Você está na página 1de 8

Poliidroxialcanoatos: biopoliésteres produzidos a

partir de fontes renováveis


FORMOLO, M. C.1 DUARTE, M. A. T. 2; SCHNEIDER, A. L.1; FURLAN, S. A.1; *PEZZIN, A. P. T.1
1
Laboratório de Biotecnologia – Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
Campus Universitário, s/n.o – Bom Retiro – Caixa Postal 246 – CEP 89201-972
Joinville – SC – Brasil
2
Centro de Ciências Tecnológicas – UDESC
Caixa Postal 631 – CEP 89223-100 – Joinville – SC – Brasil
*e-mail: paulapezzin@univille.edu.br

Entrada: 24-9-03
Aceite: 9-12-03

Resumo: Desde o início do século passado, o uso de plásticos tem se tornado cada vez mais freqüente na sociedade. Basta olhar ao
redor para perceber a incrível quantidade de artefatos produzidos pelo homem que utiliza polímeros como matéria-prima.
Infelizmente, esse fato os transforma em um grande problema ambiental. A maior parte desses artefatos é descartada muito
rapidamente, gerando um sério impacto ambiental, pois os plásticos convencionais levam cerca de meio milênio para serem
degradados. Somente na cidade de Joinville, recolhem-se diariamente 600 toneladas de lixo, e essa produção cresce 6% ao ano. A
quantidade de lixo plástico é estimada em cerca de 30% desse valor. Alternativamente, os polímeros biodegradáveis vêm sendo
pesquisados, despertando grande interesse, pois possuem propriedades similares aos plásticos convencionais (de origem petroquímica),
além da vantagem de serem degradados no solo pela ação de microrganismos em questão de poucos meses, sendo totalmente
transformados em água e gás carbônico. Uma classe de polímeros bacterianos que vem se destacando são os poliidroxialcanoatos
(PHAs), que são produzidos e acumulados como reserva de energia por inúmeras bactérias, na forma de grânulos localizados no
interior das células. O acúmulo de polímero na forma de grânulos geralmente ocorre quando existe excesso de fonte de carbono
e limitação de algum nutriente essencial à multiplicação das bactérias. Trata-se de uma síntese que ocorre em duas etapas. Na
primeira procura-se favorecer ao máximo o crescimento celular e assegurar, ao mesmo tempo, que a síntese do polímero seja a
menor possível. Inversamente, na segunda etapa, interrompe-se o crescimento celular e estimula-se o acúmulo de polímero nas
células. O poli(3-hidroxibutirato), P(3HB), é um poliéster pertencente à classe dos PHAs produzido principalmente pela bactéria
Ralstonia eutropha, que apresenta características termoplásticas semelhantes ao polipropileno. Este trabalho tem como proposta a
revisão sobre a biossíntese de PHAs.
Palavras-chave: poliidroxialcanoatos; polímero biodegradável.

Abstract: Since the beginning of the last century, use of plastics has increased and become each time more frequent in the society.
It can be noticed by the incredible quantity of artifacts produced by men that use polymers as raw materials. Unfortunately, these
same quantities turn into an environmental problem. Most of these artifacts is disposed very rapidly, generating a serious
environmental impact, due to the fact that the conventional plastics take about half millenium to be degraded. Only in the city
of Joinville, 600 tons of garbage are collected daily, and this production grows 6% per year. The estimated quantity of plastic waste
is around 30% of this amount. Alternatively, biodegradable polymers are being studied and attracting great interest, because they
hold similar properties to the conventional plastics (originated from petroleum). They also have the advantage of being degraded
in the soil by the action of microorganisms in some months, being totally transformed in water and carbonic gas. One class of
bacterial polymers that has been standing out is the polyhydroxyalkanoates (PHAs), that are produced and accumulated as energy
reserve for several bacteria, in the form of granules located in the interior of the cells. The accumulation of polymer in the form of
granules usually occurs when there is an excess of carbon source and limitation of some essential nutrient for the bacteria growth.
It is a synthesis that occurs in two phases. In the first phase the cellular growth is favored at the maximum and, at the same time,
as low as possible production of polymer must be assured. On the other hand, in the second phase the cellular growth is interrupted
and the accumulation of polymer in the cells is stimulated. The poly(3-hydroxybutyrate), P(3HB), is a polyester which belongs to
the PHAs family and is produced mainly by the Ralstonia eutropha bacteria. This polymer presents thermoplastic characteristics
similar to polypropylene.
Keywords: polyhydroxyalkanoates; biodegradable polymer.

