe apenas um trabalho
subalterno num diário da antiga capital federal. No final do romance, furando uma greve dos companheiros,
Isaías Caminha acaba virando editor do jornal e depois, pelos bons serviços prestados ao patrão, recebe um
cartório de presente e torna-se escrivão ou tabelião, como diríamos hoje.)

3. Augusto dos Anjos

Eu

· Poesia com traços parnasianos, simbolistas e pré-modernistas.

· Os aspectos pré-modernistas estão presentes em alguns versos de extremo coloquialismo e na incorporação


da temática da "sujeira da vida" e do grotesco, muito comuns na poesia moderna.

· Utilização freqüente de termos científicos da medicina e da biologia, de acordo com as tendências


naturalistas/evolucionistas vindas do século XIX.

· Apresenta umaa obsessão pela morte, nas formas mais degradadas que ela pode apresentar: podridão da
carne, cadáveres fétidos, corpos decompostos, vermes famintos e fedor de cemitérios. –

· Dominada pelo niilismo, a poesia de Augusto dos Anjos questiona a falta de sentido da existência e verte um
nojo amargo e desesperado pelo fim inglório a que a natureza nos condena.

· A angústia diante da morte transforma-se numa espécie de metafísica do horror: o homem não passa de
matéria que acaba, que entra em putrefação e que depois desaparece.

4. Monteiro Lobato

Literatura geral (adulta): Urupês, Cidades mortas, Negrinha.

· contos com ênfase em soluções patéticas, macabras ou anedóticas

· estrutura do conto e de linguagem presa ao modelo realista tradicional

· registro da zona cafeicultura decadente do interior paulista (Cidades mortas)

· criação da figura do caboclo brasileiro (o caipira) – Jeca Tatu

Literatura infanto-juvenil: O sítio do pica-pau amarelo


· mescla de fantasia, realidade e informação

· presença de um cenário típico do interior brasileiro (o sítio)

5. Simões Lopes Neto

Lendas do Sul – Casos do Romualdo – Contos gauchescos

· Forte presença da cultura regional sul-rio-grandense

· Utilização de lendas como a do Negrinho do pastoreio e da Salamanca do Jarau (Lendas do Sul)

· Na obra-prima (Contos gauchescos) há uma mescla de:

a) costumes da campanha rio-grandense


b) registro da vida cotidiana
c) fixação da linguagem específica da região (com grande número
de espanholismos e alguns neologismos)

· O narrador de Contos gauchescos é uma vaqueano de quase 90 anos (Blau Nunes) que evoca histórias que
viveu, presenciou ou escutou.

· O fato do narrador ser oriundo das camadas populares ocasiona uma intensa oralidade em sua forma de
narrar as histórias.

· No conjunto, os Contos gauchescos apresentam simultaneamente uma louvação do gaúcho (coragem,


audácia, honestidade e cavalheirismo) e uma crítica implacável à violência que campeia no pampa.

Não esqueça: Apesar do tom regionalista dos relatos de Simões Lopes, as paixões humanas que animam os
mesmos ultrapassam a condição localista e se situam numa dimensão universal. Assim o drama específico do
pampa rio-grandense adquire interesse para leitores de todos os quadrantes.

6. GRAÇA ARANHA

Canaã: Romance de tese (ou de idéias ou ainda romance-ensaio), centrado no debate ideológico entre dois
imigrantes alemães, Milkau e Lentz, recém chegados ao Espírito Santo. Há uma discussão sobre o futuro da
sociedade brasileira, discussão esta centrada nas idéias de clima e de raça. A linguagem da obra tem certos
acentos impressionistas.

X - MODERNISMO

A SEMANA DE ARTE MODERNA

Antecedentes europeus: as vanguardas

Futurismo, Cubismo, Dadaísmo (o Surrealismo não influenciou diretamente a Semana, mas apenas o
movimento da Antropofagia, de Oswald de Andrade.)

Futurismo: Fundado pelo italiano Marinetti, foi o movimento de vanguarda que mais influenciou os nossos
modernistas. Propunha uma ruptura total com o passado. Ao mesmo tempo, exaltava o "esplendor geométrico
e mecânico do mundo moderno". Isso significava cantar a máquina, o aeroplano, o asfalto, o cinematógrafo.
No plano formal, os futuristas suprimiram o eu poético, a pontuação, os adjetivos e usavam apenas o verbo no
infinitivo, etc.

Antecedentes brasileiros:

· A publicação, em 1917, de diversos livros de poemas em que jovens autores buscavam uma nova
linguagem, ainda não bem realizada. (Nós, de Guilherme de Almeida; Juca Mulato, de Menotti del Picchia;
Cinza das horas, de Manuel Bandeira; e Há uma gota de sangue em cada poema, de Mário de Andrade).

· A célebre exposição de Anita Malfatti, em 1917, e que foi duramente criticada por Monteiro Lobato em seu
célebre artigo Paranóia ou mistificação. Jovens artistas paulistanos saíram, então, em defesa da pintora,
criando uma polêmica que os ajudou a formar um grupo desejoso de mudar a arte e a cultura brasileira.

A semana de Arte Moderna

Realizada em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, a Semana representou a ruptura
barulhenta com os princípios estéticos do passado.

A proposição de uma "semana" (na verdade, foram só três noites) implicava uma amostragem geral da prática
modernista. Programaram-se conferências, recitais, exposições, leituras, etc. O momento mais sensacional
deu-se na segunda noite, quando Ronald de Carvalho leu um poema de Manuel Bandeira: Os sapos, uma
ironia corrosiva aos parnasianos que ainda dominavam o gosto do público.

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
‘- Meu pai foi à guerra
- Não foi! - Foi! - Não foi!’
O sapo-tanoeiro
Parnasiano aguado
Diz: - Meu cancioneiro
É bem martelado.

Principais participantes da Semana

Literatura:

Mário de Andrade - Oswald de Andrade - Graça Aranha - Ronald de Carvalho - Menotti del Picchia -
Guilherme de Almeida

Música e Artes Plásticas:

Anita Malfatti - Di Cavalcanti – Santa Rosa - Villa-Lobos - Guiomar Novaes

A importância estética da Semana

A Semana significou também o atestado de óbito da arte dominante. O academicismo plástico, o romantismo
musical e o parnasianismo literário esboroaram-se por inteiro. Os autores modernistas colocaram a renovação
estética acima de outras preocupações. O principal inimigo eram as formas artísticas do passado.
Caberia a Mário de Andrade - verdadeiro líder e principal teórico do movimento - sintetizar a herança de
1922:

· A estabilização de uma consciência criadora nacional, preocupada em expressar a realidade brasileira.

