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SELECIONADOS
MIDU GORINI
Volume 5 – Contos 62 a 80
midugorinibook 2010 © primeira edição
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V
MIDU GORINI
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080 Contos Selecionados
Epígrafe Indispensável
Friedrich Nietzsche.
Preâmbulo
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080 Contos Selecionados
Índice
Ж 08 – A noite de núpcias.
Ж 14 – O garoto de programa.
Ж 18 – O ladrão de sexo.
Ж 22 – Lágrimas de sangue.
Ж 27 – A exibicionista.
Ж 31 – Perdido na solidão da noite
Ж 37 – A garota de programa.
Ж 43 – O espírito do mal.
Ж 50 – Mulher casada procura.
Ж 55 – O acordo.
Ж 59 – O desejo.
Ж 62 – Um estranho casal.
Ж 69 − A fantasia sexual.
Ж 78 – Vício maldito.
Ж 82 – Homofobia.
Ж 87 – O Hacker.
Ж 92 – Terror! O vôo do horror.
Ж 95 – A colheita.
Ж 96 – A tempestade.
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Conto 62
A noite de núpcias
O garoto de programa
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Conto 64
O ladrão de sexo
EUZEBÍOZINHO nasceu em berço de mer-
da, pai desconhecido, mãe alcoólatra e para
piorar as coisas na mais completa miséria.
Nasceu negro em terra de brancos, cres-
ceu abandonado pelas ruas praianas da peque-
na cidade paradisíaca, famosa por sua requin-
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tada praia de nudismo, depois de apanhar mui-
to do padrasto e ser expulso de casa pela mãe,
que não tolerava mais vê-lo apanhar tanto do
seu amado e fiel companheiro.
Na rua, Euzebíozinho foi discriminado
desde cedo, a elite local não se incomodava
com sua presença nas ruas cuidando dos luxu-
osos carros de veraneio, diziam aos turistas
“pode confiar nele, esse menino é bonzinho, é
negro, mas tem ações brancas”.
Frases como esta entre outras doía fundo
nos ouvidos e no peito de Euzebíozinho, apeli-
do que ele recebeu na escola e odiava assim
como ele começou a odiar os brancos que o vi-
lipendiavam.
Mas nestas ocasiões em que se sentia dis-
criminado, Euzebíozinho repetia em voz baixa
e embargada a única coisa que aprendeu na sa-
la de aula, antes de abandoná-la para sempre,
alguns versos de Cruz e Souza: “Ninguém sen-
tiu o teu espasmo obscuro, Ó ser humilde entre
os humildes seres. Embriagado tonto dos pra-
zeres, O mundo para ti foi negro e duro”.
Embora não entendesse o que o poeta
quis dizer com “embriagado tonto dos praze-
res...”, repetir esses versos lhe fazia bem, a-
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calmava-lhe o espírito revoltado e o coração
apaixonado pela namorada Bernadete, jovem
empregada domestica na casa do prefeito, com
futuro promissor desde que prestasse alguns
favores sexuais ao patrão.
Fato que partiu o coração de Euzebíozi-
nho, “quanta vida vivida até chegar aos beijos
teus, Bernadete, e agora isso”, murmurou com
voz embasbacada, sentindo na alma o antigo e
cruel castigo do gato sobre o rato, no peito a
sobrevida que agoniza perdida, na sua cabeça
vingança era a palavra de ordem. Lágrimas so-
noras serpentearam-lhe o rosto como um rio
amargo, estava decidido para Bernadete o des-
prezo, pois não se mata quem se ama, para o
prefeito a cobrança da honra em forma de dor
e sofrimento eternos, levados sem dó nem pie-
dade às ultimas conseqüências.
A tocaia foi feita, quando o prefeito abriu
a porta de sua camionete, Euzebíozinho encos-
tou uma faca na garganta do vil político, e dis-
se com imensa calma na voz: “Branco eu sou
Negro com ações brancas, isto é um assalto
sexual”. Em local ermo o prefeito é seviciado
por horas a fio, violentamente espancado e a-
busado sexualmente foi encontrado clamando
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por socorro, por pescadores no dia seguinte.
No hospital imediatamente após o prefeito de-
talhar o fato ocorrido, a intensa caçada ao cri-
minoso começou. Sensibilizado o governador
pediu ao ministro da justiça a Polícia Federal
no caso, enquanto isso a primeira dama fazia o
maior escarcéu, demitiu Bernadete colocando-
a abaixo de zero nos jornais, com estardalhaço
nas rádios locais noticiou a ação de divorcio
com uma salgada pensão mensal.