Introdução recebido considerável atenção graças ao uso potencial


desses polímeros como termoplásticos ambientalmente
A família dos poliésteres microbiológicos, amigáveis (DOI, 1990, apud MARANGONI, 2000).
classificada como poli(hidroxialcanoatos) (PHAs), tem Os PHAs constituem uma classe geral de polímeros

– 14 –
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 4, n. 2, dez. 03

produzidos e acumulados como reserva de carbono e Em 1958, Macrae e Wildinson (apud Braunegg et
energia por inúmeros microrganismos (JENDROSSEK al., 1998) observaram que Bacillus megaterium
et al., 1996). São poliésteres alifáticos formados por acumulava o polímero, especialmente quando a razão
carbono, hidrogênio e oxigênio, cuja fórmula geral é glicose/nitrogênio no meio era elevada. Eles também
mostrada na figura 1. observaram que esse material era degradado
rapidamente na ausência de fontes externas de
carbono e energia, concluindo que o P(3HB) era uma
forma de reserva de carbono e energia.
Durante os 30 anos subseqüentes, o interesse no
P(3HB) ficou restrito somente à pesquisa de métodos
de estimativa do conteúdo das células e sobre as
condições de cultivo que permitem a síntese e
degradação do polímero dentro das células do bacilo.
Figura 1 – Fórmula geral dos PHAs Entretanto, nas últimas décadas, dezenas de ácidos
hidroxialcanóicos foram identificadas
(STEINBÜCHEL e VALENTIM, 1995). Hoje,
aproximadamente 150 diferentes ácidos
A composição da cadeia lateral ou átomo R e o
hidroxialcanóicos são conhecidos.
valor de χ determinam juntos a identidade da unidade
monomérica (LEE, 1996). Uma grande variedade de Somente a partir da década de 70, a Imperial
microrganismos é capaz de acumular Chemical Industries (ICI), uma companhia inglesa,
poli(hidroxialcanoatos). A estrutura da cadeia lateral iniciou pesquisas e patentes para a produção de PHAs
pode ser modificada pela escolha do microrganismo e por intermédio de diversos processos
do substrato de carbono. (MARANGONI, 2000). Essa mesma indústria criou
um copolímero poli(3-hidroxibutirato)- co-(3-
Os PHAs são armazenados na forma de grânulos
hidroxivalerato), P(3HB -co -3HV), que era
pelas bactérias, como se observa na figura 2.
sintetizado por Alcaligenes eutrophus (hoje, Ralstonia
eutropha) a partir de glicose e ácido propiônico. Desde
então, uma variedade de copolímeros tem sido
produzida por Ralstonia eutropha e outros
microrganismos através de várias fontes de carbono
(LEE e CHANG, 1995).
Como produto do cultivo microbiano, obtém-se
um polímero totalmente natural e biodegradável que,
lançado no meio ambiente, sofre a ação de
microrganismos, podendo ser degradado
Figura 2 – Grânulos de polímero biodegradável do P(3HB) completamente em CO2 e H2O. A degradação é ainda
no interior das bactérias (BRAUNEGG et al., 1998) mais rápida se o material for depositado no solo, onde
existe maior concentração de bactérias e fungos, tanto
aeróbios quanto anaeróbios (JUSTI, 1991). É
A observação em microscópio desses grânulos em interessante ressaltar que, dentro da célula, o polímero
células bacterianas foi feita por Beijerink em 1888 permanece em um estado amorfo e não-cristalino, e
(BRAUNEGG et al., 1998), enquanto a primeira quando o polímero é extraído uma rápida cristalização
determinação da composição do PHA foi realizada ocorre e altos níveis de cristalinidade são
somente em 1927 por Lemoigne, um microbiologista desenvolvidos. Alguns autores tentam explicar esse
do Instituto Pasteur em Paris (DOI, 1990, apud fenômeno pela cinética do mecanismo de nucleação
MARANGONI, 2000). Ao observar um bacilo (BONTHRONE et al., 1992). Isso implica que os
semelhante ao Bacillus megaterium, Lemoigne notou grânulos do polímero dentro da célula são muito
que este degradava anaerobicamente e excretava pequenos, de modo que a probabilidade de a nucleação
ácido 3-hidroxibutírico. Esse poliéster foi dar início à cristalização é muito baixa. Apenas quando
identificado como poli(3-hidroxibutirato), (P(3HB)) a célula é rompida e os grânulos podem coalescer, uma
(LEMOIGNE, 1925). rápida nucleação heterogênea se torna possível.

