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Ano lectivo 2017/2018

Disciplina : Direito Internacional Público


Aulas nº 5 e 6 – 16-10-2017

Sumário: A juridicidade do Direito Internacional – DI

O Direito Internacional é um ramo de direito? As normas do DI são verdadeiras


normas jurídicas?

Há correntes que negavam a juridicidade ou a natureza jurídica das normas


do DIP, formando dois grupos distintos de objeção da natureza jurídica das
normas do DIP. Tendo as suas origens nas ideias de Hobbes e de Espinosa, a
corrente «negadora» do direito internacional aparece em todas as épocas. Reúne
filósofos e juristas de renome. Foram a persistência das guerras e a frequência
das violações deste direito que alimentaram as dúvidas sobre a natureza
jurídica, quer dizer, sobre a sua existência enquanto corpo de regras
obrigatórias:

1- Grupo que negava a natureza jurídica do DI por razões filosóficas:


derivado da concepção hegeliana da história. O Estado é uma
organização humana suprema e, não se subordina a regras imperativas.
É a noção de soberania- direito de um Estado para exercer os seus
poderes - absoluta e indivisível do Estado e portando não admite a
existência do DI.

2- Grupo que contestava a natureza jurídica do DI por motivos de índole


técnico – jurídica: às normas de DI faltam as características típicas da
norma jurídica: não têm uma definição formal por falta de entidade
competente para esse definição; não têm aplicação coerciva porque falta
entidade competente para a sua interpretação e aplicação no caso
concreto. Portanto na comunidade internacional não há nem “legislador,
nem juiz nem polícia”

Os autores Fausto Quadro e Gonçalves Pereira fazem a seguinte apreciação


critica dessas correntes que negam a juridicidade do DI:

 Quanto à negação do DI com fundamento na soberania absoluta e


indivisível do Estado, comentam que hoje em dia a Teoria Geral do
Estado já abandonou essa ideia de soberania absoluta. O estado actual da
comunidade Internacional admite que o Estado pode, em princípio, ser
vinculado por normas que o transcendem e portanto o DI é um
verdadeiro Direito.

 Quanto à afirmação que na Comunidade Internacional não há legislador-


é certo que não há legislador à escala internacional porque o DI ainda
não se transformou em Direito Mundial. Mas nas comunidades
internacionais existe legislador, como veremos adiante. Mas mesmo que
não existisse legislador na comunidade internacional, nem por isso, se
pode concluir que não há direito. No Direito internacional a principal
fonte de direito é o costume. Não é a lei. Mesmo no direito interno a lei
não é a única fonte de direito. Ora, se o costume for susceptível de
produzir verdadeiras normas jurídicas obrigatórias, resulta daí que o
fato de não existir órgão legislativo central não impede a existência de
normas jurídicas no DI. Portanto a afirmação segundo a qual na
Comunidade Internacional não há legislador e portanto não existe
entidade que definição formalmente o que é a norma jurídica, por estas
razões, não procede.

 Quanto à afirmação que não há direito internacional porque não existe


órgãos jurisdicionais. É verdade que quanto ao costume (direito
consuetudinário) a jurisdição dos tribunais internacionais é facultativa.
Mas há organizações internacionais cujos tribunais têm sempre
jurisdição obrigatória - é o caso da Comunidade Europeia. A simples
adesão de um Estado à Comunidade Europeia fá-lo sujeitar-se
necessariamente (o Estado e os seus cidadãos) à jurisdição dos tribunais
comunitários. Portanto também aqui argumento não há direito
internacional porque não existe órgãos jurisdicionais não procede.