· A atualização intelectual com as vanguardas européias.

· O direito permanente de pesquisa e criação estética.

A Semana e a realidade brasileira

A Semana de Arte Moderna insere-se num quadro mais amplo da realidade brasileira. Vários historiadores já
a relacionaram com a revolta tenentista e com a criação do Partido Comunista, ambas de 1922. Embora as
aproximações não sejam imediatas, é flagrante o desejo de mudanças que varria o país, fosse no campo
artístico, fosse no campo político.

O Modernismo de 22 a 30
(Fase de destruição e experimentação

O projeto dos modernistas pode ser dividido em três linhas básicas que se conjugam:

A) Desintegração da linguagem tradicional

Questiona-se a arte acadêmica e suas fórmulas envelhecidas. O estilo parnasiano e o bacharelismo são os
alvos prediletos dos ataques modernizadores. Para efetivar tal destruição, usa-se a paródia, o poema-piada, o
sarcasmo.

B) Adoção das conquistas das vanguardas

A liberdade de expressão, a visão do cotidiano, a linguagem coloquial e outras inovações desenvolvidas pelas
vanguardas européias são assimiladas, ainda que desordenadamente, pela geração de 22. A revista Klaxon, de
1922, e os primeiros textos publicados no ano da Semana mostram essa preocupação com a
contemporaneidade. Não tem fundamento, portanto, a afirmativa de que os modernistas seriam antieuropeus.
A identificação com as velhas matrizes culturais ainda é evidente.

C) Busca da expressão nacional

Em 1924, em Paris, Oswald de Andrade assiste a uma exposição de máscaras africanas. Elas parecem
expressar a identidade dos povos negros da África. Nesse momento, o escritor se interroga: "E nós, os
brasileiros, quem somos?

Atrás dessa pergunta, começa a se delinear a luta por um abrasileiramento temático. Antes, as questões
fundamentais eram estéticas. A partir de agora passam a ser também ideológicas: sonha-se com a delimitação
de uma cultura brasileira, de uma alma verde-amarela.

A saída primitivista

O novo nacionalismo irá assumir uma perspectiva crítica, um tom anárquico e desabusado. Celebra-se o
primitivismo, isto é, as nossas origens indígenas e extra-européias. as civilizações aborígenes e também no
folclore, nos aspectos míticos e lendários da cultura popular, quer se descobrir a essência do Brasil. Esta
pesquisa de uma subjacente alma nacional só poderia ser realizada, no entanto, com o instrumental artístico da
modernidade. Assim, o Brasil seria uma síntese entre o primitivo e o inovador.
Os movimentos primitivistas

Pau-Brasil

Lançado em março de 1924, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil trazia como idéias-chave:

· A junção do moderno e do arcaico brasileiros: "A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre
nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos astéticos (...) A reza. O Carnaval. A energia íntima. O
sabiá. A hospitalidade um pouco sensual, amorosa. A saudade dos pajés e os campos de avaliação militar.
Pau-Brasil."

· A ironia contra o bacharelismo: "O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente. (...)
A riqueza dos bailes e das frases feitas.(...) Falar difícil."

· A luta por uma nova linguagem: "A língua sem arcaísmo, sem erudição. Natural e neológica. A
contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos. (...) Contra a cópia, pela invenção e
pela surpresa."

· A descoberta do popular: O Pau-Brasil descortina para os modernistas o universo mítico e ingênuo das
camadas populares: "O Carnaval é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os
cordões de Botafogo. A formação étnica rica. Riqueza vegetal."

Antropofagia:

O manifesto antropofágico, lançado em 1928, amplia as idéias do Pau-Brasil, através dos seguintes
elementos:

· A insistência radical no caráter indígena de nossas raízes: "Tupy or not tupy that is the question".

· O humor como forma crítica e traço distintivo do caráter brasileiro: "A alegria é a prova dos nove".

· A criação de uma utopia brasileira, centrada numa sociedade matriarcal, anárquica e sem repressões:
"Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud - a realidade sem complexos, sem
loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama."

· A postura antropofágica como alternativa entre o nacionalismo conservador, anti-europeu e a pura cópia dos
valores ocidentais: "Nunca fomos catequizados.(...) Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará."

Caberia a Mário de Andrade, com o romance Macunaíma, e a Raul Bopp, com o poema Cobra Norato, a
tentativa de levar para a criação literária as idéias do Manifesto.

Não esqueça: Nos anos de 1967, Caetano Veloso e outros compositores populares – através do Tropicalismo
– voltam a acenar com os princípios antropofágicos para combater a estreiteza da chamada M.P.B., que
rejeitava a incorporação de elementos da música pop internacional à música brasileira.

Verde-Amarelo (1924) e Anta (1928):

Com a participação de Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Plínio Salgado, estas tendências opõem-se ao
primitivismo destruidor e debochado dos "antropófagos" através do reforço do "sentido de brasilidade" e de
uma tendência conservadora e direitista no plano social.

Características da literatura modernista

A) Liberdade de expressão
A importância maior das vanguardas residiu no triunfo de uma concepção inteiramente libertária da criação
artística. Poética, de Manuel Bandeira, é um manifesto dessa nova postura, com seu célebre verso final:

Não quero mais saber de lirismo que não é libertação.

B) Incorporaçõa do cotidiano

O prosaico, o diário, o grosseiro, o vulgar, o resíduo e o lixo tornam-se os motivos centrais da nova estética. À
grandiosidade da paisagem, Manuel Bandeira sobrepõe a humildade do beco:

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?


- O que eu vejo é o beco.

C) Linguagem coloquial

A linguagem torna-se coloquial, espontânea, mesclando expressões da língua culta com termos populares, o
estilo elevado com o estilo vulgar. O artista volta-se para uma forma prosaica de dizer, feita de
palavras simples e que, inclusive, admite erros gramaticais, conforme se vê neste poema de Oswald
de Andrade:

Para dizerem milho dizem mio


Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.

D) Inovações técnicas

· Verso livre

· Destruição dos nexos

· Paronomásia (junção de palavras de sonoridade muito parecida, mas de significado diferente).

