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2020
a casa holandesa
ann patchett
Boa leitura!
sinopse depoimento
06 ANN PATCHETT
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UMA XÍCARA
DE AÇÚCAR
perfil crônica
Martha Ribas
Editora por mais de vinte
anos, fundou a
Casa da Palavra e dirigiu a
AS PARTES Leya no Brasil, hoje sócia
DE UM TODO da Janela Livraria
@janela_livraria
Julia Wähmann
cultura Autora de Cravos e Manual
da demissão, tem textos
publicados em O Globo e na
Granta em Língua Portuguesa
@aspiscinas
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Vivian Villanova
Desde 2015 lidera o projeto
“Vivieuvi”, que distribui
conteúdo em vídeo sobre
arte e cultura gratuitamente
nas redes sociais
QUEM INVENTOU @vivillanova
Felipe Freitas
Ilustrador e designer
@nippx
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/ sinopse
A CASA HOLANDESA
A
pós a Segunda Guerra Mundial, graças a uma conjugação de sorte
e senso de oportunidade, Cyril Conroy entra no ramo imobiliário,
criando um negócio que logo se torna um império e leva sua família
da pobreza para uma vida de opulência. Uma de suas primeiras aquisições
é a Casa Holandesa, uma extravagante propriedade no subúrbio da Fila-
délfia. Mas o que ele imaginou que seria uma surpresa incrível para a esposa
acaba por desencadear o esfacelamento da família.
Quem nos conta essa história é o filho de Cyril, Danny, quando ele e a
irmã mais velha — a autoconfiante Maeve — já não moram mais na casa em
que cresceram, onde cada centímetro um dia ocupado por eles, pela mãe e
pelo pai agora pertence à madrasta e suas duas filhas. Danny e Maeve apren-
deram muito cedo que eram a única certeza na vida um do outro. Eles e a Casa
Holandesa.
A construção — erguida na década de 1920 pelos VanHoebeeks, um casal
que fez fortuna comercializando tabaco e cujos retratos em tamanho real ainda
estão acima da lareira, na sala de estar — exerce certa aura mágica sobre todos
os habitantes da trama, não apenas Maeve e Danny. Foi um troféu para o pai de-
les, um fardo para a mãe, uma ambição concretizada para a madrasta. Apesar de
suas conquistas ao longo da vida, Danny e Maeve só se sentem verdadeiramente
confortáveis quando estão juntos e repetidas vezes voltam àquele endereço, obser-
vadores externos da própria vida.
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/ perfil
ANN PATCHETT
De escritora
premiada a livreira
independente
A
utora de oito romances e três obras padroeiro dos mentirosos) e se consa-
de não ficção, premiada com o grou em 2001, com Bel Canto, romance
mance
PEN/Faulkner e o Orange Prize, laureado com alguns dos mais importan-
ortan-
traduzida para mais de trinta idiomas e tes prêmios do ano e publicado no Brasil
eleita pela revista Time uma das 100 Pes- pela Intrínseca. A voz incontestavelmen-
elmen-
soas Mais Influentes te empática dass nar-
do Mundo, a ameri- rativas da escritora
ritora
cana Ann Patchett é, é uma marca queue a
em todos os outros Dizem que
Di diferencia de suas
uas
aspectos, uma pessoa contemporâneass
comum. Ela mora não sei criar — “Dizem que
com o marido em
vilões não sei criar
Nashville, Tennessee, vilões”, ela
no bairro onde cres- já afirmou em
ceu e toca com a sócia mais de uma entre-
uma aconchegante e bem-sucedida livra- vista. Do desafio de vencer essa barreira
arreira
ria independente, a Parnassus Books. surgiu Andrea, a madrasta que toma a para
Se a carreira de escritor começa com si tudo o que um dia pertenceu aos entea-
a publicação do primeiro livro, a de Ann dos em A Casa Holandesa.
