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www.revistaclarineta.com.

br ISSN 2526-1169

ClarinetA nº2 dezembro 2016

A clarineta nas
universidades
brasileiras
Um panorama
no ensino superior
do instrumento

Entrevista:
Eduardo Pecci
ClarinetA nº2 dezembro 2016
www.revistaclarineta.com.br ISSN 2526-1169

4 Editorial

7 O Concertino para Clarinete y orquestra


de Félix Guerrero: um relato de pesquisa
por Patricia Perez, Luis Afonso Montanha
e Gilmar Jardim.

9 Artigo: Vicente Alexim: obras para clarineta


por Thiago Lopes.

26 16 Carlos Gomes e sua emblemática contribuição


ao repertório brasileiro para clarineta
por Jailson Raulino

24 A Clarineta Convida: A odontologia


e a jornada artística de um músico
por Alexandre de Alcântara.

28 A Presença da Clarineta nas IES Brasileiras


por Vinícius de Sousa Fraga e Joel Luís Barbosa

40 Sigsmund Neukomm
por Monica Isabel Lucas

42 Entrevista Eduardo Pecci ( Lambari)


40 por Daniel Oliveira e Sérgio Burgani

46 A Revolução do Clarone no Brasil:


uma atualização
por Luis Afonso Montanha tradução: Bruno Ghirardi

50 Publi editorial:
Diogo Maia fala sobre acessórios

52 Lançamentos

50 54 Dica do Mestre
Nuno Silva
compondo ainda diversas obras em que a clarineta figura

Editorial
em formações camerísticas e orquestrais. Em 2016 tam-
bém foi celebrado os cento e oitenta anos de nascimento
e cento e vinte de morte do compositor campineiro Antô-
nio Carlos Gomes (1836-1896). Por isso, em Carlos Go-
mes e sua emblemática contribuição ao repertório
Prezados colegas e leitores, brasileiro para clarineta, o clarinetista Jailson Raulino
mostra um pouco do relacionamento do compositor com
a clarineta e tece uma análise sobre a sua obra Air para
Nossa revista Clarineta segue com seu segundo número clarineta e piano.
em 2016, o que nos enche de orgulho especialmente se
considerarmos as dificuldades que todos nós tivemos de Na entrevista desse número, o clarinetista e saxofonista
transpor durante esse ano. Talvez por conta disso, nesse Eduardo Pecci, o Lambari, conversou com nossos editores
número, passado e presente se encontram, evidenciando Daniel de Oliveira e Sérgio Burgani, falando um pouco
facetas muito singulares, o que nos mostra que a socie- sobre a rotina de trabalho em orquestras de rádio e te-
dade por vezes anda às voltas de si mesma na sua trans- levisão, além de seu encontro fortuito com Villa-Lobos,
formação através do tempo. dentre muitas outras coisas. Na seção sobre o clarone, o
artigo A Revolução do Clarone no Brasil: uma atua-
Na nossa seção de artigos, a clarinetista Patricia Perez lização de Luis Afonso Montanha é apresentado numa
e os professores Gilmar Roberto Jardim e Luis Afonso tradução de Bruno Ghirardi, revisado e atualizado pelo
Montanha nos apresentam resultados parciais de autor. Montanha mostra que o clarone passou cada vez
uma pesquisa em andamento. Em O Concertino mais a ganhar espaço no cenário brasileiro, com prati-
para Clarineta y Orquestra de Felix Guerrero: um cantes empenhados na sua execução com técnicas especí-
relato de pesquisa, os autores apresentam uma obra ficas para o instrumento, a criação de novos repertórios,
desse importante compositor e arranjador de Havana, e três encontros nacionais, além do surgimento previsto
que mescla elementos jazzísticos e da música tradicional para 2018 do primeiro curso de graduação em clarone
cubana. Em Vicente Alexim: obras para clarineta, pela USP. Por fim, na “Dica do Mestre” dessa edição, o
Thiago de Araújo Lopes faz um relato sobre a produção clarinetista português Nuno Silva traz um interessante
desse clarinetista e compositor carioca, que conta com estudo com harmônicos.
diversas obras para clarineta. O autor demonstra parte
do processo de criação dessas obras através das palavras Diferentes experiências compõem assim esse número da
do próprio Alexim. Na seção “A Clarineta Convida” dessa revista Clarineta. O ontem e o hoje que se tocam para nos
edição, o dentista Alexandre de Alcântara analisa em mostrar que em parte nossos dilemas são semelhantes aos
Odontologia e a jornada artística de um músico alguns dilema de outros no passado; a inconstância na atividade
dos fatores que podem interferir na performance do profissional, as idas e vindas de projetos em que o aporte
músico sob a ótica da odontologia. Já na matéria de capa, financeiro subitamente é cortado, as dificuldades em
intitulada A presença da clarineta nas Instituições de encontrar materiais e informação de qualidade, as limi-
Ensino Superior brasileiras, os clarinetistas Joel Barbosa tações de mercado que terminam moldando a atividade
e Vinícius de Sousa Fraga buscam entender um pouco profissional. E o presente é o espelho do passado mais do
melhor de que forma ocorre a presença do instrumento que nunca quando vemos nossas opções de trabalho em
nessas instituições. Para isso, eles aplicaram um questio- péssimas condições, como as orquestras brasileiras que
nário de agosto a dezembro a 37 professores de clarineta enfrentam contingenciamento de verbas absurdos, e
de 32 instituições, que gentilmente forneceram os dados mesmo com vagas de trabalho sendo ameaçadas e fecha-
utilizados nessa análise. Os resultados demonstram que das, como a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo. A
não só a manutenção desses cursos, mas a solidificação ausência de perspectiva sem dúvida pode minar o com-
das suas práticas são fundamentais para o crescimento prometimento dos alunos e, consequentemente, é funda-
da oferta deles pelo país. mental que nos organizemos e estabeleçamos um espaço
de debate sobre essas questões. Nosso diálogo deve ser no
Essa edição conta ainda com duas matérias especialmen- sentido de expor, cada vez mais, nossas necessidades e de
te solicitadas a colegas nossos referentes à dois marcos estreitar relações com nossos colegas distantes nesse país
históricos importantes para a clarineta no Brasil que continental.
comemoramos em 2016. Em Sigismund Neukomm,
a musicóloga e clarinetista Mônica Lucas nos fala um Essa é nossa meta e buscaremos isso cada vez mais nesse
pouco sobre este compositor austríaco, comemorando os espaço.
duzentos anos de sua chegada ao Brasil. Aluno destacado
de Joseph Haydn, Neukomm (1778-1858) foi o precursor Sejam todos bem vindos!
de obras de música de câmara no país, além de um difu-
sor de obras do próprio Haydn e Mozart na corte carioca, Os editores.

4
ClarinetA

Ficha técnica:
Editores e Idealizadores: Daniel Oliveira (Orquestra do Theatro São Pedro, São Paulo), Joel Luis
Barbosa (UFBA, Salvador), Sergio Burgani (UNESP, São Paulo), Vinícius de Sousa Fraga (UFMT, Cuiabá)
Corpo Editorial Nacional: Amandy Bandeira de Araujo (UFRN, Natal), Cristiano Alves (UFRJ,
Rio de Janeiro), Fernando José Silveira (Uni-Rio, Rio de Janeiro), Guilherme Garbosa (UFSM, Santa
Maria), Iura Resende (UFSJR, São João del-Rei), Jacob Cantão (UFPA, Belém), Jaílson Raulino (UFPE,
Recife), Johnson Machado (UFG, Goiânia), Luís A.E. Afonso - Montanha (USP, São Paulo), Marco Antonio
Toledo Nascimento (UFC, Sobral), Marcos Cohen (Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro,
Brasília), Maurício Loureiro (UFMG, Belo Horizonte), Mônica Isabel Lucas (USP, São Paulo), Pedro Robatto
(UFBA, Salvador), Ricardo Dourado Freire (UnB, Brasília), Roberto César Pires (CDMCC, Tatuí).
Conselho Consultivo Nacional: André Erlich (Orquestra Sinfônica do Paraná, Curitiba), Augusto
Maurer (UFRGS, Porto Alegre), Diego Grendene de Souza (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Porto
Alegre), Diogo Maia (Orquestra Municipal de São Paulo, São Paulo), Eduardo Gonçalves dos Santos
(FAMES, Vitória), Flávio Ferreira da Silva (UFAL, Maceió), Glória Subieta (Amazonas Filarmônica,
Manaus), Jairo Wilkens (Orquestra Sinfônica de Campinas, Campinas), Jonatas Zacarias (Conservatório
Pernambucano de Música, Pernambuco), João Paulo Araujo (UFRN, Natal), José Batista Jr. (UFRJ, Rio
de Janeiro), Luca Raele (Sujeito a Guincho), Maurício Soares Carneiro (Orquestra Sinfônica do Paraná,
Curitiba), Ney Campos Franco (Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Belo Horizonte), Nivaldo Orsi
(Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, São Paulo), Ovanir Buosi (Orquestra Sinfônica do Estado de
São Paulo, São Paulo), Rosa Barros (IFG, Goiânia), Thiago Tavares (Orquestra Sinfônica Brasileira, Rio
de Janeiro)
Conselho Editorial e Consultivo Internacional:
Fabien Lerat (NEOJIBA, Salvador/França), Henri Bok (Solista Internacional, Holanda), Nuno Pinto (Escola
Superior de Música e Artes do Espectáculo, Portugal), Nuno Silva (Escola de Música do Conservatório Nacional,
Academia Nacional Superior de Orquestra, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Portugal), Paulo Gaspar
(Banda da Armada, Portugal)
Design e ilustrações : Marcelo Pitel

Apoio Institucional

PROGRAMA DE
PÓS- GRADUAÇÃO EM MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO PROFISSIONAL
EM MÚSICA
UFBA
O Concertino
para clarinete y orquestra
de Félix Guerrero:

artigo
um relato de pesquisa
Patricia Pérez Brito1 , Luis Afonso Montanha, Gilmar Roberta Jardim