· Enumeração caótica

· Colagem e montagem cinematográfica

· Liberdade no uso dos sinais de pontuação

Os autores de 1922

1. Oswald de Andrade (1890-1954)

Obras principais:

Poesia: Poesia do pau-brasil (192 );

Teatro: O rei da vela(1937)

Romances: Memórias sentimentais de João Miramar (1924); Serafim Ponte Grande (1937)
Os romances da destruição

· Os dois romances acima (ou anti-romances) desobedecem aos padrões tradicionais da narrativa, diluindo a
separação entre prosa e poesia.

· Apresentam metáforas ousadas, neologismos e são totalmente fragmentários. Há uma grande quantidade de
"capítulos-relâmpagos".

No conjunto, os romances de Oswald de Andrade são descontínuos e antidiscursivos, predominando neles a


idéia de montagem cinematográfica, isto é, da técnica do corte e da colagem dos múltiplos fragmentos.

Como registrou uma estudiosa, eles "apresentam várias modalidades de linguagem: a cotidiana, a caipira, a
bacharelesca, a de composições infantis, a dos diários íntimos. Inclui ainda os clichês, as frases feitas,
piadas, neologismos, palavrões, etc..."

2 - Mário de Andrade (1893-1945)

Obras principais:

Poesia: Paulicéia desvairada (1922); Clã do jabuti (1927); Lira paulistana (1946)

A obra mais importante é Paulicéia desvairada até por causa de seu prefácio, denominado pelo autor Prefácio
interessantíssimo. Nele, Mário teorizara sobre sua própria poesia e sobre as tendências modernistas do novo
lirismo:

"Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contacto com o futurismo. Oswald de
Andrade chamando-me de futurista errou.(...). Escrever arte moderna não significa jamais para mim
representar a vida atual no que tem de exterior: automóveis, cinema, asfalto. 'Si' estas palavras freqüentam-
me o livro não é porque pense com elas escrever moderno, mas porque sendo meu livro moderno, elas têm
nele sua razão de ser."

Ficção: Amar, verbo intransitivo (1927); Macunaíma (1928); Contos novos (1946).

Macunaíma: o herói sem nenhum caráter

Macunaíma representa a adesão de Mário ao nacionalismo primitivista. Desde o início, o romance (ou a
rapsódia, como queria o autor) apela para o suporte mitológico: a lenda indígena de Macunaíma é a base do
texto. Há também no texto lendas sertanejas e caboclas, misturadas com os aspectos mágicos da cultura afro-
brasileira, etc.

O esforço de síntese percorre toda a rapsódia: síntese cultural, lingüística, geográfica, psicológica.

As andanças de Macunaíma da selva à cidade, em busca da pedra mágica (o muiraquitã), roubada pelo
gigante Wenceslau, seus amores e aventuras servem para levantar os traços definidores daquilo que seria o
caráter do homem brasileiro

O "herói de nossa gente" tem como características a preguiça, a irreverência, o deboche e uma sensualidade
intensa. Em resumo, estamos frente á malandragem. Mas, de certa forma, é uma malandragem derrotada, pois
Macunaíma retorna à selva, só lhe restando um destino mítico: subir aos céus e virar constelação.

Não esqueça: Em sua linguagem tão múltipla, o relato satiriza os padrões da escrita acadêmica. A carta que
Macunaíma envia às icamiabas (índias amazonas), por exemplo, é uma paródia da retórica bacharelesca que
sempre caracterizou os letrados brasileiros.
Outros autores de 1922

Raul Bopp - Cobra Norato (poesia)

· Vinculação à antropofagia

· Poema baseado numa lenda amazônica

Antônio de Alcântara Machado - Brás, Bexiga e Barra Funda (contos)

· Realismo irônico e sentimental

· Valorização do imigrante italiano

· Estilo coloquial

XI - A POESIA MODERNA

1. Manuel Bandeira (1886-1968)

Obras principais: Cinza das horas (1917); Carnaval (1919); Ritmo dissoluto (1924); Libertinagem (1930);
Estrela da manhã (1936); Lira dos cinquent'anos (1948); Estrela da tarde (1963)

Características gerais da poesia:

· Fusão entre a confissão pessoal e a vida cotidiana.

· Um clima de desejo insatisfeito e amargurado percorre a sua obra. A tuberculose impediu-o de viver
profundamente. Desta forma, a poesia representou para ele "toda a vida que podia ter sido e que não foi."

· Os poemas Vou-me embora pra Pasárgada ("Vou-me embora pra Pasárgada / Lá sou amigo do rei / Lá
tenho a mulher que eu quero / Na cama que escolherei"), Balada das três mulheres do sabonete Araxá e
Estrela da manhã se inserem nesta linha do desejo insatisfeito.

· Outro tema dominante em sua poesia é o da morte.

· Bandeira é também um grande poeta do cotidiano: descobre o lirismo perdido nos becos, nos arrabaldes, em
pobres quartos de hotel e em tudo que é irrisório e banal.

· Sua expressão poética é de absoluta simplicidade. Uma simplicidade que o levou a desconsiderar
(equivocadamente) a importância de sua própria poesia:

Criou-me, desde eu menino


Para arquiteto meu pai
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não esqueça: Manuel Bandeira é o poeta que melhor realiza a síntese entre a grande tradição da lírica
ocidental e a radicalidade da poesia moderna. Da tradição, herda os temas universais (morte, infãncia, desejo
amoroso, questionamento da vida). Do modernismo, o coloquial, o cotidiano e o verso livre.

2. Cecília Meireles (1901-1964)


Obras principais: Viagem (1939); Vaga música (1942); Mar absoluto (1945); O romanceiro da
Inconfidência (1953)

Características gerais:

· Uma poesia presa à tradição lírica do passado.

· Há nela forte herança simbolista: a maioria das obras expressa estados de ânimo, vagos e quase incorpóreos.
Além disso, certas imagens naturais como o mar, a areia, a espuma, a lua, o vento etc., por sua repetição
obsessiva, acabam também ganhando uma dimensão simbólica.

· Predominam os sentimentos de perda amorosa e solidão. A atmosfera de dor existencial é ampliada pela
insistência no tema da passagem do tempo.

· Sua linguagem é elevada, sublime, com pouca presença do coloquial.

O romanceiro da Inconfidência:

É a sua experiência poética mais significativa. Para escrevê-lo, pesquisou todos os elementos históricos que
compuseram o evento. Ao mesmo tempo, encontrou uma forma poética específica do passado ibérico: o
romanceiro. Trata-se de um conjunto de poemas narrativos, unidos por um tema central. Cada poema é um
romance.