iniciou-se em 1992, com o lançamento Ann Patchett, que nasceu na Califór-
alifór-
de The Patron Saint of Liars (o santo nia e mudou-se para o Tennesseee após
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/ depoimento
ABRA A
JANELA! Uma livraria
aberta e afetiva
pode transformar
a relação das
pessoas através
dos livros
MARTHA RIBAS
A
Janela nasceu de um sonho e de um lugar para falar das histórias que tan-
um desejo. Quando Leticia Bosi- to amamos. Um lugar para o brinde e o
sio me convidou para ser sua sócia abraço.
numa livraria, eu recusei e aceitei. Durante 22 anos trabalhei no mercado
Recusei pensando na luta e no esforço editorial, fui editora e empreendedora, e
que é abrir um ne- pensei em mudar.
gócio no Rio de Ja- Deixar de ser filtro
neiro, pensando nas e passar a ser pon-
planilhas, pensando Escrevo hoje
Es te. Tantos livros
nos gigantes on-li-
depois de uma são publicados,
ne, pensando nas tantas novidades...
pesquisas de mer- semana de Em vez de conti-
cado que apontam nuar abarrotando
ano a ano a queda portas abertas. as. as prateleiras, por
no número de leito- que não ajudar a
res e de exemplares esvaziá-las? Preci-
vendidos. samos de gente para encantar os leitores!
Aceitei pensando na alegria que é ter Tive algumas experiências de venda
um espaço pequeno e acolhedor, com li- direta ao público, nas Primaveras dos
vros, gente boa, café e bolo, vinho e em- Livros e nas Bienais, e sempre conside-
panada, um lugar de pausa e encontro, rei esses momentos um dos melhores
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depoimento /
“A Janela nasceu de um
sonho e de um desejo.”
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do trabalho. A troca com o leitor, a
possibilidade de ouvir e aprender,
conhecer.
E acredito que tem lugar para o
algoritmo e para o acaso. Essa pala-
vrinha que permite a gente se deixar
levar pela sorte. A correria está in-
sana, a agenda lotada, o ritmo alu-
cinante. A produtividade é a palavra
da vez, seguir planejamentos, focar
no sucesso, no acerto, no retorno.
Mas a vida é mais do que isso, pode
e deve ser mais do que isso. Então
o sonho venceu, Leticia me conven-
ceu e a jornada de montar a livraria
começou em outubro de 2019. Em
março, abrimos as portas. Pensei em
como uma livraria muda um bairro,
abre uma janela para o mundo.
Foram meses de muito traba-
lho e aprendizado. Pensamos em
cada detalhe. Até curso de barista
fizemos. Fomos a São Paulo visi-
Na foto acima,
Martha Ribas
arrumando os
livros nas estantes
da Janela.
Na foto ao lado,
Martha e a sócia,
Leticia Bosisio,
durante a obra.
Na página
seguinte, espaço
para cursos,
encontros e livros
infantis.
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tar editoras, cafés e livrarias, vimos um E cada exemplar vendido, cada elogio
renascimento de pequenas livrarias in- ao café, cada agradecimento pela exis-
dependentes, o que nos deu muita força: tência da Janela faz o coração bater mais
Mandarina, Livraria da Tarde, Livraria forte, faz os olhos brilharem, faz a gente
do Comendador, Livraria da Travessa, acreditar que é possível.
Mega Fauna, Livraria Simples, Casa Pla- O tempo escorre entre os dedos, mas
na, Banca Tatuí, Banca Curva... temos que cuidar de nós, dos outros, do
Escrevo hoje depois de uma semana de planeta. Compramos e vendemos pro-
portas abertas. Uma luta imensa, adminis- dutos locais, não usamos plástico, esti-
trar o café em conjunto com a livraria foi mulamos o consumo consciente. Acre-
uma aposta ousada. Montamos um car- ditamos na soma e não no contraponto,
dápio leve e simpático, mas tudo dá mui- que há lugar para a praticidade e para a
to trabalho. Eu brinquei que é mais fácil experiência individual e coletiva. E todas
editar um livro de mil páginas do que fazer as formas de amor valem a pena. O re-
um café chegar quente à mesa junto com nascimento das livrarias independentes,
o pão de queijo! O sistema não existia, foi a gigante multinacional, os clubes do li-
complicado. O povo bebendo uma taça de vro. Todos juntos e separados, tudo isso
vinho e lendo Jojo Moyes, levando livros e mais um pouco, tudo para você curtir a
para mesa sem receio, pagando tudo junto vida, relaxar e mergulhar neste universo
— não faz ideia da saga, mas acha graça e extraordinário que encontramos nas pá-
começa a entender que a gente vende aqui ginas de um livro.
