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Shauna Cross - Derby Girl PDF
Shauna Cross - Derby Girl PDF
Shauna Cross - Derby Girl PDF
Não sei como isso foi acontecer nem que tipo de acordo foi feito por trás dos
panos, mas aparentemente estou morando numa pequena cidade do Texas
com dois impostores culturalmente limitados como guardiões legais, quando sei
que meus pais verdadeiros estão por aí em algum lugar. Provavelmente são
esses tipos artísticos superdescolados que moram num loft em Nova York. Ou
talvez São Francisco. Isso também funcionaria. Trocaria essa cidade com fedor
de vaca por São Francisco sem pensar duas vezes.
Então, não há por que você não saber que meu nome é Bliss Cavendar. Deus,
só de falar em voz alta me dá vontade de vomitar. Bliss, ou seja, felicidade
plena, é uma piada particularmente cruel, porque até agora não experimentei
nenhuma(a não ser que minha obsessão por balas conte – mas a felicidade
que isso trás tem limite). Obviamente, minha mãe desequilibrada estava
esperando um raio de sol sapateador quando foi escolher nomes para bebês.
Nada de sapateado, nada de raio de sol.
Para piorar as coisas, Brooke (minha suposta mãe biológica) sofre de
uma rara e devastadora doença: vício em concursos de beleza. Tiara-ismo,
como gosto de chamar. Aparentemente, Brooke era uma supergata no seu
tempo, ganhando uma coleção de títulos, coroas e faixas, incluindo a coroa das
coroas locais, Miss Bluebonnet. Minha avó e bisavó também foram Miss
Bluebonnet.
Infelizmente para Brooke, Miss Bluebonnet não foi o suficiente. Ela
cobiçava, mas nunca realmente conseguiu, os maiores prêmios do mundo dos
concursos, um fato que só atiçou ainda mais sua épica luta estilo Senhor dos
anéis para assegurar que sua filha ganhasse a maior de todas as coroas. Sim,
Brooke decidiu que se ela mesma não pôde ser Miss América, ela seria a
orgulhosa mãe de uma. É aí que entro, vítima número um.
Passei meus anos de escola participando de uma torturatona de
brilhantes falsos atrás da outra (eu era tão ingênua na época). Brooke
penteava meu cabelo escorrido ate atingir a altura de um arranha-céu e
passava tanta maquiagem que, juro por Deus, daria papa me ver numa foto de
satélite tirada do espaço. Nunca ganhei nada mais que um ―Certificado de
Participação‖, o que na linguagem dos concursos significa ―otária perdedora‖.
Mas isso não parou Brooke, que nunca deixa coisas pequenas como a
realidade atravessarem seu caminho quando está obsessivamente
perseguindo uma meta. Ela me arranjou um treinador, e no meu décimo
terceiro aniversario estreei um novo talento, que supostamente me lançaria ao
título de ―Pequena Miss Howdy-Roo‖ na cidade vizinha de Dripping Springs.
Senhoras e senhores: Deem as grandes boas-vindas texanas à Bliss
Cavendar, sensação do malabarismo com bastão!
Vocês tem que acreditar quando digo que dei tudo o que tinha àquele
maldito bastão. Eu rodopiava, gritava e pulava de um pé para o outro como se
minha vida dependesse daquilo. Mas o laquê me deixou tonta, e em algum
ponto da metade do meu final arrebatador, os deuses da coreografia fizeram
uma pausa para fumar e me deixaram na mão. O bastão ricocheteou após
bater no meu pé enquanto dava uma estrela, voou para a plateia e nocauteou a
jurada Darla Schaffer bem no meio da cabeça. Bom, não se pode dizer que
parou tudo. Demoraram cinco minutos para que a Srta. Schaffer recobrasse a
consciência.
Na chuvosa volta para casa, enquanto eu segurava outro ―Certificado de
Participação‖, minha mãe não parava de dizer:
- Tudo bem, meu docinho. Temos apenas que acertar aquele final e
ganhamos o ouro. Você sabe, não se vira Miss América desistindo.
Mas eu sabia, e estava de saco cheio. Duas semanas depois, iniciei uma
greve de fome inspirada em Gandhi e finalmente consegui me libertar do culto
a concursos da minha mãe. Ou quase.
Ela ainda espera que eu participe do Miss Bluebonnet em dezembro –
um fato doloroso que tento manter enterrado bem no fundo da minha mente.
Eu o considero o fim de minha longa e completamente malsucedida trajetória
de concursos.
Enquanto isso, minha mãe mirou seu foco de Miss América na minha
irmãzinha, Shania (outro feio, mas muito adequado, nome para concursos), que
acaba de completar... batam os tambores, por favor... quatro anos. Chamo
minha angelical irmã caçula de Sweet Pea porque acho o nome escolhido por
Brooke repugnante demais para ser pronunciado em voz alta. Além disso,
quando Sweet Pea crescer e olhar para trás para sua infância, quero que saiba
que eu estava lutando pelo seu bem.
O estranho sobre Sweet Pea, a rainha dos concursos de 4 anos, é que
ela realmente parece adorar competir. Nunca chora ou ameaça fugir quando
Brooke penteia seu cabelo. E, olha só isso, a criança inclusive guincha de
felicidade quando é dia de usar aquele abominável pedaço de algodão-doce
com brilhos que chamam de vestido. Talvez por isso sempre ganhe. Ela é a
realização do sonho de concursos de beleza de Brooke.
Às vezes me sinto culpada, como se devesse estar protegendo Sweet
Pea do culto de minha mãe (tendo sobrevivido a ele e tal). Mas, ao mesmo
tempo, sou grata porque minha irmãzinha traz pra casa os troféus que eu
nunca consegui trazer, o que tira um pouco Brooke do meu pé. E meu lema é,
quanto menos Brooke na minha vida, melhor.
Claro que esse retrato de família estilo catálogo-de-loja-de-departamento
não estaria completo sem mencionar meu pai, Earl Cavendar. Aqui está tudo o
que precisa saber sobre o bom e velho Earl. O resumo, se preferir assim. Ele é
dono da Longhorn Móveis (lar dos sofás mais feios do mundo), pronuncia
talvez três palavras por dia, e geralmente adormece na sua poltrona de veludo
marrom após as notícias de futebol americano. Earl sabe que não é páreo para
o Tornado Texano com quem se casou, e adotou uma tática de sobrevivência
com destreza: faz exatamente o que mandam e fica bem longe do caminho de
Brooke.
Ah, e aqui vai uma curiosidade divertida. Recentemente descobri que, ao
contrario do que dizem os arquivos oficiais da família, a verdadeira data de
casamento de Earl e Brooke foi apenas cinco meses antes de eu nascer.
Surpresa! O amor não é lindo?
*
Dividimos uma casquinha dupla Bluebonnet de biscoito e creme (para
mim) e uma de menta choc-chip (para ela), lutando esgrima com nossas
colheres de plástico. Agora, por mais que deteste o alvoroço cafona de turistas
que cerca a fábrica de sorvetes Bluebonnet, estaria mentindo se não admitisse
que seus sorvetes são meu grupo alimentar favorito. Aquelas vacas leiteiras de
Bodeen sabem bem o que fazem.
Poderia, no entanto, passar sem os outdoors de propaganda Bluebonnet
que cercam a paisagem da cidade. Não se anda duas quadras sem que um
outdoor apareça na sua frente, e não é qualquer outdoor. Os outdoors
Bluebonnet são um fenômeno cultural por si só. Sempre mostram a atual Miss
Bluebonnet num vestido de ordenhadeira decotado, sorrindo enquanto lambe
um cintilante sorvete de casquinha. Sexy, mas saudável (para nunca lançar
dúvidas quanto à castidade da Miss Bluebonnet, sendo uma comunidade cristã
e tudo mais).
Agora, adivinhem quem não pode passar por um outdoor sem suspirar
dramaticamente um "É esse seu destino, Bliss", o que acontece apenas
umas... 35 vezes por dia? Dou uma chance.
A maior rival pela coroa de Miss Bluebonnet é Corbi Booth, líder de
torcida e tão esperta quanto um esquilo. Francamente, eu simplesmente
entregaria a coroa em suas mãos agora mesmo se isso não fizesse com que
Brooke surtasse. Corbi e eu éramos melhores amigas (para sempre!) há um
milhão de anos, mas quando eu descobri música de verdade e ela dedicou sua
existência à procura do brilho labial perfeito, foi hora de seguirmos nossos
caminhos separadamente.
Agora, você-sabe, eu sei, e todos no mundo sabem, que em dezembro
Corbi vai ganhar a coroa e vou sumir na obscuridade de concursos, mas aqui
está um pequeno porém. A mãe de Corbi, Val, uma propaganda viva para tudo
que é plástico, ainda vê em mim uma concorrente por causa da impressionante
linhagem de Miss Bluebonnet na minha família. Ah, e porque minha mãe
acabou com ela no ano em que foi a escolhida.
Então, por mais que eu pareça a zebra da vez - qual é, uma garota de
cabelo azul? - sou persona non grata no radar de Corbi.
O que falta de inteligência em Corbi ela compensa em fofocas maldosas
e saias minúsculas. E, por acaso, ela também é há muito tempo a namorada do
maior astro de futebol da Bodeen High, Colby Miller. Colby e Corbi - ahhhh, não
é fofo demais? (Resposta: nem um pouco fofo!)
Toda a cidade está sob algum tipo de presunção distorcida de que esse
clichê disfarçado de romance colegial é a resposta de Bodeen a um casal de
Hollywood. Ninguém se cansa do casalzinho adorável.
Mas Pash e eu já tivemos mais que a nossa cota, muito obrigada. Não
podemos nem aproveitar nosso sorvete sem a dupla dinâmica aparecendo do
nada na picape meu-pai-comprou-para-mim-essa-enormidade-porque-sou-um-
rei-do-futebol de Colby com sua futura Miss Bluebonnet aninhada a seu lado
enquanto "Brooks & Dumb" toca alto através das janelas (a cereja no topo
desse pequeno sundae de tortura).
E qual é a dos adolescentes com peles perfeitas sem espinhas bem na
época que deveria ser a mais espinhenta de suas vidas? É mais do que injusto.
Com certeza vão ter que pagar por isso de alguma maneira no futuro... ou
então não existe justiça.
Os pombinhos param no sinal vermelho, e Colby olha para nós - para
mim, na verdade. Seu rosto se contorce com desprezo e confusão, tipo, Como
é que você, só pra começar, foi autorizada a existir? Corbi treme e agarra os
bíceps inflados de esteroides de Colby, como se para dizer, Me tira daqui antes
que a completa esquisitice delas passe para mim! (Como se eu não fosse a
garota em cuja cama ela fazia xixi quando dormia na minha casa - como ousa
me julgar?)
Assim que o sinal fica verde, Colby e Corbi saem em disparada como
amantes adolescentes aterrorizados por um bando de zumbis famintos num
filme de terror trash. Nunca imaginei que era tão assustadora. Quase encaro
como um elogio.
Pash e eu ficamos em silêncio enquanto o ar quente do Tejas paira entre
as duas. Estamos ambas tendo o mesmo pensamento deprimente, então não
faz sentido dizer em voz alta. Como é que esses dois idiotas encontram o amor
enquanto nós passamos por uma seca de romance? Mas Pash não consegue
ficar calada muito tempo. É fisicamente impossível, atestado por médicos e
tudo.
- Bliss, sei que minha resolução de ano-novo era não ficar obcecada
com esse assunto, mas se não conseguir alguma séria interação menino-e-
Pash imediatamente, vou explodir - diz.
- Aí vão realmente achar que você é terrorista - ofereço, e Pash começa
a rir. Sim, o racismo está vivo, e muito bem obrigada, em Bodeen, e minha
garota sofreu sua cota de calúnias e olhares suspeitos, então zombamos dos
caipiras sempre que podemos. Humor negro é tudo.
Le Bistrô d'Oink
Fazemos umas danças ruins hilárias que nunca verão a luz do dia na MTV,
pausando dramaticamente para o grandioso final.
Pash, que tem, tipo, metade do meu tamanho, se joga em cima de mim,
e desabamos como um castelo de cartas numa mesa, rindo. Não tenho certeza
se a genialidade desse momento musical espontâneo está explícita, mas
acredite em mim, podíamos cair na estrada com esse show. Ou talvez
estejamos entorpecidas pelo cheiro de carne malpassada.
Enquanto fechamos e damos adeus para o Homem-Pássaro, olho para o
outdoor de Miss Bluebonnet do outro lado da rua.
- Deus. Se não sair de perto dessas coisas, essa cidade vai ver a minha
ira.
- Ah, verdade? - Pash ergue uma única sobrancelha com a precisão
perversa de uma supervilã. - Tem alguém se sentindo criminosa?
- Ah, Srta. Amini, achei que nunca perguntaria - digo, na minha melhor
voz de Scarlett O'Hara enquanto damos os baços e saímos em busca de
alguma boa e velha encrenca. U-hu!
Não é como se eu morresse de amores por furtar lojas. Só faço isso para
manter minha mente longe de atividades mais perversas, como ser líder de
torcida e planejar a formatura. Além disso, o Wal-Mart pede o tempo todo por
isso pelo jeito nojento como tratam os funcionários. E não estou dizendo isso
só porque não me contrataram (eles tinham "problemas" com minhas roupas -
dane-se). Quem diabos quer trabalhar no Wal-Mart, aliás? Os uniformes de
poliéster acabam com a identidade de qualquer um.
As portas gigantescas deslizam e se abrem, e a loja recebe Pash e eu
com um abraço de ar-condicionado. Checamos os corredores em busca de
inspiração para mãos leves. Sedutoramente abano um CD do Toby Keith para
Pash.
- Seu namorado diz "oi".
- Amigas não deixam amigas escutarem Toby Keith. Pash declara,
arrancando a música ofensiva de minhas mãos e enterrando embaixo de uma
pilha de CDs do White Stripes.
Nos arrastamos até o departamento de lingerie e rimos entre fileiras de
monstruosas calcinhas de vovós (imaturo, pode ser, mas engraçado mesmo
assim).
- Pense em todo o elástico que teve que morrer só para fazer essas
calcinhas - diz Pash com tristeza
Continuamos, recusando-nos a deixar a tristeza pelas calcinhas de vovó
desviar nossa missão. Pash e eu entramos num provador abandonado e
bagunçado com nossas escolhas penduradas nas costas.
- Você primeiro - ela insiste, e seguro um sutiã vermelho-prostituta com
renda dourada, exatamente no tamanho de Pash.
- Você realmente me odeia! - grita antes de entregar um sutiã rosa-
shocking de oncinha para mim
- E eu digo o mesmo.
Rio enquanto experimentamos os sutiãs bregas. Olho para Pash. A vida
é cruel. Seus peitos são perfeitos, dignos de prêmio, mesmo num sutiã feio e
barato.
- Ah, isso é tão injusto! - digo. - Peguei o mais detestável, e mesmo
assim fica incrível em você!
- Sim, bem, trocaria meus peitos pela sua barriga lisa e perfeita a
qualquer hora do dia - ela revida, o que me fez sentir um pouco melhor acerca
de meu nada grande tamanho de sutiã.
Além do mais, o sutiã de oncinha, na verdade, ficou até bonitinho em
mim. Uma coisa meio retrô Marilyn-Monroe-sex-symbol, só que não sou uma
Marilyn Monroe, nem uma sex-symbol. Mas caso um dia eu me transforme em
tal criatura, é reconfortante saber que vou ter o sutiã certo na reserva.
Minutos depois, Pash e eu saímos do provador com nossa nova lingerie
espalhafatosa guardada em segurança por baixo de nossas camisetas. Damos
mais umas duas voltas casuais pela loja para não levantar suspeitas.
Isto é, até Pash apontar um globo preto escondendo uma câmera de
segurança na sessão de armas - tecnicamente, o "departamento de esportes".
Penso: se atirar uma arma é um esporte, então acho que roubar um sutiã
também é. Vou convencer o Comitê Olímpico a reconhecer meu esporte, pedir
algum patrocínio. Medalha de ouro por roubo de sutiãs, aí vou eu.
- Ei, acho que essas câmeras de segurança idiotas nem funcionam - diz
Pash.
- Mesmo? Por que não levanta a blusa na direção delas então e
descobre? - provoco, esquecendo que Pash rapidamente aceita qualquer
desafio proposto. O que geralmente significa que tenho que aceitar também,
uma cláusula do manifesto não pronunciado entre melhores amigas.
Como previsto, ela está com a camiseta levantada num estilo que
zomba Girls Gone Wild antes de eu puxá-la para baixo como um pai reprimido
que tenta evitar que sua filha de 3 anos mostre as calcinhas no playground.
- Estamos indo - digo, agarrando seu pulso.
- Com certeza. Depois de você mostrar algum amor para a câmera espiã
também - insiste. Pash segue o comando com um olhar que quer
dizer: Estamos nessa juntas, fazendo-me sentir culpada por deixá-la passar por
essa sozinha.