Composto por oitenta e cinco romances, O romanceiro da Inconfidência oferece uma visão dramática e lírica
da sociedade mineira do século XVIII, de suas principais figuras humanas e do levante republicano abortado
pela denúncia de Joaquim Silvério:

Melhor negócio que Judas


fazes tu, Joaquim Silvério:
que ele traiu Jesus Cristo
tu trais um simples Alferes...

Não esqueça: O romanceiro da Inconfidência é um texto que parte de uma reflexão sobre a história concreta
do levante mineiro e alcança uma dimensão lírica superior, tornando-se uma interrogação sobre o sentido das
ações humanas.

3. Mário Quintana (1906- 199)

Obras principais: Rua dos cataventos (1940); Sapato florido (1948); Espelho mágico (1951); O aprendiz de
feiticeiro (1950); Do caderno H (1973); Apontamentos de história sobrenatural (1976); Velório sem defunto
(1990)

Características principais:

· Herança simbolista

· Temática da morte e da tristeza das coisas.

· Linguagem de absoluta simplicidade.

A melancolia dos versos está determinada por um clima de derrocada pessoal. O indivíduo percebe o fim de
tudo e sente-se perdido numa realidade imprecisa, cheia de noites silenciosas e de cenas surreais, indicando a
herança simbolista. A idéia da morte perpassa todo o discurso poético:

Da vez primeira em que me assassinaram


Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...

Os poemas em prosa · Aparecem em Sapato florido e em Do caderno H.

· São poemas curtos em prosa. Lembram epigramas, pois são curtos e geralmente irônicos. Uma ironia
estabelecida sobre o cotidiano. O poeta mergulha na vida prosaica, surpreendendo-lhe os aspectos risíveis,
insólitos ou até mesmo trágicos.

· Manuel Bandeira denominou "quintanares" a esses poemas curtos.

Cartaz para uma Feira do Livro

Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.

Indecência

Na verdade, a coisa mais pornográfica é a palavra 'pornografia'.

4. Jorge Lima (1893-1953)

Obras principais:A túnica inconsútil (1938); Poemas negros (1947); Invensão de Orfeu (1952)

· Sua carreira poética iniciou-se sob o signo parnasiano.

· Apresenta uma fase nordestina caracterizada pela registro poético da realidade existencial, cultural e
histórica da região. O popular aparece identificado com o mundo dos engenhos decadentes.

· Captação (com uma linguagem cheia de expressões populares) do saber, das crenças e dos aspectos
pitorescos desse universo rural nordestino.

· Valorização da religiosidade de substrato católico.

· Teve ainda uma fase de celebração da cultura negra, seus ritmos e costumes. Usou um linguajar afro-
brasileiro para conferir maior verdade antropológica e lingüística aos textos. Essa negra Fulô louva o
sensualismo das escravas e virou peça antológica:

Ora, se deu que chegou


(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha
chamada Fulô (...)
Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor
A negra tirou a roupa.
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô.)
5. Murilo Mendes (1901-1976)

Obras principais: Tempo e eternidade (com Jorge de Lima, 1935); As Metamorfoses (1944); Contemplação
de Ouro Preto (1954)

· Começa com uma poesia de inspiração modernista, em que predominava o humor.

· Depois, sua poesia assume uma dimensão religiosa, requintada e quase hermética.

· Apresenta uma linguagem próxima do surrealismo, definida por alucinações, uso de símbolos e alegorias e
acentuada abstração da vida cotidiana.

6. Vinícius de Moraes (1913-1980)

Obras principais: Novos poemas (1938); Cinco elegias (1943); Poemas, sonetos e baladas (1946)

A obra de Vinícius de Moraes divide-se em duas fases:

I - A primeira fase insere-se na linha de um neo-simbolismo, de conotações místicas, em que há um debate


entre as solicitações da alma e as do corpo.

II - A segunda fase, iniciada com Cinco elegias, assinala a explosão de uma poesia mais viril. "Nela - segundo
o próprio Vinícius - estão nitidamente marcados os movimentos de aproximação do mundo material, com a
difícil mas consciente repulsa ao idealismo dos primeiros anos."

Características principais:

· Sua tendência ao verbalismo é contida pelo uso freqüente do soneto.

· Seu grande tema é o amor. O amor em suas múltiplas manifestações: saudade, carência, desejo, paixão,
espanto. Registra uma nova concepção sentimental, mais concreta, mais livre de preconceitos, mais atenta às
mulheres. Em seus poemas, destrói noções como a da eternidade do amor - dogma do Brasil patriarcal – em
versos célebres como aquele "que seja eterno enquanto dure", extraído do Soneto da fidelidade.

· A partir dos anos de 1940 e 1950, o poeta se inclina por uma lírica comprometida com o cotidiano, buscando
inclusive os grandes dramas sociais do nosso tempo. (O operário em construção e Rosa de Hiroshima, cujos
versos iniciais transcrevemos, são os exemplos mais conhecidos):

Pensem nas crianças


Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas

Não esqueça: Além de poeta, Vinícius de Moraes trilhou com êxito a carreira de compositor de música
popular, tonrando-se o grande letrista da Bossa Nova, com clássicos como Garota de Ipanema e Chega de
saudade. A exemplo do soneto, a canção obrigou-o a restringir seus excessos verbais.

7. Carlos Drummond de Andrade (1902-1989)


Obras principais: Alguma poesia (1930); Brejo das almas (1934); Sentimento do mundo (1940); A rosa do
povo (1945); Claro enigma (1951); Fazendeiro do ar (1954); Lição de coisas (1962); Boitempo (1968); As
impurezas do branco (1974); O corpo (1984); Amar se aprende amando (1985)

Obras em prosa: Fala, amendoeira e Cadeira de balanço (crônicas); Contos de aprendiz

Características principais:

· A multiplicidade quase infinita de assuntos. A rigor, podemos dizer que a sua obra estrutura-se sobre sete
temas básicos: a poesia social; a de reflexão existencial (o eu e o mundo); a poesia sobre a própria poesia; a
do passado; a do amor; a do cotidiano; a da celebração dos amigos.