Tudo jogo de cena da esposa do prefeito,
todos sabiam, foi ela quem descobriu a traição
do marido e colocou Euzebíozinho a par da si-
tuação. As más línguas diziam até que ela deu
algum dinheiro para ele fazer o que fez fato es-
te não comprovado nas investigações.
Os correligionários do prefeito pediam a
justiça de Deus e exigia a justiça dos homens,
inclusive a dos apenados, aludindo ao fato de
que, uma vez no presídio, Euzebíozinho seria
transformado em “mulherzinha” pelos demais
presidiários, pedido em vão, pois os presos fi-
zeram um pacto de não agressão.
A oposição se deliciava com tudo isso fa-
zendo chacota dos fundilhos do prefeito, das
espalhafatosas entrevistas da primeira dama,
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além de esculhambarem com a vida de Berna-
dete, que acabou retornando para sua cidade
natal no nordeste. Depois de árduas diligencias
policiais os investigadores concluíram apenas
que Euzebíozinho conseguiu chegar à capital
paulista, depois disso ninguém soube de mais
nada.
Conto 65
Lágrimas de sangue
VÂNIA CRISTINA percebeu logo no primei-
ro dia, que trabalhar como assistente social em
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um precário hospital público da periferia seria
um trabalho paciencioso, pesado e perigoso, os
pacientes na maioria pardos, prostitutas e po-
bres amontoavam-se uns sobre os outros, nu-
ma fila sem fim à espera de atendimento. A-
lém de uma folclórica cidadã protestando con-
tra o mau atendimento, fantasiada de palhaça.
Contudo ela não perdeu a fé e a esperan-
ça mansa de mudar a situação caótica, sentia-
se preparada para a árdua missão. A fila não
andava, Vânia Cristina vestiu com garra a ca-
misa daquelas pessoas humildes que esperam
agonizadas horas a fio, por um alento médico.
Questionou duramente o diretor clínico do
hospital sobre aquelas lágrimas de sangue na
fila, ele simplesmente se justificou jogando to-
da a culpa na esfera governamental, e ainda i-
ronizou “se tem anestesista, não tem cirurgião,
se tem os dois, não tem sala cirúrgica disponí-
vel. Se tem os três não há leito de UTI para co-
locar o paciente recém operado, se a fila não
anda reclame com quem quiser, menos comigo
mocinha.”
Este “mocinha” realmente tirou Vânia
Cristina do sério, mas num esforço supremo
ela conseguiu se controlar, não valia à pena
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gastar sua energia e preciosas horas de traba-
lho com um médico desmotivado a espera de
sua aposentadoria.
Ela voltou para a ferida do problema, a fi-
la, conversou com as pessoas nela presentes,
diagnosticou a baixa estima deles, proveniente
do desemprego ou do subemprego, gerando
uma baixíssima renda individual, que lhes ti-
ravam a dignidade, sem produtividade tornava-
os descartáveis, frente a uma sociedade con-
sumista e discriminatória. Ninguém estava ali
porque queria óbvio ululante!
Não havia para onde transferir esse bata-
lhão de enfermos, todos os hospitais da rede
pública estavam super lotados, recorrer a um
promotor público, não lhe pareceu uma boa i-
déia, pois se não mexeram até agora uma só
palha para resolver o problema, porque mexe-
riam agora? Só ouviria mais demagogia vinda
agora do ministério público.
Sem ter para onde ir, ou apelar, Vânia
Cristina resolveu agir caso a caso com que ti-
nha em mãos, ou seja, quase nada. Uma assis-
tente social, que entendia quase nada de medi-
cina teria que priorizar um ou outro paciente
da fila para o atendimento.
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Quem estava fazendo esse trabalho de
“diagnóstico clínico” era o guarda de seguran-
ça da portaria, se o paciente tivesse sangrando
muito, tendo ataque ou desmaiado, entra para
atendimento na emergência, gestante parindo
tinha preferência, e fim de papo caso contrário
para a fila de espera, sem antes passar pela re-
cepcionista do hospital.
Como o guarda de segurança parecia ter
um bom “olho clínico”, pois ninguém estava
morrendo ou tendo nenê na fila, Vânia Cristina
resolveu deixá-lo lá, foi procurar possíveis er-
ros de “diagnóstico clínico” do esforçado
guarda, observou que um rapaz loiro chorando
muito se afastava lentamente da fila.
Ele sangrava discretamente nos fundilhos
da calça, se queixava de assalto sob ameaça de
faca por dois desconhecidos, seguido de vio-
lência sexual. Após o ato carnal forçado lhe in-
troduziram sem dó nem piedade um tubo de
desodorante, que havia comprado na farmácia.