Durante o resgate dos registros de áudio do clarinetista cubano Juan Jorge Junco 1 Patricia Pérez Brito é doutoranda
da USP com a orientação de Gilmar
(1913-2001) em 2009, conservados no arquivo da emissora de rádio CMBF (Rádio Roberto Jardim e co-orientação de Luís
Musical Nacional de Cuba, especializada na música de concerto) em Havana, Antônio Eugênio Afonso.
foi encontrada a gravação do Concertino para clarinete em Sib y orquesta (1967) do
compositor cubano Félix Guerrero (1916-2001). Até esse momento, eram poucos
os dados que a autora tinha da obra. Sabia-se, no entanto, da dedicatória ao
clarinetista anteriormente citado (JUNCO, 1986) e do destaque pelas dificuldades
técnicas para o instrumento solista, apreciadas sobretudo em duas cadências. Na
escuta, percebia-se que na composição estavam presentes elementos populares
vinculados à música de tradição cubana e ao Jazz. A interpretação era encarada em
certos momentos de maneira estrita (talvez pelas demandas técnicas) e em outros
de forma mais descontraída (pelo caráter de improviso), exigindo assim do solista e
da orquestra versatilidade durante a performance.
O interesse por detalhar a escrita da obra depois desta primeira audição levou
à procura das partituras, processo no qual foram consultados familiares e colegas
tanto do compositor quanto do clarinetista a quem tinha sido dedicada a obra
(ambos falecidos à época). Consultaram-se também as bibliotecas do Conservatorio
Amadeo Roldán e do Instituto Superior de Arte (ISA) em Havana, instituições nas quais
ambos ministraram aulas. Finalmente, procurou-se no arquivo da Orquesta Sinfónica
Nacional de Cuba (OSNC), que realizou a estreia e a primeira gravação nos anos 1969

7
e 1970 (JUNCO, 1984). Apesar do conhecimento da obra pelas pessoas abordadas,
e da mesma constar no registro do arquivo da OSNC, porém com o nome rasurado,
as partituras do Concertino não foram encontradas. A essa situação somou-se a
ausência de qualquer edição ou publicação fac-símile, e o rumor de que as partituras
originais haviam sido destruídas pelo compositor, junto com várias outras obras
de sua autoria durante um episódio de decepção com a situação política do país.
Portanto, a probabilidade do desaparecimento de qualquer registro em partitura
da obra no meio musical havaneiro ia se afirmando. Desta forma, direcionou-se a
procura das partituras fora do país e, somente após contatar o clarinetista cubano
Paquito D´Rivera (Havana, 1948), residente nos Estados Unidos desde os anos 1980,
conseguiu-se uma cópia da partitura original geral do Concertino (presenteada pelo
próprio compositor) e uma cópia das partituras individuais da orquestra, transcritas
a partir de uma encomenda realizada por D´Rivera a um copista panamenho que
residia em Caracas (RIVERA, 2011). Sem conhecimento das possíveis razões do
desaparecimento da obra em Havana, D´Rivera disponibilizou seu material pessoal
para o desenvolvimento deste estudo.
A gravação do Concertino encontrada na emissora CMBF provavelmente
artigo

corresponde à cópia do único registro fonográfico profissional deste, realizado


por meio da Empresa de Gravaciones y Ediciones Musicales de Cuba (EGREM)
(JUNCO, 1984), com a participação da OSNC e a regência do próprio compositor
em 1970. Essa informação não consta no atual catálogo da EGREM, porém foi
confirmada por Paquito D´Rivera, integrante da orquestra na época (RIVERA, 2011).
Aos questionamentos gerados pelas dificuldades de acesso, tanto à partitura
como à gravação da obra no seu país de origem, acrescentou-se o interesse por
algumas inconsistências identificadas durante uma revisão geral destas fontes e por
novos detalhes e informações que surgiram na medida em que se foi investigando,
como por exemplo, a constatação de que o Concertino é a única peça desta época
(século XX), nesse gênero e formação (concerto em movimento único para
clarinete e orquestra sinfônica).

Referências
JUNCO, J, J. Apuntes para la historia del clarinete. Cuba: Editorial Pueblo y
Educación,) 1986.
JUNCO, J, J. Semblanza Artística. Manuscrito: 1984.
RIVERA, P. Mensagens de correio eletrônico à autora. 2011.

* Este trabalho participou do XXVI Congresso da ANPPOM na modalidade de


Pôster, em BH-Minas Gerais, agosto 2016.
* Link para a audição da peça: https://youtu.be/M52HVvl6bHg

8
Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo apresentar um estudo sobre a obra para
clarineta de Vicente Alexim. A metodologia utilizada se deu a partir de entrevistas com o
compositor, revisão de literatura, pesquisa bibliográfica e documental. O catálogo de obras
do compositor ainda é modesto no que tange à quantidade, mas expressivo em relação à qua-
lidade composicional, adequação ao instrumento e à instrumentação escolhida. As obras são
aqui apresentadas de maneira cronológica e comentadas para orientar clarinetistas e pesqui-
sadores interessados no repertório e no compositor que se encontra em franca atividade, me-
recendo sua obra pesquisa e atualização constante.
Palavras-chave: Vicente Alexim. Clarineta. Música Brasileira.

Vicente Alexim: Works for Clarinet


Abstract: This work aims to present a research on the compositions for clarinet by
Vicente Alexim. The chosen methodology was based upon interviews with the compo-
ser, bibliographic and documental research, and the works discussed here are presented
in chronological order. Mr. Alexim is a young composer and his output is not very large,
however, it is significant to the clarinet repertoire.
Keywords: Vicente Alexim. Clarinet. Brazilian Music.

Vicente Alexim: Obras para Clarineta

artigo
Thiago de Araújo Lopes

1. Vicente Alexim
Existe um grande mosaico étnico e cultural no Brasil, e a música brasileira 1 As informações pessoais sobre Vicente
Alexim e os comentários sobre as com-
foi e é influenciada por essa multiplicidade de ideias, conceitos e até mesmo posições apresentadas neste capítulo
valores. Hoje, pode-se desfrutar das mais diversas visões expostas por nos- foram fruto de entrevistas semiestru-
turadas realizadas com o clarinetista
sos “inventores de música” (STRAVINSKY, 1996, p. 55). Carlos Gomes, Heitor e compositor entre janeiro e junho de
Villa-Lobos, Mozart Camargo Guarnieri, Osvaldo Lacerda e até mesmo es- 2014.
trangeiros como Ernst Mahle, que migraram para o Brasil e aqui fixaram resi-
2 Chefe do Departamento de Som e
dência, são exemplos de compositores que através das suas vertentes compo- Imagem da Green Library, Florida
sicionais, contribuíram de forma significativa para a discussão e a divulgação International University.
da música de concerto brasileira. 3 Alexim is a brilliant and unflappable
Nascido em 16 de setembro de 1987, natural do Rio de Janeiro, Vicente soloist who performed his work from
memory. It is a piece with impressive
Alexim Nunes da Silva1 é um clarinetista, compositor e arranjador que vem writing for the clarinet and some
se destacando no panorama artístico musical do Brasil e do exterior. Tom nice moments for the orchestra
Moore2 (2009), se referindo ao clarinetista e compositor, comenta: “Alexim […] someone with this level of both
technique and imagination should go
é um solista fabuloso que tocou sua obra de memória, uma peça de escrita far. Disponível em: <http://cvnc.org/
impressionante para a clarineta e alguns bons momentos para a orquestra, reviews/2009/112009/Bienal.html>.
Acessado em: 20.02.2014.
(...) alguém com esse nível de técnica e imaginação deve ir longe3.”
Vicente iniciou seus estudos de música tocando flauta doce no conjunto
de música brasileira “Flautistas do Pró Arte” (atual orquestra de sopros da

9
Pró Arte), para, alguns anos depois, começar seus estudos de clarineta. Teve
suas primeiras aulas com o professor Carlos Alberto Soares e, logo em se-
guida, passou a ser aluno do clarinetista Paulo Moura. Ao final desse perí-
odo, Vicente prestou vestibular para o curso de Bacharelado em Clarineta
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na classe do professor Cristiano
Alves, tendo iniciado seu curso em 2006.
Paralelamente ao Bacharelado em Clarineta, Vicente iniciou o Bachare-
lado em Composição, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO), na classe dos professores Marcos Lucas4 e Caio Senna5, porém
não chegou a graduar-se em Composição.
Antes mesmo de ingressar na UNIRIO, Vicente foi incentivado pela fa-
mília a explorar suas habilidades composicionais, uma vez que as aulas de
teoria musical que recebera desde a infância forneceram ao músico as fer-
ramentas necessárias para que pudesse externalizar as suas curiosidades
nesta área.

2. Obras para clarineta


4 Compositor e professor da UNIRIO. Alexim possui obras para variadas formações, porém, a sua concomitante
artigo

atividade como clarinetista fez com que ele destinasse considerável atenção
5 Compositor e professor da UNIRIO.
ao seu próprio instrumento, trazendo assim, relevantes contribuições para
o catálogo de obras da clarineta. Mesmo sendo brasileiro, a sua produção
não possui traços nacionalistas ou regionais, o que não diminui em nada a
importância das suas criações.
No ano de 2007, veio a primeira composição estreada pelo próprio com-
positor, “Linha para clarineta solo”:

Escrita como uma obra curta, despretensiosa, para cla-


rineta solo. A idéia era criar uma música com uma função
similar à da Melodia, do Osvaldo Lacerda, ou do Prelúdio,
do Penderecki. A peça começa com um motivo que resolve
na nota Sol. Ao longo da obra, esse mesmo motivo reaparece
várias vezes, com diferentes alterações, mas sem a resolução.
Duas tentativas são feitas de apresentar e resolver esse motivo
na região aguda do instrumento, sem sucesso. Após a segunda
tentativa, a nota de resolução aparece no registro mais grave,
finalizando a obra.

Após a obra supracitada, Alexim compôs “Tema e Variações” para clari-


neta e piano:

Tema e Variações também foi escrita em 2007. O professor


Marcos Lucas pediu-nos que escrevêssemos um tema com va-
riações para piano. Eu adicionei a clarineta para poder me
envolver na execução da peça. A idéia foi escrever uma música
empolgante e virtuosística. Estreei esta peça na UNIRIO, no
mesmo ano ou no ano seguinte, com o pianista Pablo Panaro.

10
No ano de 2008 nasceu a obra “Concerto para Clarineta e Orquestra de
Câmara”, que representa um marco na carreira do compositor dada a sua
importância. Sobre a obra, Alexim comenta:

A obra é um concerto para clarineta e orquestra, de grande


virtuosidade para o solista e com uma escrita orquestral den-
sa e colorida. Os instrumentos dentro da orquestra são tra-
tados de forma quase camerística, com muitos solos e poucos
dobramentos. Três movimentos compõem a peça. O primei-
ro se inicia de forma misteriosa, logo assumindo um caráter
mais enérgico. Uma cadência do solista permeada por inter-
venções da orquestra conduz ao final anticlimático do movi-
mento. O movimento central é lento e expressivo, misturando
o solista com solos dos instrumentos da orquestra. O terceiro
e último movimento utiliza a forma e o material temático
do primeiro, mas com uma escrita mais enérgica e um final
muito mais impactante.