 Quanto à afirmação e segundo a qual não há direito internacional porque


não há direito não há sanções, característica essencial da norma jurídica.
As Direito internacional as sanções existem no direito internacional
convencional, nas Organizações Internacionais. Portanto a dificuldade
não reside na existência ou não de sanções - porque as sanções existem -
mas sim na sua aplicação prática. Porém, a aplicação prática não é um
problema de direito mas sim um problema político, a norma jurídica
internacional está dotada de coercibilidade e, portanto, possui sanção. O
que falta é a eficácia da sanção a aplicabilidade prática contra o poder

Pensemos no Direito Interno e no Direito Constitucional por ex.. cabendo ao


poder fiscalizar-se a si próprio, mas essa fiscalização nem sempre é eficaz e nem
por isso se põe em causa a natureza jurídica do direito constitucional. Por isso
parece ser mais rigoroso reconhecer que a norma de DI, apesar de menor
estruturação jurídica da comunidade internacional não deixa de ser coerciva.

É o que basta para se afirmar que o DI é efectivamente direito.

“A prova mais evidente e provavelmente mais convincente da existência do


Direito Internacional éfornecida pela observação, mesmo que superficial, da
vida e das relações internacionais: o Direito Internacional existe porque os
Estados, os homens políticos, os movimentos de opinião, os organismos
internacionais, governamentais ou não, o reconhecem e o invocam e porque
seria totalmente inverosímil que tanta gente consagrasse tanto tempo, energia,
inteligência e, por vezes, dinheiro, a perseguir uma quimera”.

NGuyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet, Droit Internacional Public, 4ª
Edição, 1999, p. 79

Apesar das teorias de várias índoles, tanto filosóficas como técnico-jurídicas,


que inicialmente negavam a juridicidade do Direito Internacional, actualmente,
essas questões parecem ter sido ultrapassadas e a sua juridicidade é
incontestável.

No que respeita às críticas filosóficas, estas eram baseadas na organização do


poder estadual e seus limites. Por um lado, um dos principais argumentos
utilizados para a negação da sua juridicidade, seria fundamentado pelo
jusnaturalismo radical e pessimista de Thomas Hobbes que acreditava num
Estado de guerra generalizada cuja única solução seria a criação de um Estado
todo-poderoso – Leviatã – que garantisse a paz entre as pessoas. Por outro lado,
associado à filosofia de cunho hegeliano, foi também defendida a primazia do
poder estadual, onde a existência de um Estado absoluto tornaria inadmissível
que o seu poder suportasse quaisquer limitações que decorressem de outras
estruturas de poder externo. No entanto, esta argumentação é facilmente
contraposta, bastando-nos olhar em nosso redor para compreender que essa
concepção não é representativa da realidade. Isto porque, dessa forma, um
Estado nunca poderia pertencer nem relacionar-se com a comunidade
internacional, coisa que hoje em dia não acontece. Além disso, é ainda de referir
que a evolução do Direito Internacional se tem intensificado de tal forma que as
matérias objecto de regulação internacional têm vindo a aumentar
significativamente, bem como a celebração de tratados internacionais entre
Estados, que têm aceitado progressivamente pertencer a estruturas menores de
poder público, como por exemplo, as organizações internacionais.

Já no campo técnico-jurídico, a crítica mais gritante é a da inexistência de


estruturas de coerção capazes de impor o respeito pelo Direito Internacional,
aptas para recorrer à força, quando necessário. Neste sentido, argumenta-se
ainda a debilidade dos mecanismos de aplicação coactiva de sanções
internacionais que punem as violações do Direito Internacional, devido à
ausência de uma polícia ou exército internacional que aja através da força, se
necessário, e que seja independente das grandes potências mundiais. Porém, a
coercibilidade, ao contrário do que transparece da crítica anterior, está também
está presente no Direito Internacional através de instrumentos como tribunais
internacionais, que têm como objetivo verificar o cumprimento das normas
internacionais, bem como, atribuir sanções para o seu incumprimento. Embora
se reconheça que esta coercibilidade não seja total, esta existe e deve ser
reconhecida.

Posto isto, rejeitadas todas as críticas quanto ao reconhecimento de juridicidade


ao Direito Internacional, este é sim possuidor da mesma, sendo verdadeiro
(embora dotado de certas características que o individualizam no contexto da
enciclopédia jurídica), reconhecido e invocado pelos Estados, homens políticos,
movimentos de opinião e organismos internacionais e essa, é de facto, a prova
mais visível da sua existência. Tal como é referido por NGuyen Quoc Dinh,
Patrick Daillier e Alain Pellet “seria totalmente inverosímil que tanta gente
consagrasse tanto tempo, energia, inteligência e, por vezes, dinheiro, a
perseguir uma quimera”.