– 15 –
Poliidroxialcanoatos: biopoliésteres produzidos a partir de fontes renováveis

As aplicações dos PHAs em geral estão características, o P(3HB) pode ser modificado ou
diretamente ligadas às propriedades específicas desses podem-se preparar misturas físicas com outros
polímeros. Todos os PHAs compartilham algumas polímeros que sejam também biodegradáveis,
propriedades que os recomendam para determinadas resultando numa maior gama de aplicações
aplicações e os tornam interessantes para a indústria. (VOGELSANGER et al., 2003).
Eles são termoplásticos e/ou elastoméricos, insolúveis O P(3HB) apresenta características similares ao
em água, não-tóxicos, biocompatíveis, exibem polipropileno (PP). A tabela 1 compara as principais
propriedades piezelétricas, como revelado para o características dos dois polímeros. Ambos fundem a
P(3HB) e para o P(3HB-co-3HV). Tais aplicações temperaturas muito próximas, 180oC para o P(3HB) e
incluem desde artigos de higiene e saúde até 174oC para o PP. Os valores de temperatura de transição
embalagens (REHM e REED, 1988). O P(3HB) e vítrea (Tg) dos dois polímeros indicam que o PP, por
blendas de P(3HB) com poli(ε-caprolactona) foram possuir Tg = -17°C, mostra-se mais flexível que o
estudados por nosso grupo para aplicação em P(3HB) (Tg = 5oC). A maior flexibilidade do PP em
embalagens de produtos agrícolas no transporte de relação ao P(3HB) é confirmada pelo módulo de
pequenas mudas, por exemplo (VOGELSANGER et elasticidade do PP (1700 MPa), que é bem inferior ao
al., 2002). do P(3HB) (3500 MPa). No entanto ambos os
Ainda que os PHAs tenham considerável polímeros apresentam alto grau de cristalinidade
potencial na produção de artigos de primeira (FORMOLO et al., 2003).
necessidade, como por exemplo para o uso em O grau de cristalinidade e a temperatura de fusão
embalagens de alimentos com baixa difusão de podem ser reduzidos por incorporação de outros
oxigênio (BYROM, 1987; WEBB e BROWN, apud hidroxialcanoatos dentro da cadeia do P(3HB), como
REHM e REED, 1988), muitos estudos para aplicações o 3-hidroxivalerato (3HV), para formar o copolímero
nos campos médico e farmacêutico também têm sido P(3HB-co-3HV) via fermentação (ORTS et al., 1991).
realizados, particularmente na confecção de cápsulas Bloembergen et al. (1986) observaram um decréscimo
para liberação controlada de drogas de uso humano e na taxa de cristalização com o aumento da quantidade
agrícola (fertilizantes e pesticidas) e como próteses e de 3HV. A variação do conteúdo de 3HV permite obter
enxertos de tecidos humanos e veterinários (REHM uma grande variedade de propriedades
e REED, 1988), suporte para engenharia de tecido termomecânicas. O módulo de Young do P(3HB)
(WILLIAMS et al., 1999), entre outros. decresce consideravelmente com o teor de 3HV,
O elevado grau de cristalinidade com grandes indicando que a adição de 3HV aumenta de forma
esferulitos e a alta fragilidade do P(3HB), além da significativa a flexibilidade do copolímero.
desvantagem econômica e temperatura de Industrialmente, o P(3HB-co-3HV) com até 24% de
processamento limitada, restringem suas aplicações. 3HV produzido pela bactéria Ralstonia eutropha é
A fim de obter um material com melhores comercializado com o nome de Biopol pela Monsanto.