· A linguagem de impressionante invenção e capacidade sugestiva, herdeira tanto da tradição lírica ocidental
(o tom sublime e elevado) quanto das experiências radicais dos vanguardistas do século XX (a dicção
coloquial e prosaica). Uma linguagem capaz de explorar as infinitas faces das palavras, gerando uma
expressão de notável riqueza polissêmica e, portanto, de não menos notável possibilidade interpretativa.

· A presença do gauche, visível no Poema de sete faces, que abre o primeiro livro, Alguma poesia, e que
prosseguiria como um dos elementos mais inusitados da personalidade poética do escritor: "Quando nasci, um
anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida." O gauche (esquerdo, em
francês) é o anti-herói, o torto, o desajeitado, o errado, o sujeito em desacerto com o mundo, para quem as
coisas não dão certas.

· Um intenso "humour" – um dos elementos-chave para a compreensão de sua obra – que é o humor sutil,
quase sempre corrosivo, uma espécie de olhar enviesado sobre a realidade e que esconde, sob o seu manto,
uma complexa reflexão a respeito do sentido das coisas, conforme podemos observar em poemas célebres
como Quadrilha e No meio do caminho.

· O aspecto nuclear da obra de Drummond é o da reflexão existencial. Sua poesia exprime, como nenhuma
outra no país, a angústia da alma humana frente às correntezas convulsas do destino. A solidão, a
incomunicabilidade, a lógica misteriosa da existência, o fluir do tempo, a relação de perdas e ganhos na
trajetória do homem, a luta do ser contra a morte e a procura uma saída redentora para o indivíduo constituem
os principais motivos desta lírica filosófica. Um dos exemplos mais conhecidos é José:

E agora, José?
A festa acabou
a luz apagou
o povo sumiu
a noite esfriou
e agora José?
e agora, você?
você que é sem nome
que zomba dos outros,
você que faz versos
que ama, protesta?
e agora, José?

XI - O ROMANCE DE 1930

(A vitória do neo-realismo)
(Conjunto de narrativas, escritas entre os anos de 1930 e 1960, por um mesma geração, oriunda de famílias
oligárquicas decadentes, com uma visão de mundo crítica, um sentido missionário da literatura e padrões
cartísticos bastante próximos do realismo do século XIX).

Características

· Ênfase nas questões ideológicas e sociais. E não mais no projeto estético da geração de 1922

· Rejeição ao experimentalismo técnico e ao gosto pela paródia, substituídos por um realismo mais ou menos
trivial: retrato direto da realidade, busca da verossimilhança, linearidade narrativa, etc.

· Tipificação social explícita (indivíduos que representam as várias classes sociais)

· Construção de um mundo ficcional que deve dar a idéia de abrangência e totalidade.

· Tomada de consciência do subdesenvolvimento (atraso e miséria do país)

· Denúncia contínua da situação opressiva vivida por camponeses e operários

· Tentativa de comunicação com as massas através de uma linguagem coloquial

· Valorização da realidade rural que levou os críticos a designarem o período como regionalista.

Os mundos narrados

1) Romances de temática agrária

A) A ascensão e queda dos coronéis: Bangüê e Fogo morto, de José Lins do Rego; Terras do sem fim e São
Jorge dos Ilhéus, de Jorge Amado; e O tempo e o vento, de Erico Verissimo. Estes relatos oscilam entre a
saga (exaltação com traços épicos) e a crítica mais contundente, seja a ideológica (Jorge Amado), seja a
ética (Erico Verissimo). No caso específico de José Lins do Rego, predomina um tom nostálgico e
melancólico diante das ruínas dos engenhos.

B) Os dramas dos trabalhadores rurais: Seara vermelha, de Jorge Amado; e Vidas secas, de Graciliano
Ramos. Ambos correspondem a uma impugnação da realidade latifundiária nordestina.

C) O confronto entre o Brasil rural e o Brasil urbano, visível no choque entre Paulo Honório e Madalena em
São Bernardo, de Graciliano Ramos. A obra sintetiza o descompasso entre a mentalidade patriarcal-
latifundiária e a urbana modernizada. Também de Graciliano Ramos, Angústia revela a solidão e a
destruição de Luís da Silva,descendente da oligarquia, na teia complexa das relações citadinas.

Por outro lado, tanto em A bagaceira, de José Américo de Almeida, romance inaugural do ciclo de 1930,
quanto em O quinze, de Rachel de Queiroz, os personagens principais, Lúcio e Conceição – embora filhos
das velhas elites agrárias – foram modernizados pela escolarização na cidade. Por isso, acabam questionando
o horror da seca, da miséria e o atraso do latifúndio.

2) Romances de temática urbana

A urbanização ininterrupta do país levou os narradores a olhar para a nova realidade que se constituía, fosse
sob o prisma da denúncia (Jorge Amado, Amando Fontes), da adesão crítica (Erico Verissimo) ou de uma
tristeza impotente (Cyro dos Anjos). Os núcleos temáticos abordados foram:

A) As camadas populares, trabalhadores e marginais: Jubiabá, Capitães de Areia e Mar morto, de Jorge
Amado; Os Corumbas e Rua do Siriri, de Amando Fontes.
B) Os setores médios (pequena burguesia): A tragédia burguesa, de Otávio de Faria, Os ratos, de Dyonélio
Machado e toda a primeira fase de Erico Verissimo, o chamado ciclo de Clarissa.

Cronologia dos primeiros romances de 30

1928 - A bagaceira, de José Américo de Almeida

1930 - O quinze, de Rachel de Queiroz; O país do carnaval, de Jorge Amado

1932 - Menino de engenho, de José Lins do Rego; Cacau, de Jorge Amado; João Miguel, de Rachel de
Queiroz.

1933 – Doidinho, de José Lins do Rego; Caetés, de Graciliano Ramos; Clarissa, de Erico Verissimo; Os
Corumbas, de Amando Fontes

1934 - Bangüê, de José Lins do Rego; São Bernardo, de Graciliano Ramos; Suor, de Jorge Amado

1935 - Jubiabá, de Jorge Amado; Música ao longe, de Erico Verissimo; Os ratos, de Dyonélio Machado.

XIII - A Geração de 1945

Fortemente marcada pelo fim da Segunda Guerra, pela derrubada da ditadura de Getúlio Vargas e pelo clima
de euforia daí decorrentes no país, a geração de 45 colocou em segundo plano as preocupações políticas,
ideológicas e culturais dos artistas da década de 30 e privilegiou a questão estética. Assim, a aventura da
linguagem, a preocupação com a forma e com o rigor do texto tornam-se o objetivo básico desta geração, que
teve grandes expoentes tanto na poesia, quanto na prosa de ficção.

