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RECICLAGEM DE ENTULHO

PARA A PRODUÇÃO DE
MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
PROJETO ENTULHO BOM

1
JOSÉ CLODOALDO SILVA CASSA
1946 - 1999
Criador e coordena-
dor do Projeto Entulho
Bom, Prof. Cassa foi um
brilhante pesquisador.
Dinâmico e empreen-
dedor, criou e coorde-
nou Projetos e Grupos
de P&D, contribuindo
na formação de diver-
sos pesquisadores. Foi
autor de mais de 150
trabalhos técnico-científicos sobre reciclagem e
aproveitamento de resíduos sólidos industriais, mate-
riais cerâmicos, ciência dos materiais, planejamento
de experimentos, metodologia da pesquisa, adminis-
tração de ciência e tecnologia, redes neurais artifi-
ciais, estatística multivariada, química, engenharia quí-
mica, tecnologia mineral, entre outros temas.
Engenheiro Químico pela Universidade do Brasil
(1969) e Mestre em Metalurgia Extrativa e Ciência dos
Materiais pela COPPE (1975), em 1977 foi para o
Imperial College – University of London, onde obteve
o título de Ph.D na área de Metalurgia e Ciência e Enge-
nharia dos Materiais (1981). Completou a sua forma-
ção na University of Florida, onde realizou Pós-Dou-
torado em Ciência e Engenharia dos Materiais (1992).
A partir de 1970, passou a integrar o quadro docen-
te da UFBA, onde foi professor do MEAU e do DCTM
da Escola Politécnica. Foi Professor visitante dos Cur-
sos de Pós-Graduação em Metalurgia e Ciência e En-
genharia dos Materiais – COPPE/UFRJ (1984/85) e
Ciência e Engenharia de Materiais – IME (1988).
Nesse período, orientou diversos trabalhos de dou-
torado e de mestrado.
Bolsista do CNPq desde 1967, foi coordenador
do Comitê Assessor (CA) de Geociências e Tecnologia
Mineral do PADCT/CNPq, membro do CA de Minas,
Metalurgia e Materiais do CNPq e membro do CA de
Ciência e Tecnologia para o Setor Mineral da Secre-
taria de Minas e Energia do Estado da Bahia.
Foi, também, consultor ad hoc para avaliação de
projetos de pesquisa do PADCT, CNPq, FINEP, CADCT,
FEP, FAPEX, UFBA, entre outras instituições, e consul-
tor independente em diversos projetos de P&D do Cen-
tro
2 de Pesquisas e Desenvolvimento do Estado da Bahia
CEPED, na área de Tecnologia Química e Mineral.
RECICLAGEM DE ENTULHO
PARA A PRODUÇÃO DE
MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
PROJETO ENTULHO BOM

Premiado pela
ONU
100 MELHORES PRÁTICAS
para a melhoria da qualidade de vida

Premiado pela
CAIXA
10 MELHORES PRÁTICAS
para o desenvolvimento urbano

REDUZIR, RECICLAR E REAPROVEITAR SÃO MAIS QUE


ATOS DE CONSCIENTIZAÇÃO: SÃO ATOS DE CIDADANIA

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CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Presidente
Emílio Carazzai
Diretor de Desenvolvimento Urbano
Aser Cortines
Superintendente Nacional de Parcerias
Jorge Arraes
Gerente de Desenvolvimento Urbano Superintendente de Negócios
Beatriz Cerqueira Lima Samuel Rocha

FUNDAÇÃO ESCOLA POLITÉCNICA

Secretário Executivo
Carlos Emílio de Menezes Strauch

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Reitor
Heonir Rocha
Vice-Reitor
Othon Jambeiro

EDITORA DA UFBA

Diretora
Flávia Garcia Rosa
Conselho Editorial
Antônio Virgílio Bittencourt Bastos, Arivaldo Leão Amorim,
Aurino Ribeiro Filho, Cid Seixas Fraga Filho,
Fernando da Rocha Peres, Mirella Márcia Longo Vieira Lima
Suplentes
Cecília Maria Bacelar Sardenberg, João Augusto de Lima Rocha,
Leda Maria Muhana Iannitelli, Maria Vidal de Negreiros Camargo,
Naomar Monteiro de Almeida Filho, Nelson Fernandes de Oliveira

PARCERIA

LIMPURB - Empresa de Limpeza Urbana do Salvador


PMS - Prefeitura Municipal do Salvador

APOIO

CADCT - Superintendência de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico


SEPLANTEC - Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia
Governo do Estado da Bahia

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RECICLAGEM DE ENTULHO
PARA A PRODUÇÃO DE
MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
Organizado por
José Clodoaldo Silva Cassa (em memória)
Alex Pires Carneiro
Irineu Antônio Schadach de Brum

Textos de
Alex Pires Carneiro
Ana Maria Vieira de Oliveira
Bárbara Elizabete Correia Quadros
Célia Maria Martins Neves
Dayana Bastos Costa
Elaine Pinto Varela Alberte
Irineu Antônio Schadach de Brum
José Clodoaldo Silva Cassa (em memória)
Marcos Jorge Almeida Santana
Paulo César Burgos
Taís Santos Sampaio
Tarcísio de Paula Pinto
Vanderley Moacyr John

SALVADOR
2001

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Direitos desta edição cedidos à Caixa Econômica Federal e à Editora da Universidade Federal da Bahia.
Permitida a transcrição ou reprodução parcial, desde que seja citada a fonte.
EQUIPE TÉCNICA PROJETO ENTULHO BOM
COORDENAÇÃO
Prof. José Clodoaldo S. Cassa (Coordenador- DCTM / UFBA)
Engº. Alex P. Carneiro (Coordenador- MEAU / UFBA)
Prof. Irineu S. de Brum (Pesquisador- DCTM / UFBA)
COLABORADORES E CONSULTORES
Prof. Antônio Sérgio R. da Silva (DCTM / UFBA), Engª. Célia Maria M. Neves (CEPED)
Prof. Emerson de A. M. Ferreira (MEAU / UFBA), Prof. Enric Vázquez (UPC / Barcelona – Espanha)
Dr. Francisco O. Neto (Bolsita DCR-CNPq / UFBA), Dr. Giovanni Floridia (Bolsista DCR-CNPq / UFBA)
Prof. Luis Edmundo P. de Campos (GEOTEC / UFBA), Prof. Marcos Jorge A. Santana (MEAU / UFBA)
Eng. Paulo César Burgos (GEOTEC / UFBA), Engª. Solange B. Costa (DERBA)
Dr. Tarcísio de P. Pinto (I&T), Prof. Vanderley M. John (PCC / USP)
LIMPURB (Parceria)
Arqtª. Ana Maria V. de Oliveira, Arqtª. Bárbara Elizabete C. Quadros, Arqtª. Laís Alves
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Antônio Triana Filho, Adriana S. de Almeida, Econ. Augusto César A. de Souza Júnior
Eng. Carlos Eduardo Guimarães , Adm. Cláudio M. Silva , Econ. Francisco Liguori
Econ. Júlio M. Neto , Eng. Oswaldo S. de Oliveira, Eng. Raul S. de Moura
Adm. Sávio Marcos Garbin, Eng. Tácito Q. Maia
BOLSISTAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA (UFBA)
Aledson D. Costa , André R. R. de Souza , David A. Fortuna , Dayana B. Costa , Elaine P. V. Alberte
Enéas B. da Silva Júnior, Eric dos Santos , Fábio J. S. Carneiro , Fernanda C. Nascimento
Geison dos S. Pereira, Rafael M. Mota, Rodrigo T. de Oliveira, Taís S. Sampaio
REVISÃO TÉCNICA
Dra. Luciana Amaral de Lima, Engª. Solange Bastos Costa (Capítulo VI), Engª. Telma Catarina C. Pires
DESIGN GRÁFICO
Maria Helena Pereira da Silva
REVISÃO REDACIONAL
Prof ª Ana Maria de C. Luz
NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
Maria de Fátima C. Botelho (CBR-5/908)
FOTOGRAFIA
Ana Carolina Castilho, Projeto Entulho Bom e Autores

Reciclagem de entulho para produção de materiais de construção / Organizado por


Alex Pires Carneiro, Irineu Antônio Schadach de Brum e José Clodoaldo da Silva
Cassa. _ Salvador: EDUFBA; Caixa Econômica Federal, 2001.
312 p. ; il.

Realização: Projeto Entulho Bom


ISBN 85-232-0226-9
1. Reciclagem 2. Resíduos Sólidos 3. Construção Civil – Materiais de
Construção I. Carneiro, Alex Pires. II. Brum, Irineu Antônio Schadach de.
III. Cassa, José Clodoaldo da Silva. IV. Título.
CDU: 691.002.8

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Este livro é dedicado ao Professor José Clodoaldo
Silva Cassa, criador do Projeto Entulho Bom,
brilhante pesquisador, cuja contribuição às
atividades de ensino, pesquisa e extensão no
país, em especial na Escola Politécnica da UFBA
representa um exemplo memorável de competência
e dedicação acadêmica. O Prof. Cassa será sempre
lembrado pelo seu senso crítico apurado, seu
dinamismo, principalmente pelo entusiasmo
com que trabalhava e estimulava o crescimento
intelectual de todos que tiveram o privilégio de
com ele compartilhar desafios e superar obstáculos,
em nome da produção do conhecimento científico
para um mundo melhor, mais digno, mais humano.
Seu exemplo permanecerá, perene e multiplicador.

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APRESENTAÇÃO

A Caixa Econômica Federal, como principal agência


do Governo Federal para o financiamento dos
setores de habitação, saneamento e infra-estrutura
urbana, colabora para o aprimoramento técnico e
institucional desses setores, apoiando projetos
de inovação tecnológica ou de gestão que tragam
alternativas de melhoria das condições de
habitabilidade da população de mais baixa renda.
Nesse contexto, a Universidade Federal da Bahia,
em parceria com a CAIXA, desenvolveu o Projeto
Entulho Bom, cujo foco principal é a reciclagem e
o reaproveitamento de entulho para materiais de
construção, buscando minimizar os impactos
socioambientais causados pelo descarte
inadequado de resíduos, preservar recursos
naturais e melhorar a qualidade de vida na
Região Metropolitana de Salvador.
Acreditamos que a tecnologia aqui apresentada
poderá contribuir significativamente para a
melhoria da gestão dos resíduos sólidos, visto que

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a sua aplicação impacta na redução da quantidade
de materiais dispostos nos aterros sanitários,
aumentando a sua vida útil. Além disso, a adoção
dessa alternativa poderá baratear o custo de
produção de moradia destinada a famílias de menor
renda, minimizando, assim, o problema habitacional
nas cidades brasileiras.
Vale ressaltar que, em conseqüência do excelente
trabalho realizado, essa iniciativa foi selecionada
pelo Programa CAIXA Melhores Práticas, que pre-
miou casos de sucesso em desenvolvimento urbano
no Brasil, e representou o País no Programa Best
Pratices and Leadership Programme, realizado pela
ONU no ano 2000, em nível mundial, para premiar
as melhores experiências em gestão urbana.
Boa leitura!

Emílio Carazzai
Presidente
Caixa Econômica Federal

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PREFÁCIO

A sociedade está se tornando cada vez mais exigente em rela-


ção à questão ambiental. O entulho, resíduo das atividades de
construção e demolição, apresenta-se como um dos principais
problemas nas áreas urbanas, pois sua geração e descarte inade-
quado causam diversos impactos ambientais, sociais e econômi-
cos. As soluções para esses problemas passam por desenvolvi-
mento e implantação de tecnologias adequadas, que busquem a
redução, reutilização e reciclagem desse resíduo.
Com o objetivo de contribuir para a minimização desses im-
pactos, a preservação de recursos naturais e a melhoria da quali-
dade de vida, foi concebido pelo Prof. José C. Cassa, em 1997, o
Projeto Entulho Bom, inicialmente denominado de “Aproveita-
mento de Resíduos Sólidos para a Produção de Materiais de Cons-
trução de Baixo Custo – Região Metropolitana de Salvador (RMS)”.
Os estudos desenvolvidos nesse projeto de pesquisa visaram
ao aproveitamento seguro e racional dos resíduos sólidos dispo-
níveis na RMS para a produção de materiais de construção, incluin-
do seus aspectos tecnológicos, econômicos e ambientais. Na etapa
inicial, foi realizado o diagnóstico dos setores produtores de resí-
duos da região, o qual identificou o entulho como resíduo de in-
teresse para o projeto. Foram, então, realizadas pesquisas experi-
mentais para a reciclagem do entulho de Salvador na produção de
materiais de construção (camadas de pavimentos, argamassas e tijo-
los), buscando-se o manuseio ambientalmente adequado desses ma-
teriais e a ampliação da oferta de habitação e infra-estrutura urbana,
de forma a contribuir para o desenvolvimento sustentável local.
A Caixa Econômica Federal (CAIXA) foi a primeira instituição
a apoiar a pesquisa, disponibilizando recursos financeiros e

10
humanos fundamentais para a sua realização, administrados pela
Fundação Escola Politécnica (FEP). O projeto, desenvolvido na Es-
cola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), contou
com a importante parceria da Empresa de Limpeza Urbana do
Salvador (LIMPURB) nos estudos do entulho de Salvador. A Su-
perintendência de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico do Estado da Bahia (CADCT), por sua vez, apoiou a
pesquisa, viabilizando os recursos necessários para a realização
de diversas atividades a ela vinculadas.
O Projeto Entulho Bom, sendo reconhecido pela relevância
do trabalho e dos resultados positivos que obteve ao longo do
seu desenvolvimento, foi consagrado, em 2000, com o prêmio
10 Melhores Práticas do Brasil para o desenvolvimento susten-
tável do Programa CAIXA Melhores Práticas. O projeto também foi
escolhido como uma das 100 Melhores Práticas do Mundo, en-
tre cerca de 700 concorrentes, no Best Practices and Local Leader-
ship Programme, promovido, no mesmo ano, pela Organização das
Nações Unidas.
No âmbito local, os estudos realizados contribuíram, de forma
significativa, para a questão do aproveitamento de resíduos como
materiais de construção na região de Salvador e para o desenvol-
vimento das atividades de pesquisa da UFBA. O projeto subsidiou
a elaboração da dissertação “Reciclagem de Entulho de Salvador
para a Produção de Materiais de Construção”, de autoria do pesqui-
sador Eng. Alex Carneiro no mestrado em Engenharia Ambiental
Urbana - UFBA. Além disso, contribuiu para a formação acadêmica
de mais de 10 alunos de iniciação científica dos cursos de gradua-
ção em Engenharia da UFBA. Consolidou, ainda, um grupo de pes-
quisa sobre materiais de construção e criou uma rede cooperativa
de pesquisa na área de aproveitamento de resíduos no DCTM - UFBA.

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Os resultados alcançados na transferência de conhecimento
podem ser avaliados pela boa repercussão dos eventos promovi-
dos pelo projeto: o Workshop “Reciclagem de Resíduos Sólidos
Industriais e Urbanos na Construção Civil” e o Curso Internacional
“Aproveitamento de Resíduos Sólidos na Construção Civil”, am-
bos realizados em 1998, na Escola Politécnica da UFBA.
Além disso, a qualidade e quantidade das publicações desenvol-
vidas pela equipe (mais de 25 artigos publicados em anais de con-
gressos nacionais e internacionais e revistas indexadas) e a boa acei-
tação dos trabalhos apresentados em eventos técnico-científicos
contribuíram, também, para a transferência de conhecimento.
A publicação deste livro é uma das formas mais eficientes de
transferência de conhecimento do Projeto Entulho Bom. Aqui são
apresentados seus principais resultados, consolidando o conhe-
cimento adquirido e disponível durante o desenvolvimento des-
sa pesquisa. Esta publicação consiste num conjunto de textos com
a valiosa contribuição de diversos pesquisadores que são referên-
cia sobre o tema.
Na introdução, o Prof. Enric Vázquez prepara os leitores para
um melhor entendimento das questões apresentadas no livro,
contribuindo, assim, com sua experiência de mais de 10 anos de-
senvolvendo estudos sobre o tema. São abordadas questões como
a geração de resíduos na construção, a reciclagem de entulho, o
panorama da reciclagem na Europa, entre outras.
Os aspectos relacionados com o desenvolvimento sustentável
e os impactos ambientais causados pela construção civil são deta-
lhadamente abordados pelo Prof. Vanderley John no capítulo I.
Nesse capítulo, é destacada a importância da reciclagem de resí-
duos sólidos na produção de materiais de construção e a necessi-
dade de desenvolver estudos multidisciplinares.

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No capítulo II, é apresentado o diagnóstico dos setores produ-
tores de resíduos da Região Metropolitana de Salvador. Esse diag-
nóstico possibilitou a identificação e a caracterização das princi-
pais ocorrências de resíduos sólidos que ofereciam condições de
utilização como materiais de construção da região, selecionando
o entulho como resíduo de interesse para o projeto.
A gestão adequada dos resíduos sólidos de construção e de-
molição é o tema abordado pelo Dr. Tarcísio Pinto no Capí-
tulo III, onde é dada uma atenção especial às questões da efi-
ciência e sustentabilidade da gestão diferenciada versus a ges-
tão corretiva.
No Capítulo IV, as arquitetas Ana Vieira e Bárbara Quadros
apresentam o Plano de Gestão Diferenciada do Entulho que está
sendo implantado em Salvador pela LIMPURB (Empresa de Lim-
peza Urbana do Salvador). Nesse capítulo, são expostos os obje-
tivos, a concepção, a estratégia de implantação e os benefícios
desse plano.
No capítulo V, são apresentadas as características do entulho e
as propriedades dos agregados reciclados produzidos a partir desse
resíduo, incluindo-se os resultados obtidos com a experiência re-
alizada em Salvador para a caracterização desses materiais.
Os capítulos VI, VII e VIII abordam, respectivamente, a utiliza-
ção de agregado reciclado em pavimentos, tijolos e argamassas.
Nesses capítulos, além da fundamentação teórica sobre o tema,
são relatadas as experiências realizadas em Salvador sobre o de-
sempenho dos materiais produzidos com agregado reciclado.
Por fim, no capítulo de considerações finais, é apresentada a
síntese das vantagens da reciclagem do entulho e discutida a
necessidade de estudos complementares e de mecanismos para
a sua efetiva implantação.

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Pioneiro no país sobre o tema, este livro deverá contribuir para
a difusão de práticas e técnicas para a reciclagem do entulho e
para a minimização dos impactos causados pela sua geração. Ele
é dirigido a empresas de construção civil, indústrias geradoras de
resíduos, empresas de tratamento e disposição final de resíduos,
empresas de gestão de resíduos, instituições do setor de habita-
ção popular, fabricantes de materiais de construção, Secretarias
de Governo e Prefeituras, organizações ambientais, universida-
des, instituições de pesquisa e demais profissionais, pesquisado-
res e estudantes interessados no tema. Espera-se que a sua leitu-
ra contribua para a conscientização do meio técnico sobre a ne-
cessidade de reduzir, reutilizar e reciclar resíduos.

Os organizadores

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AGRADECIMENTOS

Durante os últimos três anos e meio em que desenvolvemos o


Projeto Entulho Bom, diversas instituições e pessoas contribuíram, de
forma significativa e valiosa, para os trabalhos que culminam com esta
publicação, às quais expressamos nosso profundo agradecimento:
À Caixa Econômica Federal, pelo apoio pioneiro e irrestrito a
esta atividade de pesquisa, viabilizando o alcance de resultados
tão relevantes; especialmente a Beatriz Lima, Osvaldo Serrano,
Jorge Arraes, Augusto César de Souza Jr., Telma Pires, Francisco
Ligouri, Tácito Maia, Raul de Moura e demais dirigentes e técni-
cos, que se dedicaram efetivamente para o sucesso do projeto.
À Fundação Escola Politécnica, pela eficiente administração
financeira dos recursos e ao seu Secretario Executivo, Carlos
Emílio Strauch, e à sua equipe, pelo apoio nos momentos em que
mais precisamos.
À Empresa de Limpeza Urbana do Salvador, na figura do seu pre-
sidente, Dr. Jalon Oliveira, pela parceria fundamental e indispen-
sável ao projeto, e a Ana Vieira, Bárbara Quadros, Rilda Bloise e
demais funcionários dessa instituição envolvidos com o Projeto
Entulho Bom, pelo afinco com que se dedicam ao tema.
À Superintendência de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, na pessoa de sua diretora, Dra.Cleilza Andrade, pelo
apoio financeiro, essencial às diversas atividades desenvolvidas
pelo Projeto Entulho Bom; e a Ana Oliveira, pela presteza e dispo-
sição em colaborar para o êxito deste projeto.
À Universidade Federal da Bahia, que possibilitou o desen-
volvimento desta pesquisa, em especial ao Magnífico Reitor,
Prof. Heonir Rocha, aos Profs. Caiuby Alves, Luis Edmundo Campos
e demais professores, pesquisadores, funcionários e alunos da

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Escola Politécnica, que nos deram o apoio decisivo para conti-
nuarmos o trabalho, sobretudo, após a prematura partida do Prof.
José Clodoaldo Cassa.
Ao Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana da UFBA, em
especial a Emerson Ferreira, Marcos Jorge Santana e demais pro-
fessores, funcionários e alunos, que nos deram suporte e deposi-
taram confiança neste trabalho.
À Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFBA, espe-
cialmente a Caio Mário Castilho, Maria do Carmo Cabanelas e
Maria Letícia Senna, pelo apoio e pela concessão de bolsas de
Iniciação Científica.
Ao Núcleo de Tecnologia de Preservação e Restauro da UFBA,
particularmente a Mário Mendonça e Allard do Amaral, pela
colaboração ao projeto.
À Editora da UFBA, em especial à sua diretora, Flávia Rosa, pelo
apoio e orientação para a elaboração deste livro.
Ao Departamento de Infraestrutura e Rodagens da Bahia – Setor
de Pesquisa Tecnológica, em especial a Solange Costa e a Ubirajara
Souza, e ao Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Estado da Bahia,
em especial a Célia Neves, pelas significativas contribuições ao pro-
jeto, materializadas na transferência de conhecimento para a equi-
pe e na realização de ensaios laboratoriais indispensáveis à pesquisa.
Às diversas instituições e empresas da Região Metropolitana de
Salvador – CONDER, CRA, FIEB, SIC, SEPLANTEC, SGM, SINDUSCON,
SUDIC, UEFS, Aratu, Ciminas, Concremassa, Concreta, Drescon,
Microssílica, Nassau, Poty, Sika, Vedacit – que contribuíram para
a realização do diagnóstico dos resíduos e para as atividades
experimentais do projeto.
A Ana Luz, pela paciência e dedicação na revisão redacional, a
Maria de Fátima Cleomenis, pela normalização bibliográfica, e a

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Maria Helena Pereira da Silva, pela sensibilidade e criatividade na
concepção do design gráfico deste livro.
A Luciana Amaral de Lima, pela motivação e apoio decisivos na
elaboração deste livro e que, com o seu conhecimento, ajudou a
enriquecer a publicação.
Aos professores e pesquisadores Enric Vázquez, Tarcísio Pinto e
Vanderley John que, além de parceiros desta publicação, são tam-
bém idealizadores de uma nova mentalidade na área de resíduos.
Às pesquisadoras Elaine Alberte, Dayana Costa e Taís Sampaio,
pela dedicação, perseverança, competência e entusiasmo com que
desenvolveram as atividades do Projeto Entulho Bom, tornando-
se peças fundamentais para o êxito deste trabalho.
Aos professores e pesquisadores Paulo Burgos, Antônio Sérgio
da Silva, Giovanni Floridia e Francisco Oliveira Neto, que colabo-
raram de forma significativa para o desenvolvimento do projeto.
Aos bolsistas de iniciação científica da Escola Politécnica da
Universidade Federal da Bahia, Aledson Costa, André Rodamilans,
David Fortuna, Fábio Carneiro, Geison Pereira, Rafael Mota,
Rodrigo Tejo, que tanto contribuíram nas atividades iniciais deste
projeto, e aos bolsistas Eric dos Santos, Fernanda Calmon e Enéas
da Silva Jr., pelo apoio na conclusão deste livro.
Aos técnicos laboratoriais Armando José da Silva, Emanoel do
Nascimento, Ivo Oliveira, José Renato da Silva, Júlio Muniz, Luís Or-
lando Lima e Paulo César Santana, dos Laboratórios de Materiais de
Construção e de Geotecnia do DCTM - UFBA e do Laboratório de En-
genharia Civil do CEPED, pela dedicação na realização dos ensaios.
Por fim, a todos aqueles que não foram citados, mas que con-
tribuíram, de alguma maneira, para o sucesso na concretização
deste trabalho.
Os organizadores

17
18
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 22
Enric Vázquez

CAPÍTULO I
APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO
MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO 26
Vanderley M. John
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 28
A CONSTRUÇÃO CIVIL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 29

RECICLAGEM E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 35


Vantagens Ambientais da Reciclagem
Riscos da Reciclagem
RECICLAGEM PRIMÁRIA VERSUS SECUNDÁRIA 39

RECICLAGEM DE RESÍDUOS E MULTIDISCIPLINARIDADE 40


CONCLUSÃO 43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 43

CAPÍTULO II
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS
NA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR/BA 46
José Clodoaldo S. Cassa, Irineu Antônio S. de Brum,
Alex Pires Carneiro, Dayana Bastos Costa
DIAGNÓSTICO DO SETOR QUÍMICO 49
Complexo Petroquímico de Camaçari – COPEC
Centro Industrial de Aratu – CIA
Indústria Cerâmica da RMS
DIAGNÓSTICO DOS SETORES DE MINERAÇÃO E METALURGIA 57

DIAGNÓSTICO DO SETOR DE LIMPEZA URBANA 61

DIAGNÓSTICO DO SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL 65

CONCLUSÃO 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 73

19
CAPÍTULO III
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO
EM ÁREAS URBANAS – DA INEFICÁCIA A UM MODELO DE
GESTÃO SUSTENTÁVEL 76
Tarcísio de Paula Pinto
IMPACTOS DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO (RCD) 79
POTENCIAL DE RECICLAGEM DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO
E DEMOLIÇÃO 87
A GESTÃO DIFERENCIADA DOS RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO E
DEMOLIÇÃO 91
Facilitação da Disposição
Segregação na Captação
Reciclagem para Alteração da Destinação
BASES LEGAIS PARA UMA NOVA GESTÃO 102
CUSTOS OPERACIONAIS E INVESTIMENTOS PARA A GESTÃO
DIFERENCIADA 105
COMENTÁRIOS FINAIS 111
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 112

CAPÍTULO IV
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE
DE SALVADOR 114
Bárbara Elizabete C. Quadros, Ana Maria V. de Oliveira
INTRODUÇÃO 117
A Cidade de Salvador
A Limpurb
O Modelo de Gestão de Resíduos Sólidos
EVOLUÇÃO DA GESTÃO DO ENTULHO 124
PROJETO DE GESTÃO DIFERENCIADA DE ENTULHO 128
Concepção
Estratégia de Implantação
CONCLUSÃO 137
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 141

20
CAPÍTULO V
CARACTERÍSTICAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO 142
Alex Pires Carneiro, Bárbara Elizabete C. Quadros,
Ana Maria V. de Oliveira, Irineu Antônio S. de Brum
Taís Santos Sampaio, Elaine Pinto V. Alberte, Dayana Bastos Costa
CARACTERÍSTICAS DO ENTULHO 146

CARACTERÍSTICAS DO AGREGADO RECICLADO 152

PROCESSOS DE PRODUÇÃO DO AGREGADO RECICLADO 154

RECICLAGEM DE ENTULHO E ECONOMIA 157

EXPERIÊNCIA REALIZADA
CARACTERIZAÇÃO DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
DE SALVADOR 159
CARACTERIZAÇÃO DO ENTULHO 160
Apresentação e Análise dos Resultados
CARACTERIZAÇÃO DO AGREGADO RECICLADO 168
Apresentação dos Resultados
APLICAÇÕES DO AGREGADO RECICLADO 177

AVALIAÇÃO ECONÔMICA 179

CONCLUSÃO 181

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 182

NORMAS TÉCNICAS CITADAS 186

CAPÍTULO VI
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE
E SUB-BASE DE PAVIMENTOS 188
Alex Pires Carneiro, Paulo César Burgos, Elaine Pinto V. Alberte
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE PAVIMENTOS 192
Materiais
Propriedades e Especificações dos Materiais
DIMENSIONAMENTO DE PAVIMENTOS 198
Métodos Tradicionais
Métodos MCT (Miniatura, Compactado, Tropical)
UTILIZAÇÃO DE AGREGADO RECICLADO EM PAVIMENTOS 201

21
EXPERIÊNCIA REALIZADA
USO DO AGREGADO RECICLADO DE SALVADOR EM CAMADAS
DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS 204
MATERIAIS UTILIZADOS 205

MÉTODOS DE AVALIAÇÃO 207

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 208


Método Tradicional
Método MCT (Miniatura, Compactado, Tropical)
Avaliação Econômica
CONCLUSÃO 223
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 225

NORMAS TÉCNICAS CITADAS 227

CAPÍTULO VII
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO
ESTABILIZADO COM CIMENTO 228
Célia Maria M. Neves, Alex Pires Carneiro, Dayana Bastos Costa
USO DO SOLO COMO MATERIAL DE CONSTRUÇÃO 233

TIJOLOS E BLOCOS DE SOLO ESTABILIZADO 235

FABRICAÇÃO DE TIJOLOS E BLOCOS DE SOLO ESTABILIZADO 236


Equipamentos de fabricação de tijolos e blocos
CRITÉRIOS PARA SELEÇÃO DE SOLO E DOSAGEM DE TRAÇO 242

REQUISITOS PARA CONTROLE DE QUALIDADE 243

EXPERIÊNCIA REALIZADA
O USO DO AGREGADO RECICLADO DE SALVADOR EM TIJOLOS
DE SOLO-CIMENTO 245
MATERIAIS UTILIZADOS 247

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 248

CONCLUSÃO 256

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 258

NORMAS TÉCNICAS CITADAS 260

22
CAPÍTULO VIII
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS
DE REVESTIMENTO 262
Marcos Jorge A. Santana, Alex Pires Carneiro, Taís Santos Sampaio
UTILIZAÇÃO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS 266
AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DAS ARGAMASSAS DE
REVESTIMENTO 269
Propriedades da Argamassa no Estado Fresco
Propriedades da Argamassa no Estado Endurecido – Argamassas
em Corpos-de-Prova
Propriedades da Argamassa no Estado Endurecido – Argamassas
em Painéis
Critérios de avaliação das argamassas de revestimento
EXPERIÊNCIA REALIZADA
USO DO AGREGADO RECICLADO DE SALVADOR EM
ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO 276
MATERIAIS UTILIZADOS 277

MÉTODO DE PRODUÇÃO E DE AVALIAÇÃO DAS ARGAMASSAS 278

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 283


Argamassas no Estado Fresco
Argamassas no Estado Endurecido – corpos-de-prova
Argamassas no Estado Endurecido – Painéis de revestimento
Avaliação Subjetiva das Argamassas
Avaliação Econômica
CONCLUSÃO 292

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 295

NORMAS TÉCNICAS CITADAS 297

CONSIDERAÇÕES FINAIS
REDUÇÃO, RECICLAGEM E REAPROVEITAMENTO –
AÇÕES DE CIDADANIA 300
Alex Pires Carneiro

23
INTRODUÇÃO

Em 1987, o Relatório Brundtland “Our Common future” dizia


que “o desenvolvimento é sustentável quando satisfaz às necessi-
dades das gerações atuais, sem hipotecar a capacidade das gera-
ções futuras de satisfazer às suas próprias”. Tratava-se de uma cha-
mada a estender a solidariedade até as gerações futuras. Ao pro-
blema ético clássico da distribuição eqüitativa dos recursos soma-
va-se a questão sobre que recursos, em que forma e a que veloci-
dade distribuir e usar. A resposta geral não é outra senão que “em
um mundo finito, o crescimento não pode ser sustentado e o
desenvolvimento tem que ser sustentável, ou não será”.
Concretamente, torna-se imprescindível o uso mais racional
dos recursos tais como a energia e as matérias primas naturais,
bem como a implantação de uma gestão de resíduos mais lógica.
A indústria da construção origina uma enorme corrente de re-
síduos dos processos de demolição e construção, e usa e abusa
das matérias primas naturais como os agregados. Só na União
Européia, os resíduos da construção estão entre 221-334 mi-
lhões de toneladas por ano, o que significa de 607 a 918 kg/
pessoa/ano, frente a uma média de 390 kg/pessoa/ano de
resíduos sólidos urbanos (lixo doméstico). Em recente publica-
ção, pesquisadores do Projeto Entulho Bom da Universidade
Federal da Bahia mostram que a evolução da coleta de resí-
duos da construção, na cidade de Salvador, passou de 200.000
t/ano, em 1996, para mais de 500.000 t/ano, em 1998. A caracte-
rização realizada detectou um alto potencial de reciclabilidade
desses resíduos.
Não cabe dúvida de que a importância dessa reciclagem não
escapou ao Brasil.

24
22
A Construção Sustentável baseia-se na prevenção e redução dos
resíduos pelo desenvolvimento de tecnologias limpas no uso de
materiais recicláveis ou reutilizáveis, no uso dos resíduos como
materiais secundários e na coleta e deposição inerte. Portanto,
devem ser tomadas medidas que transformem as correntes de
resíduos em recursos reutilizáveis. A maior parte da investigação
dirigiu-se aos resíduos de construção e demolição. Quando esses
resíduos são selecionados, graduados e limpos adequadamente,
tornam-se um agregado secundário, cuja utilização, em função da
origem e tratamento, cobrem desde um aterro até um concreto.
Na Holanda, Alemanha, Dinamarca e Bélgica, as primeiras
usinas de reciclagem entraram em serviço há 15 anos. No Reino
Unido, França e Espanha, a experiência ainda não cumpriu uma
década. As usinas estão sempre concentradas em áreas urbanas,
pois é onde ocorre a máxima produção de resíduos e também
onde se apresenta a maior e mais constante demanda de mate-
riais. A maior parte do material secundário, obtido nas usinas de
tratamento, vai para os pavimentos como material de sub-base ou
base, simplesmente compactado ou tratado com algum ligante
para aumentar sua coesão e capacidade portante.
Em 1999, o Relatório Symonds concluiu que o nível médio de
reciclagem, na construção européia, era somente de 28%, e a de-
molição seletiva ainda era pouco freqüente. Essa é a causa do pre-
domínio das aplicações nas bases e sub-bases de pavimentos e de
um limitado uso no concreto. A situação pode ser decepcionante, se
não se impulsar a atividade a partir do setor público, através de um
sistema de impostos. Em nosso país, como provavelmente em mui-
tos lugares do Brasil, a competição do agregado natural primário é
feroz e, até muito recentemente, não se havia adequado as taxas
de deposição, nem aplicado com rigor a lei de aterros sanitários

25
23
especiais. O voluntariado de investigadores, os técnicos e os impor-
tantes investimentos de empresas do setor reciclador não tiveram
mais que um modesto reflexo na prática construtiva cotidiana.
O principal obstáculo estava na crença de que um material se-
cundário não pode ter constância na qualidade. Além disso, os
materiais secundários estão constantemente sujeitos aos mesmos
requerimentos dos primários, por falta de normas adequadas. A
produção de materiais secundários de alta qualidade, comparáveis
aos primários, é possível, porém os custos de produção de tais
materiais tendem a ser algo maiores. De uma forma clara, só se
pode competir em aplicações “low-tech”, como as já citadas, na-
quelas em que o nível de exigência rebaixa os custos de produ-
ção. Por isso, o papel estratégico dos governos ou das autoridades
do estado é decisivo, guiando economicamente as reciclagens e
deposições, exigindo o cumprimento das leis, cobrando os impos-
tos e depósitos e orientando os processos de reciclagem. Não se
pode esquecer, além disso, que existem situações particulares em
que a produção de agregados reciclados de alta qualidade para o
concreto pode ser claramente competitiva.
Na Catalunha, no último ano, conseguimos dar um passo de gi-
gante, que abre, por fim, as portas ao uso desses materiais secundá-
rios de uma forma massiva e programada. O GERD (Demolition Re-
cycling Companies Guild) preparou e pactuou, em conjunto com o
governo catalão, um programa 2001-2006 de “Construção com Ma-
teriais Residuais”. Esse programa é, ao mesmo tempo, um impor-
tante documento para a planificação territorial de infraestruturas
que incluirão materiais secundários. O programa integra as realidades
do setor industrial, as realidades da produção de materiais secundá-
rios e os deveres impostos pela convergência européia. Os pontos
desse programa estão contidos nos três objetivos fundamentais:

26
24
1. O desenvolvimento de mecanismos administrativos eficientes
2. A introdução de um novo modelo de aterro sanitário (Clas-
se I), a modificação das taxas de deposição e outras medidas
econômicas para tornar atrativa a reciclagem.
3. O desenvolvimento das atividades recicladoras e o uso real
desses produtos na construção.
A Administração Catalã de Pavimentação já autorizou o uso
desses materiais em suas obras, e a Instituição Espanhola para o
Concreto iniciou o caminho sem retorno da mesma autorização,
pela mão do nosso Departamento Universitário.
Em toda Espanha, o objetivo é alcançar 40% de reciclagem em
6 anos. Em nosso Estado isso será possível.
O caminho da aceitação desses materiais é longo, cheio de obs-
táculos e de desencorajadores passos atrás. Porém uma modesta
experiência de 10 anos e os últimos êxitos nos permitem animar
os companheiros brasileiros a continuar nesse caminho também
iniciado e a perseverar na aplicação dos logros e estratégias que
se apresentam neste livro. Em qualquer caso, sempre estaremos
dispostos a colaborar no progresso do querido Brasil que, para
mim, já é uma segunda pátria.
O exemplo do professor e amigo J. Cassa fica como guia e, para
nós, a lembrança de sua humanidade, inteligência e gentileza per-
durará o resto de nossas vidas.

Prof. Dr. Enric Vázquez


Universidade Politécnica da Catalunha - Barcelona / Espanha
Departamento de Engenharia da Construção

Traduzido pela Dra. Luciana Amaral de Lima

27
25
CAPÍTULO I
26
APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
APROVEITAMENTO DE
RESÍDUOS SÓLIDOS COMO
MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO

Vanderley M. John

27
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Ao longo da história da humanidade, a visão de progresso vem
se confundindo com um crescente domínio e transformação da
natureza. Nesse paradigma, os recursos naturais são vistos como
ilimitados. Resíduos gerados durante a produção e ao final da vida
útil dos produtos são depositados em aterros, caracterizando um
modelo linear de produção. A preservação da natureza foi vista
de forma geral como antagônica ao desenvolvimento. Neste con-
texto, a preservação da natureza significou a criação de parques,
áreas especiais destinadas a preservação de amostras da natureza
para as gerações futuras, evitando-se a extinção de espécies.
O primeiro alerta dos limites desse modelo foi a poluição do ar
e da água, que levou à geração do conceito de controle ambiental
da fase de produção industrial, com o estabelecimento de rígida
legislação limitando a liberação de poluentes e com a criação de
Agências Ambientais. Em grande medida, essa visão ainda está
presente no movimento ambiental, algumas vezes denominado
de preservacionista, e na ainda limitada consciência ambiental dos
brasileiros. Preservação ambiental é, antes de tudo, preservação
de espécies em extinção, de áreas de matas nativas e rios.
A visão de desenvolvimento sustentável surge como decorrêcia
da percepção sobre a incapacidade desse modelo de desenvolvi-
mento e de preservação ambiental se perpetuar e até mesmo ga-
rantir a sobrevivência da espécie humana. O avanço do conheci-
mento sobre os efeitos de poluentes orgânicos biopersistentes, as
catástrofes planetárias como a destruição da camada de ozônio por
gases produzidos e liberados pelo homem e o conhecido efeito
estufa demonstram que a preservação da natureza vai exigir uma
reformulação mais ampla dos processos produtivos e de consu-
mo. Isso implica uma reformulação radical da visão de impacto

28
APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
ambiental das atividades humanas, que passa também a incorpo-
rar todos os impactos das atividades de produção e de consumo,
desde a extração da matéria prima, os processos industriais, o
transporte e o destino dos resíduos de produção e também o do
produto após a sua utilização. Além dos regulamentos que limi-
tam a poluição do ar e da água e protegem vegetação e espécies
naturais, é evidente a necessidade de uma análise crítica dos pro-
cessos de produção e de consumo. Nesse sentido, a proteção am-
biental deixa de ser uma preocupação de ambientalistas e funcio-
nários de órgãos ambientais, para entrar no mundo dos negócios.
A série de normas ISO 14000 é a parte mais visível de um movi-
mento empresarial que envolve, pela primeira vez, organizações
não-governamentais integradas por empresas.
A Conferência sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente das
Nações Unidas (Rio 92) consolida através da AGENDA 21, a visão
de que desenvolvimento sustentável não apenas demanda a pre-
servação dos recursos naturais, de modo a garantir para às gera-
ções futuras iguais condições de desenvolvimento — a equidade
entre gerações — mas também uma maior equidade no acesso
aos benefícios do desenvolvimento — a igualdade intrageração.
Esse último postulado tem conseqüências sociais importantes.

A CONSTRUÇÃO CIVIL E
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Nenhuma sociedade poderá atingir o desenvolvimento susten-
tável sem que a construção civil, que lhe dá suporte, passe por
profundas transformações.
A cadeia produtiva da construção civil, também denominada
construbusiness, apresenta importantes impactos ambientais em

29
todas as etapas do seu processo: extração de matérias primas,
produção de materiais, construção, uso e demolição. Qualquer
sociedade seriamente preocupada com esta questão deve colo-
car o aperfeiçoamento da construção civil como prioridade.
Esse grande impacto decorre de diferentes fatores, entre os
quais, o enorme peso do macrocomplexo da construção civil na
economia. No Brasil, o construbusiness corresponde a 14% da
economia. Qualquer atividade humana necessita de um ambiente
construído adequado para sua operação, e, os produtos da cons-
trução civil são sempre de grandes dimensões.
O macrocomplexo da construção civil é um dos maiores consu-
midores de matérias-primas naturais. Estima-se que a construção
civil utiliza algo entre 20 e 50% do total de recursos naturais con-
sumidos pela sociedade (Sjöström, 1992). O setor consome, por
exemplo, enormes quantidades de materiais com significativo
conteúdo energético (Tabela 1), que necessitam ser transporta-
dos a grandes distâncias. Estima-se que cerca de 80% da energia
utilizada na produção de um edifício é consumida na produção e
transporte de materiais (Construction..., 1996).

TABELA 1- CONSUMO DE ENERGIA (GJ/ton) PARA A PRODUÇÃO DE


DIFERENTES MATERIAIS NOS PAÍSES BAIXOS NO ANO DE 1990
(BASEADO EM CONSTRUCTION..., 1996)

MATERIAL E MATERIAL E MATERIAL E MATERIAL E

Alumínio 250 Aço 30-60 Cal 3-5 Agregados < 0,5

Plásticos 75 Vidro 12 Cerâmica 2-7 Cinza vol. < 0,5

Cobre > 100 Cimento 6 Madeira 0,1-5 Solo < 0,5

30
APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
O consumo de agregados, na construção civil, também é muito
grande (Tabela 2). Algumas reservas de matérias-primas estão,
atualmente, bastante limitadas, a exemplo das reservas mundiais
de cobre, com vida útil estimada em pouco mais de 60 anos
(Construction..., 1996). Numa cidade como São Paulo, o esgota-
mento das reservas próximas da capital faz com que a areia natural
já seja transportada de distâncias superiores a 100 km, implicando
enorme consumo de energia e geração de poluição.

TABELA 2 - PRODUÇÃO ANUAL DE AGREGADOS EM


DIVERSOS PAÍSES, NO ANO DE 1988, (CONSTRUCTION..., 1996)
E ESTIMATIVA PARA O BRASIL.

PAÍS Mton Mton per capita

França 138 2,45

Japão 1,90 1,54

Coréia do Sul 46 1,07

Reino Unido 319 5,56

USA 1937 7,74


Brasil (concreto e argamassas) ~ 200 ~ 1,24


Estimativa do autor, que considera a produção de cimento dos últimos anos em
aproximadamente 36 Mton, uma proporção média cimento: agregados 1:5,5 e uma população
de 160 milhões de habitantes. A esse valor devem ainda ser somados os agregados utilizados
na construção de rodovias, entre outros.

As atividades de produção de matérias-primas, de canteiro e até


mesmo de manutenção e demolição geram impactos ambientais,
como resíduos, ruído, poeira, além dos poluentes industriais. A
produção de cimento e cal, por exemplo, envolve a calcinação
de calcário, lançando grande quantidade de CO2 na atmosfera:
CaCO3 + energia → CaO + CO2
1000g 560g 440g

31
Isso significa que, para cada tonelada de cal virgem, são produ-
zidos 785 kg de CO2, ou mais de 590 kg de CO2 para uma tonelada
de cal hidratada. No Brasil, a indústria cimenteira é responsável
por mais de 6% do CO2 gerado (John, 2000). O CO2 é o principal
gás responsável pelo efeito estufa.
O macrocomplexo da indústria da construção civil é a principal
geradora de resíduos da economia. Os resíduos produzidos nas
atividades de construção, manutenção e demolição têm estimativa
de geração muito variável (John, 2000). Os valores encontrados, na
bibliografia internacional, variam de 163 a mais de 3000 kg/hab. ano.
No entanto, os valores típicos encontram-se entre 400 e 500 kg/ hab.
ano, valor igual ou superior à massa de lixo urbano. Parte signifi-
cativa desses resíduos são depositados ilegalmente, acumulam-se
nas cidades, gerando custos e agravando problemas urbanos, como
enchentes e tráfego (Pinto, 1999). A produção dos materiais que
a construção consome também gera resíduos, como as escórias
de alto forno e de aciaria, resíduos cerâmicos, etc. Pelo menos,
parte desses resíduos já é reciclada pela construção civil. De
maneira geral, estima-se que o construbusiness seja responsável
por cerca de 40% dos resíduos gerados na economia.
A fase de uso dos edifícios e de outras construções também pos-
sui impacto ambiental significativo, especialmente se considerar-
mos o estoque de produtos da construção civil em uso. Os edi-
fícios são responsáveis por cerca de 50% do consumo de energia
elétrica no Brasil (Lamberts & Westphal, 2000). A sua operação
consome água, tanto em suporte às atividades desenvolvidas
quanto em limpeza. Atividades de manutenção e de demolição
geram resíduos, poeira e ruído. Durante a vida útil de um edifício,
as atividades de manutenção consomem recursos em volume
aproximadamente igual aos despendidos na fase de produção

32
APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
( John, 1988). O interior de edifícios é, de maneira geral, sempre
mais poluído que o ar exterior, tanto pela geração de poeiras e
proliferação de micro-organismos quanto pela liberação de com-
postos orgânicos voláteis, nocivos à saúde dos usuários.
Esse significativo impacto ambiental da construção civil tem leva-
do diferentes países a adotarem políticas ambientais específicas
para o setor. Conseqüentemente, a agenda ambiental é priori-
dade em muitas regiões do mundo. A Civil Engineering Research
Foundation (CERF), entidade dedicada a promover a moderniza-
ção da construção civil dos Estado Unidos, realizou uma pesquisa
entre 1500 construtores, projetistas e pesquisadores de todo o
mundo (Bernstein, 1996), visando a detectar quais as tendências
consideradas fundamentais para o futuro do setor. Nessa pesquisa,
a “questão ambiental” foi considerada a segunda tendência mais
importante para o futuro (Figura 1). Com base nesses resultados,
a entidade definiu 38 propostas diferentes de pesquisa.

Respostas (%)

FIGURA 1
GRAU DE IMPACTO DE DIFERENTES TENDÊNCIAS NAS ATIVIDADES
DA CONSTRUÇÃO CIVIL (BERNSTEIN, 1996)

33
Essa tendência à regulamentação tem causado mobilização in-
ternacional do construbusiness. A European Construction Industry
Federation possui, desde 1996, agenda específica para o tema
(Construction..., 1996). O CIB (lnternational Council for Research
and Inovation in Building and Construction) colocou, entre suas
prioridades de pesquisa e desenvolvimento, o desenvolvimento
sustentável. A entidade produziu a Agenda 21 para a construção
civil, agora traduzida para o português pelo PCC USP.
De um modo geral, a redução do impacto ambiental da cons-
trução civil é tarefa complexa, sendo necessário agir em várias
frentes de maneira combinada e simultânea (Kilbert, 1994):
1. Minimizar o consumo de recursos (conservar)
2. Maximizar a reutilização de recursos (reutilizar materiais e
componentes)
3. Usar recursos renováveis ou recicláveis (renovar / reciclar)
4. Proteger o meio ambiente (proteção da natureza)
5. Criar um ambiente saudável e não tóxico (utilizar não tóxicos)
6. Buscar a qualidade na criação do ambiente construído
(aumentar a qualidade)
Para a Agenda 21 do CIB (International Concil for Research and
Inovation in Building and Construction, CIB, 2000), essas ações
deverão considerar os seguintes aspectos: (a) organizacionais e
de gestão; (b) design de componentes e de edifícios, incluindo
aspectos relativos a reciclabilidade; (c) conservação de recursos
naturais; (d) desenvolvimento urbano; (e) outros impactos am-
bientais relacionados a atividades do setor; ( f ) aspectos sociais,
culturais e econômicos (CIB, 2000).
Essas diretrizes gerais devem se manifestar em preocupações
técnicas específicas. Por exemplo, a durabilidade deixa de ser um
aspecto importante apenas do ponto de vista econômico e passa

34
APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
a significar o tempo em que as atividades que implicaram deter-
minado impacto ambiental cumprem sua função social (Sjöström,
1996), minimizando o consumo de recursos, preservando a natu-
reza e minimizando o impacto ambiental. O aumento da durabili-
dade vai exigir alterações no design e em procedimentos organi-
zacionais e de gestão. É necessário perceber que o aumento da
durabilidade, expresso em termos de vida útil, depende não ape-
nas da taxa de degradação física de materiais e componentes —
determinada pela interação entre os materiais selecionados e os
macro e microclimas —, mas também da degradação social (John,
1987), que pode ser entendida como conseqüência de mudanças
nas necessidades dos usuários com o decorrer do tempo. Essas
mudanças são um reflexo cultural das transformações que a soci-
edade sofre, seja em termos de tecnologia ou de mudança de po-
der aquisitivo, e inclui aspectos de cunho eminentemente social,
como o gosto ou a moda. A durabilidade, pois, deve ser controla-
da pela possibilidade de readequação às mudanças nas necessi-
dades dos usuários (John; Kraayenbrink; Van Wamelen, 1996).
A seleção de materiais deixará de ser feita apenas com base em
critérios estéticos, mecânicos e econômicos, mas estará condicio-
nada a diferentes questões como contaminação do ar interno —
considerando as taxas de ventilação ambiental —, durabilidade no
ambiente a que os mesmos serão expostos, possíveis impactos
ambientais da sua deposição e possibilidades de reciclagem. Esses
critérios constituirão parte integrante das atividades diárias dos
engenheiros e arquitetos.

RECICLAGEM E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


Os resíduos são subprodutos gerados pelos processos econô-
micos, que incluem atividades extrativistas, produção industrial

35
e de serviços, bem como do consumo, até mesmo de preserva-
ção ambiental, como a microssílica e a escória de sinterização de
resíduos urbanos, ambos com emprego na construção civil.
O macrocomplexo da construção civil é o maior responsável
pela reciclagem no Brasil e na maioria dos países. A quase totali-
dade das armaduras para reforço passivo de concreto e do cimento
Portland, comercializados no Brasil, contém elevado teor de resí-
duos, com grandes benefícios ambientais para a sociedade.

VANTAGENS AMBIENTAIS DA RECICLAGEM


As possibilidades de redução dos resíduos gerados nos diferen-
tes processos produtivos apresentam limites técnicos objetivos.
Os resíduos, portanto, sempre existirão. A política de proteção am-
biental hoje vigente é voltada quase que exclusivamente para a depo-
sição controlada desses resíduos. Essa política apresenta limites
diversos. Um óbvio limite é que os aterros controlados constituem
desperdício, por tempo indefinido, de um recurso limitado, o solo,
além de concentrarem enormes quantidades de resíduos perigo-
sos e sempre estarem sujeitos a acidentes de graves conseqüências.
Para controlar o risco de acidentes, a normalização desses aterros
tem recebido aperfeiçoamentos constantes, os quais têm elevado
o preço desses serviços a valores muitas vezes insuportáveis. Na
grande São Paulo, esses valores facilmente ultrapassam a US$ 100/
ton. Esses custos representam um fator de limitação para qualquer
política, por várias razões, dentre as quais se destaca o fato de tor-
nar as empresas geradoras de resíduos “inimigas” dessas políticas.
A reciclagem, por outro lado, é uma oportunidade de transfor-
mação de uma fonte importante de despesa numa fonte de fatu-
ramento ou, pelo menos, de redução das despesas de deposição.
Uma grande siderúrgica, por exemplo, produz mais de 1 milhão

36
APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
de toneladas de escória de alto forno por ano. A reciclagem desse
material na indústria cimenteira, entre outras, mesmo se comer-
cializado a baixo preço, é um excelente negócio, pois elimina as
despesas com o gerenciamento e deposição do resíduo.
Se, na ponta geradora do resíduo, a reciclagem significa redu-
ção de custos e até mesmo novas oportunidades de negócios, na
outra ponta do processo, a cadeia produtiva que recicla reduz o
volume de extração de matérias-primas, preservando recursos
naturais limitados.
A incorporação de resíduos na produção de materiais também
pode reduzir o consumo de energia, não apenas pelo fato de esses
produtos freqüentemente incorporarem grandes quantidades de
energia, mas, também, porque podem-se reduzir as distâncias de
transporte de matérias-primas. No caso das escórias e pozolanas,
é esse nível de energia que permite produção de cimentos sem a
calcinação da matéria prima, permitindo uma redução de consu-
mo energético de até 80% (John, 1995a). Finalmente, a incorpo-
ração de resíduos no processo produtivo, muitas vezes, permite a
redução da poluição gerada. Por exemplo, a incorporação de escó-
rias e pozolanas reduz substancialmente a produção de CO2 no
processo de produção do cimento. A Tabela 3 resume o impacto
ambiental da reciclagem em alguns materiais de construção civil.
Finalmente, a incorporação de resíduos permite muitas vezes a
produção de materiais com melhores características técnicas,
como é o caso da adição de microssílica, que viabiliza concretos
de alta resistência mecânica, e da escória de alto forno, que me-
lhora o desempenho do concreto frente à corrosão por cloretos.
O incentivo à reciclagem deve ser, então, uma parte importante
de qualquer política ambiental. (Proposal to European Community
Brite Euram Program, ENBRI, 1994; John, 2000).

37
TABELA 3 - REDUÇÃO DO IMPACTO AMBIENTAL (EM %) DA
RECICLAGEM DE RESÍDUOS NA PRODUÇÃO DE ALGUNS MATERIAIS
DE CONSTRUÇÃO CIVIL (A PARTIR DE UDAETA & KANAYAMA, 1997)

1
IMPACTO AMBIENTAL AÇO VIDRO CIMENTO

Consumo de Energia 74 6 40

Consumo de Matéria Prima 90 54 50

Consumo de Água 40 50 —

Poluentes Atmosféricos 86 22 < 50 2

Poluição Aquática 76 —

Resíduos em Geral 105 54

Resíduos Minerais 97 79

1
Substituição por 50% de escória de alto forno
2
Produção de CO2

RISCOS DA RECICLAGEM
A reciclagem de resíduos apresenta, também, dois tipos de risco.
O primeiro é o risco associado a qualquer inovação tecnológica
na construção civil, pois a natureza empírica do conhecimento e
a falta de tradição em inovação tecnológica, aliadas à longa du-
rabilidade requerida, têm significado desempenho inadequado
de muitas novas tecnologias introduzidas no mercado (John,
1995b). A esse problema soma-se o risco inerente à própria
reciclagem, pois muitos resíduos são considerados perigosos,
pois possuem elevadas concentrações de espécies químicas
perigosas (John, 2000).