Sobre as influências para a composição do concerto, Vicente comenta: 6 Orquestra formada em 2009 por

artigo
jovens de todo o Brasil que juntos se
Na época, eu estava ouvindo obsessivamente o Concerto apresentaram em um único concerto no
Rio de Janeiro.
para Clarineta de John Corigliano. Quando comecei a es-
crever o meu Concerto de Câmara, busquei recriar parte da 7 Clarinetista e professor da UNIRIO.
energia que sentia neste concerto. Além disso, vale lembrar
que escrevi essa peça para participar do concurso de solista
da Escola de Música da UFRJ, onde estava cursando o bacha-
relado em clarineta. Consequentemente, a parte da orquestra
foi escrita pensando nas possibilidades e limitações da or-
questra de estudantes da faculdade.

Em 2009, sempre aliando as suas atividades de clarinetista e compositor,


Vicente finalizou o seu curso de bacharelado em clarineta na UFRJ, integrou
a Orquestra Jovem do Brasil6, participou como compositor e solista da XVIII
Bienal de Música Brasileira Contemporânea com o seu Concerto de Câmara
para Clarineta, obtendo boa aceitação da crítica e público presentes, e, tam-
bém, finalizou a obra “Acácia-Branca, in memoriam para Tina Pereira” para
clarineta e piano que, segundo o compositor:

Foi composta após a encomenda do professor Fernan-


do Silveira7 que me pediu que escrevesse uma peça para um
projeto dele envolvendo obras brasileiras para clarineta e
piano. Comecei a escrevê-la pouco depois do falecimento da
Tina e terminei no primeiro semestre de 2009. [...] Segue a
nota de programa que incluí na partitura: Acácia-branca,
ou moringa oleifera, é uma árvore cujas sementes são usadas
para purificar a água barrenta. [...] A presente peça foi es-
crita pouco depois do falecimento de uma amiga e professora

11
9 Compositor francês. minha, Tina Pereira. Na ocasião, foi feita uma homenagem
no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em que se plantou uma
8 Obra vencedora do Concurso Tinta acácia-branca como tributo. [...] A música não pretende retra-
Fresca da Orquestra Filarmônica de
Minas Gerais em 2011. tar a árvore ou a pessoa. Representa, sim, um monólogo, uma
confissão perante a planta enquanto túmulo. [...] O tom, no
início, é mais intimista e, aos poucos, ganha energia a ponto
de se tornar quase uma briga. Um longo e profundo lamento
conduz ao final da peça, quando se retoma a razão da visita à
planta, antes de acabar de forma solitária. [...] A peça foi estre-
ada em 2009, em um recital do curso da Escola de Música da
UFRJ. No mesmo ano, apresentei-a também em um recital do
Festival de Campos do Jordão.

Entre os anos de 2010 e 2012, Alexim compôs duas obras para orquestra
sinfônica, “Três poemas sobre Luz”8 e “Reações”, e, em 2013, volta a compor
para clarineta as obras “Colapso” e “Sombras, Manchas, Rastros”, sobre as
quais, o compositor comenta:

[Sobre Colapso] A estrutura da peça se dá em torno da


idéia de um organismo parando de funcionar. Eu represento
essa imagem musicalmente através do amplo uso de técnicas
artigo

estendidas. A peça se inicia com muita energia e virtuosidade


utilizando as características tradicionais da clarineta e gra-
dualmente torna-se mais e mais ruidosa até se desfazer em si-
lêncio. A obra foi dedicada ao Cristiano [Alves] e estreada em
junho de 2013. [...] Sobre Sombras, Manchas e Rastros, em ju-
nho de 2012, o International Contemporary Ensemble (ICE)
realizou uma série de masterclasses na Escola de Música da
UFRJ [...] Nos meses seguintes, comecei a ter aulas sobre
o programa MAX na Manhattan School of Music. Eventu-
almente, percebi que o software me dava a possibilidade
de transportar aspectos texturais da minha música que
vinha desenvolvendo num contexto orquestral para uma
peça para clarineta solo [...] A parte eletrônica não faz uso
de sons pré-gravados. Sua função é basicamente estender,
de diferentes maneiras, o som produzido pelo clarinetista.
Na peça, exploro de diversas formas a relação entre a clari-
neta e suas sombras/manchas/rastros, criando diferentes
texturas através da mídia eletrônica.

Em 2015, Alexim compôs a obra “Duo” para duas clarinetas e dois violon-
celos. A obra foi dedicada à companheira de Vicente – Nina - e, sobre a peça, o
compositor propõe:

Duo representa a colaboração entre dois indivíduos,


que apoiam um ao outro e tornam-se mais próximos com
cada interação. Esta peça é dedicada a Nina, que me ensi-
nou todas essas coisas.

12
O quadro abaixo demonstra o repertório musical dedicado a clarineta por
Vicente Alexim até o momento:

artigo
Quadro 1: Composições para clarineta de Vicente Alexim.

Ao apresentarmos a tabela com as composições de Alexim, é válido recor-


darmos que, durante o processo de levantamento das obras do compositor, foi
percebido que algumas obras não constavam mais em seu catálogo. Esse ques-
tionamento foi levado ao compositor que citou o fato de ter abandonado algu-
mas de suas composições por não acreditar que a maturidade que dispunha no
momento poderia conferir a qualidade necessária às obras. Atitudes como essa
não são raras, logo, é interessante perceber que o “abandono” de composições
é um fato presente na carreira de muitos compositores, mesmo que postadas a
contragosto em catálogo por musicólogos ou estudiosos de suas obras.
Henri Dutilleux9, em entrevista ao jornal britânico The Guardian, disse que
“destruiu grande parte de sua música antiga, e muitas vezes retorna às suas obras
para reescrevê-las. ‘Eu sou um perfeccionista, eu sei. Odeio deixar um trabalho
de uma forma que não me satisfaz’” (DUTILLEUX apud JEFFRIES, 2002).
Como obras que foram tiradas do catálogo de criações de Alexim, podemos
citar as obras “Fantasia” para clarineta e piano e “Noite Morta – sobre um poema
de Manuel Bandeira” para soprano, flauta, clarineta, violino e piano, e, sobre elas,
comenta:

13
10 Desde o início de sua vida como com- Abri mão de algumas outras obras antes de “Noite
positor Brahms não deixou passar ne-
nhuma obra que apresentasse alguma Morta”. Acho um processo normal. Ainda estou ama-
indecisão ou falta de inspiração. Além durecendo como compositor e existem algumas obras
de rascunhos e esboços, composições
que não acredito que valham o esforço que outros mú-
inteiras que ele considerou imaturas ou
sem valor foram queimadas. Por esta sicos poderiam fazer para prepará-las. Muitos compo-
razão, e devido à sua rígida autocrítica, sitores fazem/fizeram isso, [por exemplo] diz-se que
existem poucas obras do período da
juventude (MARTINS, 2006: 13). Brahms queimou muitos de seus trabalhos10.

11 Equivale a técnica não usual: Ao apresentar a lista de composições de Vicente Alexim, torna-se também
maneira de tocar ou cantar que explora
possibilidades instrumentais, gestuais e importante conhecer as influências sofridas e reconhecidas pelo mesmo,
sonoras pouco utilizadas em determi- haja vista que:
nado contexto histórico, técnico e cultu-
ral (PADOVANI; FERRAZ, 2011: 11).
O termo ‘influência’ pode não ser prontamente
identificado como um conceito musicológico, mas é
um tema recorrente em diversos contextos da musi-
cologia [...] O termo também aparece frequentemente
em estudos biográficos de compositores, especialmen-
te através de influências prontamente identificáveis
no compositor mais jovem [...] Em muitos contextos
influência é interpretada como uma consequência de
similaridade ou semelhança, mas isto pode não estar
sempre relacionado, em alguns contextos, com aquilo
que pode ser um processo quase subliminar de influ-
ência (BEARD e GLOAG apud VIEGAS, 2013: 2).

Sobre o assunto em questão, Alexim (2014) comenta:

É muito difícil reconhecer influências na minha pró-


pria música, apesar de estar certo de que existam. Re-
centemente tenho me sentido muito atraído por peças
que utilizam diferentes aspectos do som – como tim-
bre, textura, tessitura, técnicas estendidas11 etc – como
material composicional. Dentre os compositores que
têm me chamado a atenção incluem-se Heinz Holli-
ger, Salvatore Sciarrino, Matthias Pintscher, Michael
Jarrell, Sofia Gubaidulina e Kaija Saariaho. No entanto,
colegas que ouviram trabalhos recentes meus já re-
conheceram outras influências como György Ligeti e
John Corigliano.

3. Considerações Finais
Como comenta Amorim (2013), ao citar Freire (2001), “apesar do núme-
ro de obras brasileiras originais para clarineta ser grande, a maioria delas,
é posterior a 1950”, logo, o trabalho desenvolvido por Alexim traz enorme

14
contribuição e fortalecimento para o enriquecimento da música brasileira
contemporânea e para o repertório brasileiro para clarineta. Embora apre-
sente um variado discurso musical, se observa em sua obra uma preocupa-
ção com a sua unidade. Sua escrita para clarineta apresenta a utilização de
técnicas composicionais modernas, revelando uma diversidade peculiar da
música contemporânea. O contato com o compositor forneceu informa-
ções valiosas para compreender sua postura estética e suas escolhas e deci-
sões no processo composicional.
Este estudo não pretende apresentar conclusões sobre a obra de Alexim,
pois o compositor permanece ativo e sua obra tende a crescer com o pas-
sar dos anos, fazendo com que o seu catálogo necessite de constante atua-
lização, acreditamos, porém, que possa servir como base e referência inicial
para próximas pesquisas. Iniciativas desta natureza são importantes na difu-
são de novos repertórios, na instrução de intérpretes e pesquisadores para a
compreensão, leitura e realização de obras desconhecidas.

Referências
AMORIM, Herson Mendes. Ernst Mahle: Obras para clarineta. Belém, 2013.
Trabalho não publicado.
FREIRE, Ricardo Dourado. A formação da identidade do clarinetista bra-
sileiro. In: XII Encontro Nacional da ANPPOM, 2001, Belo Horizonte. Anais...
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Resumos da ANPPOM, 2013.