Tabela 1 – Comparação entre as principais características do P(3HB) e do PP isotático (GOMES e BUENO NETTO, 1997)

Características P(3HB) (PP)


Temperatura de fusão 180 C 174 C
O O

Temperatura de transição vítrea (TC ) 5oC -17O C


Densidade 1.18 – 1.25 g/cm ! 0,91 g/cm !
Grau de cristalinidade 70% 68%
!
Permeabilidade de oxigênio 45(cm /m /at/dia) 1700 (cm!/m /at/dia)
Módulo de elasticidade (Módulo de 3500MPa 1700MPa
Young)
Tensão de cisalhamento 40MPa 38MPa
Resistência à ruptura 5% 400%
Massa molar 1 – 8 . 10 # 2,2 – 7 . 10 #

– 16 –
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 4, n. 2, dez. 03

Além dos copolímeros, muitos estudos estão em intermédio do aumento da escala de produção (ganhos
andamento a fim de melhorar as propriedades físicas em escala).
do P(3HB), como obtenção de blendas com outros
polímeros biodegradáveis, tais como ésteres
celulósicos, poli(ε- caprolactona) (PCL) Microrganismos produtores
(VOGELSANGER et al., 2003; KUMAGAI e DOI,
1992) e amido (ABE e DOI, 1999). O propósito das Os microrganismos capazes de acumular PHAs
blendas não é somente para melhorar propriedades são geralmente bactérias gram-positivas e gram-
inferiores do P(3HB), mas também para controlar o negativas, existindo mais de 75 gêneros diferentes
perfil de biodegradação (KUMAGAI e DOI, 1992). (REDDY et al., 2003). De um modo geral, as
No Brasil, o desenvolvimento de tecnologia para bactérias produtoras de PHAs podem ser divididas
obtenção do plástico biodegradável começou em 1991, em dois grupos, de acordo com as características de
por meio de um acordo de cooperação entre o Instituto acúmulo de PHA (LEE, 1996; LEE e CHANG,
de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo, a 1995). O primeiro grupo de bactérias começa a
Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool acumular PHA quando o crescimento celular é
do Estado de São Paulo (Copersucar) e o Instituto de interrompido pela limitação de algum nutriente
Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. essencial, como N, P, Mg, K, O ou S, e na presença
Em 1996, começou a funcionar a fábrica piloto, em de excesso de carbono. O segundo grupo produz PHA
Serrana. Em 1997, a Copersucar estabeleceu parceria de forma associada ao crescimento. A bactéria
com diversos processadores de plásticos e instituições Ralstonia eutropha pertence ao primeiro grupo,
de pesquisa e desenvolvimento, no Brasil e no exterior, enquanto Alcaligenes latus, Azotobacter beijerinckii e
com o propósito de desenvolver aplicações comerciais Escherichia coli recombinante pertencem ao segundo.
do P(3HB) e viabilizar sua produção comercial em De qualquer forma, é importante desenvolver uma
larga escala. O interesse da indústria em viabilizar a estratégia adequada de fermentação para cada um
produção de polímeros biodegradáveis em escala desses microrganismos para conseguir alta
industrial pode ser constatado pelos investimentos em produtividade de PHA. Para a cultura de bactérias
plantas para esse fim. Na Inglaterra, a Imperial que acumulam PHA sob condição limitante de
Chemical Industries (ICI) lançou, em 1983, a nutriente, o método de cultura em batelada em duas
produção do Biopol, nome comercial de um dos etapas tem sido largamente empregado. Para os
polímeros biodegradáveis mais comercializados, produtores de PHA associados ao crescimento,
inicialmente produzido a partir do açúcar de beterraba utiliza-se a estratégia de alimentação ótima de
em instalação de 50 t/ano. Posteriormente, em 1992, nutriente, a qual atende tanto à fase de crescimento
a planta foi ampliada para 300 t/ano, e já em 1995 o celular quanto à fase de acúmulo de PHA (LEE,
custo do polímero no mercado era de US$ 15,00/kg. 1996).
A Monsanto (formalmente Zeneca Bio Products), É desejável que as cepas tenham velocidade
sucessora da ICI, a partir de 1993, aumentou a específica de crescimento e de produção de PHA
produção do Biopol para 600 t/ano. Hoje a Zeneca elevados, que possam utilizar substratos de baixo
produz o polímero a cerca de US$ 10 a 12,00/kg. No custo, apresentem uma porcentagem elevada de
Brasil, a Copersucar produz o polímero a partir do polímero em relação à massa total seca e, finalmente,
açúcar da cana por cerca de US$ 5,00/kg em instalação é importante que haja um fator de conversão de
de 50 t/ano, custo esse significativamente inferior ao substrato em polímero bastante elevado (RAMSAY
concorrente internacional, pois já existe tecnologia et al., 1990).
na produção de derivados de cana-de-açúcar, matéria- As bactérias que apresentam as características
prima abundante no Brasil. Apesar de esse valor ser mais favoráveis para a produção industrial são
quatro vezes superior ao dos plásticos convencionais, Azotobacter sp, Methylobaterium sp e Ralstonia
como o poli(cloreto de vinila), o polipropileno e o eutropha (BYROM, 1987), essencialmente em razão
polietileno, é competitivo quando comparado aos da variedade de substratos que elas podem utilizar.
termoplásticos de Engenharia, tais como o copolímero Além disso existe também a possibilidade da
de estireno e acrilonitrila (SAN), o poli(tereftalato utilização de genes recombinantes em Escherichia coli
de butila) (PBT), entre outros. Mas isso pode ser (LEE, 1996) ou em plantas transgênicas para a
revertido no futuro com a redução de custos por produção de PHAs (BYROM, 1992).