38
APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
RECICLAGEM PRIMÁRIA VERSUS SECUNDÁRIA
As possibilidades de reciclagem de resíduos, dentro do pró-
prio processo responsável por sua geração, são limitadas ou,
muitas vezes, de alto custo. Assim, a reciclagem secundária dos
resíduos é alternativa que deve ainda ser explorada.
A reciclagem primária, definida como a reciclagem do resíduo
dentro do mesmo processo que o originou, é muito comum e
possui grande importância na produção do aço e do vidro, embo-
ra seja, muitas vezes, técnica ou economicamente inviável (All...,
1993). Dificuldades com a pureza, a necessidade de controle
estreito da uniformidade das matérias-primas e a concentração
de plantas industriais em determinadas regiões, tornando neces-
sário o transporte de resíduos a longas distâncias, são fatores que
diminuem a competitividade da reciclagem primária.
Já a reciclagem secundária, definida como a reciclagem de um
resíduo em outro processo produtivo, diverso daquele que o ori-
ginou, apresenta inúmeras possibilidades, particularmente no
macrocomplexo da construção civil.
Como já foi dito, a construção civil utiliza grandes volumes de
diferentes materiais. Diferentemente de outras indústrias, os ma-
teriais utilizados, em sua maioria, são de composição e produção
simples — especialmente os componentes que fazem uso do ci-
mento Portland —, toleram variabilidade razoável e exigem baixas
resistências mecânicas. Finalmente, atividades de produção rela-
cionadas ao macrocomplexo estão presentes em todas as regiões
de qualquer país.
Muitos dos produtos da construção civil estarão protegidos do
contato direto com as intempéries. Este aspecto pode ser inte-
ressante ao encapsulamento de resíduos industriais perigosos.
Muita pesquisa tem sido feita nesse sentido, infelizmente sem se

39
atentar para eventuais problemas de saúde dos trabalhadores e
dos usuários das construções.

RECICLAGEM DE RESÍDUOS E MULTIDISCIPLINARIDADE


John (2000) apresenta uma proposta de metodologia para
pesquisa e desenvolvimento de reciclagem de resíduos com mate-
riais de construção civil.
Resumidamente, a reciclagem de resíduos como material de
construção envolve:
1. a caracterização física e química e da microestrutura do resí-
duo, incluindo o seu risco ambiental;
2. a busca de possíveis aplicações dentro da construção civil,
considerando as características do resíduo;
3. o desenvolvimento de diferentes aplicações, incluindo seu
processo de produção, com base em ciência dos materiais;
4. a análise de desempenho frente às diferentes necessidades
dos usuários para cada aplicação específica;
5. a análise do risco ambiental do novo produto, incluindo conta-
minação do lençol freático, do ar interno e dos trabalhadores;
6. a análise do impacto ambiental do novo produto, numa abor-
dagem “do berço à sepultura”, como está sendo chamada, que
necessariamente deve envolver avaliação de riscos à saúde dos
trabalhadores e dos usuários;
7. a análise da viabilidade econômica;
8. a transferência da tecnologia.
O desenvolvimento dessas atividades exige a capacidade de inte-
gração de conhecimentos vinculados a diferentes especializações,
num trabalho multidisciplinar típico, com profissionais de áreas
tão diversas como Ciências da Vida (Medicina, Biologia), Química,
Marketing e Engenharia de Materiais. Todas elas são igualmente

40
APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
importantes na viabilização de uma reciclagem. A Tabela 4 apresen-
ta algumas das atividades envolvidas em cada etapa do processo.
TABELA 4 - CONHECIMENTOS ENVOLVIDOS EM UM ESTUDO DE
RECICLAGEM. NA ÚLTIMA LINHA, ESTÃO DESTACADOS OS
CONHECIMENTOS TÍPICOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL.

DO RESÍDUO
MARKETING

PRODUÇÃO

AMBIENTAL

PRODUTOR
MATERIAIS

FINANÇAS

CIÊNCIAS
QUÍMICA

DA VIDA
CARACTERIZAÇÃO

SELEÇÃO DE APLICAÇÕES

DESENVOLVIMENTO

DESEMPENHO

IMPACTO AMBIENTAL

ATIVIDADES TÍPICAS
DA ENGENHARIA CIVIL

É recomendável que participe do processo um especialista da


indústria que produz o resíduo, pois somente esse profissional
pode trazer informações sobre a exata composição do resíduo,
amplitude da variabilidade de sua composição química e até mes-
mo julgar a possibilidade de alteração de algum aspecto do pro-
cesso produtivo gerador do resíduo, de forma a tornar a reciclagem
mais competitiva.
A integração dos conhecimentos e do universo da construção
civil com os conhecimentos da área das Ciências da Vida é indis-
pensável quando se investiga a reciclagem ou encapsulamento de
resíduos potencialmente nocivos. Apesar desta importância até o
momento não existe metodologia satisfatória disponível.

41
A integração de conceitos de marketing e finanças talvez seja a
menos compreendida entre os pesquisadores, mas, nem por isso,
deixa de ser uma das mais importantes. Qualquer produto, con-
tendo resíduos ou não, precisa ser adequado ao mercado. Num
setor conservador como a construção civil, com pouca experiência
em inovação tecnológica, a introdução de um novo produto no
mercado necessita ser realizada de acordo com um plano previa-
mente estudado e definido.
A viabilidade financeira é certamente fundamental em to-
das as etapas, e deve ser avaliada em função do valor de mer-
cado do produto, dos custos do processo de reciclagem e do
custo da disposição em aterro. Uma metodologia específica
precisa ser desenvolvida. A importância desse aspecto é facil-
mente percebida pela verificação que muitos produtos, tecni-
camente viáveis e plenamente desenvolvidos, nunca chegam
ao mercado.
Esta abordagem multidisciplinar, necessária ao desenvolvi-
mento do processo de reciclagem, vai requerer habilidades adi-
cionais dos engenheiros civis envolvidos no processo.
A complexidade e a multiplicidade de pessoas e aspectos en-
volvidos no projeto exigem o desenvolvimento de uma aborda-
gem sistêmica, em que o impacto de cada decisão ou resultado
experimental seja avaliado simultaneamente em todas as demais
atividades que estão sendo desenvolvidas.
São também necessários o reconhecimento da importância das
demais disciplinas e uma compreensão mínima ou entendimen-
to da linguagem de cada uma delas, o que exige um nível mínimo
de conhecimento técnico sobre cada uma. Este nível de conheci-
mento somente poderá ser obtido a partir de uma formação
holística do profissional.

42
APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
CONCLUSÃO
O conceito de desenvolvimento sustentável está criando pro-
fundas raízes na sociedade e, certamente, deverá atingir as ativida-
des do macrocomplexo da construção civil, da extração de maté-
rias primas, da produção de materiais de construção, estendendo-
se do canteiro às etapas de operação / manutenção e demolição.
A partir desse conceito, a reciclagem de resíduos de outras indús-
trias é uma tendência que deverá ser aprofundada no setor. O desen-
volvimento de produtos contendo resíduos, alguns deles perigo-
sos, é atividade multidisciplinar. Os engenheiros civis deverão estar
preparados para o desenvolvimento dessas atividades e utilização
dos resíduos.

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44
APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
Vanderley M. John - Eng. Civil, M. Eng. (NORIE-UFRGS, 1987), Dr. Eng. (PCC/USP, 1995), Livre
Docente (PCC USP, 2000), Professor Associado PCC USP
Para a realização do trabalho apresentado neste capítulo o autor contou com o financiamento da
FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) através do programa HABITARE e da FAPESP
(Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

45
CAPÍTULO II
46
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
DIAGNÓSTICO DOS SETORES
PRODUTORES DE RESÍDUOS
NA REGIÃO METROPOLITANA
DE SALVADOR/BAHIA

José Clodoaldo Silva Cassa (em memória)


Irineu Antônio Schadach de Brum
Alex Pires Carneiro
Dayana Bastos Costa

47
Um dos principais problemas que afeta a qualidade de vida,
nos grandes centros urbanos, é o volume de resíduos gerado diaria-
mente. Aspectos técnicos e operacionais envolvidos nessa ques-
tão são bastante conhecidos e estão relacionados à quantidade e
à diversidade dos materiais descartados pela sociedade. Atualmen-
te, os resíduos sólidos constituem um dos maiores problemas para
as empresas e administrações públicas, visto que seu gerencia-
mento adequado acarreta custos elevados. Nas grandes cidades,
o problema é ainda mais grave, devido à quantidade de resíduos
gerados e à falta de áreas adequadas, próximas e disponíveis para
deposição desses materiais.
Conforme apresentado no capítulo anterior, a reciclagem e o
reaproveitamento de resíduos sólidos como matéria-prima para a
construção civil assumem significativa importância para a
minimização dos problemas ambientais causados pela geração de
resíduos de atividades urbanas e industriais.
A construção civil é atualmente o grande reciclador de resíduos
provenientes de outras indústrias. Resíduos como a escória granu-
lada de alto forno, as cinzas volantes, a sílica ativa, entre outros, são
incorporados rotineiramente nas construções, embora esse setor
tenha um potencial consumidor ainda maior (Cassa et al, 1998).
Portanto, a realização de um diagnóstico, para identificar os prin-
cipais resíduos gerados numa região, avaliando o conhecimento
disponível sobre cada um e analisando o seu potencial de aprovei-
tamento na construção civil, é uma atividade fundamental para o
desenvolvimento de ações de gestão ou de pesquisa visando à reci-
clagem ou aproveitamento de resíduos na produção de materiais
de construção.
Neste capítulo, é apresentado o diagnóstico dos resíduos sólidos
dos setores de química, mineração, metalurgia, limpeza urbana e

48
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
construção civil, produzidos na Região Metropolitana de Salvador
(RMS). Esse diagnóstico, realizado em 1998, identificou e locali-
zou as principais ocorrências, incluindo a quantificação e a avalia-
ção do conhecimento disponível, bem como o potencial de apro-
veitamento desses resíduos como matéria-prima para produção
de materiais de construção.
O levantamento dos dados foi realizado através de visitas às
indústrias, aplicação de questionários, informações obtidas em
órgãos ambientais, Secretarias e Superintendências de Governo,
Federação das Indústrias, associações de classe, instituições de
pesquisa, órgãos da Prefeitura, entre outros.
O nível de conhecimento dos resíduos identificados foi avaliado
e classificado como: pouco ou nenhum conhecimento; pesquisa
básica em andamento ou concluída; pesquisa aplicada em anda-
mento ou concluída; produção comercial; prioridades, recomen-
dações e oportunidades. A partir dessa avaliação foi possível identi-
ficar os resíduos de maior potencial para a produção de materiais e
contribuir para a definição de linhas prioritárias de Pesquisa &
Desenvolvimento na região.

DIAGNÓSTICO DO SETOR QUÍMICO


A indústria química e petroquímica representa atualmente um
expressivo setor da economia nacional, com importante partici-
pação no Produto Interno Bruto. Contudo, diversos processos de
produção da indústria química são geradores de resíduos sólidos,
classificados como desde inertes até altamente perigosos. Na Bahia,
a implantação tanto do Complexo Petroquímico de Camaçari —
COPEC quanto do Centro Industrial de Aratu — CIA consolidou a
presença de empresas do setor químico na RMS.

49
A riqueza natural da região onde está instalado o COPEC e o CIA
é muito vasta. A região de Camaçari, sede do COPEC, está locali-
zada entre dois importantes rios, o rio Jacuípe e rio Joanes, e sobre
o maior reservatório de água subterrânea do Estado (formação
São Sebastião). A avaliação da qualidade dos recursos ambientais
do Complexo Petroquímico de Camaçari indicou a ocorrência de
significativos impactos ambientais em vários locais dessa área (Cen-
tro de Recursos Ambientais, CRA, 1985).
O Centro de Recursos Ambientais do Estado da Bahia — CRA
(1985), encontrou indústrias com resíduos sólidos depositados de
forma inadequada nos terrenos das empresas, em tanques, bacias
e pilhas, constituindo fontes potenciais de contaminação dos recur-
sos hídricos da região. Atualmente a CETREL S/A — EMPRESA DE
PROTEÇÃO AMBIENTAL é responsável pelo tratamento e disposição
final de significativa parte dos resíduos sólidos gerados pelo COPEC.
A apresentação do diagnóstico dos resíduos do setor químico
está dividida entre os setores industriais já consolidados: Comple-
xo Petroquímico de Camaçari — COPEC e Centro Industrial de
Aratu — CIA. Nesse item, também é apresentado o diagnóstico da
Indústria de Cerâmica Vermelha, que gera uma quantidade
significativa de resíduos e possui mais de 30 empresas dispersas
nos municípios da RMS.

COMPLEXO PETROQUÍMICO DE CAMAÇARI - COPEC


Usualmente chamado de Pólo Petroquímico de Camaçari, o
COPEC iniciou suas operações em 1978, sendo o maior e mais
completo complexo industrial da América do Sul, considerando
não somente a quantidade de indústrias instaladas, mas também a
quantidade de resíduos industriais gerados por essas instalações.
Esse complexo está voltado para a produção de petroquímicos

50
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
de primeira, segunda e terceira gerações (Superintendência de
Desenvolvimento Industrial e Comercial, SUDIC, 1997b). A econo-
mia da Região Metropolitana de Salvador, bem como a do próprio
Estado, é influenciada pelas suas atividades, através do recolhimen-
to de impostos, da geração de empregos, da atração de investi-
mentos, do crescimento populacional, dentre outros aspectos.
Suas indústrias estão localizadas a cerca de 50 quilômetros de
Salvador, nas proximidades do litoral norte do Estado da Bahia,
entre as cidades de Camaçari e Dias D’Ávila. Estão situadas na área
do Complexo Básico e nas áreas industriais Norte, Leste e Oeste.
São mais de 50 empresas, em sua maioria químicas ou petro-
químicas, incluindo-se outros segmentos industriais, como a me-
talurgia, celulose, manutenção industrial e bebidas. Os resíduos
gerados pelas empresas do setor químico do COPEC são apresen-
tados na Tabela 1. Essas informações foram obtidas no “Guia de
Compra e Venda de Sobras Indústriais” publicado pela Bolsa de
Resíduos, programa da Federação das Indústrias do Estado da Bahia,
que promove a troca de informações entre as empresas geradoras
de resíduos e potenciais usuários (Federação das Industrias do
Estado da Bahia, FIEB, 1997).
De um modo geral, os resíduos do setor químico da COPEC são
gerados em pequenas quantidades, que, sem tratamento prévio,
não apresentam potencial para o aproveitamento direto na cons-
trução civil.
Alguns resíduos com potencial energético poderão ser usados
como combustível no cozimento de cerâmica vermelha. Outros
não-inertes poderão ser adicionados, em pequenas quantidades,
na massa cerâmica, pois, após o cozimento, estarão vitrificados e,
portanto, inertizados. De fato, apesar do pouco conhecimento
disponível sobre a maioria desses resíduos, algumas experiências

51
já estão sendo feitas, inclusive com atividades de pesquisa desen-
volvidas pelo CEPED (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do
Estado da Bahia), destacando-se o trabalho recente do pesquisa-
dor Eng. Francisco Nascimento, “Blocos Cerâmicos com Lama de
Fluoreto de Cálcio - Avaliação das Propriedades e Comportamento
Ambiental” (Nascimento, 2001). Esse trabalho foi realizado em
parceria com a DETEN QUIMICA S. A. — geradora do resíduo — e a
Cerâmica Poty — produtora do bloco cerâmico.
TABELA 1 - PRINCIPAIS RESÍDUOS GERADOS PELAS
INDÚSTRIAS DO SETOR QUÍMICO NO COPEC (FIEB, 1997)
QUANTIDADE
TIPO RESÍDUO GERADOR
(t/mês)

Sucata de papel CARBONOR 0,1

Sucata plástica CARBONOR 0,3

Inertes Polímero mod. de impacto p/PVC CENTRAL DE POLÍM. DA BAHIA 1,0

Formiato de sódio COPENOR PETROQUÍM. DO ND 15,0

Fibra acrílica SUDAMERIC. DE FIBRAS BRASIL 50,0

Borras úmidas de borracha SBR CENTRAL DE POLÍM. DA BAHIA 1,5

Catalizador exausto P. A. Ni CIQUINE PETROQUÍMICA 0,2

Cinza de caldeira COPENE 20,0

Óleo lubrificante COPENE 1,7

Óleo residual DETEN QUÍMICA S. A. 60,0

Lama de Fluoreto de Cálcio DETEN QUÍMICA S. A. 6,0

Não-inertes Óleo leve EMP. CARIOCA DE PROD. QUÍM. 30,0


ou
perigosos Carvão semi-saturado c/etilenoglicol OXITENO 1,7

Carvão ativo PETROBRÁS — FAFEN 0,7

Catalisador C-12-3-04 PETROBRÁS — FAFEN 1,2

Óleo exausto PETROBRÁS — FAFEN 5,1

TAR de TDI PRONOR PETROQUÍMICA S. A. 800,0

Pó de catalisador TIBRÁS 0,8

Borra de enxofre (D-002/003) TIBRÁS 80,0

Lama de ilmenita TIBRÁS 2.500,0

52
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
CENTRO INDUSTRIAL DE ARATU - CIA
O Centro Industrial de Aratu, criado na década de 60, é consi-
derado um dos importantes distritos industriais da região, dada a
sua grande influência no espaço socioeconômico da Bahia e, prin-
cipalmente, da Região Metropolitana de Salvador. Ao longo de
sua existência, o CIA tem passado por fases de crescimento e es-
tagnação, acompanhando as oscilações econômicas do país. Em
1998, período de realização do diagnóstico, o CIA apresentava bom
ritmo de crescimento dos investimentos e de mão-de- obra, 91%
e 19%, respectivamente (SUDIC,1997a).
A área total do Centro Industrial de Aratu é de aproximada-
mente 200 Km2, limitando-se com duas áreas adjacentes, a Área
Industrial Norte, no Município de Candeias, e a Área Industrial
Sul, no Município de Simões Filho.
As indústrias que compõem o CIA, cerca de 200, enquadram-se
nos setores: químico, minerais não metálicos, metalurgia, material
elétrico e de transporte, madeira e mobiliário, têxtil e vestuário,
bebidas e produtos alimentícios. Dessas, 49 indústrias fazem par-
te do setor químico, aproximadamente 25% do total (Centro das
Indústrias do Estado da Bahia, CIEB, 1995/1996). Os resíduos ge-
rados pelas empresas do setor químico do CIA são apresentados
na Tabela 2 (FIEB, 1997).
Os dados desta tabela indicam que, de um modo geral, os resíduos
são gerados em pequenas quantidades e que, sem tratamento pré-
vio, não apresentam potencial para o aproveitamento direto na cons-
trução civil (exceção do pó de areia da SIKA e do filer asfáltico da
FAVAB). Da mesma forma que no COPEC, alguns resíduos energéticos
produzidos no CIA poderão ser usados como combustível para for-
nos na fabricação de cerâmica vermelha, e outros resíduos poderão
ser adicionados, em pequenas quantidades, à massa cerâmica.

53
TABELA 2 - PRINCIPAIS RESÍDUOS GERADOS PELAS
INDÚSTRIAS DO SETOR QUÍMICO NO CIA (FIEB, 1997)

QUANTIDADE
TIPO RESÍDUO GERADOR
(t/mês)

Filler asfáltico FAVAB 100,0

Pó de areia SIKA 0,2

Sucatas TEC. AVANÇADA GARANTIDA 0,1

Limalha TEC. AVANÇADA GARANTIDA 0,1


Inertes
Plástico XEROX 1,0

Frascos vazios de reagentes XEROX 0,1

Big-bags usados XEROX 3,0

PVC composto de 2ª qualidade DECARTO DO NORDESTE 3,0

Aparas de borracha vulcanizada IPB - IND. DE PROD. BORRACHA 0,5


Não-inertes
ou Resíduo de Toner XEROX 10,0
perigosos
Tolueno XEROX 0,1

Metil-etil cetona XEROX 0,3

INDÚSTRIA CERÂMICA DA RMS


A indústria cerâmica é geralmente dividida segundo os tipos de
produtos fabricados: cerâmica vermelha ou estrutural, cerâmica de
revestimento, cerâmica branca e refratários. O setor da cerâmica
vermelha destaca-se entre os demais, pois tem como uma de suas
características o volume considerável de resíduos gerados na fa-
bricação de suas peças (material quebrado ou defeituoso). Sua
produção abrange blocos furados, tijolos, telhas e manilhas. Essas
indústrias têm seu mercado limitado ao âmbito regional, já que o
frete encarece de forma significativa o preço do produto final,
para longas distâncias de transporte.
A indústria de cerâmica vermelha constitui um representati-
vo setor industrial da RMS. São cerca de 30 fábricas, distribuídas

54
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
pelos municípios da região, produzindo blocos para a indústria
da construção civil local. Existem desde fábricas automatizadas a
olarias artesanais, que produzem tijolos sem controle de qualida-
de. Tradicionalmente, o mercado consumidor das peças de cerâ-
mica vermelha da RMS não é exigente com a qualidade dos pro-
dutos adquiridos, o que tem propiciado o surgimento de indús-
trias sem instalações adequadas para a produção de blocos.
Um estudo recente do Instituto Euvaldo Lodi — IEL (1998) ava-
liou a qualidade e a produtividade do setor da Indústria Cerâmica
da RMS. A produção anual das indústrias desse setor é da ordem
de 21 milhões de blocos, e a geração de resíduos representa, em
média ,14 % desse valor, ou seja: cerca de 3 milhões de blocos por
ano, o que corresponde a aproximadamente 7.500 toneladas de
resíduos — cacos cerâmicos — provenientes das perdas do pro-
cesso de produção. Esses resíduos são depositados nos terrenos
adjacentes às empresas.
Ainda segundo esse estudo, metade das empresas opera com
grande índice de perdas, entre 15 e 20 % (essas empresas não regis-
tram lucro), cujas principais causas são:
• falta de conhecimento das características tecnológicas das
matérias-primas utilizadas;
• deficiência de estoques intermediários de matéria-prima, com
qualquer variação refletindo-se no processo;
• maquinário e manutenção inadequados;
• problemas com a secagem e/ou cozimento;
• alta de controle de processo;
• recursos humanos com pouco treinamento.
De um modo geral, as empresas com alto índice de perdas apre-
sentam blocos sem dimensões padronizadas, fora de esquadro,
com baixa resistência mecânica ao choque ou à compressão e sem

55
uniformidade de coloração. Essa última característica não limita a
utilização do bloco, mas demonstra a falta de uniformidade e con-
trole no processo produtivo (IEL, 1998).
Entretanto, existem fábricas que, pelo seu porte de produção
ou pela aplicação de conhecimentos tecnológicos modernos, con-
seguem atenuar o problema e reduzir a geração de resíduos a
índices aceitáveis.
Segundo Fonseca; Costa; Conciani (1998), algumas alterna-
tivas de aproveitamento dos resíduos da indústria da cerâmica
vermelha são:
• reincorporação à massa cerâmica do resíduo, que, após tritu-
rado, produz um pó com propriedades pozolânicas, que me-
lhora a composição da mistura;
• a transformação do resíduo em agregado para a fabricação
de concretos, com desempenho semelhante ao do concreto
convencional.
A indústria cerâmica vem assumindo um importante papel no
aproveitamento racional de resíduos sólidos provenientes da in-
dústria química. No seu processo de produção, a cerâmica é sub-
metida a elevadas temperaturas, que acabam por vitrificar os
materiais componentes. Assim, existe a possibilidade da incorpo-
ração de resíduos a esses materiais, melhorando algumas proprie-
dades do produto final.
O emprego de resíduos de natureza orgânica ou de materiais
combustíveis misturados às argilas para a fabricação de cerâmica
vermelha (principalmente de blocos) é uma alternativa tecnológica
de grande interesse. A adição de resíduos combustíveis à massa
cerâmica pode reduzir o consumo da energia necessária para o cozi-
mento (Instituto Nacional de Pesquisa, INP, 1993). Essa redução
pode variar em função da eficiência e do tipo de forno utilizado,
do conteúdo energético, do poder calorífico do resíduo, do tipo

56
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
de argila utilizada, entre outros fatores. Os resíduos com proprie-
dades energéticas também podem servir de combustíveis para
alimentar os fornos dessas fábricas.
É necessário ressaltar, entretanto, que, no caso da incorpora-
ção de rejeitos industriais à massa cerâmica, algumas questões
que transcendem às normas específicas sobre o assunto devem
ser levadas em consideração. Os materiais com resíduo incorpo-
rado devem ser desenvolvidos com base em pesquisa científica e
tecnológica, para avaliação rigorosa do risco de contaminação
ambiental ( John, 1996). Nesse sentido, o CEPED vem desenvol-
vendo, nas últimas décadas, estudos sobre o aproveitamento se-
guro de resíduos industriais na fabricação de blocos cerâmicos.
Esses trabalhos são desenvolvidos em parceria com a indústria
cerâmica e o gerador do resíduo, o que contribui para a difusão
dessa prática na região.

DIAGNÓSTICO DOS SETORES DE MINERAÇÃO


E METALURGIA
A mineração e a metalurgia são historicamente atividades que
produzem impactos ambientais considerados significativos pelos
mais diversos segmentos sociais. Contudo, com o desenvolvimen-
to tecnológico e o maior rigor dos órgãos ambientais, essas indús-
trias passaram a introduzir modificações em seus sistemas produ-
tivos, objetivando o controle e a minimização da poluição gerada
(Brum et al, 2000).
A mineração é uma atividade estratégica para o Estado da Bahia,
que se destaca no cenário nacional como o 4o produtor de bens
minerais e detentor de expressivo potencial. São cerca de 400
empresas que exploram minerais metálicos, energéticos, indus-
triais, materiais para construção, pedras preciosas, entre outros

57
minerais (Brum et al, 1996). Na região de Salvador, são aproximada-
mente 30 empresas concentradas na extração de matéria-prima para
a construção civil local. As empresas de mineração identificadas na
RMS e os respectivos resíduos gerados são apresentados na Tabela 3.

TABELA 3 - PRINCIPAIS RESÍDUOS IDENTIFICADOS NO SETOR


DE MINERAÇÃO DA RMS.

 
MINERAL GERADOR RESÍDUO

Agapito e Gomes LTDA

Const.Garrido Leite LTDA


Líder Mineração e Serviços LTDA
Areia Ottomar Mineração Areia contaminada c/ argila
Palmeiras & CIA LTDA
Itaporanga Mineração LTDA
Weber Comércio e Terraplanagem LTDA

Cêramica Central LTDA


Cerâmica Ourem Indústria & Comércio LTDA
Cerâmica São Remo Indústria LTDA
Cerâmica Abrantes LTDA
Cerâmica Biribeira LTDA
Cerâmica Bloco Forte LTDA
Cerâmica Igarapé LTDA Argilas inadequadas para
Argila
cerâmica vermelha
Cerâmica Peres LTDA
CERNE - Cerâmica Reunidas LTDA
Itaporanga Minerado LTDA
Oliveira & Sampaio LTDA
Cerâmica Rodax LTDA
Civil Comercial LTDA

Pedreira Carangi LTDA


Pedreira Limoeiro LTDA
Pedra Pó de pedra
Pedreira Aratu LTDA
Pedreira Valéria S/A
Pedreira Omacil

Itaporanga Mineração LTDA Material areno-argiloso


Caulim
Empresa Indústria Lucaia (Arenoso)


Fonte: SGM, 1997

58
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
O setor metalúrgico, na RMS, apresenta indústrias de grande e
médio porte. Os resíduos sólidos resultantes dos processos meta-
lúrgicos, usualmente denominados escórias, apresentam compo-
sições químicas variadas, dependendo basicamente da matéria-
prima utilizada e do processo de produção das ligas ou metais
(Cassa & Carneiro, 1998).
A geração de volumes consideráveis de resíduos sólidos é uma
característica dos processos utilizados atualmente no setor de
metalurgia. A base tecnológica desses processos necessita ser alte-
rada para reduzir a geração de resíduos que, estocados em áreas
próximas às indústrias, podem causar impactos ambientais, como
a contaminação do solo e dos cursos de água.
As principais indústrias metalúrgicas da RMS e os respectivos
resíduos gerados são apresentados na Tabela 4.

TABELA 4 - OS PRINCIPAIS RESÍDUOS IDENTIFICADOS NO SETOR


DE METALURGIA DA RMS

GERADOR RESÍDUO

ALCOA Resíduos de demolição de fornos (refratários)

Escórias de Cobre
CARAÍBA
METAIS
Lama de Gesso

FERBASA Escórias de Ferro-Cromo

SIBRA Escórias de Ferro-Liga

USIBA Escórias de Aciária

Dentre os resíduos do setor de mineração, destacam-se o pó


de pedra e o arenoso, que, apesar de serem largamente utilizados
pela indústria da construção civil em pavimentação e argamassa,
respectivamente, têm seu estudo limitado apenas à pesquisa

59
básica. Por sua vez, as argilas inadequadas para a cerâmica verme-
lha e as areias contaminadas com argila são resíduos sem aceita-
ção no mercado local.
Entre os resíduos do setor de metalurgia, as escórias de ferro-
cromo, geradas pela FERBASA, e as de cobre, da CARAÍBA, apre-
sentam grande potencial para uso como material de construção.
As escórias de ferro-cromo têm sido comercializadas pela BMN
— Construção e Comércio Ltda., com a marca de fantasia BRITAFER.
Pesquisas básicas e aplicadas sobre essa escória foram realizadas
por diversos pesquisadores nas décadas de 80 e 90 (CEPED, 1981;
CONCRETA, 1993; Valois & Teixeira, 1995; Cassa & Carneiro, 1998).
Esses estudos obtiveram êxito em caracterizar e avaliar o desem-
penho mecânico da escória de Fe-Cr britada, em substituição ao
agregado graúdo, na produção de concretos.
A recente pesquisa “Avaliação do Desempenho de Concreto
Produzido com Agregado Graúdo de Escória de Ferro-Cromo”
(Silva Filho, 2001), desenvolvida pelo Eng. Antônio Freitas da Silva
Filho, Professor da UFBA e da UEFS (Universidade Estadual de Feira
de Santana), contribuiu para completar esses estudos, uma vez que a
avaliação de materiais produzidos com resíduos desse tipo envol-
vem questões complexas, como, por exemplo, a avaliação de risco de
contaminação ambiental e da saúde dos usuários e trabalhadores.
Quanto às escórias de cobre, o recente estudo “Utilização de
Escória de Cobre como Adição e como Agregado Miúdo para Con-
creto” (Moura, 2000), do Professor da UEFS, Dr. Washington
Almeida Moura, indica o comportamento adequado desse resíduo
para a produção de concreto, inclusive com a constatação de que
a escória de cobre da CARAÍBA não apresenta risco ambiental.
As escórias de aciaria, geradas pela USIBA em forno de arco
elétrico, são resíduos que também apresentam potencial para uso

60
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
na construção civil. Entretanto, pouco conhecimento sobre essas
escórias está disponível, sendo necessário o desenvolvimento de
estudos similares ao de Lima, “Hormigones com escorias de horno
eléctrico como áridos: propiedades, durabilidad y compor-
tamiento ambiental” (Lima, 1999). Nesse trabalho, Lima avalia o
desempenho e o risco ambiental de escórias de aciaria produzidas
em Barcelona, Espanha, para utilização em concretos.
Há pouco conhecimento disponível ainda sobre as escórias de
ferro-liga da SIBRA, sendo necessário o desenvolvimento de ati-
vidade de pesquisa básica, para avaliação de seu potencial de uso
na construção.
Sobre os demais resíduos do setor de metalurgia — lama de ges-
so e resíduos de demolição de fornos — também há pouco ou ne-
nhum conhecimento desenvolvido, necessário para sua utilização
na construção. Contudo, de forma geral, eles não apresentam po-
tencial de uso direto como matéria-prima para a construção civil.

DIAGNÓSTICO DO SETOR DE LIMPEZA URBANA


O aumento contínuo da produção de resíduos sólidos, nos
centros urbanos, decorrente de um conjunto de fatores vem
agravando os problemas com o manejo, tratamento e disposição
final desses resíduos. Esses fatores envolvem o aumento popula-
cional, o aumento da geração de resíduos sólidos por habitan-
te, a intensificação das atividades industriais, o surgimento de
novos materiais e a crescente tendência de os consumidores
optarem pela “comodidade” das embalagens descartáveis
(Castro, 1996).
O lixo urbano, ou resíduo sólido urbano, é aquele proveniente
das atividades urbanas, gerado por residências, comércio, serviços

61
de saúde, serviços do município (varrição, podas, etc.), portos, ae-
roportos e atividades produtivas localizadas na malha ur-
bana (pequenas indústrias, construção, reformas, etc.). No
Brasil, a coleta e a destinação final desses resíduos são ativi-
dades desenvolvidas pelo poder municipal, constituindo um
dos maiores problemas para essas administrações, devido ao
elevado custo.
A Cidade de Salvador produz, diariamente, cerca de 5.500
toneladas de resíduos sólidos urbanos, o que representa mais
de 90% dos resíduos sólidos urbanos produzidos e coletados na
RMS (Empresa de Limpeza Urbana do Salvador, LIMBURB, 2000;
Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de
Salvador, CONDER, 1997).
Uma parte dos resíduos sólidos do setor de limpeza urbana
da RMS é disposta nos aterros sanitários da região. No entanto,
outra parte desses resíduos acaba sendo depositada em aterros
clandestinos, lixões, terrenos baldios, acostamento de vias ur-
banas e estradas, praias, valas, córregos, encostas, entre outros
locais inadequados.
Essas formas de disposição geram uma série de problemas
ambientais e sociais, dentre os quais se destacam: poluição dos
mananciais (inclusive do lençol freático), contaminação do solo,
poluição visual, proliferação de vetores de doenças, obstrução dos
sistemas de drenagem (provocando enchentes), entre outros pro-
blemas relevantes.
Diante desse quadro, a LIMPURB — Empresa de Limpeza Urba-
na do Salvador e a CONDER — Companhia de Desenvolvimento
Urbano do Estado da Bahia desenvolveram, em Salvador e na sua
Região Metropolitana, o Programa de Destinação Final de Resí-
duos Sólidos. Esse programa implantou quatro aterros sanitários

62
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
integrados para a destinação do lixo urbano, buscando eliminar a
disposição inadequada em lixões e, assim, minimizar os impactos
ambientais causados.
O conhecimento da natureza do lixo urbano, através de dados
referentes à sua composição qualitativa e quantitativa, serve de
ponto de partida para os estudos de reaproveitamento e de
potencialidades econômicas, tais como recuperação de papéis,
papelão, metais, plásticos, vidros e a transformação da matéria
orgânica em adubo para o solo (CONDER, 1994).
A composição gravimétrica, que define o percentual da mas-
sa de cada material componente do resíduo sólido urbano, é a
primeira e mais importante etapa para qualquer trabalho refe-
rente a tais resíduos, quer seja para planejamento da limpeza
urbana, quer para orientação e determinação de sistemas mais
eficientes de tratamento, disposição e reciclagem (Castro, 1996).
Segundo Andrade (1992, citado por Castro, 1996), os resíduos
sólidos domiciliares possuem composição heterogênea, que
varia em função de fatores, como o nível socioeconômico da po-
pulação que o produz, as estações do ano, os costumes e hábitos
da população, os dias da semana e a situação econômica da re-
gião. Além disso, na determinação da composição gravimétrica,
deve-se observar que, dentro de uma mesma comunidade, esses fa-
tores vão se modificando com o decorrer dos anos, evidenciando-
se, portanto, a necessidade de levantamentos periódicos, visando
à atualização desses dados.
Na análise dos resíduos sólidos urbanos de Salvador, rea-
lizada pela LIMPURB (2000), verifica-se que, das 5.517 to-
neladas coletadas diariamente, o lixo domiciliar representa
46,04% e o entulho representa 49,77%, conforme apresentado
na Tabela 5.

63
TABELA 5 - RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS COLETADOS EM SALVADOR
(LIMPURB, 2000)

TIPO MÉDIA MENSAL (t) MÉDIA DIÁRIA (t) %

Domiciliar 64.135 2.540 46,04

Entulho 69.337 2.746 49,77

Poda e Feira 4.545 180 3,26

RSS 884 35 0,63

Recicláveis 404 16 0,30

Total 139.305 5.517 100

NOTA: RSS- Resíduos provenientes dos estabelecimentos prestadores de serviço de saúde.


Os recicláveis são segregados pela COOPCICLA - Cooperativa dos Agentes Autônomos da Reciclagem.
Domiciliar - Resíduos gerados nas residências, estabelecimentos comerciais, praias e logradouros.

O entulho, resíduo gerado pelo setor da construção civil, apre-


senta um alto potencial de reciclagem, com excelentes oportuni-
dades de aproveitamento. Por isso, é analisado detalhadamente,
no item a seguir.
Na composição gravimétrica do lixo domiciliar de Salvador, rea-
lizada pela LIMPURB, verifica-se a presença de 46,85% de matéria
orgânica. Em segundo lugar, verifica-se a presença do plástico,
com 17,11%, e, em seguida, o papel e o papelão aparecem, repre-
sentando 16,18% da amostra, conforme Figura 1.
De uma forma geral, os componentes do lixo domiciliar não
apresentam potencial de aproveitamento como matéria-prima para
a produção de materiais de construção. Entretanto, existem ou-
tros processos de reciclagem já estabelecidos para esses resíduos.
Por exemplo, a compostagem de matéria orgânica pode produzir
adubo para melhorar as características do solo. A reciclagem de
vidro, plástico, metal, papel e papelão possibilita reduzir o volu-
me de lixo depositado nos aterros, economizar recursos naturais
e gerar emprego e renda.

64
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
FIGURA 1 - COMPOSIÇÃO GRAVIMÉTRICA DO LIXO DOMICILIAR DO
MUNICÍPIO DE SALVADOR (LIMPURB, 1999)

DIAGNÓSTICO DO SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL


Uma das atividades que mais contribui com ações que alteram
o meio ambiente é a construção civil. Essas alterações ocorrem
na fase de implantação da obra, execução dos serviços, confecção
de artefatos, limpeza da obra, etc. Além disso, são gerados resíduos
em toda a vida útil da construção: execução, manutenção, reforma,
desocupação e demolição.
A grande quantidade de resíduos da indústria da construção
civil é proveniente da perda de materiais de construção nos cantei-
ros de obras, resultante dos materiais desperdiçados durante o pro-
cesso de execução de um serviço. Outras fontes geradoras são as
demolições e as reformas, que promovem a eliminação de diversos
componentes durante a utilização ou após o término do serviço.
Na fase de construção, o entulho gerado numa edificação é cons-
tituído pelas sobras dos materiais adquiridos e danificados ao longo
do processo produtivo, tais como restos de concretos e argamassa
produzidos e não utilizados, ao final do dia de trabalho, alvenaria
demolida, argamassa que cai durante a aplicação e não é reaprovei-
tada, sobras de tubos, aço, eletrodutos, entre outros.

65
Dentre os vários fatores que contribuem para a geração do
entulho, vale citar:
• definição e detalhamento insuficientes, em projetos de arqui-
tetura, estrutura, formas, instalações, entre outros;
• qualidade inferior dos materiais e componentes de construção
disponíveis no mercado;
• mão-de-obra não qualificada;
• ausência de procedimentos operacionais e mecanismos de
controle de execução e inspeção.
Deve-se também considerar que o crescimento populacional
dos centros urbanos e o alto déficit habitacional pressionam a
sociedade a expandir o número de habitações, contribuindo tam-
bém para a geração de mais entulho.
A maior parte desse resíduo é gerada pelo setor informal da
construção (pequenas reformas, autoconstrução, “construtor formi-
guinha”, ampliações, etc.). Estima-se que apenas 1/3 do entulho
seja gerado pelo setor formal, ou seja, pela indústria da constru-
ção civil (Lima & Tamai, 1998).
Se, por um lado, o entulho acarreta perda de recursos para o
gerador, por outro lado acarreta também gastos para o setor pú-
blico, que, por sua vez, acaba arcando com os custos de disposição
final e, em alguns casos, de transporte desse resíduo.
Um dos maiores problemas enfrentado pelo município é a gran-
de quantidade de pontos clandestinos de descarga de entulho,
espalhados pela cidade, devido à dispersão geográfica e temporal
da geração desse resíduo pelo setor informal.
Das diversas destinações clandestinas do entulho, duas podem
ser bastante preocupantes:
• lançamento em encostas, gerando depósitos instáveis, que
podem causar deslizamentos;

66
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
• lançamento em baixadas, junto a redes de drenagem, ou mes-
mo diretamente no leito dos canais, levando à obstrução do
escoamento pluvial e provocando inundações.
Além disso, a dificuldade em coletar o entulho através do mesmo
sistema operacional utilizado para a coleta domiciliar também con-
tribui para agravar a situação das disposições irregulares. Finalmen-
te, as grandes distâncias, e por conseqüência, os altos custos de
transporte para os aterros oficiais dificultam a iniciativa do pequeno
gerador em dar destino adequado ao entulho por ele produzido.
Em Salvador, são coletadas, atualmente, cerca de 2.750 t/dia de
entulho. Esse valor representa 50% dos resíduos coletados pela
limpeza urbana, embora não abranja a totalidade do entulho pro-
duzido na cidade (LIMPURB, 2000). No momento, a situação da
coleta de entulho, em Salvador, reflete o desempenho dinâmico
do serviço de limpeza urbana da atual administração da LIMPURB.
Entre 1996 e 2000 o recolhimento de entulho passou de 219.169
mil toneladas / ano para 832.044 mil toneladas / ano, ou seja, au-
mentou aproximadamente 280%, conforme a Figura 2.
toneladas

Ano
FIGURA 2 - EVOLUÇÃO DO ENTULHO RECOLHIDO EM SALVADOR
(LIMPURB, 2000)

67
Boa parte da melhoria de coleta ocorreu após a realização de
um levantamento dos pontos de descarte clandestino de entu-
lho em Salvador. Nesse trabalho, realizado pela LIMPURB em
junho de 1996, foram identificados 420 pontos clandestinos de
deposição de entulho. Diante disso, a empresa elaborou e
vem implantando, desde 1997, o Projeto Gestão Diferenciada
de Entulho de Salvador, apresentado no capítulo IV deste livro.
Esse plano foi baseado no modelo de Gestão Diferenciada
do Entulho, proposto pelo Dr. Tarcísio Pinto, apresentado no
capítulo III.
Algumas medidas, implantadas nesse período pelo Projeto
de Gestão do Entulho de Salvador — a remoção de entulho
nos pontos de descarte, a sinalização, a fiscalização e a punição
dos lançamentos clandestinos, além da criação de locais ade-
quados para recebimento de entulho —, reduziram para 160
o número de pontos clandestinos de descarga de entulho espa-
lhados pela cidade.
Diante dessas considerações, torna-se evidente a importância
da implantação do Projeto de Gestão Diferenciada de Entulho
em Salvador e a demonstração de que as soluções para os proble-
mas gerencias do resíduo passam pela elaboração e implemen-
tação de um plano de gestão específico.
Por outro lado, apesar do grande potencial de reciclagem, o
nível de conhecimento sobre entulho de Salvador era ainda limi-
tado, no período de realização do diagnóstico. Diante dessa ne-
cessidade de pesquisa, o Projeto Entulho Bom realizou estudos,
em parceria com instituições como a CAIXA e a LIMPURB, buscan-
do produzir conhecimento que permitisse otimizar os processos
de gestão e reciclagem desse resíduo, como matéria-prima para
construção civil.

68
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
CONCLUSÃO
O diagnóstico dos setores produtores de resíduos da Região Me-
tropolitana de Salvador permitiu a identificação e a caracterização
das principais ocorrências de resíduos sólidos que ofereciam pos-
sibilidades de utilização como materiais de construção na região.
A avaliação do nível de conhecimento disponível sobre esses
resíduos permitiu a criação de um quadro síntese sobre o seu
potencial de aplicação na construção civil (Tabela 6). Além disso,
esse levantamento indicou as necessidades de pesquisa e desenvol-
vimento, as prioridades e as oportunidades comerciais de recicla-
gem para os principais resíduos estudados como matéria-prima
para a construção.
De modo geral, as indústrias químicas do COPEC e do CIA produ-
zem pequenas quantidades de resíduos sólidos constituídos de
materiais complexos e apresentando baixo potencial de aproveita-
mento direto na construção. Entretanto, existem algumas possibili-
dades de utilização, como o aproveitamento de certos resíduos pela
indústria cerâmica, tanto como combustível para fornos quanto para
adição direta na massa cerâmica.
Por outro lado, o setor da cerâmica vermelha da RMS apre-
senta significativo índice de perdas no processo de produção —
14%, ou seja, 7.500 t/ano de resíduos com alto potencial de reci-
clagem. Algumas alternativas de reaproveitamento desses resíduos
podem ser a transformação em agregado para fabricação de con-
creto, ou a reincorporação à massa cerâmica, com melhoria de
suas propriedades.
Dentre os resíduos do setor de mineração, destacam-se o pó de
pedra e o arenoso, que, apesar de serem largamente utilizados pela
indústria da construção civil, em pavimentação e argamassa respec-
tivamente, têm seu estudo limitado apenas à pesquisa básica.

69
Entre os resíduos do setor de metalurgia, as escórias de ferro-
cromo, geradas pela FERBASA, e as de cobre, da CARAÍBA, apre-
sentam grande potencial para uso como material de construção,
ambas com recentes estudos realizados por pesquisadores da re-
gião. As escórias de aciaria, apesar de apresentarem potencial de
uso na construção, necessitam de estudos para garantia de uso
seguro na produção de materiais de construção.
No ambiente urbano, a grande quantidade de resíduos, prin-
cipalmente de lixo domiciliar e de entulho, e a progressiva restrição
de áreas para destinação impõem a busca de soluções rápidas e efi-
cazes, por parte da Administração Municipal, para prover a adequa-
da gestão de cada um dos resíduos urbanos, através de elaboração
de programas específicos, que visem à minimização dos impactos
ambientais e sociais causados.
Os componentes do lixo domiciliar, resíduo de responsabilidade
do setor de limpeza urbana, não apresentam potencial para o apro-
veitamento na construção civil. Contudo, existem outros processos
de reciclagem já estabelecidos para esses resíduos.
Por outro lado, o entulho (resíduo gerado pelo setor da constru-
ção civil) apresenta excelentes oportunidades para a reciclagem,
como matéria-prima para produção de materiais de construção,
uma vez que é gerado em grande quantidade, apresenta caracterís-
ticas adequadas e está localizado próximos aos centros urbanos.
Além disso, sua reciclagem é viável tanto pelos aspectos técnicos
— simplicidade operacional e grande aplicabilidade —, quanto
pelos aspectos econômicos, uma vez que os investimentos para
implantação de um programa de reciclagem de entulho são rela-
tivamente pequenos.
Por fim, sugere-se a realização de um inventário, buscando
complementar e detalhar o diagnóstico. Essa atividade seria de

70
DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA
grande importância para o controle ambiental e para a gestão ade-
quada dos resíduos gerados pelas atividades industriais e urba-
nas. O inventário, além de ampliar o número de resíduos identifi-
cados, deverá avaliar também o impacto que esses resíduos cau-
sam ao meio ambiente, contribuindo para ações de fiscalização e
incentivando, ainda, o gerador a reduzir ou a aproveitar esses re-
síduos em outros processos produtivos.

71
TABELA 6 - AVALIAÇÃO DO NÍVEL DE CONHECIMENTO DE ALGUNS RESÍDUOS SÓLIDOS DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR PARA
SUA UTILIZAÇÃO NA CONSTRUÇÃO CIVIL

DIAGNÓSTICO DOS SETORES PRODUTORES DE RESÍDUOS NA RMS / BA


PESQUISA PESQUISA
SETOR

POUCO OU BÁSICA APLICADA


RESÍDUO CONCLUÍDA CONCLUÍDA PRODUÇÃO PRIORIDADES, RECOMENDAÇÕES
NENHUM
CONHECIMENTO OU EM OU EM COMERCIAL E/OU OPORTUNIDADES
ANDAMENTO ANDAMENTO
Pouca quantidade / materiais complexos difíceis
Sólidos inertes do COPEC e CIA x
de serem aproveitados diretamente na construção
Fíler asfáltico e pó de areia x Materiais complexos / possível aplicação em pavimentos
QUÍMICO

Pouca quantidade / materiais complexos /


Sólidos não-inertes do COPEC e CIA x
possível uso na massa cerâmica vermelha
Materiais energéticos do COPEC e CIA x Pouca quantidade / materiais complexos /
possibilidade de ser utilizada na produção de cerâmica
Perdas da cerâmica vermelha Possibilidades de reciclagem na própria cerâmica
x x x
(material quebrado ou defeituoso) melhorando a qualidade do material produzido
Areia contaminada com argila x Sem aceitação no mercado local
Argilas inadequadas para cerâmica vermelha x Sem aceitação no mercado local
MINERAÇÃO E METALURGIA

Pó de pedra e Arenoso x x Uso tradicional em pavimentação e argamassas


Escórias de Ferro-Cromo x x x Escórias adequadas para construção civil
Escórias de Cobre x x Escórias adequadas para construção civil
Potencial de uso na construção civil /
Escórias de Aciaria x
Necessidade de pesquisa
Escórias de Ferro-Liga x Materiais complexos / Necessidade de pesquisa
Lama de gesso x Material complexo contaminado com Arsênio
Resíduos de demolição de fornos x Pouca quantidade
C.C. L.U.

Lixo Doméstico x x Não é adequado como matéria-prima na construção


Entulho x Excelentes oportunidades de aproveitamento

72

Nível de conhecimento disponível sobre o entulho de Salvador no período de realização do diagnóstico - 1998
L.U. - Limpeza Urbana
C.C. - Construção Civil
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José Clodoaldo Silva Cassa - Engenheiro Químico, PhD, DIC, MSc, Professor Escola Politécnica -
UFBA, Coordenador do Projeto Entulho Bom (Dez / 97 a Maio / 99)
Irineu Antônio Schadach de Brum - Engenheiro de Minas, Msc, Doutorando em Metalurgia Extrativa -
UFRGS, Professor DCTM/UFBA, Pesquisador do Projeto Entulho Bom
Alex Pires Carneiro - Engenheiro Civil, Mestrando em Engenharia Ambiental Urbana - UFBA,
Coordenador do Projeto Entulho Bom (Maio / 99 a Junho / 01)
Dayana Bastos Costa - Estudante de Engenharia Civil - UFBA, Pesquisadora do Projeto Entulho Bom

75
CAPÍTULO III
76
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE
CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO
EM ÁREAS URBANAS – DA
INEFICÁCIA A UM MODELO
DE GESTÃO SUSTENTÁVEL

Tarcísio de Paula Pinto

77
A aceleração do processo de urbanização e a estabilização da
economia, nos últimos anos, colocaram em evidência o enorme
volume de resíduos de construção e demolição que vem sendo
gerado nas cidades brasileiras, à semelhança do que já era observa-
do em regiões densamente povoadas de outros países, demons-
trando que as municipalidades não estão estruturadas para o
gerenciamento de volume tão significativo de resíduos e para o
gerenciamento dos inúmeros problemas por eles criados.
As soluções atualmente adotadas, na imensa maioria dos municí-
pios, são sempre emergenciais e, quando se tornam rotineiras, têm
significado sempre atuações em que os gestores se mantêm como
coadjuvantes dos problemas. Num ou noutro caso, caracterizam
uma prática que pode ser denominada de “Gestão Corretiva”.
A Gestão Corretiva caracteriza-se por englobar atividades não
preventivas, repetitivas e custosas, que não surtem resultados ade-
quados, e são, por isso, profundamente ineficientes. A Gestão Cor-
retiva se sustenta na “inevitabilidade” de áreas com deposições
irregulares degradando o ambiente urbano, e se sustenta enquanto
houver a disponibilidade de áreas de aterramento nas proximida-
des das regiões fortemente geradoras de Resíduos de Construção
e Demolição (RCD).
Além disso, a gestão corretiva acarreta efeitos “perversos” uma
vez que a prática contínua de aterramento, nos ambientes urbanos,
com volumes tão significativos, elimina, progressivamente, as áreas
naturais (várzeas, vales, mangues e outras regiões de baixada),
que servem como escoadouro dos elevados volumes de água con-
centrados nas superfícies urbanas impermeabilizadas.
Assim, a pressão da alta geração de RCD encontra municipa-
lidades desaparelhadas, que só têm a ineficácia da Gestão Corre-
tiva como solução, e não podem contar com o suporte de políticas

78
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
centrais de saneamento, as quais só recentemente vêm buscando
incorporar preocupações com os resíduos sólidos (não-inertes),
mas ainda não detectaram a extensão da geração de resíduos iner-
tes na construção e na demolição.
Por todos esses aspectos, pode-se caracterizar a Gestão Corre-
tiva como uma prática sem sustentabilidade. Sua ineficiência im-
põe a necessidade de traçar novas políticas específicas para o do-
mínio dos resíduos de construção e demolição, ancoradas em es-
tratégias sustentáveis, como o correto envolvimento dos agentes
atuantes e a intensa reciclagem dos resíduos captados.