15
Resumo: Esse artigo faz uma homenagem aos 180 anos de nascimento, 120 de
morte e 160 de um legado para clarineta do compositor Antônio Carlos Gomes
(Campinas-SP, 1836 - Belém-PA, 1896). Apresenta um breve histórico do compositor,
mostrando seu relacionamento com a clarineta e uma reflexão sobre a obra “Air” para
clarineta e piano (1857), dada a importância cultural e histórica da produção musical
do compositor. Sinaliza uma proposta de análise a fim de chegar à estrutura da obra,
identificando elementos que podem colaborar para uma maior compreensão e
fundamentação de sua interpretação. Desenvolve uma abordagem interpretativa
que relaciona os elementos identificados na análise, com o intuito de estabelecer
coesão na condução da linha melódica das várias seções da obra. Enfim, conclui
que uma análise musical e uma contextualização histórica podem contribuir para
a fundamentação de uma execução, auxiliando o intérprete na sua performance,
agregando ainda, recursos ao processo ensino-aprendizagem da clarineta.
Palavras-chave: Música brasileira. Air. Análise reducional.

Carlos Gomes and its emblematic contribution to the Brazilian repertoire for
clarinet.Abstract: This article is a tribute to 180 years of birth, 120 of death and
160 of a legacy of the composer Antonio Carlos Gomes (Campinas-SP, 1836 - Belém,
PA, 1896) for the clarinet. It presents a brief history of the composer, shows its
relationship with the clarinet and a reflection on the work “Air” for clarinet and piano
(1857), given the cultural and historical importance of the musical production of the
composer. It points out a proposal of analysis to comprehend the work’s structure that
identifies elements that may contribute to its broader understanding and a substantiated
interpretation. It develops also an interpretive approach that relate theanalytical
identified elements in order to establish cohesion in the conduction of the melodic line
of the work´s sections. Finally, it concludes that music analysis and historical context
may contribute to the substantiation of an interpretation, helping the musician in his
artigo

performance and adding resources to the learning process of the clarinet.


Keywords: Brazilian music. Air. Reductional Analysis.

Carlos Gomes e sua emblemática


contribuição ao repertório brasileiro
para clarineta Jailson Raulino 1
1 Dr. Jailson Raulino é professor de “A mon ami Henrique Luís. Executé por la premiére fois à philarmonique
clarineta da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
de Campinas en 10 de setembre du 1857.” (A. C. Gomes). Assim Carlos Gomes
autografou sua “Aria” dedicando-a ao clarinetista Henrique L. Levy (1829-
1896). Leva-nos a considerar que: “Em todo tempo ama o amigo; e como fru-
tos de grandes amizades surgem expressivas realizações.” (Provérbios 17:17)

Figura 1: Imagem da capa do manuscrito da “Air” com dedicatória e descrição da obra.

16
Foi da gentileza entre amigos que surgiram obras significativas para a cla-
rineta. Ainda, de estreitos relacionamentos entre clarinetistas e composito-
res, brotaram grandes obras para o repertório do instrumento: Louis Spohr
(1784-1859) e o clarinetista Simon Hermstedt (1778-1846), Carl Maria von
Weber (1786-1826), Felix Mendelssohn (1809-1847) e o clarinetista Heinri-
ch Baermann (1784-1847), Johannes Brahms (1833-1897) e Richard Mühlfeld
(1856-1907), assim como Carlos Gomes (1836-1896) e Henrique Luís Levy
(1829-1896).
A clarineta tem conquistado um considerável espaço no cenário musical
brasileiro. Hoje o instrumento pode ser facilmente encontrado nas mais va-
riadas manifestações culturais brasileiras. Este fato tem contribuído sobre-
maneira para a ampliação de seu repertório no Brasil. Entretanto, fazem-se
necessários estudos e pesquisas que resgatem, divulguem e reflitam sobre
essas obras.
No ano de 2016 comemoram-se os aniversários de 180 anos de nascimento, 1 Memorial (“AIR” para clarineta e
120 de morte e 160 de um legado para clarineta do compositor Antônio Carlos piano de Carlos Gomes: um estudo
interpretativo), submetido Programa
Gomes. Dentre elas, “Fantasia sobre temas da Ópera Noite Alta” (1856) jun- de Pós-Graduação em Música da
tamente com “Air” (1857) e “Variações” (1857) são consideradas as primeiras Universidade Federal da Bahia, como
obras brasileiras para clarineta e piano. requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre em Música - Execução Musical
Assim, devido à importância da produção musical do compositor, vimos (SILVA, Jailson Raulino da. 2001)
a necessidade de uma reflexão1 sobre a “Air”, sendo esta uma das obras mais
antiga para clarineta e piano, escrita por um compositor brasileiro, encontra-
da até o momento.

artigo
Antônio Carlos Gomes nasceu em Campinas e de acordo com sua filha Íta-
la Gomes (CARVALHO, 1946, p. 11-27),

Antônio Carlos, apenas com dez anos, já fazia parte da ban-


da musical do Maneco Músico (Manoel José Gomes, seu pai),
batendo compasso com os ferrinhos (triângulo), [...] tendo,
sucessivamente, tocado todos os instrumentos de música da
banda do pai, inclusive clarineta, obedecendo a tradição, isto é,
a determinação do pai, que todos haviam de conhecer música e
tocar um ou diversos instrumentos de sopro e de cordas, tendo
porém se especializado no piano, sem aliás, nunca ter podido
chegar a ser um grande profissional no instrumento.

Entre os numerosos irmãos, Carlos Gomes tinha predileção por José Pedro
Sant’Ana, com quem em 1859, juntamente com o Sr. Henrique Levy realizou seu
primeiro concerto em Campinas, cujo programa transcreve Ítala (ibdem, p. 27):

CONCÊRTO INSTRUMENTAL DE SÁBADO DE ALELUIA


I Parte
Introdução por A. Laurelli, executada na clarineta por H. L. Levy.
Fantasia sobre árias negras por Luís Helena, executada na ra-
beca por José Pedro Sant’Ana Gomes.

Fantasia sobre a “Alta Noite” por A. C. Gomes, executada na


clarineta por Henrique Levy.

II Parte
Variações sobre motivos da “Norma”, executada na rabeca
por José P. Sant’Ana Gomes.
Fantasia sobre motivos da ópera “Hernani”, executada na cla-
rineta pelo Sr. Levy.
Souvenir de Hayden2, executada na rabeca por J. Sant’Ana Gomes.

17
Após breve período em São Paulo, Carlos Gomes partiu definitivamente
para estudar no Conservatório de Música do Rio de Janeiro, mesmo con-
trário a vontade do pai, conforme descreve carta abaixo:

Rio, 22 de junho de 1860 - Meu Pai - Nem sempre se deve julgar


as cousas pelas aparências. Não só em Campinas, Itu, São Paulo,
como em outros lugares de nossa província deixa de ser conhecido
meu caráter. Por conseguinte, cheio de esperanças de que justiça me
seja feita mais tarde, dei o passo que dei. Uma idéia fixa me acom-
panha como o meu destino! Tenho culpa, porventura, por tal cou-
sa, se Vossemecê que me deu o gôsto pela arte a que me dediquei e
se seus esforços e sacrifícios fizeram-me ganhar ambição de glórias
futuras? Não me culpe pelo passo que dei hoje. Juca foi testemunha
do que se passou em São Paulo; da estima e das ovações que rece-
bemos dos estudantes. A educação que Vossemecê me deu e o meu
procedimento até hoje me dão o direito de esperar de meu Pai uma
certa confiança e um animador “espera”. /A minha intenção é fa-
lar ao Imperador para obter dêle proteção, a fim de entrar no Con-
servatório desta cidade. Não perderei tempo; tudo isto que lhe estou
dizendo lhe desgostará pelo motivo de eu ter saído de casa sem sua
licença, mas tenho confiança na minha vontade e no pouco de inte-
ligência que Deus me deu. Nada mais lhe posso dizer nesta ocasião,
mas afirmo a Vossemecê que as minhas intenções são puras e espe-
ro desassossegado a sua benção e o seu perdão. Seu filho - Antônio
artigo

Carlos. (CARVALHO, 1946, p. 52-53).

Numa entrevista ao imperador com intuito de conseguir uma vaga no


Conservatório do Rio de Janeiro, segundo descreve Jolumá (BRITO, 1936,
p. 34-35), fez menção dos gêneros musicais que havia composto até então:

- Que instrumento toca?


- Eu não tenho “tenção” [grifo nosso] de estudar instrumento
aqui, não Senhor! Quero ser compositor! É para isso que eu vim!
- Tem composto alguma coisa?
- Já sim Senhor! Em Campinas fui mestre de banda para
fazer descançar meu pae que já é bastante velho! “Compuz”
[aspas nossas] marchas, dobrados para bandas, motetos ...
Isso em 1844 ...[grafia e pontuações do original] Escrevi missas
e músicas para banda!

Após o sucesso no Rio de Janeiro, parte em 08 de dezembro de 1863 rumo


à Itália, para estudar no Conservatório de Música de Milão. Após uma lon-
ga trajetória na Europa, ele retorna definitivamente ao Brasil somente em
1895, vindo a falecer em 16 de setembro de 1896 na capital paraense.
Como já dito, “Air” foi fruto de uma amizade entre compositor e instru-
mentista, tal qual ocorrido com reconhecidas obras e compositores euro-
peus. Ela foi dedicada ao clarinetista Henrique Luís Levy, músico, mascate,
vendedor de joias nas vilas e fazendas do interior de São Paulo. Ele nasceu
na França, 1829, veio para o Brasil em 1848 e faleceu em São Paulo, 1896. Em
1856, Levy conheceu a família do maestro Manuel José Gomes e tornou-se
grande amigo de Carlos Gomes, de quem acompanhou os primeiros êxitos
e recebera dedicatória de várias obras. Foi pai de quatro filhos, entre eles
os pianistas e compositores Luís e Alexandre Levy, herdeiros da Casa Levy
em São Paulo. A Casa Levy, fundada em 1861, tornou-se um centro cultural
na capital paulistana. Foi esse estabelecimento quem publicou o primeiro
anúncio de músicas de Carlos Gomes no Correio Paulistano de 27 de mar-
ço de 1860 (MARCONDES, 1998, p. 442).
18
Boccanera (1913, p. 301-302) transcreve uma carta do musicista Henri-
que Levy, escrita a um dos redatores de um importante jornal paulistano,
de onde destacamos as seguintes linhas:

Foi em 1856 que cheguei pela primeira vez a Campinas, sen-


do recebido, como hóspede, pelo respeitável velho Manuel José
Gomes, pae de Carlos Gomes, e distincto professor de música
e chefe de orquestra dessa cidade, cujos músicos lhe obedeciam
como se fossem filhos. /Nessa época eu ainda tocava, como ge-
ralmente é sabido, a minha saudosa clarineta, que há tempos
abandonei, por causa das minhas 66 primaveras que já passei.
/Negociava, então, em jóias, e logo nos primeiros dias começava
a executar várias peças para clarineta e piano, acompanhado
sempre ao piano pelo Carlos Gomes, que ficou logo muito en-
thusiasmado commigo, dedicando-me várias composições, en-
tre as quaes uma grande missa de S. Sebastião.