Então, como um relâmpago, levanto a blusa com rapidez. Camiseta para
cima, camiseta para baixo. Agora, vamos dar o fora daqui.
Andamos até a saída e acenamos gentilmente para a senhora de 80
anos trabalhando na porta (aparentemente, ela pode ter cabelo azul, mas eu
não).
Quando atravessamos o estacionamento, Pash e eu estamos livres.
Wal-Mart nem faz ideia do que o atingiu.
OK, não sei a qual santo agradecer ou a qual Deus reverenciar, mas acabo de
testemunhar um pequeno milagre em meu próprio quarto. Brooke realmente
bateu em minha porta (um choque por si só), e ao ter sua entrada concedida,
me ofereceu carona até Austin para comprar algumas roupas de escola. Austin!
(Anjos cantam, nuvens se abrem, raios de sol descem, e estou saltando num
campo de margaridas).
Você precisa entender que, comparada a Bodeen, Austin é Nova York.
Tudo de legal que acontece no Texas acontece em Austin, fim da história. Veja
bem, Austin tem essa coisa que Bodeen não tem: "civilização". Cinemas legais,
lojas que você não tem vergonha de entrar, e boates de verdade! Não aquele
lixo tipo Ricky's Roadhouse, aonde caipiras vão para dançar coreografias
country, mas lugares de verdade onde bandas indies e punks tocam música ao
vivo toda noite. Se Austin fosse uma pergunta típica de prova seria algo do tipo:
Austin fica a apenas uma hora de carro de Bodeen, mas é "um admirável
mundo novo", como dizem por aí. Já que ainda preciso providenciar meu
próprio veículo (Pash e eu estamos trabalhando nisso, confie em mim), minha
única chance de sair dessa cidade é na limusine de Brooke. Aceito sua
oferta tout de suite.
Estou tão incrivelmente empolgada, que ignoro todos os sinais de alerta
que sugerem que essa onda de amor mãe/filha, no melhor estilo Oprah, pode
acabar com um banho de água fria.
Sinal de alerta número 1: Pash não pode vir junto, o que normalmente
garante que Brooke se comporte. Estou sozinha sem meu "escudo protetor
melhor amiga".
Sinal de alerta número 2: Contrariando a premissa "só nós duas", minha
mãe subitamente insiste que Sweet Pea venha junto para ela ganhar roupas
novas também (seu armário minúsculo já está duas vezes mais cheio que o
meu). Isso significa que vai ter uma excursão à loja da Disney, e é contra meus
princípios pisar numa loja da Disney.
Sinal de alerta número 3: Brooke parece estar ignorando minha
meticulosa pesquisa na internet sobre os melhores lugares para se fazer
compras - ou seja, perto da faculdade, o epicentro de tudo que é moderno.
Mas nada disso me desanima. Na ida, tudo é perfeito. Nem sequer pisco
quando Brooke joga meu CD do Hot Hot Heat no banco de trás para dar
espaço ao seu karaokê Céline Dion com Sweet Pea. Meu desempenho filha
exemplar é tão convincente que me pergunto se sou na verdade um talento
dramático ainda não descoberto. Imagino-me ganhando um Oscar e fazendo
um discurso tão brilhante que inspira garotas desajustadas de todos os lugares
a levantarem-se contra seus opressores. Sou uma mulher revolucionária.
Porém, duas horas mais tarde, num shopping suburbano sem graça,
minha fachada começa a ruir. Para Brooke pagar por todas as minhas roupas,
ela tem de aprovar todas as minhas roupas, o que requer tato diplomático.
Brooke odeia tudo o que gosto, e odeio tudo que ela gosta. Não há meio-termo.
Por que não posso ser uma daquelas garotas cujos pais apenas
entregam seu cartão de crédito para comprar o que quiserem sem
interferência? Alguém, por favor, me diz como conseguir a poção mágica que
faz os pais obedecerem a essas leis de compras para adolescentes.
Quanto mais recuso, mais Brooke força. Rosa, rosa, e mais rosa. Em um
momento ela até levanta um par de jeans com franjas rosa de camurça
descendo pelas pernas (!) e ousa perguntar por que não gosto dele. Sério, se
houvesse uma exposição de jeans mais feios e horrorosos da América, esse
seria a pièce de résistance. E ela quer que eu diga o que há de errado com
ele?
- Hum, tudo - digo.
- Bem, essa é a sua opinião - ela rebate, toda ofendida. - Acho que são
simplesmente adoráveis. Seriam perfeitas para a nova coreografia de vaqueira
de Shania. Vou comprá-las para compor o figurino.
Oh, perdão, entendi esse dia todo errado. Achei que estávamos fazendo
compras de volta às aulas para Bliss, mas pelo visto estamos comprando para
os concursos de Shania. Não entendi essa parte do recado.
Vamos para a Gap, também conhecida como "Crap", ou seja, Porcaria
(porque Pash e eu achamos sua visão de legal meio forçada demais), mas
posso pelo menos comprar umas camisetas para cortar e customizar. Agarro
qualquer coisa ou todas as coisas, vou correndo para o provador, e me delicio
com um muito merecido tempinho longe de Brooke.
Posso ouvir minha mãe andando pela loja jogando conversa fora com
alguém sobre como é "difícil" comprar para mim. Aquela vaca duas caras. Com
licença, por que eu aceitaria dicas de moda de uma mulher de 41 anos que
acha a Michael's Craft Store sua referência de alta-costura?
No espelho descubro uma espinha monstruosa bem no meio da minha
testa. Parece um chifre bebê. Adorável. Além de tudo, estou virando um
unicórnio. Mordo os lábios para não começar a chorar.
Quando voltamos para o carro, finalmente bombardeio minha mãe.
- Por que: não posso ir só a uma, uma loja que não fica no shopping?
Uma loja onde posso realmente achar algo de que gosto. Me prometeu uma
viagem até Austin. Isso não é Austin, isso é o shopping.
Há uma longa pausa, como se Brooke mal conseguisse compreender o
que estou falando, como se nunca tivesse passado pela sua cabeça comprar
fora de um shopping. Pelo menos ela diz:
- Tudo bem, Bliss, o que você considera que seja Austin?
- Bem, tipo, perto da faculdade, onde as lojas alternativas ficam. Não fica
nem a dez minutos daqui.
Ela dá um suspiro de mártir, como se eu estivesse pedindo o impossível,
como se estivesse pedindo que me carregue até lá nas suas costas.
- Tudo bem - diz ela. - Uma loja.
- Maneiro! Vamos à Atomic City. Lá tem os melhores sapatos! - grito,
sabendo muito bem que minha mãe está desesperada para me ver em outros
sapatos que não sejam esses velhos All Star com silver tape na ponta (um
"estou me lixando para o certo/errado das revistas de moda").
Entro na Atomic City, uma loja barulhenta numa casa velha que abriga
os punks locais, rockabillys, góticos, hippies, ravers, mods e qualquer rótulo
que não seja comum. Praticamente voo pela pilha de tinta de cabelo da Manic
Panic, camisetas japonesas, quiosque de óculos escuros mais-descolados-
que-você e vestidos retrô de pin-up à procura do que realmente vim atrás:
sapatos John Fluevog. E a variedade é ainda melhor ao vivo do que na
internet. Bingo!
Experimento vários estilos e ouço opiniões de um trio de meninos lindos
de morrer que também estão comprando. Eles têm idade para estar na
faculdade, e Brooke está com o "modo espião" ligado, então tenho de flertar o
mínimo e mais discretamente possível. Mas acredite, estou suspirando por
dentro. Muito. Até esqueço (momentaneamente) da minha espinha de
unicórnio. Essa é a minha ideia do que é Austin.
Finalmente decido levar um par de sapatos-boneca robustos num roxo
brilhante com duas tiras azul-turquesa. Legais e confortáveis, e valem cada
centavo dos 175 dólares (tudo o que eu podia gastar nas compras, mais um
extra que ganhei como babá). O melhor de tudo, esses calçados fabulosos
dizem, até aos observadores mais distraídos: "Não fomos comprados no
shopping." Talvez em Marte, mas não no shopping.
Até Brooke parece aliviada em me comprar algo que obviamente amo.
Ela está prestes a sacar o cartão de plástico e fechar o negócio quando algo do
outro lado da loja chama sua atenção: uma prateleira de vidros claros e
coloridos iluminados pelo sol.
- Aah, aquilo ali sim parece bonito! - ela exclama um pouco alto demais
antes de se dar conta do que está admirando. É uma prateleira cheia de bongs
de 30 centímetros.
O rosto de minha mãe fica pálido, enquanto todos dentro da Atomic City
se viram e riem coletivamente até cair.
Brooke está hu-mi-lha-da. Levam exatos três segundos para ela
reconsiderar minha preciosa compra.
- Bliss - diz tão piamente que praticamente vejo a auréola subindo acima
de sua cabeça -, não acho que estaria cumprindo meu papel de mãe se
comprasse seus sapatos de volta às aulas num estabelecimento que também
vende acessórios para uso de drogas. Você acha?
- Mãe - digo, tentando permanecer calma diante da declaração -, só
quero os sapatos, não os cachimbos.
- Primeiro são os sapatos, depois é o cachimbo.
- Tá, isso mesmo - rio. - Sapatos são a porta de entrada para as drogas.
- Muito engraçado, Bliss - ela zomba, sem rir. - Pelo visto você não se
importa em sustentar traficantes.
- Que seja - protesto. - Alguma vez já reparou nos boys que trabalham
para o papai? Alô. Tá na cara que são maconheiros. Isso faz do papai alguém
que sustenta traficantes?
Minha mãe tapa os ouvidos inocentes de Sweet Pea com ambas as
mãos:
- Está perdendo a linha!
Estou perdendo a linha? Ela que está. Toda essa droga de passeio de
compras está perdendo a linha! Brooke nem estaria aprontando essa cena se
Pash estivesse aqui. Estaria ocupada demais se exibindo, bancando a mãe
perfeita.
- Qual é, mãe, por favor. Deixa isso pra lá - imploro.
- Quer saber, se convencer seu pai a lhe dar esses sapatos, são seus -
declara, sacando seu celular cheio de brilhantes falsos e discando
freneticamente.
Posso sentir a loja inteira assistindo a nosso pequeno drama, torcendo
por mim. Tenho vontade de dizer a eles para não alimentarem esperanças.
Brooke consegue pôr Earl no telefone e o pega completamente de
surpresa com seu discurso injusto e interminável. Um clássico dela.
- Oi, amor, sou eu. Se importaria em explicar à sua filha de 16 anos por
que é inapropriado para cristãos como nós comprar sapatos de 175 dólares de
pessoas que sustentam traficantes de drogas? - Brooke pergunta no tom de
voz que diz a meu pai "ou está com Brooke ou está contra Brooke". E Earl
nunca quer estar contra Brooke. Nunca. Ela me entrega o telefone e
convencida diz "boa sorte".
- Pai, não é nada disso...
- Menina, o que você quer com sapatos de 175 dólares? - ele
interrompe.
- Estou pagando uma parte, e não é nem essa a questão! - argumento.
- Pra mim é - suspira. - Olha, não tenho tempo de bancar o juiz. Tem
uma família mexicana aqui comprando uma sala de estar inteira. Sabe que
esse povo paga em dinheiro. Tenho que fechar o negócio, então o que sua
mãe resolver está bom pra mim. - E desliga.
E, simples assim, esse dia oficialmente se tornou uma mega-chatice.
Na volta para casa, me recuso a sentar ao lado de minha opressora.
Fico no banco de trás, furiosamente tramando todas as maneiras possíveis
para cometer suicídio e realmente despedaçar seu coração. Imagino meu
funeral: a música, o caixão, os flores (lírios brancos). E então me ocorre que se
eu morrer minha mãe realiza seu maior desejo: vai poder me vestir. E a ideia
me enfurece ainda mais. Prometo ficar viva em protesto.
Olho para baixo e percebo que ainda estou segurando um dos vários
flyers de bandas que peguei antes de sair da Atomic City, propagandas de
shows a que nunca vou poder assistir. Pelo menos posso usá-los para decorar
meu quarto.
Um flyer verde-limão chama minha atenção - uma foto incrível de uma
garota durona em patins estilo anos 1970, meia-calça arrastão e uma minissaia
rasgada (uma tendência da moda que apoio inteiramente). O anúncio não é de
uma banda, mas de uma liga de Roller Derby. Diz:
Venham ver as
LONE STAR DERBY GIRLS
A LIGA DE ROLLER DERBY DE AUSTIN SÓ PARA MULHERES
HOLY ROLLERS VS. FIGHT CREW
Tudo bem, não tenho certeza do que exatamente toda essa coisa de
Roller Derby significa, mas algum alarme interno dispara dentro de mim, e sinto
que tenho de ver qual é.
Olho para minha mãe no banco da frente, alegremente cantando com
seu CD ruim enquanto dirige cada vez mais para perto de Bodeen, e me
levando cada vez mais para longe da minha cidade alma-gêmea.
E penso: "Foda-se você e seu ruído Céline Dion. Vai chegar o dia em
que não vou precisar da sua permissão para sair de Bodeen. De agora em
diante, vou para Austin quando tiver vontade. Tente só me impedir!"
Inferno sobre rodas
Mesmice e chatice
Mesmo sabendo que não devia, um pedacinho meu sempre fica empolgado
com o primeiro dia de aula. Lá atrás, no primário, o legal era batizar uma caixa
novinha em folha de lápis de cera ou estrear uma merendeira da Vila
Sésamo intocada. Mas hoje em dia é mais sobre antecipar a chegada do
namorado perfeito na forma de um exótico estudante de intercâmbio ou talvez
apenas um professor bem sexy que me tire do bom caminho (pior pra ele,
melhor pra mim).
Lá pelo terceiro tempo, é dolorosamente óbvio que o milagre do
estudante de intercâmbio mais uma vez fugiu do meu alcance. Sim, meus
amigos, este ano está tão deprimente quanto o último, e por mais chocante que
soe, meus colegas de alguma maneira conseguiram ficar ainda mais irritantes
depois do verão.
Prova A: Lisa Catchum, minha vizinha de armário. Assim pessoalmente,
não tenho nada contra Lisa. Isto é, até suas escolhas de roupas começarem a
interferir na minha busca da felicidade, o que agora acontece de maneira
descontrola. Veja bem, Lisa é uma devota fanática do jeans estilo Britney
Spears, e toda vez que se curva para pegar seus livros, sou violentada com
uma mega exibição de calcinha fio-dental (de purpurina dourada, nada menos -
prova de que a exibição de bunda não é acidental).
Conforme o dia se desenrola, me encontro impedida de acessar o
armário por garotos desesperados que entopem o corredor em busca de uma
olhadinha. E Lisa não decepciona. De hora em hora, o fio dental dourado
aparece para dar um oi. (Tchau!!!!)
- O que é isso, Feitiço do Tempo? - Pash pergunta. - O sinal não toca
até Lisa nos mostrar sua calcinha?
- Aparentemente sim - digo, empurrando os curiosos animados.
A agressão visual de hora em hora é tão nojenta que Pash e eu não
temos escolha a não ser passar nosso almoço escrevendo uma carta anônima
abordando a questão de bunda à mostra de Lisa Catchum.
Querida Lisa,
Chamou nossa atenção que toda vez que usa seu armário, seu traseiro
fica completamente à mostra. Talvez você não perceba isso, talvez ache que a
brisa que sente quando se abaixa vem da correria da multidão indo e vindo, ou
talvez esteja treinando para ser uma estrela pornô.
Qualquer que seja o motivo, isso é definitivamente errado. Ser forçada a
olhar para sua lingerie do tamanho de um alfinete atrapalha nossa
concentração, e não de uma maneira boa. Só porque quer mostrar sua
calcinha ao mundo não significa que o mundo queira vê-la.
Então, por favor, Lisa, pelo bem de toda a humanidade, gentilmente
enfie sua bunda e calcinha-tamanho-band-aid de volta em seu jeans-apertado-
demais, e não seremos forçadas a vomitar em você.
Sinceramente,
Pessoas pelo Tratamento Ético de Calcinhas
Yoda Cowboy
Agora, entre você, eu e Pash, existe um detalhe brilhante nessa farsa que
chamam de Sistema Educacional de Bodeen.
Esse detalhe seria o professor de economia, Sr. Smiley. O que posso
dizer dessa joia de homem? Ele se parece muito com o Yoda, tem talvez 1,55m
de altura em suas botas cowboy de salto, e é fã de ternos estilo country até o
fim. E quando digo estilo country, não estou falando de uma fantasia qualquer
que só adiciona um toque cowboy. Estou falando do tipo de poliéster que
pararam de fabricar em algum ponto dos anos 1970, o tipo fabricado apenas
em cores pastéis geralmente só vistas em M&M's edição especial de Páscoa:
pêssego, limão, lavanda, verde menta - Sr. Smiley tem a coleção inteira e mais.
Deve ter feito um estoque quando soube que iam acabar.
Normalmente, um estilo de se vestir tão ousado para um professor
diante de adolescentes críticos resultaria em abjeta ridicularização (é só
testemunhar a Sra. Gomer e seus bizarros "brincos de sexta-feira"). Mas o Sr.