A) POESIA

1. JOÃO CABRAL DE MELO NETO (1920 - 1998)

Obras principais:

Pedra do sono (1942); O engenheiro (1945); Psicologia da composição (1947); O cão sem plumas (1950);
Morte e vida severina (1956); A educação pela pedra (1966); Museu de tudo (1975).

- Sua obra se articula como uma profunda reflexão sobre o fazer poético. A poesia é entendida como esforço
em busca da síntese, do despojamento total. Poesia é lenta e sofrida pesquisa de expressão: "Não a forma
encontrada / como uma concha perdida (...) / mas a forma atingida / como a ponta do novelo / que a atenção,
lenta, / desenrola (...)

- Os primeiros textos de João Cabral (Pedra do sono, O engenheiro, Psicologia da composição) iniciam a
aventura da expressão mínima e contida.

- Em O cão sem pluma a perfeição de sua linguagem encontra uma temática: o rio Capibaribe, com sua
sujeira, seus detritos e com a população miserável que lhe habita as margens, trágico espelho do
subdesenvolvimento: "Na paisagem do rio / difícil é saber / onde começa o rio; / onde a lama / começa no rio
/ onde a terra começa da lama; / onde o homem, / onde a pele / começa da lama; / onde começa o homem /
naquele homem."

MORTE E VIDA SEVERINA


A sua obra mais conhecida (por causa da montagem teatral) traz como subtítulo: Auto de Natal
pernambucano. Aqui a técnica despojada do autor realça ainda o aspecto dramático do assunto: a trajetória de
um sertanejo que abandona o agreste, rumo ao litoral, encontrando nesta migração apenas a morte. Severino
continua seu roteiro até chegar ao Recife. Lá percebe que a miséria continua e resolve se matar. Contudo, lhe
chega a notícia do nascimento de um menino, filho de José, mestre carpina. Severino vai visitá-lo e descobre
que aquela vida, mesmo franzina, é a prova da resistência de todos os "severinos" do Nordeste.

E não há melhor resposta


que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida (...)
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.

2. A POESIA CONCRETA

- A partir de 1952, Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos iniciaram a articulação da
chamada poesia concreta, em São Paulo, numa revista chamada Noigandres.

- Reação contra a lírica discursiva e freqüentemente retórica da geração de 45, a poesia concreta procura se
filiar às experiências mais ousadas das vanguardas dos século XX. Ela poderia ser sintetizada assim:

a) linguagem sintética, homóloga ao dinamismo da sociedade industrial;

b) valorização da palavra solta (som, forma visual, carga semântica) que se fragmenta e recompões na página;

c) o poema ganha o espaço gráfico como agente estrutural, em função de que deverá ser lido/visto:

d) utilização de recursos tipográficos, visuais, plásticos, etc.

ovo
novelo
novo no velho
o filho em folhos
na jaula dos joelhos
infante em fonte
feto feito
dentro do
centro

3. FERREIRA GULLAR

Obras principais: A luta corporal (1954); Dentro da noite veloz (1975); Poema sujo (1976)

- Iniciou sua obra sob os princípios da poesia concreta.

-Após romper com os concretistas, aproximou-se da realidade popular e do pensamento progressista da época,
todo ele ligado ao populismo. Sua poesia torna-se social e, às vezes, excessivamente politizada e prosaica.

- A publicação de Poema sujo, em 1976, representou a superação de seus impasses temáticos e formais.
Poema sujo é uma espécie de síntese de Ferreira Gullar. Nele se encontram expressas todas as suas
experiências vitais em São Luís, sua aprendizagem da vida, sua visão de mundo, suas angústias e esperanças,
numa poesia ao mesmo tempo instintiva e reflexiva. Uma poesia que incorpora as "impurezas" do mundo, ou
seja, uma poesia "suja" com os resíduos da realidade.

- Em Poema sujo, as idéias, as sensações as lembranças e a coragem do escritor tipificam-se. tornam-se a


imagem do intelectual brasileiro que encontra a sua identidade, em meio às primeiras crises da ditadura
militar.

B) PROSA DE FICÇÃO

A FICÇÃO DE TEMÁTICA RURAL

1) JOÃO GUIMARÃES ROSA

Obras principais:

Sagarana (contos, 1946); Corpo de baile (Manuelzão e Miguilim; No Urubuquaquá, do Pinhém; Noites do
sertão; novelas, 1956); Grande sertão: veredas (romance, 1956); Primeiras estórias (contos, 1962); Tutaméia
(contos, 1967); Estas estórias (contos, 1969).

Caraterísticas básicas:

- A primeira grande inovação do autor é da linguagem, cheia de arcaísmos, neologismos, onomatopéias,


inversões, novas construções sintáticas, etc., e que poderia ser resumida assim:

Linguajar sertanejo + Recriação estilística = Linguagem revolucionária

Observe o início de Grande sertão: veredas:

Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem, não, Deus, esteja. Alvejei mira em árvore, no
quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço; gosto, desde mal em minha mocidade. Daí,
vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser-se viu e com
máscara de cachorro.

- O mundo retratado em suas ficções é o do sertão mineiro, um mundo imobilizado no tempo, sem vínculos
com o litoral modernizado do país e cuja principal traço é a consciência mítica dos protagonistas. Esta
consciência mágica explica o mundo pelo sagrado e pelo fantástico. Assim, os fenômenos naturais indicam
sinais de potências misteriosas e inexplicáveis. À medida que a modernidade urbana /capitalista avança, o
mítico tende a ser dissolvido.

- A presença do demônio em Grande sertão: veredas faz com que a narrativa se insira na categoria do
realismo mágico.

- Alguns contos de Guimarães Rosa são célebres. Entre eles, figuram: A hora e a vez de Augusto Matraga e O
burrinho pedrês, de Sagarana; e A terceira margem do rio, de Primeiras estórias.

Grande sertão veredas


- A temática da "jagunçagem" e a prosa inovadora atingiriam o seu apogeu neste romanace, que se estrutura
no jogo dialético do presente e do passado. Assim:

Plano presente:

O ex-jagunço e, hoje fazendeiro, Riobaldo narra a história de sua vida para um "doutor" da cidade. O "doutor"
nada declara durante o discurso de Riobaldo, que assim se converte em monólogo. Ao lado das
reminiscências, Riobaldo formula uma série de interrogações sobre o sentido da existência, a luta do Bem x
Mal, a presença real ou fictícia do demônio, etc.