IMPACTOS DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E


DEMOLIÇÃO (RCD)
São várias as conseqüências do grande volume de RCD gerado
nos centros urbanos. Elas advêm do fluxo irracional e descontro-
lado dos resíduos, típico do processo que se denominou de Gestão
Corretiva, e das características dos agentes envolvidos, pequenos
ou grandes geradores, pequenos ou grandes coletores.
É significativa a geração de pequenos volumes de RCD em ser-
viços quase sempre qualificáveis como construção informal, por
serem constituídos, predominantemente, de atividades de refor-
ma e ampliação.
Inexistindo soluções para a captação dos RCD gerados nessas
atividades construtivas, seus geradores, ou os pequenos coletores
que os atendem, buscarão, inevitavelmente, áreas livres nas pro-
ximidades para a deposição dos resíduos. Havendo ou não a acei-
tação da vizinhança imediata, essas áreas acabam por se firmar
como sorvedouros dos RCD, num pacto local que termina por
atrair todo e qualquer tipo de resíduo para o qual não se tenha

79
solução de captação rotineira. A inexistência de solução impõe a
rotina da correção pela administração pública, num processo cíclico,
impossível de ser interrompido nos marcos da Gestão Corretiva.
A característica típica das deposições irregulares, resultantes
da inexistência de soluções para a captação dos RCD, é a conjun-
ção de efeitos deteriorantes do ambiente local: comprometimen-
to da paisagem, do tráfego de pedestres e de veículos e da drena-
gem urbana, atração de resíduos não-inertes, multiplicação de
vetores de doenças e outros efeitos.
Tais efeitos danosos se multiplicam pelo espaço urbano, e a Ges-
tão Corretiva, no extremo, consegue deslocar os problemas de de-
terminadas regiões das cidades para outras, sendo comum, nos
municípios, a presença constante e mais acentuada desses efeitos
nos bairros periféricos, ocupados por população de menor renda.
É interessante notar que, se, em alguns locais de deposição ir-
regular de pequenos volumes de RCD, seus usuários revelam um
descompromisso com a qualidade ambiental, a consolidação de
alguns outros revela os condicionantes desses mesmos usuários
(geradores ou coletores) quanto às suas possibilidades de deslo-
camento para a disposição dos resíduos. A percepção desses
condicionantes é importante ferramenta para a definição de no-
vas práticas de gestão que visem à superação dos problemas que
vêm sendo detectados nos maiores municípios brasileiros.
Já para os grandes volumes de RCD, o quadro mais comumente
encontrado, nos municípios de médio e grande porte, é a sua
adequada disposição em aterros de inertes, também denomina-
dos de “bota-foras”, muitas vezes oferecidos por particulares com
o intuito de planificá-los, visando à sua valorização. Constitui o
problema mais significativo, na destinação dessa parcela dos resí-
duos, o inexorável e rápido esgotamento das áreas designadas

80
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
para disposição, pois muitas delas são de pequeno porte, inseridas
integralmente na malha urbana, nas proximidades das regiões
geradoras dos RCD.
A designação contínua de novas áreas faz parte do cotidiano
dos gestores de RCD nos municípios de médio e grande porte,
num processo incessante e infrutífero, pois são poucas as áreas,
nos municípios, que resistem a prazos maiores que um ano de
deposição dos resíduos gerados. O acelerado processo de adensa-
mento urbano dos últimos anos fez com que as áreas mais próxi-
mas se esgotassem rapidamente e se criasse a necessidade de re-
curso a áreas cada vez mais periféricas.
O distanciamento crescente dos bota-foras é mais perceptível nas
zonas metropolitanas. O percurso típico dos coletores paulistanos,
entre a coleta dos resíduos e os poucos bota-foras disponíveis, é
da ordem de 25 km. O mesmo percurso, em Jundiaí / SP e São José
do Rio Preto / SP, é da ordem de 3 km.
O distanciamento e o esgotamento crescentes dos bota-foras é
fator complicador para as ações corretas de coleta e disposição dos
RCD, pois o componente custo de deslocamento é parcela impor-
tante do custo de coleta, mesmo em cidades onde os percursos
sejam extremamente menores que em regiões metropolitanas.
Soma-se a isso o fato de que, nas regiões metropolitanas, o
rareamento das áreas de bota-fora introduz, nas áreas ativas, a co-
brança de taxa para o descarte de resíduos. Nas regiões metropoli-
tanas de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, praticamente
todos os bota-foras mais centrais fazem cobrança de taxas para o
descarte de resíduos. Já nas regiões de Salvador, Recife e Brasília,
a cobrança é menos presente.
A cobrança de taxas de descarte nos sistemas de aterro varia
em função de uma série de fatores, e, entre eles, certamente

81
devem ser inseridas as características dos resíduos (serem ou não
inertes) e a sua periculosidade. Na região metropolitana de São
Paulo, são freqüentes custos da ordem de R$ 30,00 por tonelada
de resíduo domiciliar disposta, R$ 40,00 a R$ 150,00 por tonelada
de resíduo industrial, e R$ 3,00, em média, para a disposição da
tonelada de RCD.
A obrigatoriedade de maiores deslocamentos para os coletores
também introduz maiores custos e preços, o que se reflete na redu-
ção da parcela dos geradores que aderem às remoções corretas
e induz a maior incidência de deposições irregulares, quer por
geradores, quer por coletores.
Ocorre, no entanto, que grandes parcelas dos RCD continua-
rão sendo inevitavelmente geradas nas áreas urbanas centrais, por
processos de renovação de espaços e edificações, tornando cada
vez mais custosa e complexa a Gestão Corretiva. É, portanto, ine-
rente à Gestão Corretiva a existência de áreas de deposição irre-
gular, como “solução” para o descarte de pequenos volumes de
RCD, e o esgotamento dos bota-foras em função da disposição in-
cessante de grandes volumes. Inevitáveis, também como conse-
qüência desse processo, quase sempre emergencial, são os
impactos significativos em todo o ambiente urbano.
Alguns desses impactos são plenamente visíveis e revelam um
extenso comprometimento da qualidade do ambiente e da paisa-
gem local, embora dificilmente possam ser quantificados e ter seu
custo historiado, como no caso dos prejuízos às condições de
tráfego de pedestres e veículos (Figuras 1 e 2).

82
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
FIGURA 1 - DEPOSIÇÃO IRREGULAR AO LADO DE CURSO D’ÁGUA EM
BELO HORIZONTE / MG

FIGURA 2 - ATERRAMENTO DE VÁRZEA NO CENTRO DE VITÓRIA DA


CONQUISTA / BA

83
A análise dos problemas de enchentes nos municípios de mé-
dio e grande porte permite detectar que, com poucas exceções,
eles se devem à ocupação urbana das zonas de espraiamento de
importantes cursos d’água, sendo muito freqüente o pré-
aterramento dessas áreas, com a deposição de RCD e muito fre-
qüente o reconhecimento da concentração de deposições irregu-
lares ao longo de cursos d’água.
A irracionalidade da situação se revela mais fortemente em
municípios que passaram por processo intenso de urbanização
e se vêem obrigados a investir em custosas obras de contenção
e reservação temporária de elevados volumes de água (“pisci-
nões”), para suprir o papel que as áreas naturais anteriormen-
te cumpriam.
Há ainda um outro aspecto perverso da lógica atual de abas-
tecimento de matéria-prima e da Gestão Corretiva, decorrente
do mau uso de recursos naturais não renováveis, pois, simulta-
neamente ao comprometimento de valas, várzeas e áreas de
baixada no meio urbano, ocorre, nas regiões de jazida, a geração
de crateras e mais crateras, para a extração de recursos minerais
(Figura 3).
Há outros impactos significativos, decorrentes da elevada gera-
ção de RCD, de sua deposição irregular e da atração que as depo-
sições de RCD passam a exercer sobre outros tipos de resíduos
sólidos. São atraídos resíduos classificáveis como volumosos, para
os quais também não são oferecidas soluções aos geradores (re-
síduos vegetais e outros resíduos não-inertes), que aceleram a
deterioração das condições ambientais locais, muitas vezes ocor-
rendo ainda a deposição irregular de resíduos industriais e mes-
mo de resíduos domiciliares (Figura 4).

84
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
arquivo SMMA-PMG

FIGURA 3 - EXPLORAÇÃO DE AREIA FIGURA 4 - BOTA-FORA DE RCD NA


DE CAVA EM GUARULHOS / SP ZONA URBANA DE JUNDIAÍ / SP

A presença dos RCD e de outros resíduos cria um ambiente


propício para a proliferação de vetores (insetos e roedores) pre-
judiciais às condições de saneamento e à saúde humana.
É intrínseca à Gestão Corretiva a ocorrência de fortes e descon-
trolados impactos no ambiente urbano, geradores de custos so-
ciais interligados, pessoais ou públicos, que demonstram a necessi-
dade de intervenção que introduza novos métodos para a gestão
pública dos resíduos de construção e demolição. Embora o caráter
não-preventivo e emergencial desse formato de gestão não permita
o acompanhamento preciso dos custos, informações coletadas em
alguns municípios brasileiros permitem concluir que os custos apro-
priáveis muitas vezes se aproximam ou ultrapassam o valor dos
materiais que estão sendo descartados (Tabela 1).

TABELA 1 - CUSTOS DA GESTÃO CORRETIVA EM ALGUNS MUNICÍPIOS

MUNICÍPIOS
CUSTO UNITÁRIO DA São José São José Ribeirão Belo Vitória da
GESTÃO CORRETIVA 1 Santo André
R. Preto Campos Preto Horizonte Conquista
(1996) (1996) (1995) (1995) (1993) (1997)

PUB PUB EMP EMP PUB PUB PUB PUB


Características da remoção 2 MEC MAN MEC MEC MAN MEC MEC MEC

Custo Unitário US$/t 10,65 14,78 7,36 11,78 10,66 5,37 7,92 8,41

1
Pinto, 1999.
2
PUB - pública; EMP - empreitada; MEC - carregamento mecânico; MAN - carga manual.

85
Ressalta-se, ainda, que uma parcela significativa dos custos da
Gestão Corretiva dos RCD e de outros resíduos sólidos, comumente
com eles descartados, deve ser debitada ao uso de equipamentos
absolutamente inadequados, sendo usual gestores da limpeza pú-
blica recorrerem a equipamentos pesados, pás carregadeiras e ca-
minhões basculantes para a remoção de resíduos que, numa situa-
ção típica e prejudicial, apresentam miscigenação de diversos tipos
de materiais — baixa ou elevada densidade, pequeno ou grande
volume unitário.
A remoção dos RCD e de outros resíduos sólidos, na Gestão Correti-
va, pode ser feita ainda no âmbito de contratos de prestação de
serviços, que têm como foco central a coleta dos resíduos domiciliares
e, nesses casos, é comum o custo unitário (em tonelada) atingir valores
bastante elevados, como R$ 36,00 em São Paulo / SP (Brito Filho,
1998), R$ 25,00 em Recife / PE 1 e R$ 25,16 e R$ 13,50 para, respec-
tivamente, remoção manual ou mecânica em Salvador / BA. 2
No entanto, tais valores revelam apenas custos apropriáveis,
não expressando o fato de que “...a deterioração causada pelos
impactos ambientais não pode ficar fora do cálculo econômico
como uma externalidade, especialmente para fins de política de
governo, uma vez que a perda ambiental configura um prejuízo
real, físico” enquanto “...destruição do capital da natureza.”
(Cavalcanti et al., 1996)

1
Informação de coletores atuantes em Recife / PE.
2
Informações recolhidas junto à LIMPURB – Empresa de Limpeza Urbana do Salvador / BA.

86
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
POTENCIAL DE RECICLAGEM DOS RESÍDUOS DE
CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO
A elevada geração de resíduos sólidos, determinada pelo acelera-
do desenvolvimento da economia, coloca como inevitável a ade-
são às políticas de valorização dos resíduos e sua reciclagem nos
países desenvolvidos e em amplas regiões dos países em desen-
volvimento. Os processos de gestão dos resíduos em canteiro, de
sofisticação dos procedimentos de demolição e de especialização
no tratamento e reutilização dos RCD vão conformando um res-
peitável e sólido ramo da engenharia civil, atento à necessidade
de usar parcimoniosamente recursos, que são finitos, e à necessi-
dade de não sobrecarregar a natureza com dejetos evitáveis.
Historicamente, a atividade construtiva sempre se caracterizou
como grande geradora de resíduos e também como potencial
consumidora dos resíduos gerados por ela mesma ou por outras
atividades humanas de transformação. As características dos resí-
duos removidos de obras ou recebidos de pequenos coletores reve-
lam uma grande predominância da fração mineral, viabilizadora
da introdução de processos sustentáveis, como a reciclagem
(Tabelas 2 e 3).

TABELA 2 - COMPOSIÇÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO REMOVIDOS DE


OBRAS CONVENCIONAIS EM S. CARLOS / SP E S. ANDRÉ / SP (PINTO, 1999)

TIPOS DE RESÍDUOS REMOVIDOS (porcentagem da massa) 1

PRODUTOS OUTROS
ARGAMASSAS REJEITOS
CERÂMICOS MINERAIS

64% 29,1% 6,5% 0,4%

1
Remoção após segregação de produtos comercializáveis: papel, plásticos, metais.

87
TABELA 3 - COMPOSIÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS RECEBIDOS EM
BELO HORIZONTE / MG (1996) 1

TIPOS DE RESÍDUOS RECEBIDOS (porcentagem do volume)

RCD PODAS MADEIRA VOLUMOSOS EMBALAGENS REJEITOS

81% 9% 4% 1% 2% 3%

1
Estação Barão 300, média de 6 meses (SLU, 1999).

Em uma instalação de reciclagem de resíduos de construção e


demolição, os equipamentos trituradores são os mais importan-
tes na linha de produção. Geralmente são adotados britadores de
mandíbulas ou britadores de impacto. Os britadores de mandíbu-
las geralmente são considerados como os melhores produtores
de agregados para concreto, quando associados a um outro equi-
pamento para britagem secundária. São, no entanto, bastante sus-
cetíveis à presença de resíduos metálicos e de madeira, caso não
disponham de dispositivo de alívio para essas eventualidades. Os
britadores de impacto são menos sensíveis à presença desses
materiais, oferecem capacidade de redução de partículas muito
superior à do britador de mandíbula e são tidos como o melhor
equipamento para a produção de novos agregados destinados a
serviços de pavimentação (Institut de Tecnologia de la Construcció
de Catalunya, ITEC, 1995a).
A pequena intensidade da atividade de demolição, nas cidades
brasileiras, faz com que, tipicamente, os RCD gerados se apresen-
tem com pequena dimensão máxima (em torno de 300 mm), per-
mitindo, com isso, a utilização de equipamentos de menores di-
mensões, menor capacidade de produção, menores custos e com

88
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
capacidade de adequação à intensidade de geração nos municípios
de médio e grande portes. A partir da capacitação dos produtores
brasileiros (atualmente 7 empresas de capital nacional ou filiadas a
grupos internacionais), é possível afirmar-se não haver qualquer difi-
culdade tecnológica para a produção dos equipamentos típicos das
instalações de reciclagem.
Como todas as instalações de reciclagem brasileiras atualmen-
te existentes são controladas pelo poder público ou por autarquias
locais, torna-se complexa a determinação do custo operacional
em cada uma delas. No entanto, a consideração criteriosa dos com-
ponentes necessários — custos de manutenção e reposição, pro-
visão de água, força e luz, custos de mão-de-obra, juros, amortiza-
ção, equipamentos para manejo interno — tem apontado para
valores na ordem de R$ 5,00 por tonelada processada. A
viabilização da reciclagem dos RCD, num centro urbano, é resul-
tado de uma série de fatores, dos quais, certamente, um dos mais
importantes é sua viabilidade econômica em confronto com os
preços dos agregados naturais.
A tabela a seguir permite observar um diferencial muito ex-
pressivo entre os valores anunciados para os agregados natu-
rais de diversas regiões brasileiras e o custo de reciclagem, pos-
sibilitando a compreensão de que existe viabilidade econômi-
ca para a consideração da reciclagem dos RCD como platafor-
ma para a construção de novos métodos de sua gestão nos am-
bientes urbanos.

89
TABELA 4 - PREÇOS MÉDIOS INDICATIVOS PARA OS AGREGADOS NATURAIS
EM REGIÕES BRASILEIRAS 1

PREÇO MÉDIO PARA


CIDADES REGIÃO DO PAÍS AGREGADOS BRITADOS
(R$/t)

Porto Alegre / RS S 11,00

Florianópolis / SC S 15,80

Curitiba / PR S 11,44

São Paulo / SP SE 13,33

Santo André / SP SE 13,33

Jundiaí / SP SE 11,33

São José dos Campos / SP SE 11,36

Ribeirão Preto / SP SE 11,56

São José do Rio Preto / SP SE 12,00

Rio de Janeiro / RJ SE 11,00

Belo Horizonte / MG SE 11,00

Brasília / DF CO 18,67

Goiânia / GO CO 14,67

Campo Grande / MS CO 12,33

Salvador / BA NE 20,00

Vitória da Conquista / BA NE 18,67

Recife / PE NE 18,00

Fortaleza / CE NE 12,67

Belém / PA N 30,00

1
Pesquisa junto a distribuidores locais, para vendas de carga fechada, material posto em obra.

90
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
A GESTÃO DIFERENCIADA DOS RESÍDUOS DA
CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO
A intensidade da geração de resíduos e a extensão dos impactos
por eles causados, nas áreas urbanas, apontam claramente para a
necessidade de ruptura com a ineficácia da Gestão Corretiva. A ges-
tão dos espaços urbanos em municípios de médio e grande porte não
mais comporta intervenções continuamente emergenciais e coadju-
vantes das reações de geradores e coletores à ausência de soluções.
No âmbito de um inventário preciso da composição e fluxo dos
Resíduos Sólidos Urbanos, o volume de RCD gerado precisa ser
reconhecido e assumido pelos gestores de limpeza urbana, assim
como precisa ser assumida a necessidade de soluções duráveis
para a absorção eficiente desses resíduos.
A proposição de uma gestão diferenciada dos resíduos de cons-
trução e demolição persegue a ampliação dos serviços públicos,
buscando constituir um modelo racional, eficaz, menos custoso
e, portanto, sustentável.
A Gestão Diferenciada dos resíduos de construção e demoli-
ção é constituída por um conjunto de ações que corporificam um
novo serviço público, visando à:
• captação máxima dos resíduos gerados, através da constitui-
ção de redes de áreas de atração, diferenciadas para peque-
nos e grandes geradores / coletores;
• reciclagem dos resíduos captados, em áreas perenes especial-
mente definidas para essa tarefa;
• alteração de procedimentos e culturas, no tocante à intensi-
dade da geração, à correção da coleta e da disposição e às
possibilidades de utilização dos resíduos reciclados.
A Gestão Diferenciada dos resíduos de construção e demoli-
ção tem como objetivos gerais:

91
• redução dos custos municipais com a limpeza urbana, com a
destinação dos resíduos e com a correção dos impactos
ocorrentes na Gestão Corretiva;
• disposição facilitada dos pequenos volumes de RCD gerados;
• descarte racional dos grandes volumes gerados;
• preservação do sistema de aterros, como condição para a
sustentação do desenvolvimento;
• melhoria da limpeza urbana;
• incentivo à presença e à consolidação de novos agentes de
limpeza urbana;
• preservação ambiental, com a redução dos impactos por má
deposição, redução do volume aterrado e redução dos im-
pactos decorrentes da exploração de jazidas naturais de agre-
gados para a construção civil;
• preservação da paisagem e da qualidade de vida nos ambien-
tes urbanos;
• incentivo às parcerias para captação, reciclagem e reutilização
de RCD;
• incentivo à redução da geração nas atividades construtivas.
O modelo de Gestão Diferenciada dos RCD possibilita, em
contraposição a todas as deficiências diagnosticadas na Gestão Cor-
retiva, atingir a qualidade no serviço de limpeza urbana: satis-
fação dos munícipes como usuários dos serviços e dos espaços
urbanos e reconquista da qualidade ambiental desses espaços.
A Gestão Diferenciada dos RCD é a única forma de romper com a
ineficácia da Gestão Corretiva e com a postura coadjuvante dos ges-
tores dos resíduos sólidos, através da proposição de soluções sus-
tentáveis para espaços urbanos cada vez mais densos e complexos
de gerir. Deve ser vista como solução necessária, complementar
à gestão de outras parcelas dos resíduos sólidos urbanos.

92
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
A Gestão Diferenciada dos RCD deverá buscar, ainda, a exemplo
dos países mais desenvolvidos 3, a aprimoração de mecanismos re-
guladores e econômicos que responsabilizem os geradores,
desestimulem práticas agressivas e estimulem aquelas econômica e
ambientalmente sustentáveis (Brasil, 1996).
A Gestão Diferenciada dos RCD é sustentada por algumas dire-
trizes básicas, cuja implementação integrada é condição para a
consecução dos objetivos traçados. Tais diretrizes são oriundas
da própria observação e avaliação do modus operandi dos agentes
na Gestão Corretiva, pois são fartos os exemplos de regiões onde
as deposições irregulares se concentram nos locais que oferecem
as melhores condições para recepção, farta a demonstração de
como os RCD e outros resíduos sólidos são coletados e deposita-
dos de forma classificada e fartas as ocorrências de tentativas de
reutilização direta dos RCD em serviços diversos.
As diretrizes básicas da Gestão Diferenciada dos RCD são: a faci-
litação total da disposição dos RCD e outros resíduos sólidos que
comumente com ele transitam, a segregação integral dos resídu-
os sólidos captados e a reciclagem dos resíduos captados como
forma de alteração da destinação.
Uma característica intrínseca da Gestão Diferenciada dos RCD é
a integração na aplicação dessas diretrizes. Essa característica per-
mite a necessária integração entre resíduos que costumam ter des-
tinos comuns, a integração entre agentes (geradores e coletores,
públicos e privados), e a integração entre processos que devem ser
articulados: coleta extensiva de resíduos, reciclagem eficiente da
mais ampla gama possível de tipos e uso intenso de resíduos
reciclados em obras e serviços públicos e privados.

3
Podem ser consultadas, entre outras, a legislação do Japão (Hong Kong Polytechnic, 19930, da
Bélgica (Institut Bruxellois pour la Gestion de L’Environnement, 1995), da Catalunha (ITEC, 1995b)
e da Suiça (Milani, 1990).

93
FACILITAÇÃO DA DISPOSIÇÃO
A Gestão Corretiva constitui, em ampla maioria dos municí-
pios, um sistema de coleta “às avessas”, com os geradores e cole-
tores de pequeno porte muitas vezes definindo os locais onde é
mais racional a disposição dos RCD. Essas características são re-
conhecidas numa Gestão Diferenciada e, a partir delas, são defini-
das a logística e as estratégias para atração eficiente desses resíduos
(Figura 5).
A facilitação da disposição se realiza através da oferta mais
abrangente possível de áreas públicas de pequeno e de médio
porte para o descarte de resíduos sólidos não-domiciliares, não-
sépticos e não-industriais, constituindo-se numa rede ofertada aos
agentes para a disposição correta de RCD e de outros resíduos
sólidos comumente descartados em conjunto (Figura 6). Devem
ser especializadas as pequenas áreas para a recepção de peque-
nos volumes 4, limitados à quantidade transportável em veículos
particulares ou pequenos veículos de agentes informais de cole-
ta, e as áreas de médio porte para a recepção de volumes coletados
por agentes que operam com veículos maiores, dedicados exclu-
sivamente ao transporte de RCD. As pequenas áreas podem ser
escolhidas no “estoque” de áreas do município, constituído por
“retalhos” remanescentes de loteamentos, reorganização viária
ou outras intervenções. Deverão ser áreas de aproximadamente
300 m2, mesmo com formato irregular, e que não viabilizem a
construção de equipamentos sociais para serviços de saúde, edu-
cação ou outros.

4
Há exemplos, em outros países, da adoção de áreas para função assemelhada – dècheteries
na França, amenity sites no Reino Unido (Jardim, 1995), deixalleries na Catalunha (Catalunya,
[1995]).

94
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
FIGURA 5 - A POLÍTICA DO NÃO, INERENTE FIGURA 6 - A OFERTA DE
À GESTÃO CORRETIVA, JUNDIAÍ / SP SOLUÇÕES, PELA GESTÃO
DIFERENCIADA, SALVADOR / BA

Pelo fato de o objetivo dessas áreas ser a atração de resíduos para


a correção de processos locais de degradação crescente, é possível,
em muitos casos, a utilização de parcelas de áreas verdes deteriora-
das (originalmente destinadas à implantação de praças ou equipa-
mentos similares), como ocupação provisória, remediadora de
situação local.
As áreas de médio porte, também escolhidas entre áreas públi-
cas, de 3.000 a 5.000 m2, são destinadas exclusivamente à recep-
ção dos maiores volumes de RCD, e, cumulativamente, à reci-
clagem dos resíduos ou à acumulação e transbordo para outra
área onde aconteça o processamento.
A definição da Rede de Atração com pequenas áreas deve ser
induzida pelas características operacionais dos agentes que ma-
nejam os pequenos volumes, sendo muitas dessas características
(raio de ação, tipo de veículo, etc.) reconhecíveis na análise da Ges-
tão Corretiva. São importantes para a definição e a operação dessas
áreas aspectos como o incentivo constante à entrega voluntária de

95
resíduos, o nucleamento de pequenos coletores para atendimento
de geradores locais, a definição de bacias de captação de resíduos
que, a partir de informações relativas às características da popula-
ção e do sistema viário, altimetria, alcance dos coletores e outros
aspectos, conduzam à eficiência na captação dos resíduos.
A definição da Rede de Atração com áreas médias também deve
ser induzida pelas características operacionais dos agentes que ma-
nejam os grandes volumes, sendo novamente importante a consi-
deração dessas características (raio de ação, zonas de atuação, etc.) na
análise da Gestão Corretiva. Para o sucesso da adesão dos grandes
coletores aos novos procedimentos é essencial que as novas áreas
designadas para disposição sejam convenientes à sua lógica de mer-
cado e estejam estabelecidas em locais tão ou mais próximos que
os bota-foras existentes, que sejam definidas respeitando-se os
elementos estruturadores urbanos (rodovias, ferrovias, curso d’água,
vazios) e que componham uma Rede com opções descentralizadas.
A atração dos grandes volumes para as áreas de médio porte
deve culminar com o seu processamento em Centrais de Reci-
clagem instaladas no mesmo local, coerentemente com a lógica
da redução dos ciclos de transporte dos resíduos, ou, minima-
mente, possibilitar sua acumulação e transbordo para outros
locais de processamento.
SEGREGAÇÃO NA CAPTAÇÃO
A diferenciação integral dos resíduos sólidos captados é condi-
ção fundamental para a sustentação de uma gestão racional, para
a alteração da destinação atualmente adotada e para a introdução
da reciclagem.
A diferenciação é necessária porque, inevitavelmente, os RCD
são descartados com toda uma gama de outros resíduos. Consti-
tui uma sequência natural das etapas anteriores de geração e re-

96
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
moção, pois cargas compostas exclusivamente pelo material típico
da atividade geradora são francamente predominantes.
A diferenciação logo após captação permite interromper a
irracionalidade da Gestão Corretiva que, pela inexistência de solu-
ções de descarte, obriga a miscigenação dos resíduos sólidos, im-
possibilitando qualquer outro processo que não seu aterramento.
É condição para a diferenciação que as áreas de pequeno porte
da Rede de Atração estejam estruturadas para a recepção das car-
gas homogêneas que busca atrair. Para isso, torna-se necessária a
preparação de continentes específicos, adequados aos tipos e aos
volumes de resíduos ocorrentes na Bacia de Captação.
É necessária ainda a definição de espaços diferenciados para
a acumulação de materiais densos e de materiais leves, pois, com
a introdução da Gestão Diferenciada, deixa de ter sentido a re-
moção dos resíduos captados por um único tipo de transporte
(Tabela 5).

TABELA 5 - SEGREGAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E REMOÇÃO ADEQUADA DE


RESÍDUOS SÓLIDOS NA REDE DE ATRAÇÃO COM PEQUENAS ÁREAS.

ORGANIZAÇÃO DOS RESÍDUOS PARA ACUMULAÇÃO E REMOÇÃO

SEGREGAÇÃO VOLUMO- PLÁSTICO


RCD SOLO REJEITOS PODAS MADEIRA PAPEL METÁLICOS
SOS E VIDRO

Apresentação A granel Em partículas maiores

Características Densos Leves 1


de massa
Veículo para transporte
Características do Veículo para transporte de elevado volume
de elevada tonelagem
meio de transporte Limitar pelo volume
Limitar pelo peso

1
Comumente, os resíduos metálicos ferrosos ou não-ferrosos captados estão na forma de
utensílios ou componentes, que, como tal, podem ser caracterizados como leves.

A facilitação da disposição induz à diferenciação dos resíduos,


o que, por sua vez, permite a introdução de equipamentos de

97
remoção mais racionais e menos custosos que os inevitavelmente
utilizados na Gestão Corretiva. 5
A acumulação e a remoção diferenciadas, além de serem a se-
qüência lógica da geração de resíduos homogêneos nas ativida-
des urbanas, são a condição para a introdução de soluções de
destinação sustentáveis, adequadas a cada tipo de resíduo.
RECICLAGEM PARA ALTERAÇÃO DA DESTINAÇÃO
A sustentabilidade da Gestão Diferenciada de RCD é ditada pela
facilitação do descarte dos resíduos gerados, pela sua segregação
na captação e na remoção e pela radical alteração da solução de
destinação, interrompendo-se o contínuo aterramento de mate-
riais plenamente reaproveitáveis e o inexorável esgotamento das
áreas que dão sustentação ao desenvolvimento urbano.
A Gestão Diferenciada estrutura-se sobre a reciclagem intensa
dos RCD, mas também possibilita novas formas de destinação para
outros tipos de resíduos que com eles são descartados: reciclagem
de embalagens, compostagem de resíduos orgânicos e podas vege-
tais, desmontagem e reaproveitamento de resíduos volumosos, em
ações complementares à ação central desenvolvida com os RCD.
A atração dos grandes volumes de RCD e a centralização dos
pequenos volumes captados, em áreas onde seja estruturada a
reciclagem, permitem conferir perenidade a tais áreas, substituin-
do-se a solução dos bota-foras emergenciais por Centrais de
Reciclagem racionais e plenamente geríveis.
O processamento dos RCD nas Centrais de Reciclagem deve ser
bastante simplificado, cumprindo-se um fluxo de seleção e descon-
taminação, trituração (com possível classificação) e expedição,

5
A adoção de métodos mais eficientes de gestão de resíduos sólidos em países desenvolvidos
tem propiciado a oferta de equipamentos bastante específicos, desenvolvidos em função das
características dos resíduos (Institut Bruxellois pour la Gestion de L’Environnement, 1995)

98
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
já transformados em nova matéria-prima a ser utilizada em servi-
ços e obras da construção civil.
Para a alteração da destinação dos RCD, demandada pela Ges-
tão Diferenciada, é necessária a delimitação de atividades consu-
midoras dos resíduos reciclados, atividades essas que passarão a
cumprir o papel de receptoras dos resíduos que o ambiente urba-
no precisa descartar, atuando como bota-foras “pulverizados”.
No modelo de Gestão Diferenciada, é importante a adoção de
um formato modular de Central de Reciclagem, menos custoso
que o das instalações comuns em outros países, que permita:
• priorização da reciclagem dos RCD gerados em pequenos
volumes e captados pela administração pública na Rede de
Atração, por repercutirem mais fortemente na qualidade da
limpeza urbana;
• implantação descentralizada das áreas de reciclagem, para
manutenção da facilitação da disposição dos grandes gerado-
res e coletores, e otimização da distribuição da nova matéria-
prima;
• ampliação do número de agentes possivelmente investidores;
• ocorrência do necessário tempo de maturação para os novos
procedimentos, com a conseqüente consolidação da nova
cultura de destinação.

99
FIGURA 7 - PRIMEIRA INSTALAÇÃO DO SISTEMA DE UNIDADES DE
RECICLAGEM IMPLANTADO EM BELO HORIZONTE / MG

É importante observar que a geração de RCD, nos médios e


grandes municípios, é, de um modo geral, sensivelmente maior
do que a capacidade de consumo da administração pública, im-
possibilitando sua assimilação exclusivamente em obras públicas.
Por outro lado, os RCD gerados nesses municípios, transforma-
dos novamente em agregados utilizáveis, são apenas uma peque-
na parcela dos agregados demandados pelo conjunto das ativi-
dades construtivas privadas. Isso justifica o desenvolvimento de
esforços de construção de uma via para reciclagem e uso pela
iniciativa privada.
A proposta da Gestão Diferenciada dos RCD pressupõe — na
medida em que é da competência das municipalidades a defini-
ção da destinação dos resíduos sólidos urbanos — uma ação indu-
tora do poder público, de forma que, mesmo que a alteração da
destinação seja iniciada com investimentos públicos, permita-se a
evolução do processo com investimentos privados que cuidem

100
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
de canalizar os produtos para o consumo nas próprias atividades
construtivas geradoras dos resíduos. Será essa a forma de, pela
Gestão Diferenciada, avançar-se na perspectiva do “fechamento
do ciclo” para os materiais utilizados nas atividades construtivas,
tal como meta já definida nos países da Comunidade Européia
(Internationale Vereinigung Baustoff-Recycling, IVBR, 1995).
A busca de nova destinação para os RCD deve permitir flexibili-
dade de soluções, como a construção de parcerias entre poder
público e iniciativa privada, parcerias entre municípios conurbados,
recurso a equipamentos locados em municípios onde não se justi-
fique a imobilização de investimentos e o aproveitamento de an-
tigas instalações de mineração inseridas em áreas urbanas. 6
A necessidade de superação das limitações da Gestão Correti-
va e de dar sustentabilidade à Gestão Diferenciada dos RCD torna
necessárias e inevitáveis as articulações entre gestão pública de
resíduos e iniciativa privada, para que o máximo volume possível
de RCD seja reciclado e seja interrompido o desperdício de recur-
sos minerais nobres e o esgotamento continuado de áreas
crescentemente indisponíveis.
Para que a Gestão Diferenciada dos RCD permita a constituição
de um novo patamar de qualidade para o ambiente urbano, é im-
prescindível a implementação integrada das três diretrizes básicas
anunciadas, propiciando coleta extensiva, reciclagem eficiente e
uso intenso de resíduos como substitutos de agregados mais custo-
sos. E é necessária a extensão dessa integração a ações que visem
à alteração de cultura entre os agentes envolvidos nos processos
que não podem mais ser sustentados. Para isso, é extremamente

6
Há exemplos de cidades densas, como Chicago, onde extintas jazidas minerais são utilizadas
atualmente para a acumulação e reciclagem de RCD.

101
importante que esforços sejam dirigidos para a informação e a
educação ambiental, bem como para a redução da geração de
resíduos na fonte, através de estratégias como gestão e reciclagem
interna dos resíduos nos próprios canteiros e através de adoção
de técnicas como a da desmontagem seletiva, em substituição à
demolição indiscriminada.

BASES LEGAIS PARA UMA NOVA GESTÃO


A proposição da Gestão Diferenciada dos RCD, um novo modelo
que objetiva a qualidade do serviço de limpeza e do próprio ambi-
ente urbano, altera o papel de alguns agentes, possibilita o exercí-
cio de competências que comumente são inviáveis de serem assu-
midas e introduz a necessidade de aprimorarem-se alguns instru-
mentos jurídicos para que os novos procedimentos se consolidem.
A Gestão Diferenciada dos RCD deve ser vista como uma ativi-
dade recuperadora e preservadora do meio ambiente local, como
o exercício efetivo das competências municipais previstas nas leis
maiores e em documentos recentes, como a Lei 9.605 — 12/02/98,
Lei do Meio Ambiente (Brasil, 1998).
A implementação da Gestão Diferenciada e das diretrizes para
facilitação e disciplinação dos agentes são expressões da com-
petência privativa do Poder Público municipal e do seu necessá-
rio papel regulador. Segundo Cavalcanti et al. (1996) “...para que
o mercado funcione a favor da sustentabilidade, uma regulação
com salvaguardas a favor da natureza deve ser introduzida, fixan-
do-se restrições a seu funcionamento naquilo que o mercado é
incapaz de enxergar (como o interesse das gerações futuras), jun-
tamente com critérios éticos e morais para a distribuição inter-
geracional de recursos”.

102
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
Há exemplos de legislação ambiental em diversos países que,
com êxito, avançaram nessa direção, como no Japão, com sua Lei
de Limpeza e Tratamento de Resíduos (formulada em 1960 e revi-
sada em vários outros anos) e a Lei de Reciclagem (de 1991), que
definem como objetivo geral a redução dos resíduos, a garantia
da saúde pública pela disposição adequada e a preservação de
recursos naturais, designando as obrigações dos responsáveis pela
promoção da reciclagem dos RCD — empreendedores, projetis-
tas, construtores, consumidores e agências públicas (Hong Kong
Polytechnic, 1993).
O papel regulador dos municípios é necessário, inclusive, para
a regulamentação da atividade dos agentes coletores, licencian-
do-os, definindo os procedimentos de coleta e o destino final dos
resíduos coletados, e é o motivador para a adoção da Gestão Di-
ferenciada dos RCD como novo serviço público destinado ao
cumprimento dos compromissos com a limpeza urbana e com a
preservação do meio ambiente.
O modelo de Gestão Diferenciada dos RCD, objetivando a alte-
ração de procedimentos de captação, remoção e destinação de
resíduos, pressupõe a evolução desses processos, de forma que a
iniciativa privada seja incentivada a processar os RCD e a canalizar
significativas parcelas dos produtos da reciclagem para o merca-
do de materiais e componentes para a construção. Essa participa-
ção privada pode acontecer sob a forma de concessão, permissão
ou autorização de serviço público, ou mesmo sob a forma de sim-
ples regulamentação das atividades que se deseja incentivar.
A parceria das municipalidades com a iniciativa privada pode se
dar nos investimentos para implantação das Centrais de Recicla-
gem e no próprio processo de remoção dos resíduos captados nas
pequenas áreas, que irão constituir a matéria-prima das Centrais.

103
A introdução da Gestão Diferenciada dos RCD, como novo mo-
delo para a gestão eficiente desses resíduos induz o estabeleci-
mento de novos instrumentos legais, mais adequados às novas
tarefas que se impõem, e impulsiona alterações de alguns dispo-
sitivos que passam a não mais fazer sentido. Entre esses dispositi-
vos, está o compromisso assumido por muitas municipalidades,
na regulamentação de seu serviço de limpeza urbana, de promo-
ver, em conjunto com os resíduos domiciliares, a remoção dos
RCD descartados em volumes de até 50 litros, prática que não
pode coexistir com a necessidade de segregação integral dos resí-
duos sólidos urbanos.
O objetivo de consolidar nova fórmula de captação e destinação,
que supere os graves problemas hoje existentes, implicará aten-
ção especial ao incentivo e à indução de ações corretas dos agen-
tes envolvidos no fluxo dos resíduos e materiais reciclados. Esses
incentivos e essa indução têm seu nascedouro em ações do Po-
der Público, ente legalmente gestor dos RCD, e passam por ações
como a utilização do poder de compra da administração pública
(para que fornecedores prestem contas de seus resíduos 7, para
que resíduos sejam crescentemente utilizados em obras públicas)
e a responsabilização dos geradores. 8

7
O Ministério da Construção japonês orienta, desde a década de 80, as autoridades contratantes
de obras públicas para que incluam cláusulas especiais sobre a gestão de RCD, contemplando
desde sua necessária diferenciação até as condições de transporte para locais predeterminados
(Hong Kong Polytechnic, 1993).
8
Na Catalunha, a normativa existente, desde 1994, estipula inclusive que determinadas obras
recolham fiança ao estado, em função de seu porte e características, como condição para o
licenciamento (ITEC, 1995a).

104
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
CUSTOS OPERACIONAIS E INVESTIMENTOS PARA A
GESTÃO DIFERENCIADA
A Gestão Diferenciada dos RCD possibilita a eliminação dos
dispêndios emergenciais e não-preventivos, típicos da Gestão
Corretiva, por estar sustentada em ações menos custosas, defini-
das para a atração e o envolvimento dos diversos agentes inseri-
dos no fluxo dos RCD. São fatores redutores de custo a entrega
voluntária dos resíduos, a oferta da ação dos coletores nucleados, a
diferenciação dos resíduos e seu transporte especializado, a pere-
nidade conferida às áreas de atração dos grandes volumes e a subs-
tituição de agregados naturais por reciclados menos custosos.
A implantação da Gestão Diferenciada requer investimentos em
equipamentos, obras civis e montagem de equipe operacional
diferenciada. São investimentos e custos que irão ocorrer no qua-
dro de peculiaridades de cada municipalidade que aderir à Gestão
Diferenciada dos RCD. Os indicadores básicos dos investimentos,
apresentados nas próximas tabelas, devem ser considerados no
contexto das variáveis e condicionantes locais.

TABELA 6 - PARÂMETROS PARA OBRAS CIVIS EM ÁREAS DE ATRAÇÃO E


RECICLAGEM 1

INSTALAÇÃO ÁREA APROXIMADA (m2) CUSTO ESTIMADO (R$)

Área componente da Rede de Atração


300 11.250
(Local de Entrega Voluntária)

Central de Reciclagem 5.000 60.000

1
Preços orçados para São Paulo / SP, 1998, incluso BDI - Bonificação e Despesas Indiretas.

105
TABELA 7 - PARÂMETROS DE CUSTO E CARACTERÍSTICAS DE
EQUIPAMENTOS PARA REMOÇÃO DE RESÍDUOS SEGREGADOS 1

ITEM CARACTERÍSTICAS PREÇO MÉDIO (R$)

Equipamento hidráulico, poliguindaste,


instalado sobre chassis existente, com 8.500
Remoção de capacidade nominal de 8 toneladas
resíduos densos
Caçambas metálicas
450
para 4 metros cúbicos

Guindaste hidráulico 2 t/m dotado de


Remoção de garra, instalado internamente à carroceria
resíduos leves existente, com alcance de 3,5 metros, 9.500
giro de 360 graus e capacidade nominal
de 450 quilos em extensão máxima.

1
Preços médios orçados para São Paulo / SP (1998).

O uso de equipamentos adequados para a remoção dos resíduos


permitirá que os equipamentos pesados, anteriormente utiliza-
dos, sejam preservados para utilizações mais corretas.
Os equipamentos e processos que podem ser utilizados na
reciclagem são oriundos das atividades de mineração, recebendo
as adaptações necessárias para a plena aceitação das Centrais de
Reciclagem em ambientes urbanos. A definição da tipologia dos
equipamentos, dos produtos viáveis e da produção requerida deve
ser feita em função das peculiaridades locais e respeitando-se a
intenção de conferir formato modular às Centrais de Reciclagem,
para que aspectos como descentralização da captação dos maiores
volumes sejam priorizados.
A tabela a seguir apresenta características e preços de conjun-
tos de equipamentos definidos para quatro cenários hipotéticos.

106
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
TABELA 8 - PARÂMETROS DE CUSTO E CARACTERÍSTICAS DE
EQUIPAMENTOS PARA RECICLAGEM DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E
DEMOLIÇÃO

CARACTERÍSTICAS DO CONJUNTO PRODUÇÃO NOMINAL 1 PREÇO ESTIMADO 2


DE RECICLAGEM E PRODUTOS (R$)

Alimentador vibratório, britador


80.000
de mandíbulas “tipo 4230” 3 90 t/dia de
e transportador de “brita corrida” 4
correia de ação radial

Alimentador vibratório, britador de 90 t/dia de


mandíbulas “tipo 4230”, transportador de “brita corrida” ou
90.000
correia de ação radial, moinho de martelos, agregados
peneira vibratória elevada sobre baias fixas classificados

Alimentador vibratório, britador de


130 t/dia de
impacto “tipo 20 TPH” 5, 130.000
“brita corrida”
transportador de correia de ação radial

Alimentador vibratório, britador de 260 t/dia de


impacto “tipo 40 TPH”, transportador de “brita corrida”,
170.000
correia de ação radial, peneira vibratória ou agregados
e transportadores auxiliares fixos classificados

1
Produção medida na britagem de entulho, em regime de 6,5 horas produtivas diárias.
2
Preços médios orçados em 1998.
3
É a designação corrente no mercado para equipamentos com boca retangular de alimentação
nas medidas de 42 por 30 centímetros.
4
É o produto primário da britagem, sem classificação granulométrica definida.
5
Toneladas por hora – unidade de medida da produção em britagem.

Os novos procedimentos, inerentes ao modelo de Gestão Di-


ferenciada dos RCD, introduzem novos custos, oriundos da utili-
zação de equipamentos mais adequados, de operadores diferen-
ciados e da adoção da reciclagem em substituição ao aterramento
dos RCD. Na próxima tabela, estão lançados os custos unitários
básicos da Gestão Diferenciada, com inclusão de todos os com-
ponentes que precisam ser considerados, referenciados em valo-
res praticados em cidades do interior paulista.

107
TABELA 9 - PARÂMETROS DOS CUSTOS OPERACIONAIS NA GESTÃO
DIFERENCIADA

ITEM DESCRIÇÃO CUSTO UNITÁRIO

Custo de operação Incluídos custos de manutenção,


das pequenas áreas provisão de água, energia, R$ 1.100 / mês
na Rede de Atração custos de mão-de-obra

Remoção por veículo dotado de carroceria


Custo de remoção
alta, guindaste e garra hidráulica. R$ 8,40 / ton
de resíduos leves 1
Base 3 viagens/dia

Remoção por poliguindaste e


Custo de remoção
caçambas metálicas. R$ 7,60 / ton
de resíduos densos 1
Base 7 viagens/dia

Incluídos custos de manutenção,


Custo de reciclagem provisão de água, energia,
custos de mão-de-obra, juros, amortização, R$ 5,00 / ton
dos RCD
equipamentos para manejo interno

1
Valores para remoção terceirizada.

Logicamente, devem-se considerar os valores indicados como


referências gerais, que podem ser alteradas por peculiaridades
locais.

FIGURA 8 - EXECUÇÃO DE ATERRO E PAVIMENTAÇÃO COM RECICLADOS


(B. HORIZONTE / MG)

108
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
FIGURA 9 - PRODUÇÃO DE BLOCOS E GUIAS COM RECICLADOS
(B. HORIZONTE/MG)

A introdução da Gestão Diferenciada dos RCD e de seus novos


procedimentos propicia resultados economicamente expressivos
em cada um deles, permitindo visualizar-se que a junção de meno-
res custos de limpeza urbana com o benefício da substituição de
agregados convencionais por resíduos muito menos custosos
compõe a equação de sustentação do novo modelo, que o torna
extremamente atraente para municipalidades brasileiras de médio
e de grande porte.
A tabela a seguir indica tal sustentabilidade econômica, apresen-
tando, de forma comparativa, os parâmetros na Gestão Corretiva
e os propostos para a Gestão Diferenciada, numa situação hipoté-
tica, construída a partir de situação real e valores praticados nos
municípios de Santo André, Jundiaí e São José do Rio Preto, no
estado de São Paulo.

109
TABELA 10 - INDICADORES DA SUSTENTABILIDADE DA GESTÃO
DIFERENCIADA 1

MUNICIPALIDADE EM SITUAÇÃO HIPOTÉTICA


População - 414.188 habitantes Geração de RCD - 857 t/dia
Remoção Deposições Irregulares - 132 t/dia Rede de Atração com 13 áreas
Consumo típico agregados convencionais - 357 t/dia Central de Reciclagem - 01 (260 t/dia)

PARÂMETROS DA PARÂMETROS PARA


GESTÃO CORRETIVA GESTÃO DIFERENCIADA

Custo Remoção R$ 11,22 / ton Custo Rem. Res. Densos R$ 7,60 / ton
Custo Rem. Res. Leves R$ 8,40 / ton
Custo Mensal Correção R$ 38.373,00 Custo Mensal Rede Atração R$ 14.300,00
Custo Mensal Gestão R$ 24.065,00

Custo Mensal Aterramento R$ 1.560,00 Custo Mensal Aterramento R$ 125,00

Custo Aquisição Agregados R$ 12,51 / ton Custo Reciclagem R$ 5,00 / ton

Custo Mensal Agregados R$ 84.568,00 Custo Mensal Reciclagem R$ 33.800,00

Despesas totais com Correção Despesas totais com Gestão


R$ 124.501,00 R$ 72.290,00

1
SANTO ANDRÉ, 1997; SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, 1997; JUNDIAI, 1997.

110
GESTÃO DOS RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM ÁREAS URBANAS
COMENTÁRIOS FINAIS
A Gestão Diferenciada, como conjunto de soluções, alia à
atratividade econômica para os parcos recursos públicos a eficiên-
cia de soluções que podem imprimir qualidade ao ambiente e ao
sistema de limpeza urbanos.
A adoção da Gestão Diferenciada dos RCD permite resultados
concretos, inversão do papel coadjuvante imposto aos gestores
urbanos e amortização rápida dos investimentos necessários,
mesmo que só sejam considerados os resultados contabilmente
apropriáveis. No entanto, numa análise completa, não poderão
deixar de ser considerados os resultados conquistados em termos
de qualidade ambiental e redução dos costumeiros impactos em
outros aspectos da vida urbana — eficiência de drenagem e do
tráfego de pedestres e veículos, comprometimento da paisagem
urbana, entre outros.
Sendo uma ampliação dos serviços públicos necessários à sus-
tentação do desenvolvimento urbano, a Gestão Diferenciada dos
RCD possibilita aos municípios o exercício de competências que
lhe estão designadas por lei e que nunca puderam ser assumidas.
E impõe o exercício de seu papel regulador, aprimorando instru-
mentos jurídicos para que os novos procedimentos de gestão se
consolidem e todas as deficiências diagnosticadas na Gestão Cor-
retiva possam ser superadas.
A Gestão Diferenciada dos RCD propicia, pelo monitoramento
contínuo, flexibilidade de ação e possibilidades rápidas de altera-
ção de procedimentos e soluções, garantindo eficácia às ações do
Poder Público.
Constitui forte fator incentivador à adoção da Gestão Dife-
renciada por municípios brasileiros de médio e grande porte o
fato de o preço dos agregados naturais ser superior ao custo da

111
reciclagem em todas as regiões mais densamente urbanizadas.
Cumprirá, portanto, à reciclagem um papel fundamental na sus-
tentação da nova solução, propiciando a contínua ampliação do
uso de resíduos reciclados e o atendimento de demandas sociais
muito freqüentes nos municípios brasileiros.
Da Gestão Diferenciada decorre a eficiência da gestão ambiental
e a poupança de recursos econômicos e naturais não-renováveis.
Em decorrência ainda das novas práticas, afloram possibilidades
de novos negócios, que permitirão, pela introdução de novos ato-
res, uma maior aproximação de um “sistema de ciclo fechado”
para os materiais da construção.

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e administrativa derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio
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112
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INSTITUT BRUXELLOIS POUR LA GESTION DE L’ENVIRONNEMENT. Guide
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INSTITUT DE TECNOLOGIA DE LA CONSTRUCCIÓ DE CATALUNYA
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SANTO ANDRÉ (SP). Prefeitura Municipal. Programa “Estação Entulho”:
gestão diferenciada dos resíduos de construção gerados em Santo André:
Propostas preliminares. Santo André, 1997.
SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (SP). Prefeitura Municipal. Resíduos de
construção em São José do Rio Preto: proposta de programa para a gestão
diferenciada. São José do Rio Preto, 1997.
SUPERINTENDÊNCIA DE LIMPEZA URBANA DE BELO HORIZONTE (SLU).
Relatórios internos: programa correção das deposições e reciclagem do
entulho. 1996/1999. Belo Horizonte, 1999.

Tarcísio de Paula Pinto - Arquiteto, Mestre EESC-USP, Doutor EPUSP, Diretor Técnico da I&T -
Informações e Técnicas

113
CAPÍTULO IV
114
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
GESTÃO DIFERENCIADA
DO ENTULHO NA
CIDADE DE SALVADOR

Bárbara Elizabete Correia Quadros


Ana Maria Vieira de Oliveira

115
A solução dos problemas relacionados aos resíduos sólidos
e à limpeza urbana reveste-se de grande importância para a saú-
de pública, a conservação dos recursos naturais e a geração de
energia, refletindo-se, de modo positivo, na qualidade de vida
da população.
Coletar, transportar, tratar e dar o destino ambiental e sanita-
riamente adequado ao lixo é um trabalho relevante, considera-
do, hoje, um dos grandes desafios da administração pública, em
todo o mundo.
Esse problema assume uma dimensão mais grave, diante de
algumas situações desfavoráveis, presentes no trato do gerencia-
mento do lixo, comuns às cidades brasileiras, tais como:
• acelerado crescimento das populações urbanas;
• geração diária de enormes quantidades;
• alto grau de heterogeneidade da composição;
• mudança do perfil, gerando aumento das características de
periculosidade;
• ausência de política do governo federal para direcionar as
ações do município;
• escassez, cada vez maior, de áreas não urbanizadas com
aptidão física e ambiental para assentamento de atividades
de tratamento e disposição final;
• atitudes constantes e inconscientes da comunidade, incom-
patíveis com a garantia da qualidade da limpeza urbana;
• controle ambiental deficiente;
• elevados custos;
• capacitação técnica e profissional insuficiente;
• crônica falta de verbas.

116
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
INTRODUÇÃO
A CIDADE DE SALVADOR
Situada na Região Nordeste do Brasil, a cidade de Salvador,
no âmbito microrregional, insere-se no conjunto do Recôncavo
Baiano, na extremidade sul da península que forma a Baía de
Todos os Santos. É constituída de uma parte continental e outra
insular, essa última compreendendo às ilhas dos Frades e de Maré.
Capital do Estado da Bahia, Salvador foi fundada há 451 anos
e ocupa uma área de 313km2, integrando a área Central da Região
Metropolitana, que engloba os municípios de Lauro de Freitas e
Simões Filho. O setor de comércio e serviços, com enfoque no
crescimento do turismo, é a vocação de sua economia.
Cercada de água por três lados, Salvador apresenta clima tro-
pical e úmido, temperatura média anual de 25ºC, umidade rela-
tiva do ar da ordem de 80% e índices pluviométricos superiores
a 1.900mm anuais, com precipitações intensificadas nos meses
de abril e maio.
Com topografia irregular e encostas com declividade acentua-
da, sua ocupação desenvolveu-se nas cumeadas e encostas, reser-
vando-se os vales como grandes espaços para drenagem e circu-
lação urbana.
Salvador é a terceira maior cidade do Brasil em população.
De acordo com dados do censo 2000 do IBGE, Salvador possui
2.440.886 habitantes, o que representa 18,68% da população do
Estado da Bahia. Sua população apresenta uma taxa de cresci-
mento anual de 2,50%, e 99,95% do seu contingente populacional
localiza-se em área estritamente urbana.
Quanto à distribuição de renda per capita, em 1995, o maior
contingente de sua população, 76%, era representado por famílias
com renda de até dois Salários Mínimos. Na faixa de 3 a 5 SM,

117
encontravam-se 16%, e apenas 7% tinham um rendimento supe-
rior a 5 SM.
A explosão demográfica, a mercantilização do solo, a expansão
das periferias, a topografia acidentada, os aspectos climáticos e o
nível de renda da população influenciaram na urbanização
desordenada da cidade, com reflexos diretos na questão da lim-
peza urbana, que demanda por soluções específicas, capazes de
propiciar a oferta dos diversos serviços solicitados pelos usuários,
observando-se sempre as questões referentes ao custo.
Para o sistema de limpeza urbana, Salvador está dividida em
17 Núcleos de Limpeza — NLs, cuja demarcação espacial corres-
ponde à distribuição das RAs (Regiões Administrativas). A Tabela 1,
apresenta algumas características desses NLs. Ressalte-se que a
maioria da população, aproximadamente 60%, reside em áreas
consideradas de baixa renda.