Smiley agilmente evita essas armadilhas.
Ele nunca deixa ninguém esquecer que, apesar de ter 108 anos e ser
membro de honra da sociedade apreciadora de cores pastéis, acabaria com a
raça adolescente em um segundo. Nem os meninos mais bravos ousam se
meter com o Sr. S.
E se a glória fashion não foi suficiente para convencê-lo de sua
grandiosidade, pense em seu lendário uso de apelidos. Sr. Smiley tem um
apelido para todos os estudantes que cruzam seu caminho - Esperta, Nadinha,
Black Jack, Joaninha, Chicote, Biscoito....
Ele vai se gabando pelos corredores, pedindo aos alunos que se dirijam
à sala de aula.
- Saidinha, Batom. O sinal já vai tocar - diz, num exagerado sotaque
arrastado do Texas. - Você também, Pipoca. E leve Amarelinha e Johny
Diamond junto... Wanda Sue, estou te vendo... Acabou o intervalo, Domador de
Leões... Doritos, não está isento...
Em meus breves esbarrões com Sr. Smiley, já fui chamada de Betty
Rebelde, Espoleta, Fora da Lei, Rapsódia Boêmia e Possuída.
Ele nunca repete os apelidos. Jamais. Às vezes acho que quando o Sr.
Smiley finalmente for para aquela grande sala de aula no céu, não vai ser por
causa de um ataque cardíaco ou algo do tipo. Vai ser porque finalmente não
consegue inventar novos apelidos.
Ele assume sua esquisitice de maneira tão genuína, que só de pensar
me dá vontade de chorar. Eu o idolatro totalmente, e por isso resolvi dedicar
minha declaração fashion de volta às aulas a ele - uma camiseta feita em casa
que diz SR. SMILEY É MEU MELHOR AMIGO em letras de veludo coladas
com o ferro de passar.
Quando me sento para assistir o sétimo tempo, Yoda Cowboy olha a
vestimenta com resguardo e suspeita, mas abro meu sorriso sincero, para
mostrar a ele que não é brincadeira (o sorriso que guardo para Pash e para o
namorado que ainda vou conhecer.) Sr. Smiley se comove. Suas orelhas
pontudas até se retorcem em aprovação.
- Bem, Framboesa - declara -, já era hora de eu ter meu fã clube.
- Sem dúvida - digo. Trocamos um high five, e meus colegas de classe
sem noção observam, confusos, os queixos caídos, e tentando decidir se isso
foi ou não legal. (Claro que foi.)
Entre os nossos
...E então ele se vira. O lugar inteiro vira um borrão enquanto esse rapaz sexy
entra em foco. Seu cabelo despenteado (sou fã incondicional de cabelo estilo
acabei-de-sair-da-cama) é até melhor de frente, metade caindo sobre seus
olhos esmeralda. Repetindo, olhos esmeralda. Sem falar no corpo magro, de
roqueiro, e pele pálida que sugere muito tempo passado em lugares fechados
ouvindo discos. Em resumo, per-fei-ção.
E apesar de Señor Sensual ser obviamente um grande vencedor na
loteria da beleza, ele parece passar exatamente 0,0002 segundos pensando
nisso - o que só o faz mais gato. É no meio desse pensamento que me dou
conta que SS está olhando em minha direção - bem para mim. Meu estômago
se revira e sinto um frio na barriga. E depois, fica tudo preto.
OK, por favor, diga que não acabei de desmaiar por causa de um garoto
que nunca vi antes. Por favor, por favor, por favor, deixe me reconfortar
sabendo que nem eu seria tão deprimente.
E então escuto uma parede de gritos subir à minha volta e percebo que
ainda estou de pé. Foram as luzes que se apagaram, não eu. Salva do
desastre. Ufa - essa foi por pouco.
Pash agarra uma de minhas mãos enquanto a onda-de-humanidade-
derby nos leva até a pista onde a loucura está prestes a começar. Olho para
trás, mas Señor Sensual sumiu na escuridão.
Bingo
Com o tempo pode ser que eu tenha de entrar em meu pequeno laboratório de
mentiras e elaborar um álibi a longo prazo para cobrir minhas escapadas Roller
Derby, mas por enquanto digo a Brooke que estou na casa de Pash estudando
para meu trabalho sobre A Letra Escarlate.
Desenterro meus patins da Barbie abandonados atrás de um cemitério
de animais de pelúcia no fundo do armário, sopro a poeira, e luto para que meu
pé crescido demais entre num deles. Não cabe perfeitamente, mas pelo menos
consigo amarrar o cadarço. Enfio o par na mochila e carrego-o para lá e para
cá o dia inteiro na escola. O último sinal não poderia ter tocado mais devagar.
Quando Pash me deixa no Centro de Idosos de Bodeen, uma dúzia de
velhinhas já está no ônibus, e partindo.
Tenho de perseguir a coisa e, balançando meus braços, digo:
- Espera! Espera!
O motorista, um caipira acabado chamado Todd que gosta do visual sem
camisa para acompanhar seu rabo de cavalo ralo que claramente já viu dias
melhores, freia e abre a porta.
Digo "obrigada", pulo para dentro, e me encontro subitamente encarando
uma gangue de velhinhos mal-humorados. Essa gente é bem territorial quanto
a seu transporte para o bingo. Não estão dispostos a ceder um lugar vazio para
uma menina de 16 anos. Por um momento, meio que espero que me ataquem
com suas bengalas e andadores. Nota mental: não se intrometa entre um
cidadão idoso e seu horário de bingo.
É preciso alguma negociação e conversa - e uma pequenina mentira
sobre estar indo visitar "minha vovó doente" em Austin - até Helen, uma
coisinha doce e velha arrasando num par de Keds vermelhos, se pronunciar
em meu favor.
- Ela está comigo. E se vocês não gostam, podem ir se catar - declara
Helen, dando tapinhas no lugar vazio a seu lado.
- Obrigada - digo, aceitando sua oferta. Noto que seu capacete de
cabelo enrolado bem apertado está pintado de azul-velhinha. - Adorei a cor de
seu cabelo.
- Obrigada. Eu mesma faço - diz, me entregando uma bola de linha
enquanto tricota.
Desligo-me de meus companheiros raivosos de ônibus de bingo pelo
resto da viagem com meu iPod (esse grande salvador de situações sociais
desconfortáveis). Uma hora depois, a condução para em frente ao Bingo
Palace, e pego outro ônibus para o centro que me deixa a duas quadras do
armazém. Dou a volta num beco e chego bem a tempo.
Nação iniciação
Então, no dia seguinte, na escola, eu vou mancando até Pash e ela me olha
com piedade.
- O que aconteceu com você? Parece que levou uma surra.
- Ah, e levei mesmo - sorrio. - Mas adivinha só. Consegui! Sou uma Hurl
Scout!
Sim. Malice, que adotei oficialmente como minha fada madrinha de
patins, me escolheu para seu time.
- Parabéns! - diz Pash. - Estou tão orgulhosa!
- Eu sei - digo. - Agora, tudo que tenho a fazer é comprar um par de
patins de verdade, mudar meu horário no trabalho e... - Pash fica pálida e faz a
expressão oficial de melhor-amiga-séria.
- O quê? Não! A única coisa que faz com que aquele trabalho maldito
não me faça sair por aí matando, dominada por uma fúria assassina, é porque
temos o mesmo horário. Não pode mudar, Bliss.
Agora, por mais que eu ame e adore Pash, sem chances de não entrar
pro Roller Derby. A vida fora de Bodeen começa com Derby.
- Sempre teremos as sextas-feiras - digo, colocando meu braço ao seu
redor.
- Te odeio - Pash diz, colocando o braço em volta de mim.
Depois de muita consideração e ensaio em frente ao espelho do meu
quarto, explico aos velhos que minha iminente ausência de casa às terças e
quintas é porque me juntei a um grupo de estudos para me preparar para o
vestibular.
Brooke olha para cima enquanto alfineta uma fantasia para Sweet Pea.
- Sabe, Bliss, não é má ideia - diz, seu faro para tiara se aguçando. -
Garotas inteligentes estão na moda nos concursos hoje em dia, e pode apostar
seu dinheirinho que os juízes do Miss Bluebonnet vão ficar impressionados
com isso.
Está vendo com o que tenho de lidar aqui? Minha própria mãe não quer
que eu seja esperta só por ser esperta ou, é, sei lá, ir para a faculdade - ela
quer que eu seja esperta para um concurso de beleza. Poderia alguém
(qualquer um), por favor, dizer a ela que estamos no século XXI?
A antiescola
Estou adiantada para meu primeiro treino oficial com as Hurl Scouts. Já até
coloquei meus acessórios quando as outras garotas começam a chegar.
Quando termina o casual aquecimento, o treinador Brian, também
conhecido como Blade, nos coloca para trabalhar. Uma nota sobre Blade: ele
talvez tenha 23 anos e é meio bonitinho de um jeito nerd e metaleiro brega
(significando que em outras circunstâncias não teríamos nada a dizer um para
o outro). Mas acontece que Blade ama patinação e é muito bom nisso, o que
faz dele um bobo para o resto da sociedade, mas um deus para a gente.
Até quando Blade está acabando com a nossa raça com as manobras
de patinação, as garotas continuam sua eterna busca por maneiras de deixá-lo
vermelho de vergonha com suas piadas sujas, o que torna tudo divertido quase
a ponto (quase) de esquecermos como estamos dando duro. É o tipo de clima
engraçado que nunca veria no mundo treinador-ditador-histérico de esporte
colegial. Roller Derby é tão antitudo isso.
A maioria das minhas colegas de time são estudantes de faculdade
(algumas têm até mais de 21 - ora, ora). Ninguém questiona meu status de
menor de idade, apesar de contar a elas uma pequena fábula sobre morar em
Bodeen, trabalhar no Oink Joint para juntar dinheiro para a faculdade, o que
elas acham que significa que já me formei (e não tenho a mínima intenção de
corrigi-las).
A vida já está melhorando. Sou como a irmãzinha caçula adotada de
quem todas estão cuidando, o que adoro.
E que fique registrado: a irmandade Roller Derby é verdadeira, não
manchada por aquele falso poder feminino, estilo Oprah que você vê nos
comerciais de Dove (ao qual sou profundamente alérgica). E é assim que
realmente sei: ninguém diz "poder feminino". É mais tipo "você arrebenta" ou
"você arrasou", mas não aquele lixo idiota "poder feminino".
Meu dever de casa para o próximo treino, além de dominar as
habilidades em patinação, é inventar um nome Derby, afinal todas concordam
que Bliss não vai rolar. (Digo isso a Brooke há anos.)
Metamorfose
As três semanas seguintes voam enquanto minha vida vira patinação, o tempo
todo. Encomendo meu próprio par de patins usando o dinheiro que daria pelo
sapato John Fluevog. Naturalmente, mando entregar na casa de Pash para não
levantar suspeitas de Brooke. Dizemos a seus pais que a caixa tem um
telescópio, e eles aprovam.
No treino, o fator humilhação despenca enquanto minha patinação
melhora. Apesar de estar coberta de manchas roxas, também conhecidas
como "beijos dos patins", me sinto surpreendentemente orgulhosa do que
estou aprendendo a fazer. (É tão estranho, pareço uma atleta falando.) Até saio
escondida tarde da noite para praticar minhas paradas e derrapadas poderosas
no estacionamento, determinada a me igualar as outras garotas.
Adoro o jeito como o vento atravessa meus cabelos no treino quando
voo pelas curvas, me abaixando, me inclinando para a pista para atingir a
velocidade máxima. Parece que minha vida esteve devagar por tanto tempo,
que é divertido finalmente estar rápida.
Se eu apenas conseguisse aprender a coisa de bloquear. Você sabe, a
parte do esporte que faz ser Roller Derby e não apenas patinação. Até agora,
toda vez que Emma Geddon ou Crystal Deth ou Malice se aproximam de mim
para algum contato, imediatamente caio no chão.
Depois de um desses já característicos episódios, Blade patina até mim
e diz:
- É um esporte de contato, Bliss. Isso significa que uma hora vai ter que
fazer contato.
OK, faz sentido. Mas ainda me sinto uma merda por ser chamada a
atenção.
Enquanto isso, atazano Pash dia sim, dia não, constantemente
consultando-a (ela diria assediando) sobre o nome perfeito para Roller Derby.
Podemos estar no meio de uma conversa perfeitamente aleatória sobre por
que o diretor Starsiak é um velho malvado total e então digo:
- Que tal Punky Bruiser? Ou Maggie Mayhem? Ou Raggedy Annarchy?
Quando tento tocar no assunto de novo, Pash finalmente apenas revira
os olhos.
- Se começar com a história do nome, não vou a seu jogo.
- Tudo bem - digo -, porque Malice e eu já resolvemos.
- Você realmente escolheu um nome? Desembucha - Pash diz.
- Não. Vai ter de esperar pelo jogo - digo, deixando-a no corredor
enquanto desapareço para a aula de inglês.
Dentro do armário
A coisa surpreendente sobre minha vida dupla de patins é que sei que tenho
de desempenhar o papel filha-perfeita para evitar Brooke. E ouvindo a velharia
discutindo no ônibus do bingo, minha tática de sobrevivência é manter meus
fones de ouvido no máximo e o nariz enfiado nos livros. Desde que uma das
minhas mãos esteja livre para segurar a bola de linha de tricô de Helen, não
tenho como errar.
Então, no auge da rebeldia e mentira para meus pais, consigo levar para
casa o tipo de notas que não vejo desde a segunda série. Um dez após o
outro. Bliss vintage.
É incrível - dá pra se safar de tudo desde que seu boletim seja digno de
se gabar. Por que não pensei nessa estratégia antes?
Até Earl me puxa para um canto e docemente coloca uma nota de cem
dólares em minhas mãos.
- Estou muito orgulhoso de você, garotinha - ele diz.
Toda a cena quase me faz explodir em lágrimas porque normalmente Earl não
gosta de se envolver. Além disso, apesar de não me importar com quase nada
hoje em dia, não tenho como deixar de me importar quando meu pai me chama
de garotinha. Espero que nunca deixe.
É isso, esta é a noite: minha estreia como a própria, a única, Babe Ruthless
diante de uma plateia de fãs adoradores. Ainda melhor, Sadie, Juana e sua
colega de quarto Octavia (que chamamos de Rocktavia porque ela merece)
planejaram uma festa insana depois em sua casa.
Finalmente (finalmente) minha vida de verdade está prestes a começar,
e estou levando Pash comigo. Na verdade, quando mencionei a festa, Pash
respondeu:
- Está muito ferrada se não me convidar.
Como se ela tivesse mesmo que pedir.
Não ousaria ir a uma festa sem minha Pash Amini.
Usamos a boa e velha "Vou dormir na casa da Pash, e ela vai dormir na
minha casa" desculpa para os pais de ambas. Normalmente, essa tramo ia
levantaria grandes suspeitas com Brooke, mas uma fortuita virada de
acontecimentos ajudou nossa causa. Brooke teve que acompanhar Sweet Pea
para um concurso de Pequena Miss O-Que-Quer-Que-Seja em Dallas, me
deixando sob os cuidados de meu pai não-muito-inteirado-das-regras.
Se me sinto mal mentindo para Earl quando ultimamente ele tem sido
tão legal? Vamos encarar assim: Bliss se sente culpada, mas Babe Ruthless
sabe que o show deve continuar.
Pash e eu ganhamos a oportunidade de ouro de ficar fora a noite toda.
Pretendemos tirar vantagem total disso.
Esta noite, a liga de garotas Derby está representada pelas Sirens, um
time de policiais corruptas, e pelas Hurl Scouts, uma gangue de escoteiras que
ficaram malvadas.
Podemos ouvir a multidão enchendo o armazém enquanto nos
arrumamos. Crystal Deth me empresta uma maquiagem para olhos fabulosa
que faria qualquer fã de Rocky Horror Picture Show se derreter de inveja. E
quando finalmente entro em meu adorável vestido verde de escoteira com
minhas meias arrastão preta e verde néon rasgadas, quase choro. Pareço sexy
e má ao mesmo tempo - minha ideia do que é fabuloso.
Quando anunciam Babe Ruthless, dou minha volta pela pista,
esvaziando uma lata de biscoitos na multidão. É difícil dizer quem está se
divertindo mais: eu ou eles. Acho que eu.
Malice me escolhe para ser a primeira do nosso time a atacar. O apito
soa e algo entra em erupção dentro de mim. Disparo como se saída de um
canhão, costurando e evitando as zagueiras oponentes que tentam me
derrubar. Elas erram.
Até consigo uma linda arrancada por meio de Emma Gedden entrando
numa curva. Ela joga um de seus braços para trás, eu o agarro, e sua força me
lança longe da curva, mandando-me para a frente das Sirens. É uma jogada
que agradou o público, pode ter certeza disso.
Quando acaba o tempo, consegui juntar impressionantes seis pontos
para as Hurl Scouts. (Sei que não é essa a questão, mas dá um tempo, é
minha primeira vez!)