Dizia que o guarda da portaria lhe negou
atendimento, alegando que o serviço do hospi-
tal para casos de violência sexual era voltado
apenas às mulheres e crianças. “Quem poderia
atender esse rapaz de vinte anos? Já que o ser-
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viço de atenção às vítimas de violência sexual
era formado por uma equipe composta por três
ginecologistas e um pediatra?”, pensou a assis-
tente social.
Retornou com o rapaz para o hospital,
conversou com uma enfermeira padrão, pron-
tamente ela lhe indicou duvidando da violência
e suspeitando de homossexualismo um médico
proctologista, que estava fazendo plantão de
clínica geral, no ambulatório de clínica médi-
ca.
Onde o rapaz acabou sendo atendido, ho-
ras depois para a retirada do corpo estranho in-
troduzido, em seguida Vânia Cristina chamou
os policiais de plantão no posto policial do
hospital para a respectiva queixa contra dois
agressores desconhecidos, o retrato falado não
foi possível por falta de perito especializado na
área.
Assim trabalhava Vânia Cristina todos os
dias, vestindo a camisa daquele povo humilde,
tentando resolver caso a caso da melhor forma
possível, fazendo o seu próprio verão como
uma andorinha solitária.
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Conto 66
A exibicionista
NUMA manhã ao acordar de sonho cheio de
olhos com magia e fantasia, Laura Maria viu-
se transformada em uma mulher imoral.
Imediatamente os seus pensamentos re-
trocederam aos seus dezesseis anos, a beira da
piscina do Country Club, quando acidental-
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mente a parte de cima do seu discretíssimo bi-
quíni se soltou, os elogios dos garotos aos sei-
os ainda em formação, foram imediatos. As
amigas que presenciaram a cena lúdica, tam-
bém teceram elogios, ressaltando o sucesso
que ela estava fazendo entre os garotos.
De uma forma estranha o acontecido aci-
dental mexeu muito com Laura Maria, ela sen-
tiu um bem-estar extasiante no momento, eu-
fórica a partir dessa manhã, começou a sentir
vontade de exibir-se em público para os garo-
tos, desde que fossem desconhecidos.
No início ficou só na vontade, mas as fan-
tasias seguidas dos anseios sexuais atordoa-
vam-lhe a mente, afrontando a sua extrema ti-
midez. Ela nunca namorou, nunca beijou na
boca, pois a religião não permitiria isso fora de
um namoro evangélico com linhas e desígnios
bem traçados por Deus.
Toda essa situação opressora levava Lau-
ra Maria à agonia, a solidão era intensa o so-
frimento psicológico imenso, a Fé em Deus i-
nabalável e se reconfortou em seu Perdão. Em
pouco tempo comportamentos sexualmente
excitantes recorrentes e intensos de prazer, en-
volvendo a exposição dos genitais através de
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calcinhas transparentes a um estranho insus-
peito, se repetiam sempre de forma “aciden-
tal”.
Eu existo e possuo o objeto permanente
do desejo alheio, pensando assim Laura Maria
começou a namorar um bom rapaz da Igreja,
contudo nada se comparava ao prazer irresistí-
vel de se mostrar “acidentalmente” em públi-
co. Tentou convencer o namorado a fazer amor
dentro do carro, às escondidas na rua, não deu
certo o namoro terminou, ela não aceitou fazer
amor só depois do casamento.
Laura Maria resolveu desde então ficar
sozinha com suas fantasias e fetiches, aos de-
zoitos anos fotografou nua e crua numa praia
deserta sob os olhares atentos dos pescadores
locais, para uma revista masculina. Aos deze-
nove trabalhava na noite fazendo shows de s-
treep tease em várias boates da capital, pouco
depois vieram os filmes de sexo explícito.
Laura Maria sentia um enorme prazer em
tudo que fazia desde que estivesse nua, não li-
gava para o dinheiro em si e sim pelo prazer de
se mostrar nua em público diariamente.
Até ela acordar do seu sonho cheio de o-
lhos com magia e fantasia, percebeu que preci-
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sava de ajuda, não podia mais ser escrava da
sua única fonte de prazer, que a transformara
em uma mulher imoral, segundo o julgamento
de seus familiares, alguns ex-amigos e a Igreja
que freqüentava.
Laura Maria procurou ajuda no consultó-
rio de um psicólogo, depois de um psiquiatra,
assim chegou ao meu consultório de Terapia
Ocupacional, tinha sérios problemas de opini-
ão com os familiares, com o pastor, antigos
amigos e de relacionamentos amorosos.
Não sentia prazer com homens e muito
menos com mulheres, estava assexuada, sua
única fonte de prazer era o exibicionismo, sua
vida girava em torno disso com compulsão,
depressão e pensamentos obsessivos.
