Você está na página 1de 2

ARTIGO

Ouvidoria pública: o protagonismo


curitibano
Publicado em 15/11/2014 | MANOEL EDUARDO ALVES CAMARGO E GOMES

Comentários (2)

A Gazeta do Povo noticiou, dias atrás, que a Câmara Municipal de Curitiba lançou o edital que inicia o
processo de escolha do ouvidor do município. Com essa iniciativa, nossos vereadores recolocam
Curitiba na vanguarda das cidades brasileiras no que se refere à história do instituto do ombudsman na
América Latina.

A primeira ouvidoria pública do Brasil é criação curitibana. Instalada em 1986, a iniciativa era uma
resposta ao desejo popular de democratização, transparência e controle do poder público. Após o
período militar, que usurpara dos brasileiros, entre outros direitos, o de eleger prefeitos das capitais,
era necessário devolver ao cidadão a dignidade de poder ter acesso aos órgãos públicos com respeito
aos seus direitos e legítimos interesses.

Inspirada na Constituição Democrática da Espanha, pós-Franco, e na de Portugal, pós-Salazar, essa


iniciativa não guardava, com exceção do nome, nenhuma relação com antigos ouvidores do período
colonial. A intenção era trazer para o Brasil – que respirava os primeiros sopros da redemocratização –
a instituição do ombudsman.

Sem experiência similar na América Latina, concebeu-se uma fase piloto, na qual o ouvidor seria
nomeado por decreto do Poder Executivo, atuando como instrumento de controle interno da
administração. Após dois anos de exitosa atuação, elaborou-se um projeto de lei, aprovado por
aclamação em um congresso internacional, vinculando o órgão ao Poder Legislativo, habitat natural
dos ombudsmen dos países democráticos, mas que não foi encaminhado por razões políticas.

A Câmara Municipal, em decisão histórica, recepcionou, na Lei Orgânica de Curitiba de 1990, a


instituição de um ouvidor, conferindo-lhe amplos poderes para a defesa dos cidadãos. Contemplava-se
em Curitiba o que Afonso Arinos e outros constitucionalistas tentaram, sem êxito, implantar no Brasil
por ocasião da Constituinte de 1988. Mais de 20 anos depois, em outra memorável decisão, nossos
vereadores regulamentaram esse dispositivo e o vereador Paulo Salamuni, presidente da Câmara,
assinou o edital que inicia o processo de instalação da Ouvidoria do Município de Curitiba.

Desde 1986 a invenção curitibana vem inspirando órgãos e entidades da administração pública da
União, estados e municípios, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No último Congresso
Brasileiro de Ouvidorias, falou-se em mais de 3 mil ouvidores públicos. Ainda que todos tenham como
origem a iniciativa curitibana, criaram-se diversas modalidades de ouvidorias, compondo um quadro
heterogêneo que contempla desde aquelas dependentes e subordinadas até aquelas autônomas e
independentes, com poderes para efetivamente defender os cidadãos em face de atos praticados pelo
poder público.

O modelo agora adotado novamente torna Curitiba um exemplo a ser seguido. Pelo cuidado com a
forma como foi concebida, a ouvidoria curitibana será a primeira iniciativa brasileira apta a ser
reconhecida formalmente pelos institutos internacionais de ombudsman. Indicado, em lista tríplice, por
uma comissão eleitoral composta por representantes do Poder Executivo, Legislativo e sociedade civil,
o ouvidor curitibano será eleito pela maioria absoluta dos membros da Câmara. Com mandato de dois
anos e com amplos poderes para auxiliar o Legislativo no controle dos atos administrativos e na defesa
dos munícipes, essa iniciativa recoloca Curitiba no protagonismo das principais medidas de
aprimoramento da participação popular e de fortalecimento da democracia.

Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes, doutor em Direito do Estado, é professor do Departamento
de Direito Público da UFPR e coordenador do Núcleo de Pesquisa sobre Direito do Terceiro Setor do
PPGD/UFPR

Você também pode gostar