118
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
TABELA 1 - CARACTERIZAÇÃO DOS NÚCLEOS DE LIMPEZA NA CIDADE
DE SALVADOR (1996)

NÚCLEO NÚMERO
DE PADRÃO POPULAÇÃO DE
REGIÃO ÁREA DENSIDADE
Nº LIMPEZA DE TOTAL DOMICÍLIOS
ADMINISTRATIVA (ha) (hab/ha)
(NL) RENDA (hab) (nº)

I Centro 01 Média 84.923 693,11 122,52 25.942

II Itapagipe 02 Baixa 147.620 697,02 211,79 36.488

III São Caetano 03 Baixa 203.003 907,41 223,72 48.617

IV Liberdade 04 Baixa 178.357 674,57 264,40 44.317

V Brotas 05 Média 181.707 1.112,60 161,86 48.043

VI Barra 06 Alta 67.245 530,43 126,77 20.594

VII Rio Vermelho 07 Média 170.162 676,43 251,56 43.343

VIII Pituba 08 Alta 68.373 815,40 83,43 18.446

IX Boca do Rio 09 Baixa 92.882 1.324,16 70,14 24.272

X Itapuã 10 Média 158.521 8.293,53 19,11 38.831

XI Cabula 11 Média 121.186 1.010,72 119,90 31.080

Tancredo
XII 12 Baixa 169.043 1.423,87 118,72 42.330
Neves

XIII Pau da Lima 13 Baixa 164.804 2.338,12 69,01 41.005

XIV Cajazeiras 14 Baixa 114.990 2.248,47 51,14 28.271

XV Valéria 15 Baixa 54.095 2.288,32 23,64 13.135

XVI S. Ferroviário 16 Baixa 232.553 4.081,27 56,98 54.567

XVII Ilha 17 Baixa 2.075 2.252,49 0,92 456

TOTAL 2.211.539 31.427,92 70,37 559.787

Fonte: Estudo Demográfico – RMS – P&P,1999


Padrão de Renda – Geohidro/92

119
A LIMPURB
A Empresa de Limpeza Urbana do Salvador, LIMPURB, criada
há 20 anos, é o órgão responsável pela gestão do sistema mu-
nicipal de limpeza urbana, vinculado à Secretária de Serviços
Públicos — SESP.
A coleta dos resíduos urbanos encontra-se terceirizada em
80%, a varrição em 65%, e os serviços congêneres (capina, roça-
gem, raspagem, pintura de meio-fio etc.) em 55%.
Os serviços públicos de transbordo, tratamento e destino final
dos resíduos sólidos urbanos foram revertidos para a adminis-
tração direta centralizada — SESP. Em janeiro / 2000, foi assina-
do o contrato da concessão, por 20 anos, dos serviços de Trata-
mento dos Resíduos de Serviços de Saúde, da Estação de Trans-
bordo de Resíduos e do Aterro Metropolitano Centro. À LIMPURB
foi delegada a fiscalização e o acompanhamento da execução
do contrato da concessão.
Verifica-se que a LIMPURB vive um processo de globalização
na qualidade do setor de serviços, adequando-se às novas di-
retrizes, com novas propostas de atuação. Vem se firmando, cada
vez mais, como órgão fiscalizador e desempenhando as funções
de planejamento e monitorização do sistema, ampliando a
terceirização, introduzindo, de forma pioneira, a concessão de
serviços de limpeza urbana e buscando parcerias importantes
na integração e realização de atividades com maior agilidade,
eficiência, eficácia e flexibilidade.
O MODELO DE GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Através da aplicação de novos princípios, práticas e tecnologias,
a LIMPURB concebeu e adotou um Sistema Integrado de Manejo e
Tratamento dos Resíduos Sólidos gerados na Cidade de Salvador,
a partir de 1992, atualizado em 2000. Esse sistema se caracteriza

120
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
pela organização dos resíduos sólidos na origem, com o objetivo
de minimizar os problemas decorrentes de sua heterogeneidade,
promovendo o uso da coleta e do tratamento diferenciados e ade-
quados para cada uma das suas partes componentes (Figura 1).

MUNÍCIPE
GERAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS


INFORMAÇÃO E
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
ORIENTAÇÃO
MONITORIZAÇÃO
E FISCALIZAÇÃO

SEGREGAÇÃO
NA ORIGEM

COLETA DIFERENCIADA


FEIRA, MERCADO URBANOS


RSS ENTULHO
E PODA (Res+Com+Público)
➔➔







TRANS-
RECICLÁVEL
ORGÂNICO/

BIOLÓGICO
RADIOTIVO
PERIGOSO

ESPECIAL

PORTE
OUTROS

COMUM

PMS
PDE

BDE
SÓ EM
ÁREA
PLANA➔




(Tratamento Gerador)

COOPCICLA/ REUTILIZAÇÃO USO


CNEN
CENTRAL DE

PEV E (Nivelamento PÚBLICO


RECEPÇÃO

OUTROS de Terreno) OU

PRIVADO
➔ SIM
USO COMERCIA- TRATAMENTO

PÚBLICO LIZAÇÃO INTERNO


OU BOLSA DE RECICLADO
REJEITO

PRIVADO RESÍDUOS NÃO








UNIDADE DE UNIDADE DE RECICLAGEM


UNIDADE DE ATERRO ➔ TRATAMENTO TRATAMENTO
COMPOSTAGEM SANITÁRIO (Vala Séptica) (Autoclave)

Canabrava AMC

REJEITO

FIGURA 1 - MODELO TECNOLÓGICO

121
Para melhor fundamentar a operação da Gestão Diferenciada
dos Resíduos Sólidos gerados no município do Salvador e obter
parâmetros técnicos para a implantação de alternativas de redu-
ção, reutilização e reciclagem, foram realizados, em parceria com
a UFBA, estudos de caracterização dos resíduos sólidos domi-
ciliares e do entulho, nos seus aspectos quali-quantitativos.
A amostragem foi realizada em função do padrão de renda do
gerador e por Núcleo de Limpeza.
A coleta diferenciada encontra-se praticamente implantada. Os
estudos necessários à implantação do tratamento especializado
dos resíduos de serviços de saúde, da compostagem dos resíduos
orgânicos e da instalação da usina de reciclagem de entulho estão
em desenvolvimento, complementando a destinação final ade-
quada, em execução.
O município conta com dois aterros. O Aterro Controlado de
Canabrava, que possui área total de 66ha, funciona desde o
ano de 1974 e dista, em linha reta, cerca de 18 km do centro da
cidade. Atualmente, passa pela implantação do projeto de sanea-
mento socioambiental. Como sua vida útil está em fase de en-
cerramento, não mais recebe resíduos de origem domiciliar,
destinando-se, apenas, à disposição, em área específica, de resí-
duos provenientes da construção civil e podas, além dos resíduos
de serviços de saúde, o que corresponde a 51,91% do total dos
resíduos coletados.
O Aterro Sanitário Metropolitano Centro, AMC, com 250 ha,
opera desde outubro de 1997, em gestão compartilhada com
os municípios de Lauro de Freitas e Simões Filho. Atualmente,
recebe, em média, 2.788 toneladas/dia, sendo 94,58% dos resí-
duos oriundos de Salvador, 3,86% de Lauro de Freitas e 1,56% de
Simões Filho.

122
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
Em Canabrava, está sendo implantada uma Estação de Trans-
bordo, em função da distância de 30 km do centro de massa gera-
dor de resíduos sólidos até o AMC.
Em 2000, o montante da coleta de resíduos sólidos foi de 5.517
toneladas diárias. A maior parcela desses resíduos foi constituída
de entulho (49,77%), seguida dos resíduos urbanos (46,04%), poda
e feira (3,26%), resíduos de serviços de saúde (0,63%) e materiais
recicláveis (0,29%).
A fração dos materiais recicláveis, ainda muito pequena, é cole-
tada e comercializada pela COOPCICLA — Cooperativa de Agentes
Autônomos de Reciclagem. Essa atividade é desenvolvida tanto
na origem, através do sistema porta a porta, quanto no destino
final, em Canabrava, numa área específica, reservada para catação
dos materiais recicláveis, denominada CENBA — Central de
Badameiros. Outras iniciativas (catadores, associações, entidades
filantrópicas, ONGs, empresas e cooperativa) de coleta seletiva
também existem na cidade, embora a maioria se constitua de
atividades em pequena escala, limitadas a um tipo de material,
desconhecendo-se a estatística da produção.
A operação desse sistema tem como suporte dois instrumen-
tos principais: a educação ambiental e a fiscalização. Com base na
legislação existente e através de parcerias com outros órgãos afins,
realiza-se um programa de fiscalização, orientação e monitora-
mento, de modo a fazer cumprir as proposições e conter hábitos
inadequados da população.
Outro instrumento importante é o trabalho da Comissão Técni-
ca de Garantia Ambiental – CTGA, que respalda a Empresa na
implementação de medidas que reduzem ou eliminam a poluição e
os riscos ambientais. Essa Comissão foi criada em cumprimento
à Resolução Normativa CEPRAM nº 71.051, de 17 de maio de 1995.

123
As principais fontes de receita da Empresa são dotação orça-
mentária, cobrança de taxa e preço. Para o serviço de limpeza ur-
bana, foram destinados, no ano de 2000, R$ 84.000.000,00 (oiten-
ta e quatro milhões de Reais), o que representa 6,98% do orça-
mento municipal e se enquadra na média geral brasileira de 7%.

EVOLUÇÃO DA GESTÃO DO ENTULHO


Ao longo dos últimos dezenove anos, várias propostas foram
concebidas pela LIMPURB para a superação das condições inade-
quadas de gerenciamento dos resíduos originados em construções,
demolições, reformas, escavações e terraplanagem — o entulho.
As tentativas empreendidas e as medidas minimizadoras até então
implementadas haviam sido pontuais. Dentre as soluções experi-
mentadas, destacam-se:
1981 – Estabelecimento de pontos de descarga de entulho, des-
centralizados, operados em parceria com outros órgãos
de manutenção da cidade; coleta manual realizada pelo
grande gerador e pela própria LIMPURB; utilização do
DISK ENTULHO, um instrumento de comunicação com
a comunidade.
1992 – Criação de área específica para disposição do entulho, a
partir do modelo tecnológico, no destino final de Cana-
brava – a CENTRAL DE ENTULHO; coleta com carregamen-
to manual, realizada pela própria LIMPURB e pelo gerador.
1993 – Introdução da coleta mecanizada do entulho, através
do sistema comboio (uma pá carregadeira e 8 caçambas)
e disposição na central de entulho, desativada em 1994,
em razão de exaustão de sua vida útil, sendo Canabrava
utilizado como destino final.

124
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
Apesar da formulação de proposições em parcerias e de incluir
a recuperação de áreas degradadas, as ações careciam de um tra-
balho de manejo fundamentado.
Os equipamentos disponíveis para a coleta regular dos resíduos
domiciliares quase sempre apresentavam avarias, em função da
falta de uma segregação dos resíduos na origem, o que resultava
em prejuízo para a empresa.
Além de não impedir o descarte aleatório do entulho, provocar
impactos ambientais e acidentes, com escavações durante as ope-
rações de coleta, e do alto custo envolvido, o sistema Comboio1
contribui também para a não assunção da responsabilidade com
o entulho por parte do seu gerador.
Embora, nesse período, o gerador do entulho já participasse
da coleta, os resultados obtidos ainda eram insignificantes, repre-
sentando 6,99% do total do entulho coletado, em função, tam-
bém, da falta de um programa de educação ambiental.
Todas essas situações, aliadas à descontinuidade administrati-
va, constituíram os maiores entraves para resolver a questão do
entulho em Salvador.
A situação continuou problemática até 1996, atingindo o máxi-
mo de 420 pontos de disposição clandestina. Cada vez mais volu-
moso e heterogêneo, o entulho era depositado aleatoriamente
na cidade — em encostas, terrenos baldios, canteiros, córregos,
valas, praias, lagoas, laterais das estradas —, gerando, em associa-
ção com o lixo domiciliar, mau cheiro, doenças, obstrução do sis-
tema de drenagem, inundação, insegurança no trânsito, desliza-
mento e proliferação de insetos e animais nocivos.

1
Coleta mecanizada do entulho disposto aleatoriamente, através de um conjunto de equipamen-
tos — uma pá carregadeira e seis caçambas —, de acordo com uma programação específica.

125
REGIÃO METROPOLITANA
NL 16 SIMÕES CAMAÇARI
Suburbio FILHO
Baía AMC
Ferroviário
de Todos
os Santos

NL 15
Valéria LAURO DE
PLATAFORMA NL 14 FREITAS
Cajazeiras

BOA VIAGEM
NL 3
São CANABRAVA NL 13
NL 2
Itapagipe Caetano Pau da Lima
NL 12 NL 10
Tancredo Itapuã
Neves
NL 4
Liberdade NL 11
Cabula
NL 9
NL 1 Boca do Rio
Centro
NL 5
Brotas
NL 8
Pituba Oceano Atlântico
NL 6
NL 7
Barra
Rio Vermelho

FIGURA 2 - MAPEAMENTO DE DEPOSIÇÃO ALEATÓRIA DE ENTULHO (1997)

Diante desse cenário, a LIMPURB buscou o apoio da Universi-


dade Federal da Bahia, através do Departamento de Hidráulica e
Saneamento da Escola Politécnica, para, em conjunto, desenvol-
verem estudos sobre o assunto e definir ações adequadas para
questão. Foi, então, criado um grupo de estudos, que caracteri-
zou a situação do entulho no município de Salvador.
Em dezembro de 1996, a operação emergencial “FAXINAÇO”,
em conjunto com a Companhia de Desenvolvimento Urbano do
Estado da Bahia — CONDER, retirou das ruas de Salvador, 37.411t
de entulho, o que representa 37,83% do total de resíduos coletados
nesse mês, sem, contudo, solucionar a questão.

126
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
A participação do entulho no lixo urbano obteve um signifi-
cativo incremento na última década, representando 45,35%, como
pode ser observado na Tabela 2.
TABELA 2 - PARTICIPAÇÃO DO ENTULHO NO LIXO URBANO 1990/2000

TOTAL RECOLHIDO (t)


ANO
LIXO ENTULHO %

1990 638.848 28.264 4,42

1991 675.791 147.764 21,86

1992 682.085 185.415 27,18

1993 684.791 206.083 30,09

1994 732.665 226.083 30,86

1995 767.718 227.214 30,00

1996 845.403 249.445 29,71

1997 1.071.036 380.477 35,52

1998 1.278.126 530.324 41,49

1999 1.294.382 511.008 39,48

2000 1.671.683 832.007 49,77

Fonte: CON/DIRAC
Nota: Operação Faxinaço – 13.12.96 a 17.03.97

Conforme levantamento realizado em junho de 1997 (Figura


2), existiam 220 pontos de descarte aleatório na cidade. Os custos
com a coleta desses resíduos atingiam, aproximadamente, um va-
lor mensal de R$ 558.754,00 (quinhentos e cinqüenta e oito mil,
setecentos e cinqüenta e quatro Reais) e anual de R$ 6.705.048,00
(seis milhões, setecentos e cinco mil e quarenta e oito Reais), além

127
da existência de outros de difícil mensuração, referentes a proje-
tos, programas e operações desenvolvidos para sanar as conse-
qüências negativas da gestão inadequada do entulho.
A situação inadequada da deposição de entulho no município e a
necessidade de agilizar as ações de melhoria na limpeza urbana indi-
cavam a necessidade de adoção de medidas que viessem a corrigir os
problemas gerados, trazer melhorias para o ambiente urbano, benefi-
ciar os pequenos geradores de entulho e reduzir os custos com a co-
leta, o transporte e a destinação final, prolongando, também, a vida útil
do aterro. Dessa forma, foi criado, por Decreto do Prefeito, um Grupo
de Trabalho interinstitucional, com a finalidade de viabilizar a opera-
ção do Projeto Gestão Diferenciada de Entulho na Cidade de Salvador.

PROJETO DE GESTÃO DIFERENCIADA DE ENTULHO


CONCEPÇÃO
O Projeto de Gestão Diferenciada de Entulho na Cidade de Sal-
vador tem como objetivo transformar o descarte clandestino de
entulho em deposição correta, através da adoção de uma política
ordenadora, que busque a remediação da degradação ambiental
gerada, a integração dos agentes envolvidos com a questão, como
também a redução máxima da geração desse tipo de resíduos,
seu reaproveitamento e reciclagem. O modelo escolhido baseia-
se na descentralização do recebimento, do tratamento e do desti-
no final do entulho.
Áreas estrategicamente localizadas, selecionadas preferencialmen-
te entre aquelas utilizadas para disposição aleatória de entulho e pró-
ximas aos centros de sua geração, são preparadas, oficializadas e
disponibilizadas à população, com as denominações de Posto de
Descarga de Entulho (PDE) e de Base de Descarga de Entulho (BDE).

128
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
Dentre os critérios de seleção de terrenos para instalação de
PDE e BDE, encontram -se:
• localização geográfica no Município, de modo a permitir que
todos os pontos sejam atendidos com distância de transporte
inferior a 15 km do centro de geração de entulho;
• facilidade de acesso e boas condições de tráfego;
• possibilidade de compatibilizar o uso do solo com um novo
empreendimento, evitando-se incômodos ao bem-estar e à
saúde dos moradores da vizinhança;
• disponibilidade de infra-estrutura física;
• inexistência de habitações nas proximidades;
• vocação da área para recebimento de entulho, por apresentar-
se degradada, com necessidade de aterramento, ou ser local
que já recebe entulho de forma desordenada.
O projeto contempla a instalação de cinco BDEs, vinte e dois
PDEs, a intensificação da fiscalização da deposição clandestina, a
remediação de áreas degradadas, além de um amplo programa
de monitorização, educação ambiental e orientação à população
usuária, como medidas de estímulo à disposição correta de entu-
lho, conforme fluxograma da Figura 3.

MUNÍCIPE

PEQUENAS QUANTIDADES
ATÉ 2m3
➔ GERAÇÃO DE ENTULHO
• SEGREGAÇÃO
➔ GRANDES QUANTIDADES
ACIMA DE 2m 3
• MEDIÇÃO
TRANSPORTE DO GERADOR • ACONDICIONAMENTO TRANSPORTE DO GERADOR
• ARMANEZAMENTO

• TRANSPORTE

PDE
POSTO DE DESCARGA

TRANSPORTE DA PREFEITURA (SÓ EM ÁREA PLANA)
BDE
BASE DE DESCARGA
DE ENTULHO DE ENTULHO


1ª FASE 2ª FASE

TOPOGRAFIA ACIDENTADA OU TOPOGRAFIA ACIDENTADA OU


DEGRADADA DEGRADADA
RECICLAGEM
REUTILIZAÇÃO REUTILIZAÇÃO
NIVELAMENTO DE TERRENO NIVELAMENTO DE TERRENO

FIGURA 3 - FLUXOGRAMA DO MODELO DE GESTÃO DO ENTULHO

129
O órgão de controle ambiental do Estado aprovou o sistema de
gestão de entulho projetado e o subordinou a alguns condicio-
nantes mitigadores de impactos potenciais ao meio ambiente e à
saúde da comunidade.
Antes da instalação de PDEs e de BDEs, elabora-se um projeto
arquitetônico e paisagístico específico, fundamentado em Termos
de Referência, como alternativa de promover a integração do novo
equipamento ao sítio escolhido, evitar impactos visuais e esta-
belecer uma vizinhança harmoniosa com a comunidade local.
O mapeamento dos Postos e Bases de entulho na cidade do
Salvador por Núcleo de Limpeza encontra-se na Figura 4.

REGIÃO METROPOLITANA

CAMAÇARI
Baía SIMÕES FILHO AMC
de Todos PERIPERI
os Santos

NL 15
NL 16
Valéria
S. Ferroviário
Ilha de Maré CAJAZEIRAS LAURO
DE FREITAS
PLATAFORMA DOM AVELAR
PIRAJÁ NL 14
NL 3 Cajazeiras
São Caetano
SÃO CAETANO BAIRRO DA PAZ
NL 2
Itapagipe SUSSUARANA NL 10
Itapuã
BOA NL 13
VIAGEM S. GONÇALO RETIRO Pau da Lima SÃO CRISTÓVÃO

SANTA MÔNICA
IAPI

NL 11
Cabula
LUIS ANSELMO
IMBUÍ
TORORÓ
ITAIGARA NL 9
Boca do Rio
NORDESTE
NL 8 Oceano Atlântico
Pituba
NL 6
Barra NL 7
Rio Vermelho

FIGURA 4 - MAPEAMENTO DOS POSTOS E BASES DE DESCARGAS DE


ENTULHO

130
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
POSTOS DE DESCARGA DE ENTULHO (PDE)

Os Postos recebem, reutilizam ou transferem entulho oriun-


do de pequenos geradores, com um limite de recepção diária
de 2m3 por transportador. O funcionamento é diário, no horá-
rio de 7 às 18h.
Quando o montante de recepção diário atingir o limite total
estipulado, o controlador do PDE indicará ao transportador a BDE
mais próxima para a entrega do entulho, após efetuar a coleta de
todos os dados do usuário e do veículo. O controle de descarga
de entulho é feito através do formulário de Controle Diário de
Descarga de Entulho, preenchido pelo controlador do PDE.
BASES DE DESCARGA DE ENTULHO (BDE)

As Bases são grandes áreas que recebem, reutilizam, reciclam


ou destinam adequadamente o entulho proveniente de grandes
geradores e dos PDEs sem limite de recepção. A triagem ocorre
da seguinte forma:
• componente de entulho com valor agregado (plástico, papel,
papelão, vidro, metal, madeira e etc) — incorporação aos pro-
cessos de coleta seletiva;
• materiais que não entram no processo de reciclagem — enca-
minhamento ao destino final;
• entulho bruto (concreto, argamassa, rocha natural, etc.) —
encaminhamento ao núcleo de reciclagem.
SISTEMATIZAÇÃO DA COLETA E DO TRANSPORTE
DE ENTULHO
A Gestão Diferenciada de Entulho, na Cidade de Salvador, tem
como suporte legal específico o Decreto 12.133/98, além de ou-
tros dispositivos, como a lei de lançamento indiscriminado do
lixo, o regulamento de limpeza urbana e o decreto de padroniza-
ção de acondicionadores de resíduos sólidos.

131
Para realizar o transporte de entulho no município, é necessário
que pessoas físicas ou jurídicas estejam cadastradas no órgão de
limpeza urbana, através de processo em que se exige a apresenta-
ção de plano de trabalho e vistoria dos veículos e equipamentos
a serem utilizados. A renovação desse cadastramento é anual,
podendo ser suspenso ou extinto, ou sofrer penalidades decor-
rentes de infrações.
Ao proprietário ou ao responsável legal ou técnico por uma
obra de construção civil ou movimento de terra cabe a obrigação
de providenciar, às suas expensas, o transporte de entulho até os
locais autorizados para a sua recepção, bem como a aquisição dos
recipientes necessários e adequados para o seu acondicionamento,
no local da obra.
ESTRATÉGIA DE IMPLANTAÇÃO
A implantação e a operação do Plano de Gestão Diferenciada
de Entulho na Cidade de Salvador ocorre em duas fases distintas.
Na Fase I, a LIMPURB está executando as medidas relativas à trans-
formação do descarte clandestino em deposição correta e, na
Fase II, aquelas integrantes do processo de viabilização da reci-
clagem do entulho.
A estimativa de custos efetuada para a implementação, opera-
ção e manutenção da estrutura proposta para transformação do
descarte clandestino do entulho em deposição correta (Fase I),
quando confrontada com os custos disponíveis da gestão corretiva,
significou uma redução superior a 50%.
Os resultados obtidos na Fase I são bastantes significativos,
possibilitando a redução da disposição aleatória, a melhoria do
sistema de coleta dos resíduos sólidos, da qualidade ambiental e
da vida da população, contribuindo para o desenvolvimento sus-
tentável do município, conforme demonstração a seguir.

132
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
INSTALAÇÕES DE POSTOS DE DESCARGA DE ENTULHO

• Instalação de 06 dos 22 postos previstos, o que representa


27% da estrutura programada para os pequenos geradores.
• Recepção de 99,4 t/dia de entulho nos seis postos em funcio-
namento, conduzidas pela população usuária dos PDEs de
Itaigara, Anita Barbuda, Extra, Forno, Curralinho e Muriçoca.
• Realização de campanhas setoriais de conscientização, nas
áreas de abrangência de cada PDE, com utilização de carro
de som, distribuição de 15.600 folhetos e instalação de pla-
cas de sinalização e proibitivas.
• Instalação de 23 caixas estacionárias padronizadas, para rece-
ber entulho, em 21 pontos de deposição aleatória, até que
sejam implantados os PDEs nas áreas selecionadas.
• Redução da disposição clandestina de entulho em 61,66%,
passando de 420 pontos, em 1996, para 161 em 2000.
• Aumento da participação do entulho no montante total do
lixo coletado, transformando-se em seu maior componente, com
uma média de 2.746 t/dia, ou seja, 50%.
• Coleta de 508.732 t/ano (2000), realizada pelo próprio gera-
dor, resultando numa economia de R$ 10.528.717,00 (dez
milhões, quinhentos e vinte e oito mil e setecentos e dezes-
sete Reais).
• Eliminação de quatro dias de comboio/mês (uma pá carrega-
deira com 6 caçambas) na operação de limpeza corretiva, na
Gerência Operacional (GEROP I), o que representou uma eco-
nomia de R$ 15.940,00/mês (quinze mil e novecentos e qua-
renta Reais).
• Aumento da participação do gerador na coleta e transporte
do entulho, evoluindo de 3% em 1996 para 61% em 2000
(Figura 5).

133
FIGURA 5 - PARTICIPAÇÃO DO GERADOR NA COLETA DE ENTULHO
(1996-2000)

INSTALAÇÃO DAS BASES DE DESCARGA DE ENTULHO (BDE)

• Disponibilização de três áreas (Portoseco Pirajá, São Gonçalo


e Via Regional) em processo.
• Seleção de duas BDEs para o processo de reutilização (São
Gonçalo e Via Regional).
A Fase II teve início com a sensibilização de um grupo técnico,
através de palestras sobre a reciclagem, demonstração do Projeto de
Gestão Diferenciada de Entulho e dos resultados obtidos na Fase I.
Prosseguiu com a realização da caracterização do entulho bruto e
reciclado, em parceria com a UFBA / Escola Politécnica, ficando evi-
denciada a sua excelente qualidade para a reciclagem, com 53% de
concreto e argamassa em sua composição gravimétrica.
O projeto executivo da primeira unidade de reciclagem de en-
tulho e o anteprojeto da Fábrica de Componentes para a constru-
ção civil foram concluídos. Está prevista, para o primeiro semes-
tre de 2001, a implantação desses equipamentos.
A adesão da LIMPURB à Rede Cooperativa de Pesquisas para o
Aproveitamento de Resíduos como Materiais de Construção —
Reciclar Bahia foi uma das ações executadas nessa fase.
As atividades a serem desenvolvidas no Projeto de Reciclagem
de Entulho e na Fábrica de Componentes são:

134
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
Reciclagem do entulho:
• recepção e classificação dos resíduos da construção civil;
• descontaminação dos resíduos, com separação de impurezas
(folhas, plásticos, papel, etc);
• britagem e peneiração;
• expedição de entulho reciclado;
• armazenamento provisório.
Fabricação de componentes:
• recebimento e armazenamento de agregado reciclado;
• produção de concreto;
• fabricação de componentes de concreto;
• expedição de componentes de concreto;
• armazenamento provisório de artefatos de concreto.
A Fábrica de Componentes constitui uma solução integrada à
Base de Descarga de Entulho, produzindo blocos, tijolos e bri-
quetes em vibroprensa, bem como componentes como meio-fio,
lajota, vigota, mourão, etc. em mesa vibratória.
FISCALIZAÇÃO E MONITORIZAÇÃO

O Sistema de Fiscalização de entulho é formado por uma co-


missão composta de órgãos públicos, incumbidos de estabelecer
rotinas e procedimentos técnicos, tanto de caráter orientador
quanto repressivo, de treinar e capacitar os fiscais para aplicação
dos recursos instrucionais e da legislação pertinente, bem como
de monitorar todo o sistema.
O Programa de Fiscalização de entulho tem a pretensão de
observar tanto o acondicionamento, a coleta, o transporte e o
destino final de entulho, quanto os hábitos da população relati-
vos ao manejo dessa parcela de resíduos, buscando prevenir e
conter o descarte aleatório e propiciar a deposição correta no
âmbito do município.

135
Para isso, foi firmado um termo de cooperação técnica e admi-
nistrativa entre o Governo do Estado da Bahia, através do DETRAN,
Polícia Militar e CRA, e a Prefeitura Municipal de Salvador, atra-
vés da SESP - Secretária de Serviços Públicos, com a participação
da LIMPURB e SEPLAM - Secretaria de Planejamento Urbanismo e
Meio Ambiente, com a criação de uma unidade administrativa
na estrutura da SESP.
O trabalho de fiscalização é de caráter permanente e contínuo,
com respaldo simultâneo na legislação vigente em todos os níveis
(Federal, Estadual e Municipal).
EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Instrumento fundamental para a viabilização do Projeto de


Gestão Diferenciada de Entulho, a educação ambiental permite a
formação e a informação social orientadas para o desenvolvimento
da consciência crítica sobre o estado do meio-ambiente em relação
ao manejo, à coleta, ao transporte, ao tratamento e à destinação do
entulho, conscientizando o cidadão quanto ao seu papel como
gerador de entulho.
A concepção do programa de educação ambiental pressupõe a
sensibilização da população para a importância do desenvolvimen-
to sustentável (social, econômico e ambiental), utilizando-se de
uma abordagem holística, que envolve:
• consciência (sensibilização);
• compreensão (conhecimento);
• habilidade;
• comportamento (atitudes e valores);
• ação participativa.
O público-alvo são os empresários de construção civil, pessoas e
comunidades organizadas, que geram entulho durante o serviço de
construção civil, demolição, reforma, escavação e terraplenagem,

136
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
alunos de escolas, pessoal dos depósitos de materiais de constru-
ção, agentes transportadores de entulho (pequenos e grandes) e,
no geral, toda a população do município de Salvador.
REMEDIAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS

Trata-se da implementação de soluções mitigadoras, para possibili-


tar sustentação ao projeto, como a transformação de áreas degrada-
das em espaços com novos usos, definidos através de parcerias a co-
munidade local, dentro de uma compreensão da necessidade de mu-
dança na concepção do “espaço público, como espaço de ninguém”
para a consciência do “espaço público, como espaço de todos”.
As atividades pertinentes ao processo de remediação de áreas
degradadas incluem a limpeza, cercamento (quando necessário),
plantio de árvores, colocação de meio-fio, instalação de telefone
público, cesta coletora de lixo, quadras poliesportivas, praças e
outros equipamentos urbanos.

CONCLUSÃO
A situação do entulho ainda é um desafio a ser vencido pela
administração municipal. Entretanto, a LIMPURB dispõe, hoje,
de um problema equacionado, cuja solução definitiva depende
da execução das ações programadas e necessárias à total opera-
ção do projeto.
Dentre as metas a serem atingidas, o aspecto mais crítico é a dis-
ponibilidade de recursos necessários à instalação das Bases de Des-
cargas de Entulho para possibilitar a reciclagem e a fabricação de
componentes para a construção civil.
O entulho proveniente dos grandes geradores ainda está sendo
transportado para a única área de recepção disponível no municí-
pio, que é o Aterro de Canabrava.

137
Esse aterro está passando por um processo de encerramento
de sua vida útil, ficando cada vez mais restritas as áreas disponíveis
para a disposição de entulho.
As medidas adotadas na Fase I, de implantação de Gestão Dife-
renciada de Entulho na Cidade de Salvador, trouxeram excelentes
resultados. Entre eles, o entendimento do gerador quanto à sua co-
responsabilidade na destinação do entulho gerado e a definição de
locais oficializados para recebimento desse material. O percentual
de 61% do entulho entregue em Canabrava pelo próprio produtor,
ou seja, 1.679 t/dia, demonstra isso.
Essa situação poderia ainda melhorar com a implantação das
BDEs descentralizadas, principalmente pela redução das distânci-
as entre o ponto de geração e o de recepção. O Aterro de Cana-
brava situa-se a uma distância média, em linha reta, de 11 km dos
Núcleos de Limpeza, e as Bases distam 4km, excetuando a do AMC,
que fica a aproximadamente 8km.
Por outro lado, foram realizadas atividades inéditas no município
de Salvador, como a realização do inventário quali-quantitativo de
entulho, com parâmetros técnicos locais, os estudos sobre a insta-
lação de usinas de reciclagem e sobre o uso desse resíduo na pro-
dução de agregado reciclado, o que permite, hoje, um traçado do
perfil do entulho e de escolha de tecnologias adequadas para o seu
tratamento — a reciclagem.
De acordo com a composição gravimétrica e a quantidade de
entulho depositado por dia, em Canabrava, é enterrada, por ano,
uma grande variedade de materiais reaproveitáveis, conforme se
demonstra na Tabela 3.
A introdução do processo de reciclagem, extremamente neces-
sária à cidade de Salvador, para redução da necessidade de áreas
para deposição final do entulho, aumento da vida útil dos aterros,

138
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
TABELA 3 - PARTICIPAÇÃO DOS MATERIAIS COMPONENTES DO ENTULHO
ENTERRADOS DIARIAMENTE

ESPECIFICAÇÃO DO TIPO DE MATERIAIS TONELADAS/ANO %

Concreto e Argamassa 440.964 53,00

Solo e Areia 183.042 22,00

Cerâmica Vermelha 74.881 9,00

Cerâmica Branca 41.600 5,00

Rochas Naturais 41.600 5,00

Plástico 33.280 4,00

Outros Materiais 16.640 2,00

TOTAL 832.007 100

Fonte: Caracterização de Entulho Bruto / LIMPURB / 1999

redução de custos e do consumo dos recursos naturais, tem, de


acordo com o projeto executivo e anteprojeto realizados, o custo de
R$ 450.500,00 (quatrocentos e cinqüenta mil e quinhentos Reais).
A implantação das metas do Projeto de Gestão Diferenciada de
Entulho foi prevista para três anos. Neste sentido, faltam serem im-
plantadas algumas medidas para solucionar as questões relativas à
coleta, ao transporte, ao tratamento e ao destino final desse material.
O processo de geração de entulho é sempre crescente e, sem
um programa de redução na origem, torna-se maior ainda. Nos
últimos três anos, verificou-se um acréscimo de 119% na coleta do
entulho, ou seja, 1.490 t/dia.
Se todas as BDEs forem implantadas como áreas para deposição
final do entulho, sem a introdução do processo da reciclagem, a estima-
tiva feita para a duração da sua vida útil é inferior a sete anos, o que
comprometeria a continuidade de todo o sistema.

139
Apesar das medidas educativas e corretivas em prática, torna-se
impossível evitar totalmente as ocorrências de deposições clandes-
tinas de entulho na cidade, se não houver a oferta de locais prepara-
dos e adequados para o recebimento do material coletado.
O estudo que monitoriza o número dessas deposições irregulares
mostra uma redução de aproximadamente 62% de descarte de entulho.
Os bons resultados obtidos, o aumento das deposições aleató-
rias em 2000, a quantidade de entulho depositada no Aterro de
Canabrava e o término do prazo previsto para a implantação da
Gestão Diferenciada de Entulho sinalizam para a aplicação imediata
das medidas propostas.
É importante considerar que a falta das Bases de Descarga de En-
tulho, estrutura para atendimento dos grandes geradores e de tra-
tamento e destino do entulho, significa um grande entrave na reso-
lução do problema, impedindo até um trabalho mais abrangente na
área de educação ambiental.
O atendimento da população aos apelos do poder público para
segregar o entulho na origem e transportá-lo às Bases, nesse caso,
trará a incapacidade de recepção do material, desde que as grandes
áreas com essa finalidade não estejam preparadas. O Aterro de
Canabrava, em sua fase final de vida útil, é hoje o único local de que
dispõe a LIMPURB para o destino final de entulho na Cidade.
A primeira Usina de Reciclagem de Entulho deverá ser um em-
preendimento modelar no Nordeste do Brasil, implantado pelo
poder público, e indutor da inserção da iniciativa privada no pro-
cesso, objetivando atingir 100% do entulho gerado no Município.
A construção de uma Base de Descarga de Entulho com Usina de
Reciclagem e Fábrica de Componentes para construção civil no Sítio
de Canabrava, região onde se manipula o entulho há muito tempo,
torna-se uma medida bastante favorável à otimização das ações do

140
GESTÃO DIFERENCIADA DO ENTULHO NA CIDADE DE SALVADOR
projeto Criança Canabrava e à ampliação do sistema diferenciado do
entulho. A articulação entre esses dois projetos possibilitará o apro-
veitamento das crianças e adolescentes, ao atingirem a idade adulta,
no trabalho originado com a Usina de Reciclagem de Entulho e de sua
complementar Fábrica de Componentes, bem como de outras pes-
soas da comunidade local, criando-se multiplicadores do processo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

EMPRESA DE LIMPEZA URBANA DO SALVADOR (LIMPURB). Plano de


entulho. Salvador, 1981. 19p.
EMPRESA DE LIMPEZA URBANA DO SALVADOR (LIMPURB). Proposta de
coleta de entulho. Salvador, 1991. 15p.
EMPRESA DE LIMPEZA URBANA DO SALVADOR (LIMPURB). Proposta para
a coleta diferenciada dos resíduos produzidos no Município de Salvador.
Salvador, 1992. 11p.
JARDIM, N. S. (Coord.). Lixo municipal: manual de gerenciamento
integrado. São Paulo, IPT, 1995. (Publicação IPT, 2163).
PINTO, T. P. Projeto Executivo da Unidade de Reciclagem de Entulho.
Salvador: BDE/Portoseco Pirajá, 1998.
SALVADOR. Decreto nº 10.869, de 14 de novembro de 1994. Dispõe sobre
manejo, coleta, transporte e destinação final de entulho e de graneis
sólidos para a construção civil e dá outras providências. Diário Oficial do
Município, Salvador, n.1379, 1994.
SANTO ANDRÉ (SP). Secretaria de Obras e Serviços Urbanos. Departamento
de Serviços Urbanos. Estação de Entulho. Santo André, 1990. 12p.
SUPERINTENDÊNCIA DE LIMPEZA URBANA DE BELO HORIZONTE (SLU).
Programa para correção das disposições e reciclagem de resíduos de Belo
Horizonte. Belo Horizonte, 1994. 8p.

Bárbara Elizabete Correia Quadros - Arquiteta, Técnica da ASPLA / LIMPURB

Ana Maria Vieira de Oliveira - Arquiteta, Técnica da ASPLA / LIMPURB

141
CAPÍTULO V
142
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
CARACTERÍSTICAS
DO ENTULHO E DO
AGREGADO RECICLADO

Alex Pires Carneiro


Barbara Elizabete Correia Quadros Taís Santos Sampaio
Ana Maria Vieira de Oliveira Elaine Pinto Varela Alberte
Irineu Antônio Schadach de Brum Dayana Bastos Costa

143
Os resíduos provenientes das atividades de construção e demo-
lição, usualmente chamados de entulho, são geralmente considera-
dos como material inerte, constituindo, quase sempre, a maior par-
cela dos resíduos sólidos gerados no ambiente urbano. Nos países
da Europa Ocidental, a geração de entulho eqüivale a uma quanti-
dade entre 0,7 e 1,0 tonelada por habitante/ano, correspondendo,
assim, ao dobro dos demais resíduos sólidos urbanos gerados pela
sociedade (Pera, 1996). Segundo Pinto (1999), para 6 municípios
brasileiros pesquisados, o entulho corresponde a uma quantidade
entre 54% e 70% dos resíduos sólidos urbanos, representando uma
geração per capita entre 0,4 e 0,76 tonelada por habitante/ano.
Com a intensificação do processo de urbanização, a quantidade
de resíduos gerados pelas obras de construção é cada vez mais ele-
vada, quer pelas demolições decorrentes do processo de renovação
urbana, quer por novas edificações. Estimativas apontam para uma
produção mundial entre 2 e 3 bilhões de toneladas/ano. (Lauritzen,
1994). Considerando a geração de 0,4 tonelada por habitante/dia, são
produzidos, no Brasil, cerca de 68 milhões de toneladas/ano de
entulho. O crescimento populacional constitui um fator impor-
tante nessa geração, visto que contribui para o aumento da produ-
ção desses resíduos. Além disso, o déficit habitacional pressiona a
sociedade a expandir o número de habitações nos próximos anos,
o que contribui, também, para o aumento da geração de entulho.
O alto índice de perdas na construção também colabora nesse
aumento. Programas de redução de perdas e gestão da qualidade,
que algumas empresas do setor da construção civil no Brasil vem
recentemente implantando, contribuem para reduzir a geração do
entulho e permitem o seu gerenciamento adequado no canteiro.
Contudo, a implantação de tecnologias visando à reutilização e à
reciclagem desse material é fundamental num processo de gestão

144
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
adequada, pois a quantidade de entulho gerado pelas obras de
construção, demolição ou reformas continuará a ser significativa,
mesmo com a implantação de programas de redução de perdas.
As experiências européia, japonesa e americana demonstram
que o conhecimento existente apresenta base tecnológica suficien-
te para o desenvolvimento da reciclagem, de forma contínua, nas
áreas urbanizadas onde existam geração de entulho e demanda
por materiais de construção.
No Brasil, algumas Prefeituras, têm implantado usinas de
reciclagem de entulho, buscando alternativas para gestão desses
resíduos. Existem exemplos de sucesso, como o da cidade de Belo
Horizonte — MG, que desenvolve um programa de reciclagem de
entulho, incluindo a instalação de quatro usinas de reciclagem.
Além disso, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Londrina, São
Paulo, entre outras cidades, também implantaram usinas de
reciclagem de entulho.
Devidamente reciclado o entulho apresenta propriedades físi-
cas e químicas apropriadas para o seu emprego como material de
construção. No entanto, é importante ressaltar que o entulho apre-
senta características bastante peculiares. Existe uma grande diver-
sidade de matérias-primas, técnicas e metodologias, empregadas
na construção civil, que afetam, de modo significativo, as caracterís-
ticas dos resíduos gerados, principalmente quanto à composição e
à quantidade. Portanto, o nível de desenvolvimento da construção
local reflete-se nas características dos materiais constituintes do
entulho, ou seja, a caracterização desse resíduo está condicionada a
parâmetros da região de origem (Carneiro, 2000a).
A caracterização do entulho, tanto na sua forma bruta quanto na
reciclada, constitui uma etapa imprescindível para estudos de al-
ternativas que visem à gestão e à reciclagem desse resíduo. Nesse

145
sentido, o projeto Entulho Bom e a LIMPURB (Empresa de Limpeza
Urbana do Salvador) realizaram a caracterização do entulho e do
agregado reciclado de Salvador (agregado produzido pela reci-
clagem de entulho).
Essa caracterização (a primeira disponível no Nordeste) buscou
conhecer as propriedades do entulho e dos agregados reciclados
produzidos em Salvador, possibilitando a definição de padrões
mais eficientes para coleta, transporte, disposição e reciclagem des-
se resíduo, além de identificar formas de utilização segura do ma-
terial, visando suprir a falta de normalização e regulamentação. A
caracterização também contribuiu para combater o descrédito de
alguns setores sobre a viabilidade da reciclagem do entulho e da
utilização de agregados reciclados, em substituição à matéria-
prima convencional, na construção civil.

CARACTERÍSTICAS DO ENTULHO
A maior parte do entulho é proveniente de obras e demolições,
além de desastres naturais e tecnológicos, como incêndios, falhas
estruturais, terremotos, furacões, guerras, entre outros. Contudo,
os resíduos gerados na produção dos materiais de construção, como,
por exemplo, cacos de blocos cerâmicos nas olarias, pó de pedra da
britagem de agregados, entre outros, não são considerados como
entulho e sim como resíduos industriais de setores específicos.
Os resíduos gerados nas atividades de construção e demolição,
etapas claramente distintas do ciclo de vida de uma edificação, são
geralmente constituídos de materiais similares e, portanto, igual-
mente chamados de entulho.
Nas atividades de construção, ou mesmo em reformas, o alto
índice de perdas e a ausência de procedimentos de reutilização e

146
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
reciclagem são as principais causas da geração do entulho. Entre-
tanto, nem toda a perda se transforma, efetivamente, em resíduo
— uma parte fica incorporada na própria obra. A quantidade de
entulho gerado corresponde, em média, a 50% do material des-
perdiçado (Pinto, 1995 citado por Zordan, 1997). A Tabela 1 apre-
senta índices médios de perdas de materiais de construção.

TABELA 1 - ÍNDICE DE PERDAS DE ALGUNS MATERIAIS NA INDÚSTRIA


DA CONSTRUÇÃO

PESQUISADORES
MATERIAIS (%)
SOUZA 1 PINTO 2 SOILBELMAN 3

Areia 44 39 44

Cimento 56 33 83

Cal 36 102 –

Concreto 9 1 13

Aço 11 26 19

Blocos e Tijolos 13 13 52

1
SOUZA, 1998, citado por PINTO, 1999 (mediana de diversas obras – Brasil)
2
PINTO, 1989 (valores de uma obra – São Carlos)
3
SOILBELMAN, 1993 citado por PINTO, 1999 (média de 5 obras – Porto Alegre)

As demolições, na maioria dos casos, também se apresentam


como uma grande fonte geradora desse resíduo, uma vez que, de
um modo geral, vêm sendo realizadas com processos rudimenta-
res. Num contexto em que a demolição rápida e a retirada dos
escombros são os principais objetivos, gera-se uma grande quan-
tidade de entulho, com os diversos tipos de materiais misturados,
já que fatores como o tempo e as técnicas utilizadas não permi-
tem a separação desses materiais.

147
Para reduzir a geração de resíduos de demolição, é necessária a
modificação dos métodos tradicionais e a adoção da demolição sele-
tiva. Essa técnica consiste em separar, in situ, as diversas categorias
de materiais à medida que o processo de demolição (ou “descons-
trução”) vai avançando, de forma a evitar a mistura de concretos, ar-
gamassas e outros materiais recicláveis com contaminantes como
madeiras, papéis, plásticos e gesso, entre outros. Deve ser desenvol-
vido um planejamento detalhado do processo de demolição, uma
vez que a demolição seletiva necessita de mais tempo que a tradicio-
nal. Nesse sentido, recomenda-se que os projetos de demolição se-
jam planejados e controlados em detalhes, como deveriam ser os
projetos de construção (Grupo Español del Hormigon, GEHO, 1997).
Os resíduos de construção e demolição são gerados por diversos
agentes, como empresas de construção, médios e pequenos pres-
tadores de serviços, órgãos públicos, autoconstrutores, entre ou-
tros. Ou seja, esses resíduos são produzidos tanto pelo pequeno
gerador quanto pelas indústrias da construção civil.
O entulho é um resíduo heterogêneo, basicamente composto por:
• concretos, argamassas e rochas que, em princípio, apresentam,
na sua totalidade, bom potencial para reciclagem;
• blocos, tijolos e cerâmicas, que apresentam também alto
potencial de utilização, sem necessitar de processo sofistica-
do de tratamento;
• solos, areia e argila, que podem ser facilmente separados dos
outros materiais por peneiramento;
• asfalto, material com alto potencial de reciclagem em obras
viárias;
• metais ferrosos, recicláveis pelo setor de metalurgia;
• madeiras, material apenas parcialmente reciclável, sendo que
madeiras com proteção impermeabilizante ou pinturas devem

148
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
ser consideradas como material poluente e tratadas como
resíduos químicos perigosos, devido ao risco de contamina-
ção (Laurizten, 1994);
• outros materiais (plástico, borracha, papel, papelão, etc.)
passíveis de reciclagem, embora esse processo nem sempre
apresente vantagens que possam ser suportadas pelo atual
estágio de desenvolvimento tecnológico; quando for o caso,
esses materiais devem ser tratados como resíduos e dispos-
tos de forma adequada.
O entulho, portanto, é apresentado sob forma sólida. Apesar
da diversidade de dimensões e formas dos materiais que o consti-
tuem, aproximadamente 90% apresentam potencial de reciclagem
(Laurizten, 1994).
Embora, de forma geral, esses materiais sejam considerados
pela NBR 10004 como resíduos inertes, a sua composição química
e o risco de contaminação ambiental estão relacionados direta-
mente com os materiais utilizados na obra que os originou. Por-
tanto, apesar de a maioria das obras produzirem resíduos inertes,
pode haver casos em que a matéria-prima utilizada altere a classi-
ficação do entulho. A reciclagem de concretos produzidos com
escórias com alto teor de metais pesados, que antes estavam
encapsuladas na matriz de cimento, por exemplo, pode gerar agre-
gados prejudiciais ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores
e usuários (Cassa; Valois; Carneiro, 1998).
O resíduo de construção e demolição, ou simplesmente entu-
lho, possui características bastante peculiares. Há uma gama muito
grande de aspectos que interferem na quantidade, composição e
características desse resíduo. Entre esses aspectos, destacam-se:
• o nível de desenvolvimento da indústria da construção local:
 qualidade e treinamento da mão de obra disponível;

149
 técnicas de construção e demolição empregadas;
 adoção de programas de qualidade e redução de perdas;
 adoção de processos de reciclagem e reutilização no canteiro;
• os tipos de materiais predominantes e/ou disponíveis na região;
• o desenvolvimento de obras especiais na região (metrô, es-
gotamento sanitário, restauração de centros históricos,
entre outros);
• o desenvolvimento econômico da região;
• a demanda por novas construções.
Nesse sentido, as características do entulho estão condiciona-
das a parâmetros específicos da região geradora do resíduo e à
variação ao longo do tempo. Na construção de edifícios, nos países
desenvolvidos, por exemplo, geram-se altos percentuais de papel
e plástico, provenientes das embalagens dos materiais. No mesmo
tipo de obra, nos países em desenvolvimento, gera-se grande quan-
tidade de resíduos de concreto, argamassa, blocos, entre outros,
devido às altas perdas do processo.
Na Tabela 2, é possível perceber a variabilidade da composição
dos entulhos gerados em algumas regiões / países.

TABELA 2 - COMPOSIÇÃO, EM PORCENTAGEM, DO ENTULHO DE


DIVERSAS REGIÕES / PAÍSES

ORIGEM
MATERIAL
Reino Hong São São São Ribeirão 7
1 2 3 4 5 6 Salvador
Unido Kong Carlos Paulo Paulo Preto

Concreto e argamassa 9 17 69 12 33 59 53

 
Solo e areia 75 19 – 82 32 – 22

Cerâmica 5 12 29 3 30 23 14

Rochas – 23 1 – – 18 5

Outros 11 28 1 3 5 – 6

150
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO

Solo, areia e rochas
1
Construction…, 1996.
2
Hong Kong Polytechnic, 1993, citado por Levy, 1997.
3
Pinto, 1989.
4
Castro, 1998 (amostragem no aterro de Itatinga).
5
Brito Filho, 1999 citado por John, 2000.
6
Zordan, 1997.
6
Carneiro, 2000b.

Além dos fatores regionais, as diferenças observadas na compo-


sição do entulho podem ser atribuídas ao período de amostragem,
à técnica de amostragem utilizada e ao local de coleta da amostra
(canteiro / aterro). Por fim, os tipos de obras predominantes tam-
bém podem influenciar na composição do entulho, conforme é
demonstrado na tabela a seguir.

TABELA 3 - COMPONENTES DO ENTULHO EM RELAÇÃO AO TIPO DE


OBRA EM QUE FOI GERADO

Trabalhos Sobras de Obras Sobras de


Escavações
COMPONENTES PRESENTES Rodoviários Demolição Diversas Limpeza
(%)
(%) (%) (%) (%)

Concreto 48,0 6,1 54,3 17,5 18,4

Tijolos – 0,3 6,3 12,0 5,0

Areia 4,6 9,6 1,4 3,3 1,7

Solo, poeira e lama 16,8 48,9 11,9 16,1 30,5

Rocha 7,0 32,5 11,4 23,1 23,9

Asfalto 23,5 – 1,6 – 0,1

Metais – 0,5 3,4 6,1 4,4

Madeira de Construção 0,1 1,1 7,2 18,3 10,5

Papel e matéria orgânica – 1,0 1,6 2,7 3,5

Outros – – 0,9 0,9 2,0

Fonte: Hong Kong Polytechnic, 1993, citado por Levy, 1997.

151
CARACTERÍSTICAS DO AGREGADO RECICLADO
Materiais nobres podem ser facilmente reciclados, como as par-
celas de concreto, argamassa, solo, areia, cerâmicas e rochas, que
representam a maioria dos componentes do entulho.
Os materiais resultantes do processo de reciclagem dos resíduos
de construção e de demolição são denominados por diversos
autores e pela RILEM (Réunion Internationale des Laboratories
d’Essais et de Recherches sur les Matériaux et les Constructions)
de agregados reciclados (RILEM, 1994; Barra, 1996; Collins, 1996;
GEHO, 1997; Hendrix, 1998; Pera, 1996). Tal denominação é ade-
quada para o novo material produzido, uma vez que esse não é
mais considerado um subproduto (entulho), e sim um agregado
reciclado, a ser utilizado no mesmo processo em que foi gerado,
a construção civil.
De uma forma geral, os agregados obtidos na reciclagem do
entulho são mais porosos que os naturais, o que implica uma absor-
ção de água mais elevada. Por outro lado, os resíduos de constru-
ção reciclados apresentam componentes com algumas proprie-
dades relevantes para o desempenho de materiais de construção.
Segundo Pinto (1998), entre esses componentes, destacam-se as
partículas de cimento não-inertizadas, que ainda irão reagir, partí-
culas de cal, que estarão disponíveis para novas reações, partícu-
las já cristalizadas, que funcionarão como iniciador da cristaliza-
ção (acelerando a formação da nova rede cristalina), e partículas
finas de material cerâmico, com significativo potencial pozolânico,
que irão reagir com a cal hidratada.
O agregado reciclado é uma mistura de agregado graúdo e mi-
údo, gerado pela operação de britagem, em geral com britador
de mandíbulas. A porcentagem de cada agregado depende basi-
camente da granulometria e da composição do entulho, bem como

152
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
do diâmetro máximo do agregado graúdo reciclado, produzido
pelo equipamento de cominuição. A granulometria desejada pode
ser obtida mediante pequenos ajustes na abertura do britador.
O coeficiente de forma do agregado reciclado graúdo é similar
ao de um agregado graúdo obtido na britagem de uma rocha cal-
cária. Em geral, o agregado reciclado apresenta uma forma mais
irregular e uma textura superficial mais áspera e porosa. Segundo
GEHO (1997), a fração grossa possui uma distribuição granulo-
métrica adequada para quase todas as aplicações de agregados
em construções. Contudo, devem-se tomar algumas precauções com
relação à utilização da fração < 2 mm do agregado reciclado, bus-
cando evitar problemas relacionados com absorção de água, forma
e textura superficial. A utilização desse material pode influenciar
em algumas propriedades como o consumo de água e a resis-
tência mecânica.
Além disso, a presença, no entulho, de algumas substâncias
consideradas impurezas ou contaminantes pode prejudicar o de-
sempenho dos materiais produzidos com o agregado reciclado.
Por exemplo: as argilas e solos em geral, o betume e os polímeros
procedentes das selagens impermeabilizantes das juntas, os fíllers
expansivos, também procedentes de juntas, o gesso, a cerâmica
refratária, os cloretos, matéria orgânica, metais, vidros, agregados
leves, partículas de concretos danificadas em incêndios, diversas
substâncias reativas e concreto de cimento aluminoso são
contaminantes que, em determinadas quantidades, podem com-
prometer o desempenho de um concreto estrutural produzido
com agregado reciclado (GEHO, 1997).
Vale ressaltar que uma determinada substância pode ser con-
siderada como impureza ou contaminante para uma dada apli-
cação do agregado reciclado e como material inerte para outra

153
aplicação. Por exemplo: agregados reciclados que contenham
partículas de gesso podem ser utilizados para execução de camadas
de pavimentos; contudo teores de cerca de 6% desse material po-
dem provocar redução de aproximadamente 15% na resistência do
concreto. A presença de gesso em materiais produzidos com Ci-
mento Portland pode provocar fenômenos expansivos (GEHO, 1997).
Dessa forma, a aplicação do agregado reciclado está condicio-
nada à sua composição, sendo necessária a caracterização sistemá-
tica dos agregados produzidos, buscando evitar a sua utilização em
aplicações que possam comprometer o desempenho do material e
prejudicar a aceitação da sociedade ou do meio técnico do uso
do agregado reciclado.