O fundamento do DI

Das razões apresentadas acima, resulta da ciência do direito que as normas


jurídicas internacional são normas de direito – isto é, são regras destinadas a
regular relações intersubjectivas, emanadas de órgãos competentes para definir
o direito e dotadas das características de generalidade, abstracção,
hipoteticidade e coercibilidade

Portanto essas normas jurídicas são obrigatórias - porque razão essas normas
são obrigatórias? Qual o fundamento da obrigatoriedade do DI

Saber qual o fundamento do Direito Internacional significa:


desvendar de onde vem a sua legitimidade e sua obrigatoriedade;
ou os motivos que justificam e dão causa a essa legitimidade e obrigatoriedade.
Significa questionar de onde (de quais fatos ou valores) emana a imposição de
respeito de suas normas e princípios. Quais as razões jurídicas da aceitação e
obrigatoriedade do Direito Internacional por parte de toda a sociedade
internacional.

Doutrinas voluntaristas

Em qualquer das suas vertentes, negam o DI e fá-lo de uma forma muito sub-
reptícia: afirma o Estado como entidade soberana e omnipotente e logicamente
a obrigatoriedade internacional dependerá da vontade do Estado. O direito
obriga porque foi querido.

Vertentes desta doutrina

A) – Doutrina de autolimitação e do direito estadual externo


a) O Estado como entidade soberana e omnipotente, situa-se acima
de qualquer princípio ou norma jurídica, de forma que qualquer
obrigação, a existir só pode basear-se no consentimento do
Estado. Só pode ser auto-obrigação, já que nenhum, órgão
internacional nem nenhum outro Estado pode ditar leis que se
imponham a um ente supremo que para tal não tenha
manifestado o seu consentimento. O Direito Internacional surge
então como direito estadual aplicado às relações externas dos
estados, sendo a legislação interna quem confere a certos órgãos a
competência para celebra acordos internacionais, os quais só
serão válidos se e enquanto satisfazerem os requisitos por ela
preconizados – o direito internacional apresenta-se assim como
direito infra-legal (Max Wenzel).

Que dizer desta construção?


Nega o DI e portanto não fornece o fundamento da obrigatoriedade
deste ramo de DI. Não há obrigatoriedade do DI porque, se o Estado se
vincula ao DI livremente também, livremente se pode desvincular da
obrigação assumida.
Mais, quando surge um novo Estado, não é exacto que a sua submissão
ao DI vigente com carácter imperativo esteja dependente da sua
aceitação. O DI vai impor-se ao novo Estado mesmo contra a sua
vontade.
Como esta corrente falhou no objetivo de reconduzir o fundamento do
DI à vontade singular de um único Estado. Por isso, vão extrair a
obrigatoriedade do DI na vontade comum ou coletiva de várias Estados
através da doutrina do tratado-lei ou de acordo da vontade coletiva

B) Doutrina do tratado-lei ou de acordo da vontade- o DI seria obrigatório


porque resulta da reunião, numa só, de várias vontades com conteúdo
idêntico e comum, gerando, por isso, para todas as partes obrigações
idênticas (Tratado) ao contrário do direito interno que repousaria na
vontade de cada Estado isolado

Que dizer desta construção?

Também esta vertente da Teoria voluntarista não consegue dar o fundamento


ao DI. Nega a obrigatoriedade do DI, pois os Estados podem chegar livremente
acordo, seja qual for o seu conteúdo, mas também podem dele livremente se
desvincular . Além disso, se a obrigatoriedade da norma deriva da existência de
um concurso de vontades, porque razão quando uma das vontades se retira a
norma não desaparece?