Minha adrenalina está no teto, e tenho que sentar longe da confusão só
para retomar o fôlego e lidar com um caso agudo de boca seca. Esvazio uma
garrafa de água, procurando por garotos na multidão.
Claro que estou atrás de um vislumbre do Señor Sensual, o delicioso
roqueiro que assombra cada devaneio meu desde que pus os olhos nele pela
primeira vez seis semanas atrás. Garotos bonitos em toda parte mas, que
droga, nada de SS.
Não surpreende - ele devia ser uma miragem. Ou até pior, não tão
bonito assim (sua beleza apenas um produto da minha imaginação). Se o visse
agora, provavelmente ficaria desapontada até o ponto de me assustar. E estou
me divertindo demais para tristezas românticas. Estou jogando Holler Derby!
Antes do intervalo, Crystal machuca o joelho e tem de ficar de fora por
algumas voltas. Durante um tempo, Malice me chama para bloquear. Dou a ela
um olhar deve-estar-louca. Está bem fundamentado que bloquear não é meu
ponto forte.
Malice me puxa de lado e diz:
- Sabe o que faço quando tenho que bloquear? Penso em meu ex-
namorado, Dax, e no idiota que ele foi. Um pequeno conselho, Ruthless, nunca
namore um cara de banda ou um leonino: são totalmente tóxicos. Enfim,
quando bloqueio, penso em acabar com a raça do Dax e sua preciosa guitarra.
Ajuda muito. Pense em coisas que te enfurecem, e vai conseguir ótimos
bloqueios.
Então, estou lá no meio, de zagueira, bloqueando, e Robin Graves está
no ataque, pronta para me passar e marcar ponto. Normalmente, deixaria
Robin passar, mas não desta vez. Desta vez sigo o conselho de Malice. Penso
em Brooke, e Corbi, e todos os clientes mal-humorados que não dão gorjeta -
todos juntos - e assim que Robin se abaixa para passar, jogo os quadris e
ombros e - bingo! - faço contato. Robin cai na pista enquanto patino como
louca.
No final, já estou tão integrada que me sinto invencível e, ouso dizer,
impiedosa. Agora estou bloqueando, não atacando. Posso fazer a manobra
que quiser. E, de alguma maneira, com o público nos incentivando a um grande
final, uso a manobra mais vovó de todas: pular o corrimão.
Apenas três garotas na liga conseguem acertar essa, mas de alguma
maneira decido que vou ser a quarta. Então levo um empurrão de Juana Beat'n
das Sirens e vou para o alto da pista a toda a velocidade. Quando chego à
ponta, alcanço o corrimão e dou uma estrela.
A queda é de uns 2,40m no concreto frio e duro.
A multidão perde o fôlego... Não vejo nada além de um borrão de luzes
enquanto voo pelo ar...
E então - SLAP!- meus patins batem no chão. O público ruge, e percebo
que ainda estou em pé. Consegui! Consegui pular a porra do corrimão!
E, simplesmente assim, sou uma lenda da Derby Girls, pelo menos na
minha cabeça de qualquer maneira. No minuto em que saio da pista sinto
minha vida social dando uma guinada para melhor. Sou engolida por fãs.
Pash corre até mim, expulsando todos eles e gritando:
- Ah, meu Deus, Bliss! Você é uma porra de uma rock star!
Um cara charmoso, mas velho demais, interrompe:
- Você é demais, Babe Ruthless - diz, começando a me passar uma
cerveja.
Malice se intromete como uma leoa protetora.
- Ela só tem 18 anos, babaca - ladra, empurrando o cara velho para trás.
- Mas eu queria aquela cerveja - reclamo.
- Pegamos uma para você na festa - diz Malice.
Ilha da pegação
Corro até o banheiro para fazer xixi, passar nas axilas um pouco de
desodorante barato emprestado (nojento, mas estou desesperada, então não
me julgue) e aplicar só uma gotinha de brilho não-estou-tentando-demais antes
de encontrar meu namorado dos sonhos de volta no som. Apesar de não ter
experiência com todo o ritual de acasalamento "prazer em te conhecer, quer
um boquete?" que parece definir todos os romances de Bodeen High, meu
coração está batendo alucinadamente rápido. Só de pensar em Oliver meu
sutiã praticamente abre sozinho.
Num esforço para evitar qualquer sinal de parecer vulgar, me olho no
espelho, séria.
- Pode dar uns amassos com ele, mas é só - digo a meu reflexo doido-
por-garotos.
- Quem é você, minha mãe? - devolve uma voz familiar, talvez bêbada,
detrás da cortina do chuveiro. Me viro e abro a cortina para dar de cara com
Pash nos braços de um garoto magrelo com cabelo moicano (é claro).
- Babe Ruthless! - ela grita, abrindo seus braços. - Aí está!
Seu cabelo está uma bagunça, tem batom borrado numa bochecha, e o
sutiã está pendurado no bolso detrás da calça.
- Savage e eu estávamos te procurando por toda a parte - ela diz,
acenando para o igualmente descabelado garoto, que tem uma mancha de
batom idêntica na bochecha. - Mas agora estamos indo num mercado porque
estamos com larica, e Savage quer carne.
Savage? Seu nome é Savage? O garoto é tão magro que até eu
ganharia dele numa briga.
- Tem noção do quanto eu te amooooooooo? Você é a melhor amiga do
mundo! - Pash grita, como se estivesse tentando conversar comigo a duas
cidades de distância. Só que estou bem em sua frente enquanto meus
tímpanos levam uma surra.
- Está seriamente chapada, e de jeito nenhum vai dirigir - digo, tirando as
chaves das mãos de Pash.
- Eu não, você. Porque é minha melhor amiga e te amoooo e levo você
pra lá e pra cá, então agora é a sua vez.
Pash tropeça para fora da banheira e cai em meus braços. Ela mal
consegue ficar de pé, e Savage é inútil no departamento me-ajuda-a-segurar-
minha-melhor-amiga-bêbada. É nessa hora que o rosto de Pash muda
rapidamente, alternando entre várias tonalidades antes de parar num verde
visto não tão saudável. Já sei o que vem depois.
Rapidamente a viro para a privada, levanto a tampa, e tento não morrer
de nojo enquanto a pobre garota põe as tripas para fora. O mesmo não pode
ser dito de Savage. Ele ergue os braços se rendendo.
- Vou nessa - diz enquanto passa por cima de Pash e vai embora. Pash
recupera o fôlego e olha para cima.
- Acho que quando vomita na frente de um cara, o relacionamento
acabou - suspira.
- Acho que quando o nome dele é Savage, nunca nem começou -
acrescento.
Pash ri e começa a vomitar de novo. Tudo que quero é sair e ficar com
Oliver, mas de alguma maneira a idéia de largar o cabelo da minha melhor
amiga enquanto ela vomita só pra ficar com um garoto (apesar de ser
incrivelmente sexy) me parece o cúmulo da maldade. Sou má apenas num
nível superficial - não jogo tão baixo.
Cruzo os dedos das mãos e dos pés, torcendo para que Oliver espere,
mas depois de cuidar de Pash e voltar para a festa, não há nem sinal dele. E
acredite, faço uma busca completa, digna do FBI nos casos de pessoas
desaparecidas, por toda a casa, procurando nos cantos mais obscuros dos
jardins da frente e dos fundos. No entanto, nada de Oliver.
Mesmo assim, consigo reunir algumas informações sobre meu evasivo
alvo: Oliver tem 19 anos, fama de superfofo entre as garotas Derby, e inclusive
é baixista de uma banda local em ascensão chamada Stats, que Emma
descreve como "a melhor banda do mundo, se gosta de toda aquela coisa emo,
garoto magrela, roqueiro". Gosto, admito.
Quando Pash e eu finalmente vamos dormir às 5h33 no chão na sala de
Rocktavia, com apenas um cobertor e um travesseiro mínimo entre nós, ela
não para de perguntar se a odeio.
- Me odeia? Me odeia por ter ficado daquele jeito?
- Não - digo, zombando. - Te odeio por ficar daquele jeito sem dividir
comigo.
- Sou um lixo de melhor amiga - ela reclama.
- Verdade, mas provavelmente me salvou de um garoto lindo que partiria
meu coração de seis maneiras diferentes até domingo.
- Parece gostoso - suspira, quase adormecendo.
- Ridiculamente - suspiro, antes de finalmente dormir também.
O fedor do rosa
Realmente espero que independente de quem quer que você seja e o que quer
que tenha feito em sua vida (torturar o gato da família aos 5 anos etc.), seu
carma nunca inclua sair vestida em público igual a sua mãe. Ninguém merece.
Sou forçada a "socializar" (ou seja, observar) e tentar não vomitar
enquanto uma dúzia de duplas de mãe / filha se exibe no Salão Cisne do
Country Club de Bodeen, que é completamente brega, mas com pretensões de
grandeza.
Corbi e sua mãe, Val, andam pela sala como autonomeada realeza, e
todos parecem fazer ooh e ahh com todos os seus restos. É tão nojento.
Até minha tentativa de ficar disfarçada perto da tigela de ponche é
frustrada quando a dupla dinâmica vem, cheia de sorrisos e falsos desejos
de boa sorte. Enquanto Val e Brooke trocam conversas educadas (fingindo que
não querem matar uma à outra), Corbi só me olha murmurando "perdedora" de
novo e de novo. Menina de classe, essa Corbi.
Mais tarde, andamos por um corredor onde os organizadores do Miss
Bluebonnet arranjaram uma "galeria de garotas". Uma maneira chique de dizer
que pegaram fotos de todas as vencedoras passadas, mandaram ampliar, e
colocaram-nas em molduras para o mundo admirar.
E então vejo a foto de minha mãe. Ali, em preto e branco, está o
momento da coroação de Brooke ampliado em um pôster. E quer saber?
Apesar das roupas cafonas anos 1980 e penteados armados até o teto, ela era
deslumbrante. Acho que ainda é, em sua própria maneira, quando paro para
pensar (apenas normalmente não paro porque seu comportamento forçado
eclipsa sua beleza). Estou hipnotizada.
- Mãe - digo embasbacada -, olhe só para você.
- Quanto mais alto o cabelo, mais perto de Deus, costumávamos dizer -
ela suspira ligeiramente envergonhada.
- Que seja. Você é uma gata!
- Não. Isso foi há muito tempo. Agora é a sua vez, e de Shania.
OK, isso não é estranho? Estou em público, firme e forte numa roupa
dos infernos mãe e filha, que, se por um lado, me faz odiá-la mais do que
nunca, por outro lado, me derruba subitamente por essa tristeza que sinto por
ela. Tipo, de alguma maneira é cristalino como água que ela vive através de
suas filhas porque não se sente tão bem quanto a si mesma. E me pergunto
por que é tão óbvio para mim, que tenho 16 anos, e ela não se dá conta aos
40.
Claro, toda a situação é engraçada, esquisita e irritante, algo para
ferozmente protestar contra, mas lá no fundo, sei que um dia vou deixar
Bodeen. Vou entrar na obscuridade de concursos com essa cidade de lixo cada
vez mais longe em meu espelho retrovisor. Estarei livre. Mas Brooke ainda vai
estar aqui, ainda perseguindo os melhores dias de sua vida, os que
aconteceram quando tinha 16 anos. Sabe quando você sabe de alguma coisa,
como se ela sempre tivesse existido, mas não muito nítida? E então um dia
você realmente sabe - estava escuro, e agora tem um grande e gordo holofote
em cima?
É assim com minha mãe.
É tão triste que quase caio aos prantos ali mesmo na minha roupa cor-
de-rosa. Pelo resto do almoço, domo minha irritação interior e mantenho os
gestos "te odeio" o mais reprimidos possível: apenas um suspiro irritado, meio
revirar de olhos e dois grunhidos "não te escutei".
E, como bônus (por um tempo limitado apenas), nem toco no meu
assunto familiar favorito: o fato de que ainda acredito ser adotada. Um
desempenho estrelar.
Atordoada na escola
OLIVER: Então...
BLISS: Então... (põe uma mecha de cabelo atrás da orelha igual uma boba)
OLIVER: Hum... (sorri sonhador)
BLISS: É...
OLIVER: Eu, é... (enfia ambas as mãos nos bolsos)
BLISS: Está, tipo, me seguindo?
OLIVER: Não. Talvez, mais ou menos. Importa-se?
BLISS: Não. Eu meio que sempre quis ter meu próprio perseguidor.
Stampede
Já ouvi lendas urbanas desse tipo - onde uma garota pega carona de um cara
delicioso em seu carro -, mas nunca aconteceu comigo (uhu, high five interno).
Para marcar minha desvirginização garota-anda-com-garoto-em-seu-carro,
estou tomando sérias notas mentais, catalogando, quietinha, tudo no carro:
CDs espalhados no chão, um saco vazio de salgadinhos, uma explosão de
paletas de guitarra e uma foto amarelada de Siegfried & Roy onde alguém
escreveu "Oliver, queremos domá-lo como um tigre" enfiada no visor de
passageiro. É bem divertido.
Oliver põe o som nas alturas, e ouço um mix feito em casa que pula de
Voxtrot para Be Your Own Pet, de Rolling Stones das antigas para The Kinks, e
um bando de outras coisas tão antigas para o mundo MP3, que nunca tinha
ouvido antes.
As janelas estão abaixadas, e o vento embaraça meu cabelo numa
bagunça pela qual sei que vou pagar mais tarde, mas no momento não posso
perder tempo com isso. Estou em seu carro. Vai valer cada uma das três horas
que vão demorar até desembaraçar esse ninho de rato.
Um CD chama minha atenção como um ovo dourado numa caça ao
tesouro: The Stats.
- Posso pegar esse emprestado? - pergunto, tentando parecer casual.
De alguma maneira as palavras saem de minha boca com ousadia. Não
apenas quero desesperadamente escutar como é a banda dele, mas estou
bem ciente de que se pegar emprestado um CD, significa que um dia vou ter
de devolver, o que significa que precisaremos nos ver de novo. Posso não
saber muito sobre essa coisa de relacionamentos, mas sei que se ver de novo
é uma parte fundamental.
- Tudo bem. Mas se eu encontrar numa cesta de usados na Waterloo
você me paga. - Ele balança um punho furioso como um velho rabugento, e rio
muito mais alto do que provavelmente deveria.
Olho para seu casaco enrolado perto do pedal da embreagem. É cinza-
escuro, com exceção das letras cor de laranja bordadas na frente como algum
tipo de código: 3.585.000.
- Então, qual é a dos números? - pergunto.
Oliver parece um pouco envergonhado.
- Ah. É meu recorde nesse jogo de pinball que eu e meus amigos da
banda sempre jogamos. É basicamente o jogo mais estúpido já inventado.
Somos totalmente obcecados.
- Parece divertido. Quer dizer, adoro essas esquisitices.
- Sério? Quer ver qual é?
Concordo, e Oliver acelera.
Entramos em Austin e Oliver dirige para um bairro chamado Hyde Park,
onde todas as casas são velhas como tataravós e, francamente, incríveis.
Nada como nos subúrbios chatos de Bodeen.
Paramos no estacionamento mínimo da farmácia Hyde Park. É uma
relíquia total, tipo algo de uma maratona de seriados antigos a que seu pai a
faz assistir quando está com o controle remoto na mão. Tem uma máquina de
refrigerante nos fundos, com balcão azul-turquesa, e ao lado está o objeto de
afeto do entretenimento de Oliver: uma máquina de pinball chamara Stampede.
Oliver não estava brincando. Realmente é o jogo de pinball mais ridículo
de todos os tempos. Stampede tem um tema faroeste cafona com ilustrações
bobas de cowboys, touros e cavalos luminosos que piscam. Depois de várias
rodadas, ainda não tenho ideia do que está acontecendo, exceto que adoro a
sensação de Oliver casualmente se encostando em mim enquanto guia minhas
mãos pelos botões para movimentar os flippers nas horas certas.
Acerto um com perfeição, e a bolinha cai no alvo máximo do jogo.
Milhões de luzes começam a piscar, a máquina chacoalha enquanto o estrondo
de mil cavalos desencadeia uma voz idiota de cowboy que grita:
- Yeeeeeeeehaaaaaaaaw! Tempestade chegando! Stampede!
O ataque de ruídos é tão impressionante que quero me esconder
embaixo de uma mesa ao lado.
- Oliver! Essa é a coisa mais horrível que já escutei - grito.
- Eu sei - diz, com uma risada perversa. - Quero usar numa de nossas
músicas.
De alguma maneira conseguimos desperdiçar duas horas jogando o
Stampede idiota de novo e de novo, prova de como estou disposta a sofrer só
para sentir suas mãos nas minhas. Além disso, parece que apenas dois
segundos se passaram quando me dou conta de que tenho dez minutos para
chegar ao treino de Roller Derby.
Ring my bell
Quando Oliver me deixa na Casa de Bonecas, estou tão nervosa que pulo fora
de seu carro como um ladrão saindo da cena do crime. Então me ocorre que
nem disse tchau, e corro de volta à janela de Oliver e coloco a cabeça para
dentro.