– 17 –
Poliidroxialcanoatos: biopoliésteres produzidos a partir de fontes renováveis

Alguns dos microrganismos produtores de PHAs carbono e energia disponível e limitação de pelo menos
são citados a seguir. um nutriente necessário à multiplicação das células
bacterianas (N, P, Mg, Fe) (GOMES e BUENO
NETTO, 1997).
Ralstonia eutropha

Ralstonia eutropha, anteriormente denominada de Alcaligenes latus


Hidrogenomonas eutropha e depois de Alcaligenes
eutrophus, é um microrganismo procariótico, do tipo Alcaligenes latus tem sido considerada uma boa
gram-negativo, encontrado naturalmente no solo e candidata para produção de P(3HB), porque é capaz
água. Essa espécie possui células na forma de bastonete, de utilizar diferentes substratos de carbono, como por
é móvel, tendo de 1 a 4 flagelos peritríquios. As células exemplo a sacarose, com uma velocidade específica de
podem tornar-se esféricas na fase estacionária de crescimento elevada. Trabalhando em condições não
crescimento (MARANGONI, 2000). limitantes, Yamane et al. (1996) obtiveram menos de
Essa bactéria produz um polímero de alta massa 50% de polímero em biomassa. Ao contrário,
molar, utilizando uma variedade de compostos trabalhando sob limitação de nitrogênio, Wang e Lee
orgânicos como única fonte de carbono, entre os quais (1997) conseguiram um conteúdo de P(3HB) em
estão incluídos glicose (espécie mutante), frutose, biomassa de 88%.
formiato, acetato, propionato, lactato, glutamato, A desvantagem dessa cepa é a sua sensibilidade
succinato, fenobenzoato, entre outros. Pode crescer aos precursores utilizados para a produção do
autotroficamente em atmosfera de gases H2, O2 e CO2 copolímero P(3HB-co-3HV), ou seja, o crescimento
(TANAKA et al., 1994). de A. latus é completamente inibido em presença de
R. eutropha é capaz de crescer em condições de ácido propiônico na concentração de 0.5 g.L-1
quimiolitoautotrofia ou heterotrofia (REUTZ et al., (BRAUNEGG et al., 1995; RAMSAY et al., 1990).
1982). A quimiolitoautotrofia é a capacidade de os
microrganismos utilizarem os compostos inorgânicos
como doadores de elétrons e o dióxido de carbono como Bactérias do gênero Pseudomonas
fonte de carbono. A heterotrofia é a capacidade de
utilizar compostos orgânicos como fonte de carbono e De Smet et al. (apud ANDERSON e DAWES,
energia (DOELLE, 1975, apud MARANGONI, 2000). 1990) observaram a presença de grânulos intracelulares
Os PHAs sintetizados por R. eutropha contêm de P(3HB) em P. oleovorans. Subseqüentemente,
monômeros de 3-hidroxivalerato (3HV), 3- descobriu-se que, ao alimentar P. oleovorans com n-
hidroxibutirato (3HB), 4-hidroxibutirato (4HB), 5- octano, havia a produção de um polímero contendo 3-
hidroxivalerato (5HV) quando ácido valérico ou hidroxioctanoato e 3-hidroxiexanoato em maior e menor
quantidade, respectivamente, demonstrando que P.
propiônico são fornecidos (REE et al., 1992). É o
oleovorans não sintetiza somente P(3HB) (LAGEVEEN
microrganismo mais atraente para a produção
et al., 1988).
industrial. Ele pode acumular mais de 80% de sua
massa celular em P(3HB) com alta massa molar e Haywood et al. (1988, apud ANDERSON e
DAWES, 1990) examinaram várias espécies de
utilizar diferentes tipos de substratos (BYROM, 1987)
Pseudomonas. O acúmulo de polímero foi demonstrado
como a glicose ou a frutose, o soro de leite fermentado
em P. aeruginosa, P. putida, P. fluorensces e P. testosteroni
e os açúcares invertidos de cana-de-açúcar (RAMSAY
em extensa variedade de substratos.
et al., 1990).
A produção de PHAs por Ralstonia eutropha é
conduzida em duas fases: uma de crescimento, sem Escherichia coli
condição limitante, objetivando a geração de
biomassa, e outra com limitação de algum nutriente, Existem inúmeros relatos do emprego de E. coli
favorecendo o acúmulo de polímero de acordo com a recombinante para a produção de vários biopolímeros,
fonte de carbono oferecida (DOI et al., 1992). A principalmente proteínas. Os genes da biossíntese de
síntese de P(3HB) e de P(3HB -co -3HV) PHA de Ralstonia eutropha foram clonados em E. coli
normalmente ocorre quando há excesso de fonte de por três grupos independentes em 1988 e 1989. Esses