Plano passado:

Focaliza as experiências de Riobaldo como jagunço, quando realiza sua longa travessia pelo sertão mineiro.
Uma travessia exterior por um sertão objetivo, geográfica e historicamente falando. Numa espécie de
"banalidade do mal", os bandos armados se exterminam a serviço dos grandes latifundiários. Mas como o
"sertão está em toda a parte, o sertão está dentro da gente", essa travessia torna-se interior, levando Riobaldo
ao autoconhecimento. A percepção de si mesmo surge do contato com outros homens, em especial da dupla
polarizada Diadorim-Hermógenes. O primeiro, mulher camuflada de homem, deflagrará no narrador o
processo amoroso. O segundo – força demoníaca - representará o ódio, o sangue e a perfídia.

Não esqueça: A obra de João Guimarães Rosa – embora centrada no mundo sertanejo mineiro –ultrapassa
pela linguagem revolucionária e pela indagação a respeito da questões fundamentais do homem (amor,
sentido da vida e da morte, mito e razão, etc.) os parâmetros do regionalismo, permanecendo como uma obra
de valor universal.

2. JOÃO UBALDO RIBEIRO (1941)

Obras principais: Sargento Getúlio (1971); Viva o povo brasileiro

Sargento Getúlio

Considerado sua obra-prima, narra a história de Getúlio, um sargento da Polícia Militar de um destacamento
sediado em Aracaju, Sergipe. De família pobre, Getúlio trabalha como feirante e engraxate para sobreviver,
tornando-se depois soldado. Tendo assassinado a mulher, que o traíra com outro, busca a proteção de um
chefe político de Aracaju, ao qual passa a servir como "cabo eleitoral". A mando dele executa "vinte
trabalhos" (mortes). Mesmo pretendendo aposentar-se, aceita nova missão, a de prender, no interior, um
adversário político do chefe. Cumprida a tarefa, Getúlio começa a viagem de retorno a Aracaju, momento em
que se inicia a narração em primeira pessoa, que termina com a morte do protagonista.

A FICÇÃO URBANA

1. CLARICE LISPECTOR (1926-1977)

Obras principais:

Perto do coração selvagem (1943); O lustre (1946); Laços de família (contos, 1960); A legião estrangeira
(contos, 1964); A paixão segundo G. H. (romance, 1964); A hora da estrela (romance, 1977).

Características básicas:

- É a intérprete mais sofisticada da chamada ficção introspectiva.


- Essa literatura intimista coloca, tanto de maneira metafórica quanto realista, as ondulações psicológicas e
estados interiores das personagens.

- No plano da estrutura narrativa, Clarice vale-se do fluxo de consciência e do monólogo interior.

- Sua linguagem é excepcionalmente densa e inovadora.

A hora da estrela

Relativa exceção a esta prosa introspectiva é a novela A hora da estrela, onde um narrador (Rodrigo)
acompanha a medíocre vida de uma jovem nordestina (Macabéia) que vegeta em São Paulo. Feia, ignorante,
humilhada pelas colegas, pelo namorado, pela existência, ela terá o seu momento glorioso, a sua "hora de
estrela", conforme lhe profetiza uma cartomante, quando no fim do relato é atropelada e morta por um
automóvel.

2. LYGIA FAGUNDES TELLES (1923)

Obras principais: PCiranda de pedra (1955); Verão no aquário (1963); Antes do baile verde (contos,1970);
As meninas (romance,1973); Seminário dos ratos (1977); As horas nuas (1989).

- Descendente da linha aberta por Clarice Lispector, mantém o interesse pelo movimento psicológico das
personagens. Contudo, em sua obra o mundo exterior configura-se com maior objetividade.

- Além disso, suas narrativas publicadas a partir da década de 1970, têm apresentado uma saudável abertura
para uma temática social e política, conforme podemos observar especialmente em As meninas.

3. ANTONIO CALLADO (1917-199)

Obras principais: Quarup (1967), Reflexos do Baile (1975)

Quarup

- Através da trajetória de um padre, Nando, que perde a vocação religiosa, adquirindo em troca uma profunda
consciência do atraso nacional, o autor nos mostra os fundamentos da sociedade brasileira dos anos de 1950 e
1960.

- Ainda que a saída ideológica de Nando pela luta guerrilheira seja equivocada, o romance apresenta capítulos
extraordinários, destacando-se a expedição que vai ao Xingu, demarcar o ponto central do país. O contato
com os índios e as conseqüentes doenças que esses contraem são inesquecíveis e por si só legitimariam
Quarup.

4. DALTON TREVISAN (1925)

Obras principais: Novelas nada exemplares (1965); A guerra conjugal (1969); Cemitério de elefantes
(1970); Os desastres do amor (1968); O vampiro de Curitiba (1970); Faca no coração (1972); A polaquinha
(novela, 1992).

- Sua obra é basicamente composta por contos.

- Coloca Curitiba como o cenário simultaneamente mágico e vulgar de seus relatos.

- Seus personagens vivem em torno dos desastres do amor. Uma sucessão de desejos alucinados, taras,
compulsões, traições cruéis, crimes do coração, paixões proibidas e infelizes compõem o seu mundo ficcional.
- Um personagem símbolo desse mundo de paixões terríveis e solidão não menos assustadora é Nelsinho,
rapaz que vaga pela cidade em busca de sexo e afeto. Ele é o célebre vampiro de Curitiba:

Ai, me dá vontade até de morrer. Veja só a boquinha dela como está pedindo beijo – beijo de virgem é
mordida de taturana. Você grita vinte e quatro horas e desmaia feliz. É das que molham os lábios com a
ponta da língua para ficar mais excitante (...). Se eu fosse me chegando perto, como quem não quer nada –
ah, querida é apenas uma folha seca ao vento – e me encostasse bem devagar na safadinha...

5. RUBEM FONSECA (1925)

Obras principais: Os prisioneiros (contos - 1963); A coleira do cão (contos - 1965); Lúcia McCartney
(contos - 1970); Feliz ano novo (contos -1975); O cobrador (contos -1980); A grande arte (romance - 1983);
Buffo e Spalanzanni (romace -1985); Vastas emoções e pensamentos imperfeitos (romance -1988); Agosto
(romance- 1990), Buraco na parede (contos –1993), Do meio do mundo prostituto, só amores guardei ao meu
charuto (novela - 1997)

- Sua carreira iniciou-se pelo conto, gênero onde atinge o seu apogeu.