- Então, ahn, obrigada pela carona - digo.
- Sem problemas - responde, me olhando. E não olhando para mim,
estou dizendo me olhando, como se enxergasse até minha alma.
Sinto meus nervos a toda e, antes de ter tempo de sair correndo de
novo, seus lindos lábios estão nos meus. OK, não é como se eu fosse a
abelha-rainha na arte de beijar, mas quando alguém gato como Oliver me dá
um beijo desses, aprendo rápido. Faço aquele beijo durar - longo, demorado, e
mais doce que mel.
Isto é, até sentir um forte tapa na bunda e ouvir Emma gritar:
- Arrumem um quarto!
Ela ri com algumas de minhas colegas de time enquanto entram para o
treino. Oops. Fiquei tão entretida no meu beijo com Oliver que esqueci
totalmente da primitiva demonstração pública de afeto que estávamos
cometendo. Ah, enfim. Esse garoto vale a pena.
Vou para o treino, meio drogada pelo meu primeiro beijo de verdade na
vida. (OK, teve aquela triste tentativa de dar uns amassos com Jeremy,
também conhecido como Germy, na excursão para o Sea World no oitavo ano,
mas acredite, quanto menos falar sobre isso melhor.)
Enfim, estou tão aérea e nervosa, que minha primeira tentativa pós-beijo
de me preparar para o treino acaba com minha joelheira direita em meu
cotovelo esquerdo e minha cotoveleira direita no joelho esquerdo. Sou uma
ameaça à sociedade.
As garotas estão acabando comigo, gargalhando enquanto fico cada vez
mais vermelha. Acho que deve ser bem engraçado quando não se está no meu
lugar. Não posso me dar esse luxo.
Malice entra com pressa e dramaticamente larga sua bolsa ao lado da
minha.
- Ruthless! - grita, fazendo uma cena. - O que foi que falei sobre namorar
caras de banda?
- O quê? - digo, genuinamente perplexa. Perdi alguma coisa?
- Oliver Hastings - Malice diz, como se tivesse acabado de descobrir o
segredo de algum grande mistério não desvendado. - Ele tem uma banda!
- Malice. Estamos em Austin. Todo mundo tem uma banda - Emma diz
casualmente.
- Sim, mas os Stats são, tipo, uma banda de verdade, uma banda que
não é um lixo - Malice rebate.
- Tá tudo bem - digo.
- Para ele - Malice avisa -, não para você.
Não fazia ideia de que era tão protetora.
- Oliver não é nem um pouco assim. Ele é meio nerd, na verdade. É
superfofo - digo.
- Oh, Senhor, lá vamos nós - Malice diz, olhando todas as outras.
- Sabe, nem todos os caras de banda são canalhas completos, ó
Amarga Total - Crystal diz, revirando os olhos para Malice.
- Mesmo? - Malice diz, examinando as 24 garotas amarrando seus
patins. - Todas aqui que já namoraram um cara de banda, levantem a mão.
Todas as mãos se levantam.
- OK. E quantos desses garotos não eram canalhas?
Todas as mãos com exceção da de Letha se abaixam.
- Letha, namorar um trombonista da banda da faculdade não conta -
Malice solta enquanto Letha abaixa o braço.
Malice cruza os braços:
- Caso encerrado, meritíssimo.
Crystal sorri:
- Tudo bem, Malice. Está me dizendo que se Jack White entrasse aqui
agora e ficasse todo, "Malice, gostaria que tocasse na minha guitarra", você
falaria, tipo, "Não, obrigada, você tem uma banda"?
Todas nós olhamos para Malice, que começa a desmoronar com a ideia
de um encontro imaginário com o Sr. White Stripes em pessoa, sua paixão
platônica de todas as paixões platônicas.
- OK, certo - Malice admite finalmente. - Eu tocaria na sua guitarra, mas
não iria ao Kinko's fazer filipetas para o show de sua banda na sexta.
- Caso encerrado, meritíssimo - Crystal diz enquanto todo mundo cai na
gargalhada. Até Malice dá uma risada se rendendo. Ela põe o braço sobre
meus ombros e diz:
- Apenas se cuida, tá?
- Tá. - Assinto. Não sei por que está tão preocupada. De todas as
histórias de terror que já ouvi sobre namorar caras de banda, prometo,
nenhuma se aplica a Oliver. Ele é totalmente diferente.
Quero.
Ele.
Música, maestro
Então, Pash e eu estamos sentadas na aula do Sr. Smiley enquanto ele fala
sem parar sobre reservas e filosofias econômicas e, quem estou tentando
enganar, estou praticamente dormindo. Cabeça na mesa, a um triz de ter uma
pequena poça de baba perto da boca. Isso é o que acontece quando alguém
se encontra além de exausta. Sem ronco, apenas baba, mas geralmente em
meu travesseiro na segurança e conforto de minha própria casa. Não em
público.
Enquanto Sr. Smiley fala sobre nosso projeto de seis semanas e como
devemos nos dar bem com nossos colegas de projeto e saber que "antes tarde
do que nunca" (linguagem do Sr. Smiley para "comecem já"), Pash suspira
para mim:
- Está falando de você, preguiçosa.
- Sabe que sou uma procrastinadora - digo, nem levantando a cabeça da
mesa. - Mas vou fazer.
Podia passar sem o olhar de desaprovação que sinto Pash lançar para
mim enquanto fecho os olhos. Quem ela pensa que é? Da última vez que
chequei, não era a única tirando as melhores notas.
Além disso, preciso muito que ela escute os Stats agora mesmo. Seria
injusto guardar a banda de Oliver em segredo.
- Escuta - digo, passando disfarçadamente a ela um dos meus fones de
iPod. - Não é a melhor música do mundo?
Antes de Pash poder absorver a música adequadamente, um ajudante
do escritório entra e entrega ao Sr. Smiley um bilhete oficial. Ele lê o bilhete e
então balança o discreto papel amarelo em minha direção.
- Girassol, você acaba de arrumar um encontro com o destino - Cowboy
Yoda diz antes de entregar o papel e me despachar.
Roupa'n'Roll
À luz da vergonha e humilhação que o caso Corbi trouxe à minha família inteira
(tradução: Brooke e apenas Brooke), ou forçada a fazer alguma penitência
imediata para evitar que minha mãe surte completamente. E é por isso que
estou nesse momento parada em pé no Clara's Sewing Stop, ajustando um
vestido feito sob medida para o Miss Bluebonnet, em vez de andando por aí
com Oliver. Isso que é tortura.
Não me leve a mal, adoro a ideia de roupas feitas sob medida. Quer
dizer, realmente adoraria estar em Paris, Milão, ou qualquer lugar remotamente
parecido com uma das capitais mundiais da moda. Bodeen, Texas, no entanto,
não chega nem perto da roda da alta-costura.
Mas não diga isso a Clara. Quando se trata de noivas e formaturas, todo
mundo que é alguém no município de Bastrop procura Clara para confeccionar
sua roupa. E seus vestidos para concursos? Bem, meus amigos, estes são
verdadeiras lendas.
- Concursos são telas em branco para minha arte - Clara gosta de dizer.
E agora mesmo estou usando o molde de musselina do que em seis
semanas é a "garantia" de uma vaga no círculo dos vencedores. A saia é tão
enorme que daria pra esconder um carro pequeno por baixo. Brooke está atrás
de mim, espetando e puxando a musselina até vestir perfeitamente, enquanto
Clara prende os alfinetes.
- Ah, Clara, a silhueta está adorável- Brooke suspira, inclinando a
cabeça enquanto me olha pelo espelho.
Minha tática de sobrevivência nesse momento é tirar pequenas férias na
minha cabeça, pensando em Oliver. E naquele beijo, aquele incrivelmente
perfeito beijo no carro com suas mãos em meus pulsos. Não sai da minha
cabeça - nem por um segundo - desde que aconteceu. Na aula, enquanto
estou mordendo uma caneta, sinto o beijo. Andando na fila da lanchonete da
escola, vejo o beijo. Experimentando esse vestido de miss, sinto o gosto do
beijo.
- Agora, se pudéssemos apenas apertar um pouco essa cintura - Brooke
aperta tanto o corpete que sinto minhas costelas lutarem por suas vidas.
- Mãe - digo, arfando para fora do meu sonho com Oliver -, não consigo
respirar.
- Claro que consegue. Agora, só mais uma coisinha - diz, ignorando meu
pedido por oxigênio. Ela saca de repente um par de sutiãs com enchimento de
silicone da bolsa e os enfia na frente do vestido tomara que caia.
- Aarrgh! - digo, horrorizada. - Você está me molestando!
- É por uma boa causa.
Boa causa? De que diabos ela está falando, "boa causa"? Está
planejando doar minha coroa de Miss Bluebonnet para as vítimas de desastres
naturais? Agora, abençoados sejam seus corações, sei que aquela terrível
tempestade destruiu suas vidas e tornou-os desabrigados e tudo, mas aqui
está. Aqui está uma coroa de strass para ajudá-los a superar isso. Boa causa
uma ova.
Dou uma conferida no meu reflexo. A cintura está incrivelmente apertada
e meus peitos de repente parecem infláveis - fui Barbieficada contra minha
vontade.
- Não - declaro. - Não vou usar peitos falsos.
- Ah, coelhinha, não estou dizendo que seus peitinhos não são um amor.
Eles são, na vida real. Mas isso não é a vida real. Isso é o concurso Miss
Bluebonnet, e precisamos de algo a mais.
Está prestando atenção nisso? Minha mãe não apenas me apalpou em
público, mas também se referiu a meus seios como "peitinhos". Adorável.
Prepare-se, Shania, enquanto pula por aí brincando com sua varinha de
condão. Um dia vai ser você aqui no meu lugar.
Uma hora depois, quando o trem da alegria se dirige ao Wal-Mart para
umas compras, encontramos Corbi e Val. Perfeito. Simplesmente perfeito.
- Ora, ora, veja só quem é! - Val diz, dando a volta com sua cesta. -
Como é que as senhoritas estão?
Val tem um jeito de dizer a mais doce das frases como estivesse
sacando uma espada.
- Ah, estamos ocupadas, ocupadas, ocupadas! Acabamos de voltar do
Clara's fomos fazer a prova do vestido da Bliss - Brooke diz, tentando se gabar.
A competitividade primitiva e latente, presente em todas as doces
conversas de Brooke e Val, aumenta um ponto.
- Ah. Ainda frequentam a Clara, isso é tão ... adorável. Acabamos de
voltar de Houston. Para o vestido de Corbi.
A mente de Brooke congela, algo está errado. Tenho certeza de que
nunca lhe ocorreu ir para a cidade grande para isso
- O quê? Vocês não vão pedir para Clara fazer o vestido de Corbi?
- Ah, Brooke. Clara é ótima. Para Bodeen. Mas estamos pensando além
de concursos de beleza. Modelo, filmes, música, TV. Quer dizer, um grande
agente de talentos viu Corbi em Houston e disse que ela poderia facilmente ter
seu próprio Laguna Beach. Ela é uma estrela em ascensão.
- Puxa. Bem, isso parece excitante.
- Claro que é - Val se gaba. - Bem, boas compras, meninas!
- Boas compras! - Brooke sorri por trás de sua amargura.
Quando Val e Corbi desaparecem pelo corredor de cereais, Brooke se
vira para mim, os olhos pestanejando de preocupação competitiva.
- Bliss! O que é Laguna Beach? - ela exige saber como uma pré-
adolescente esganiçada à caça da mais nova e descolada marca de jeans
antes que qualquer outra possa descobrir.
É nisso que se tornou a minha vida? Contar à minha mãe sobre um
programa fútil da MTV, com um monte de piranhas mimadas que roubam os
namorados umas das outras? Por mais que eu preferisse não ser a referência
de cultura pop de minha mãe, sei que se não der uma resposta rápido, ela não
vai calar a boca sobre o assunto.
Então, dou de ombros e digo com a máxima seriedade:
- Laguna Beach é um reality show sobre um bando de adolescentes
superinteressantes, profundos e inteligentes, e que fazem de tudo para
tornarem o mundo um lugar melhor.
- Bom. Se Corbi poderia estar num desses programas, você também
poderia. É melhor nos apressarmos, Bliss - Brooke diz.
Seu detector de sarcasmo está claramente com defeito hoje.
O grande O
No assunto Roller Derby, fico feliz em informar que depois de nossa derrota
contra as Sirens, as Hurl Scouts estão invictas. Derrubamos as Cherry Bombs,
as Black Widows, a Fight Crew, e hoje à noite temos uma segunda chance
contra as Sirens.
Entre os bloqueios ferozes de Malice e Emma Geddon, os ataques
mortais de Crystal Deth e Babe Ruthless (alô, essa sou eu), aquelas policiais
malvadas não vão nem conseguir anotar a placa do caminhão.
Nem Blade consegue conter seus passinhos idiotas de dança quando
ultrapasso a perna quilométrica de Emma para marcar quatro pontos.
- Guarda isso pra festa depois, sua aberração! - Juana Beat'n grita do
banco enquanto vários skatistas envergonhados atacam-no com garrafas de
água vazias. Não que isso o impeça de saltitar. O cara tem pés hiperativos.
Particularmente, adoro as coreografias toscas espontâneas de Blade.
Consegue imaginar um técnico em qualquer outro esporte rebolando no
banco? Somente em Roller Derby, meus amigos.
Só queria que Pash estivesse aqui para testemunhar a genialidade
divertida disso tudo. Ela entrou em quarentena por conta própria em Bodeen
para terminar algum mega-projeto da feira de ciências, algo brilhante demais
para minha mente plebeia compreender. Acho que, se ela está por aí
procurando a cura do câncer, não posso odiá-la demais.
Além disso, quando as garotas Derby invadem a lanchonete Star Seeds
depois da partida, os melhores momentos são piadas internas e referências ao
esporte. Não sei se Pash realmente entenderia. Essas garotas definitivamente
se tornaram minha família.
Bem, todas exceto Dinah Might, que tem resistência de carteirinha a se
juntar ao fã clube de Babe Ruthless. Ela está ressentida comigo, mais do que
nunca. Para piorar as coisas, as Hurl Scouts vão enfrentar suas invictas Holy
Rollers na próxima rodada. Tudo que todos falam é de como nós duas vamos
ser "as rivais da temporada". Ótimo. Como se eu precisasse da pressão.
Quanto mais tento ser legal com Dinah, mais consigo vê-la planejando
internamente minha morte. E juro que não é coisa da minha cabeça. Semana
passada, nos alinharam para uma corrida num amistoso. Dei a Dinah um aceno
de cabeça respeitoso e um sorriso amigável. Ela me olhou feio e sibilou "beije
meus patins, novata", enquanto o apito soava. Essa é sua nova tática. Dinah
finge que não importa o que eu faça, não importa o quanto me esforce para
patinar, não importa quantas vezes Atom Bomb me mencione nos anúncios de
jogos - para ela, sou invisível. Como se não pudesse nem se dar ao trabalho de
lembrar-se de meu nome.
É meio óbvio e imaturo, de um jeito Corbi (mesma atitude, esporte
diferente), mas estaria mentindo se dissesse que não me incomoda. Corbi é
apenas uma líder de torcida e candidata à Miss Vulgaridade para quem não
dou a mínima no final das contas, mas Dinah é uma patinadora incrível, a
estrela da liga, a razão pela qual quis praticar Roller Derby. Seria legal se ela
realmente me desse algum reconhecimento. Não poderia reclamar com alguém
sobre Dinah. Ela é sagrada. Todos a amam.
Não sou uma total desajustada, apesar de tudo. Hoje à noite, estamos
espalhadas entre cinco mesas na lanchonete Star Seeds, e Eva Destruction, da
Fight Crew, está de pé numa mesa, segurando um tubo enrolado.
- OK, tagarelas, calem suas bocas sujas por dois segundos! Tenho um
anúncio a fazer. Como sua escrava de pôster oficial, apresento a vocês o
último e incrível cartaz para a próxima partida - diz.
Observo enquanto Eva desenrola o pôster, uma vez mais dividindo seu
brilhante talento gráfico conosco. Como sempre, é mais irado que irado, mas
algo parece estranho. A garota no pôster - ela tem pernas familiares, braços
que reconheço -, e então, Ah, merda! Não é Dinah no pôster. Sou eu!
Todos aplaudem e Malice joga um pedaço de cebola em mim:
- É isso aí, baixinha! - grita.
Gostaria de poder dizer que é um momento high-five, eba-pra-mim, mas
dois pensamentos imediatamente sobrepõem-se à comemoração.
Um: Do canto de meus olhos, vejo Dinah duas mesas atrás quase
engasgar com uma batata-frita quando o pôster é revelado. E não tenho dúvida
de que vai tentar me matar semana que vem.