muito mais do que livros. Vende outra
possibilidade de viver a vida.
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/ crônica
UMA XÍCARA
DE AÇÚCAR
JULIA WÄHMANN
C
enas domésticas: um macaco-pre- dezembro aparece o sujeito que se veste
go na bancada da cozinha comendo de Papai Noel e encarna o personagem a
fruta-do-conde e jogando os ca- ponto de comparar os preços locais àque-
roços no chão. A reação mais óbvia vem les praticados no Polo Norte. O Papai
como conselho: “Você devia colocar telas Noel da padaria é autônomo, não tem re-
nas janelas.” E, embora os bichos vez ou lação com estabelecimentos comerciais, é
outra façam sujeiras com as quais eu não motivado exclusivamente pelo desejo e,
gostaria de lidar, ainda não estou conven- assim como os demais de sua espécie, de-
cida disso. Nem quando eles arruínam saparece durante o restante do ano.
os meus planos para o café da manhã. Inicialmente achei que Papai Noel e a
Do meu prédio até a padaria da esquina vizinha que varre a rua compartilhavam
são sete minutos, segundo o aplicativo de desse sentimento do desejo. Com o tem-
mapas. Mas ele não leva em consideração po, porém, percebi que a vizinha que var-
macacos, borboletas ou vizinhos. re tem toda pinta de sofrer de algum tipo
A padaria, cá entre nós, fabrica um de transtorno obsessivo. Territorialista,
pão terrível, e tudo lá é mais ou menos ela varre sempre o mesmo trecho da rua,
péssimo, a depender da fome do dia. Mas ali bem na curva. O figurino é invariável:
tem Artênio, o poeta árcade que, entre vestido de malha azul desbotado e boti-
um atendimento e outro, compartilha nhas marrons daquelas indicadas para
seus versos bucólicos com quem se ar- trilhas e caminhadas. Tente estacionar o
risca com os sonhos de balcão. Quando é carro no perímetro da vizinha que varre
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crônica /
e ela vai pedir para que dê uma voltinha vência. O aplicativo de mapas diz que a
até ter terminado a tarefa. No dia seguin- cachoeira mais próxima fica a quinze mi-
te, e pelos próximos, qual um funcionário nutos a pé. Mas ele não leva em conside-
exemplar — ou um robô —, a vizinha que ração a banca de doces no ponto final do
varre varrerá, alheia aos cumprimentos ônibus, as oferendas a Oxum, o cachorro
de bom-dia, boa-tarde, boa-noite. abandonado e amarrado ao poste que
A aptidão social da vizinha que varre acabo convencendo uma vizinha a adotar.
é o avesso da disponibilidade do sujeito Dilermando — era esse o nome do
que faz ioga ao ar livre durante o inverno. cachorro de uma das minhas escritoras
Exibido em posturas e em seu calção ver- preferidas. Convenci a vizinha de que cai-
melho, o iogue simpático dispara sorrisos ria bem no vira-lata simpático que virou
e até mesmo interrompe a prática para uma espécie de cachorro compartilhado.
acenar ou seguir o sol até a última nes- Fiquei responsável pelos passeios mati-
ga, o que o leva a fazer seus pranayamas nais, eventos em que posso ser vista es-
tanto na calçada quanto no meio da rua, baforida, usando tênis de corrida, sendo
em comunhão com o asfalto, a depender levada por Dilermando por caminhos que
do alcance dos raios. Em comum com o os aplicativos de mapas desconhecem.