– 18 –
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 4, n. 2, dez. 03

genes foram seqüenciados e caracterizados em detalhes quantidade de polímero, com baixa massa molar, e a
(SCHUBERT et al., 1988). extração é difícil.
O uso de E. coli recombinante para a biossíntese Outras bactérias, incluindo Rhodococcus,
de PHAs é atrativo, e essa bactéria é capaz de acumular Corynebacterium e Nocardia, produzem o copolímero
cerca de 90% de sua biomassa em polímero (LEE e P(3HB-co-3HV) utilizando somente a glicose como
CHANG, 1995). Além disso, E. coli pode utilizar várias única fonte de carbono. Rhodococcus sp produz
fontes de carbono, o que permite a produção de P(3HB) quantidades substanciais de poli(3-hidroxivalerato),
a partir de matérias-primas de custo reduzido poliéster também produzido por Ralstonia eutropha
(MARANGONI, 2000). (ANDERSON e DAWES, 1990).
Existem relatos de culturas com alta densidade
celular de E. coli recombinante e não recombinante. O
maior problema do emprego de E. coli recombinante em Conclusão
culturas de alta densidade celular é a necessidade de
oxigênio purificado, o que eleva os custos de produção Nos últimos anos, as pesquisas relacionadas com a
do polímero (LEE e CHANG, 1995). biossíntese de poliidroxialcanoatos (PHAs) giraram em
torno do conhecimento dos mecanismos de
armazenamento, da cinética e do metabolismo das
Azotobacter sp culturas microbianas. A capacidade máxima de
armazenamento do PHA e a taxa de produção
Azotobacter sp foi a primeira bactéria escolhida para dependem do substrato utilizado e das estratégias de
a síntese industrial de P(3HB). Mas foi rejeitada por síntese.
produzir, paralelamente ao P(3HB), um polissacarídeo, Fatores como o uso de substratos puros elevam o
tornando o processo de difícil controle (BYROM, custo de produção desses biopolímeros. Entretanto uma
1987). perspectiva otimista e uso de culturas mistas e substratos
Os organismos metilotróficos foram estudados por baratos como resíduos da agricultura podem reduzir o
Bourque et al. (1992), considerando o metanol um custo de produção dos PHAs em mais de 50%. Aliado
substrato interessante, por ser de custo relativamente a isso, a pesquisa de novas aplicações industriais
baixo e de fácil manuseio. Entretanto, Byrom (1992) contribui para o aumento da produção do polímero,
afirma que o processo de produção é lento, gera baixa tornando seu preço final mais competitivo.