E dois: Tudo que consigo pensar é: Minha mãe não pode nunca ver esse
pôster. Não sei por que - não é como se Brooke frequentasse os estúdios de
tatuagem, pizzarias e cafeterias que exibem o lindo trabalho de Eva -, mas o
frio que inunda minha barriga sobe até a garganta. E é quando estou sozinha
em meu quarto, no dia seguinte, que realmente vejo a cópia do pôster que Eva
me deu. OK, confesso, é incrível. Faço uma pequena dancinha de
felicidade. Miss Bluebonnet pode ficar com seu outdoor. Sou uma garota num
pôster Roller Derby!
Escuto minha mãe vindo pelo corredor e rapidamente enfio o cartaz
embaixo do colchão, onde deve permanecer indetectado.
Por causa da invasão do chefe dos bombeiros, a festa começa com um clima
meio pesado. No entanto, quando vemos a dura passando no noticiário
noturno, todos mudam rapidamente para modo "celebração". A sensação é um
pouco de perigo e crime, tipo a glória de ter uma tatuagem sem ter sofrido a dor
da agulha.
Além disso, todos estão tão empolgados sobre a quase derrota das Holy
Rollers, que as capitãs dos times estão fazendo uma reunião improvisada perto
do barril de cerveja para discutir as possibilidades de uma nova partida.
Durante a primeira hora, checo o telefone de Oliver de novo e de novo
para ver se Pash respondeu a minha mensagem. Duas horas depois, desisto.
Ela deve ter simplesmente voltado para Bodeen. Aquela maluca. Não acredito
que está perdendo toda essa diversão.
Oliver e seu irmão mais velho, Hank, por si só um deus grego (prova de
que essa árvore genealógica está recheada de gatinhos), pegam suas guitarras
e fazem uma serenata com uma versão acústica improvisada no quintal. Hank
é o vocalista e compositor de 24 anos dos Stats (ou seja, consegue todas as
garotas). Oliver está feliz em ficar no fundo, encarando os sapatos e tocando
seu baixo enquanto o cabelo cai nos olhos. Hank pode ser a escolha óbvia,
mas eu preferiria Oliver sem pensar duas vezes, o que meio que funciona a
meu favor, considerando que já o tenho.
Em algum momento depois de uma da manhã, Oliver e eu acabamos no
quarto de Octavia, conversando e nos revezando como DJs no som dela.
Estamos sentados no chão, preguiçosamente lutando com travesseiros
enquanto conversamos, principalmente sobre bandas. E do nada ele pergunta:
- Adivinha só?
- O quê? - pergunto.
- Vamos sair em turnê - diz -, com os Benedicts.
Meus olhos subitamente ficam maiores que pratos de jantar. Os
Benedicts são basicamente a banda de indie-rock mais legal de Austin. Mesmo
que não tenha ouvido falar deles, com certeza reconheceria sua música. Confie
em mim. Eles são os caras.
- Fala sério! - guincho, não porque sou de guinchar, mas porque é assim
que extravaso minha empolgação de surpresa (sou uma idiota). - Isso é tão
incrivelmente maneiro! Sério, é a coisa mais maneira que já aconteceu com
alguém que conheço. Não poderia ser mais maneiro nem se...
- Bliss - Oliver interrompe.
- Quê?
- Tem de parar de falar maneiro.
Concordo com a cabeça e depois penso melhor.
- Maneiro, maneiro, maneiro, maneiro, maneiro, maneiro, maneiro - digo,
até Oliver tapar minha boca com uma de suas mãos e me calar. Mordo sua
mão e ele ri.
- Quando vai? - pergunto.
De repente tenho essa fantasia de Oliver e sua banda caindo na estrada
num grande ônibus de turnê durante o verão, comigo indo visitá-lo em
diferentes cidades. Minha mente viaja por todo o país, imaginando várias casas
de shows, com Oliver tocando no palco e eu assistindo dos bastidores (usando
algum vestido vintage de matar, é claro). Ele vai acenar para mim entre as
músicas e vou revirar meus olhos envergonhados para ele de volta, amando
secretamente tudo. Humm... É, acho que vou gostar dessa coisa de turnê.
- Partimos na segunda-feira - Oliver diz.
- O q-quê? - engasgo. É cedo demaaaais.
- Só soubemos hoje. Não se preocupe, são só três semanas. - ele
explica.
- Uau, não, tudo bem - luto com as palavras. - Quer dizer, não, não está
tudo bem porque não deveria dizer isso, mas, er... vai sentir minha falta?
- Você vai sentir minha falta? - ele sorri.
- Totalmente - digo. - Vocês todos vão ter seu próprio ônibus de turnê?
- Está mais pra uma van nojenta - Oliver ri.
- Não respondeu minha pergunta - digo.
- Claro que vou sentir sua falta. Por isso é que preciso de uma dose
extra de você agora - responde.
Com "Pinkerton" do Weezer no som (trilha sonora perfeita para
amassos), Oliver me puxa para seu colo e me beija. Suas mãos escorregam
para baixo da minha camisa, até meus ombros e para baixo nas minhas costas.
Ele passa seus dedos pela cintura do meu jeans, movendo-o para baixo da tira
de elástico da minha calcinha.
Movo minhas mãos por baixo de sua esfarrapada camiseta, sentindo
suas omoplatas. Abaixo a cabeça, beijando aquela minha sarda favorita que
ele tem no ombro.
Com sua mão agarrando a parte de trás de meu pescoço, Oliver me
puxa de volta para que meu rosto se encontre com o dele. Levemente encosta
seus lábios nos meus antes de morder/chupar com firmeza meu lábio inferior.
Não sei como essa tática é chamada, mas mi-au! Minha respiração
imediatamente muda. E a de Oliver também.
Ele rapidamente tira minha camisa, o que entendo como a deixa para
tirar a dele também. Suas mãos, agora determinadas, escorregam por dentro
do meu jeans, passeiam pelas minhas coxas, e vão até a parte interna da
minha perna. É uma sensação, tipo - sei lá - aterrorizante e incrível ao mesmo
tempo. Levanto meus quadris para ele, louca para que me toque...
Mas assim que seus dedos se movem, pulo, subitamente assustada e
distraída e me dando conta da festa acontecendo bem do lado de fora da fina
porta do quarto, e não quero que Oliver me odeie e saia correndo. Só quero
dizer a ele que o amo (amo? Acho que sim). E quero que ele diga que me ama.
Ele ama?
É deprimente querer isso?
Ele me olha confuso. Expiro devagar, pego sua mão, e coloco de volta
na minha coxa, dando o sinal verde. Eu quero. De novo, os dedos de Oliver
sobem por minhas pernas e... de novo, pulo.
- Não me diga que se esqueceu de raspar uma de suas pernas de novo -
Oliver sussurra/sorri em meu ouvido.
- Não. Eu só... - gaguejo.
- Você é engraçada - ele ri.
- Não, não sou - protesto.
- Sim, você é. Não é como se estivéssemos no colegial, como se nunca
tivesse feito isso antes, certo?
Hum, certo. Isso é o que pensa, amigo.
Eu me sento e suspiro, me desculpando.
- Desculpe. Só que aqui não, OK?
Depois de vários minutos de um silêncio constrangedor, preenchidos
ironicamente por "Why Bother?" do Weezer tocando no som –
Why bother
It's gonna hurt me
It's gonna kill when you desert me!
Oliver diz:
- Vamos voltar para a festa.
Ele se levanta, estica um de seus braços, e me puxa do chão.
Dormindo fora
No fim da festa (o que é relativo porque para algumas garotas, a festa nunca
termina - elas apenas continuam, são os coelhinhos a pilha da diversão), sigo
Oliver até seu carro.
Ele me agarra com seus braços magros, musculosos de tocar guitarra e
diz:
- Chega. Estou te raptando. Você vai para casa comigo.
Considerando que Pash me abandonou, decido ceder a seus instintos
criminosos. Apesar de alertá-lo:
- Só não espere conseguir um gordo resgate da minha família.
- Não estou nessa pelo dinheiro - sorri perversamente.
Dirigimos até a casa que ele divide com Hank, Eric e Jesse (seus dois
outros companheiros de banda). Não tenho muita certeza do que estava
esperando, mas me permita dizer que quando quatro caras moram juntos, não
é nada bonito. A casa deles é um chiqueiro.
Não que eu seja a pequena senhorita arrumadeira, mas claramente os
garotos estão vivendo na era das cavernas da limpeza. No universo doméstico
deles, coisas pequenas como espanadores e aspiradores ainda estão para ser
inventadas.
Não estou dizendo que não seja legal - porque é. É só que... estou com
medo de me sentar.
Oliver me olha, um pouco envergonhado.
- Ah, é, a sala é meio terra de ninguém. Prometo que meu quarto não é
tão assustador - diz, me puxando por uma das mãos através do corredor.
- Só está tentando me enrolar - digo.
- Talvez sim - diz. - Talvez não.
Entramos em seu quarto e posso confirmar que, enquanto é beeeeem
mais limpo, ainda é bagunçado o suficiente para eu respeitá-lo. Me jogo no
colchão que está no canto, sem cama. (Um estilo que quis fazer no meu quarto
até Brooke dar um basta. Disse a ela que parecia "legal e minimalista". Ela
disse que parecia "de mendigo".)
- Desculpe ser tão pequeno - Oliver diz -, mas sou o mais novo, então
me deram o menor quarto. Cretinos.
Acho que seu quarto é perfeito e um pouco misterioso, cheio de todo tipo
de coisas de garoto e de Oliver. É tipo um estúdio musical com uma cama.
Muitos cabos, pedais de guitarra, um amplificador com a tela arrancada que
está no conserto, um milhão de CDs, um velho gravador de fita para fita, e algo
que ele explica ser um "gravador manual porque ProTools soa perfeito
demais".
Tem um pôster dos Três Patetas e uma foto da Joan Jett em seus anos
"Runaway", um desodorante em cima de uma mesa de cabeceira feita de
engradados de leite, e todas as suas roupas estão no chão do closet. Uma
coisa está pendurada - uma camisa azul arrumadinha de botões da Banana
Republic, ainda com as etiquetas.
- É, minha mãe me deu isso de aniversário - ele ri enquanto mexe em
alguns discos, então coloca o clássico Highway 61 Revisited do Bob Dylan.
Não dá pra discutir com esse.
Acabamos sentando e depois, deitados em sua cama, nos beijando,
ouvindo música, nos beijando um pouco mais, ouvindo mais música,
conversando sobre como estamos cansados, e então nos beijando de novo.
É uma sensação tão perfeita apenas estar ao lado dele, que esqueço
totalmente que em menos de 48 horas vai ter ido embora.
Agora, nunca repita isso para Pash, mas estou começando a pensar em
Oliver como meu melhor amigo. Talvez possa ter dois melhores amigos, um
com quem dou uns amassos (O.) e uma com quem tiro sarro dos outros na
escola (P.).Posso contar qualquer coisa a Oliver, e acho que ele sente o
mesmo.
Por exemplo, estamos deitados ali, e começamos a falar em fazer sexo -
e não de um jeito totalmente embaraçoso. Apenas casual. Tipo, devemos fazer
agora? Ou devemos esperar até ele voltar da turnê? Pesamos os prós e
contras. Posso ver que ele realmente quer fazer (quer dizer, sinto que quer - a-
hã), mas ele meio que me deixa decidir.
Não me leve a mal, estou pronta para o trabalho (pelo menos acho que
estou), mas quero que seja tudo perfeito. E qual é a pressa? Acho que é meio
puritano, mas penso que talvez fosse melhor esperarmos até ele voltar da
turnê, nos dar algo a que antecipar.
Então, por volta das cinco da manhã, com raios de sol cor de laranja
entrando pelas persianas, Oliver e eu adormecemos enrolados um no outro.
Sem sexo, apenas dormindo juntos, o que é tão bobo, mas o tipo de bobeira
que é maravilhosa.
Au revoir
Indo para a escola depois de meu muito importante fim de semana, sinto como
se estivesse dando três passos gigantes para trás na vida. Subitamente
superei essa cidade, essa esquisita coisinha de colegial. Envolvo o casaco de
Oliver em mim como consolo.
Olho pra frente e vejo Pash parada em frente a meu armário. Mesmo de
longe, dá pra ver que está irritada. Não sei por que, mas tenho certeza de que
estou prestes a descobrir.
- Ei, Pash - começo.
- Não venha com "Ei, Pash" pra cima de mim - diz, me cortando.
- O quê? O que foi que fiz?
- Me deixou na mão, sua idiota. Tive que ir para a festa sozinha, e
quando cheguei lá não me deixaram entrar porque tinha gente demais.
Estavam preocupados com outra visita da lei.
- Pash! Eu nem sabia - digo.
- Sentei lá fora uma hora te esperando. Até desistir e voltar para casa.
- Desculpa. Te mandei uma mensagem. Porque não me respondeu?
- Me mandou uma mensagem? - diz, descrente. - Bem, não recebi.
Apenas me diga que está com nossa maldita colagem.
- Colagem? - digo. - Que colagem?
- A colagem. Para nosso projeto de economia - diz ela, enunciando
claramente cada palavra, como se inglês fosse minha segunda língua.
- Pash, calma - digo. - Tenho dois dias para terminar.
Ela para e me olha.
- Não, não tem. É para o terceiro tempo de hoje!
- Não, não é. É para quarta-feira - argumento, como se falando em voz
alta fosse virar verdade.
A única coisa que faz é deixar Pash ainda mais puta. Ela se volta para
mim e começa a disparar, falando a mil quilômetros por hora.
- Bliss! Fiz todo o texto sozinha, e tudo que tinha que fazer era a
estúpida, fajuta colagem. Um A fácil para nós duas, e nem isso consegue fazer.
Sabe, nem todo mundo tem uma vida de patins-namorado-rockstar para se
garantir. Se não for a oradora de turma nessa piada de escola, não ganho
minha bolsa, o que provavelmente significa que posso dar adeus ao sonho de
ser cirurgiã. Não sou somente uma neurótica com notas, sabia? Estou tentando
sair dessa cidade de merda. Igual a você.
- Pash - digo, me sentindo como um pedaço de lama na sola de um
sapato. Ela me despacha com um balançar de pulso com desprezo.
- Dane-se. Obrigada por nunca mais passar tempo comigo. Obrigada por
me largar na festa. Obrigada por me usar como álibi para passar a noite com
seu namorado imbecil. Mas, principalmente, obrigada por arruinar minha
média. Você é uma amiga maravilhosa, Bliss - diz com sarcasmo brutal. -
Nunca mais fale comigo.
Antes que eu possa responder à granada verbal, Pash se vira e
desaparece na multidão do corredor. Sinto como se fosse vomitar.
No terceiro tempo, imploro ao Sr. Smiley para que puna a mim, não a
Pash, pela falta da colagem em nosso projeto. O Cowboy Yoda não quer nem
saber. Sinto Pash me fuzilando com os olhos em sua mesa no fundo da sala.
Quando tento encará-la, ela desafiadoramente olha para outra direção.
Perdi minha melhor amiga, e a verdade é que Pash está certa. Que tipo
de pessoa desprezível estraga um A garantido quando Pash está fazendo todo
o trabalho pesado? Eu. Sou podre.
Pelo resto da semana, tento desesperadamente seduzir Pash de volta à
esfera da amizade, mas ela não morde a isca. Não a encontro em seu armário,
não importa o quanto eu espione. Toda vez que ela me vê chegando,
imediatamente se vira e segue para outra direção. E durante o almoço,
desaparece. (Será que está comendo em algum canto escuro da biblioteca?
Fico me perguntando.)
Lá pela quinta-feira, começo a deixar bilhetes engraçadinhos no seu
armário (observações geniais sobre a idiotice que é o colégio Bodeen, o tipo de
coisa que ela adora), mas todos são devolvidos ao meu armário com um
"devolver ao remetente" furiosamente rabiscado na letra de Pash.
Machuca. Lembro dos dias quando aquela letra era usada para mim,
não contra mim.
Eu sei, eu sei. Ferrei tudo. Não precisa esfregar na minha cara.
À luz da grande Briga entre Melhores Amigas de 2007 entre Pash Amini/Bliss
Cavendar e da turnê de Oliver, estou de volta ao ônibus do bingo para chegar a
Austin. Não que me importe. É legal andar com Helen novamente. Nós, garotas
de cabelo azul, devemos ficar juntas, especialmente em tempos de crise.
Até deixo meu iPod guardado na mochila e seguro a bola de lã de Helen
enquanto ela tricota e me conta sobre sua vida. Ela reclama sobre suas "mãos
com artrite", mas vou te contar, Helen mexe naquelas agulhas como uma rock
star. E sei disso por experiência. Cometi o erro fatal de tentar tricotar um
cachecol no último Natal. O que começou como uma esperançosa bola de lã
acabou parecendo um descanso de copo desfigurado que foi atropelado por
um carro umas cem vezes. E eu nem tenho artrite.
No caminho, secretamente me pergunto se por ser super legal com
Helen vou ganhar uns pontos extras de carma para recuperar Pash. Como se,
em algum lugar do universo, as pessoas que controlam essas coisas
estivessem assistindo e pensando, "Não podemos deixar Bliss longe da sua
melhor amiga por tanto tempo. Ela obviamente é uma boa pessoa. Seu método
pode ser todo errado, mas seu coração é bom."