Papai Noel, mas em um calendário al- Talvez alguém me julgue digna de um dia
ternado, ele é pouco visto no restante do figurar em uma eventual crônica sobre o
ano. Nos períodos mais quentes do verão, bairro. E também o vizinho que planta
quando as piscinas infláveis dominam tomates e os distribui quando a colhei-
o cenário, o iogue deve recorrer a locais ta é boa. Ou a moça que pragueja contra
mais bem refrigerados para saudar o sol. quem come os frutos da pitangueira dire-
“Você devia escrever sobre todos esses to do pé, sem higienizá-los. Mas é difícil
personagens”, me dizem as mesmas pes- manter a concentração com tanta coisa
soas entusiastas das telas contra macacos, acontecendo lá fora. Aqui na esquina de
sem notarem a contradição que é querer casa até que o mundo é legal.
algumas histórias ao mesmo tempo que
montam proteções contra outras. Até
penso nisso, confesso. Mas pela janela,
além dos bichos, também entra a algazar-
ra das crianças e das amigas que colocam
suas cadeiras de plástico na calçada para
papear nos dias em que a sensação térmi-
ca atinge níveis insuportáveis. De biquíni
ou maiô, as mais velhas se banham com
a mangueira enquanto as crianças fazem
das piscinas infláveis a chave da sobrevi-
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/ cultura
AS PARTES
DE UM TODO
Noah Saterstrom
e o quadro da
Casa Holandesa
VIVIAN VILLANOVA
T
enho uma amiga que compra livros pela capa. Ela lê poucos ou quase nenhum
dos títulos que coleciona, o que encanta sua alma é mesmo a escolha das cores,
as figuras, as formas, a fonte, o alinhamento do texto e a dança de elementos
que antecipam as emoções de uma história. Para ela, ir à livraria é como passear por
um museu. E foi nessa amiga que pensei de imediato quando fui convidada a escrever
sobre a obra que ilustra a capa da primeira edição de A Casa Holandesa, publicada nos
Estados Unidos.
Uma menina de cabelos escuros, amarrados atrás das orelhas, encara o leitor. Ela
tem os olhos azuis, o nariz delicado, a boca vermelha como o vestido, preso na cintura
por um laço preto. Suas mãos repousam uma sobre a outra à frente do corpo e o tronco
está levemente torcido em uma posição que lembra a tradição de retratos da história da
arte. O fundo da pintura é decorado por um papel de parede com andorinhas azuis que
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cultura /
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M
voam entre flores cor-de-rosa. Do lado Os lóbulos quase se misturam com o fun-
direito, um vaso com flores cor de laran- do. No cabelo, camadas finas de tinta pre-
ja. A moldura é azul e de linhas retas do ta foram absorvidas pela tela e o pescoço
lado de fora, dourada e com entalhes exibe um detalhe laranja que eu não havia
do lado de dentro. percebido ao observar a pintura inteira,
O retrato que acabei de descrever foi algo que poderia ser um lenço ou um pe-
pintado por Noah Saterstrom especial- daço de camisa.
mente para a capa do livro. A menina é A segunda postagem, de 27 de setem-
Maeve, uma das protagonistas da histó- bro, mostra a pintura das mãos de Maeve
ria que, junto ao irmão, Danny, vivencia ao lado da foto das mãos de uma criança
o abandono da mãe, a morte do pai e os real. Saterstrom conta que, quando esta-
percalços da convivência com uma ma- va terminando a pintura, Julia, sua espo-
drasta terrível. A pintura é mencionada sa, disse que as mãos estavam esquisitas
em duas passagens do romance e estaria e que ele deveria se basear nas de Vivian,
pendurada na casa que dá título ao livro. a filha deles. Saterstrom então levou a fi-
Para a produção do retrato, Ann Patchett lha ao estúdio e reproduziu suas mãos re-
enviou a Noah Saterstrom as páginas com pousadas uma sobre a outra, exatamente
a descrição da tela, e o artista lhe entre- como vemos na pintura de Maeve.