Em “Air” o compositor revela sua afinidade com a arte lírica, provavel-


mente pelo contato com obras e transcrições de trechos operísticos de
compositores representativos do estilo bel canto. Conforme Penalva (1986,
p. 12), “a maior fonte de inspiração, Carlos Gomes encontrou no repertó-
rio que os conjuntos de seu pai executavam”. É possível verificar inúmeras
partituras de Boccherini, Rossini, Bellini, Donizetti, Verdi e outros, na “Co-
leção Manuel Gomes” do Catálogo de Manuscritos Musicais do Museu Carlos

artigo
Gomes (NOGUEIRA, 1997, p. 12). Outro aspecto musical que influenciou
Carlos Gomes foi o caráter “modinheiro” vivenciado na época do Brasil
Império, considerando-se assim, o que diz Mozart Araújo (ARAÚJO, 1963,
p. 27-34) sobre modinha, “[...] de não se fixar em uma forma definida, e que
a modinha adquiriu, desde os seus primórdios, feição e caráter de canção
acompanhada, de fundo lírico e sentimental”. Encontramos também o es-
tilo bel canto sutilmente enunciados nos gestos melódicos da peça em foco
e aspectos da siciliana3, sob influência italiana (pelo frequente uso de sex-
tas). Para Mario de Andrade (ANDRADE, 1987, p. 77), “o bel canto desenvol-
vido na Itália a partir do séc. XVII que implica em virtuosismo técnico em
que a voz imita a liberdade dos instrumentos e os efeitos instrumentais, a
partir do séc. XIX serão os instrumentos que, grandemente influenciados
pelo bel canto, cairão no exaspero da virtuosidade”.
É importante ressaltar a existência de versões da “Air” para piano solo,
transcrição de Souza Lima, publicada em 1958 pela Editora Arthur Napo-
leão Ltda, registro nº AN 2121, e a versão para clarineta e orquestra, or-
questração de Roberto Duarte e Leandro R. Pereira, partitura digitalizada,
versão final de 1996 com revisão da parte solista do clarinetista Prof. José
Cardoso Botelho. Ainda supomos existir outras edições publicadas, pois
a transcrição menciona duas datas de copyright, 1880 e 1912, pela Sampaio
Araújo e Cia, posteriormente adquirida pela Editora Arthur Napoleão.
Em registro discográfico foram encontradas duas versões: 1) Gomes,
Antônio Carlos. “Ária para clarineta e piano”. In Banda de todos os tempos.
Luís Gonzaga Carneiro (cl.) e Joel Bello Soares (pn.). FENAB, 110. Lp. 33
rpm, estéreo. (1984); 2) Gomes, Antônio Carlos. “Ária para clarineta e pia-
no”. In Música Brasileira para Clarineta e Piano. José Botelho (cl.) e Fernan-
da Chaves Canaud (pn.). Rioartdigital, RD 009/96, CD. (1996).
Ressalto, a partir daqui, algumas sutilezas da elaboração composicional,
contidas nessa obra e que podem contribuir para melhor entender o esti-
lo da composição. Algumas dessas sutilezas podem eventualmente passar
despercebidas ao executante, que é o maior responsável por transmitir as
ideias do compositor ao ouvinte.
Acredito que o conhecimento de tratamentos composicionais encon-
19
trados na respectiva obra de Carlos Gomes pode ser de considerável im-
portância para sua interpretação, pois “H. Schenker acreditava que uma
composição só poderia ser reproduzida corretamente se o intérprete com-
preendesse as intenções do compositor tais como reveladas na partitura
e se desenvolvesse uma sensibilidade auditiva referente à hierarquia dos
valores tonais que ela expressa”4 (FORTE, apud BARBOSA, 1999, p. 1). Se-
gundo ainda Barbosa, “através da identificação da estrutura de uma obra,
é possível hierarquizar a importância das frases e das notas dessas frases,
ajudando a modelar e uniformizar as várias seções da forma” (ibdem, 4-5).
Portanto, uma reflexão sobre os procedimentos composicionais dessa
obra pode auxiliar o intérprete na sua performance. Conforme Edward
Cone (1960, p. 36), “a verdadeira análise funciona pelo ouvido e para o ou-
vido; seus discernimentos revelam como uma obra musical deve ser ouvi-
da, o que, por sua vez implica em como ela deve ser tocada. A análise é uma
diretriz para a execução”.
Primeiramente, quanto ao termo ária, é denominativo de peças de me-
lodias cantáveis que contrastam com o recitativo e, conjuntamente, cons-
titui um stile rappresentative, expressão italiana que se caracteriza por uma
intervenção de “declamação musical” junto ao canto. Na música instru-
mental, a ária caracterizou-se como música de dança leve, uma melodia
pequena, simples, com acompanhamento e dividida em duas partes, nor-
malmente com movimentos contrastantes. Mário de Andrade (1987, p. 24),
aproxima-se da ideia composicional de Carlos Gomes ao definir o termo
artigo

“ária” da seguinte maneira:

1. Qualquer peça instrumental ou vocal, monódica ou


acompanhada, na qual a melodia é dominante. Várias formas
de árias coexistiam, entre as quais se destacou, tornando-se a
mais comum no período barroco, a “ária da capo”, presente
também na cantata e no oratório. Neste tipo de ária, de forma
A-B-A’, o cantor deveria ornamentar a repetição de A (A’) se-
gundo seu gosto e possibilidades vocais. Tal princípio chegou,
algumas vezes, a acarretar certos abusos.
A ária era geralmente precedida de um recitativo, de esti-
lo mais declamatório que a mesma. No séc. XVIII, a “ária da
capo”, por sua forma pouco compatível com a cena dramática,
cedeu lugar à cavatina, de forma A-B, que predominou tam-
bém no século seguinte.
2. A palavra ária aplica-se também às peças instrumentais
melodiosas, como se encontram, por exemplo, nas suites: uma
peça lenta e expressiva, em meio a um conjunto de trechos rá-
pidos.

No século XIX, tornou-se uma prática habitual estender as formas vo-


cais para outras formações instrumentais, principalmente por Rossini,
Bellini, Donizetti e Verdi (compositores cujas obras influenciaram a for-
mação musical de Carlos Gomes, conforme citado anteriormente). “Air”
possui a forma gran aria transformada, isto é, subdividida em duas par-
tes; a parte 1 seguindo o esquema anterior a esta transformação (A-B-A) e a
parte 2 no formato (C-D).
A análise musical ora aplicada aponta elementos que podem auxiliar o
intérprete a moldar e uniformizar as várias seções da forma, contribuindo
ainda para discussão e reflexão sobre análise e performance. Ela mostra
que a obra está construída sobre uma estrutura que dá unidade e continui-
dade as suas diferentes seções.

20
A obra em estudo apresenta uma estrutura composicional que pôde ser
reduzida à sequência dos Binôminos Melódico-Harmônico (BMH) 3/I-2/
V-1/I, sendo que o numeral arábico identifica o grau melódico e o romano
descreve a função harmônica, estabelecendo uma relação entre a constru-
ção melódica e a progressão harmônica. Para visualizar tal estrutura apli-
caremos um processo reducional. Esse procedimento apontará as notas
de maior relevância, que podem enriquecer o processo de interpretação.
O processo reducional aplicado aponta também elementos estruturais da
construção melódica dentro de seu contexto harmônico.

artigo
Figura 2 – Processo reducional

O processo reducional demonstra a macroestrutura da obra, escrita em dó


maior. A introdução é exposta pelo piano e está na região da dominante. Ela
constitui-se de um movimento cromático descendente (cs. 01-04) do acorde
inicial V6 ao acorde de V6/ii, seguido por uma sequência ascendente em direção
ao acorde da dominante (c. 11), com células rítmicas repetitivas e em dinâmica
ff. Essa sequência conduz ao recitativo (cs. 11-19), onde a clarineta é introduzida
como instrumento solista.
No recitativo, a clarineta realiza um movimento melódico ascendente-des-
cendente, ainda na região da dominante. Este movimento é iniciado com a nota
sol (c. 11) no registro médio do instrumento, atinge seu ápice na nota dó agudo
(c. 18), sobre o V/V, retorna à nota sol inicial (c. 19), sendo concluído com o pia-
no tocando enfaticamente o acorde da dominante. A introdução e o recitativo
estabelecem a nota sol, sobre a dominante, como a nota de impulso em direção
à melodia da seção A.
A parte I, andante, tem caráter cantabile, compasso 6/8 e está subdividida em
três seções (A, B e A’). A primeira seção (cs. 20-36), é composta por um dese-
nho melódico ascendente-descendente, (mi-fá-sol-láb-si-mi, cs. 22-35). Este
desenho é formado por quatro segmentos ascendente-descendente, sol-mi-fá
(cs. 21-24), lá-fá-sol (cs. 24-27), sol-láb-ré (cs. 27-30) e mi-si-mi (cs. 32-35). Um
elemento de ligação (cs. 32-36), exerce a função de conectar a seção A com a B,
fazendo concomitantemente uma modulação de dó maior para lá menor por
nota comum, mi (cs. 32, 35 e 37), e em seguida, para lá maior por empréstimo
modal. É estabelecido nesta seção o BMH estrutural da obra 3/I.