A teoria voluntarista no geral apenas tenta explicar a obrigatoriedade do DI de


fonte convencional. Mas e o costume? Quando o novo Estado entra na
Comunidade Internacional fica vinculado a todo o direito consuetudinário
comum, para o qual na, realidade, a sua vontade em nada contribuiu. O mesmo
se passa com outra fonte do DI que são os princípios gerais do DI que não são
reconduzíveis à vontade dos Estados, mas a eles se impõe.

Portanto também esta vertente da teoria voluntarista não logra explica o


fundamento do DI.

Tese normativista
A superação do voluntarismo foi tentada com a Escola de Viena de Direito
Público, sob a influência da Escola Italiana de DI.

Segundo esta tese a obrigatoriedade da norma jurídica não depende da vontade


mas, da sua conformação com a norma superior que regula as suas condições
de produção. Concebe a ordem jurídica como uma pirâmide escalonada em que
cada norma recebe a sua força obrigatória de norma superior e no vértice da
pirâmide se situa a norma fundamental. Portando, para se encontrar o
fundamento da norma do DI é preciso percorrer no sentido ascendente todas as
fontes do Direito até se chegar à norma suprema.

Essa norma suprema situa-se no direito interno ou direito internacional?

Hans Kelsen numa 1ª fase fugiu do problema, com a alegação de que nenhuma
razão jurídica impunha que se desse preferência a qualquer das duas hipóteses
e portanto, a escolha far-se-ia no âmbito político. Mais tarde muda de ideia e diz
que razões jurídicas impunha que se considerasse o DI superior ao direito
interno.

Porém, impunha agora a escolha da norma do DI que ocupa o lugar de norma


fundamental e que é o fundamento da obrigatoriedade do DI

Kelsen propôs a regra do pacta sunt servanda- esta regra impunha pois aos
Estados o respeito pela palavra dada e ela fundamenta a obrigatoriedade do DI.

Esta regra é muito frágil, pois não fundamenta a obrigatoriedade para a mais
importante fonte do DI que é o costume. Por isso Kelsen substituiu esta regra
por uma outra cosuetudo est servanda. Esta passaria a ser norma fundamental que
fundamenta a obrigatoriedade do DI. Mas donde resulta a força obrigatória
desta norma fundamental?

Esta norma fundamental é apenas uma mera hipótese, uma ficção e a força
obrigatória do DI não pode derivar de uma simples hipótese lógica.

Tese jusnaturalista

O fundamento do DI encontra-se no direito natural. Para o fundador da Escola


de Direito natural, Pufendorf , a lei natural aplica-se tanto aos indivíduos como
aos Estados.

Mas foi no sec. XIX que surgiria a nova doutrina do direito natural. Para esta
doutrina, a juridicidade da norma jurídica e, portanto do DIP, resulta da sua
conformidade com os princípios suprapositivos (valores inerentes à condição
humanista e sentido pelos povos e pela sociedade internacional, como sejam os
princípios gerais do direito) que decorrem de uma ordem normativa superior,
cuja existência se admite.

Para o jusnaturalismo, tal como o normativismo, existe uma norma


fundamental, mas para o jusnaturalismo, a validade dessa norma resulta de
uma opção filosófica. O jusnaturalismo tem várias vertentes, mas é a tese de
jusnaturalismo tradicional que explica o fundamento do Direito Internacional,
sendo ainda hoje a doutrina dominante.

Para o Dr. Fausto Quadros e Gonçalves Pereira é a tese jusnaturalista clássico


que melhor explica o fundamento da obrigatoriedade do Direito
internacional. E isto porque, os fundamentos do direito Internacional são
marcados por esses princípios suprapositivos como sejam os princípios gerais
de direito reconhecidos pelas Nações civilizadas e que são fonte formal do
Direito Internacional. Mas a doutrina dominante especifica que esses
princípios não são descobertos pela consciência, mas sim são revelados.

O jusnaturalismo clássico expressa-se, nos tempos modernos, na matéria de


proteção internacional dos Direitos do Homem. É nesta matéria de Direitos do
Homem que o Direito Internacional mais tem progredido. É a ideia de que o
respeito pelos direitos fundamentais ao nível da Comunidade Internacional é
imposto pelos princípios suprapositivos, afirmados pela revelação.

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