gou o quadro pronto em quatro dias. Maeve é uma criação trazida à vida
Como não conhecia o trabalho de através das palavras de Ann Patchett, das
Saterstrom, procurei seu perfil no Ins- cores dos pincéis de Saterstrom e cujas
tagram (@noahsats) para ver o estilo do mãos vêm do corpo de Vivian. Maeve é
traço e a escolha de cores em suas ou- o retrato de uma pessoa que é tantas ou-
tras produções. Entre esboços e retratos tras e isso é o que sempre me encantou
de pintores famosos como Pablo Picasso nesse gênero de pintura. Afinal, quantas
e Helen Frankenthaler, me deparei com vidas se misturam em um retrato entre
Maeve viajando pelo mundo, em um pro- as nuances do retratado e as mãos do ar-
grama de TV, admirando um lago, intera- tista? Maeve poderia estar pendurada em
gindo com Tom Hanks. Mas duas posta- uma galeria, mas está exposta em livra-
gens me chamaram atenção e gostaria de rias por todo o mundo. Minha amiga co-
dividi-las aqui. lecionadora de capas de livros ficará feliz
Em uma postagem de 22 de março quando se deparar com ela.
vemos o rosto de Maeve em detalhes.
As pinceladas de Saterstrom são nítidas.
Movimentos circulares partem do lábio
superior em direção aos olhos. Uma ca-
mada espessa de tinta branca ilumina a
testa. As sobrancelhas são curtas e altas.
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/ ensaio
E
ra uma vez um menino que perdeu Essa narrativa se chama “O pé de zimbro”
a mãe logo quando nasceu e mora- e faz parte dos Contos maravilhosos in-
va em uma casa com o pai e a nova fantis e domésticos, dos irmãos alemães
esposa dele. Acontece que a mulher era Jacob e Wilhelm Grimm, o mesmo livro
muito malvada, muito desalmada, e odiou de onde saíram contos de fadas um pou-
a criança desde o primeiro momento em co menos macabros, como “Cinderela” e
que a viu. Um belo dia, a madrasta acor- “Branca de Neve” — que, aliás, também
dou com vontade de comer maçã e pediu têm madrastas más.
ao enteado que buscasse uma no baú da Ao longo do século XX, os psicana-
cozinha. Bastou o menino se debruçar listas foram os primeiros a analisar a
para pegar a fruta que — pá! — a madras- existência dessas figuras malévolas nas
ta fechou a tampa do baú no pescoço dele histórias. Para eles, as madrastas repre-
e o decapitou. Sem hesitar, a mulher re- sentavam, metaforicamente, os defeitos
solveu fazer ensopado com o corpinho do das próprias mães e seriam uma maneira
menino: cozinhou-o lentamente em um aceitável de a criança odiar a pessoa que
caldeirão e serviu para o marido no jan- deveria amar acima de tudo. Mas essa
tar. “Quero mais, quero comer tudo isso não é a única interpretação possível.
sozinho”, disse o pai, deliciando-se sob o Nos últimos anos, historiadores re-
olhar dissimulado da esposa. solveram se debruçar sobre os contos
Madrastas más são presença frequen- infantis e as narrativas folclóricas em
te nas histórias que lemos desde criança. busca de indícios sobre o modo de vi-
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A revista intrínsecos é uma publicação exclusiva do clube
de assinatura da editora Intrínseca e chega aos leitores mensalmente
acompanhando o livro distribuído pelo clube.
PROJETO EDITORIAL
Intrínseca
DIREÇÃO DE ARTE
Aline Ribeiro | linesribeiro.com
DIAGRAMAÇÃO
Julio Moreira | Equatorium Design
IMAGENS
Foto da autora © Heidi Ross; fotos pág. 11, Mônica Ramalho;
pintura pág. 22 © Noah Saterstrom; págs. 25-27 © United Archives GmbH/Alamy Stock;
demais imagens: arquivos Shutterstock.
As aspas citadas no perfil da autora foram extraídas de entrevistas aos jornais Guardian e
The New York Times.
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