Os profissionais de saúde procurados aju-
daram-na muito, trabalhamos arduamente em
conjunto no caso de Laura Maria a cura com-
pleta para os seus males, não foi possível, mas
ela nunca mais se mostrou “acidentalmente”
em público, continuou solteira e solitária, po-
rém sem compulsão, angústias ou arrependi-
mentos.
Apenas aceitou-se como realmente é uma
pessoa diferente, feliz da vida continua a fazer
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os seus filmes de sexo explícito e seus shows
de strip tease na capital paulista, esporadica-
mente posa nua em locais públicos, para revis-
tas masculinas.
Conto 67
36
Conto 68
A garota de programa
42
Conto 69
O espírito do mal
49
Conto 70
54
Conto 71
O acordo
57
Conto 72
O desejo
61
Conto 73
Um estranho casal
68
Conto 74
A fantasia sexual
77
Conto 75
Vício maldito
GOSTARIA muito de dizer que sou usuário
contumaz de drogas pesadas, como Cocaína,
Ecstasy ou LSD, pois todo viciado destas dro-
gas de uma forma ou de outra sensibilizam as
pessoas, mas ninguém ri deles. Não é o meu
caso, não é longe disso eu era viciado em por-
nografia e masturbação, hoje sou viciado em
religião.
Sim eu uso a religião que os homens cria-
ram para louvar Deus e raramente o álcool pa-
78
ra aliviar as minhas dores, tanto a religião,
como o álcool me serve de muletas, as quais
eu uso para fugir da realidade, quanto a Deus
sou um mero ateu.
Eu me visto impecavelmente com calça
social preta, camisa de linho branco com man-
gas compridas dobradas abaixo dos cotovelos,
cinta, meias e calçados pretos, a Bíblia sempre
em mãos, pratico o meu vício em praças públi-
cas, onde vocifero com meu vozeirão a minha
pregação recheadas de ameaças aos descrentes.
O mais impressionante é fato de eu atrair
muitos curiosos, algumas pessoas com almas
condoídas e por incrível que pareça poucos se-
guidores que me dão dinheiro para eu sustentar
o meu vício. Porém muitos me chamam de
louco, outros riem da minha pregação, eu não
me importo mais a minha Bíblia tem todas as
respostas.
Não me importo mais com os pastores de
verdade no meu pé, pois eu criei a minha pró-
pria religião, não dependo mais deles. Minha
crença foi criada em cima dos pecados dos
descrentes, pois eu os julgo e os condeno ao
inferno, só a Palavra de Deus os salvarão.
79
De praça em praça eu me distancio do
mundo real, desprezando e me isolando de to-
dos que não me aceitam como um legítimo es-
colhido de Deus para pregar a sua Palavra la-
vrada na Bíblia Sagrada.
A religião é a minha droga, sou espiritu-
almente doente, como talvez todos os viciados
em alguma coisa ruim também o sejam. Se re-
almente Ele existir queria descobrir Deus, sei
que não somos marionetes em suas Mãos a es-
pera que algo aconteça, temos livre arbítrio,
contudo não sei como agir fora do meu vício.
Por outro lado adoro entrar em conflito
com Darwin, ou qualquer outra teoria científi-
ca que discorde da criação do mundo relatada
na Bíblia, “se o homem veio do macaco por-
que não vem mais?”, o problema é que sempre
tem um biologista ávido para explicar isso
quando eu prego em praça pública, não resta
dúvida a ciência mata a Palavra.
A religião é uma grande bigorna, onde
malharam e malham o ferro em demasia, onde
gastaram e gastam muitos martelos em vão,
mas algo está mudando em minha vida, eu sin-
to isto.
80
Sinto que Deus deve ser algo tão extraor-
dinário, tão fabuloso, tão inacreditável que é
difícil mesmo muitos acreditar nele, só sei que
esta mudança me trouxe até vocês um pastor,
um padre e um psiquiatra.
Então é isso, eu não sei e nunca soube
quem sou, o que sou e o que serei, será que
vocês poderiam me ajudar?
Virei à vida do avesso e não virei um po-
ema com poesia: virei tema um Zumbi com
maresia, abstrato como um traço de esperança
mansa, abissal como um passo de caminho
sem chão, absurdo como um laço de fome e
desnutrição.
Virei à vida do avesso e não virou um po-
ema, sem a cadência do fonema, sem o ritmo
do compasso virei um Zumbi no espaço, será
que vocês poderiam me ajudar?
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Conto 76
Homofobia
O Hacker
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Conto 78
¥¥
Nota do autor: Fica o meu protesto às auto-
ridades brasileiras e a minha solidariedade
as famílias das vítimas
¥
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Conto 79
A colheita
A tempestade
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Midu Gorini
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