Talvez esteja apelando. É só que sinto falta de Pash, e é meio estranho
saber que 101 pedidos de desculpas não significaram, nada, zero, nadinha.
No treino, Razor e as capitãs dos times anunciam uma mudança nas datas da
temporada. Por causa da dura da polícia, foi decidido que o jogo inacabado
entre as Hurl Scouts e as Holly Rollers vai se repetir no sábado. Isso significa
que todos os outros jogos serão adiados uma semana, incluindo os
campeonatos da liga, que agora acontecerão no dia 17 de novembro, em vez
de 10 de novembro.
Agora, normalmente não planejo minha vida através de calendários.
Estou ocupada demais seguindo a maré para ser controlada por um bando de
caixinhas organizadas por números num pedaço de papel. Isso é coisa pra
Brooke, e tento ficar o mais longe possível. Mas, pensando bem, talvez não
seja a escolha mais sábia.
Chego em casa vindo do treino, faminta por nutrientes. Vou até a
cozinha, onde minha mãe pergunta como foi meu grupo de estudo.
- Incrível - digo, indo direto até a geladeira.
Abro-a e pego a garrafa de leite, que está quase vazia, um presentinho
dos céus. É um daqueles raros momentos em que posso beber do gargalo sem
provocar a ira de minha mãe. Jogo a cabeça para trás, fecho os olhos e
aproveito cada gota até a última. Ahhhhhhhh.
Então abro meus olhos e me encontro encarando um extremamente
detalhado "Calendário de Eventos dos Cavendar" cobrindo a porta da
geladeira. O nome de Shania está por toda a parte naquela coisa, pequenos
adesivos de tiaras rosa e com purpurina marcando suas várias idas e vindas de
concursos. Mal sou mencionada, exceto pelo lembrete "Bliss: dentista", em 2
de novembro.
Então, dou uma olhada mais de perto. Tem uma tiara grudada em minha
homenagem, no dia do concurso Miss Bluebonnet, que por acaso é... 17 de
novembro. Espera - 17 de novembro?
O campeonato e o concurso Miss Bluebonnet são na mesma noite?
Tenho que confessar, essa é a mais perversa pegadinha que já vi em toda
minha vida.
Na minha aula de inglês, quando estávamos estudando Hamlet e
Macbeth, a Srta. Weaver falava e falava sobre como todos os grandes
personagens de Shakespeare tinham uma "falha", o teimoso erro humano que
era a fonte de seus destinos dramáticos.
Nunca imaginei que tinha uma falha. Até agora. Claramente, minha
incompetência para lembrar datas me custou minha melhor amiga, e agora
isso.
Estou tão ferrada. Estou ferrada com chantilly, granulado e uma cereja
no topo.
Resistir é inútil
Barraco em cartaz
Triiin... triiim...
No celular emprestado de Malice, espero meu pai atender do outro lado
da linha.
- Alô?
- Hum, pai...
- Bliss! Onde em nome de Deus você foi parar? Sua mãe está fora de si.
Está em segurança?
- Claro que estou em segurança.
- Tem certeza?
- Não, pai, fui sequestrada por um bando de petroleiros morenos e
exóticos e estou a caminho de Dubai para ser a esposa número oito num
harém de escravas brancas.
- Essa é sua ideia de humor?
- Mais ou menos. Estou bem, OK? Tenho apenas uma pergunta rápida
para fazer. Entre você e eu, pai.
- Quando vai voltar para casa?
- Pai, sei que acha que eu praticar Roller Derby é meio legal. Você
nunca admitiria, mas está tão de saco cheio da ditadura de concursos de Miss
quanto eu.
Silêncio.
- Então, pai, por favor, pode me dar sua palavra de que não vai
processar as garotas se eu patinar? Mamãe não precisa saber.
- Bliss.
- Por favor?
Uma eternidade de silêncio.
- Bliss, vou te contar uma coisa.
- O quê?
- Tenho mais dois anos com você em minha casa. Mas tenho uma vida
inteira pela frente com sua mãe. Está entendendo?
- Sim, estou entendendo. Nunca vai enfrentá-Ia, vai?
Não sei o que estava pensando ao ligar pra ele em primeiro lugar. Fecho
o celular de Malice e dou meia-volta para encarar os rostos cheios de
expectativa de minhas colegas de time.
- Foi mal, pessoal - digo, balançando a cabeça.
- Você tentou - Crystal Death diz, ajeitando suas meias arrastão.
- Está bem? - Malice pergunta.
- Tô - suspiro. - Mas meio que, tipo, preciso me mudar para sua casa.
- Claro. - Ela assente e põe um braço à minha volta.
Adoraria florear essa parte da história com algum tipo de espírito de nobreza
"fizemos o nosso melhor, ainda somos vencedoras apesar de ter perdido -
engulam essa!", mas a simples verdade é que as Hurl Scouts foram
massacradas pelas Holy Rollers.
É claro que Dinah está desfilando por todo o lugar como se fosse o
milagre divino da patinação, e ainda quero chutar sua cara com os patins que
não tenho, mas estou meio ocupada no momento. Estou no telefone.
Como a nova colega de quarto oficial de Malice, agora tenho acesso a
um celular! Então, imediatamente ligo para Oliver, esperando falar com ele
antes que toquem em - onde era mesmo? - Cleveland ou Cincinnati? Não
importa. O que importa é que tenho de ouvir a voz dele de qualquer maneira.
Sério. Se Oliver não pode estar aqui para me envolver com seus braços, então
ficarei feliz em me envolver com o som de sua voz.
Mas tudo que consigo é caixa postal.
- Ei, é o Oliver. Me deixe algum amor. Biiiiip.
Apesar de conseguir apenas a voz gravada de Oliver, é reconfortante
escutar uma prova real da sua existência. Até pulo a parte de deixar recado só
para poder rediscar e ouvir sua voz de novo ... e talvez fazer com que atenda.
Nada feito. Cai na caixa postal de novo.
Respiro fundo e disparo uma mensagem tagarela que, pelo que me
lembro, é algo do tipo:
- Ei, rockstar, sou eu. Como está a vida? Estou bem, acho ... Bem, na
verdade não. Estou meio em guerra com o mundo hoje, e o mundo está
ganhando. Enfim, meio que saí de casa - longa história -, mas você pode me
ligar de volta no telefone da Malice. Quando tiver tempo ... estou com saudades
da sua voz e hum... de todo o resto.
Apesar de estar bastante para baixo no momento (e acredite, não sei
aonde vai dar, apenas que vou bem para baixo), sou grata de ainda ter o
casaco de Oliver. É meu novo cobertor de estimação.
Enquanto desabo no futon de Malice (no seu pequeno e perfeito
apartamento cheio de coisas fabulosas de brechós e antiquários), escuto ecos
de Velvet Underground que ela ouve em seu quarto.
Tudo que consigo pensar é em Oliver e em como sentir saudades suas
passou subitamente de uma irritação para uma dor. Dói fisicamente, do meu
estômago até o resto do meu corpo.
Mal posso esperar para que me ligue de volta amanhã para termos pelo
menos alguns minutos para conversar.
Malice leva minha mudança bem a sério. Ela se recusa a me deixar matar aula
e insiste em levantar da cama a essa "hora maldita" para me levar até Bodeen
sem que eu perca meu primeiro tempo. Ela até prepara um almoço no saco de
papel para mim, que consiste num burrito congelado esquentado no micro-
ondas e enrolado em papel-alumínio para conservar o calor até a hora do
almoço. E uma banana mais que madura como complemento. Acho que o que
vale é a intenção.
Me deixando na escola, Malice está com um roupão psicodélico dos
anos 1960 que é a solução da moda para o café. Uma olhada para aquele
pano colorido e você acorda: cafeína não é mais necessária. O roupão provoca
vários olhares desaprovadores de meus colegas, mas Malice responde à
altura.
- Ei, baixinho - ela grita pela janela enquanto Matt Holtzman passa e ri -,
eu não usaria essas suas calças de pregas nem morta, então dane-se.
Ela se vira para mim e sorri.
- Sabe, Bliss, se tivesse que aguentar esse lixo cultural diariamente,
também teria fugido de casa e começado a jogar Roller Derby.
Finalmente. Finalmente alguém que entende o que quero dizer.
- Malice, me adota? - pergunto.
- Nem pensar. Mal posso bancar minha faculdade - responde.
E então começa a ficar séria, tipo, séria estilo conselheira estudantil (só
que sem as bijuterias de abelhinha).
- Ruthless - diz, remexendo um saco de Cheetos de validade duvidosa
que tirou de debaixo do assento do carro -, adoro você pra caramba, todas nós
adoramos, mas alguma hora vai ter que voltar pra casa e resolver as coisas
com seus pais.
- Não tem jeito. Eles não me entendem.
- Tem que dar uma chance a eles. Meus pais ainda me acham uma
aberração de circo, mas sei que me amam - Malice diz.
Seus pais têm seus motivos: ela está usando um roupão hippie florido,
comendo um saco de Cheetos velhos e bebendo café frio de uma xícara onde
está escrito "Melhor Avô do Mundo". Nem todas as famílias do mundo
entenderiam a essência de Malice.
- Sou super a favor de ser rebelde - continua -, mas às vezes tem que
saber quando fazer as pazes.
É cedo demais para digerir esse sermão improvisado, então saio do
carro e sorrio:
- Valeu, mãe.
- Adeus, querida - diz para mim em sua melhor voz anos 1950, estilo
June Cleaver. - Tenha um dia supimpa na escola!
Sem olhar para trás, mostro o dedo para ela e continuo andando até a
porta. Escuto sua buzina em agradecimento.
Como poderia voltar para minha casa e minha família agora que tenho
Malice?
Estudos mostram que pessoas em crise podem realizar atos incríveis de força
física, o que provavelmente explica como consigo passar correndo pelo guarda
da escola e sair pela porta da frente. Bodeen High supostamente tem tolerância
zero para coisas como uma garota correndo porta afora no meio de um dia de
aulas, mas uma garota com um coração recém-partido burlando a segurança?
Eles não têm a mínima chance.
Tudo que sei é que não tenho ideia de para onde estou indo e não
consigo parar de correr. Me sinto tão exposta que o sol machuca, o vento arde,
e não consigo me livrar dessa onda de dor súbita que me joga contra a praia.
Que porra foi essa que acabou de acontecer?
Minha mente está acelerada com um filminho de tudo que se refere a
Oliver - vendo-o pela primeira vez na primeira partida de Derby quando era
apenas Señor Sensual, ouvindo Velvet Underground com ele, a surpresa dele
parado no estacionamento do Oink Joint, jogando Stampede, conversando às
três da manhã, beijando, sendo beijada, música, música, música, e rindo, rindo,
rindo.
Era tudo mentira.
O que foi que fiz de errado? Por que não fui boa o suficiente? E como
Malice podia estar certa?
Tentei tomar cuidado, tentei mantê-lo interessado com meu sarcasmo e
encontros inocentes para provar que não era fácil, para provar que não ia ficar
toda caidinha por ele só porque toca numa banda. Fiz com que ele provasse
seu valor para mim, o fiz merecer - e mereceu. Então dei tudo que era meu
para ele: minha confiança, meu coração, minha alma, tudo. Dei tudo para ele
cinco vezes em seu quarto enquanto esquecia completamente da minha
melhor amiga.
E agora ... só queria pegar tudo de volta.
Devo ter desmaiado porque não sei quem nem o quê me trouxe até aqui. Tudo
que sei é que estou sentada no chão de uma cozinha familiar em frente a uma
porta de geladeira gigante.
Me dou conta de que estou com fome. Bem, não tanta fome quanto
necessidade desesperadora de enfiar o máximo de comida que conseguir na
boca para evitar que comece a gritar. Faz sentido? Claro que não, mas estou
em dolorosa queda livre.
Abro com força a porta da geladeira e começo a esvaziar seu conteúdo
no chão ao meu redor até acertar o alvo com um potinho de restos de torta de
carne moída. Eu amo torta de carne moída. Tiro a tampa e vou à forra.
Escuto o leve chacoalhar de chaves a distância, mas continuo comendo,
tentando me distrair de todos os pensamentos tos esperançosos "isso deve ser
algum mal-entendido - Oliver me ama de verdade" que correm pela minha
cabeça.
É difícil se enganar quando se é uma pessoa esperta, mesmo quando se
sente burra. Explicações fajutas e carentes não vão mudar o que agora sei
sobre Oliver. Me sinto tão... usada.
Olho para cima e lá está ela - Brooke. Estou tão surtada neste momento,
que nem percebi que estava na minha própria casa. Não era esse meu plano.
(OK, não existia um plano na verdade, mas não esperava acabar aqui.)
Ela olha para mim. Eu olho para ela.
Não venho em casa há três dias, mas parecem três anos. Ela não
conseguiria nem começar a imaginar pelo que passei. Como um animal
encurralado e confuso, começo a entrar em pânico, querendo escapar, mas
sem saber como.
Não consigo nem encontrar palavras. Tudo que consigo dizer é "Por
favor, apenas ... " antes da represa que segura minhas lágrimas começar a
ceder e então vir a enchente. Tenho certeza que dá a ela uma satisfação
triunfal me ver chorando incontrolavelmente em frente a um pedaço de torta de
carne, mas não consigo parar.
Brooke dá um passo em minha direção e me preparo para o novo round
de luta livre para o qual deve estar prestes a me convocar. Não ligo se estiver
de castigo até os 65 anos, apenas não tenho energia nesse momento. O que
quer que aconteça, ela ganhou.
Mas outra coisa acontece. Ela coloca uma das mãos sobre seu coração
e suspira:
- Ah, coelhinha...
Ela chuta um tablete de manteiga para fora do caminho e se ajoelha a
meu lado. Estou chorando tanto, que demoram vários segundos até perceber
que os braços de minha mãe estão à minha volta, me ninando. Ela é quente e
macia, e é uma sensação tão boa, como se tivesse 5 anos e ela estivesse me
confortando com seu amor.
Pode rir, mas é a verdade.
Talvez seja alguma linguagem mãe/filha secreta nunca mencionada,
mas mesmo que nunca tenha dado um pio a ela sobre Oliver, parece
saber exatamente por que estou tão devastada. Ela ajeita meus cabelos para
trás e diz apenas uma coisa:
- Quem quer que ele seja, não merece você.
- Mãe, acho que vou morrer - digo.
- Não, não vai.
- Não, é sério, acho que vou. Ele deu a ela minha camisa do Stryper, e
ela estava usando. Como se faz isso com alguém?
Minha mãe continua me abraçando e então diz:
- Stryper? Fui vê-los quando era uma caloura na Texas Christian. Meu
Deus, aqueles rapazes tinham o cabelo maior que o meu.
Eu rio. A ideia de minha mãe curtindo heavy metal cristão dos anos 1980
- cantando junto "To Hell with the Devil" - é uma surpresa tão bem-vinda. Ela
nem imagina.
Cupcake
OK, pode dizer. Vá em frente. Tive o coração partido por ______ (não
pronuncio mais seu nome), e a primeira coisa que faço é ir correndo para a
casa da mamãe. Bem, e daí? Não ligo se não sou durona. Estou apenas
tentando sobreviver a essa altura. Minha vida está por um fio.
Vou para meu quarto e tiro uma soneca de uns mil anos, o coma do
sono. Por mais legal que seja ser a colega de quarto temporária de Malice,
nunca consigo dormir direito lá. Esse quarto idiota, nessa casa idiota, nessa
cidade idiota é onde durmo melhor. Acho que é meu lar. Por enquanto.
Acordo com um dos meus cheiros favoritos, cupcakes quentes. Minha
mãe bate em minha porta e entra carregando uma bandeja de cupcakes de
chocolate recém-saídos do forno - receita original, com recheio de chocolate e
cobertura de chocolate. São uma bomba de açúcar completa, mas tãããão bons
de vez em quando.
- Obrigada, mãe, mas não estou com muita fome - digo.
Ela deixa a bandeja perto do som.
- Pro caso de mudar de ideia.
Eu mudo, e imediatamente pego um.
Meu pai entra, vindo do corredor.
- Aí está - sorri. - Tem sorte de ter aparecido. Estava prestes a colonizar
seu quarto. Transformá-lo num quarto para assistir futebol. Dê-me uma tela
plana e...
Mando de volta um olhar "nem ouse pensar em pintar bolinhas de futebol
nas paredes do meu quarto" e ele me dá uma cutucada.
- Bom ter você de volta, garota.
- Tá, e desculpe por ter sido uma babaca no telefone.
Meu pai balança uma das mãos como se não fosse nada.
- Já esqueci.
Ele beija minha testa, rouba um de meus cupcakes e sai.
Enquanto minha mãe sai de meu quarto, ela acrescenta:
- Acho que podemos esquecer a história do castigo por enquanto, não
acha?
Então, acho que a receita secreta para que seus pais sejam bacanas é
ter uma grande briga, fugir de casa, e voltar três dias depois um caco
emocional. Não podem te sacanear nesse estado. O que é bom. Não sei se
aguentaria agora.