21
A seção B (cs. 37-64), em lá maior, é composta por três eventos melódicos, em
todos a nota mi é a nota inicial para o instrumento solista, prevalecendo como
nota pivô. O uso consonante do mi, 5/I nesta microestrutura, não anula a fun-
ção 3/I da macroestrutura da peça, que é reafirmada com seu retorno na seção
seguinte A’. No primeiro evento (cs. 37-40) é exposto um desenho melódico
descendente (mi-si, cs. 37-39), ascendente (si-mi, cs. 39-40) e descendente (mi-
dó#, c. 40), que será modelo tanto para o evento seguinte (cs. 41-44), quanto
para o contorno melódico geral da seção, isto é, descendente (mi-dó, cs. 37-44),
ascendente (dó-si, cs. 44-48) e descendente (si-mi, cs. 48-49). Os cinco últimos
compassos da seção B correspondem ao mesmo elemento de ligação apresen-
tado em A. Após a repetição de toda seção, uma cadência da clarineta (c. 65) se
interpõe entre B e A’, com ênfase para as notas, sol e ré.
A reexposição, ou A’, retorna-se para dó maior, 3/I. Ela apresenta inicialmente
a mesma ideia da primeira seção, fazendo algumas variações a partir do com-
passo 72, onde a tensão do trítono (si-fá) antecede uma sequência de movimen-
tos rítmicos e melódicos repetitivos (cs. 73-82). Nesta sequência, a dissonância
do mi (c. 76) tira sua estabilidade consonante no BMH 3/I da estrutura da obra e
o faz vizinho superior da nota ré (c. 77), dentro da função 2/V. Este trecho possui
uma característica de inquietude que culmina com uma cadência da clarineta
na dominante (c. 82). Esta se inicia com a nota si, chega até a nota sol e é con-
cluída com as notas mi-ré-dó, sendo este último, pertencente tanto ao BMH,
quanto ao evento melódico seguinte (c. 83).
O allegro é um interlúdio que estabelece a mudança de compasso e de caráter
artigo

da obra (cs. 83-98). Ele começa incisivamente na tônica e alcança a dominan-


te, onde ocorre uma nova cadência da clarineta, ainda na região da dominante,
sendo importante destacar as notas pertencentes ao acorde, isto é, sol e si.
A parte 2 (cs. 99-189) contrasta-se com a parte 1 pela forma de compasso
(quaternário) e pela expressão de caráter, con anima. Apesar de se apresentar
em estilo contrastante, ela é semelhante à parte 1 no tocante ao tratamento da
melodia, através do uso do intervalo de sexta, da sequência estrutural mi-ré-dó
e em relação aos níveis de intensidade que progressivamente caminham para
região de tensão, mi (c. 100) em direção à nota ré (c. 127), desta vez em maiores
proporções. Esta parte é formada por duas seções, “C” e “D”. A primeira, estru-
turada na progressão 3/I-2/V-1/I e na seção seguinte encontra-se a região culmi-
nante da peça (cs. 124-135), caracterizada pela: 1) exploração constante do regis-
tro agudo da clarineta, incluindo a nota mais aguda da parte solista; 2) utilização
de atividade rítmica intensa; 3) indicação da expressão enérgico; 4) dinâmica ff;
5) longa duração do trinado (cs. 131-132); 6) elaboração sobre a dominante e 7)
articulação com notas destacadas. Estas seções (“C” e “D”) são repetidas após
um interlúdio e em andamento presto, um epílogo conclui a composição. No
epílogo, é importante ressaltar o tratamento com a nota dó nos diferentes regis-
tros da clarineta e os processos de mudança de oitavas, utilizados pelo compo-
sitor. Na melodia da clarineta, a nota dó inicial (c. 189), o arpejo descendente (c.
194) e o dó final (c. 195) são passíveis de ênfase, em função do caráter conclusivo
da progressão, 3/I-2/V-1/I da obra em geral.
O processo reducional mostra as notas principais, localizadas em pontos es-
tratégicos de cada seção, apontando para o “cerne” estrutural da obra: o mi (c. 22)
é estabelecido pelo impulso melódico do intervalo de sexta vindo da introdução,
por sua função estrutural na parte 1 e seu retorno na seção “C” da parte 2; o 2/V lo-
calizado na região culminante da obra e o 1/I no trecho conclusivo da composição.
Através da abordagem interpretativa e dos elementos identificados na aná-
lise, pode-se estabelecer coesão na condução da linha melódica das várias se-
ções da obra. Além disso, revela a unidade de sua estrutura composicional,
podendo auxiliar o intérprete em sua performance. As informações da análi-
se e da contextualização histórica apresentada agregam recursos que contri-
buem para uma melhor compreensão do estilo do compositor e da obra.
22
Enfim, em Air o compositor, com maestria, resume exuberância e singele-
za, numa linguagem simples, acessível e idiomática ao instrumento solista.
Ressalto ainda, que o compositor apresenta elementos virtuosísticos para o
instrumento do período, em uma linguagem musical inteligível, além de a ins-
trumentação fornecer um ambiente propício para a prática pedagógica instru-
mental de câmara, clarineta e piano.
É notório o grande significado histórico da obra em tela, seu caráter sim-
bólico e seu valor representativo servem de exemplo a diversas outras situa-
ções. Entretanto, em meio ao elenco de obras tradicionais da época, ainda que
sem mensurar importância, valores e buscando não hierarquizá-las, saliento
a necessidade de se dar um maior reconhecimento a esta composição, in-
cluindo-a mais frequentemente em concertos, recitais, programas de cursos
e gravações. O lastro histórico desse repertório contribui ainda para respal-
dar a importância da produção composicional brasileira para clarineta. Pas-
so a considerá-la, portanto, como transferência e perpetuação de um saber,
enquadrando-a no diálogo dos saberes e na ótica pedagógica do educador,
pedagogo e filósofo pernambucano Paulo Freire (1987, p. 68): “Não há saber
mais, nem saber menos, há saberes diferentes”.

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FORTE, Steven E. Gilbert e Allen. Introduction to Schenkerian Analysis. W. W. Norton
& Company; New York, 1982.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
GOMES, Antônio Carlos. “Ária para clarineta e piano”. In Banda de todos os tempos.
Luís Gonzaga Carneiro (cl.) e Joel Bello Soares (pn.). FENAB, 110. Lp. 33 rpm (esté-
reo), 1984.
GOMES, Antônio Carlos. “Ária para clarineta e piano”. In Música Brasileira para Cla- 2 Grafia da autora, provavelmente se
rineta e Piano. José Botelho (cl.) e Fernanda Chaves Canaud (pn.). Rioartdigital, RD refira a Haydn.
009/96, CD, 1996 . 3 Dança dos séculos XVII e XVIII; muito
GOMES, Antônio Carlos. “Air”. Manuscrito autografado, sem número de cataloga- parecido com a pastoral, que imita a
ção (partitura para clarineta e piano), 1857. calma ambiência sugerida pela música
pastoril. William Apel. “Siciliana”.
LIMA, Souza. Ária. Rio de Janeiro: Editora Arthur Napoleão Ltda (partitura para pia- Havard Dictionary of Music. Cambridge:
no solo), 1968. Havard Universiry Press, 1972.
MARCONDES, Marcos Antônio. “Henrique Luis Levy”. In Enciclopédia da Música
4 “Schenker believed that a composition
Brasileira: Erudita, Folclórica, Popular. São Paulo: Art Editora, 1977. could be reproduced correctly only if the
NOGUEIRA, Lenita. Catálogo de Manuscritos Musicais do Museu Carlos Gomes. Cam- performer had grasped the composer’s
pinas: 1997. intentions as revealed by the score, and
if he had developed an aural sensitivity
PENALVA, José. Carlos Gomes; o compositor. Campinas: Papirus, 1986. to the hierarchy of tonal values which it
SILVA, Jailson Raulino da. “Air” para clarineta e piano de Carlos Gomes: um estudo in- expressed.”
terpretativo. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2001.
23
a
ta Convid
A Clarine Dr. Alexandre de Alcântara

A odontologia e a jornada
artística de um músico
Q
uando um músico inicia seus saúde para aperfeiçoar e aprender a tocar um
estudos, ele se dedica para tornar- instrumento musical.
se um profissional. Quando atinge Por mais que os professores e mestres tenham
esse objetivo, busca então apri- falado sobre a importância das pausas, dos
morar sua performance para se tornar um músico descansos e das horas de sono necessárias para a
melhor a cada dia. Quando alcança o ápice de sua recuperação do corpo, pouca atenção tem sido
carreira, pensa em manter-se no nível atual de dada a essas questões. E lá estava sempre o nosso
qualidade musical ou então melhorar ainda mais. jovem talento exigindo o vigor de seu corpo,
E assim é a vida profissional de um músico sério levando-o muitas vezes à exaustão.
e competente, uma eterna busca pelas melhores
notas, pelo melhor arranjo, a melhor composição. Mas somos jovens e o corpo aguenta!
Mas ao chegar à meia idade, surgem as perguntas De volta ao futuro, já vemos esse viajante do
que incomodam: “até quando vou conseguir tocar tempo como um músico profissional. Ele aprendeu
da mesma forma e com a mesma qualidade?”, “ainda a dosar o descanso, a regular as horas de estudo, a
toco muito bem para as minhas aspirações, então, estabelecer rotinas e também descobriu como
por que tenho que parar?”, “por que deveria parar se reconhecer os sintomas do corpo cansado.
não quero parar?”, ou ainda, “estaria velho demais?”. Nesse estágio o músico sabe que tem condições
De um momento para o outro de suas vidas, de se estabelecer profissionalmente, de prosperar
passam a questionar a continuidade de suas financeiramente, manter sua família porque
carreiras. A questão não é econômica nem laboral, trabalhou duro para isso a vida toda.
ela é pessoal. “Uma vida inteira dedicada à música Aqui nossa jornada encontra dois caminhos
( jornada musical) e de repente terei de encerrar a distintos. O primeiro o levará a uma aposentadoria
carreira por esse problema?”, perguntam-se. precoce, enquanto o segundo o conduzirá a uma
E nesse ponto é preciso voltar no tempo e pensar carreira mais longa, segura e tranquila. O que difere
o que poderia ter sido feito para adiar esse momento. os dois caminhos é a consciência da importância
Voltando ao início, pode-se pensar na vida desse que ele deve dar à sua saúde. Deixá-la de lado pode
profissional – hoje questionador e pensativo –, comprometer para sempre a carreira de muitos
quando era apenas um estudante de música, e profissionais, mas para os instrumentistas isso fica
ver o quanto foi exigido de seu físico e de sua ainda mais evidente.