Referências bibliográficas e outras fontes de pesquisa

ABE H, DOY Y (1999). Structural effects on enzymatic degradabilities for poly[R-3-hydroxybutyric acid] and its
copolymers. Int. J. of Biol. Macromol., 25:185-192.

ANDERSON A J, DAWES E A (1990). Occurrence, metabolism, metabolic role, and industrial uses of bacterial
polyhydroxyalkanoates. Microbiol. Rev., 54:450-472.

BLOEMBERGEN S D A, HOLDEN G K, HAMER T L B, ROBERT H (1986). Studied of composition and


cristallinity of bacterial poly(ß-hydroxybutyrate-co-ß-hydroxyvalerate). Macromolecules, 19:2865-2871.

BONTHRONE K M, CLAUSS J, HOROWITZ D M, HUNTER B K, SANDERS J K (1992). The biological and


physical chemistry of polyhydroxyalkanoates as seen by NMR spectroscopy. FEMS Microbiol. Rev., 103:269-
278.

BOURQUE D, OUELLETTE B, ANDRE G, GROLEAU D (1992). Production of poly-β-hydroxybutyrate (PHB)


from methanol: characterization of a new isolate of Methylobacterium extorquens. Appl. Microbiol. Biotechnol.,
37:7-12.

– 19 –
Poliidroxialcanoatos: biopoliésteres produzidos a partir de fontes renováveis

BRAUNEGG G, LEFEBVRE G, GENSER K F (1998). Polyhydroxyalkanoates, biopolyesters from renewable


resources: Physiological and engineering aspects. Review article. J. Biotechnol., 65:127-161.

BRAUNEGG G, LEFEBVRE G, RENNER G, ZEISER A, HAAGE G, LOIDLLANTHALER (1995). Kinetics as


a tool for polyhydroxyalkanoate production optimization. Can. J. Microbiol., 41:239-248.

BYROM D (1987). Polymer synthesis by microorganisms; technology and economics. Trends Biotechnol., 5:246-
250.

BYROM D (1992). Production of poly-ß-hydroxybutirate: poly-ß-hydroxybutirate copolymers. FEMS Microbial


Rev., 103:247-250.

DOI Y, KAWAGUCHI Y, KIM J H, LEBEAULT J M (1992). Synthesis and degradation of polyhydroxyalkanoates


in Alcaligenes eutrophus. FEMS Microbiol. Rer., 103:103-108.

FORMOLO M C, VOGELSANGER N, SCHNEIDER A L, FURLAN S A, ARAGÃO G M F, PEZZIN S H,


PEZZIN A P T (2003). Biossíntese de polímero biodegradável: Caracterização térmica e espectroscópica. In: VII
CONGRESSO BRASILEIRO DE POLÍMEROS. Belo Horizonte, 2003, 340-341, Associação Brasileira de
Polímeros.

GOMES J G C, BUENO NETTO C L (1997). Produção de plásticos biodegradáveis por bactérias. Revista
Brasileira de Eng. Química, 17:24-29.

JENDROSSEK D, SCHIRMER A, SCHLEGEL H G (1996). Biodegradation of polyhydroxyalkanoic acids. Mini-


review. Appl Microbial Biotechnol., 46:451-436.

JUSTI T (1991). Vida curta para o plástico. IPESI – Química e Petróleo, 28-29, abril/maio.

KUMAGAI Y, DOI Y (1992). Enzymatic degradation of binary blends of microbial poly(3-hydroxybutyrate) with
enzymatically active polymers. Polym. Degrad. Stab., 37:253-256.

LAGEVEEN R G, HUISMAN G W, PRESTING H, KETELAAR P, EGGINK G, WITHOLT B (1988). Formation


of polyesters by Pseudomonas oleovorans: effect of substrates on formation and composition of poly-(R)-3-
hydroxyalkanoates and poli-(R)-3-hydroxyalkanoates. Appl. Environ. Microbiol., 54:2924-2932.

LEE Y (1996). Plastic bacteria – progress and prospecta for polyhydroxyalkanoate production in bacteria. Trends
Biotechnol., 14:431-438.