Ter meu coração pisado por ______ já é punição suficiente.
Em vista de tanta gentileza materna, decido responder minha mãe à
altura.
- Mãe. Se realmente quer que eu esteja no concurso de Miss
Bluebonnet, eu vou - digo.
Ela se vira.
- Bem, não quero forçá-la.
- Não. Quero ir - digo, o que é meio mentira, mas não é como se fosse
me matar. Uma última aventura dos concursos. Vou me aposentar arrasando.
Minha mãe se anima:
- Bom. Isso faria muito bem a meu coração.
Pash parte 2
Alergia a faixas
Minha nossa, se eu já achava que o frenesi de minha mãe por tiaras era algo
para detestar, descobri que era apenas um aquecimento para em quem ela se
transforma no dia do concurso Miss Bluebonnet. Senhoras e senhores, favor
contemplar: Mãe-de-Miss Neurótica.
De hora em hora, sou preparada, pinçada e alfinetada, e nem chegamos
ao clube ainda.
Será que ela realmente acha que posso ganhar? Quero levantar uma de
minhas mãos na metade do dia e dizer:
- Alô, lembra de mim? Sou Bliss, a que ganha o "Certificado de
Participação", não a coroa.
Não que isso fosse acalmá-la. É uma mulher numa missão e esse é o
último concurso de minha vida, então pra que me rebelar? (OK, sim, há muitos
motivos para se rebelar sempre que garotas estão sendo recompensadas por
sua beleza com uma coroa brilhante, mas essa é a nova eu, a madura, a que
está tentando manter a paz.)
Duas horas, um vestido feito sob medida e cem fotos depois, estou
estacionada nos bastidores em meu próprio espelho, fazendo minha
maquiagem. Trouxe Pash comigo para ser meu amuleto da sorte, mas na
verdade é só para me fazer companhia e evitar que eu enlouqueça e tente
matar todas as outras rivais irritantes do concurso.
Enquanto Corbi e todas as outras que querem ser como Corbi correm
pra lá e pra cá nos bastidores, numa competição nunca mencionada para ver
quem consegue ser mais dramática, Pash e eu relaxamos no meu espelho.
Quando começo a aplicar sombra azul nos olhos, Pash finge estar tendo
convulsões.
- Pare - digo, rindo, deixando ainda pior o processo para aplicação da
maquiagem medonha.
- Não posso vê-la fazer isso com seu próprio rosto - declara.
- Ei - argumento -, se vencer, ganhamos sorvete Bluebonnet grátis
durante um ano.
- Então espalha essa purpurina aí! - grita, folheando a cópia abandonada
da revista de alguém. Ela zomba de todas as superestimadas e desnutridas
atrizes. - Acho que deveria doar seu sorvete para essas garotas.
- Sim - digo. - Para todas as garotas passando fome em Hollywood, esse
Chocolate com Marshmallow é para vocês!
Essa aventura não seria nem de perto tão divertida sem o Show de Pash
Amini. Até minha mãe me deixa nas mãos capazes de Pash e fica zanzando
pelo auditório, fazendo a social que gosta de fazer na Concursolândia.
Mais ou menos às 18h07, somos notificadas de que o show vai começar
pontualmente às 18h30 e que devemos estar prontas em nossa roupa "formal
diurna", que é uma baboseira que quer dizer "roupa".
Às 18hll a porta de emergência dos bastidores é escancarada por fora, e
entra então o choque cultural mais louco que o mundo de concursos de
Bodeen já viu.
Tudo que escuto é a voz de Emma Gedden dizendo:
- Larguem o gloss rosa e se afastem do espelho.
Me viro para ver meu time de Roller Derby inteiro - cada uma das Hurl
Scouts - andando pelo camarim.
Crystal parece tão chocada em me ver quanto eu estou em vê-la:
- Ruthless, o que foi que aconteceu com seu cabelo? Já vi carros
alegóricos em paradas menores que isso.
- Bem - digo, dando tapinhas em meu cabelo penteado pro alto e cheio
de spray -, é assim que usamos em Bodeen.
- Exatamente por isso temos que tirá-la daqui - Kid Vicious declara.
- O quê? - pergunto, lentamente entendendo o fato surreal de que minha
vida na patinação e minha vida nos concursos de beleza estão colidindo bem
na frente de meus olhos.
- Fizemos uma enquete - Crystal diz enquanto joga alguns olhares
divertidos de "vou quebrar sua cara" para Corbi -, e as Scouts decidiram que
preferimos abandonar o campeonato a patinar sem Babe Ruthless.
- Eu voto em uma fuga - Pash diz, mostrando seu apoio à causa delas.
- Suas doidas! - digo, completamente lisonjeada. - Foi o máximo terem
vindo aqui. Mas não tem como pular fora sem matar minha mãe.
E como se pegando a deixa, escuto-a entrando no camarim.
- Bliss... ? Bliss Cavendar, onde está? - Brooke chama.
Fico pálida, mais pálida que o normal- translúcida.
- Galera, minha mãe está vindo. Escondam-se! - digo, balançando meus
braços e surtando totalmente.
Elas se espalham em direções opostas, tentando se misturar às outras
participantes do Miss Bluebonnet. Meu coração está disparado quando minha
mãe vem até mim.
- Ei, mãe - digo casualmente. Nada para ver aqui. Pode sair.
Ela me dá esse olhar sério, "Estou prestes a ter com você uma conversa
de coração de mãe para filha" , e rezo para que seja rápido.
- Coelhinha, só quero te dar um presente de boa sorte para sua grande
noite - diz. Então me entrega uma bolsa, uma sacola pesada de mercado que é
bem diferente do estilo Brooke Cavendar de embrulhos perfeitos. Abro a sacola
e puxo (mentira! meus patins.)
Meus patins, meus patins, meus patins, meus patins, meus patins, meus
patins!
- Agora vamos dar o fora daqui - completa.
- Como é? - pergunto.
- Shania sim, leva jeito. Ela será Miss Bluebonnet algum dia. Mas você;
você é Babe Ruthless. E tem um campeonato para ganhar.
Me ocorre que não apenas ela está devolvendo meus patins, mas
também minha liberdade. Sinto meus olhos marejando com lágrimas de
gratidão. Minha mãe, sem perder o fio da meada, dá uma olhada em volta do
camarim e pergunta:
- Qual de vocês inventou esse nome, afinal?
O braço tatuado de Malice leeeentamente levanta detrás de uma arara
de vestidos de babados e ela se revela.
- Esperto - diz minha mãe. - Mas não quero vê-lo tatuado no braço dela.
- Combinado - Malice diz, antes de abraçá-la. - Obrigada, mãe! - grita.
Conversas futuras irão revelar que Earl foi quem começou a guerra em
meu favor. Não sei se ele a chantageou, deu uma chave de braço ou ameaçou
fazer um mutirão pelas ruas, mas o que quer que tenha feito, funcionou. E isso
significa mais para mim do que qualquer coisa que aconteça no jogo.
E sim, muitos agradecimentos a Brooke por me libertar da jaula Miss
Bluebonnet. Não pode ter sido fácil para ela virar aquelas chaves.
O significa...
No que deve ter sido a maior virada da sorte na história de nossa pequena liga,
uma hora depois estou vestida no meu uniforme das Hurl Scouts e pronta para
ir. Convenço minhas garotas a manter em segredo as notícias da minha volta
para surpreender o pessoal.
- Qual é, não vamos contar a ninguém até começar a introdução. Então
Atom Bomb é quem vai anunciar meu nome - digo, convencendo-as sobre
minha ideia.
- Isso, todo mundo vai pirar! - Emma acrescenta, me apoiando.
Então aqui estamos, na partida da temporada, com as Hurl Scouts
enfrentando as ainda invictas Holy Rollers. (O que acho chato a essa
altura. Eba, você. Ganhou de novo, que super-hiper-legal.) Todos esperam que
as Rollers patinem até a vitória sem nem um rasgo em suas meias-calças
arrastão.
Bom, a grande coisa sobre a vida - conforme estou aprendendo - é que
coisas inesperadas acontecem no caminho, e quando Atom Bomb me anuncia,
por último, a multidão realmente pira.
Ahhh. É bom estar de volta, mas é ainda melhor ver a expressão
chocada de Dinah. Sorrio quando vejo seu mecanismo interno começar a dar
defeito e uma pequena nuvem de fumaça zangada sair de seu capacete.
É o momento surpresa do século, e estaria mentindo se dissesse que
não adorei cada segundo dele.
Da pista, vejo minha família sentada nos bancos, apertados entre um
bando de roqueiros caipiras fortões com os braços cobertos com tatuagens.
Brooke aparenta estar hilariantemente aterrorizada enquanto aperta Shania
com força em seu colo. Earl olha em volta, meio confuso, como se estivesse
esperando instruções sobre como se comportar.
Me vem à mente que, se ao menos tivesse uma câmera, esse seria o
cartão de Natal perfeito da família Cavendar, não que eu seja responsável por
essas coisas. Mas seria genial.
Razor apita e o jogo começa.
É claro, não patino há duas semanas e demoro algumas voltas para
sacudir a poeira, então Dinah e as Rollers pulam para uma vantagem de 11 a
6.
Seus fãs não perdem tempo em mostrar apoio gritando "Rollers!
Rollers!"
Mas quer saber? Não menti para meus pais, criei uma vida secreta e fugi
de casa para deixar Dinah Might roubar a cena justo na noite em que minha
família vem ver o motivo de eu ter me virado de cabeça para baixo. Podem não
ver Miss Bluebonnet, mas com certeza vão ter um show de Babe Ruthless. E
começa agora!
Na rodada seguinte, passo bem no meio das pernas de Robin Graves
das Holy Rollers e através do bando. Quando volto para a pista para marcar,
Emma se equilibra numa perna e eu pego impulso na sua perna tamanho
Texas, que me manda voando para fora, e na frente de todas as Holy Rollers.
E fazemos de novo, e de novo, e de novo, ganhando a liderança. O
canto da torcida muda de "Rollers! Rollers!" para "Ruthless! Ruthless!". O lugar
inteiro está elétrico enquanto todos alegremente antecipam a primeira derrota
das Holy Rollers.
Estou com vocês, pessoal.
- As Holy Rollers podem ter Deus a seu lado - grita Atom Bomb da
cabine de anúncio -, mas essas Scouts estão prestes a ganhar suas medalhas
da vitória!
Olho pros bancos e vejo minha mãe, Earl e Shania, todos em pé e
gritando. Até vejo minha mãe pulando e cumprimentando os roqueiros caipiras
fortões. Agora, isso sim é cartão de Natal.
Indo para a corrida final, o placar é Holy Rollers, 34, Hurl Scouts, 38. Se
as bloqueadoras de Dinah me impedirem de marcar, ela pode facilmente
igualar a diferença. Mas isso se - não ligo para que cartas essas colegiais
safadas tenham escondidas nas mangas. Não. Vou, Ceder.
Dinah e eu nos alinhamos, e trocamos olhares glaciais. Ela parece
terrivelmente confiante para alguém prestes a perder, apesar de que, olhando
de perto, consigo enxergar uma psicose louca brotando em seus olhos.
- Não pode vencer, Ruthless - Dinah diz friamente.
Sorrio.
- Beije meus patins, Dinah.
O apito soa e ambas disparamos como foguetes, mas Dinah me corta na
primeira curva, ganhando a liderança. Dou impulso vigoroso, tirando tudo o que
posso da força de minhas coxas. Malice e Emma fazem um paredão para
desacelerar Dinah, mas ela se abaixa e roda entre as duas.
A multidão adora. Pulo por cima de Robin para sair do bloqueio,
enquanto Dinah já está na metade do caminho para marcar seus pontos. Vai,
vai, vai. Só não desiste, não desiste.
Sou rápida, mas Dinah se esgueira pelo canto na minha frente, são os
três segundos cruciais em que ela pode ultrapassar nosso bloqueio e marcar
pontos antes que eu tenha a chance também. Não desiste, não desiste.
Dinah vai por fora para contornar Emma, mas Malice saca um bloqueio
estilo Super-Homem na hora perfeita. Ela detona Dinah com tanto gosto que
todas as outras garotas caem também.
Então estou voando não para um bando, mas para uma pilha de sete
Holy Rollers e Hurl Scouts emboladas. Fecho os olhos, faço uma pequena
oração, e pulo sobre os escombros...
...E passo por todas! OK, então eu quase caio de bunda, mas me safo
aparando a queda com os joelhos, e volto à minha posição de pé. O que me
falta em estilo, compenso com pontos - quatro para as Hurl Scouts, nenhum
para as Holy Rollers.
Estamos todas nos abraçando e chorando como se fosse o melhor
momento de nossas vidas. Uma coisa é certa, ver um monte de garotas Derby
malvadas aos prantos, enquanto os delineadores pretos escorrem por suas
bochechas é bastante engraçado.
Não vou falar e falar e ser supermetida sobre a coisa toda, mas preciso
confessar que ganhar o campeonato é bom pra k.c.t.
Minha mãe, papai e Shania correm das arquibancadas e me enchem de
abraços.
Meu pai está fora de si:
- Rapaz do céu, vou te contar, já vi uns bons jogos na minha época, mas
isso aqui supera tudo!
Não que Earl fosse confessar, mas sempre tive a impressão de que ele
adoraria ter um filho que jogasse futebol. Acho que eu praticar Roller Derby
pode ser quase tão bom quanto.
Viro-me para minha mãe, que está balançando seu pompom verde das
Hurl Scouts.
- Ah, minha nossa, aquilo foi tão assustador! - Ela dá gritinhos e então
acrescenta: - Mal posso esperar pela próxima temporada. Tenho de fazer uma
camiseta "BABE RUTHLESS É MEU BEBÊ".
Shania olha para cima e diz:
- Mamãe, quando posso ter meus próprios patins?
Brooke responde com um olhar de ih-merda.
Quando meus pais dão o fora do lugar, me encontro rapidamente
sozinha, observando a cena, deixando todo esse dia ser absorvido por mim.
Sei que vou visitá-Io muitas vezes pelo resto de minha vida. É bom ter algumas
memórias assim guardadas.
Então escuto - aquela voz, aquela voz familiar.
- Belo jogo, sexy - diz.
Meu estômago revira.
Dou meia-volta, e lá está ______.
- Desculpe não ter podido ligar. Foi tudo uma loucura - explica.
Gostaria de dizer que ele está horroroso, que engordou, que
subitamente foi invadido por uma acne deformadora. Mas a verdade é: o garoto
é muito gato. E ninguém veste uma camiseta rasgada tão bem quanto ele.
Pela primeira vez no dia, não me sinto forte.
Então assim é a vida? Mesmo quando se tem o melhor dia de todos -
seus amigos torcem por você, seus pais finalmente a entendem (pelo menos
por enquanto), você conquista algo em que é realmente boa - uma pequena
bola de chatice tem que vir voando em sua direção e estragar tudo?
Olho para Pash e Homem-Pássaro juntos atrás da pista, empurrando um
ao outro, rindo, e parecendo completamente apaixonados. Uma pin-up anos
1950 e o nerd que a adora. É tão errado que é certo.
E é aí que me dou conta. Com ______, era tão certo que era errado.
Bom demais para ser verdade.
- Então, vamos ficar juntos? Ou o quê? - ele pergunta, jogando seu
delicioso charme para mim. Uns amassos rápidos parecem tentadores, mas sei
das coisas. Sou uma garota esperta.
O encaro e respondo:
- Ou o quê.
Agora, vou dizer isso só dessa vez e dessa vez apenas e nunca deve
ser repetido novamente, mas minha mãe estava certa.
Ele não me merece. Então me viro para ir embora.
- Ei - ele diz e agarra meu pulso, mas sacudo até que solte. Enquanto
patino para longe, ele é parado por uma barreira formada por minhas colegas
de time, que subitamente aparecem para me dar apoio.
- Um pequeno conselho - escuto Malice dizer -, não se meta com uma
garota de patins.
Então, acho que devo resumir minha grande aventura Roller Derby com
algumas revelações profundas sobre o que aprendi. Tá legal.
Se aprendi alguma coisa, é que a vida é bem mais confusa do que você
pensa. Seus pais deprimentes podem ter momentos de extrema maneirice,
enquanto que as pessoas que você acha extremamente maneiras podem
acabar se revelando uma decepção mesmo.
E, sério, se puder te dar um pequeno, mínimo, conselho, é este: não
namore um cara de banda. Repito, NÃO NAMORE UM CARA DE BANDA!
Mas se insistir cegamente em ignorar a sabedoria acima, NÃO DÊ PARA
ELE SUA ADORADA CAMISA DO STRYPER. Nunca vai vê-la novamente.
Confie em mim. Aprendi do jeito difícil. (E, porra, sim, ainda dói, mas vou ficar
bem.)
Minha nova e melhorada meta é achar um cara que seja apenas
obcecado por música como eu, mas que não toque música. Acho que esse é o
segredo.
Então, se conhecer alguns, mande-os para mim. U-hu!
FIM