PROCESSOS DE PRODUÇÃO DO AGREGADO


RECICLADO
As características do agregado reciclado estão diretamente rela-
cionadas com o seu processo de produção. De modo geral, o pro-
cesso de reciclagem dos resíduos de construção é constituído das
etapas de limpeza e seleção prévia, homogeneização, trituração,
extração de materiais metálicos, eliminação de contaminantes e
estocagem para expedição (Pinto, 1998; GEHO, 1997).
Ainda segundo essas publicações, na reciclagem de entulho,
são utilizados equipamentos diversos como pá carregadeira,
alimentador vibratório, britador, eletroímã para separação das
ferragens, peneiras, mecanismos transportadores e, eventual-
mente, sistemas para eliminação de contaminantes. Esses equi-
pamentos devem permitir que o processamento ocorra com
minimização da geração de ruídos e material particulado. Além
disso, deve-se dispor de uma área suficientemente grande para

154
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
armazenar os diversos tipos de entulho recebido e os vários tipos
de agregados produzidos.
Existe bibliografia detalhada sobre a adequação dos equipamen-
tos e projetos para cada tipo de processo. De forma genérica pode-
se considerar que os processos de reciclagem têm equipamentos
similares aos utilizados na produção de agregados naturais. Con-
tudo, os sistemas de reciclagem de entulho podem ser classifica-
dos em função dos critérios e do rigor usados na eliminação dos
contaminantes, conforme apresentado a seguir (GEHO, 1997):
• Plantas de Primeira Geração – necessitam de elementos que
possam eliminar metais.
• Plantas de Segunda Geração – similares às de primeira gera-
ção, mas contendo sistemas preliminares (mecânicos ou ma-
nuais) de eliminação de contaminantes, como a limpeza e
classificação do material, por via seca ou úmida.
• Plantas de Terceira Geração – visam a remoção praticamente
integral de todos materiais secundários, considerados como
contaminantes dos agregados reciclados.
A seleção dos equipamentos e a operação do sistema de recicla-
gem dependem das características iniciais do entulho e do seu grau
de processamento, determinado pela aplicação específica do agre-
gado reciclado. Por exemplo, se o material reciclado for utilizado na
fabricação de concreto estrutural, o processo de reciclagem deverá
ser mais rigoroso, para permitir a produção de um agregado com
menor quantidade de contaminantes que o material produzido para
ser utilizado em camadas de pavimentos (para as quais podem ser
aceitos maiores teores de materiais cerâmicos polidos, solos, entre
outros materiais, inadequados para concreto estrutural).
Um dos principais condicionantes do processo de reciclagem é
a necessidade de gerar produtos homogêneos e de características

155
adequadas, a partir de resíduos heterogêneos e de origem bas-
tante diversificada.
A maioria das plantas de reciclagem utilizadas no Brasil é de 1ª
geração. O processo utilizado nesse tipo de planta é o mais sim-
ples de todos. A eliminação de contaminantes em plantas de 2a e
3a geração, por sua vez, encarece o processo e pode tornar inviável
a reciclagem. Uma alternativa para as aplicações que necessitem
agregados reciclados com desempenho superior é buscar pro-
cessos de gestão do resíduo pelo gerador que permitam a separa-
ção preliminar dos contaminantes no canteiro, durante o processo
construtivo. A reciclagem de entulho é bastante favorecida quan-
do não há mistura significativa dos materiais. A separação prévia
de elementos como vidro, madeira, metais, plásticos, papelão é
recomendável, uma vez que existem processos específicos relati-
vamente simples, alguns inclusive já consolidados para reciclagem
desses materiais.
Quando o entulho é composto de diversos materiais mistura-
dos, deve-se adotar alguns procedimentos para recebimento e
reciclagem do material:
• não receber entulho que apresente quantidade visivelmente
significativa de contaminantes (podas, papel, papelão, ma-
deira, matéria orgânica, plásticos, solos, metais, entre outros);
• buscar a homogeneização do entulho;
• identificar aplicações que aceitem a presença dos contami-
nantes e variações nas características do agregado reciclado;
• analisar periodicamente as características do agregado reciclado.
Além da classificação por geração, as unidades de reciclagem
podem ser divididas em instalações fixas e plantas móveis (GEHO,
1997). As instalações fixas permitem um maior controle de seu
impacto ambiental e são preferíveis em relação às pequenas e

156
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
móveis. A geração de ruídos e a distância dos centros urbanos são
fatores que deverão se levar em conta na seleção da localização
das plantas. As plantas móveis, por sua vez, são utilizadas, preferen-
cialmente, em zonas onde a quantidade de material a reciclar, ainda
que constante, não alcance grandes montantes. A emissão de pó
e a geração de ruído também devem ser controladas.
As usinas de reciclagem, tanto fixas quanto móveis, constituem
o espaço mais adequado à destinação do entulho e à produção
de agregados reciclados para confecção de materiais de constru-
ção. A primeira usina de reciclagem a ser implantada em Salvador
pela LIMPURB será uma planta fixa de primeira geração, com capa-
cidade de processar 200 toneladas a cada 8 horas de operação.

RECICLAGEM DE ENTULHO E ECONOMIA


Na economia de mercado, a reciclagem de entulho será atrati-
va quando o produto reciclado apresentar qualidade e preço com-
petitivo em relação aos materiais naturais. Essa situação ocorre
em regiões próximas aos centros urbanos, onde as reservas de
matérias-primas estão se esgotando, ou os custos de disposição
em aterros são elevados.
Com a reciclagem do entulho, pode-se fazer economia dos cus-
tos de transporte de matérias-primas para longas distâncias, além
dos custos de deposição final em aterros e transporte do entulho.
Nesse sentido, destacam-se projetos com grande geração de resí-
duos, como renovação de centros urbanos, recuperação de vias e
rodovias, reconstrução após desastres naturais ou tecnológicos,
etc. Os custos relativos ao transporte do entulho ao aterro e ao
fornecimento de matérias-primas podem tornar a reciclagem eco-
nomicamente viável. Além disso, os eventuais custos com

157
remediação de impactos ambientais e disposição no aterro po-
dem aumentar ainda mais as vantagens econômicas da reciclagem.
Para utilizar resíduos como matéria-prima, em substituição aos
materiais tradicionais, é necessário que esse insumo alternativo apre-
sente padrões de desempenho compatíveis com a sua utilização. O
material reciclado (uma vez que atenda aos critérios de desempe-
nho) será mais consumido caso o seu preço seja menor que o do
agregado natural. Nos casos em que o material reciclado e o natural
têm o mesmo custo, o diferencial será a qualidade ou a confiabilidade
do produto e a utilização de instrumentos de marketing, como selos
verdes, de forma a garantir que o produto é ambientalmente correto.
A reciclagem também pode ser incentivada através de instru-
mentos legais que promovam o interesse econômico do uso do
material reciclado. O governo da Dinamarca, por exemplo, ele-
vou a taxa de deposição de material potencialmente reciclável
em aterros controlados, tornando a reciclagem economicamente
viável (Lauritzen, 1994).
É fundamental difundir usos adequados para os produtos
reciclados, além de identificar e fomentar obras públicas e priva-
das nas quais eles possam ser introduzidos como alternativa viá-
vel, em substituição aos materiais convencionais.
Diversos estudos indicam que a reciclagem de entulho pode
gerar agregados com custo inferior ao custo médio dos agrega-
dos convencionais. Além disso, a utilização de agregado reciclado
permite produzir componentes de construção que, dependendo
da sofisticação tecnológica, terão custos significativamente infe-
riores ao preço de componentes disponíveis no mercado. Em Belo
Horizonte, por exemplo, verificou-se uma economia de 22% na
execução da pavimentação asfáltica, e é estimada uma economia
de 50% na produção de blocos de vedação (Pinto, 1997).

158
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
EXPERIÊNCIA REALIZADA

EXPERIÊNCIA REALIZADA
CARACTERIZAÇÃO DO ENTULHO E DO AGREGADO
RECICLADO DE SALVADOR
Em Salvador, são coletadas 2746 t/dia de entulho, o que
representa cerca de 50% dos resíduos sólidos urbanos. Confor-
me apresentado no capítulo anterior, a LIMPURB, visando à
gestão adequada desse resíduo, está implantando o Projeto de
Gestão Diferenciada de Entulho de Salvador. Esse plano tem
como objetivo transformar o descarte clandestino de entulho
da cidade em deposição correta, através da adoção de uma po-
lítica ordenadora, com a remediação da degradação ambiental
gerada e a integração dos agentes envolvidos com a questão.
Esse programa inclui, inicialmente, a instalação de uma usi-
na de reciclagem, que irá processar cerca de 200 t/dia do entu-
lho gerado em Salvador, transformando esse resíduo em agre-
gado reciclado, a ser utilizado para a produção de materiais
de construção.
Os estudos que possibilitaram a caracterização do entulho e
do agregado reciclado de Salvador foram realizados através da
análise de suas características físicas, químicas, mecânicas e
ambientais. Segundo Lima (1999) a possibilidade de utiliza-
ção de um resíduo se avalia não somente do ponto de vista das
características técnicas necessárias a aplicação que se deseja, mas
também da perspectiva do possível impacto ambiental que
possa causar.
Na caracterização do entulho, alguns aspectos importantes fo-
ram considerados para o desenvolvimento da metodologia, como:
a amostragem, os processos de recebimento, homogeneização e
quarteamento da amostra, a análise de suas características físicas
e a seleção do entulho a ser britado.

159
A determinação das características do agregado reciclado (miú-
EXPERIÊNCIA REALIZADA

do e graúdo), por sua vez, consistiu na execução de ensaios de


laboratório, visando a um melhor aproveitamento em sua utiliza-
ção na construção civil.
A identificação de aplicações para o agregado reciclado e a ava-
liação preliminar dos aspectos econômicos da sua utilização foram
atividades que complementaram o estudo das características dos
agregados reciclados de Salvador.

CARACTERIZAÇÃO DO ENTULHO
A grande quantidade de entulho gerado, a sua composição he-
terogênea e a diversidade de fatores que influenciam nas suas
características (tipo de obra, período de amostragem, etc.) tor-
nam a caracterização do entulho uma atividade fundamental para
gestão e reciclagem desse resíduo.
Como indicado anteriormente, a caracterização do entulho de
Salvador foi desenvolvida pela LIMPURB, em parceria com o Pro-
jeto Entulho Bom, conforme previsto no Plano de Gestão Dife-
renciada de Salvador e nas atividades do referido projeto. A
metodologia empregada consistiu na amostragem, recebimento,
homogeneização, quarteamento da amostra e realização de en-
saios para caracterização qualitativa e quantitativa desse resíduo.
A Figura 1 apresenta o fluxograma da metodologia utilizada.

160
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
EXPERIÊNCIA REALIZADA
Classificação do entulho por gerador
(pequeno gerador e grande gerador)


Classificação do entulho por
padrão de renda (baixo, médio e alto)


Escolha da amostra inicial por gerador
e por padrão de renda


Pré-dimensionamento da
amostra inicial


Escolha e preparo
do local de recebimento


Levantamento das condições de tempo
(sol e chuva)

Identificação, pesagem e proteção


da amostra inicial

Homogeneização, quarteamento e
obtenção da amostra final

Análise da amostra, registro e


análise dos dados

FIGURA 1 - FLUXOGRAMA DA METODOLOGIA DA CARACTERIZAÇÃO DO


ENTULHO DE SALVADOR

161
A caracterização do entulho foi realizada no período de setem-
EXPERIÊNCIA REALIZADA

bro / outubro de 1999, no aterro de Canabrava (local de descarga do


entulho de Salvador). Foram coletadas e analisadas 16 amostras
de aproximadamente 10 toneladas, o que correspondeu a cerca de
155.000t de entulho, provenientes de diferentes áreas de coleta.
Cada uma das amostras foi reduzida a cerca de 500 kg. A quanti-
dade de entulho analisada correspondia, na época, a cerca de 10%
do entulho gerado por dia na cidade de Salvador, apresentando
nível de confiabilidade estatística de 95%, adequado para este es-
tudo (Cochran, 1978, citado por Castro, 1998).
Foram analisadas amostras de entulho similar ao que será aceito
na usina de reciclagem. Ou seja, amostras em que predominam
contaminantes como, por exemplo, matéria orgânica, podas e mis-
turas com outros resíduos não foram consideradas para este estu-
do, uma vez que remessas com predomínio desses materiais não
serão aceitas na usina de reciclagem.
Diversos métodos para obtenção da amostra final foram anali-
sados (Gomes, 1989; Andrade, 1992; Grossi, 1993; Castro, 1996;
Castro et al., 1998). Os vários métodos utilizados para se obter a
amostra final possuem alguns pontos em comum. O quarteamento
sucessivo da amostra inicial, como forma de redução do volume
inicial de resíduos, é um desses pontos. Contudo esses métodos di-
vergem quanto ao dimensionamento da amostra inicial, à forma de
recebimento, à homogeneização e ao tamanho da amostra final.
O processo de homogeneização e quarteamento para caracteri-
zação do entulho de Salvador consistiu, inicialmente, em descar-
regar, dos caminhões basculantes, cerca de 10 toneladas de entulho
(amostra inicial), numa área pré-determinada do aterro de Cana-
brava. Uma retroescavadeira, por sua vez, realizava a operação de
homogeneização, seguida de quarteamentos sucessivos, até a

162
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
obtenção de uma amostra com cerca de 500kg de entulho, con-

EXPERIÊNCIA REALIZADA
forme fluxograma apresentado na Figura 2. Como foram analisa-
das 16 amostras, a quantidade de material total destinado à amostra
final correspondeu a aproximadamente 7 toneladas de entulho.
Nesse processo, o operador da pá carregadeira deverá ter o cui-
dado de não misturar a amostra com o solo, ou perder material
durante o processo de homogeneização e quarteamento. Além
disso, o pátio de homogeneização e quarteamento deve ter super-
fície plana (preferencialmente pavimentada) e possuir área sufi-
ciente para as manobras dos equipamentos e a formação das
pilhas das amostras.

FIGURA 2 - FLUXOGRAMA DO PROCESSO DE OBTENÇÃO DA AMOSTRA


FINAL

Os processos de obtenção da amostra final seguiram algumas


recomendações da NBR 10007. A norma de amostragem de resí-
duos da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) não foi
utilizada na íntegra, uma vez que os procedimentos da “amostra-
gem em montes ou pilhas” e “amostragem de resíduos sólidos
heterogêneos” não se mostraram adequados às características do
entulho. O amostrador de pilhas e os pontos de amostragem

163
estabelecidos na norma são adequados para resíduos granulares.
EXPERIÊNCIA REALIZADA

O entulho, no entanto, é composto por elementos de dimensões


bastante distintas (alguns maiores que 50mm, outros menores
que 5mm).
Além disso, o método da ABNT para amostragem de resíduos
heterogêneos estabelece que elementos maiores que 28 mm de-
vem ser quebrados, o que descaracterizaria o material em estudo.
Por fim, a norma estabelece que a amostra a ser analisada deve ter
o volume de aproximadamente 5 litros, quantidade insignificante
para caracterizar adequadamente o entulho.
A análise da amostra final consistiu em determinar a massa unitá-
ria no estado solto, a composição granulométrica e a composição
do entulho, no intuito de avaliar as suas principais características.
A determinação da massa unitária no estado solto consistiu
em determinar a massa de entulho que ocupa o volume de um
tonel (cerca de 70 litros) previamente pesado. Para a realização
desse ensaio, um tonel foi preenchido de forma aleatória, sem
vibração e compactação, segundo as recomendações da NBR 7251
— “Agregado em estado solto. Determinação da massa unitária”.
Na determinação da granulometria a amostra final foi peneira-
da manualmente, em peneiras de 50mm, 25mm e 4,8mm, visan-
do à separação do entulho em diversas frações granulométricas.
Cada fração retida foi pesada e, ao final, foi obtida a distribuição
granulométrica do entulho bruto. Esse procedimento foi basea-
do nas recomendações NBR 7217 — “Agregado - Determinação da
composição granulométrica”.
A determinação da composição do entulho foi realizada através
de seleção manual do material de cada uma das frações obtidas no
peneiramento. Os elementos compostos com mais de um tipo de
material foram classificados conforme o material predominante.

164
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
A separação dos materiais para a determinação da composição foi

EXPERIÊNCIA REALIZADA
realizada conforme os seguintes grupos:
1. solo e areia; 6. rocha; 11. plástico e borracha;
2. cerâmica branca; 7. concreto armado; 12. papel e papelão;
3. cerâmica vermelha; 8. metais ferrosos; 13. madeira de construção;
4. asfalto; 9. gesso; 14. outros materiais.
5. concreto e argamassa; 10. espuma, couro e tecido;

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS


A média da massa unitária das 16 amostras de entulho de Sal-
vador é de 1.345 kg/m3. Isso significa que Salvador necessita de
um espaço de cerca de 2044 m3 por dia para depositar todo o
volume de entulho gerado diariamente (volume maior do que
uma piscina olímpica). Ou seja, necessita-se de um espaço signifi-
cativo para armazenar um material inerte e, em boa parte, passí-
vel de reutilização e reciclagem. Por sua vez, depositar o entulho
em locais considerados adequados, como aterros, gera custos ele-
vados. Além disso, são cada vez mais escassas as áreas para dispo-
sição, pois, com o crescimento populacional, essas áreas estão desa-
parecendo ou se tornando distantes, o que aumenta os custos
operacionais de transporte do resíduo.
O entulho de Salvador apresentou distribuição granulométrica
com predominância de elementos maiores que 50mm (Figura 3).
Por outro lado, as demais partículas desse resíduo encontram-se
bem distribuídas nas faixas granulométricas restantes.
A análise granulométrica enfocou tanto os aspectos relacionados
ao local de recebimento do entulho (Postos de Descarga de Entu-
lho - PDEs e Grande Gerador — depositado no aterro de Canabrava)
quanto o nível de renda do local de geração do entulho (baixo,
médio e alto), conforme classificação adotada pela LIMPURB.

165
EXPERIÊNCIA REALIZADA

Porcentagem de material

FIGURA 3 - VALORES MÉDIOS DA DISTRIBUIÇÃO GRANULOMÉTRICA DO


ENTULHO DE SALVADOR, EM FUNÇÃO DA ORIGEM

De uma forma geral, os valores médios das distribuições granu-


lométricas apresentam resultados similares em função da origem.
Entretanto, a granulometria do entulho gerado em locais de baixa
e de média renda apresenta distribuição mais similar ao material
recebido pelos PDEs, confirmando a estratégia de atuação desses
postos em captar os resíduos de pequenas reformas e ampliações
(atividades típicas de baixa e média renda). Devido ao alto custo
de transporte ao aterro, esse entulho era antes lançado em terre-
nos baldios e cursos d’água. Com a criação dos PDEs e a aplicação
de medidas educativas, punitivas e corretivas, houve uma redu-
ção significativa da disposição clandestina na região de Salvador
(Empresa de Limpeza Urbana do Salvador, LIMPURB, 1999).
Por outro lado, a granulometria do entulho gerado em local de
alta renda apresenta características mais similares às do entulho
do grande gerador. Essa semelhança é compreensível, uma vez
que a maior parte do entulho enviado pelo grande gerador ao

166
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
aterro corresponde aos resíduos do setor formal da construção ci-

EXPERIÊNCIA REALIZADA
vil, representado, principalmente, por obras em áreas de alta renda.
O entulho de Salvador, apesar da sua heterogeneidade, apresen-
ta, na sua composição, 94% de materiais com alto potencial para
reciclagem na construção civil (Figura 4), constituindo, assim, uma
jazida de matérias-primas passível de ser explorada.

FIGURA 4 - COMPOSIÇÃO MÉDIA DO ENTULHO DE SALVADOR

A maior parte do entulho de Salvador é composta por restos de


concreto e argamassa (53%). A quantidade de material cerâmico
produzido na região também é significativa (14%). Esses elemen-
tos, juntamente com as rochas (5%), correspondem a 72% do en-
tulho estudado. Esses materiais, após passarem por um processo
de britagem, podem produzir agregados graúdos com alto poten-
cial de utilização na construção civil.
Outra parte significativa desse entulho é composta por solo e
areia (22%). Após a britagem, essa quantidade será ainda maior.
Nesse sentido, devem ser desenvolvidos estudos visando a pro-
mover a utilização dessa fração do entulho. Os outros grupos de
materiais, juntos, correspondem a apenas 2% do entulho.

167
EXPERIÊNCIA REALIZADA

CARACTERIZAÇÃO DO AGREGADO RECICLADO


A caracterização do agregado reciclado de Salvador, realizada
pelo projeto Entulho Bom, buscou definir parâmetros adequa-
dos ao seu emprego na produção de materiais de construção e
identificar aplicações que maximizassem sua utilização na cons-
trução civil.
A produção do agregado reciclado utilizado neste estudo foi
realizada em condições similares às do processo de uma usina de
reciclagem. O entulho foi fragmentado por um britador de man-
díbula e separado granulometricamente numa peneira vibratória.
Foram produzidos dois tipos de materiais com granulometrias
distintas, o agregado reciclado miúdo — material passante na pe-
neira 4,8 mm — e o agregado reciclado graúdo — material passante
na peneira 19 mm. A amostragem dos agregados seguiu os proce-
dimentos da NBR 7216.
Os ensaios de caracterização foram realizados nos Laboratórios
de Materiais de Construção, Geotecnia e Restauração do Depar-
tamento de Ciência e Tecnologia dos Materiais da Escola Politéc-
nica da UFBA e no CEPED — Centro de Pesquisa e Desenvolvimen-
to do Estado da Bahia. Consistiram na realização dos seguintes
ensaios: análise granulométrica (NBR 7181), limites de liquidez e
plasticidade (NBR 6459; NBR 7180), teor de materiais pulveru-
lentos (NBR 7219), massa específica (NBR 9776; NBR 6508; NBR
9937; Neville, 1997), massa unitária (NBR 7251), inchamento
(NBR 6467), absorção de água (NBR 9937; NBR 9777; Leite, 2001),
índice de forma (NBR 7809), abrasão Los Angeles (NBR 6465),
impurezas orgânicas (NBR 7220), teores de cloreto, nitratos e
sulfatos (Teutonico, 1988) e lixiviação e solubilização (NBR 10005;
NBR 10006; NBR 10004).

168
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

EXPERIÊNCIA REALIZADA
A distribuição granulométrica do agregado reciclado miúdo
(Figura 5) e sua classificação — de acordo com a ABNT (NBR 6502),
ASTM - American Society for Testing Material (1980) e DNER
(Caputo, 1998) (Tabela 3) — indicam tratar-se de um material pre-
dominantemente constituído de areia (grossa, média e fina), com
baixo percentual de argila e silte (18% ABNT e 20% DNER). Esse
resultado constata que o agregado reciclado miúdo apresenta uma
classificação granulométrica arenosa.
% que passa

Diâmetro da peneira (mm)


FIGURA 5 - CURVA GRANULOMÉTRICA DO AGREGADO
RECICLADO MIÚDO

TABELA 3 - CLASSIFICAÇÃO GRANULOMÉTRICA DO AGREGADO


RECICLADO MIÚDO

ANÁLISE GRANULOMÉTRICA

ABNT ASTM DNER

Pedregulho 0% 0% 0%
Areia Grossa 0% 6% 10%
Areia Média 10% 31% –
Areia Fina 72% 2% 70%

Silte 2% 47% 4%
Argila 16% 14% 16%

169
Pela classificação da AASHTO — American Association of State
EXPERIÊNCIA REALIZADA

Highway and Transportation Officials (1978), o agregado reciclado


miúdo é classificado como A-2-4, ou seja, material grosso, com
menos de 35% de partículas passando pela peneira de 0,075mm,
Pela USCS — Unified Soil Classification System (Casagrande, 1998),
esse material é classificado como SM, ou seja, material grosso, com
quantidade apreciável de partículas finas, no entanto não plástico.
A distribuição granulométrica do agregado reciclado graúdo
indicou uma predominância de pedregulho para todas as classifi-
cações (ABNT, ASTM e DNER), notando-se, ainda, uma fração sig-
nificativa de areia grossa, média e fina (Figura 6 e Tabela 4). Além
disso, o percentual de silte e argila é bastante baixo, indicando
que esse agregado tem pouca quantidade de material fino.
% que passa

Diâmetro (mm)
FIGURA 6 - CURVA GRANULOMÉTRICA DO AGREGADO RECICLADO
GRAÚDO DE SALVADOR

Pela AASHTO (1978), o agregado reciclado graúdo é classifica-


do como A-2-4, ou seja, material grosso, com menos de 35%
passante pela peneira de 0,075mm. Pela USCS, esse material é clas-
sificado como GP-GM, ou seja, como pedregulho mal graduado a
pedregulho siltoso, significando que possui partículas finas (mais

170
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
de 7% passante na peneira 0,075mm). Essa quantidade de finos não

EXPERIÊNCIA REALIZADA
é suficiente para afetar as propriedades de resistência, deformabi-
lidade e permeabilidade, na medida que essas características são
influenciadas a partir de teores acima de 12% (Casagrande, 1998).

TABELA 4 - CLASSIFICAÇÃO GRANULOMÉTRICA DO AGREGADO


RECICLADO GRAÚDO

ANÁLISE GRANULOMÉTRICA

ABNT ASTM DNER

Pedregulho 50% 59% 59%


Areia Grossa 9% 8% 13%
Areia Média 13% 18% –
Areia Fina 22% 2% 21%

Silte 3% 11% 4%
Argila 3% 2% 3%

O agregado reciclado miúdo não apresentou limites de liquidez


e plasticidade, ou seja, esse material não apresenta características
de plasticidade, mesmo possuindo cerca de 18% de silte e argila,
segundo a classificação da ABNT.
A determinação do teor de materiais pulverulentos para agrega-
dos foi realizada segundo as recomendações da NBR 7219. O agre-
gado reciclado miúdo apresentou 13,5% de material pulverulento,
enquanto que o agregado reciclado graúdo apresentou 3,3%.
A determinação da massa específica do agregado reciclado miú-
do pelo método do frasco de Chapman (NBR 9776) não se apre-
sentou adequado. Apesar de o agregado reciclado miúdo ter per-
manecido imerso durante 24h, uma parte do material ficou flu-
tuando na superfície da água, formando uma camada de espuma
com cerca de 5ml. O que provocou alteração do resultado do
ensaio. Já o método do picnômetro (NBR 6508) não apresentou

171
dificuldade, e o resultado da massa específica obtida para o agre-
EXPERIÊNCIA REALIZADA

gado reciclado miúdo foi de 2,59g/cm3, valor similar, segundo


Neville (1997), à massa específica para agregados naturais (2,6g/
cm3 a 2,7g/cm3).
A determinação da massa específica do agregado reciclado
graúdo, realizada segundo a especificação NBR 9937, apresentou
algumas dificuldades, sendo necessária a repetição do ensaio até
a obtenção de resultados confiáveis. Uma das dificuldades en-
contradas nesse ensaio foi ocasionada pelas características do ma-
terial, que apresenta alta porosidade. Esses problemas foram tam-
bém detectados em ensaios laboratoriais realizados pela Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul (Leite, 2001). Dessa maneira,
buscou-se a adequada execução, através do método de ensaio do
picnômetro proposto por Neville (1997). Esse ensaio apresentou
resultados mais confiáveis que o método recomendado pela ABNT.
O ensaio de determinação da massa unitária no estado solto
(NBR 7251), por sua vez, tem grande importância, na medida que
esse parâmetro é utilizado quando os materiais são quantificados
em volume, procedimento rotineiro na maioria das obras reali-
zadas no Brasil. A massa unitária do agregado reciclado miúdo e
do agregado reciclado graúdo foram de 1,30g/cm3 e 1,07g/cm3,
respectivamente.
O inchamento é o fenômeno dado pela variação, em função da
umidade, do volume aparente que incide sobre a massa unitária.
Através da representação gráfica do inchamento do agregado reci-
clado miúdo de Salvador, pode-se perceber que, à medida que fo-
ram acrescentados maiores teores de água, os espaços entre as par-
tículas aumentaram, de modo que o volume total do agregado
reciclado cresceu, até que, quando saturado, seu volume tendeu a
decrescer (Figura 7).

172
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
EXPERIÊNCIA REALIZADA
Coeficiente de
inchamento

Umidade (%)
FIGURA 7 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO INCHAMENTO DO
AGREGADO RECICLADO MIÚDO

A absorção de água é uma das diferenças mais marcantes en-


tre agregado natural e agregado reciclado. Essa propriedade
depende da composição do entulho que gera o agregado
reciclado. Assim sendo, é necessário o ajuste na produção de
materiais de construção, em função desse fator, de modo a não
alterar, de maneira significativa, as propriedades físicas e mecâ-
nicas dos novos materiais.
A norma NBR 9937 prescreve o método de determinação da
absorção de água para agregados graúdos, e a norma NBR 9777
prescreve o método para determinação da absorção de água para
agregados miúdos. Entretanto, para agregados reciclados, não é
adequado utilizá-las, pois o material é composto por significativa
parcela de material passante na peneira 0,15 mm, o que prejudica
a utilização da norma para determinar sua absorção. Quando o
material é submerso em água, uma parte dos materiais finos se
dissolve, tornando a água turva e alterando a amostra. Além
disso, quando é seco com pano absorvente, parte da amostra é
absorvida (Leite, 2001).

173
Portanto, deve-se buscar um método que permita avaliar, de
EXPERIÊNCIA REALIZADA

forma adequada, a absorção de água do agregado reciclado. Nes-


se sentido, optou-se pelo método desenvolvido por Leite (2001),
que adota procedimentos similares aos da NBR 9937, utilizando-
se um recipiente com as partes superior e inferior revestidas por
uma tela de malha 0,075.
Esse método permitiu obter resultados confiáveis, os quais com-
provam que os agregados reciclados de Salvador apresentam al-
tos valores de absorção de água (10,4% para o agregado reciclado
graúdo e 8,2% para o miúdo), quando comparados com a faixa de
absorção de água de agregados naturais (entre 0,2 e 3,4%, segun-
do Neville, 1997).
O índice de forma do agregado graúdo reciclado com di-
mensão máxima característica superior a 9,5mm foi de 2,6.
Além disso, o agregado reciclado graúdo apresenta-se não
lamelar, com irregularidades e com textura superficial áspera
e porosa.
O ensaio de abrasão Los Angeles, por sua vez, que tem o obje-
tivo de avaliar o desgaste do material, indicou um coeficiente de
45% para o agregado reciclado graúdo.
No ensaio de determinação de impurezas orgânicas, cujo ob-
jetivo é a determinação colorimétrica de impurezas orgânicas
húmicas do material, não foi detectada a presença significativa
de impurezas orgânicas. Além disso, os teores de impurezas or-
gânicas encontrados para o agregado reciclado (tanto miúdo
quanto graúdo) se apresentaram em quantidade inferior à apre-
sentada pelos materiais convencionais da região de Salvador.
Os agregados reciclados não apresentaram nitratos em sua
composição mineral, o que indica a ausência de rejeitos sanitá-
rios no material.

174
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
Tampouco foi detectada a presença de sulfatos nos agrega-

EXPERIÊNCIA REALIZADA
dos reciclados, o que indica a ausência de partículas de gesso,
as quais, se presentes, poderiam provocar fenômenos expansi-
vos em materiais à base de Cimento Portland. A concentração
desse componente em partícula finas é mais prejudicial do que
em partículas grossas, devido à maior reatividade do mate-
rial fino.
Os agregados reciclados apresentam teor de cloretos similar
ao apresentado por agregados naturais utilizados na região de
Salvador. A presença de cloretos indica a exposição do material
analisado à ação salina.
O risco de contaminação ambiental do agregado reciclado
miúdo e graúdo pode ser avaliado através de análises químicas
em que é verificada a presença de metais pesados, em extratos
obtidos de uma amostra submetida a condições de lixiviação e
de solubilização.
O ensaio de lixiviação, tem como objetivo identificar a concen-
tração de substâncias que se separam do material por meio de
lavagem e percolação. O ensaio de solubilização, por sua vez, iden-
tifica a concentração de substâncias solúveis em água presentes
no material.
A determinação da concentração de metais foi realizada por
espectrometria de emissão atômica, espectrofotometria de ab-
sorção atômica em chama, geração de hidretos e vapor a frio.
De uma forma geral, os resultados se apresentaram de acordo
com os respectivos limites máximos, permitidos para resíduos
sólidos pela NBR 10004 (Tabelas 6 e 7), indicando portanto, que
o agregado reciclado (miúdo e graúdo) não apresenta riscos à
saúde pública, no que se refere à possível liberação desses me-
tais pesados para o meio ambiente.

175
EXPERIÊNCIA REALIZADA

TABELA 6 - CONCENTRAÇÃO DE METAIS OBTIDA NO ENSAIO


DE LIXIVIAÇÃO

LIXIVIAÇÃO (mg/l) NBR 10005

METAL AGREGADO AGREGADO


LIMITE MÁXIMO
RECICLADO RECICLADO
NBR 10004
GRAÚDO MIÚDO

Arsênio < 0,005 < 0,005 5,0

Bário < 1,0 < 1,0 100,0

Cádmio < 0,02 < 0,02 0,5

Chumbo < 0,2 < 0,2 5,0

Cromo 0,2 0,2 5,0

Mercúrio < 0,001 < 0,001 0,1

Prata < 0,1 < 0,1 5,0

Selênio < 0,002 < 0,002 1,0

TABELA 7 - CONCENTRAÇÃO DE METAIS OBTIDA NO EXTRATO DO TESTE


DE SOLUBILIDADE

LIXIVIAÇÃO (mg/l) NBR 10006

METAL AGREGADO AGREGADO


LIMITE MÁXIMO
RECICLADO RECICLADO
NBR 10004
GRAÚDO MIÚDO

Arsênio < 0,005 < 0,005 0,05

Bário 0,5 0,5 1,0

Cádmio < 0,002 < 0,002 0,005

Chumbo < 0,02 < 0,02 0,05

Mercúrio < 0,001 < 0,001 0,001

Prata < 0,05 < 0,01 0,05

Selênio < 0,002 < 0,002 0,01

Cobre < 0,02 < 0,026 1,0

Ferro < 0,2 < 0,2 0,3

Manganês < 0,02 < 0,02 0,1

Sódio 75,7 94,1 200,0

Zinco < 0,1 < 0,1 5,0

176
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
A síntese dos resultados obtidos na caracterização do agregado

EXPERIÊNCIA REALIZADA
reciclado se encontra na Tabela 8.

TABELA 8 - RESUMO DOS RESULTADOS DA CARACTERIZAÇÃO DO


AGREGADO RECICLADO

MATERIAL

ENSAIOS MÉTODO UTILIZADO AGREGADO AGREGADO


RECICLADO RECICLADO
MIÚDO GRAÚDO

Materiais pulverulentos (%) NBR 7219 13,5 3,3

Massa Específica (g/cm3) NBR 6508 / Neville, 1997 2,59 2,19

Massa Unitária (g/cm3) NBR 7251 1,30 1,07

Absorção de água (%) Leite, 2001 10,4 8,2

Índice de forma NBR 7809 – 2,6

Abrasão (%) NBR 6465 – 45

Impurezas orgânicas NBR 7220 Mais clara Mais clara

Teor de cloreto Teutonico, 1988 Pequena quantidade Pequena quantidade

Teor de nitrato Teutonico, 1988 Ausência Ausência

Teor de sulfato Teutonico, 1988 Ausência Ausência

Lixiviação NBR 10005 / NBR 10004 Inerte Inerte

Solubilidade NBR 10006 / NBR 10004 Inerte Inerte

APLICAÇÕES DO AGREGADO RECICLADO


As características apresentadas tanto pelo entulho quanto pelo
agregado reciclado de Salvador confirmaram o grande potencial
de utilização desse material reciclado para a produção de materi-
ais de construção. Sua fração graúda apresentou potencialidade
de uso na produção de camadas de pavimentos e concreto não-
estrutural, enquanto sua fração fina apresentou potencialidade
para o uso em camadas de pavimentos, argamassas, tijolos e blo-
cos. Esses agregados podem ser utilizados, também, no nivela-
mento de terrenos, em cascalhamento de vias, estacionamentos

177
e pátios, em projetos de drenagem, entre outras aplicações
EXPERIÊNCIA REALIZADA

na construção.
No Brasil, a utilização de agregados reciclados, obtidos através
de operação de britagem, por sua vez, vem demonstrando, na
prática, a viabilidade técnica desse tipo de atividade. Estudos re-
centes desenvolvidos em várias universidades (Poli — USP, Escola
de Engenharia de São Carlos, Unicamp) confirmam a potenciali-
dade de uso do agregado reciclado na produção de materiais de
construção (Pinto, 1997).
A utilização em base e sub-base ou revestimento primário para
pavimentação é a forma mais simples de aproveitamento do en-
tulho como agregado, por exigir processos de reciclagem menos
sofisticados. O entulho processado pode também ser utilizado
como agregado para concreto não estrutural, a partir da substi-
tuição dos agregados convencionais (areia e brita). A aplicação do
agregado reciclado na produção de concreto apresenta algumas
vantagens semelhantes às da pavimentação, além de apresentar a
possibilidade de melhorias no desempenho do concreto em rela-
ção aos agregados convencionais, quando se utiliza baixo consu-
mo de cimento. Após o peneiramento, os finos gerados na brita-
gem, por sua vez, podem ser encaminhados para a fabricação de
blocos ou argamassas. Sua disponibilidade e viabilidade econômi-
ca sugerem utilização em programas de construções populares,
assentamento ou mutirão.
É importante ressaltar que as tecnologias empregadas na pro-
dução desses materiais devem apresentar compatibilidade en-
tre as características das matérias-primas, os componentes ge-
rados e os usos a serem estipulados. Essas preocupações devem
estar presentes na fabricação de qualquer tipo de material
de construção.

178
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
AVALIAÇÃO ECONÔMICA

EXPERIÊNCIA REALIZADA
Além da viabilidade tecnológica e das vantagens sociais e am-
bientais apresentadas neste capítulo, os aspectos econômicos são
de fundamental importância para possibilitar o uso de agregados
reciclados em substituição aos agregados convencionais. Nesse sen-
tido, o Projeto Entulho Bom realizou uma análise preliminar dos
custos da reciclagem do entulho, buscando estimar o valor do agre-
gado reciclado a ser produzido na usina de reciclagem de Salvador.
Estudos anteriores vêm demonstrando que o agregado reciclado
apresenta viabilidade econômica, quando comparado aos agrega-
dos naturais. De acordo com informações da Prefeitura de São Pau-
lo, na Usina de Itatinga, o custo do primeiro ano de operação foi de
R$ 5,10 por tonelada. Considerando os descontos e a amortiza-
ção do capital investido, o preço do agregado reciclado para ven-
da chegou a valores de cerca de R$ 6,70 por tonelada (Coelho;
Chaves; Djanikian, 1998).
Por sua vez, Brito Filho (1999) indica que o custo de reciclagem
do entulho em São Paulo varia entre R$ 4,00 a R$ 6,00 por tonela-
da, ou, aproximadamente, R$ 5,20 a R$ 7,80 por metro cúbico.
Comparando-se esses valores com o preço dos agregados natu-
rais na região de São Paulo (R$ 20,00/m3 segundo Brito Filho, 1999),
o agregado reciclado apresenta uma economia de até 67%.
Segundo Pinto (1999), o custo de reciclagem do entulho é de
R$ 5,00 por tonelada, valor que inclui os gastos com manutenção
e depreciação de equipamentos, provisão de água, energia, mão-
de-obra, serviços de remoção, amortização dos investimentos,
despesas administrativas, entre outros gastos. Vale ressaltar que o
valor indicado é uma referência geral, baseada em valores pratica-
dos em cidades do interior paulista, podendo, portanto, ser alte-
rado conforme peculiaridades locais.

179
Com base nessa referência, o Projeto Entulho Bom realizou uma
EXPERIÊNCIA REALIZADA

estimativa preliminar do custo do agregado reciclado a ser pro-


duzido pela usina de reciclagem, na qual foram inclusos os gastos
com a reciclagem, o transporte do material e os impostos. Essa
estimativa indicou um valor de cerca de R$ 10,00 por tonelada.
Ao se comparar esse valor ao preço médio dos agregados natu-
rais comercializados na região de Salvador (R$ 20,00 por tone-
lada, segundo Pinto, 1999), nota-se uma economia de cerca de
50% com o uso de agregado reciclado, em relação ao agregado
convencional.
O menor preço do agregado reciclado em relação ao agregado
natural possibilita a redução dos custos e, conseqüentemente, a
ampliação da oferta pública de infra-estrutura urbana e habitação
popular, promovendo, portanto, benefícios sociais.
Assim, diante desses dados, a reciclagem de entulho no Brasil
e, em especial, em Salvador, pode ser considerada uma atividade
bastante atrativa. As condições do mercado da região tornam viá-
vel a reciclagem desse material, restando aos gestores urbanos
induzir processos e incentivar os agentes ligados a esse tipo de
atividade, para que o meio técnico adote o uso desse material
alternativo, incorporando-o ao mercado da construção civil local.
Neste sentido, torna-se fundamental uma análise econômica do
mercado local sobre a viabilidade financeira da produção de agre-
gados e materiais de construção a partir do entulho, incluindo a
quantificação das vantagens para os diversos agentes envolvidos
no processo (gerador do resíduo, responsável pela reciclagem,
produtor de materiais de construção, usuário do produto, poder
público), a identificação de oportunidades ou dificuldades de
comercialização, entre outras análises que busquem fomentar a
reciclagem do entulho.

180
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
CONCLUSÃO

EXPERIÊNCIA REALIZADA
A caracterização do entulho e do agregado reciclado de Salvador
constituiu uma etapa fundamental nos estudos para redução, reuti-
lização e reciclagem, possibilitando identificar meios de maximizar
a sua utilização para a produção de materiais de construção.
Entretanto, características como composição e quantidade pro-
duzida do entulho variam ao longo do tempo e estão condicionadas a
parâmetros específicos da região geradora do resíduo. Sugere-se, por-
tanto, a caracterização sistemática do entulho e do agregado recicla-
do, para avaliar a variação das propriedades e, assim, garantir a otimi-
zação do processo de reciclagem e a qualidade do agregado reciclado.
Através da caracterização do entulho de Salvador, foi possível ve-
rificar que a maior parte desse material é composta por restos de
concreto, argamassa, cerâmicas e rochas (72%). Esses materiais, após
passarem por um processo de britagem, produzem agregados com
alto potencial de utilização em pavimentos e concretos. Além disso,
parte significativa desse entulho é composta por solo e areia (22%),
elementos cuja quantidade será ainda maior após a britagem.
Algumas aplicações que podem valorizar a utilização desse mate-
rial são: a produção de camadas de pavimentos, tijolos, blocos,
argamassas e concreto não estrutural.
A caracterização do agregado reciclado, por sua vez, indicou
que o agregado reciclado miúdo é um material predominante-
mente arenoso, com partículas finas não plásticas, enquanto que
o agregado reciclado graúdo é constituído, principalmente, de
pedregulhos não lamelares, com formas irregulares e textura mais
áspera e porosa que o agregado graúdo convencional.
Além disso, uma das diferenças mais marcantes entre o agre-
gado reciclado e o agregado convencional é a absorção de água.
Tanto o agregado reciclado miúdo quanto o graúdo apresentaram

181
altos percentuais de absorção de água, quando comparados à
EXPERIÊNCIA REALIZADA

faixa de absorção dos agregados convencionais. Assim, é reco-


mendado o ajuste do teor de água na produção dos materiais, de
modo a não alterar, de maneira significativa, as propriedades dos
novos materiais de construção.
Os resultados de lixiviação e de solubilidade do agregado reciclado
miúdo e graúdo se apresentaram dentro dos limites especificados
por norma, o que indica a inexistência de riscos ambientais no uso
do agregado reciclado. No entanto, apesar de o agregado reciclado
ser classificado como inerte, deverão ser realizados ensaios com-
plementares e sistemáticos, de modo a garantir o seu uso seguro
em relação ao potencial de riscos à saúde e ao meio ambiente.
Com base nos resultados obtidos, o Projeto Entulho Bom desen-
volveu linhas de pesquisas relativas ao uso do agregado reciclado
em camadas de bases e sub-bases de pavimentos, em tijolos de solo
estabilizado com cimento e em argamassas de revestimento, apre-
sentadas, respectivamente, nos capítulos VI, VII e VIII deste livro.

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Engenharia da Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993.
SOUZA, U. B. L. et al. Perdas de materiais nos canteiros de obras: a quebra
do mito. Qualidade na Construção, v.2, n.13, p. 10-15, 1998.
TEUTONICO, Jeanne Marie. A laboratory manual for architectural
conservators. Roma: International Center for the Study of the Preservation
and the Restoration of Cultural Property, 1988. 168p.
ZORDAN, Sérgio Eduardo. A utilização do entulho como agregado na
confecção do concreto. 1997. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de
Engenharia Civil da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997.

1
NORMAS TÉCNICAS CITADAS

NBR 6459 - Solo: determinação do limite de liquidez: método de ensaio. 1984.


NBR 6465 - Agregado: determinação da abrasão Los Angeles: método de
ensaio. 1984
NBR 6467 - Agregados: determinação do inchamento de agregado miúdo:
método de ensaio. 1987.
NBR 6502 - Rochas e solos: terminologia. 1995.
NBR 6508 - Grãos de solo que passam na peneira 4,8 mm: determinação da
massa específica: método de ensaio. 1984.
NBR 7180 - Solo: determinação do limite de plasticidade: método de ensaio. 1984.
NBR 7181 - Solo: análise granulométrica: método de ensaio. 1984.
NBR 7216 - Amostragem de agregados: método de ensaio. 1987
NBR 7217 - Agregado: determinação da composição granulométrica:
método de ensaio. 1987.

186
CARACTERÍSITCAS DO ENTULHO E DO AGREGADO RECICLADO
NBR 7219 - Agregado: determinação do teor de materiais pulverulentos:
método de ensaio. 1987.
NBR 7251 - Agregado em estado solto: determinação da massa unitária:
método de ensaio. 1982.
NBR 7220 - Agregados: determinação de impurezas orgânicas de naturezas
húmicas em agregado miúdo: método de ensaio. 1987.
NBR 7809 - Agregado graúdo: Determinação do índice de forma pelo
método do paquímetro: método de ensaio. 1983
NBR 9776 - Agregados: determinação da massa específica em agregado
miúdo por meio do frasco de Chapman: método de ensaio. 1987.
NBR 9777 - Agregados: Determinação da absorção de água em agregados
miúdos: método de ensaio. 1987.
NBR 9937 - Agregados: Determinação da absorção e da massa específica de
agregado graúdo: método de ensaio. 1987.
NBR 10004 - Resíduos sólidos: classificação. 1987.
NBR 10005 - Lixiviação de resíduos: procedimento. 1987.
NBR 10006 - Solubilização de resíduos: procedimento. 1987.
NBR 10007 - Amostragem de resíduos: procedimento. 1987.
1
Publicação ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, Rio de Janeiro.

Alex Pires Carneiro - Engenheiro Civil, Mestrando em Engenharia Ambiental Urbana - UFBA,
Coordenador do Projeto Entulho Bom

Barbara Elizabete Correia Quadros - Arquiteta, Técnica da ASPLA / LIMPURB

Ana Maria Vieira de Oliveira - Arquiteta, Técnica da ASPLA / LIMPURB

Irineu Antônio Schadach de Brum - Engenheiro de Minas, Msc, Doutorando em Metalurgia


Extrativa - UFRGS, Professor DCTM/UFBA

Taís Santos Sampaio - Engenheira Civil, Pesquisadora do Projeto Entulho Bom

Elaine Pinto Varela Alberte - Estudante de Engenharia Civil - UFBA, Pesquisadora do Projeto
Entulho Bom

Dayana Bastos Costa - Estudante de Engenharia Civil - UFBA, Pesquisadora do Projeto


Entulho Bom

187
CAPÍTULO VI
188
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
USO DO AGREGADO
RECICLADO EM CAMADAS
DE BASE E SUB-BASE
DE PAVIMENTOS

Alex Pires Carneiro


Paulo César Burgos
Elaine Pinto Varela Alberte

189
A utilização de entulho como agregado reciclado, em cama-
das de pavimentos urbanos, é uma das formas de reciclagem mais
difundidas para esse resíduo. Com a evolução das técnicas de
pavimentação, que vem permitindo o aprimoramento de várias
alternativas para a execução de pavimentos, têm-se desenvolvido
estudos sobre formas de aproveitamento do entulho, sobretudo
em camadas de base e sub-base de vias urbanas.
O aproveitamento do agregado reciclado na pavimentação apre-
senta diversas vantagens:
• utilização de quantidade significativa de material reciclado
tanto na fração miúda, quanto na graúda;
• simplicidade dos processos de execução do pavimento e de
produção do agregado reciclado (separação e britagem pri-
mária), contribuindo para a redução dos custos e a difusão
dessa forma de reciclagem;
• possibilidade de utilização dos diversos materiais componen-
tes do entulho (concretos, argamassas, materiais cerâmicos,
areia, pedras, etc.);
• utilização de parte do material em granulometrias graúdas
reduzindo o consumo de energia necessário para a recicla-
gem do entulho.
O agregado reciclado apresenta propriedades interessantes para
utilização na construção de pavimentos. Do ponto de vista geo-
técnico, é considerado um material não plástico, o que permite sua
utilização em locais com presença de água, por gerar pouca ou
nenhuma lama. Pode, ainda, ser utilizado como redutor de
plasticidade, contribuindo, assim, na estabilização de solos. Apre-
senta, também, expansibilidade baixa ou nula, ou seja, mesmo
sob saturação, não ocorre a expansão das camadas compactadas
(Triches & Kryckyj, 1999).

190
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
A reciclagem do entulho também representa vantagens econô-
micas para a administração pública municipal (Triches & Kryckyj,
1999), tais como:
• redução dos custos com a remoção do material depositado
clandestinamente ao longo das vias públicas, terrenos baldios,
cursos d’água e encostas;
• aumento da vida útil dos aterros sanitários, reduzindo a neces-
sidade de áreas para a implantação de novos aterros;
• diminuição nos custos de operação dos aterros sanitários,
pela exclusão do entulho;
• diminuição nos custos de pavimentação e infra-estrutura
urbana.
Além das vantagens oriundas do baixo custo, da simplicidade do
processo executivo e dos bons resultados obtidos em experiências
anteriores, deve-se considerar, também, a preservação do meio
ambiente gerada pela reciclagem desse material, uma vez que a
sua disposição inadequada causa vários problemas urbanos (alaga-
mentos, deslizamentos de encostas, doenças, entre outros). Essa
forma de reciclagem do entulho contribui, ainda, para a preserva-
ção dos recursos naturais, reduzindo a degradação ambiental cau-
sada pela extração das matérias-primas convencionais. Por fim, o
uso do agregado reciclado em pavimentos apresenta-se como al-
ternativa interessante para os administradores públicos aumenta-
rem a oferta de vias necessárias ao desenvolvimento urbano.
Desta forma, o Projeto Entulho Bom desenvolveu estudos bus-
cando avaliar o desempenho do uso do agregado reciclado de
Salvador em camadas de bases e sub-bases de pavimentos. Foi inves-
tigado o comportamento do agregado reciclado graúdo e miúdo,
tanto misturados entre si, quanto com solos típicos da região de
Salvador. Os materiais foram avaliados pelo método tradicional e

191
pelo método MCT (Miniatura, Compactado, Tropical). Os resulta-
dos obtidos permitiram comprovar a viabilidade técnica e econô-
mica do agregado reciclado na execução de pavimentos e, assim,
contribuir para a difusão desta forma de reciclagem.

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE PAVIMENTOS


As camadas do pavimento têm como função oferecer resistên-
cia aos esforços oriundos do tráfego, distribuindo-os convenien-
temente ao subleito, além de melhorar as condições de rolamento
e garantir comodidade e segurança ao usuário. Essas camadas,
componentes da estrutura de um pavimento, podem variar quan-
to à espessura ou aos materiais utilizados.
Neste capítulo, serão abordados aspectos referentes às cama-
das de base e sub-base que compõem um pavimento granular
flexível, uma vez que é bastante difundido o uso do agregado
reciclado nesse tipo de pavimento.
MATERIAIS
As sub-bases ou bases granulares são constituídas de solos, arei-
as, seixos, pedregulhos, produtos de britagem de rochas ou de
resíduos sólidos (entulho, escórias, entre outros). Essas camadas
também podem ser constituídas, quando adequadamente com-
pactadas, por combinações de materiais que apresentem estabili-
dade e durabilidade adequadas para resistir às cargas do trânsito
e à ação dos agentes climáticos.
O solo é um material de fundamental importância, pois, mesmo
não sendo utilizado na constituição das camadas do pavimento,
na maioria das vezes, compõe a camada de suporte da estrutura.
Em várias regiões do Brasil, predominam os solos tropicais, que
apresentam propriedades e comportamentos diferenciados dos

192
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
solos temperados, devido à atuação de processos geopedoló-
gicos típicos de regiões tropicais úmidas. Para que um solo seja
classificado como tropical, não basta que tenha se formado numa
região desse clima. É essencial que apresente as peculiaridades
inerentes aos solos tropicais, caracterizados por apresentar dois
comportamentos predominantes (Nogami & Villibor, 1995):
• comportamento laterítico — que caracteriza, pedologicamente,
uma variedade de solo superficial pedogenético, típico das regiões
tropicais úmidas, podendo ser tanto residual quanto transportado;
• comportamento saprolítico — que é resultante da decompo
sição e/ou degradação in situ da rocha que deu origem ao
solo, cuja estrutura é mantida; assim, solos com comportamento
saprolítico são considerados genuinamente residuais.
Os agregados são elementos importantes no estudo de bases e
sub-bases, por corresponderem a mais de 90% do peso das diversas
misturas utilizadas em pavimentos. Podem ser classificados, inicial-
mente, em agregados naturais e artificiais:
• naturais — são agregados utilizados como se encontram na
natureza, salvo os procedimentos de britagem e lavagem, sen-
do a areia, a brita e o pedregulho seus exemplos mais comuns;
• artificiais — são agregados que se originam de alterações fí-
sicas e químicas de outros materiais, a exemplo do entulho,
da escória de alto forno, da argila expandida, entre outros.
PROPRIEDADES E ESPECIFICAÇÕES DOS MATERIAIS
Os solos e os agregados empregados na pavimentação devem
apresentar determinadas propriedades, para que possam ser uti-
lizados em bases, sub-bases ou reforços de subleito.
GRANULOMETRIA

Os solos e agregados são constituídos de partículas de diferentes


dimensões em proporções variadas. A determinação da dimensão

193
dessas partículas e das suas respectivas percentagens de ocorrên-
cia permite obter a sua distribuição granulométrica, ou seja, a dis-
tribuição percentual da massa que determinadas faixas de tama-
nho de grãos, especificadas pela NBR 7181, representam em rela-
ção à massa seca total. Através da representação gráfica desse re-
sultado, é obtida a curva granulométrica, cuja finalidade principal
é classificar texturalmente um solo ou agregado.
O sistema de classificação de solos e agregados proposto pela
AASHTO — American Association of State Highway and Transpor-
tation Officials (1978) — utiliza a curva granulométrica para avaliar
e classificar o material de acordo com sua aplicação (vias secundá-
rias, aterros, subleitos, bases e sub-bases de pavimentos flexíveis,
entre outros). O Índice de Grupo é um parâmetro utilizado no auxílio
dessa classificação, que depende dos resultados obtidos nos ensaios
de granulometria e de limites de consistência.
A distribuição granulométrica também permite calcular, atra-
vés da fórmula de Hazen, o coeficiente de permeabilidade do ma-
terial — capacidade drenante da amostra —, constituindo um
parâmetro complementar para a análise de desempenho de ma-
teriais para pavimentos.
A curva granulométrica de um solo ou agregado pode se apre-
sentar sob duas formas típicas: granulometria contínua e granulo-
metria descontínua.
Na granulometria contínua, estão presentes todos os tama-
nhos das partículas de um determinado intervalo granulométrico.
Isso permite que os grãos menores do material se encaixem nos va-
zios intergranulares dos maiores, constituindo, assim, um materi-
al bem compactado, ou seja, mais resistente e menos deformável.
A granulometria descontínua, por sua vez, apresenta-se quando
há uniformidade no tamanho dos grãos ou deficiência significativa

194
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
de uma faixa de diâmetro de grãos presentes no material. Essas
características impedem que os grãos se encaixem adequadamente
entre si, proporcionando, assim, um material mal graduado.
As especificações para materiais de base e sub-base de pavimen-
tos estabilizados granulometricamente são apresentadas pela NBR
11804, a qual indica a necessidade de a curva granulométrica ser contí-
nua e se enquadrar nas faixas granulométricas nela especificadas.
Ainda segundo essa norma, para a execução de camadas estabili-
zadas granulometricamente, a porcentagem de material que passa
pela peneira de 0,075 mm deve ser inferior a 2/3 da porcentagem
que passa pela peneira de 0,42 mm.
LIMITES DE CONSISTÊNCIA OU DE ATTERBERG

A influência das frações finas de um material não é definida ape-


nas pela granulometria, pois suas propriedades dependem também
do teor de umidade, da esfericidade, do arredondamento e da com-
posição química e mineralógica das partículas. Nesse sentido, os
ensaios de Limites de Consistência ou Limites de Atterberg (NBR 6459;
NBR 7180) são comumente utilizados na avaliação do material, obje-
tivando o estudo de seus diferentes estados em presença da água.
Nos ensaios de consistência, são obtidos os limites de liquidez
e de plasticidade, bem como o índice de plasticidade. O limite de
liquidez permite identificar a umidade de transição entre os esta-
dos líquido e plástico de um determinado material. Já o limite de
plasticidade indica a umidade de transição entre o estado plástico
e o semi-sólido. Por fim, o índice de plasticidade é obtido pela
diferença entre esses dois limites.
A NBR 11804 estabelece, para a execução de base e sub-base de
pavimentos, valores máximos admissíveis para o limite de liquidez
(< 25%) e o índice de plasticidade (< 6%), buscando evitar a per-
da de suporte ou a expansão excessiva da camada do pavimento.