24
O músico pode ter plano de saúde, médicos Os tempos são outros e as pessoas estão
consagrados, dentistas e outros profissionais cada vez mais focadas em telas minúsculas e
conhecidos e pode até mesmo ter um físico de muito iluminadas, se alimentando mal em fast
dar inveja a muitos atletas. Porém, apesar de todo foods, dormindo à base de remédios e esperando
o aparato, se sua saúde ficar em segundo plano, a encontrar a fórmula mágica ou o milagre,
conta vai chegar mais alta na velhice. para resolver o que poderia ter sido evitado
Sem prevenção, autocuidado e determinação, por elas mesmas, deixando, muitas vezes, nas
sua carreira pode ser abreviada por causa de um mãos do profissional de saúde essa gigantesca
simples desequilíbrio na mordida, uma tendinite, responsabilidade.
uma lesão de esforço repetitivo, uma dor no ombro Claro que nós, os profissionais da saúde,
ou nas costas. estamos trabalhando para que os tratamentos
sejam cada vez melhores e mais eficientes e
Que tal se cuidar? que temos, ao nosso lado, as novas tecnologias
Prevenir, segundo o dicionário, é dispor as que evoluem a todo o momento, favorecendo o
coisas de sorte que se evite (mal, dano), impedir aperfeiçoamento de nossas ações. Mas lembre-se,
que se execute ou que aconteça e muitos outros ainda não aprendemos a realizar milagres!
significados como evitar, baldar, atalhar, avisar,

A Clarineta Convida
informar com antecedência, precaver-se, Seu corpo é a sua vida
acautelar-se, premunir-se, preparar-se. Como cirurgião-dentista venho acompanhando
A prevenção está no ato de se cuidar, de estar há mais de vinte anos muitos músicos nas duas
atento e saber que vamos envelhecer e, portanto, situações. Em ambas, nosso objetivo, meu e dos
nosso corpo também. Máximas como “estou meus colegas da saúde, é trabalhar para propiciar
bem então não preciso me cuidar”, “quando doer ao músico uma carreira longa e segura.
eu vou ao médico”, “não vou ao dentista agora, Porém, percebemos que nos casos em que não
porque quem procura acha”, estão cada vez mais houve autocuidado, em que a saúde ficou para
em desuso, para sorte daqueles que se cuidam. segundo ou terceiro plano, esse trabalho pode se
Então, meu caro amigo músico, sabendo transformar em algo muito difícil e muitas vezes
disso, o que custa marcar uma consulta com um podemos, no máximo, atuar paliativamente para
ortopedista e tirar suas dúvidas? Que tal ir ao manter o músico tocando.
dentista regularmente para ver se há cáries ou Por outro lado, para aqueles que seguiram o
algum problema que possa ser resolvido sem que caminho da prevenção e do cuidado com a saúde,
no futuro seus dentes sejam perdidos? Um otorrino nosso trabalho é importante no acompanhamento,
pode cuidar daquela dor de garganta persistente, na manutenção e na orientação para que o músico
por que você não o visita? aprimore sua performance por meio do bom
Essa conduta pode não ser habitual no início, mas cuidado com o seu corpo.
pode representar grandes benefícios no seu futuro.
Fatores que interferem na performance do
Soluções mágicas não existem músico sob a ótica odontológica
A consulta com o fisioterapeuta hoje pode fazer Com o intuito de motivar o músico a cuidar da
com que se aprenda uma postura diferente da usual, saúde, cabe colocarmos exemplos do que pode
evitando, assim, a presença de dores. Mas há sempre acontecer ao músico.
alguém que pode dizer que conhece muitos músicos
que estão com mais de 70 anos e tocam muito bem e 1. Deslocamento de Mandíbula
que nunca cuidaram de sua saúde. Quantos são eles? 2. Disfunções de ATM
É uma maioria significativa? Será que realmente 3. Distonias
não cuidaram da saúde, da alimentação, do sono? 4. Extrações e perdas de dentes
Qualquer resposta aqui poderia ser dada apenas por 5. Lesões (ferimentos) na mucosa
um leitor de bola de cristal. labial causado pelo atrito dos lábios
O que sabemos com certeza é que o seu com os dentes
corpo tem limites para aguentar a jornada e que 6. Doenças periodontais
o músico que se previne tem maior chance de ter 7. Outros
uma carreira mais longa.

25
Deslocamento de Mandíbula Bruxismo e briquismo, doenças modernas
Embora não seja muito normal na população devido, principalmente, ao estresse do dia a dia,
comum, em músicos a frequência de casos não também podem causar disfunções na ATM e des-
é atípica. Neste caso, a mandíbula (maxilar infe- gaste dos dentes.
rior) é deslocada para fora da posição que ela ocu- O tratamento para essas doenças depende do
pa junto ao crânio. uso de medicação adequada e de placas usadas
A mandíbula é o único osso no corpo que se em uma ou ambas as arcadas dentárias para evitar
movimenta. Ela está presa ao crânio através de li- o trauma entre os dentes e também para relaxar a
gamentos e dos músculos faciais e entre a mandí- tensão na região da ATM.
bula e o crânio está a região chamada Articulação
Têmporo Mandibular. Assim como um joelho, Distonias
esta região tem um menisco para ajudar a aliviar A distonia mais famosa, e que mais causa
os movimentos e impedir o atrito entre os ossos. medo entre os músicos, é a distonia focal. Ela é,
No deslocamento da mandíbula, este equilí- numa definição bem simples, uma interrupção na
brio é rompido e a pessoa não consegue fechar a comunicação entre um comando cerebral e a exe-
boca, além de ter uma dor muito intensa. cução do movimento.
A Clarineta Convida

Os músicos de sopro, de uma maneira geral, Por exemplo: você puxa o lábio para um lado
fazem muitos movimentos com a mandíbula na e ele se recusa a ir ou então vai para o outro lado.
performance e se este movimento for excessivo e A distonia focal ainda não tem um diagnóstico
passar dos limites, fará com que haja esse deslo- preventivo e pouco se sabe a respeito, apesar de
camento. já termos ciência de muitos casos e de seu trata-
Para reverter o caso, o músico precisa procurar mento por meio da literatura.
um Cirurgião-Dentista ou uma pessoa que o aju-
de a colocar a mandíbula de volta no lugar. Além Extrações e perdas de dentes
disso, será necessário o uso de analgésicos e anti Perder dentes é uma situação irreparável, por
-inflamatórios para reverter a dor e o desconforto. melhor que seja a técnica reparadora que o Cirur-
Quando isso acontece, o músico não consegue gião-Dentista irá utilizar.
tocar por vários dias, mas não é um fato que inter- Seja por qual motivo for a extração (remoção
rompa uma carreira. do dente), sempre há prejuízo, a não ser em casos
onde haverá a substituição de um dente muito
Disfunções da ATM danificado por um implante ou por uma infecção
Como o próprio nome diz, são disfunções. que não está se resolvendo.
Fora das funções normais as quais ela se presta. Quando perdemos um dente, o osso ao redor
A boca foi feita pela natureza para nos alimen- do dente é remodelado pelo próprio organismo
tarmos, para expressarmos e não para tocar um para restabelecer o equilíbrio. Isso significa que
instrumento musical. Isso foi desenvolvido pelo os dentes remanescentes irão tentar suprir a falta
ser humano e o uso inadequado do instrumento, deste dente perdido, movimentando-se na medi-
no que diz respeito aos limites dos movimentos, da do possível para ocupar aquele espaço. Com
pode ocasionar disfunções na região da Articula- isso, há alteração na posição dos dentes, podendo
ção Têmporo Mandibular. ou não interferir na embocadura, e também sem-
Essas disfunções incluem “estalos” ao abrir- pre há perda óssea.
mos a boca, “crepitações’ quando o osso raspa Os dentes sustentam o osso que está ao redor
um no outro. Além disso, podem causar dores na dele. Sem o dente este osso perde a função. Se este
região, ao abrir a boca, e também no ouvido. osso está suportando a musculatura labial, pode-
Não são apenas os movimentos para tocar que rá causar perda de tonicidade da mesma, interfe-
geram disfunções na ATM. Desgastes e restaura- rindo na embocadura e fazendo com que o músi-
ções que não são feitas respeitando o equilíbrio co tenha que encontrar uma nova forma de posi-
oclusal (mordida) do paciente podem fazer com cionar a boquilha, o bocal ou mesmo os lábios no
que haja um “esforço” da região nas funções, cau- direcionamento e controle da coluna de ar.
sando dor. O melhor tratamento para perda de dentes é

26
o implante. Se for possível ser feito assim que o Doenças periodontais
dente for perdido, melhor será o prognóstico e a Periodonto é toda a parte que sustenta o dente:
recuperação do equilíbrio nas arcadas. ossos, gengiva e fibras de sustentação.
O tártaro, a gengivite e pequenos sangramentos
Lesões (ferimentos) na mucosa labial causa- aliados a uma higiene bucal insatisfatória podem
do pelo atrito dos lábios com os dentes evoluir para doenças periodontais mais severas
Dentes muito afiados ou próteses mal adapta- (periodontites) em que estas estruturas que sus-
das podem ferir a mucosa labial e jugal (bochechas) tentam o dente são gradativamente comprometi-
causando ferimentos que podem, junto a outros fa- das, causando sangramentos mais constantes, re-
tores – como cigarro, álcool, escovação intempesti- trações gengivais, perda óssea, formação de bolsas
va – causar lesões mais sérias, as quais, se não forem na gengiva que aumentam, ainda mais, a retenção
tratadas, podem inclusive levar ao aparecimento de de alimentos e bactérias entre o dente e a gengiva
um câncer bucal. e, principalmente, amolecimento dos dentes. Este
último leva à perda do dente, se este não for tratado
a tempo.
Mesmo tratando a doença periodontal e esta-

A Clarineta Convida
bilizando o dente, o dente já foi comprometido de
uma forma que poderá futuramente ser perdido.
Para um músico de sopro, essa ocorrência pode in-
terferir na embocadura, se atingir tal região.
Figura 1: Dentes propensos a causar lesões nas mucosas
O tratamento é feito através das famosas limpe-
zas – que são uma forma popular de tratar a remo-
Quero deixar claro que não é todo ferimento que ção do tártaro e o polimento radicular dos dentes
leva ao aparecimento de um câncer, mas sim que este mantendo-os livres de bactérias. Também se reco-
ferimento associado a diversos outros fatores envol- menda o uso de enxaguantes bucais e de uma hi-
vidos pode contribuir para o desenvolvimento deste. giene bucal adequada.
Quando isso acontece, cabe ao músico pedir ao
Cirurgião-Dentista que olhe os dentes que estão Outros
ferindo sua boca para encontrar uma solução que Este tópico poderia ser ilustrado com diversas
amenize ou extinga os ferimentos. patologias e procedimentos odontológicos que
A medicação local pode ser prescrita pelo Cirur- podem interferir ou não na performance musical.
gião-Dentista e dispositivos estão sendo desenvol- Poderia falar sobre aparelhos, por exemplo. Mas
vidos para ajudar o músico a diminuir este atrito. está aqui apenas para lembrar da nossa jornada,
descrita acima, onde tudo pode levar para um ca-
minho ou para outro.
Voltando para o futuro, deixo a continuação
dessa jornada para a sua imaginação. Para que
você pense em que direção está indo com seu cor-
po e com sua vida.
Por fim, deixo uma mensagem simples: é mui-
to bom quando precisamos de um profissional de
saúde apenas para o necessário.