- Normalmente, suas histórias (em especial, os romances) são apresentadas sob a estrutura da narrativa
policial. Há um crime ou um mistério a ser desvendado e vários dos personagenm principais ou são da polícia
ou detetives particulares ou advogados criminalistas.

- Um dos temas dominantes de seus contos e romances é a violência que percorre as ruas brasileiras, numa
espécie de guerra civil não declarada.

- O outro alvo de sua literatura é a solidão dos indivíduos nas grandes metrópoles. Quase todos os
protagonistas são opressos pela sensação de isolamento. O contato amoroso com outros seres parece dar-se
apenas no campo sexual.

- O que confere maior verossimilhança ainda a seus relatos são a técnica e a linguagem. O escritor sente-se à
vontade nos textos em primeira pessoa, o narrador sendo ao mesmo tempo o protagonista. Mas para cada tipo
social existe uma linguagem distinta. O assaltante tem seu código, o seu estilo, e assim o industrial, numa
multiplicidade lingüística verdadeiramente assombrosa.

A CRÔNICA

- Gênero literário marcado por certa efemeridade, na medida em que registra a vida diária, os acontecimentos
que são marcantes no dia-a-dia.

- Fernando Sabino definiu-a como a "busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um".

- Apresenta um caráter jornalístico, desenvolvendo-se já no século XIX, com José de Alencar e Machado de
Assis, sob o nome de folhetim (o mesmo do romance romântico em capítulos).

- Nas décadas de 1950 e 1960, a crônica atingiu sua culminância. Estes pequenos comentários a respeito das
coisas banais ora assumem uma tendência mais terna e lírica, aproximando-se da poesia; ora centralizam-se
na crítica humorística dos acontecimentos e dos costumes.

A) Crônica lírica

1) RUBEM BRAGA (1913-1990)

Obras principais: O conde e o passarinho(1936); Um pé de milho (1948); O homem rouco (1949); A


borboleta amarela (1956); A cidade e a roça(1957); Ai de ti, Copacabana(1960).
- Registro da poesia oculta nos momentos mais triviais da vida diária

- Evocação de amores perdidos e do tempo que flui

- Celebração da beleza geográfica, humana e artística do Rio de Janeiro, ainda que com certa dimensão
melancólica.

B) Crônica de Humor

Tradicional dentro do jornalismo brasileiro, a crônica de humor sempre teve larga aceitação. Poderia ser
dividida (um pouco arbitrariamente) em crônica de humor leve - visando sobremodo o riso - e a crônica
satírica, na qual o deboche atinge instituições ou figuras públicas. No primeiro grupo poderíamos destacar o
nome de Fernando Sabino. No segundo, Lima Barreto foi um precursor genial e sarcástico, fulminando as
elites intelectuais e burocráticas do Rio, na República Velha, através dos ferinos comentários de
Bruzundangas (o Brasil).

1. Fernando Sabino (1923)

Obras principais: O homem nu (1960); A mulher do vizinho (1975).

- O humor jovial e divertido é a marca do cronista. Muitas de suas crônicas são pequenas histórias de final
surpreendente, os que as aproxima do conto.

Não esqueça: Fernando Sabino tornou-se o romancista de toda uma geração ao escrever O encontro marcado
(1956). Acompanhando a crise existencial, sexual e ideológica de três jovens em Belo Horizonte do pós-
guerra, construiu um quadro simultaneamente inocente e dramático das esperanças, frustrações e vida
cotidiana dos jovens de classe média.

2. Luís Fernando Verissimo (1936)

Obras principais: O popular; Ed Mort; O analista de Bagé; O gigolô das palavras (1986); Comédias da vida
privada; Comédias para se ler na escola (2001)

- Criador de tipos risíveis que entram no anedotário brasileiro: o analista de Bagé, o fracassado detetive Ed
Mort e a Velhinha de Taubaté.

- A consolidação do sucesso de público veio com a publicação das Comédias da vida privada. São crônicas de
humor retratando as contradições amorosas, sexuais, espirituais, geracionais e econômicas das classes médias
urbanas, com seus pequenos dramas existenciais que se prestam mais ao humor do que à tragédia humana.

XV O Teatro Contemporâneo

1) Nelson Rodrigues (1912-1981)

Principais peças:

O crítico Sábato Magaldi estabeleceu uma divisão temática das peças:

Peças psicológicas (Vestido de noiva - Viúva, porém honesta, etc.)

Peças míticas (Álbum de família - Senhora dos afogados)


Tragédias cariocas (A falecida - Beijo no asfalto - Os sete gatinhos - Boca de ouro - Toda a nudez será
castigada, etc.)

- Segundo Magaldi: "As peças psicológicas abordam elementos míticos e da tragédia carioca. As peças
míticas não esquecem o psicológico e nelas aflora a tragédia carioca. Já a tragédia carioca assimilou o
mundo psicológico e mítico da obra rodrigueana."

Vestido de noiva

- Em 1943, a encenação de Vestido de noiva renovou por completo as bases formais e ideológicas do teatro
brasileiro.

- Nesta obra, a linguagem de Nelson Rodrigues revelava uma dimensão coloquial sem precedentes. - O
aspecto renovador reside conjuntamente no fato do autor tornar-se o cronista dos traumas morais e sexuais da
família tradicional. Seus personagens mantém uma conduta de aparente normalidade, mas, nos desvãos da
sociedade, cometem uma série de crimes, quase todos vinculados ao comportamento sexual.

A história se passa em três níveis:

a) (realidade) Atropelada, uma jovem senhora, Alaíde, é operada num hospital.

b) (alucinação) A moribunda divaga, encontrando, em seu delírio, Madame Clessi, famosa prostituta do
início do século, assassinada pelo amante adolescente, e de quem Alaíde, no plano real, tinha um diário de
confidências. Nesta atração, condensam-se todos os desejos reprimidos de Alaíde, entediada de seu marido,
Pedro.

c) (memória) Revela-se, pouco a pouco, que Alaíde roubara Pedro de sua própria irmã, Lúcia. A consciência
culpada leva-a imaginar cenas de traição entre Pedro e Lúcia. No final, Alaíde morre e Lúcia, após período de
hesitação, resolve casar-se com Pedro.

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