195
Esses comportamentos são causados, geralmente, pelo aumento
de umidade ou pela infiltração de água, após o término da cons-
trução do pavimento.
EQUIVALENTE DE AREIA

O equivalente de areia é um ensaio que indica o teor de areia em


relação à fração argila presente em um material. Consiste na relação
volumétrica dada pela razão entre as alturas do nível superior da
areia e da suspensão argilosa de uma amostra de solo ou de agregado
miúdo, numa proveta, em condições estabelecidas pela NBR 12052.
A análise dessa propriedade passou a ser utilizada por algumas
instituições, no auxílio à estabilização de solos com agregados,
especialmente em solos agregados pobres em finos argilosos e/ou
siltosos (Nogami & Villibor, 1995).
A NBR 11804 estabelece que materiais para base e sub-base de
pavimentos devem apresentar equivalente de areia superior a 30%.
ABRASÃO LOS ANGELES

O ensaio de Abrasão Los Angeles tem o objetivo de avaliar o des-


gaste do material quando submetido a ações de impacto e de atrito.
A NBR 6465, que apresenta o ensaio para determinação dessa pro-
priedade, indica que a interpretação dos resultados deve conside-
rar a origem do material, sua estrutura mineralógica e a respectiva
aplicação. O valor máximo estabelecido pela NBR 11804 para base e
sub-base de pavimentos é de 55% de perda de material. Entretanto,
a AASHTO (1978) permite a utilização de agregados que possuam
Índice de abrasão Los Angeles superiores, nos casos em que a ex-
periência tem demonstrado comportamento adequado por parte
desse material. No Brasil, tem-se muitas vezes preferido, no caso de
materiais degradáveis, determinar as características após um certo
número de moldagens e remoldagens, no ensaio de determinação
de Índice de Suporte Califórnia (Souza, 1980).

196
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
MASSA ESPECÍFICA SECA MÁXIMA E UMIDADE ÓTIMA
A compactação é um método de estabilização obtido pela trans-
ferência de energia a solos e agregados, através de processos ma-
nuais ou mecânicos (impacto, vibração, compressão estática ou dinâ-
mica). Esses processos atuam conferindo ao material maior massa
específica seca máxima (massa do metro cúbico de material sujeito
a uma determinada compactação), aumentando sua resistência ao
cisalhamento e diminuindo o seu índice de vazios, sua permeabili-
dade e sua compressibilidade.
Através do ensaio de compactação descrito na norma NBR 7182,
é possível correlacionar o teor de umidade e a massa específica seca
do material. Essa relação é obtida ao se aumentar o teor de umida-
de do material para cada estado de compactação. A massa específi-
ca da amostra crescerá até um limite máximo, para, então, decrescer.
O teor de umidade correspondente ao valor de massa específica
seca máxima é, então, o que se denomina de teor de umidade ótima
e equivale ao teor de umidade do material, que proporciona ao
pavimento maior estabilidade.
O ensaio de compactação pode ser realizado utilizando-se diferen-
tes energias (Proctor Normal, Intermediário e Modificado). Quanto
menor a energia de compactação empregada, menor será o valor
do teor de umidade ótima, e maior será o valor de massa específica
seca máxima. A escolha da energia é feita em função do uso que será
dado ao material analisado.
ÍNDICE DE SUPORTE CALIFÓRNIA
Através desse ensaio (NBR 9895), é possível conhecer, anteci-
padamente, a expansão do material constituinte de um pavimen-
to submetido a um processo de saturação. O Índice de Suporte
Califórnia (CBR - California Bearing Ratio) expressa as caracterís-
ticas de deformabilidade e de resistência do material submetido a
carga estática, em condições saturadas.

197
Esse ensaio permite avaliar o desempenho dos materiais para
leito, subleito, sub-bases e bases de pavimentos. Segundo a NBR
11804, os valores exigidos, nesse ensaio, são de CBR maior ou igual
a 60% e expansão menor ou igual a 0,5%, para bases de pavimentos
(N<5x106), e CBR maior ou igual a 20% e expansão menor ou igual
a 1%, para sub-bases.
DEGRADAÇÃO
O ensaio de degradação tem como objetivo analisar o compor-
tamento do material em função do desgaste sofrido durante a
compactação. O procedimento desse ensaio é baseado no artigo
“Estudos dos solos lateríticos: índice de degradação e sua influência
na compactação e I.S.C” (Macêdo; Lima; Costa, 1986). Consiste na
análise das características granulométricas das misturas obtidas, com
a realização de ensaios de granulometria antes e depois do proces-
so de compactação. O índice de degradação é obtido através do
deslocamento médio da curva granulométrica da amostra degrada-
da pelo ensaio de compactação, em relação à amostra inicial, e apre-
senta-se como um parâmetro para avaliação, em laboratório, do de-
sempenho de materiais compactados. Segundo Macêdo; Lima; Costa
(1986), o valor crítico do índice de degradação ocorre quando a
curva granulométrica ultrapassa os limites especificados para a faixa
adotada, ou quando é possível identificar uma brusca inflexão da
curva granulométrica, causada por uma fratura mais significativa de
certo tamanho de partículas.

DIMENSIONAMENTO DE PAVIMENTOS
Da mesma forma que em pavimentos convencionais, os pavimen-
tos que utilizam agregado reciclado deverão adotar procedimen-
tos de determinação das propriedades dos materiais, visando ao
dimensionamento e ao controle da execução.

198
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
MÉTODOS TRADICIONAIS
Com relação ao dimensionamento de pavimentos flexíveis, o mé-
todo empírico da HRB (Highway Research Board, também conheci-
do como método de Índice de Grupo), baseado na granulometria,
índice de plasticidade e limite de liquidez dos materiais, foi, duran-
te muito tempo, empregado no Brasil. Segundo Bodi; Brito Filho;
Almeida (1995), esse método, desenvolvido para regiões de climas
temperados, não se adapta aos solos tropicais, pois, eventualmen-
te, superdimensiona pavimentos executados com solos lateríticos
e subdimensiona pavimentos executados com solos saprolíticos.
Devido a isso, o método mais utilizado no Brasil é o do Índice
de Suporte Califórnia (ISC). Este método fornece a espessura de
material granular necessária para evitar a deformação plástica ou a
ruptura por cisalhamento da camada de subleito, durante a vida útil
do pavimento (Bodi; Brito Filho; Almeida, 1995).
MÉTODO MCT (MINIATURA, COMPACTADO, TROPICAL)
Essa metodologia foi desenvolvida, inicialmente, com a intro-
dução do ensaio de Mini-CBR para solos tropicais, com base no
procedimento desenvolvido pelo Iowa State University. Posterior-
mente, foi ampliada, sobretudo para possibilitar o melhor apro-
veitamento de solos arenosos finos lateríticos em pavimentação,
considerando a capacidade de suporte em várias condições (inclu-
sive sem imersão em água) e outras propriedades consideradas
relevantes, tais como contração, permeabilidade e infiltrabilidade
(Nogami & Villibor, 1995).
A classificação geotécnica MCT, desenvolvida por Nogami &
Villibor (1981) especificamente para fins rodoviários, surgiu em
virtude das limitações dos procedimentos tradicionais de caracte-
rização e classificação dos solos tropicais, com o propósito de
corrigir as discrepâncias do método tradicional.

199
Vargas (1982) comenta que a ambigüidade da classificação tradi-
cional, quando aplicada aos solos tropicais, vem sendo constantemen-
te denunciada por vários autores, destacando-se Villibor e Nogami.
A classificação MCT constitui o exemplo mais bem sucedido das
novas propostas que enfocam adequadamente as características e
peculiaridades dos solos desenvolvidos em ambiente de clima tro-
pical (Burgos, 1997).
Esse método utiliza dois conjuntos de ensaios, um para a classi-
ficação do solo quanto ao comportamento laterítico e não laterítico
(Mini-MCV e associados) e o outro para a determinação das proprie-
dades mecânicas e hidráulicas (Mini-CBR e associados). Utilizam-se,
também, dois procedimentos diferentes de compactação: o mé-
todo Mini-MCV e o método Mini-Proctor, ambos compactados em
corpos de prova de dimensões reduzidas (Mini ou Subminiatura),
desenvolvidos especialmente para o estudo de solos tropicais.
MINI-MCV E ASSOCIADOS

O método Mini-MCV consiste na compactação, em diferentes


umidades, de mini corpos de prova, submetidos a energias suces-
sivamente crescentes, até o momento em que seja identificada a
falta de densificação do material. Após o término desse ensaio,
é obtida uma família de curvas de compactação. Através da ava-
liação de alguns índices característicos obtidos a partir da aná-
lise dessas curvas (coeficiente e’, coeficiente c’, entre outros),
é possível identificar as características lateríticas ou saprolíticas
do material.
Nesse processo, está inclusa a realização do ensaio de Perda de
Massa por Imersão (Pi), cujo objetivo é avaliar o efeito da imersão
em água de solos tropicais compactados e, conjuntamente com o
ensaio de Mini-MCV, classificar o material analisado quanto às suas
propriedades lateríticas ou saprolíticas.

200
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
MINI - CBR E ASSOCIADOS

Esse ensaio tem o objetivo de determinar o índice de suporte


Mini-CBR de corpos de prova compactados em laboratório, além de
determinar a expansão desse material, por imersão em água, e a con-
tração, por secagem ao ar. O procedimento de compactação Mini-
Proctor, utilizado nesse ensaio, é caracterizado por apresentar teor
de umidade que varia em torno da umidade ótima de compactação
do material e energia constante (Normal ou Intermediária).

UTILIZAÇÃO DE AGREGADO RECICLADO


EM PAVIMENTOS
A utilização de resíduos de construção reciclados em várias das
camadas dos pavimentos tem-se mostrado viável na base tecnoló-
gica existente. Em várias cidades do Brasil (São Paulo, Belo Hori-
zonte, Ribeirão Preto, entre outras) e no exterior, tem-se utilizado
agregados reciclados em pavimentação, e seus resultados satisfa-
tórios vêm demonstrando a boa adequação desse material.
As experiências realizadas em países desenvolvidos vêm consoli-
dando o uso de agregado reciclado como material para nivelamento
de terrenos, para drenagem e para a sub-base de vias e estradas
(Hansen, 1996 citado por Pinto, 1999). Países em desenvolvimen-
to, como o Brasil, recentemente iniciaram suas experiências com
a reciclagem desse resíduo em pavimentação (Pinto, 1998).
A Prefeitura Municipal de São Paulo, pioneira no Brasil nesse
tipo de reciclagem, implantou, em 1991, a primeira usina de reci-
clagem do Hemisfério Sul, conhecida como usina de Itatinga. Essa
usina passou algum tempo desativada, voltando ao funcionamen-
to com produção abaixo do seu potencial máximo de 700 m3 de
agregado reciclado por dia (Laterza, 1998).

201
Essa experiência comprovou o potencial de reciclagem dos re-
síduos de construção. Em regime de plena utilização, o custo do
material produzido na usina de reciclagem chegou a ser 20 a 30%
do preço de mercado da pedra britada (Camargo, 1995).
Os estudos sobre o uso de agregado reciclado em obras de pavi-
mentação, desenvolvidos por técnicos da Usina de Asfalto da Pre-
feitura Municipal de São Paulo, basearam-se em metodologias ade-
quadas às características específicas dos solos tropicais típicos da
região estudada (solo laterítico e solo saprolítico). Os resultados
indicaram que, ao se utilizar o agregado reciclado em substituição
ao agregado convencional, foi possível reduzir a quantidade de
material necessário para atingir a mesma capacidade de suporte
(Pinto, 1998).
As pesquisas desenvolvidas nessa região mostraram ainda que,
em misturas de solo e agregado reciclado, a estabilização da ca-
mada com utilização de solo laterítico apresentou resultados
satisfatórios, com baixas adições de resíduo reciclado (20 a 30 %),
produzindo, assim, expressiva elevação da capacidade de suporte
(aumento de até 100% do CBR). No caso das misturas de solo e
agregado natural, houve aumento de suporte apenas para as adi-
ções a partir de 40%. Comportamento similar foi verificado com
adição do agregado reciclado aos solos saprolíticos (Bodi; Brito
Filho; Almeida, 1995).
Além dos bons resultados do CBR, foi verificado que o resíduo de
construção reciclado, sendo material não expansivo, ao ser adicio-
nado ao solo, contribui para a redução da taxa de expansão da mistu-
ra. A massa específica do material praticamente não se altera com a
mistura, diminuindo, assim, a possibilidade de segregação dos ma-
teriais. Os teores de umidade ótima do agregado reciclado também
apresentaram comportamento similar ao do solo, simplificando o

202
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
processo de execução da camada do pavimento, por possibilitar me-
lhor homogeneização dos materiais e menor dispersão da umidade
para qualquer teor da mistura solo / agregado reciclado (Pinto, 1998).
Em Belo Horizonte, desde 1993, a Prefeitura desenvolve um
programa de reciclagem de resíduos de construção que contem-
pla a instalação de quatro estações de reciclagem (duas já em fun-
cionamento), além de um amplo trabalho de fiscalização e edu-
cação ambiental. A Prefeitura, através da Superintendência de
Limpeza Urbana — SLU, visa à reciclagem de cerca de 8.800 t/mês
de resíduos, com produção de 5.500 m3 de agregados reciclados
(Pinto, 1995). O material reciclado nas usinas em operação tem
sido utilizado, principalmente, na execução de sub-bases e trata-
mentos primários de vias públicas em obras de órgãos da Prefei-
tura, entre os quais se destaca a SUDECAP — Superintendência de
Desenvolvimento da Capital.
Há, também, o exemplo do município de Ribeirão Preto, que,
com mais de 500 mil habitantes, produz cerca de 970 t/dia de
entulho. Sua usina de reciclagem de entulho, com capacidade de
reciclar 200 t/dia de material, entrou em operação no final de 1996.
Os agregados reciclados são produzidos sob a forma de bica cor-
rida e são destinados, em sua maioria, para recuperação de vias
públicas sem pavimentação asfáltica (Laterza, 1998).
Verifica-se, portanto, o grande potencial de utilização dos resí-
duos de construção civil na execução de camadas de pavimentos.
Esse potencial já é conhecido pelos gestores urbanos, sendo usu-
al, em várias cidades brasileiras, o lançamento de entulho bruto
para a regularização de camadas de vias periféricas e a manuten-
ção de condições mínimas de tráfego.
Apesar de as experiências realizadas em muitas cidades se mos-
trarem satisfatórias, as condições nas quais foram executadas e o

203
desempenho dos materiais utilizados apresentam variações signi-
ficativas, de acordo com cada região, o que indica a necessidade
de estudos regionais para a comprovação da viabilidade da utili-
zação do agregado reciclado ou do entulho bruto na execução de
pavimentos (Carneiro et al, 2000a).
EXPERIÊNCIA REALIZADA

EXPERIÊNCIA REALIZADA
USO DO AGREGADO RECICLADO DE
SALVADOR EM CAMADAS DE BASE
E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
Com a implantação, a partir de 1997, do projeto de gestão dife-
renciada do entulho de Salvador, promovido pela LIMPURB (apre-
sentado no capitulo IV), a partir da implantação da usina de reci-
clagem serão produzidos cerca de 200 t/dia de agregado reciclado.
Para viabilizar o uso desse material, foram desenvolvidos estu-
dos laboratoriais, pelo Projeto Entulho Bom, sobre o uso do agre-
gado reciclado de Salvador em pavimentos. Esses estudos buscam
contribuir para o aumento da oferta de pavimentação de vias ne-
cessárias à expansão urbana e à fundamentação do meio técnico /
empreiteiro a respeito dessa forma de reciclagem.
A avaliação da viabilidade do uso do agregado reciclado de Sal-
vador, em camadas de base e sub-base de pavimentos, consistiu na:
• determinação das características físicas dos solos e do agre-
gado reciclado de Salvador para utilização em base e sub-base
de pavimentos;
• avaliação das propriedades físicas e mecânicas dos materiais
produzidos;
• identificação das proporções mais adequadas dos materiais e
análise das diferentes situações em que é viável a utilização do
agregado reciclado de Salvador em pavimentação, de modo
que suas propriedades sejam maximizadas para esse uso.

204
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
MATERIAIS UTILIZADOS

EXPERIÊNCIA REALIZADA
Foram utilizados dois solos geneticamente distintos e típicos
da região de Salvador: um solo de comportamento laterítico, pro-
veniente da formação Barreiras, classificado pedologicamente
como latossolo amarelo de textura arenosa, e um solo de com-
portamento não laterítico, do horizonte pedológico C saprolítico,
de rocha metamórfica de fácil granulito.
Foi utilizado, também, entulho de Salvador reciclado (britado e
classificado) nas frações agregado reciclado miúdo (material pas-
sante na peneira 4,8 mm) e agregado reciclado graúdo (material
passante na peneira 19 mm).
As características e a classificação AASHTO — American Association
of State Transportation Highway Officials (1978) dos materiais
utilizados estão apresentados resumidamente, na Tabela 1.

TABELA 1 - CARACTERÍSTICAS DOS MATERIAIS UTILIZADOS

MÉTODO SOLO SOLO AG. REC. AG. REC.


PROPRIEDADES UNIDADE
UTILIZADO LATERÍTICO SAPROLÍTICO MIÚDO GRAÚDO

Pedregulho % 0 0 0 50
Análise Areia % 80 32 82 44
Granulométrica NBR 7181
Silte % 1 30 2 3
Argila % 19 38 16 3
Coeficiente de
permeabilidade
Hazen — — — — 2,22x10 -2

Classificação AASHTO / AASHTO /


HRB (Índice de grupo) HRB — A-2-4 (0) A-7-5 (15) A-2-4 (0) A-2-4 (0)

Limite de liquidez NBR 6459 % 20 62 NL —

Limite de plasticidade NBR 7180 % 5 42 NP —

Índice de plasticidade NBR 7180 % 15 20 — —

Equivalente de areia NBR 12052 % 14 2 68 —

Massa unitária NBR 7251 g/cm3 1,27 1,05 1,30 1,07

Massa específica dos sólidos NBR 6508 g/cm3 2,59 2,65 2,59 2,19

Abrasão Los Angeles NBR 6465 % — — — 45

205
O agregado reciclado miúdo e o agregado reciclado graúdo são
EXPERIÊNCIA REALIZADA

predominantemente constituídos de areia (grossa, média e fina)


e pedregulho, respectivamente, ambos apresentando baixos
percentuais granulométricos de argila e silte. Esse resultado
indica que o agregado reciclado apresenta-se como material ade-
quado para ser utilizado em base e sub-bases de pavimentos
(Carneiro et al, 2000b).
O agregado reciclado miúdo apresenta limites de consistên-
cia e equivalente de areia de acordo com as especificações da
NBR 11804. Devido à ausência de plasticidade, o agregado
reciclado apresenta comportamento adequado para a estabili-
zação de solos plásticos, como é o caso do solo saprolítico uti-
lizado neste trabalho. Suas características granulométricas e
seu coeficiente de permeabilidade também indicaram a possi-
bilidade de utilização desse material na execução de camadas
drenantes de pavimentos, ou em locais onde o lençol freático
é elevado.
O agregado reciclado graúdo apresentou 45% de desgaste no
ensaio de abrasão Los Angeles. Esse material atendeu às es-
pecificações da NBR 11804 para sub-base e base de pavimentos
(< 55%).
As proporções dos materiais adotadas neste estudo e apre-
sentadas na Tabela 2 foram definidas com o objetivo de anali-
sarem-se diferentes situações que permitam a utilização de agre-
gado reciclado na execução de camadas de base e sub-base.
As amostras que continham apenas solo (Am 0 e Am 1) servi-
ram de referência para a análise das demais amostras. Esse pro-
cedimento permitiu analisar e comparar o comportamento do
agregado reciclado, bem como o comportamento da sua mistu-
ra com dois solos típicos da região de Salvador.

206
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
TABELA 2 - PROPORÇÕES E MATERIAIS AVALIADOS

EXPERIÊNCIA REALIZADA
PROPORÇÃO EM MASSA DE
IDENTIFICAÇÃO DA AMOSTRA MATERIAIS
AG. REC. NA MISTURA (%)

Am 0 Solo Laterítico 0

Am 1 Solo Saprolítico 0

Am 2 Ag. Rec. Miúdo 100

Am 3 Ag. Rec. Graúdo 100

Am 4 Solo Laterítico / Ag. Rec. Miúdo 30

Am 5 Solo Laterítico / Ag. Rec. Miúdo 50

Am 6 Solo Laterítico / Ag. Rec. Miúdo 70

Am 7 Solo Saprolítico / Ag. Rec. Miúdo 30

Am 8 Solo Saprolítico / Ag. Rec. Miúdo 50

Am 9 Solo Saprolítico / Ag. Rec. Miúdo 70

Am 10 Solo Laterítico / Ag. Rec. Graúdo 70

Am 11 Solo Saprolítico / Ag. Rec. Graúdo 70



Am 12 Ag. Rec. Miúdo / Ag. Rec. Graúdo 70


proporção em massa de agregado reciclado graúdo na mistura

MÉTODOS DE AVALIAÇÃO
Os métodos utilizados para avaliação das propriedades dos
materiais foram baseados em normas técnicas da ABNT — Asso-
ciação Brasileira de Normas Técnicas, procedimentos consolida-
dos no meio técnico e métodos específicos para a análise dos
solos tropicais. Assim, a caracterização e a avaliação dos materiais
foram realizadas de acordo com o Método Tradicional e MCT.
A avaliação pelo método tradicional visou à análise das pro-
priedades dos materiais e à compreensão do seu comportamen-
to mecânico. Além dos ensaios de caracterização dos materiais,
foram realizados ensaios para avaliação das misturas estudadas:
distribuição granulométrica (NBR 7181), compactação na energia

207
intermediária (NBR 7182), Índice de Suporte Califórnia (NBR 9895)
EXPERIÊNCIA REALIZADA

e degradação (Macêdo; Lima; Costa, 1986).


A análise dos materiais realizada pelo método MCT teve por ob-
jetivo determinar a classificação geotécnica (Mini-MCV e ensaios
associados) e as propriedades mecânicas e hidráulicas (Mini-CBR
e ensaios associados) dos materiais utilizados, visando à avaliação
do seu uso em bases e sub-bases de pavimentos.
Para o método MCT, foram realizados ensaios com os solos
laterítico e saprolítico, com o agregado reciclado miúdo e com as
misturas constituídas de 50% de cada material (amostras Am 0,
Am 1, Am 2, Am 5 e Am 8). As misturas foram estudadas para aná-
lise e comparação das características e propriedades geotécnicas
obtidas pela junção desses materiais.
As atividades laboratoriais necessárias para o desenvolvimento
da pesquisa foram realizadas no laboratório de Geotecnia da Es-
cola Politécnica da UFBA e no Setor de Pesquisa Tecnológica do
Departamento de Infra-estrutura e Rodagens da Bahia (DERBA).
Foi realizada, ainda, a avaliação econômica preliminar da imple-
mentação dos processos de produção de bases e sub-bases de pa-
vimentos com utilização do agregado reciclado de Salvador. Essa
avaliação teve por objetivo analisar a viabilidade econômica dessa
forma de reciclagem e colaborar, assim, no desenvolvimento dos
processos de gestão de resíduos da construção civil.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS


MÉTODO TRADICIONAL
As curvas granulométricas das misturas dos dois solos estuda-
dos com o agregado reciclado miúdo não se enquadraram nas
faixas granulométricas especificadas pela NBR 11804 para pavi-
mentos produzidos com materiais convencionais (Figuras 1 e 2).

208
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
EXPERIÊNCIA REALIZADA
Material que passa (%)

Diâmetro (mm)
FIGURA 1
CURVAS GRANULOMÉTRICAS DO SOLO LATERÍTICO,
DO AGREGADO RECICLADO MIÚDO E SUAS MISTURAS
Material que passa (%)

Diâmetro (mm)
FIGURA 2
CURVAS GRANULOMÉTRICAS DO SOLO SAPROLÍTICO,
DO AGREGADO RECICLADO MIÚDO E SUAS MISTURAS

209
Contudo, a prática tem mostrado que, no caso de solo-agregado
EXPERIÊNCIA REALIZADA

que contém finos lateríticos, a deficiência granulométrica do ma-


terial fica compensada pela melhor qualidade das partículas finas
(Nogami & Villibor, 1995). Além disso, o agregado reciclado é um
material pouco estudado e com características diferentes dos agre-
gados naturais. Nesse sentido, as especificações desenvolvidas para
materiais tradicionais não devem ser consideradas como fatores
limitantes para utilização do material, e sim como referência para
a análise do desempenho desses insumos alternativos.
As curvas granulométricas das misturas contendo agregado
reciclado graúdo (Figura 3) apresentaram-se dentro do intervalo
das faixas granulométricas especificadas pela NBR 11804. Pode-se
perceber que os materiais estudados apresentam granulometria
contínua e as curvas não apresentaram patamares.
Material que passa (%)

Diâmetro (mm)
FIGURA 3
CURVAS GRANULOMÉTRICAS DO AGREGADO RECICLADO GRAÚDO
E SUAS MISTURAS COM OS SOLOS E O AGREGADO RECICLADO MIÚDO

210
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
Além disso, as misturas estudadas (com exceção da Am 1) aten-

EXPERIÊNCIA REALIZADA
deram à especificação da NBR 11804 relativa à quantidade de ma-
terial passante na peneira 0,075 mm ser inferior a 2/3 do material
passante na peneira 0,42 mm.
A umidade ótima das misturas que continham agregado
reciclado miúdo e solo laterítico tenderam a crescer na medida
em que houve o aumento da proporção de material reciclado na
dosagem. Esse comportamento, apresentado na Figura 4, pode
ser justificado pela alta absorção de água das partículas do agrega-
do reciclado. Conforme exposto no capítulo anterior, o agregado
reciclado miúdo apresentou 10,4% de absorção de água, enquan-
to que o agregado reciclado graúdo apresentou 8,2%.
Umidade Ótima (%)

Teor de ag. rec. miúdo da mistura (%)


FIGURA 4
UMIDADE ÓTIMA DOS SOLOS LATERÍTICO E SAPROLÍTICO E
DAS RESPECTIVAS MISTURAS COM AGREGADO RECICLADO MIÚDO

Nas misturas de agregado reciclado miúdo e solo saprolítico, o


comportamento foi inverso. Nesse caso, a redução da umidade
ótima pode ser atribuída ao decréscimo significativo de partículas
finas presentes na mistura, visto que o agregado reciclado apre-
senta partículas finas com melhor qualidade (não plásticas) e

211
menor quantidade que o solo saprolítico. Comparando-se, ainda,
EXPERIÊNCIA REALIZADA

as massas específicas secas máximas do solo saprolítico e suas


respectivas misturas, pode-se perceber que houve um ganho de
densificação até aproximadamente 70% de adição do agregado
reciclado miúdo, tendo um pequeno decréscimo a partir desse
referido ponto (Figura 5). As misturas contendo solo laterítico,
por sua vez, apresentaram tendência ao decréscimo nos valores
de massa específica seca máxima com o aumento da proporção
de agregado reciclado.
Máxima Seca (g/cm3)
Massa Específica

Teor de ag. rec. miúdo da mistura (%)


FIGURA 5
MASSA ESPECÍFICA MÁXIMA SECA DOS SOLOS LATERÍTICO E SAPROLÍTICO
E DAS RESPECTIVAS MISTURAS COM AGREGADO RECICLADO MIÚDO

Através da análise dos resultados de CBR obtidos para as mis-


turas de solo laterítico e saprolítico com agregado reciclado miú-
do (Figura 6), pode-se perceber que as misturas e materiais estu-
dados (com exceção da amostra Am 7) apresentaram-se adequadas
à utilização em sub-bases de pavimentos, visto terem sido obti-
dos valores de CBR acima de 20%, conforme a especificação da
NBR 11804.
Os valores de CBR obtidos para as misturas que continham solo
laterítico e agregado reciclado miúdo mostraram-se satisfatórios,

212
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
uma vez que todos se apresentaram acima de 60% (limite mínimo

EXPERIÊNCIA REALIZADA
exigido para bases de pavimentos de acordo com a NBR 11804).
Contudo, o aumento da proporção de agregado reciclado miúdo
nas misturas que continham solo laterítico mostrou uma tendên-
cia ao decréscimo desses valores de CBR. Essa redução pode ser
explicada pela diminuição da coesão das amostras, uma vez que
tanto o agregado reciclado miúdo quanto o solo laterítico são
materiais arenosos. As misturas que continham solo saprolítico,
por sua vez, aumentaram a resistência com o aumento da propor-
ção de agregado reciclado miúdo e passaram a apresentar valores
de CBR adequados às especificações da ABNT para bases de pavi-
mentos, a partir da adição de 70% de agregado reciclado.
CBR (%)

Teor de ag. rec. da mistura (%)


FIGURA 6
RESULTADOS DE CBR DOS SOLOS LATERÍTICO E SAPROLÍTICO E
DAS RESPECTIVAS MISTURAS COM AGREGADO RECICLADO MIÚDO

A expansão das misturas que continham solo saprolítico dimi-


nuiu significativamente à medida que se aumentou o teor de
agregado reciclado miúdo na mistura (Figura 7). Tem-se, portan-
to, que a adição de agregado reciclado miúdo ao solo saprolítico

213
utilizado neste trabalho melhora significativamente a estabilidade
EXPERIÊNCIA REALIZADA

do material. Além disso, a expansão das misturas que continham


solo laterítico e agregado reciclado miúdo foi praticamente nula,
confirmando a possibilidade de empregá-las em locais com
lençóis freáticos elevados.
Expansão (%)

Teor de ag. rec. da mistura (%)


FIGURA 7
RESULTADOS DE EXPANSÃO DOS SOLOS LATERÍTICO E SAPROLÍTICO E
DAS RESPECTIVAS MISTURAS COM AGREGADO RECICLADO MIÚDO

Adicionando-se agregado reciclado graúdo aos solos e ao agre-


gado reciclado miúdo, a maioria dos valores de umidade ótima e
CBR aumentaram (Tabela 3). A expansão nas misturas com agre-
gado reciclado graúdo se mostrou praticamente nula. Com base
nesses resultados, percebe-se o grande potencial de utilização do
agregado reciclado graúdo em pavimentos, visto que as misturas
se apresentaram adequadas à utilização em camadas de base
(com exceção da amostra Am 11) e sub-base (sem exceção).
Foram realizados ensaios de distribuição granulométrica antes
e após a compactação das amostras que continham agregado reci-
clado, com o objetivo de calcular o índice de degradação desse
material. Esse procedimento, baseado em Macêdo; Lima; Costa
(1986), tinha como objetivo analisar o comportamento do agregado

214
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
TABELA 3 - COMPARAÇÃO DOS RESULTADOS DAS MISTURAS

EXPERIÊNCIA REALIZADA
CONTENDO AGREGADO RECICLADO GRAÚDO

UMIDADE MASSA ESPECIF. CBR EXPANSÃO


AMOSTRA MATERIAIS
ÓTIMA (%) SECA (g/cm3) (%) (%)

Am 0 100% Solo Laterítico 9,3 1,83 114,6 0,14

30% Solo Laterítico /


Am 10 14,2 1,82 112,0 0
70% Ag. Rec. Graúdo

Am 1 100% Solo Saprolítico 22,0 1,38 25,5 5,69

30% Solo Saprolítico /


Am 11 25,8 1,52 50,7 0,65
70% Ag. Rec. Graúdo

Am 2 100% Ag. Rec. Miúdo 16,0 1,60 70,0 0

30% Ag. Rec. Miúdo /


Am 12 16,2 1,69 100,0 0
70% Ag. Rec. Graúdo

reciclado miúdo e graúdo em função do desgaste sofrido durante


a compactação, além de comparar as características granulo-
métricas das misturas analisadas, antes e depois do processo
de compactação.
As amostras que continham agregado reciclado miúdo não apre-
sentaram índice de degradação significativo (Tabela 4). Por sua vez,
TABELA 4 - ÍNDICE DE DEGRADAÇÃO DAS AMOSTRAS
CONTENDO AGREGADO RECICLADO

AMOSTRA MATERIAIS ÍNDICE DE DEGRADAÇÃO (%)

Am 2 Ag. Rec. Miúdo —

Am 4 Solo Laterítico / Ag. Rec. Miúdo —

Am 5 Solo Laterítico / Ag. Rec. Miúdo 1,0

Am 6 Solo Laterítico / Ag. Rec. Miúdo 0,4

Am 7 Solo Saprolítico / Ag. Rec. Miúdo 1,1

Am 8 Solo Saprolítico / Ag. Rec. Miúdo 1,3

Am 9 Solo Saprolítico / Ag. Rec. Miúdo —


 Ag. Rec. Graúdo 15,9
Am 3

Am 10 Solo Laterítico / Ag. Rec. Graúdo 9,9
 Solo Saprolítico / Ag. Rec. Graúdo
Am 11 11,0

Am 12 Ag. Rec. Miúdo / Ag. Rec. Graúdo 8,8

Amostra modificada: agregado reciclado graúdo com 92 % de material retido na peneira 4,8 mm

215
as amostras que continham agregado reciclado graúdo apresen-
EXPERIÊNCIA REALIZADA

taram valores altos nos índices de degradação, entre 8,8% e 15,9%.


É válido ressaltar que as amostras com agregado reciclado
graúdo, avaliadas nesse ensaio, foram compostas pelo material
retido na peneira 4,8 mm, ou seja, retirou-se a fração “areia” do
agregado reciclado graúdo. Esse procedimento contribui para
maximizar os resultados de degradação das misturas contendo
agregado reciclado graúdo.
Tem-se observado que os solos agregados, constituídos de pe-
dregulhos lateríticos e saprolíticos, que não satisfazem às condi-
ções impostas pelas especificações tradicionais, sobretudo no que
se refere à faixa granulométrica e à resistência dos grãos, têm apre-
sentado desempenho adequado para material de base de pavi-
mentos (Nogami & Villibor, 1995).
Os elevados índices de degradação das amostras com agrega-
do reciclado graúdo indicam a fragmentação parcial dos grãos
durante a compactação. Essa fragmentação pode ser percebida
analisando-se as curvas granulométricas das misturas com agre-
gado reciclado graúdo obtidas após a compactação (Figura 8),
que se apresentaram mais contínuas que as obtidas antes desse
procedimento. A quebra de grãos resultou numa mudança na
granulometria do material, possibilitando o aumento do grau de
entrosamento das partículas. O melhor entrosamento dos grãos
influi na coesão e resistência do material, melhorando as proprie-
dades da camada compactada.
MÉTODO MCT (MINIATURA, COMPACTADO, TROPICAL)
Os resultados obtidos nos ensaios de classificação geotécnica
MCT (Figura 9) confirmaram o comportamento laterítico das pro-
porções que continham esse solo (LA — areias com baixo teor de
finos lateríticos, permeáveis, com baixa coesão e pouco contrácteis,

216
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
EXPERIÊNCIA REALIZADA
A B
% que passa

% que passa
diâmetro (mm) diâmetro (mm)

C D
% que passa

% que passa

diâmetro (mm) diâmetro (mm)


FIGURA 8
CURVAS GRANULOMÉTRICAS OBTIDAS ANTES E APÓS A COMPACTAÇÃO
DAS AMOSTRAS CONTENDO AGREGADO RECICLADO GRAÚDO
A - 100% Ag. Rec. Graúdo (Am 3)
B - 30% Solo Laterítico / 70% Ag. Rec. Graúdo (Am 10)
C - 30% Solo Saprolítico / 70% Ag. Rec. Graúdo (Am 11)
D - 30% Ag. Rec. Miúdo / 70% Ag. Rec. Graúdo (Am 12)

mas com características adequadas para sua utilização em bases e


sub-bases de pavimentos). A mistura do agregado reciclado miú-
do com o solo laterítico apresentou coeficiente e’ superior ao da
proporção de 100% de solo laterítico, indicando que a adição de
agregado reciclado miúdo reduz o seu comportamento laterítico.
O solo saprolítico foi classificado como NS’ (solos silto-areno-
sos saprolíticos com baixa capacidade de suporte e elevada
expansibilidade). Esse tipo de material apresenta características

217
inadequadas para sua utilização em bases e sub-bases de pavimen-
EXPERIÊNCIA REALIZADA

tos (Nogami & Villibor, 1995).


A mistura que continha solo saprolítico e agregado reciclado miú-
do apresentou comportamento laterítico (LA). Tem-se, portanto,
que a adição de agregado reciclado ao solo saprolítico melhora as
características relativas à aplicação do material em pavimentos.
coeficiente e’

coeficiente c’
FIGURA 9
GRÁFICO DE CLASSIFICAÇÃO MCT CONTENDO A LOCALIZAÇÃO DOS MATERIAIS

Como esperado, a mistura que continha agregado reciclado mi-


údo e solo saprolítico apresentou maior valor de Mini-CBR (umida-
de de moldagem) que a mistura contendo apenas solo (Tabela 5).
As misturas que continham solo laterítico não apresentaram dife-
rença significativa de capacidade de suporte. Esse comportamento
mostra que a adição do agregado reciclado melhorou as proprie-
dades do material, no caso das misturas com solo saprolítico, e
não alterou significativamente suas propriedades, no caso das mis-
turas com solo laterítico, fato confirmado pelo método tradicional.
As amostras estudadas, com exceção da amostra Am 0 após
imersão, apresentaram-se adequadas à utilização em sub-bases de

218
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
pavimentos, visto que seus valores de Mini-CBR se mantiveram

EXPERIÊNCIA REALIZADA
iguais ou acima de 20%, como estabelecem as especificações para
essa camada de pavimento (NBR 11804). A adição de agregado
reciclado miúdo melhorou significativamente a capacidade de su-
porte após imersão do solo laterítico, possibilitando a utilização
desse material também em bases de pavimento (Mini-CBR > 60%).
O RIS, parâmetro que indica a perda de resistência dos materiais
após a imersão, permitiu comparar os valores de Mini-CBR obtidos
antes e após a saturação das amostras analisadas. Como espera-
do, o solo saprolítico apresentou significativa perda de resistência
(RIS em torno de 10%), enquanto que o solo laterítico apresentou RIS
próximo de 45%. Nota-se, ainda, que as misturas de solo laterítico
e saprolítico com o agregado reciclado miúdo (Am 5 e Am 8) apre-
sentaram RIS em torno de 80%, evidenciando a estabilidade do
material proporcionada pela presença do material reciclado.
A amostra constituída apenas de agregado reciclado miúdo
(Am 2), um material bastante arenoso, não se mostrou adequada
para a realização do ensaio de Mini-CBR. Portanto, não foi possível
comparar os valores de Mini-CBR obtidos para esse material com
os obtidos para as demais amostras.

TABELA 5 - MINI-CBR MÁXIMO DAS MISTURAS ESTUDADAS

MINI-CBR (%)
RIS
AMOSTRA MISTURAS
(%)
NA UMIDADE APÓS
DE MOLDAGEM IMERSÃO

Am 0 100% Solo Laterítico 80,5 35,4 43,97

50% Ag. Rec. Miúdo /


Am 5 50% Solo Laterítico
78,0 63,1 80,90

Am 1 100% Solo Saprolítico 33,9 3,5 10,32

Am 8 50% Ag. Rec. Miúdo /


46,0 38,5 83,70
50% Solo Saprolítico

219
AVALIAÇÃO ECONÔMICA
EXPERIÊNCIA REALIZADA

A avaliação de aspectos econômicos é de fundamental impor-


tância para promover a aceitação dessa forma de reciclagem do
entulho. Os aspectos tecnológicos, apresentados nos itens ante-
riores, comprovam que o agregado reciclado possui desempe-
nho adequado para utilização em camadas de pavimentos. Con-
tudo, a efetiva aplicação do material só será bem sucedida caso o
material apresente também competitividade no mercado.
Nesse sentido, foi realizada a avaliação preliminar dos aspectos
econômicos da utilização do agregado reciclado em base e sub-base
de pavimentos.
Comparou-se o custo de execução de pavimentos que utilizam
agregado reciclado com o daqueles que utilizam materiais conven-
cionais (solo, brita e brita graduada). A composição de custo foi basea-
da nas obras desenvolvidas pela Prefeitura de Salvador e expressa
em reais por metro cúbico de camada executada, pois a espessura
dos pavimentos varia em cada caso. As despesas com equipamen-
to, mão-de-obra e materiais foram cotadas no mercado de Salvador,
no período de abril / maio de 2000.
As camadas de base e sub-base produzidas com agregado reci-
clado apresentam custo de construção significativamente menor
que as camadas produzidas com brita graduada ou brita adiciona-
da ao solo (Figuras 10 e 11). Essa redução pode representar uma
economia entre 50% e 62% ao se utilizar o agregado reciclado em
substituição aos materiais convencionais.
Essa economia se deve ao menor preço do agregado reciclado (cerca
de R$ 11,00/m3), em relação à brita graduada (cerca de R$ 26,00/m3) e
brita (cerca de R$ 35,00/m3). Contribuem para essa redução de custo:
• a menor distância de transporte — a brita é produzida em
locais distantes do centro, enquanto que as usinas que irão
reciclar o entulho estão localizadas na área urbana;

220
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
• a simplicidade do processo de produção — a produção do agre-

EXPERIÊNCIA REALIZADA
gado natural utiliza explosivos no desmonte da rocha e neces-
sita de diversas etapas de britagem para reduzir o tamanho das
partículas; a reciclagem do entulho não utiliza explosivos, a sua
britagem é feita em uma única etapa e a produtividade (t/hora)
pode ser maior, pois parte do entulho bruto já se encontra
com granulometria reduzida.
Valor (R$/m3)

Proporção de agregado na mistura (%)


FIGURA 10
COMPARAÇÃO DE CUSTO POR M3 DE BASE DE PAVIMENTO
UTILIZANDO MATERIAL CONVENCIONAL E MATERIAL RECICLADO
MISTURADOS COM SOLO DO PRÓPRIO LOCAL
Valor (R$/m3)

Proporção de agregado na mistura (%)


FIGURA 11
COMPARAÇÃO DE CUSTO POR M3 DE SUB-BASE DE PAVIMENTO
UTILIZANDO MATERIAL CONVENCIONAL E MATERIAL RECICLADO
MISTURADOS COM SOLO DO PRÓPRIO LOCAL

221
Buscando compreenderem-se, efetivamente, os aspectos eco-
EXPERIÊNCIA REALIZADA

nômicos da reciclagem, deverão ser analisados, além dos custos


de execução, os custos de manutenção dos pavimentos. Deve-se
também acrescentar a essa análise as vantagens para a administra-
ção pública, pela redução dos custos de coleta, transporte e dis-
posição em aterro desse material com alto potencial de reciclagem.
A grande quantidade de entulho gerado tem reduzido significati-
vamente a vida útil dos aterros, e encontrar novas áreas para dis-
posição é uma tarefa cada vez mais difícil nos centros urbanos.
Além disso, a reciclagem de um resíduo que causa tantos pro-
blemas ao meio ambiente urbano contribui para a redução de
impactos ambientais e sociais tais como a degradação das áreas
de extração de matéria prima natural, o esgotamento de jazidas, o
consumo de combustíveis fosseis e a geração de poluição na pro-
dução e transporte dos materiais, além dos problemas causados
pela destinação inadequada dos resíduos de construção e demo-
lição (alagamentos, deslizamentos de encostas, proliferação de
vetores de doenças, entre outros). Esses impactos têm um custo
para a sociedade, nem sempre mensurado, mas que deve ser con-
siderado ao se fazer uma análise global dos aspectos econômicos
da reciclagem do entulho.
Estudos realizados em outras cidades também têm demonstra-
do que essa forma de reciclagem possibilita economia significa-
tiva à Prefeitura na execução de pavimentos (Pinto, 1997). Entre-
tanto, deve-se evitar a generalização dos resultados, uma vez que
os fatores que mais influem no custo (produção e distância de
transporte dos materiais, qualidade do solo, entre outros) variam
em cada caso.
Nos casos em que a utilização de agregado reciclado em pavi-
mentação não for economicamente atrativa aos empresários, a

222
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
administração pública deverá fazer uma análise dos custos de

EXPERIÊNCIA REALIZADA
gestão desse resíduo e avaliar as vantagens econômicas que a
reciclagem do entulho poderá proporcionar. Quando for o caso,
poderá introduzir benefícios fiscais para fomentar essa forma
de reciclagem.

CONCLUSÃO
Os resultados obtidos comprovaram que o agregado reciclado
de Salvador, tanto na fração miúda quanto na graúda, apresentou-
se como material adequado para execução de bases e sub-bases
de pavimentos.
As misturas contendo solo laterítico, como era de se esperar, não
apresentaram ganhos de resistência com a adição de agregado re-
ciclado. Já para o solo saprolítico, que apresenta baixa capacidade
de suporte, houve significativos ganhos de resistência e redução de
expansão ao se adicionar o agregado reciclado. Portanto, o material
reciclado apresentou-se como um estabilizador de solos plásticos,
como é caso do solo saprolítico utilizado no Projeto Entulho Bom.
Além disso, o agregado reciclado graúdo apresentou abrasão
Los Angeles inferior ao limite especificado na NBR 11804 e o agre-
gado reciclado miúdo apresentou limites de consistência e equi-
valente de areia de acordo com as especificações dessa norma. As
amostras com teor de agregado reciclado igual ou superior a 70%
(exceto Am 11) apresentaram desempenho adequado, tanto para
base quanto para sub-base de pavimentos. Apesar de algumas amos-
tras com agregado reciclado miúdo não se enquadrarem nas faixas
granulométricas especificadas na NBR 11804, e as amostras com
agregado reciclado graúdo apresentarem índice de degradação
elevado, esses fatores não devem ser considerados como limitantes

223
para a utilização do material, e sim como referência para a análise
do desempenho desses insumos alternativos.
A análise dos resultados obtidos pelo método MCT indicou uma
melhoria significativa do desempenho do material com a adição
do agregado reciclado miúdo ao solo saprolítico e a pouca influên-
cia ao adicioná-lo ao solo laterítico, confirmando, portanto, as
análises realizadas pelo método tradicional.
Estudos realizados em outras cidades também verificaram o bom
desempenho dessa matéria-prima alternativa em camadas de
pavimentos. Contudo, compreende-se a importância da reali-
zação de estudos específicos para os materiais regionais, visto que
tanto o solo quanto o agregado reciclado possuem características
próprias, que podem variar de acordo com cada região e, por-
tanto, as experiências realizadas em outras localidades não
podem ser generalizadas.
A execução de um pavimento experimental e de ensaios de
durabilidade é de significativa importância para se analisar o com-
portamento, em longo prazo, do uso do agregado reciclado em
pavimentos. Nesse sentido, torna-se fundamental a execução de
trechos de pavimentos-piloto em Salvador, buscando monitorar
propriedades relevantes e avaliar o desempenho do material em
condições de uso e ao longo do tempo.
O uso do agregado reciclado nas camadas de base e sub-base
pode proporcionar, ainda, uma economia significativa nos custos
de execução do pavimento, quando comparados com os de ma-
teriais convencionais.
A utilização do agregado reciclado em pavimentos pode apre-
sentar vantagens tanto em relação a aspectos técnico-econômicos,
quanto em relação a questões ambientais e sociais. Essa forma
de reciclagem do entulho contribui para o desenvolvimento

224
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
sustentável local, reduzindo a extração de matérias-primas não-
renováveis, otimizando o uso dos aterros e contribuindo para
aumentar a oferta de infra-estrutura urbana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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226
USO DO AGREGADO RECICLADO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE DE PAVIMENTOS
1
NORMAS TÉCNICAS CITADAS

NBR 6459 - Solo: determinação do limite de liquidez: método de ensaio.


1984.
NBR 6465 - Agregado graúdo: determinação da abrasão Los Angeles:
método de ensaio. 1984.
NBR 6508 - Grãos de solos que passam na peneira de 4,8 mm: determinação
da massa específica: método de ensaio. 1984.
NBR 7180 - Solo: determinação do limite de plasticidade: método de
ensaio. 1984.
NBR 7181 - Solo: análise granulométrica: método de ensaio. 1984.
NBR 7182 - Solo: ensaio de compactação: método de ensaio. 1982.
NBR 7251 - Agregado em estado solto: determinação da massa unitária:
método de ensaio. 1982.
NBR 9895 - Solo: índice de Suporte Califórnia: método de ensaio. 1987.
NBR 11804 - Materiais para sub-base ou base de pavimentos estabiliza-
dos granulometricamente: especificação. 1991.
NBR 12052 - Solo ou agregado miúdo: determinação de equivalente de
areia: método de ensaio. 1992.
1
Publicação ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, Rio de Janeiro.

Alex Pires Carneiro - Engenheiro Civil, Mestrando em Engenharia Ambiental Urbana - UFBA,
Coordenador do Projeto Entulho Bom

Paulo César Burgos - Engenheiro Civil, Mestre em Geotecnia - USP, Pesquisador do Laboratório
de Geotecnia, Escola Politécnica, UFBA

Elaine Pinto Varela Alberte - Estudante de Engenharia Civil - UFBA, Pesquisadora do Projeto
Entulho Bom

227
CAPÍTULO VII
228
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
USO DO AGREGADO
RECICLADO EM TIJOLOS
DE SOLO ESTABILIZADO
COM CIMENTO

Célia Maria Martins Neves


Alex Pires Carneiro
Dayana Bastos Costa

229
No Brasil, o atendimento às necessidades mínimas de habita-
ção para as camadas de mais baixa renda ainda não foi equacio-
nado. A enorme demanda por moradias, no País, exige a constru-
ção de aproximadamente 6 milhões de unidades, sendo a maioria
destinada a famílias com renda mensal inferior a cinco salários-
mínimos ( Watanabe, 2000). Apesar do esforço do Governo, a de-
manda por moradias populares continua crescendo, com veloci-
dade superior à capacidade de produção de novas unidades.
Alguns fatos incontestáveis, relativos à estruturação da política
habitacional, são apontados por Maffei (1992):
• cidades com mais de 5 milhões de habitantes apresentam graves
problemas de ordem econômica, administrativa e humana;
• a propriedade privada da terra urbana é fonte permanente
de especulação imobiliária;
• poucos são os planos de construção em massa de moradias
populares sem um forte subsídio do Estado;
• cada indivíduo necessita de, no mínimo, 10 m2 como espaço
interno útil para habitar.
A questão da habitação popular, no Brasil, exige soluções compa-
tíveis com a situação socioeconômica. Essas podem ser efetivadas
pelo emprego de tecnologias alternativas, que utilizem matérias-
primas naturais, renováveis ou não, e também resíduos sólidos
industriais e urbanos, abundantes na região (Calmon et al., 1998).
Programas para produção de habitações destinadas às popula-
ções de menor poder aquisitivo são realizados na maioria dos países
em desenvolvimento, notadamente nos do continente africano e da
América Latina. Esses programas geralmente adotam alternativas tec-
nológicas de menor custo, bem como regimes de auto-construção
ou de ajuda mútua, e são efetivados por iniciativas governamentais
associadas ou não à participação de entidades comunitárias.

230
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
Na década de 70, particularmente na sua segunda metade,
começaram a ser realizadas, no Brasil, diversas pesquisas e
experiências, na tentativa de viabilizar, do ponto de vista técnico e
econômico, a implantação de alternativas tecnológicas de me-
nor custo para produção de moradias populares (Centro de
Pesquisas e Desenvolvimento, CEPED , 1984; Instituto de
Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, IPT, 1985;
Neves, 1989).
Dentre essas tecnologias, a produção de habitações populares
de tijolos de solo estabilizado foi uma das alternativas mais
freqüentemente adotadas, devido à facilidade de fabricação
desse componente e de execução da alvenaria, notadamente por
seu baixo custo (Banco Nacional da Habitação, 1985). Deve-se
ressaltar que o custo de fundações, paredes e piso da habi-
tação popular chega a alcançar 50% do custo da edificação
(Neves, 1988).
Outra vantagem do tijolo de solo estabilizado é a possibilida-
de de incorporar outros materiais na sua fabricação, de modo a
aproveitar recursos abundantes na região, como, por exemplo,
na área urbana, o agregado produzido com entulho reciclado, e
que também podem contribuir para a melhoria das caracterís-
ticas do produto.
O entulho, constituído de fragmentos ou restos de tijolos, con-
cretos, argamassas, madeiras e outros materiais usados na execu-
ção de obras de construção, é classificado como material inerte
segundo a NBR 10004, pois não apresenta risco de contaminação
para a saúde pública e para o meio ambiente, desde que sua desti-
nação seja adequada. Devidamente reciclado, o produto resultante
apresenta propriedades físicas e químicas apropriadas para seu em-
prego como material de construção de edificações (Pinto, 1997).

231
Vale ressaltar, no entanto, que o entulho apresenta características
variáveis, que dependem do tipo de obra, das técnicas construti-
vas, da fase em que se encontra a obra, das características socio-
econômicas da região, entre outros fatores.
O aproveitamento do entulho pelo setor que o gerou, a constru-
ção civil, facilita sua reciclagem, contribui para minimizar os efei-
tos prejudiciais dos descartes irregulares em cursos d’água ou vias
públicas e do esgotamento das áreas destinadas à sua deposição
(Pinto, 1997).
O agregado reciclado pode ser utilizado para produzir materiais
de construção mais baratos e de qualidade. Conforme apresenta-
do no Capítulo V, as aplicações mais indicadas para o agregado
reciclado incluem os materiais para base e sub-base de pavimentos,
aterros, agregados para concreto e argamassa, além de matéria-
prima para produção de tijolos e blocos.
O uso do agregado reciclado em tijolos de solo estabilizado
com cimento é também uma das soluções em que o entulho é
aproveitado pelo próprio setor que o produz e contribui tanto
para minimizar impactos ambientais como para reduzir o custo
da alvenaria. Contudo, para utilização como matéria-prima em
substituição à tradicional, é necessário que os resíduos apre-
sentem desempenho compatível com a sua aplicação.
Nesse sentido, o Projeto Entulho Bom investigou a utilização
do agregado reciclado de Salvador em tijolos prensados, com subs-
tituição total ou parcial do solo. Selecionou solos, elaborou traços,
fabricou tijolos e analisou propriedades físicas e mecânicas, de
modo a avaliar seu desempenho na alvenaria.