LEE S Y, CHANG H N (1995). Production of poly(hydroxyalkanoic acid). Rev. Biotechnol., 52:28-57.

LEMOIGNE M (1925). Études sur l’autolyse microbie acidification par formation d’acide ß-oxibutyrique. Ann.
Inst. Past., 39:144-146.

MARANGONI C (2000). Estudo de estratégias de produção de poli(3-hidroxibutirato) por Ralstonia eutropha


utilizando substrato de baixo custo e ácido propiônico. Tese de Mestrado (Engenharia de Alimentos) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

OKAMURA K, MARCHESSAULT R H (1967). X-ray structure of poly-ß -hidroxybutyrate. In:


RAMACHANDRAN G M (ed.). Conformation of biopolymers. v. 2. Academic Press, p. 709-720.

ORTS W J, MARCHESSAULT R H, BLUHM T L (1991). Thermodynamics of the melting point depression in


poly(ß-hydroxybutyrate-co-ß-hydroxyvalerate) copolymers. Macromolecules, 24:6435-6438.

RAMSAY B A, LOMALIZA K, CHAVARIE C, DUBE B, BATAILLE P, RAMSAY J A (1990). Production of


poly-(ß-hydroxybutiric-co-ß-hydroxyvaleric) acids. Environ. Microbial., 56:2093-2098.

– 20 –
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 4, n. 2, dez. 03

REDDY C S K, GHAI R, KALIA V C (2003). Polyhydroxyalkanoate: an overview. Review paper. Elsevier,


87:137-146.

REE Y H, KIM G J, YUN K Y, BAE K S (1992). Accumulation of copolyesters consisting of 3-hydroxybutyrate


and 3-hydroxyvalerate by Alcaligenes sp. SH – 69 in batch culture. Biotechnology Lett., 14:27-32.

REHM H J, REED G (1988). Biotechnology VCH. v. 6. Weinheim, p. 161-163.

REUTZ I, SCHOBERT P, BOWIEN B (1982). Effect of phosphoglycerate mutase deficiency metabolism of


Alcaligenes eutrophus. J. Bacteriol., 151:8-14.

SCHUBERT P, STEINBÜCHEL A, SCHELEGEL H Y (1988). Cloning of the Alcaligenes ertrophus genes of synthesis
of poly-ß-hydroxybutyric acid (PHB) and synthesis of PHB in Escherichia coli. J. Bacteriol., 170:5837-5847.

STEINBÜCHEL A, VALENTIM H E (1995). Diversity of bacterial polyhydroxyalkanoic acids. FEMS Microbiol


Lett., 128:219-228.

TANAKA K, ISHIZAKI A, KANAMURU T, KAWANO T (1994). Production of poly(D-3-hydroxybutyrate)


from CO2, H2 and O2 by high cell density autotrophic cultivation of Alcaligenes eutrophus. Biotechnol. Bioeng.,
45:268-275

VOGELSANGER N, FORMOLO M C, PEZZIN A P T, SCHNEIDER A L S, FURLAN S A, BERNARDO H P,


PEZZIN S H, PIRES A T N, DUEK E A R (2003). Mater. Res., 6:359-365.

VOGELSANGER N, FORMOLO M C, PIRES A T N, FURLAN S A, SCHNEIDER A L, DUEK E A R,


PEZZIN A P T (2002). Blendas biodegradáveis de P(3HB)/PCL para aplicação como filmes para agricultura. In:
X ENCONTRO DE QUÍMICA DA REGIÃO SUL. Joinville.

WANG F, LEE S Y (1997). Poly(3-hydroxibutyrate) production with high polymer content by fed-batch culture
of Alcaligenes latus under nitrogen limitation. Appl. Environ. Microbiol., 63:3703-3706.

WILLIAMS S F, MARTIN D P, HOROWITZ D M, PEOPLES O P (1999). Int. J. Biol. Macromol., 25:111-121.

YAMANE T, FUKUNAGA M, LEE Y W (1996). Increased PHB productivity by high-cell-density fed-batch


culture of Alcaligenes latus, a growth-associated PHB producer. Biotechnol. Bioeng., 50:197-202.

– 21 –

Você também pode gostar