232
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
USO DO SOLO COMO MATERIAL DE CONSTRUÇÃO
O uso do solo como material de construção pode ser distin-
guido em dois níveis: por um lado, pela utilização em sistemas
construtivos mais simples e de menor custo, gerados pela carên-
cia em que vivem algumas populações; por outro lado, pelo uso
de técnicas inovadoras, incentivadas pelas investigações nas uni-
versidades e instituições de pesquisas e caracterizadas pela sim-
plicidade, eficácia e baixo custo (Neves, 1993).
Segundo o Manual de Construção de Solo-Cimento (CEPED,
1984), o solo pode ser utilizado, basicamente, de dois modos:
• embebido em água, constituindo uma massa de consistência
plástica ou “argamassa de solo”;
• constituindo uma mistura úmida, compactada ou prensada,
de solo e água.
O solo embebido em água possui porosidade elevada, devido
à evaporação da água adicionada na preparação da massa. Além
disso, o mecanismo de evaporação pode provocar tensões capila-
res de retração no material, resultando em trincas que aceleram
sua deterioração.
Quando o solo é compactado ou prensado, sua umidade é muito
inferior à empregada para a massa plástica. Essa umidade, cha-
mada umidade ótima, varia para cada tipo de solo e caracteriza
as condições em que se pode obter melhor compactação (maior
massa específica). No solo compactado, devido à menor umida-
de, são menores a porosidade e os efeitos de retração, o que o
caracteriza como um material mais durável e de maior resis-
tência mecânica.
Ainda de acordo com o Manual de Construção de Solo-Cimento
(CEPED, 1984), em ambos os casos de utilização do solo, as proprie-
dades mecânicas e de permeabilidade podem ser melhoradas

233
significativamente pela adição de pequenas porcentagens de pro-
dutos estabilizadores. Desse modo, a mistura de pedaços de pa-
lha ou fibras reduz acentuadamente o efeito de retração por seca-
gem da massa plástica. A adição de óleos vegetais ou animais e
emulsões asfálticas, tanto na massa plástica como no solo
compactado, tem o efeito de aumentar significativamente a sua
impermeabilidade, melhorando as condições de durabilidade. A
mistura de cimento e/ou cal pode produzir aumentos considerá-
veis da resistência mecânica.
As reações que envolvem as mudanças de propriedades dos
solos por adição de cimento e/ou cal ainda não são plenamente
conhecidas. Sabe-se que, na fração arenosa do solo, a ação de
cimentação é a mesma que se processa nos concretos, desenvol-
vendo vínculos de coesão nos pontos de contato com os grãos.
Nos solos argilosos, há também reações entre a superfície dos
grãos de argila e a cal liberada na hidratação do cimento. Os prin-
cipais fatores que irão intervir nas características finais do solo
estabilizado correspondem ao teor de aglomerante, à natureza
do solo e à compacidade da mistura.
Quando o solo não apresenta propriedades adequadas para seu
uso na construção, pode-se melhorar suas características com a
adição de outro solo ou material, como, por exemplo, o agregado
produzido a partir de entulho. Por suas características de material
inerte, o agregado reciclado pode contribuir significativamente
na correção granulométrica do solo.

234
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
TIJOLOS E BLOCOS DE SOLO ESTABILIZADO
Os tijolos e blocos de solo estabilizado são produzidos com o
material obtido pela mistura de solo, aglomerante (cimento ou
cal) e água, que, após compactada ou prensada em moldes espe-
cíficos, ganha resistência e durabilidade suficientes para diversas
aplicações, especialmente para a execução de alvenarias.
Os tijolos de solo estabilizado podem ser usados em qualquer
tipo de construção, para substituir os blocos cerâmicos convencio-
nais, seja em alvenaria simples de vedação, ou alvenaria estru-
tural, desde que atendam às resistências estabelecidas no projeto
(Carvalho & Poroca, 1995). As paredes tanto podem ser aparentes
como revestidas, podendo receber diversos tipos de pintura ou
revestimento cerâmico.
O sistema construtivo da parede é semelhante ao da alvenaria
convencional, sendo necessário apenas identificar as argamassas
de assentamento e revestimento mais adequadas às caracterís-
ticas do componente. Segundo Carvalho & Poroca (1995), as
paredes construídas com tijolos de solo estabilizado apresen-
tam comportamento térmico e durabilidade equivalentes às
construídas com blocos cerâmicos. Os critérios de projeto devem
ser iguais àqueles aplicados ao material tradicional, com os
cuidados e serviços de manutenção semelhantes aos de alvena-
ria convencional.
O processo de fabricação de tijolos e blocos de solo estabilizado
é bastante simples e adequado aos sistemas de produção automati-
zada. Utiliza-se um dispositivo mecânico com sistema de alavanca
para prensagem. O princípio fundamental desse equipamento con-
siste em submeter a mistura de solo, cimento e água a pressões
elevadas dentro de moldes metálicos, o que resulta em tijolos com
formas e dimensões desejadas.

235
Após pequeno período de cura, o tijolo fabricado apresenta
resistência à compressão similar à de bloco cerâmico, sendo sua
resistência tanto mais elevada quanto maior for a quantidade de
aglomerante empregada. No entanto, esse consumo deve ser
limitado a um teor ideal, que confira ao tijolo a resistência neces-
sária com o menor custo.
Entre as vantagens que apresentam os tijolos de solo estabiliza-
do, podem-se destacar (Associação Brasileira de Cimento Portland,
ABCP, 1988):
• utilização de solo do próprio local, reduzindo ou eliminando
o custo do transporte;
• manutenção da regularidade de suas formas com faces bastante
lisas e planas, implicando menor consumo da argamassa de
assentamento e revestimento;
• dispensa do revestimento do tijolo, quando a parede estiver
devidamente protegida da ação direta da água;
• redução do consumo de energia e, conseqüentemente, de
danos ambientais, por não ser necessário o cozimento
do tijolo.
Carvalho & Poroca (1995) ressaltam, também, que o processo de
moldagem em prensa permite, além da regularidade dimensional,
obter encaixes que podem reduzir o consumo de argamassa de
assentamento e proporcionar sistemas construtivos mais simples.

FABRICAÇÃO DE TIJOLOS E
BLOCOS DE SOLO ESTABILIZADO
O processo de fabricação do componente da alvenaria —
tijolos e blocos de solo estabilizado — corresponde, basicamente,
às etapas apresentadas na Figura 1 (ABCP, 1988):

236
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
PREPARAÇÃO DO SOLO
Consiste em destorroar e peneirar, se
necessário, o solo seco. A secagem deve
ser feita ao ar livre. Recomenda-se usar
peneira com abertura de malha da ordem
de 5 mm.


PREPARO DA MISTURA
Adiciona-se o cimento ao solo preparado,
na proporção previamente estabelecida.
Misturam-se os materiais secos, até obter-
se coloração uniforme; adiciona-se água
aos poucos, até que a mistura atinja a
umidade adequada para sua prensagem.

MOLDAGEM DE TIJOLOS E BLOCOS


Coloca-se a mistura no equipamento e➥
procede-se à prensagem e à extração do
tijolo ou do bloco, transportando-o em
bandeja e acomodando-o numa superfície
plana e lisa, em área protegida do sol, do
vento e da chuva.

CURA E ARMAZENAMENTO
Após 6 horas de moldados e durante os 7
primeiros dias, os componentes devem
ser mantidos úmidos por meio de mo-
lhagens sucessivas; os tijolos ou blocos
podem ser acomodados em pilhas de
até 1,5 metro de altura.

FIGURA 1 - ETAPAS DO PROCESSO DE FABRICAÇÃO DOS TIJOLOS E


BLOCOS DE SOLO ESTABILIZADO

237
A mistura de solos ou adição de outros materiais, como o agregado
reciclado, por exemplo, deve ser feita na etapa de preparação do solo.
A mistura dos materiais pode ser manual — pá e enxada — ou
mecânica, com equipamentos apropriados, em geral um mistu-
rador forçado de eixo vertical. Para solos muitos arenosos, com
teor de areia da ordem de 80%, pode-se utilizar a betoneira de
eixo inclinado com relativo sucesso. A quantidade a ser preparada
é determinada em função da capacidade de produção do equipa-
mento de prensagem. A publicação Fabricação de tijolos de solo-
cimento com a utilização de prensas manuais (ABCP, 1988)
recomenda dimensionar o volume da mistura numa quantidade
suficiente para a produção de tijolos ou blocos durante 1 hora de
funcionamento da prensa.
A umidade de conformação dos componentes está diretamen-
te relacionada com as características do solo ou da mistura utiliza-
da. Essa umidade pode ser determinada em laboratório, através
do ensaio de compactação, realizado de acordo com a NBR 7182.
No processo de fabricação, a umidade de conformação dos com-
ponentes pode ser verificada, com razoável precisão, da seguinte
forma (ABCP, 1988):
• toma-se uma porção da mistura e aperta-se fortemente entre os
dedos e a palma da mão; ao abrir a mão, o “bolo” deve ter a
marca deixada pelos dedos; se isso não ocorrer, a mistura está
muito seca;
• deixa-se o “bolo” cair de uma altura aproximada de um metro,
sobre uma superfície dura, de modo que deverá esfarelar-se
ao chocar-se com a superfície; se isso não ocorrer, a mistura
está muito úmida.
Os tijolos e blocos de solo-cimento devem ser utilizados dentro de,
no mínimo, 14 dias após a sua fabricação (NBR 10832; NBR 10833).

238
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
EQUIPAMENTOS DE FABRICAÇÃO DE TIJOLOS E BLOCOS
Os tijolos e blocos de solo estabilizado são moldados por
prensagem, em equipamentos com moldes, cujo formato possi-
bilite produzir componentes de formas e dimensões variadas. A
maquinaria disponível para sua fabricação é diversa e pode atender
às necessidades de produção para edificações de diferentes portes.
Podem ser utilizados desde um simples equipamento de prensa-
gem até complexas unidades de produção industrial — que englo-
bam pulverizador de solo, peneirador, misturador, dosador, prensa
e outros acessórios. O dimensionamento da maquinaria está relacio-
nado com a dimensão, produtividade e custo do empreendimento.
As prensas podem ser operadas manualmente ou com auxílio
de motor, que aciona um mecanismo, mecânico ou hidráulico, de
prensagem. Ferraz Junior (1995) apresenta um interessante estu-
do sobre as prensas disponíveis no mercado, ressaltando suas
principais características. A Tabela 1 apresenta a produtividade e a
energia de compactação das prensas estudadas.

TABELA 1 - PRODUTIVIDADE DAS PRENSAS PARA COMPONENTES DE


SOLO ESTABILIZADO

ENERGIA DE TAXA DE
PRODUÇÃO
TIPO DE PRENSA COMPACTAÇÃO COMPACTAÇÃO
 (tijolos/dia)
(MPa) DO SOLO

Mecânica 1,5 - 2,0 1,38 300 a 1.200


Manual
Hidráulica 2,0 - 10,0 1,65 2.000 a 2.800

Mecânica 4,0 - 24,0 > 1,65 1.600 a 12.000


Motorizada
Hidráulica > 20,0 > 2,00 —


corresponde à relação entre os volumes da mistura em estado solto e em estado compactado,
sendo proporcional à energia de compactação.

239
As prensas manuais geralmente requerem baixo capital para
sua aquisição e manutenção, além de serem leves, pequenas, fáceis
de usar e sem obviamente os custos inerentes ao consumo de ener-
gia. A baixa taxa de compactação, principalmente da prensa manual
mecânica, exige cuidados especiais na seleção e no preparo do solo,
para que os tijolos produzidos apresentem resistência à compressão
especificada pela norma.
Ferraz Junior (1995) ressalta que a taxa de produção real das
prensas manuais pode se diferenciar da taxa de produção nominal
fornecida pelos fabricantes, devido ao esforço necessário para sua
operação, ao longo de um turno completo de trabalho. Um sistema
eficiente de rodízio, na equipe de trabalho, pode evitar a queda
gradual de produtividade e eventuais prejuízos na qualidade do
componente produzido.
A instalação de pistão hidráulico na prensa aumenta significati-
vamente sua energia de compactação e diminui o esforço físico para
operá-la. Permite ainda obter componentes com melhor uniformida-
de dimensional, mais compactos e com maior resistência mecânica.
Nas prensas motorizadas, também denominadas automáticas,
a produtividade pode ser aumentada pelo acoplamento de um
sistema rotatório com moldes múltiplos, ao invés de uma plata-
forma fixa com moldes individuais (Ferraz Junior, 1995).
Alguns modelos possuem um dispositivo acoplado à prensa,
que realiza testes de resistência à compressão, para o controle de
qualidade dos tijolos produzidos.
Outro interessante estudo sobre equipamentos para produ-
ção desses tijolos e blocos foi realizado durante o desenvolvi-
mento do “tijolito”, bloco intertravado de solo-cimento, pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e a Construto-
ra Andrade Gutierrez S. A., visando à fabricação de blocos com

240
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
detalhes especiais, de modo a permitir a eliminação da argamassa
de assentamento (Assis, 1995). Foram projetadas e construídas
prensas manuais, pneumáticas e hidráulicas, para produção simul-
tânea de 1 a 3 componentes, com seção de 10 cm x 20 cm e com
carga de prensagem variando de 75 kN até 600 kN, o que equivale
a uma energia de compactação que varia de 1,5 MPa a 30 MPa.
Estudando a eficiência — definida como relação entre a produ-
ção do equipamento e seu custo —, Assis (1995) demonstra que
as prensas manuais são de menor eficiência, seguidas das pneu-
máticas, sendo de maior eficiência as hidráulicas. Os equipamentos
pneumáticos apresentaram desvantagens em relação aos hidrá-
ulicos, devido à elevada perda de energia e a limitações na carga de
prensagem. Outra observação importante de Assis (1995) refere-se
ao baixo custo da prensa em relação ao total do investimento, prin-
cipalmente para um sistema industrializado, com uso de equipa-
mentos para o preparo da mistura, cura e controle de qualidade.
As prensas que possuem pistão compactador em apenas um sen-
tido devem ser utilizadas basicamente para a produção de tijolos com
altura máxima da ordem de 8 cm. Acima desse valor e até a altura de
20 cm, são necessárias prensas com duplo sentido de compactação
(ABCP, 1989). Essa limitação não se deve à energia de compactação
do equipamento, mas à propriedade de compactação do solo.
A escolha do equipamento de prensagem deve ser apropriada
ao empreendimento e deve considerar, entre outros aspectos, a
produção desejada e o grau de automatização possível em relação
ao investimento. Programas habitacionais realizados (Neves, 1989)
comprovam que a técnica da produção de tijolos que utiliza siste-
mas manuais ou automatizados é muito simples e de fácil assimi-
lação pelos operadores, tanto em regime de mutirão como por
administração direta.

241
CRITÉRIOS PARA SELEÇÃO DE SOLO E
DOSAGEM DE TRAÇO
O solo é o elemento que entra em maior proporção na mistu-
ra, devendo ser selecionado de modo a permitir o uso da menor
quantidade possível de estabilizante. Segundo a NBR 10832 e a
NBR 10833, os solos adequados para a fabricação de tijolos e blo-
cos de solo-cimento são os que possuem as características apre-
sentadas na Tabela 2.

TABELA 2 - CRITÉRIOS PARA SELEÇÃO DE SOLOS

CARACTERÍSTICA REQUISITOS (%)

% passando na peneira ABNT 4,8 mm (nº 4) 100

% passando na peneira ABNT 0,075 mm (nº 200) 10 a 50

Limite de liquidez ≤ 45

Limite de plasticidade ≤ 18

Os limites de consistência (liquidez e plasticidade) são as variá-


veis que melhor expressam as condições de trabalhabilidade do
solo. O aumento dos valores desses limites gera maior dificuldade
no destorroamento, mistura e secagem (CEPED, 1984).
Quanto à granulometria, os solos mais adequados para estabili-
zação com cimento são os arenosos. Embora existam solos sem
uma distribuição granulométrica que permita a produção de tijo-
los, existe a possibilidade de misturá-los a outros solos para ob-
tenção de uma mistura de granulometria adequada (ABCP, 1988).
O Manual de Construção de Solo-Cimento (CEPED, 1984) co-
menta que o consumo de cimento depende fundamentalmente

242
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
do tamanho dos grãos e da sua uniformidade. O acréscimo de
silte e argila, ou a ocorrência de grãos muito uniformes, acarreta
um aumento no consumo de cimento. Por outro lado, a existên-
cia de grãos maiores, areia grossa e pedregulho é benéfica, pois
tais componentes atuam como enchimento, favorecendo a
liberação de uma maior quantidade de cimento para ligar os
grão menores.
Ainda segundo o CEPED (1984), os solos devem ter um teor
mínimo da fração fina, pois a resistência inicial do solo estabilizado
é devida à coesão da fração fina compactada, uma vez que ainda
não se processaram as reações de endurecimento do cimento. Essa
resistência permite desmoldagem e manuseio do solo estabilizado
após prensagem. Além disso, não devem ser utilizados solos que
contenham matéria orgânica, pois essa pode interferir na hidrata-
ção do cimento.
A publicação Fabricação de tijolos de solo-cimento com a utiliza-
ção de prensas manuais (ABCP, 1988) recomenda, para a escolha
do traço mais adequado, moldar tijolos com proporções, em vo-
lume, de cimento e solo de 1:10, 1:12 e 1:14. A proporção adotada
da mistura para a fabricação dos tijolos será a que apresentar menor
consumo de cimento e que atender aos critérios de resistência à
compressão e absorção de água estabelecidos pela NBR 8491.

REQUISITOS PARA CONTROLE DE QUALIDADE


Deve-se assegurar que os tijolos e blocos de solo estabilizado
apresentem características adequadas para seu uso em fundações
e paredes de edificações. Nesse sentido, além das diversas reco-
mendações resultantes de projetos de pesquisas desenvolvidos,
apresentadas em publicações variadas, estão disponíveis documen-

243
tos que estabelecem requisitos para avaliação dos componentes
produzidos. Buscando estabelecer procedimentos de ensaios e
critérios para produção de tijolos e blocos de solo-cimento, a ABNT,
Associação Brasileira de Normas Técnicas, publicou as seguintes
normas técnicas:
• NBR 8491 — Tijolo maciço de solo-cimento. Especificação.
• NBR 8492 — Tijolo maciço de solo-cimento — Determinação
da resistência à compressão e da absorção de água. Método
de ensaio.
• NBR 10832 — Fabricação de tijolo maciço de solo-cimento
com a utilização de prensa manual. Procedimento.
• NBR 10833 — Fabricação de tijolo maciço e bloco vazado
de solo-cimento com a utilização de prensa hidráulica.
Procedimento.
• NBR 10834 — Bloco vazado de solo-cimento sem função
estrutural. Especificação.
• NBR 10835 — Bloco vazado de solo-cimento sem função
estrutural — Forma e dimensões. Padronização.
• NBR 10836 — Bloco vazado de solo-cimento sem função
estrutural — Determinação da resistência à compressão e da
absorção de água. Método de ensaio.
Para qualificar o tijolo de solo-cimento, a NBR 8491 estabelece a
verificação das suas características em pelo menos treze amostras,
retiradas aleatoriamente em lotes de 10000 a 25000 tijolos. Os
critérios estabelecidos para o controle de qualidade de tijolos de
solo-cimento estão apresentados na Tabela 3.
Esses limites, especificados para o tijolo de solo-cimento, ge-
ralmente são adotados também para avaliação de tijolos de solo
estabilizado, independentemente do tipo de aglomerante ou
material utilizado em substituição ao solo.

244
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
TABELA 3 - LIMITES ESPECIFICADOS PARA TIJOLOS DE SOLO-CIMENTO

CARACTERÍSTICA Nº AMOSTRA EXIGÊNCIA NBR 8491

Variação dimensional — + 3 mm
-

valor médio ≥ 2,0 Mpa


Resistência à compressão 10
valor individual ≥ 1,7 Mpa
valor médio ≤ 20 %
Absorção de água 3
valor individual ≤ 22 %

EXPERIÊNCIA REALIZADA

EXPERIÊNCIA REALIZADA
USO DO AGREGADO RECICLADO DE
SALVADOR EM TIJOLOS DE SOLO-CIMENTO
O estudo sobre a utilização do agregado reciclado de Salvador
em tijolos de solo-cimento, desenvolvido pelo Projeto Entulho
Bom, busca contribuir para o atendimento à crescente deman-
da de habitação popular, através da implantação de uma al-
ternativa tecnológica apropriada ao meio urbano, além de
reduzir o impacto ambiental gerado pela própria indústria da
construção civil.
A metodologia adotada consistiu em selecionar um solo, identi-
ficar a proporção adequada de cimento para a fabricação do tijolo
de solo-cimento e, substituindo o solo por proporções variadas
de agregado reciclado, determinar a propriedade física, mecânica
e de durabilidade dos tijolos produzidos.
Para determinação do traço seguiu-se o procedimento indicado
na NBR 10823. Foram adotados traços com teores de 10%, 12% e
14% de cimento, em massa, e determinadas a resistência mecânica e
a absorção de água. Adotou-se o traço que atendesse às condições

245
de resistência à compressão maior ou igual a 2,0 MPa e absorção de
EXPERIÊNCIA REALIZADA

água menor ou igual a 20% e com menor consumo de cimento. Os


traços de 12% e 14% atenderam a essas condições; por apresentar
menor consumo de cimento adotou-se o traço de 12%.
Em seguida, o solo foi substituído por agregado reciclado nas
proporções de 25%, 50%, 75%, 85% e 100% em massa, e determi-
nadas as propriedades dos tijolos produzidos de acordo com os
procedimentos estabelecidos em normas e em outras recomen-
dações técnicas indicadas neste capítulo.
Além da verificação das dimensões, da determinação da re-
sistência à compressão e da absorção de água, também foi ava-
liada a durabilidade dos tijolos. Essa foi determinada pela perda
de massa e resistência à compressão de tijolos submetidos a seis
ciclos de imersão em água e secagem em estufa a 70ºC, com
duração mínima de 24 horas para cada atividade do ciclo. O
ensaio adotado, realizado com base no procedimento estabele-
cido na NBR 13544, também mede a variação volumétrica e de
umidade. Por considerar que as solicitações de abrasão superfi-
cial em paredes são menos severas que as previstas para outros
usos do solo-cimento (em estradas, por exemplo), modificou-
se o procedimento de ensaio, não se empregando o processo
de escovação dos tijolos ao final de cada ciclo. Além disso, o
ensaio foi realizado em tijolos, em substituição aos corpos-de-
prova especificados na NBR 13544. Segundo o Manual de Cons-
trução de Solo-Cimento (CEPED, 1984), a Associação Brasileira
de Cimento Portland – ABCP recomenda, para dosagens de solo-
cimento, uma perda de massa inferior ou igual a 10%, após o 6º
ciclo de imersão e secagem em corpos-de-prova moldados por
compactação no cilindro de Proctor, de acordo com o procedi-
mento estabelecido na NBR 12024.

246
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
Comparando-se os valores obtidos em tijolos com diferentes

EXPERIÊNCIA REALIZADA
proporções de agregado reciclado com os dos tijolos de solo-
cimento (sem material reciclado), foi possível avaliar a influência
do agregado reciclado nas propriedades dos tijolos de solo estabi-
lizado e o comportamento dos tijolos de solo-agregado reciclado-
cimento. Adotando-se os limites estabelecidos na Tabela 3 e
perda de massa máxima de 10%, determinaram-se as proporções
de agregado reciclado adequadas para serem adicionadas ao
solo selecionado.
Os tijolos foram fabricados numa prensa manual, com capaci-
dade para a moldagem simultânea de três unidades, com dimen-
sões de 22 cm x 11 cm x 5,5 cm. Para evitar a introdução de variá-
veis indesejáveis no estudo, os tijolos foram preparados por um
único operador.
A fabricação dos tijolos e os ensaios necessários ao desenvol-
vimento do trabalho foram realizados nos laboratórios do
Departamento de Ciência e Tecnologia dos Materiais da Escola
Politécnica da UFBA e no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
– CEPED.

MATERIAIS UTILIZADOS
Para a fabricação dos tijolos foram utilizados:
• cimento Portland tipo CP II Z 32, marca Poty;
• água potável, fornecida pela concessionária;
• dois diferentes tipos de solos, denominados laterítico e sapro-
lítico, típicos da Região Metropolitana de Salvador;
• agregado reciclado miúdo da Região Metropolitana de Salvador.
As características dos dois solos e do agregado reciclado são
apresentadas na Tabela 4 a seguir:

247
TABELA 4 - CARACTERÍSTICAS DOS SOLOS E DO AGREGADO
EXPERIÊNCIA REALIZADA

RECICLADO MIÚDO

SOLO SOLO AGREGADO


PROPRIEDADE PROCEDIMENTO
LATERÍTICO SAPROLÍTICO RECICLADO

Composição Granulométrica
• pedregulho (%) 0 0 0
• areia (%) grossa (%) 2 0 0
NBR 7181
média (%) NBR 6502 25 9 10

fina (%) 53 23 72
• silte (%) 1 33 2
• argila (%) 19 35 16

Material que passa na peneira


• 4,8 mm (%) NBR 7181 100 100 100
• 0,075 mm (%) 20 68 18

Limite de liquidez (%) NBR 6459 20 62 NL

Limite de plasticidade (%) NBR 7180 15 42 NP

Massa específica (g/cm3) NBR 6508 2,55 2,60 2,59

Compactação
• massa específica máx. (g/cm3) NBR 7182 1,83 1,38 1,86
• umidade ótima (%) 9,3 21,6 13,8

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS


Inicialmente foi selecionado o solo laterítico, pois atende aos
limites estabelecidos na NBR 10832, apresentados na Tabela 2. De
acordo com os critérios adotados para dosagem, determinou-se a
proporção de 12% de cimento para a fabricação do tijolo de solo-
cimento. A incorporação do agregado reciclado ao solo laterítico,
no entanto, não permitiu a fabricação de tijolos prensados, pois
diminuiu significativamente a quantidade de material fino, que é o
responsável pela resistência inicial necessária para o manuseio dos
tijolos recém-moldados. Tentou-se modificar esse comportamento
com a adição de cal, além da quantidade de cimento já estabelecida

248
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
(Brum, et al., 2000). Entretanto, constatou-se ser essa uma solução

EXPERIÊNCIA REALIZADA
economicamente inviável, pois a quantidade de cal necessária para
permitir o manuseio do tijolo após prensagem, cerca de 10%,
aumentaria consideravelmente o seu custo.
Partiu-se, então, para o estudo do solo denominado saprolítico,
que apresentava maior teor de finos, permitindo, após a adição
do agregado reciclado, a obtenção de uma mistura com caracte-
rísticas adequadas à fabricação de tijolos prensados.
Os tijolos produzidos com o solo saprolítico e o agregado
reciclado foram submetidos à verificação dimensional e aos tes-
tes para determinação de suas características, de acordo com a
programação indicada na Tabela 5.

TABELA 5 - PROGRAMAÇÃO DE ENSAIOS INDICANDO A QUANTIDADE DE


TIJOLOS PARA CADA CARACTERÍSTICA ESTUDADA.

CARACTERÍSTICA PROCEDIMENTO NÚMERO DE TIJOLOS

Verificação dimensional Medida Individual 24

Massa específica CETA nº 4 5

Absorção de água 5
NBR 8492
Resistência à compressão 10


Durabilidade NBR 13554 5


ensaio modoficado, sem escovação

Para cada traço, foram moldados 70 tijolos, perfazendo um to-


tal de 350 unidades. O percentual de cimento de 12% permane-
ceu constante, independentemente da composição do solo e do
agregado reciclado.
Os resultados apresentados na Tabela 6 correspondem aos dos
tijolos preparados com solo saprolítico sem material reciclado e

249
solo saprolítico com agregado reciclado, nas proporções de 25%, 50%,
EXPERIÊNCIA REALIZADA

75% e 85%. A substituição total do solo não foi estudada, pois os


tijolos moldados não apresentaram resistência inicial suficiente para
a desmoldagem imediata e transporte para área de cura e armaze-
namento. Essa tabela também apresenta os resultados obtidos com
os tijolos produzidos com solo laterítico, sem agregado reciclado.
Os ensaios foram realizados em tijolos com idade superior
a 14 dias.

TABELA 6 - CARACTERÍSTICAS DOS TIJOLOS DE SOLO-CIMENTO E


DE SOLO-AGREGADO RECICLADO-CIMENTO

LATERÍTICO SAPROLÍTICO

Solo- Solo-
Solo-agregado reciclado-cimento
cimento cimento
1
CARACTERÍSTICA TENDÊNCIA

TEOR DE AGREGADO RECICLADO

0% 0% 25% 50% 75% 85%

2
Teor de finos (%) 20 68 62 48 33 26 decrescente

Tolerância nas dimensões (mm) +3 +3 +3 +3 +3 +3 estável


- - - - - -

Massa específica (g/m3) 2,3 1,3 1,5 1,5 1,6 1,7 crescente

Absorção de água (%) 12 30 21 18 15 13 decrescente

natural 2,1 1,5 2,5 3,0 3,0 3,6 crescente


Resistência à
compreensão (MPa)
após ciclo — — 2,7 3,2 3,5 4,8 crescente

Perda de massa (%) — — 8,7 9,3 9,5 11,8 crescente

1
Tendência para tijolos com solo saprolítico
2
Material que passa na peneira 0,075mm

250
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
Os resultados obtidos para os tijolos de solo-cimento compro-

EXPERIÊNCIA REALIZADA
vam a influência do tipo de solo empregado. Os resultados de
resistência à compressão e de absorção de água do tijolo de solo
saprolítico não atendem aos limites estabelecidos na NBR 8491
(Tabela 3). Tampouco atendem aos critérios para seleção de solos
(Tabela 2). Confirma-se, então, que os limites relativos à compo-
sição granulométrica e os índices de consistência (Tabela 2) são
adequados para seleção de solos.
As dimensões reais dos tijolos apresentaram pequena variação
em relação às dimensões do molde (22 cm x 11 cm x 5,5 cm), que
atendem à tolerância de 3 mm estabelecida na NBR 8491. Deve-se
ressaltar que a altura do tijolo é determinada pela energia de com-
pactação e pela quantidade de material introduzido no molde,
antes da prensagem. No processo de fabricação com prensa manual,
a altura do tijolo depende diretamente da atuação do operador.
Com exceção do aspecto dimensional, a proporção do agrega-
do reciclado influencia diretamente outras propriedades do tijolo
prensado. Maiores proporções do agregado reciclado aumentaram
o teor de material retido na peneira 0,075 mm, de natureza areno-
sa, e diminuíram o teor de finos. O aumento dos teores de agrega-
do reciclado proporciona tijolos mais compactos, com massa es-
pecífica mais elevada, e com valores decrescentes de absorção de
água por imersão. Além disso, obtêm-se tijolos mais resistentes à
compressão, porém menos resistentes às variações hidrotérmicas
e às intempéries, devido ao aumento na perda de massa.
Verifica-se que a perda de massa aumenta à medida que são
adicionados maiores teores de agregado reciclado. Entretanto, não
foram verificadas variações de volume e de umidade nos tijolos pro-
duzidos com diferentes teores de agregado reciclado, ao longo dos
seis ciclos de molhagem e secagem. Os resultados da resistência à

251
compressão, ao final dos ciclos de imersão e secagem, são maio-
EXPERIÊNCIA REALIZADA

res que os dos tijolos em condição natural. Supõe-se que o pro-


cesso de imersão e secagem melhora a hidratação e modifica a
forma dos compostos hidratados do cimento, aumentando a
resistência dos tijolos.
As Figuras 2, 3 e 4 mostram que existe relação linear entre o
teor de finos e a resistência à compressão, absorção de água e
perda de massa dos tijolos com solo saprolítico e teor de agrega-
do reciclado utilizado.
compressão (MPa)
Resistência à

Teor de finos (%)

FIGURA 2 - RELAÇÃO ENTRE O TEOR DE FINOS E


RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO
Absorção de água (%)

Teor de finos (%)


FIGURA 3 - RELAÇÃO ENTRE O TEOR DE FINOS E ABSORÇÃO DE ÁGUA

252
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
EXPERIÊNCIA REALIZADA
Perda de massa (%)

Teor de finos (%)

FIGURA 4 - RELAÇÃO ENTRE O TEOR DE FINOS E PERDA DE MASSA


APÓS SEIS CICLOS DE IMERSÃO E SECAGEM

As Figuras 5, 6 e 7 apresentam as médias dos valores de resis-


tência à compressão, absorção de água e perda de massa, respec-
tivamente, em função do teor de agregado reciclado de cada tra-
ço e dos limites adotados.
Resistência à compressão (MPa)

Proporção de agregado reciclado (%)


FIGURA 5 - RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO DOS TIJOLOS EM FUNÇÃO
DA PROPORÇÃO DE AGREGADO RECICLADO USADO NO TRAÇO

253
EXPERIÊNCIA REALIZADA

Absorção de água (%)

Proporção de agregado reciclado (%)

FIGURA 6 - ABSORÇÃO DE ÁGUA DOS TIJOLOS EM FUNÇÃO DA


PROPORÇÃO DE AGREGADO RECICLADO USADO NO TRAÇO
Perda de massa (%)

Proporção de agregado reciclado (%)

FIGURA 7 - PERDA DE MASSA DOS TIJOLOS EM FUNÇÃO DA


PROPORÇÃO DE AGREGADO RECICLADO NO TRAÇO

254
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
Os tijolos de solo-agregado reciclado-cimento atenderam ao

EXPERIÊNCIA REALIZADA
limite mínimo de resistência à compressão. Com teores de agre-
gado reciclado acima de 50%, atenderam ao limite máximo de
absorção de água; abaixo de 75%, atenderam ao limite máximo
para perda de massa.
A Tabela 7 indica as proporções de agregado reciclado adicionadas
ao solo estudado e que atendem a cada um dos critérios adotados.

TABELA 7 - TEOR DE AGREGADO RECICLADO APROVADO EM


FUNÇÃO DOS REQUISITOS ADOTADOS

TEOR DE AGREGADO RECICLADO


REQUISITO CRITÉRIO
0% 25% 50% 75% 85%

Material menor 0,075mm 10% a 50%

Variação dimensional máxima + 3 mm


-

Resistência à compressão média ≥ 2,0 MPa

Absorção de água ≤ 20%

Perda de massa ≤ 10% —

Especificação NBR 10832

Adotado na experiência de tijolos solo-agregado reciclado-cimento

Dessa forma, pode-se considerar que, para o solo utilizado, a


proporção de agregado reciclado deve situar-se na faixa de 50% a
75%; o limite inferior é determinado pelo critério de absorção de
água, e o limite superior pela durabilidade (perda de massa). Essa
faixa também atende ao critério estabelecido na NBR 10832 para
seleção de solos adequados à fabricação de tijolos de solo-cimento,
relativo à percentagem de material com dimensão de grãos menor
que 0,075 mm (teor de finos).

255
Por fim, observa-se que a resistência à compressão dos tijolos
EXPERIÊNCIA REALIZADA

de solo-agregado reciclado-cimento, com proporção de 50% e 75%,


é superior ao resultado obtido com tijolos de solo-cimento de solo
laterítico (Tabela 6). Isso comprova que o desempenho do tijolo de
solo-agregado reciclado-cimento é semelhante ou superior ao do
tijolo de solo-cimento.

CONCLUSÃO
O estudo realizado comprova que é possível utilizar o agregado
reciclado de Salvador em tijolos de solo-cimento. As características
do solo e do material reciclado são diferentes nas diversas regiões,
e as proporções adequadas para substituição do solo por agregado
reciclado devem ser analisadas em cada caso distinto.
Este estudo definiu uma metodologia fundamentada em ex-
periências anteriores e recomendações técnicas para fabricação de
tijolos de solo-cimento, assim como adotou critérios para avaliação
dos resultados que podem ser usados em estudos sobre a incor-
poração de outros materiais para fabricação de tijolos de solo esta-
bilizado prensado.
Através da experiência realizada, identificou-se, como propor-
ção adequada para a fabricação de tijolos de solo-agregado
reciclado-cimento, a faixa entre 50% e 75% do agregado reciclado
de Salvador, em substituição ao solo saprolítico estudado. As
demais proporções não atenderam aos critérios estabelecidos
neste estudo.
Deve-se ressaltar que o estudo utilizou apenas um tipo de
prensa manual. A utilização de outros tipos de prensa pode alte-
rar os resultados obtidos. Supõe-se que prensas mais eficientes

256
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
podem melhorar o comportamento dos tijolos de solo-agregado

EXPERIÊNCIA REALIZADA
reciclado-cimento.
A reciclagem do entulho na fabricação de tijolos de solo estabili-
zado promove o aproveitamento racional dos resíduos de constru-
ção e demolição, transformando-os em matéria-prima para obras
de construção, o que favorece, principalmente:
• o aproveitamento de resíduos pelo próprio setor que o produz;
• a minimização de uso de recursos naturais;
• a redução da área para descarte (disposição).
Além disso, a utilização do agregado reciclado em tijolos de solo
estabilizado amplia as possibilidades de reciclagem do entulho,
material considerado indesejável pela população.
O entulho, após devidamente reciclado, pode ser transformado
em matéria-prima para construção civil, pois melhora determina-
das características do solo, permitindo seu aproveitamento em
tijolos de solo-agregado reciclado-cimento. Desse modo, amplia
a oferta de alternativas tecnológicas simplificadas, para a fabricação
de moradias populares.
Estudos como este contribuem para o desenvolvimento de um
processo de edificação sustentável na Região Metropolitana de Sal-
vador, melhorando a qualidade de vida de sua população. Ademais,
buscou-se aqui analisar as características de um material reciclado,
desenvolvendo-lhe uma aplicação apropriada, proporcionando
ainda fundamentação ao meio técnico e, por fim, apresentando à
sociedade uma solução harmoniosa para o uso do entulho.

257
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PINTO, T. P. Resultados da gestão diferenciada. Téchne, São Paulo, n. 31.
p. 31-34, nov./dez., 1997. (Reciclagem).
WATANABE, Mário. O desafio de privatizar a moradia popular. Qualidade
na construção, São Paulo, n. 22, p.12-20, 2000. (Habitação).

259
1
NORMAS TÉCNICAS CITADAS

NBR 6459 - Solo: determinação do limite de liquidez. Método de ensaio.


1984.
NBR 6502 - Rochas e solos: terminologia. 1995.
NBR 6508 - Grãos de solos que passam na peneira de 4,8 mm: determinação
da massa específica: método de ensaio. 1984.
NBR 7180 - Solo: determinação do limite de plasticidade: método de
ensaio. 1984.
NBR 7181 - Solo: análise granulométrica: método de ensaio. 1984.
NBR 7182 - Solo: ensaio de compactação: método de ensaio. 1982.
NBR 8491 - Tijolo maciço de solo-cimento: especificação. 1984.
NBR 8492 - Tijolos maciços de solo-cimento: determinação da resistência à
compressão e da absorção: método de ensaio. 1982.
NBR 10004 - Resíduos sólidos: classificação. 1987.
NBR 10832 - Fabricação de tijolo maciço de solo-cimento com a utilização
de prensa manual: procedimento. 1989.
NBR 10833 - Fabricação de tijolo maciço e bloco vazado de solo-cimento
com a utilização de prensa hidráulica: procedimento. 1989.
NBR 10834 - Bloco vazado de solo-cimento sem função estrutural:
especificação. 1994.
NBR 10835 - Bloco vazado de solo-cimento sem função estrutural: forma
e dimensões: padronização. 1994.
NBR 10836 - Bloco vazado de solo-cimento sem função estrutural:
determinação da resistência à compressão e da absorção de água: método
de ensaio. 1994.
NBR 12024 - Solo-cimento: moldagem e cura dos corpos-de-prova
cilindrícos: método de ensaio. 1992.
NBR 13554 - Solo-cimento: durabilidade por molhagem e por secagem:
método de ensaio. 1996.
1
Publicação ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, Rio de Janeiro.

260
USO DO AGREGADO RECICLADO EM TIJOLOS DE SOLO ESTABILIZADO COM CIMENTO
Célia Maria Martins Neves - Engenheira Civil, Mestre em Engenharia Ambiental e Urbana -
UFBA, Pesquisadora do CEPED - Centro de Pesquisa e Desenvolvimento

Alex Pires Carneiro - Engenheiro Civil, Mestrando em Engenharia Ambiental e Urbana - UFBA,
Coordenador do Projeto Entulho Bom

Dayana Bastos Costa - Estudante de Engenharia Civil - UFBA, Pesquisadora do Projeto


Entulho Bom

261
CAPÍTULO VIII
262
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
USO DO AGREGADO
RECICLADO EM ARGAMASSAS
DE REVESTIMENTO

Marcos Jorge Almeida Santana


Alex Pires Carneiro
Taís Santos Sampaio

263
As grandes cidades apresentam, atualmente, processos de ur-
banização cada vez mais acelerados, que se caracterizam por não
obedecerem um plano de desenvolvimento adequado, gerando
uma ocupação desordenada. Esses processos atingem bastante a
população de baixa renda, que, na maioria dos casos, constrói
suas casas em áreas distantes do centro, ou em terrenos invadi-
dos, à beira de encostas ou em áreas chamadas de risco. Feitas
com diversos tipos de materiais ou em alvenaria de tijolos cerâ-
micos, quase sempre sem revestimento, essas habitações, no seu
conjunto, formam painéis de casas amontoadas e nuas.
O revestimento da habitação, além de contribuir para a harmo-
nia estética, assume um importante papel na melhoria da qualidade
de vida dessa população, pois promove a impermeabilização da al-
venaria, dificultando a infiltração de água, a proliferação de ácaros e
fungos, melhorando as condições respiratórias dos habitantes, bem
como impedindo o alojamento, em frestas, de insetos causadores
de doenças graves. Entretanto, para esse contingente da popula-
ção, carente de recursos financeiros, a questão mais urgente não é a
estética ou a possibilidade de problemas futuros de saúde, e sim a
alimentação e o abrigo imediato, mesmo que precário.
A utilização de agregados reciclados em argamassas de revesti-
mento surge como alternativa para atender à enorme demanda
por revestimentos, uma vez que esse material apresenta desem-
penho adequado, conforme vários trabalhos publicados sobre o
tema (Silva et al., 1997; Levy,1997; Pinto, 1998). Além disso, o seu
uso promove a diminuição de custos, ajuda a solucionar o proble-
ma de destinação do entulho e contribui para a melhoria das con-
dições das habitações populares.
A reciclagem do entulho na confecção de argamassa tem a sua
utilização mais frequente em canteiro de obras. Nos últimos anos,

264
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
diversas construtoras em atividade no país passaram a utilizar ar-
gamassas produzidas com agregado reciclado, em substituição às
adições e aos agregados convencionais (Levy, 1997). Desse modo,
materiais anteriormente considerados como perdas do processo
construtivo — pedaços de blocos e tijolos cerâmicos, argamassas
e concretos endurecidos, entre outros — passaram a ser reciclados.
As argamassas produzidas com agregado reciclado têm apre-
sentado desempenho significantemente superior ao das argamas-
sas convencionais. Contudo, a maioria dos estudos realizados so-
bre o tema avalia o desempenho do material reciclado no próprio
canteiro de obras. Outras alternativas, tais como a utilização de
agregados produzidos em usinas de reciclagem, permitem esten-
der os benefícios da reciclagem a um número maior de usuários,
tornando-os acessíveis à população de baixa renda.
Existem algumas diferenças entre os agregados reciclados no can-
teiro de obras ou em usina de reciclagem. A principal é que, dentro
do canteiro, pode-se facilmente separar os materiais que serão
reciclados. Por exemplo, durante a execução da obra, selecionam-
se, para reciclagem, os restos de concreto (na fase de estrutura), os
restos de blocos (na fase de levante) e os restos de argamassas (na
fase de acabamento), o que possibilita a produção de agregado
reciclado com composição mais homogênea. Já o entulho reciclado
em usina origina-se de diversas obras da região e, como apresenta-
do em capítulos anteriores, é constituído de diversos tipos de mate-
riais, cuja separação agrega custos ao processo, podendo tornar eco-
nomicamente inviável a reciclagem. Portanto, devem-se buscar apli-
cações que possibilitem a utilização desse material de origem hetero-
gênea e com características diferentes do reciclado em canteiro.
Nesse sentido, o Projeto Entulho Bom desenvolveu estudos
de laboratório sobre o uso do agregado reciclado de Salvador,

265
produzido de forma similar ao da usina de reciclagem, avaliando
o desempenho desse material em argamassas de revestimento,
em substituição total ou parcial da areia e do arenoso (material areno-
silto-argiloso). Esse estudo promoveu a elaboração e a seleção das
dosagens, a produção das argamassas e a análise de suas proprie-
dades físicas e mecânicas nos estados fresco e endurecido, tanto
em corpos-de-prova quanto em painéis de argamassas, aplicadas
sobre alvenaria.

UTILIZAÇÃO DO AGREGADO RECICLADO


EM ARGAMASSAS
O reaproveitamento de resíduos na construção civil é uma ati-
vidade que já vem sendo desenvolvida há algum tempo. Subpro-
dutos de carvão e cinzas volantes têm sido utilizados, há aproxi-
madamente cinco décadas, em concretos de cimento Portland
(Kelly & Willians, 1995 citado por Zordan, 1997). Entretanto, a
reciclagem de entulho para a produção de materiais de construção
começa a despertar interesse no Brasil apenas na década de 80,
com os estudos iniciais de Pinto (1986).
Uma das formas de reciclagem desse resíduo destina-se à sua
utilização em argamassas. A fração fina do material reciclado ob-
tido da britagem ou moagem do entulho, a depender das suas
características, pode ser utilizada nas argamassas, em substitui-
ção às adições ou aos agregados convencionais. A granulome-
tria semelhante à da areia permite o seu uso como agregado
para argamassas de assentamento e revestimento, as quais têm
apresentado desempenho similar ou superior às convencio-
nais, tanto em ensaios de laboratório quanto em aplicações de
campo (Pinto, 1998).

266
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
Levy (1997) realizou experimentos utilizando quatro tipos de
materiais que compõem o entulho, processando-os em moinho
de rolo. Foram, então, produzidos 8 diferentes tipos de argamas-
sas com o material processado. A partir desses estudos, foi obser-
vado que a utilização de agregados reciclados permitiu uma redu-
ção de 30% no consumo de cimento da argamassa e um incre-
mento nas propriedades mecânicas, em função do teor de mate-
riais cerâmicos presentes no entulho. Os resultados desse traba-
lho demonstram que a utilização do agregado reciclado miúdo
para a produção de argamassas apresenta vantagens, principal-
mente pela redução no consumo de cimento.
Hamassaki; Sbrighi; Florindo (1996) avaliaram a influência do
agregado reciclado nas argamassas, partindo de um traço referência
1:6 (cimento:areia, em volume) com uso de cal. Esses estudos mos-
tram um incremento na resistência à compressão das argamassas
aos 28 dias, quando é usado o agregado reciclado. Não foi avaliada
a influência do agregado reciclado na retenção de água, uma vez
que a cal interfere significativamente nessa propriedade.
Silva et al. (1997) estudaram quatro traços experimentais de ar-
gamassas com adição de agregado reciclado numa obra de Salva-
dor. Essas argamassas apresentaram comportamento satisfatório
no estado fresco e endurecido, evidenciando uma redução no con-
sumo de cimento.
Recentemente, Miranda (2000) analisou parâmetros que po-
dem prevenir a fissuração de revestimentos de argamassas que
contêm agregado reciclado. Avaliou, para tal, fatores relativos ao
tipo de entulho, sua proporção nas argamassas e o tipo de técnica
construtiva utilizada para esses revestimentos. Nesse trabalho,
foram estudados doze traços de argamassas com diferentes com-
posições e proporções de entulho, feitas a partir da moagem de

267
blocos cerâmicos, blocos de concreto e argamassa de cimento,
cal e areia, em moinho tipo argamassadeira, e aplicados em pai-
néis de alvenaria de blocos de concreto com chapisco.
As argamassas com agregado reciclado vêm sendo utilizadas
nas últimas décadas em diversas obras de vários países como Israel,
Argentina e Brasil. Em São Paulo, são encontradas obras concluí-
das nas décadas de 80 e 90, onde foi usado esse tipo de argamas-
sa, sem apresentar manifestações patológicas (Levy, 1997). Em Sal-
vador, o melhor exemplo é o Edifício Mansão Bernardo Martins
Catarino, obra de padrão luxo, construída em meados da década
de 90, onde se reciclou o entulho no canteiro, produzindo arga-
massas com agregado reciclado sem que, até o momento, se apre-
sentem notícias de patologias.
O bom desempenho do agregado reciclado na aplicação em ar-
gamassas pode ser atribuído à presença de aglomerantes ainda
não inertizados e de resíduos cerâmicos com características pozolâ-
nicas, bem como à maior porosidade de suas partículas, o que
privilegia o início das reações químicas, incrementando as proprie-
dades mecânicas das argamassas, devido ao efeito pozolânico
normalmente apresentado pelo material reciclado (Pinto, 1998).
Dessa forma, podem ser definidas as proporções de materiais
para argamassas com agregado reciclado, as quais, além de apre-
sentarem desempenho adequado, promovem sensível redução
no preço do produto final. Essa redução pode ser obtida tanto
pelo baixo custo do agregado como pela redução do consumo de
cimento e cal (Pinto, 1998).
A utilização de agregado reciclado na produção de argamassas
apresenta outras vantagens, dentre as quais podem-se citar: a
diminuição dos impactos gerados pela disposição incorreta do
entulho, como enchentes e assoreamento de rios e córregos, a

268
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
preservação das reservas naturais, devido à substituição de matéria-
prima convencional por material reciclado, além da otimização
do uso de aterros, em função da conseqüente diminuição de resí-
duos descartados (Carneiro et al., 2000).
Apesar de a maior ênfase comercial voltar-se para a reciclagem
dentro do canteiro de obras, devido à inexistência de custos com
transporte do material reciclado, há grandes perspectivas para a
reciclagem de entulho nas centrais de reciclagem. Essas centrais,
além de processarem o entulho, podem produzir argamassas, blo-
cos, concretos, entre outros materiais, com controle tecnológico
adequado (Pinto, 1992).
Nesse sentido, Lima (1999a) apresentou diretrizes para a pro-
dução, normalização e uso do agregado reciclado em argamassas
e concretos. Também foram apresentados, nesse trabalho, textos
informativos dirigidos aos produtores e usuários de agregado reci-
clado, no intuito de auxiliá-los na correta utilização do material
reciclado nesses tipos de aplicações, levando-se em consideração
a segurança do usuário e a qualidade do produto.
O uso de agregado reciclado para a execução do revestimento,
importante elemento construtivo de edificações, contribui para a
maior aceitação do mercado consumidor do uso de materiais
reciclados de qualidade e bom desempenho, além de promover a
conscientização sobre a necessidade da reciclagem do entulho.

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DAS ARGAMASSAS


DE REVESTIMENTO
Algumas características básicas devem ser atendidas pelas arga-
massas de revestimento de edificações, como resistência mecânica,
durabilidade, baixa permeabilidade, pouca retração, isolamento

269
térmico e acústico — no estado endurecido — e trabalhabilidade,
plasticidade e retenção de água — no estado fresco. O completo
entendimento do comportamento das argamassas requer a avalia-
ção das condições de produção, de exposição do revestimento,
da ação dos usuários e do modo como essas condições influem
no seu desempenho (Cincotto; Silva; Cascudo, 1995).
O desempenho de um produto pode ser definido pelo grau de
satisfação das necessidades do usuário. Para a execução de reves-
timentos com bom desempenho, é preciso compreender as fun-
ções e propriedades das argamassas que os constituem e dos
substratos que lhes servem de base.
Segundo Cincotto; Silva; Cascudo (1995), para a análise do de-
sempenho de uma argamassa de revestimento, deve-se avaliar o
seu comportamento em três etapas distintas:
• durante o seu preparo e no período em que se encontra no
estado fresco;
• no período após a aplicação sobre o substrato, quando a ar-
gamassa se encontra em endurecimento;
• no período de uso da edificação, quando o revestimento (ar-
gamassa endurecida) sofre os efeitos provenientes da ação
dos usuários e das condições de exposição.
Dessa forma, as propriedades das argamassas são avaliadas tanto
no estado fresco quanto no endurecido, sendo que, nesse último, o
material é estudado tanto em corpos-de-prova quanto em painéis que
simulam a forma de utilização da argamassa de revestimento. Algumas
das principais propriedades das argamassas são descritas a seguir.

PROPRIEDADES DA ARGAMASSA NO ESTADO FRESCO


Conhecer o comportamento das argamassas no estado fresco é
fundamental, uma vez que boa parte das deficiências de qualidade

270
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
que o revestimento apresenta, no estado endurecido, é resultado
do comportamento inadequado da argamassa no estado fresco
(Gomes, 2000). A seguir, são descritos os principais ensaios utiliza-
dos para avaliar o comportamento da argamassa no estado fresco.
CONSISTÊNCIA

Essa propriedade é um indicador da trabalhabilidade, servindo


de parâmetro para a determinação da quantidade de água neces-
sária à mistura a fim de que a argamassa alcance uma trabalha-
bilidade desejável (ensaio descrito na NBR 13276). A consistência
pode ser alterada em função da relação água/aglomerante, da re-
lação aglomerante/agregado, da relação agregado/adição e da
natureza e qualidade do aglomerante ou da adição utilizada na
argamassa (Cincotto; Silva; Cascudo, 1995).
DENSIDADE DE MASSA E TEOR DE AR INCORPORADO

A densidade de massa das argamassas (também chamada de massa


específica real) e o teor de ar incorporado durante o processo de
mistura são determinados segundo o ensaio descrito na NBR 13278.
Conhecendo esses parâmetros, pode-se calcular o consumo real de
cimento por metro cúbico. A partir da avaliação do consumo de ci-
mento, é possível estimar o custo de produção das argamassas. Além
disso, o consumo de cimento é um dos principais fatores relaciona-
dos com as propriedades das argamassas no estado endurecido.
RETENÇÃO DE ÁGUA

A retenção de água é medida pela capacidade de a argamassa


fresca manter sua trabalhabilidade quando sujeita a solicitações
como evaporação e sucção, as quais provocam perda de água.
Essa propriedade, determinada segundo o ensaio descrito na NBR
13277, está relacionada à superfície específica dos materiais com-
ponentes da argamassa e à relação aglomerante/aglomerante,
entre outros fatores (Cincotto; Silva; Cascudo, 1995).

271
PROPRIEDADES DA ARGAMASSA NO ESTADO
ENDURECIDO – ARGAMASSAS EM CORPOS-DE-PROVA
As propriedades das argamassas determinadas em ensaios rea-
lizados em corpos-de-prova avaliam, em laboratório, o comporta-
mento do material, constituindo-se, basicamente, na análise da
resistência mecânica e da sua permeabilidade.
RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO E RESISTÊNCIA À TRAÇÃO
POR COMPRESSÃO DIAMETRAL
A resistência mecânica é a propriedade de as argamassas endu-
recidas resistirem às tensões de tração, compressão ou cisalha-
mento a que o revestimento pode estar sujeito.
As argamassas de revestimento são usualmente solicitadas a re-
sistir a pequenos esforços de compressão. As solicitações à tração,
cisalhamento ou flexão têm ordem de grandeza muito maior. Os
esforços gerados por essas tensões provêm de cargas estáticas ou
dinâmicas decorrentes de fenômenos térmicos ou climáticos, ou,
ainda, das solicitações durante o período de uso da edificação
(Cincotto; Silva; Cascudo, 1995).
Os ensaios de determinação da resistência à compressão axial
e da resistência à tração por compressão são descritos na NBR
13279 e na NBR 7222, respectivamente.
PERMEABILIDADE

A permeabilidade é a propriedade da argamassa endurecida que


caracteriza a passagem de água através do material, por meio de
infiltração sob pressão, capilaridade ou difusão de vapor de água.
Os principais fatores que influenciam a permeabilidade de uma ar-
gamassa são a relação água / cimento, a granulometria do agregado,
a natureza e o teor do aglomerante. A percolação de água em um
revestimento também depende das características do substrato, ou
seja, da superfície onde a argamassa é assentada (Cincotto; Silva;
Cascudo, 1995).

272
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
A capacidade de proteção das argamassas de revestimento en-
durecidas, contra a ascensão capilar de água, é avaliada através do
ensaio de determinação da absorção de água por capilaridade,
descrito no procedimento CETA nº 5/98, baseado na NBR 9779
(Neves & Maciel, 1998a).
Por sua vez, o ensaio de determinação da absorção de água por
imersão, do índice de vazios e da massa específica, descrito na
NBR 9778, avalia a estrutura de poros da argamassa endurecida.
Os vazios encontrados na argamassa são formados por ar incor-
porado ou aprisionado, ou decorrentes da evaporação do exces-
so de água. O teor de ar tem influência na resistência dos revesti-
mentos e na absorção de água, limitando, assim, a dosagem de
aditivos incorporadores de ar (Cincotto; Silva; Cascudo, 1995).
PROPRIEDADES DA ARGAMASSA NO ESTADO
ENDURECIDO - ARGAMASSAS EM PAINÉIS
As propriedades das argamassas no estado endurecido estão
relacionadas às características do substrato e da interface revesti-
mento/substrato. Portanto, essas propriedades devem ser avalia-
das numa argamassa aplicada sobre um substrato. A alvenaria de
blocos cerâmicos é um dos substratos para aplicação da argamassa
mais utilizados no país. As principais propriedades avaliadas em
painéis de argamassa endurecida, aplicada sobre alvenaria, são
apresentadas a seguir.
RESISTÊNCIA DE ADERÊNCIA À TRAÇÃO – ARRANCAMENTO
A resistência de aderência à tração avalia a capacidade de as arga-
massas resistirem a esforços normais de tração. Essa propriedade é
significativamente influenciada por diversos fatores: absorção de
água, resistência mecânica, textura superficial, condições de execu-
ção do assentamento da base e natureza do aglomerante (Cincotto;
Silva; Cascudo, 1995).

273
Nas edificações, uma das maiores razões de falha das argamassas
de revestimento está relacionada com a perda ou a falta de ade-
rência ao substrato. Assim, a capacidade de a argamassa obter uma
aderência adequada, resistente e durável junto ao substrato, é uma
das mais importantes propriedades relativas ao comportamento
de um revestimento.
A NBR 13528 descreve o ensaio utilizado para a determinação
dessa propriedade. Os resultados obtidos nesse ensaio geralmen-
te são muito variáveis, devido ao fato de a resistência ao arran-
camento ser a medida da interação argamassa/substrato, depen-
dendo, portanto, das características de ambos.
DUREZA SUPERFICIAL

O ensaio para determinação da dureza superficial do revesti-


mento, descrito no procedimento CETA nº 6/98, deve ser realizado
antes de se submeter o painel aos ensaios de resistência de aderên-
cia à tração e de absorção de água (Neves & Maciel, 1998b). Os
valores de leitura são variáveis, de acordo com imperfeições loca-
lizadas no revestimento.
PERMEABILIDADE

A permeabilidade de uma argamassa já aplicada sobre um


substrato pode ser avaliada pelo ensaio de absorção de água por
sucção. Ainda não existe norma brasileira que estabeleça o ensaio
para a determinação dessa propriedade, sendo, portanto, utiliza-
do o procedimento CETA no 7/99 (Gomes, 1999). Esse ensaio ava-
lia a passagem de água através da argamassa por meio de infiltra-
ção sob pressão. Nesse ensaio, mede-se a quantidade de água
absorvida por uma superfície de argamassa em um determinado
tempo, simulando um revestimento submetido a chuva com
ventos fortes, de aproximadamente 140 km/h.

274
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DAS ARGAMASSAS
DE REVESTIMENTO
As propriedades que interferem no desempenho em serviço
das argamassas de revestimento são muitas, porém ainda são pou-
cos os indicadores estabelecidos para avaliar seu comportamento
em serviço. A Associação Brasileira de Normas Técnicas — ABNT,
apesar de apresentar diversos procedimentos de ensaio para ar-
gamassas de revestimento, estabelece apenas critérios para avaliar
a resistência de aderência à tração (NBR 13749).
A NBR 13749 estabelece os limites mínimos de resistência à tra-
ção para revestimentos de argamassas, conforme o local de apli-
cação e o tipo de acabamento (Tabela 1). Para que o revestimento
atenda a essa especificação, a argamassa deverá apresentar, pelo
menos, quatro valores, dentre os seis resultados do ensaio de resis-
tência de aderência à tração, superiores aos limites estabelecidos.

TABELA 1 - LIMITES DE RESISTÊNCIA DE ADERÊNCIA À TRAÇÃO (RA)


PARA ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO ESTABELECIDOS PELA
NBR 13749

LOCAL ACABAMENTO Ra (MPa)

Pintura ou base de reboco ≥ 0,15


Interna
Cerâmica e laminado ≥ 0,30
Parede

Pintura ou base de reboco ≥ 0,25


Externa
Cerâmica ≥ 0,30

Teto ≥ 0,20

Como ainda não existe norma brasileira que apresente critérios


para avaliação das demais propriedades, a análise comparativa com

275
argamassas de desempenho comprovado é utilizada por diversos
pesquisadores como parâmetro para avaliação do comportamento
do material (Hamassaki; Sbrighi; Florindo, 1996; Cavani; Antunes;
John, 1997; Silva et al., 1997 e Gomes, 2000).
Alguns países já estabeleceram indicadores, valores e parâmetros
de avaliação do comportamento das argamassas. Entretanto, como
os materiais utilizados para a produção de argamassas no Brasil
têm características diferentes, além das condições climáticas serem
distintas, não é adequado adotar, indiscriminadamente, tais
parâmetros para a análise das argamassas produzidas no país.

EXPERIÊNCIA REALIZADA
EXPERIÊNCIA REALIZADA

USO DO AGREGADO RECICLADO DE SALVADOR EM


ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
O estudo sobre a utilização do agregado reciclado miúdo de
Salvador em argamassas de revestimento busca desenvolver uma
alternativa tecnológica adequada aos centros urbanos que geram
significativa quantidade de entulho e apresentam grande deman-
da por revestimento, sobretudo em áreas carentes.
Com base na caracterização do agregado reciclado, foi observa-
do que ele se apresenta com elevado potencial para utilização em
argamassas. Assim, o Projeto Entulho Bom desenvolveu estudos de
laboratório nos quais foi analisada a influência do uso do agregado
reciclado de Salvador — processado de forma similar ao produzido
na usina de reciclagem — no desempenho dos revestimentos de
argamassa. Foi avaliado o processo de produção e o produto final,
tanto no estado fresco como no estado endurecido.
Foram analisadas as principais propriedades físicas e mecânicas
das argamassas preparadas com agregado reciclado em diferentes

276
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
proporções. Essa experiência buscou desenvolver tecnologia ade-

EXPERIÊNCIA REALIZADA
quada para a utilização segura das argamassas de revestimento
produzidas com agregados reciclados.

MATERIAIS UTILIZADOS
Para a produção das argamassas, foram utilizados os seguintes
materiais:
• cimento Portland composto com filer (CP II F-32);
• cal do tipo CH-I, cuja função é reter água e promover a tra-
balhabilidade em argamassas mistas;
• areia disponível na região de Salvador — usualmente empre-
gada em obras locais;
• arenoso — material areno-silto-argiloso, de cor rosada, cons-
tituído predominantemente por areia e com baixos teores
de silte e argila, prevalecendo a caulinita; melhora a traba-
lhabilidade em argamassas de cimento, sendo usualmente uti-
lizado na produção de argamassas na região de Salvador
(Gomes, 2000);
• agregado reciclado miúdo — material arenoso, predominan-
temente constituído de areia, com baixo percentual de argila
e silte e grande quantidade de partículas finas não plásticas
(as suas características são apresentadas no capítulo V);
• água proveniente do sistema de abastecimento da cidade de
Salvador;
• aditivo incorporador de ar — material que incorpora minús-
culas bolhas esféricas de ar às argamassas, melhorando a sua
trabalhabilidade; pode, contudo, reduzir a resistência mecâ-
nica da argamassa, se adicionado em teores elevados.
A Tabela 2, a seguir, apresenta as principais características da
areia, do arenoso e do agregado reciclado utilizados neste estudo.

277
TABELA 2 - CARACTERÍSTICAS DOS MATERIAIS UTILIZADOS
EXPERIÊNCIA REALIZADA

NORMAS AGREGADO
PROPRIEDADES UTILIZADAS UNIDADE AREIA ARENOSO RECICLADO

4,8 mm % 0 0 0

2,4 mm % 0 0 0

Granulometria 1,2 mm % 4 4 3
(material NBR 7181
retido 0,6 mm NBR 7217 % 18 9 7
acumulado)
0,3 mm % 67 21 14

0,15 mm % 94 61 61

0,075 mm % 100 82 82

Módulo de finura NBR 7217 — 1,83 0,95 0,85

Dimensão máxima NBR 7217 mm 1,2 1,2 1,2


característica

Limite de liquidez NBR 6459 % NL NL NL

Limite de plasticidade NBR 7180 % NP NP NP

NBR 6508
Massa específica
NBR 9776 g/cm3 2,64 2,60 2,59

Massa unitária NBR 7251 g/cm3 1,56 1,23 1,30

Teor de materiais NBR 7219 % 2,2 18,1 13,5


pulverulentos

Impurezas orgânicas NBR 7220 — Mais clara Mais clara Mais clara

Coeficiente de NBR 6467


inchamento % 1,34 — —

MÉTODO DE PRODUÇÃO E DE AVALIAÇÃO


DAS ARGAMASSAS
As argamassas produzidas com agregado reciclado foram com-
paradas com argamassas produzidas com arenoso (típicas da re-
gião de Salvador) e com cal (argamassa de referência). Para a de-
finição dos traços, foram realizadas misturas experimentais e, para
a avaliação do comportamento das argamassas, foram realizados
ensaios no estado fresco e no endurecido, tanto em corpos-de-
prova, quanto em painéis.

278
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
A argamassa produzida com arenoso foi utilizada como base

EXPERIÊNCIA REALIZADA
para a adição do agregado reciclado, sendo, portanto, chamada de
argamassas ou traço base. A sua dosagem apresenta relação entre
cimento e materiais secos não cimentícios — areia e arenoso —
de 1:7,4 em massa, sendo que a proporção de arenoso, em rela-
ção à massa dos materiais secos não cimentícios, é de 30%.
A adição de agregados reciclados ocorreu nos teores de 30%,
50%, 75% e 100% em relação aos materiais secos não cimentícios.
A argamassa com 30% de agregado reciclado (AR 30) foi produzida
com a substituição de toda a massa do arenoso do traço base pelo
agregado reciclado. Para as argamassas com 50%, 75% e 100% de
agregado reciclado (AR 50, AR 75 e AR 100), a areia foi substituí-
da também pelo agregado reciclado. As argamassas com adição
de 100% de agregado reciclado têm como materiais constituintes
apenas cimento, agregado reciclado miúdo, água e aditivo, ou seja,
todo o agregado miúdo (areia) e toda a adição argilo-mineral
(arenoso) foram substituídos por agregado reciclado.
Essas dosagens foram determinadas com base nas característi-
cas dos materiais, nos resultados das misturas experimentais e
nos parâmetros definidos pelo Centro Tecnológico da Argamassa
(CETA) — centro formado pela parceria entre a Escola Politécnica
da UFBA e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Estado da
Bahia. As misturas experimentais permitiram ajustar as dosagens
e definir os traços. Nessas misturas, foram analisados o índice de
consistência, o teor de ar incorporado, o consumo real de cimen-
to e a massa específica prática das argamassas. Foram definidos os
teores de 0,15% de aditivo incorporador de ar, para a argamassa
com arenoso, e 0,10%, para as argamassas com agregado reciclado,
tendo em vista a especificação do CETA, quanto ao teor de ar
incorporado, entre 8 e 17%.

279
Nessa etapa, foram avaliadas argamassas com consumo de cimen-
EXPERIÊNCIA REALIZADA

to de 160, 180 e 200 kg/m3. O consumo de 180 kg de cimento por


m3 foi escolhido para o prosseguimento dos estudos, uma vez que
as argamassas com esse consumo apresentaram desempenho ade-
quado na mistura experimental, e, segundo o procedimento CETA
nº 1/99 (Neves & Maciel, 1999), esse consumo de cimento atende
a uma grande faixa de aplicações (Tabela 3), ampliando as possibi-
lidades de utilização das argamassas com material reciclado.

TABELA 3 - APLICAÇÕES INDICADAS PARA ARGAMASSAS DA


REGIÃO DE SALVADOR, COM CONSUMO DE CIMENTO DE 180 Kg/m3
(NEVES & MACIEL, 1999)

3
CONSUMO DE CIMENTO (Kg/m ) EM
FUNÇÃO DO TIPO DE APLICAÇÃO
APLICAÇÃO DA ARGAMASSA

INTERNA EXTERNA

Assentamento de blocos 150 – 180 160 – 190

Emboço 160 – 180 180 – 210

Reboco 160 – 170 170 – 190

Camada única 160 – 180 180 – 210

Base para cerâmica 180 – 210 190 – 220

Foi utilizada, como referência, a argamassa mista de cimen-


to e cal, visando à comparação do desempenho das argamas-
sas com agregado reciclado. Essa argamassa foi dosada segun-
do as especificações estabelecidas pela Americam Society for
Testing and Materials – ASTM C 91 para argamassa tipo O
(Gomes, 2000).
Os traços unitários, em massa seca, das argamassas utilizadas
neste estudo são apresentados na Tabela 4, a seguir.

280
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
TABELA 4 - TRAÇOS UNITÁRIOS DAS ARGAMASSAS ESTUDADAS

EXPERIÊNCIA REALIZADA
DOSAGEM

NOMENCLATURA 
BASE AR 30 AR 50 AR 75 AR 100 REF

Teor de Agregado Reciclado — 30% 50% 75% 100% —

Cimento 1,00 1,00 1,00 1,00 1,0 1,00

Cal — — — — — 0,50

Areia 5,20 5,20 3,69 1,79 — 8,26


Traço Unitário

Arenoso 2,20 — — — — —

Agregado Reciclado — 2,20 3,69 5,38 7,07 —

Água 1,58 1,34 1,37 1,45 1,53 1,63

Aditivo 0,15 0,10 0,10 0,10 0,10 —


Argamassa de referência

As argamassas foram produzidas em betoneira de eixo inclina-


do, e o método de produção foi mantido constante. Antes da mis-
tura, o agregado reciclado foi umidificado dentro da betoneira,
durante 15 minutos, com parte da água de amassamento, tendo
em vista a sua elevada absorção de água.
As argamassas produzidas foram analisadas visando à sua aplica-
ção em revestimentos. Nesse sentido, foram realizados os seguin-
tes ensaios para a avaliação das propriedades das argamassas no
estado fresco e no estado endurecido, tanto em corpos-de-prova
cilíndricos quanto em painéis (1,00 x 1,20m) de alvenaria de blocos
cerâmicos chapiscada:
No estado fresco
• Determinação do teor de água para obtenção do índice de
consistência — padrão (NBR 13276).

281
• Determinação da densidade de massa e do teor de ar incor-
EXPERIÊNCIA REALIZADA

porado (NBR 13278).


• Determinação da retenção de água (NBR 13277).
No estado endurecido — em corpos-de-prova
• Determinação da resistência à compressão (NBR 13279).
• Determinação da resistência à tração por compressão diame-
tral de corpos-de-prova cilíndricos (NBR 7222).
• Determinação da absorção de água por capilaridade (proce-
dimento CETA nº 5/98, com base na NBR 9779).
• Determinação da absorção de água por imersão: índice de
vazios e da massa específica (NBR 9778).
No estado endurecido — em painéis de revestimento
• Determinação da resistência de aderência à tração (NBR 13528).
• Determinação da dureza superficial do revestimento de arga-
massa (procedimento CETA nº 6/98).
• Absorção de água por sucção sob baixa pressão (procedimen-
to CETA nº 7/99).
Os ensaios foram realizados nos Laboratórios do Departamento
de Ciência e Tecnologia dos Materiais da Escola Politécnica da UFBA,
parte integrante do CETA. Os resultados apresentados para arga-
massas no estado endurecido correspondem ao ensaio realizado
aos 28 dias.
Uma vez que são poucos os critérios nacionais para avaliação de
desempenho disponíveis até o momento, neste estudo foram utili-
zados, para avaliação do comportamento do material, os seguintes
parâmetros, sugeridos pelo Centro Tecnológico da Argamassa —
CETA (Gomes, 2000):
• índice de consistência de 260 ± 10 mm (similar ao intervalo
estabelecido na NBR 13276);
• teor de ar incorporado entre 8 e 17%;

282
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
• teor de retenção de água superior a 75%.

EXPERIÊNCIA REALIZADA
Adotou-se, também, o limite máximo de 2 ml de absorção de
água sob baixa pressão, aos 15 minutos de ensaio realizado no
painel, com 28 dias de idade. Esse parâmetro é resultado de estu-
dos sistemáticos das argamassas produzidas com os materiais dis-
poníveis na região de Salvador, obtidos de vários trabalhos de
pesquisa anteriores, desenvolvidos nos laboratórios do CETA.
Além disso, as propriedades das argamassas com agregado reci-
clado foram comparadas com as das argamassas base e referência.
Visando à complementação da análise, foi realizada uma avalia-
ção subjetiva de um pedreiro experiente sobre o comportamento
das argamassas produzidas com agregado reciclado. Essa avalia-
ção abordou o desempenho do material quanto a facilidade de
produção, manuseio, aplicação e acabamento, além da perda de
trabalhabilidade durante o período de aplicação da argamassa
sobre a alvenaria.
Foi realizada, ainda, a avaliação econômica preliminar da pro-
dução de argamassas de revestimento com utilização do agrega-
do reciclado de Salvador. Essa avaliação teve por objetivo analisar
a viabilidade econômica dessa forma de reciclagem e colaborar,
assim, para a sua difusão no meio técnico.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS


ARGAMASSAS NO ESTADO FRESCO
O índice de consistência é uma das principais propriedades
utilizadas para avaliação da trabalhabilidade das argamassas. A boa
trabalhabilidade da argamassa é fundamental para que o revesti-
mento fique adequadamente aderido ao substrato e para que o
acabamento superficial esteja adequado à aplicação proposta.

283
Conforme apresentado no item anterior, o índice de consistência
EXPERIÊNCIA REALIZADA

em todos os traços de argamassa analisada foi mantido na faixa de


260 ± 10 mm (Figura 1).

LIMITE MÁXIMO
Índice de consistência

LIMITE MÍNIMO
(mm)

Dosagem

FIGURA 1 -ÍNDICE DE CONSISTÊNCIA DAS ARGAMASSAS ESTUDADAS

As argamassas com agregado reciclado apresentaram teores


de ar incorporado (Figura 2) superiores ao limite de 17%, indi-
cado pelo CETA para argamassas produzidas com arenoso. Nas
misturas experimentais, produzidas em argamassadeira de la-
boratório, o teor de ar incorporado encontrava-se dentro do
limite estabelecido pelo CETA. Contudo, ao se produzir a arga-
massa em betoneira, os valores tenderam a aumentar, indican-
do que esse equipamento provoca maior incorporação de ar.
Como os limites foram estabelecidos para argamassas produzi-
das com arenoso, esses foram utilizados como referência para a
análise do desempenho das argamassas com agregado reciclado
e não como fator limitante para utilização do material. A mesma
consideração é válida para a argamassa produzida com cal, cuja

284
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
dosagem não contém aditivo incorporador de ar, uma vez que a

EXPERIÊNCIA REALIZADA
cal já proporciona trabalhabilidade adequada. Observa-se, por-
tanto, que as argamassas com agregado reciclado podem uti-
lizar menor quantidade de aditivo incorporador de ar, mantendo-se
a trabalhabilidade adequada.
Índice de ar incorporado

LIMITE MÁXIMO
(%)

LIMITE MÍNIMO

Dosagem

FIGURA 2 -TEOR DE AR INCORPORADO DAS ARGAMASSAS ESTUDADAS

As argamassas com agregado reciclado apresentaram valores


da densidade de massa entre 1,60 e 1,71 kg/dm3, sendo, por-
tanto, argamassas menos densas que as produzidas com areno-
so (1,85 kg/dm3) e com cal (2,06 kg/dm3). Essa diferença pode
ser explicada pela maior quantidade de ar incorporado presen-
te nas argamassas com material reciclado e pela menor massa
específica apresentada pelo agregado reciclado em relação à areia
e ao arenoso. Com base na densidade de massa e no teor de ar
incorporado, foi calculado o consumo de cimento, verificando-
se uma tendência à sua redução, à medida que é aumentado o
teor de material reciclado nas argamassas (Figura 3).

285
EXPERIÊNCIA REALIZADA

Consumo de cimento
(Kg/m3)

Dosagem

FIGURA 3 - CONSUMO DE CIMENTO DAS ARGAMASSAS ESTUDADAS

As argamassas estudadas apresentaram valores para retenção


de água superiores a 75%, considerados pelo CETA como limite
mínimo para argamassas com arenoso (Figura 4). Pode-se obser-
var, também, que a retenção de água das argamassas diminui sig-
nificativamente quando se substitui o arenoso pelo agregado
reciclado e aumenta gradativamente à medida que se substitui
areia por agregado reciclado.
Retenção de água
(%)

LIMITE MÍNIMO

Dosagem

FIGURA 4 - RETENÇÃO DE ÁGUA DAS ARGAMASSAS ESTUDADAS

286
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
ARGAMASSAS NO ESTADO ENDURECIDO –

EXPERIÊNCIA REALIZADA
CORPOS-DE-PROVA

As argamassas estudadas apresentaram resultados para resis-


tência mecânica a compressão entre 3,2 e 4,5 MPa, sendo que
os resultados das dosagens AR 30 e AR 50 foram superiores aos
da argamassa base. Os traços de argamassa com adição de agre-
gado reciclado apresentaram resistência à tração por compres-
são diametral entre 0,52 e 0,73 MPa. Destacou-se a argamassa
com 50% de agregado reciclado (AR 50), que apresentou re-
sistência à tração por compressão diametral superior às outras
argamassas estudadas e elevada resistência à compressão axial
(Tabela 5).
As argamassas produzidas com agregado reciclado apresen-
taram absorção de água por capilaridade inferior à das arga-
massas base e referência (Tabela 5). Portanto, os valores obtidos
para as argamassas com material reciclado se mostram adequa-
dos para argamassas de revestimento, uma vez que absorveram
menos água por capilaridade que as argamassas convencio-
nais. A argamassa com adição de 50% mostrou comporta-
mento superior, apresentando o menor coeficiente de absor-
ção de água.
Contudo, o uso de agregado reciclado em argamassas pro-
vocou um aumento na absorção de água por imersão, o que
pode ter sido causado pela grande absorção de água apresenta-
da pelo material reciclado. Houve, também, um progressivo
aumento da porosidade e do índice de vazios, confirmando a
maior incorporação de ar quando se utiliza o agregado recicla-
do. Com o aumento do teor de agregado reciclado, pode-se per-
ceber a tendência a redução das massas específicas seca e
saturada (Tabela 5).

287
TABELA 5 - PROPRIEDADES DAS ARGAMASSAS ESTUDADAS NO ESTADO ENDURECIDO EM CORPOS-DE-PROVA

USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO


PROPRIEDADES MÉTODO UNIDADE BASE AR 30 AR 50 AR 75 AR 100 REF.
UTILIZADO
Compressão axial NBR 13279 MPa 4,1 4,4 4,3 3,2 3,8 4,7
Tração por compressão diametral NBR 7222 MPa 0,70 0,60 0,75 0,50 0,55 0,65
Absorção de água por capilaridade CETA nº 5/98 Kg/m2. min1/2 0,81 0,72 0,51 0,55 0,64 1,42
imersão % 14,70 12,90 14,70 18,00 21,40 12,80
Absorção de água
por imersão
fervura % 17,00 22,60 25,10 29,90 31,20 15,00
imersão % 24,60 20,60 22,70 25,80 30,70 23,90
Porosidade
fervura % 28,30 36,00 38,70 43,00 44,60 27,80
imersão NBR 9778 % 32,70 25,90 29,40 34,80 44,20 31,40
Índice de vazios
fervura % 39,40 56,30 63,30 75,40 80,40 38,40
seca Kg/dm3 1,66 1,60 1,54 1,44 1,43 1,85
Massa específica saturada Kg/dm3 1,90 1,80 1,77 1,70 1,73 2,08
real Kg/dm3 2,31 2,50 2,52 2,52 2,56 2,56

288
ARGAMASSAS NO ESTADO ENDURECIDO -

EXPERIÊNCIA REALIZADA
PAINÉIS DE REVESTIMENTO
As argamassas estudadas apresentaram resultados de resistên-
cia de aderência à tração significativamente superiores a 0,30 MPa,
limite estabelecido pela NBR 13749. A adição de 50% de agregado
reciclado (AR 50) aponta para uma melhoria da resistência de
aderência à tração, em comparação à das demais argamassas com
agregado reciclado e à da argamassa com cal, além de apresentar
valor similar ao obtido pela argamassa base (Figura 5).
Resistência de aderência
à tração (MPa)

LIMITE MÍNIMO

Dosagem

FIGURA 5 - RESISTÊNCIA DE ADERÊNCIA À TRAÇÃO


DAS ARGAMASSAS ESTUDADAS

De um modo geral, as argamassas estudadas apresentaram re-


sultados similares para a dureza superficial, cerca de 45. Apenas
as argamassas AR 75 e AR 100 apresentaram valores inferiores,
40 e 42, respectivamente.
As argamassas com agregado reciclado obtiveram, aos 15 minu-
tos, valores de absorção de água sob baixa pressão inferiores a 1,0
ml, ou seja, menos da metade do valor máximo limite (Figura 6).

289
Desse modo, pode-se concluir que os revestimentos produzidos
EXPERIÊNCIA REALIZADA

com as argamassas estudadas atenderam à especificação quanto à


permeabilidade, apesar do aumento da absorção de água verificado
nos corpos-de-prova, para o ensaio de absorção por imersão.

LIMITE MÁXIMO
Absorção de água
(ml)

Dosagem

FIGURA 6 - ABSORÇÃO DE ÁGUA POR SUCÇÃO DE BAIXA PRESSÃO


DAS ARGAMASSAS ESTUDADAS, AOS 15 MINUTOS DE ENSAIO.

AVALIAÇÃO SUBJETIVA DAS ARGAMASSAS


A argamassa base, com adição de arenoso, apresentou excelen-
te adesão ao substrato e nenhuma perda significativa de água, e,
desse modo, a trabalhabilidade se manteve constante durante o
período de aplicação. Essa argamassa permitiu um bom acaba-
mento com uso do sarrafo, resultando num revestimento liso.
Já a argamassa de referência mista, com cimento e cal, não apre-
sentou boa aderência inicial ao substrato. Por outro lado, a perda
de água dessa argamassa, ao longo do tempo, foi pequena, não pre-
judicando a trabalhabilidade. Essa argamassa permitiu excelente
acabamento, resultando num revestimento sem irregularidades.
As argamassas com o material reciclado, de uma maneira geral,
apresentaram consistência muito boa logo após o processo de
mistura. Entretanto, há uma significativa perda de água ao longo

290
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
do tempo, o que diminui a trabalhabilidade durante o processo

EXPERIÊNCIA REALIZADA
de aplicação e acabamento. Apesar de essas argamassas terem ex-
celente aderência inicial ao substrato, apresentaram, para teores ele-
vados de agregado reciclado, acabamento superficial áspero.
Por fim, na análise visual dos painéis, após 28 dias de executa-
dos, não foi verificado o surgimento de fissuras, indicando que as
argamassas estudadas não apresentaram retração por secagem,
apesar da significativa quantidade de partículas finas presentes
no agregado reciclado.

AVALIAÇÃO ECONÔMICA
Uma vez comprovada a viabilidade técnica do uso do agregado
reciclado em argamassas, a sua viabilidade econômica torna-se
um aspecto fundamental para a aceitação dos novos produtos pelo
mercado consumidor. A avaliação realizada pelo Projeto Entulho
Bom visou a uma análise preliminar da viabilidade econômica da
produção de argamassas de revestimento com o agregado reci-
clado, comparando-a com a das argamassas base (com arenoso) e
referência (com cal).
Os custos de equipamento, mão de obra e materiais foram co-
tados no mercado de Salvador no período de abril a maio de 2000.
A cotação de preços da areia e do arenoso utilizados na execução
desse serviço foi obtida de lojas de materiais de construção da
região, visto que esse tipo de comércio preenche as necessidades
de pequenas obras, reformas, ampliações e habitação popular.
O uso de agregado reciclado em argamassas proporcionou uma
redução de custos de produção de até 37%, quando comparados
com os da argamassa de cal (REF), e de até 16% quando compara-
dos com os da argamassa base, convencionalmente utilizada na
região de Salvador (Figura 7). Essa redução de custo se deve ao

291
menor preço do agregado reciclado (cerca de R$ 11,00/m3) em re-
EXPERIÊNCIA REALIZADA

lação à areia (cerca de R$ 15,00/m3) e ao arenoso (cerca de 13,00/


m3), ao menor consumo de cimento das argamassas com agregado
reciclado e, no caso da argamassa de referência, ao elevado preço
da cal (cerca de R$ 5,00 por saco de 20 kg).
Valor (R$/m 3 )

Dosagem

FIGURA 7 - CUSTO POR M3 DAS ARGAMASSAS ESTUDADAS

CONCLUSÃO
A utilização do agregado reciclado de Salvador em substituição
à areia e ao arenoso, na produção de argamassas de revestimento,
apresentou-se como alternativa tecnicamente viável, proporcio-
nando, inclusive, redução significativa do custo do material.
O processo de produção das argamassas com agregado reciclado
não diferiu significativamente do das argamassas convencionais,
devendo-se, apenas, umedecer previamente o material reciclado.
Contudo, o modo de mistura influenciou o teor de ar incorporado
da argamassa, pois o uso da betoneira para misturas das argamassas
com agregado reciclado promoveu um aumento na quantidade

292
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
de ar incorporado, quando comparado com a das argamassas pro-

EXPERIÊNCIA REALIZADA
duzidas na argamassadeira. Buscando evitar valores elevados de
ar incorporado, deve-se diminuir o teor de aditivo incorporador
de ar adicionado às misturas.
No estado fresco, as argamassas com adição de agregado reci-
clado apresentaram consistência adequada. Entretanto, à medida
em que se aumentou o teor de agregado reciclado, houve uma
significativa perda de água ao longo do tempo, o que diminuiu a
trabalhabilidade durante o processo de aplicação e acabamento.
No estado endurecido, as argamassas com agregado reciclado
apresentaram desempenho adequado, destacando-se a resistência
a tração, superior ao limite estabelecido na NBR 13749, e a absor-
ção de água por capilaridade e sob baixa pressão, inferior à das
argamassas base e referência e menor que a metade do limite ado-
tado pelo CETA para painéis de revestimento.
De um modo geral, a argamassa com 50% de agregado reciclado
apresentou o melhor desempenho na maioria das propriedades ava-
liadas, destacando-se como o teor mais indicado para a produção de
argamassas com os materiais utilizados pelo Projeto Entulho Bom.
Além disso, as argamassas com agregado reciclado apresenta-
ram comportamento semelhante ao das argamassas analisadas em
trabalhos sobre reciclagem de entulho em canteiro, indicando que
tanto o agregado reciclado produzido em canteiro quanto o pro-
duzido em usina de reciclagem podem apresentar comportamento
satisfatório para a sua utilização em argamassas de revestimento.
Contudo, as características do entulho, e, por conseqüência, dos
agregados reciclados, podem variar em cada região e ao longo do
tempo. Portanto, os resultados desta pesquisa não devem ser
generalizados, tornando-se necessária a realização de estudos
específicos para a análise de materiais de outras regiões.

293
No caso dos revestimentos, uma das principais exigências de
EXPERIÊNCIA REALIZADA

desempenho é a durabilidade, que deve ser entendida como a


capacidade de suportar, durante a vida útil para o qual foram pro-
jetados, as condições físicas e químicas, às quais estão expostos e
que podem provocar sua degradação (Comissíon Permanente del
Hormigón, 1999 citado por Lima, 1999b). Nesse sentido, buscando
o aprofundamento do conhecimento desenvolvido pelo Projeto
Entulho Bom, deverão ser realizados estudos sobre a durabilidade
das argamassas que contêm agregado reciclado e projetos-piloto
que avaliem esse material em uso. Nesses estudos, deverá ser ava-
liado o desempenho das argamassas de revestimento ao longo do
tempo e em utilização, além de ser analisada a adequação desse
novo material às necessidades do usuário.
Sugere-se, também, a avaliação do processo de incorporação
de ar da argamassa, ao se utilizar agregado reciclado, sobretudo
quando misturado em betoneira.
Futuras pesquisas poderão abordar, ainda, a influência do agre-
gado reciclado no comportamento das argamassas de assenta-
mento de blocos e de base para cerâmica, além da avaliação da
retração do material.
Para o desenvolvimento desses estudos, é de significativa im-
portância que sejam identificados critérios adequados para avali-
ação tanto das argamassas convencionais quanto das argamassas
produzidas com agregado reciclado.
A produção de argamassas com agregado reciclado é simples
e resulta num produto final de qualidade, possibilitando o seu
uso como revestimento de moradias. A produção de materiais de
construção que utilizam agregado reciclado surge, assim, como
uma alternativa acessível de melhoria e ampliação da oferta
de habitações.

294
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
O drama da habitação popular ainda se constitui num grande

EXPERIÊNCIA REALIZADA
desafio, não só para os agentes governamentais incumbidos desses
problema, como para os pesquisadores de um modo geral. De
forma independente, a população pobre avança sobre a cidade,
construindo os seus casebres, num verdadeiro cinturão de po-
breza, usando os seus parcos recursos para vencer os obstáculos.
A produção de agregados de baixo custo para a habitação po-
pular e o aproveitamento de resíduos dispostos, de forma inde-
vida, em diversos espaços da cidade são ações de significativa
importância na busca de soluções para a recuperação de áreas
urbanas degradadas.

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ambiental. 1999. Tese (Doutorado) - Universidade Politécnica da
Catalunha, Barcelona, 1999b.
MIRANDA, Leonardo Fagundes Rosemback. Estudo dos fatores que influem
na fissuração de revestimentos de argamassa com entulho reciclado. 2000.
Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2000.
NEVES, Célia; MACIEL, Luciana., Absorção de água por capilaridade.
Salvador: CETA/UFBA, 1998a. p.5. (Procedimento CETA, 5/98)

296
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
NEVES, Célia; MACIEL, Luciana., Determinação da dureza superficial
do revestimento de argamassa. Salvador: CETA/UFBA, 1998b. p.3.
(Procedimento CETA, 6/98)
NEVES, Célia; MACIEL, Luciana. Dosagem de argamassa para
revestimento de paredes e tetos. Salvador: CETA/UFBA, 1999. p.11.
(Procedimento CETA, 1/99)
PINTO, T. P. Entulho de construção: problema urbano que pode gerar
soluções. Construção, São Paulo, n. 2325, p. 11-12, ago. 1992.
PINTO, T. P. Manual de uso dos resíduos de construção reciclados.
São Paulo: I & T, 1998.
PINTO, T. P. Utilização de resíduos de construção: estudo do uso em
argamassas. 1986. 148f. Dissertação (Mestrado) - Departamento de
Arquitetura e Planejamento da Escola de Engenharia de São Carlos,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986.
SILVA, Antônio S. R. da et al. Argamassa inorgânica com o emprego de
entulho reciclado. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE TECNOLOGIA DAS
ARGAMASSAS, 2., 1997, Salvador. Anais... Salvador: UFBA/ANTAC, 1997.
p. 203-206.
ZORDAN, Sérgio Eduardo. A utilização do entulho como agregado na
confecção do concreto. 1997. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de
Engenharia Civil da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997.

1
NORMAS TÉCNICAS CITADAS

NBR 6459 - Solo: determinação do limite de liquidez: método de ensaio. 1984.


NBR 6467 - Agregados: determinação de inchamento de agregado miúdo
método de ensaio. 1987.
NBR 6508 - Grãos de solos que passam na peneira de 4,8 mm: determinação
da massa específica: método de ensaio. 1984.
NBR 7180 - Solo: determinação do limite de plasticidade: método de
ensaio. 1984.

297
NBR 7181 - Solo: análise granulométrica: método de ensaio. 1984.
NBR 7217 - Agregados: determinação da composição granulométrica:
método de ensaio. 1987.
NBR 7219 - Agregados: determinação do teor de materiais pulverulentos:
método de ensaio. 1987.
NBR 7220 - Agregados: determinação de impurezas orgânicas húmicas em
agregado miúdo: método de ensaio. 1987.
NBR 7222 - Argamassas e concretos: determinação da resistência à tração
por compressão diametral de corpos-de-prova cilíndricos: método de
ensaio. 1983.
NBR 7251 - Agregado em estado solto: determinação da massa unitária:
método de ensaio. 1982.
NBR 9776 - Agregados: determinação da massa específica de agregados
miúdos por meio do frasco de Chapman: método de ensaio. 1987.
NBR 9778 - Argamassa e concreto endurecidos: determinação da absorção
de água por imersão: índice de vazios e massa específica: método de
ensaio. 1987.
NBR 9779 - Argamassa e concreto endurecidos: determinação da absorção
de água por capilaridade. 1987.
NBR 13276 - Argamassa para assentamento de paredes e revestimento de
paredes e tetos: determinação do teor de água para obtenção do índice de
consistência-padrão: método de ensaio. 1995.
NBR 13277 - Argamassa para assentamento de paredes e revestimento de
paredes e tetos: determinação da retenção de água: método de ensaio. 1995.
NBR 13278 - Argamassa para assentamento de paredes e revestimento de
paredes e tetos: determinação da densidade de massa e do teor de ar
incorporado: método de ensaio. 1995.
NBR 13279 - Argamassa para assentamento de paredes e revestimento de
paredes e tetos: determinação da resistência à compressão: método de
ensaio. 1995.

298
USO DO AGREGADO RECICLADO EM ARGAMASSAS DE REVESTIMENTO
NBR 13528 - Revestimento de paredes e tetos de argamassas inorgânicas:
determinação da resistência de aderência à tração: método de ensaio.
1995.
NBR 13749 - Revestimento de paredes e tetos de argamassas inorgânicas:
especificação. 1996.
1
Publicação ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, Rio de Janeiro.

Marcos Jorge Almeida Santana - Engenheiro Civil, PhD, MSc, Professor do MEAU / UFBA,
Consultor do Projeto Entulho Bom

Alex Pires Carneiro - Engenheiro Civil, Mestrando em Engenharia Ambiental Urbana - UFBA,
Coordenador do Projeto Entulho Bom

Taís Santos Sampaio - Engenheira Civil, Pesquisadora do Projeto Entulho Bom - Universidade
Federal da Bahia - UFBA

299
CONSIDERAÇÕES FINAIS
300
REDUÇÃO, RECICLAGEM E REAPROVEITAMENTO – AÇÕES DE CIDADANIA
REDUÇÃO, RECICLAGEM
E REAPROVEITAMENTO –
AÇÕES DE CIDADANIA

Alex Pires Carneiro

301
Conforme abordado nos capítulos anteriores, a geração de gran-
des quantidades de resíduos sólidos é um dos principais problemas
enfrentados pelas áreas urbanas. O crescimento populacional, o de-
senvolvimento econômico e a utilização de tecnologias inadequadas
têm contribuído para o aumento crescente dessa quantidade.
Dentre os diversos tipos de resíduos gerados no ambiente ur-
bano, destaca-se o entulho, resíduo das atividades de construção
e demolição. A quantidade expressiva desse resíduo e o seu des-
carte inadequado causam graves impactos socioambientais, impon-
do a busca de soluções rápidas e eficazes para sua gestão adequa-
da, através da elaboração de programas específicos, que visem à
minimização desses impactos.
Contudo, o entulho tem uma grande vantagem, apresenta eleva-
do potencial de reciclagem, podendo ser utilizado como matéria-
prima para produção de materiais de construção. Reciclar o en-
tulho, independentemente do uso que lhe for dado, apresenta
vantagens, tais como:
• redução dos impactos ambientais e sociais do descarte inade-
quado e de suas conseqüências negativas (alagamentos, des-
lizamento de encostas, proliferação de vetores de doenças,
poluição, entre outras);
• otimização do uso dos aterros;
• transformação de uma fonte de despesa numa fonte de fatura-
mento ou, pelo menos, de redução das despesas de deposição;
• redução de custos no orçamento municipal, pois um progra-
ma de gestão e reciclagem, geralmente, apresenta custos in-
feriores aos da gestão corretiva;
• substituição, em grande parte, dos agregados naturais em-
pregados na produção de concreto, argamassa, blocos, tijo-
los, pavimentos, entre outras aplicações;

302
REDUÇÃO, RECICLAGEM E REAPROVEITAMENTO – AÇÕES DE CIDADANIA
• redução dos custos de aquisição de matéria-prima e preser-
vação das reservas naturais, devido à substituição de materiais
convencionais — areia e rocha britada;
• criação de uma alternativa para mineradoras, que estão, cada
vez mais, sujeitas a restrições ambientais, tendo de se instalar
em locais distantes dos centros urbanos;
• geração de emprego e renda e criação de novas oportunidades
de negócios;
• redução do consumo de energia e da geração de CO2 na pro-
dução e transporte dos materiais;
• produção, em muitos casos, de materiais com melhores carac-
terísticas tecnológicas;
• produção de materiais de menor custo, com redução do preço
final das habitações e de obras de infra-estrutura (vias, drena-
gem, elementos pré-moldados, etc.).
• contribuição no desenvolvimento de ações dirigidas à mini-
mização dos resíduos e ao gerenciamento ambiental;
• vinculação a ações de educação ambiental e participação
comunitária, necessárias para a implantação da reciclagem.
Assim, dentro de uma visão holística de equacionamento dos
problemas urbanos gerados pelo gerenciamento inadequado do
entulho, a reciclagem desse material assume grande importância
ao proporcionar tantos benefícios.
A prática da reciclagem do entulho é um processo já consolidado
em vários países. Nos Estados Unidos, esse procedimento é utiliza-
do há mais de 30 anos, na produção de agregados para base e sub-
base de pavimentos. Em algumas regiões da Europa, a reciclagem
é uma questão cultural, decorrente da dificuldade de obtenção
de matéria-prima natural (areia e brita) e da pouca disponibilidade
de locais para deposição. Na Holanda, por exemplo, cerca de 70%

303
do entulho é reciclado; na Alemanha, cerca de 30% e, na cidade
de Copenhague, na Dinamarca, aproximadamente 25%.
Vários países da Comunidade Econômica Européia estabelece-
ram metas ambiciosas para reciclagem. A Holanda e a Alemanha
estabeleceram metas de reciclar 90% do entulho, enquanto que a
Dinamarca definiu um percentual de 60% até o ano 2000. Outras
metas também devem ser alcançadas como, por exemplo, a redu-
ção das distâncias de transporte do entulho e do material reciclado.
Segundo o EC Council Directive (conselho que estabelece as
diretrizes para os países da Comunidade Européia), para atingir
essas metas, algumas medidas devem ser tomadas, entre elas:
• a prevenção e a redução da geração de entulho e de seus
impactos ambientais diretos, através da redução das perdas,
da implementação de tecnologias limpas e do reaprovei-
tamento do resíduo;
• o estabelecimento de incentivos econômicos para a reciclagem;
• a implementação de projetos para gestão de resíduos;
• a aplicação da política de responsabilidade (sobretudo finan-
ceira) do produtor do resíduo.
Buscando a efetiva implantação de políticas para a reciclagem
de entulho, todas as barreiras e obstáculos devem ser detectados.
As soluções para essas questões devem ser planejadas e execu-
tadas como ações de longo prazo, combinadas com pesquisa e
desenvolvimento.
As experiências européias demonstram que as ações de longo
prazo têm apresentado bons resultados no que se refere ao alcan-
ce das metas de reciclagem. Essas ações devem ser freqüentemente
revisadas, de acordo com a situação política e econômica, e pau-
tadas em legislação e regulamentação específicas. Os aspectos le-
gais, econômicos e técnicos dependerão da iniciativa das partes

304
REDUÇÃO, RECICLAGEM E REAPROVEITAMENTO – AÇÕES DE CIDADANIA
envolvidas, sendo necessária a criação de leis e normas específicas
em todos os níveis — nacional, regional e municipal.
No Brasil, pouca quantidade de entulho é reciclada, e ainda
não se dispõe de políticas públicas estaduais e federais eficientes
sobre o tema. O Governo Federal lançou, em 1999, o Programa
Brasileiro de Reciclagem, embora ainda não tenham sido implan-
tadas ações consistentes para a reciclagem e o aproveitamento de
resíduos na construção. Atualmente, o CONAMA (Conselho Nacio-
nal do Meio Ambiente) está elaborando a sua primeira resolução
que trata especificamente dos resíduos da construção civil. Alguns
municípios, como Belo Horizonte, Ribeirão Preto, Londrina, São
Paulo, entre outros, já possuem usinas de reciclagem. Além disso,
outros municípios vêm implantando ações para reciclagem do
entulho, pautados em legislação municipal adequada, como é o
caso do município de Salvador.
Os programas de gestão diferenciada do entulho, como o que
está sendo implantado pela LIMPURB (Empresa de Limpeza Urbana
do Salvador), surgem para dar o respaldo necessário ao processo
de reciclagem. A gestão diferenciada apresenta-se como um con-
junto de soluções cujo objetivo é viabilizar e sustentar esse siste-
ma, através da constituição de uma rede eficiente de captação de
resíduos, da consolidação de um sistema de reciclagem e da rea-
lização de programas informativos e educacionais. A gestão dife-
renciada alia, assim, a atratividade econômica desse processo à
qualidade ambiental e à eficiência do sistema de limpeza urbana.
A minimização da produção e a reciclagem de resíduos estão
profundamente ligadas à compreensão dos diferentes problemas
relativos à gestão e, nesse sentido, a educação e a informação das
partes envolvidas, em todos níveis, tornam-se necessidades fun-
damentais. Além disso, a aplicação de mecanismos de apoio à

305
reciclagem é fundamental para a consolidação e conscientização
da sociedade quanto à necessidade de reciclar resíduos.
Um problema bastante grave que uma cidade como Salvador
enfrenta é a falta de programas integrados de educação ambiental,
a partir do qual as comunidades possam relacionar boas práticas
ambientais com a qualidade de vida e sua própria segurança. A
participação da população é fundamental no processo de reci-
clagem de entulho, pois ela é a geradora do resíduo e consumi-
dora dos materiais provenientes da reciclagem. Nesse sentido, está
sendo muito importante a implantação do programa de gestão
para o entulho de Salvador, a partir do qual a comunidade é ins-
truída sobre a importância da prática do descarte adequado.
Dando respaldo ao Plano de Gestão Diferenciada do Entulho
de Salvador, o Projeto Entulho Bom buscou contribuir desenvol-
vendo tecnologia e conhecimento necessários para a utilização
dos materiais reciclados, visando à melhoria da qualidade am-
biental, das condições de vida da população e o desenvolvimento
sustentável da região.
A realização do diagnóstico dos setores produtores de resídu-
os da região foi fundamental para a identificação e a caracteriza-
ção das principais ocorrências de resíduos sólidos, visando ao seu
uso na construção civil. A avaliação do nível de conhecimento
disponível, bem como a caracterização do resíduo, permitiram
identificar o seu potencial de aplicação em materiais de construção,
indicando as necessidades de pesquisa e desenvolvimento, as
prioridades e as oportunidades comerciais de reciclagem do
material na construção civil.
A utilização do entulho como matéria-prima para a execução
de camadas de base e sub-base de pavimentos, a fabricação de
tijolos e a produção de argamassas foram identificados pelo

306
REDUÇÃO, RECICLAGEM E REAPROVEITAMENTO – AÇÕES DE CIDADANIA
Projeto Entulho Bom como aplicações prioritárias e apresenta-
ram desempenho adequado em testes de laboratório. Vale ressaltar
que essa experiência, desenvolvida em Salvador, pode ser repro-
duzida em qualquer centro urbano, desde que seja adaptada às
características e aspectos locais.
Além das linhas de pesquisa já desenvolvidas pelo Projeto, exis-
tem outras formas de aproveitamento do entulho para a produção
de materiais de construção, destacando-se a sua utilização na pro-
dução de concreto não estrutural. Independentemente da aplica-
ção escolhida, a utilização de materiais de construção com incor-
poração de resíduos deve ser acompanhada de controle tecno-
lógico adequado, incluindo a avaliação de riscos ambientais e à
saúde dos usuários.
O preconceito quanto à utilização de materiais reciclados geral-
mente está relacionado à falta de informações e estudos que de-
monstrem ao usuário o desempenho do produto, garantindo, as-
sim, o seu uso seguro. Com o objetivo de superar esse problema,
torna-se necessário o desenvolvimento de projetos-piloto que
comprovem, em condição de uso, o seu desempenho, permitin-
do, ainda, a avaliação da satisfação das necessidades do usuário
do material reciclado e possibilitando o monitoramento das suas
propriedades ao longo do tempo.
Embora a reciclagem de entulho não seja uma atividade nova, a
adequação desse processo a uma atividade econômica é bastante
recente. Fatores como envolvimento da iniciativa privada e boa
aceitação do mercado podem ser decisivos para o sucesso de uma
linha de atuação como essa.
Estudos econômicos preliminares demonstram que os agrega-
dos reciclados apresentam custos inferiores aos agregados con-
vencionais, embora esses estudos devam ser aprofundados para

307
atender à economia de mercado. Portanto, torna-se fundamental
o desenvolvimento de pesquisas de mercado, para a análise da
viabilidade econômica da reciclagem do entulho e dos materiais
de construção produzidos a partir desse resíduo, incluindo o ma-
peamento dos possíveis parceiros e concorrentes e a quantificação
das vantagens para os diversos agentes envolvidos no processo (ge-
rador do resíduo, responsável pela reciclagem, produtor de ma-
teriais de construção, usuário do produto, poder público, entre ou-
tros). Além disso, aspectos de marketing devem ser introduzidos
no processo, buscando-se a aceitação do uso do material reciclado
e a sua valorização como material ambientalmente correto.
O recente destaque que o conceito de qualidade vem tendo
nas empresas deve ser efetivamente aplicado através da redução
de perdas, da gestão adequada dos resíduos e da sua reciclagem.
Reduzir a geração do entulho no canteiro reafirma e fortalece o
conceito de desenvolvimento sustentável na construção civil. A
sustentabilidade das atividades do macrocomplexo da constru-
ção civil envolve desde a extração de matérias-primas e a produ-
ção dos materiais, até as etapas de construção, manutenção e
demolição do empreendimento. Portanto, é de fundamental im-
portância o gerenciamento adequado do canteiro, a otimização
das matérias-primas e dos materiais de construção utilizados, bem
como dos resíduos gerados nesses processos.
Os profissionais do setor da construção civil deverão estar cada
vez mais preparados para o desenvolvimento dessas atividades.
Nesse sentido, publicações como esta contribuem para a transfe-
rência ao meio técnico e aos gestores urbanos de conhecimento
fundamental para a implantação da reciclagem.
Necessário se faz o apoio às atividades de pesquisa e desen-
volvimento, como o da CAIXA ao Projeto Entulho Bom, para

308
REDUÇÃO, RECICLAGEM E REAPROVEITAMENTO – AÇÕES DE CIDADANIA
consolidar a cultura da reciclagem de resíduos em materiais
de construção.
Por fim, vale ressaltar que a redução, a reciclagem e o rea-
proveitamento do entulho beneficiam a sociedade como um todo,
especialmente a população de baixa renda, que é a mais atingida
pela questão da disposição inadequada de resíduos e a que mais
necessita de materiais de construção de baixo custo. Desse modo,
essas ações, mais que atos de conscientização, constituem atos
de cidadania.

Alex Pires Carneiro - Engenheiro Civil, Mestrando em Engenharia Ambiental Urbana - UFBA,
Coordenador do Projeto Entulho Bom

309
310
REDUÇÃO, RECICLAGEM E REAPROVEITAMENTO – AÇÕES DE CIDADANIA
Este livro foi composto pela Azeviche Comunicação Visual
em Helvetica e Apple Garamond.
O fotolito foi executado por P&H Fotolito, em Salvador, BA.
Foram impressos 3.000 exemplares deste livro,
na Gráfica da Caixa, Brasília - DF,
sobre papel pólen print 120 g/m2 da Cia Suzano
e capa em papel supremo 240g/m2,
em maio de 2001.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL


Gerência de Desenvolvimento Urbano
Av. Sete de Setembro, 955 - 2º Andar - Mercês - CEP 40.060-000 - Salvador - BA
Tel: (71) 329-8200 / Fax: (71) 329-6934 / e-mail:gedursa@caixa.gov.br

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


Rua Augusto Viana, 37 - Canela - CEP 40.110-060 - Salvador - BA
Telefax: (71) 235-8991 / e-mail: edufba@ufba.br

www.entulhobom.org

O PAPEL UTILIZADO FOI FEITO A PARTIR DE RECURSOS RENOVÁVEIS.


CADA ÁRVORE UTILIZADA FOI PLANTADA PARA ESTE FIM.

311
REDUZIR, RECICLAR E REAPROVEITAR SÃO MAIS QUE
ATOS DE CONSCIENTIZAÇÃO: SÃO ATOS DE CIDADANIA

312
REDUÇÃO, RECICLAGEM E REAPROVEITAMENTO – AÇÕES DE CIDADANIA
ALEX PIRES CARNEIRO
Pesquisador,
formado em
Engenharia Civil
(1998) e
Mestrando em
Engenharia
Ambiental Urbana
na UFBA, recebeu
o desafio de
coordenar e
concluir o Projeto
Entulho Bom.
Foi agraciado com 14 prêmios, concedidos por
instituições como ABPv, COPMAT, IBRACON e PIBIC/
CNPq. É autor de mais de 30 artigos publicados em
anais de congressos nacionais e internacionais e
revistas técnicas indexadas sobre: reciclagem de
entulho, meio ambiente, aproveitamento de re-
síduos sólidos e materiais de construção. Atual-
mente, é diretor técnico da Viez Consultoria e Meio
Ambiente Ltda.

IRINEU ANTÔNIO SCHADACH DE BRUM


Professor do Curso de
Engenharia de Minas da
Escola Politécnica da
UFBA, com atividades
didáticas na área de
tratamento de minérios.
Mestre em Metalurgia
Extrativa (UFRGS)
e Especialista em
Gerenciamento e Tecnologias Ambientais na In-
dústria (UFBA). Doutorando no Programa de Pós-
Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e
de Materiais da UFRGS.
Atua e publica nas seguintes áreas: tratamento de
minérios (metálicos e minerais industriais), reciclagem
de resíduos sólidos, meio ambiente e recuperação
de áreas degradadas por atividades de mineração.

313
Realização

Parceria Apoio

314
REDUÇÃO, RECICLAGEM E REAPROVEITAMENTO – AÇÕES DE CIDADANIA

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