Dr. Alexandre de Alcântara


Cirurgião Dentista
CROSP 51770

Figura 2: Apoio sobre os dentes na embocadura da clarineta

27
A Presença da Clarineta nas
Instituições de Ensino Superior
Brasileiras
Vinícius de Sousa Fraga
Joel Luís Barbosa

28
P
ara muitos clarinetistas do país, a opção de ensino da música no século XIX, que é quando elas
frequentar cursos superiores em clarineta é surgem no país.
a única forma de aprofundar sua formação No Brasil do século XIX, o ensino da música
no instrumento. Contudo, não há, ainda, nenhuma se dava em diversos tipos de instituições formais,
fonte que disponibilize as informações relativas a tais como conservatórios, institutos de música,
estes cursos e seus professores em um só documen- escolas regulares, instituições religiosas, liceus
to. Essa matéria encerra apresentando tais informa- de artes e ofícios, escolas e academias de artes,
ções, faz uma reflexão sobre o ensino da clarineta bandas de música e sociedades filarmônicas. Como
nas Instituições de Ensino Superior brasileiras (que somente os conservatórios e institutos de música
chamaremos de IES de agora em diante) e, dentro tinham como foco principal o ensino da música,
de sua abordagem, busca indicar temas para futuras a contextualização limitar-se-á aos três primeiros
pesquisas na área. conservatórios que surgiram no país nesse século.
A presença da clarineta nas IES se dá, pratica- Primeiramente, falaremos do Imperial
mente, por meio do ensino, da performance e da Conservatório de Música do Rio de Janeiro, criado
pesquisa no Brasil. Ou seja, as IES contratam clari- por um Decreto Imperial de 1841 e inaugurado em
netistas profissionais para ensinarem o instrumen- 1848. Os documentos encontrados até o momento
to, tocarem em seus conjuntos e pesquisarem sobre demonstram que o ensino da clarineta nesta
tópicos pertinentes à área. Este texto tem por obje- instituição remonta, pelo menos, a 1855, referindo-
tivo traçar um panorama da atual presença dos cur- se à nomeação de Antonio Luis Moura como
sos e outras atividades pedagógicas relacionados à professor do instrumento neste ano (SILVEIRA,
clarineta nestas instituições nacionais. O panorama 2009, p. 96; ANDRADE, 1967, p. 202). Segundo
foi elaborado, principalmente, a partir de respostas Azevedo (1956, p. 55), também se referindo ao ano
de professores de clarineta de IES a um questionário de 1855, João Scaramelli ministrava aulas de flauta
construído com esta finalidade e, em menor escala, e outros instrumentos de sopro no Conservatório,
por consultas às páginas eletrônicas destas institui- mas não sabemos se, de fato, ensinou clarineta.
ções. A fonte principal foi composta pelas respostas Após a proclamação da república, o Imperial
dos professores porque elas foram emitidas recen- Conservatório passou a se chamar, de acordo com
temente e, geralmente, eles estão mais atualizados o novo regime, de Instituto Nacional de Música.
com a situação do tema em sua própria IES do que Ele seguiu suas atividades e, de forma pioneira,
as respectivas páginas eletrônicas. Além disso, devi- em 1931, foi incorporado à Universidade do Rio
do ao caráter mais informativo e contemporâneo, do de Janeiro, atual Universidade Federal do Rio de
que científico e histórico, o panorama não incluiu a Janeiro (UFRJ). O primeiro professor de clarineta
investigação de documentos nem a literatura biblio- desta nova fase em que o Instituto passou a fazer
gráfica pertinente. Assim, o trabalho busca iniciar parte de uma IES foi o sergipano Antão Soares,
um registro atual da presença do ensino da clarine- que já era professor do Instituto desde 1927 e
ta nas IES e não uma compreensão de seu processo permaneceu até 1948. Em seguida, veio Jayoleno
histórico e de suas práxis. dos Santos que ficou de 1949 a 1981 (SILVEIRA,
A fim de contextualizar o panorama, faremos 2009, p. 98). Ele foi um importante pedagogo e
uma breve narrativa histórica referente ao início formou uma geração de clarinetistas que trabalhou
do ensino da clarineta em instituições formais bra- e influenciou, diretamente, muitos dos clarinetistas
sileiras, pois algumas das escolas de músicas das e professores do instrumento das atuais IES. Entre
atuais IES são provenientes de conservatórios que eles se encontravam Luiz Gonzaga Carneiro, José
já existiam em seus municípios de origem. Assim, a Carlos Castro, José Freitas, Paulo Moura, Wilfried
contextualização se limitará, apenas, a instituições Berk, Paulo Sérgio Santos e Roberto Pires (FREIRE,
formais que trabalhavam exclusivamente com o 2000, p. 124-125).

29
A segunda instituição que trataremos é o de trabalho em nosso continente (FRAGA, 2014,
Conservatório de Música da Bahia. Sua criação se p. 44). Esse ensino se dá, pelo menos, de três
dá em uma ata de 20 de fevereiro de 1895 da, então, maneiras: (1) por transformação de instituições
Escola de Belas Artes da Bahia (MENDES, 2012, de ensino de música em IES, (2) por incorporação
p. 113-114), contudo a escola já ministrava aula de dessas instituições por IES já constituídas e (3) por
música desde sua fundação em 1877 (ibidem, p. criação de cursos de música em IES existentes. O
69). Segundo Mendes (ibidem, p. 75), “em fevereiro primeiro caso pode ser exemplificado pela história
de 1895, foi contratado o professor José Barreto do Instituto Estadual Carlos Gomes, enquanto a
Aviz”, clarinetista de destaque, recém-chegado de história da Escola de Música da UFRJ é possível ser
Portugal, “que promoveu e se apresentou em vários considerada para o segundo, com os professores
concertos em Salvador”. Ele ingressou na Escola de Antão Soares e Jayoleno dos Santos. Como exemplo
Belas Artes, neste ano, “para dirigir o ensino no curso da terceira maneira, pode-se mencionar o caso da
de instrumentos de palheta” (ibidem). Em 1918, o Escola de Música da Universidade Federal da Bahia
Conservatório se desvinculou da Escola de Belas (UFBA). Na década de 1950, quando esta Escola
Artes e passou a se chamar Instituto de Música da estava sendo criada, o alemão Georg Zeretzke foi
Bahia. Na década de 1960, foi filiado à Universidade contratado como seu professor de clarineta. Em
Católica do Salvador e, assim, tornou-se o Instituto meados da década de 1960, o professor de clarineta
de Música desta IES (ibidem, p. 169) que, atualmente, foi o brasileiro de origem alemã Wilfried Berk,
oferece licenciatura em música, mas não inclui o ex-aluno do professor Jayoleno dos Santos e, em
ensino de clarineta. 1969, chegou, a convite da Universidade, o alemão
A última instituição do século XIX que Klaus Haefele que atuou por três décadas na UFBA
trataremos é o Conservatório de Música do Pará (BASTIANELLI, p. xx-xxi).
que, logo depois, passou a se chamar Conservatório
Carlos Gomes. Ele foi criado em 24 de fevereiro de O PANORAMA ATUAL DO ENSINO DA
1895, mesmo ano de criação do Conservatório de CLARINETA NAS IES BRASILEIRAS
Música da Bahia, e teve Carlos Gomes como seu Para a elaboração desse panorama, 37
diretor durante o ano de 1896, ano de falecimento professores de clarineta de 32 IES responderam a
do compositor. Segundo Amorim (2016, p. 20), a um questionário formulado, especificamente, com
instituição mantinha aula de clarineta em seus anos este fim. São professores de 20 universidades, três
iniciais, mas a atividade foi interrompida em 1908 e institutos federais de educação, ciência e tecnologia
retornou somente em 1972. De acordo com o portal e de uma faculdade privada e, se esse número não
eletrônico da Fundação Carlos Gomes (FCG, 2016), representa o total de professores de clarineta que
desde agosto de 1995, o Conservatório foi autorizado, atuam nas IES brasileiras, é bem próximo dele. Para
pelo MEC, a oferecer bacharelado em clarineta em fins desse trabalho, o critério utilizado para uma
parceria com a Universidade do Estado do Pará. Em IES participar da pesquisa foi que ela possuísse,
2013, foi reconhecido como IES e passou a se chamar pelo menos, um curso que envolvesse a clarineta
Instituto Estadual Carlos Gomes e, desde então, e que ele funcionasse de forma autônoma, não
oferece cursos superiores independentemente da dependendo da presença de um professor externo
Universidade do Estado. Outros conservatórios àquela unidade. Considerando este critério, as
musicais foram criados pelo país, no início do IES com mais de um campus com cursos que
século XX, e se tornaram IES ou se filiaram a uma envolvessem a clarineta, de forma autônoma, como
delas, tais como o Conservatório Dramático e a UFC e o IFG, embora fossem a mesma instituição,
Musical de São Paulo, de 1906, o Conservatório de foram contabilizadas como duas. Além disso, como
Música do Instituto de Belas Artes do Rios Grande seis das IES estudadas possuem dois professores
do Sul, de 1908, o Conservatório Mineiro de Música, de clarineta, apenas uma resposta de cada par de
de 1926, e o Conservatório Brasileiro de Música, de docentes foi considerada nas estatísticas referentes
1936, do Rio de Janeiro. às IES, embora as duas respostas tenham sido
Quanto ao ensino da clarineta nas IES brasileiras, incluídas nas informações relacionadas ao corpo
ele começa em meados do século XX e tem tanto o docente das IES. Por fim, é importante ressaltar
protagonismo de clarinetistas locais quanto o de que os dados referentes à Universidade Estadual de
estrangeiros que, no período pós-guerras, foram Campinas (UNICAMP) foram obtidos pelo docente
convidados ou vieram em busca de oportunidade aposentado, uma vez que o curso existe, mas ainda

30
não há professor contratado. Os dados desta Sul, oito no Nordeste, cinco no Centro-Oeste e
instituição foram inclusos, principalmente, pela sua quatro no Norte. Destas, apenas oito estão em
história e importância em sua região. cidades do interior. A maioria, 23, localizam-se
A maioria das IES citadas na pesquisa pertencem nas capitais. Esses dados constatam que, embora
à União, sendo 20 federais, oito estaduais e uma o acesso ao aprendizado do instrumento em IES
privada (figura 1). Elas estão distribuídas nas cinco públicas pode se dar em qualquer região do país,
regiões do país, sendo 10 no Sudeste, três na região predominantemente, ele se limita ainda às capitais.

Figura 1. IES pesquisadas

Cursos específicos para clarineta UNICAMP, UFSM, UNIRIO e UFPB. Esse número
A grande maioria das IES pesquisadas possuem cresce significativamente nas décadas seguintes,
cursos específicos ou com habilitação em atingindo, quantitativamente, o patamar atual. Já
clarineta, 29 delas. Dentre os cursos específicos os cursos de licenciatura em clarineta surgiram, de
para o instrumento, 22 IES oferecem cursos de forma consistente, mais recentemente. Desde 1990,
bacharelado, duas de bacharelado em música aproximadamente, universidades como a UEMG,
popular, 11 de licenciatura, cinco de mestrado UFPB, UFG, UEA, UFCG e UFSJ passaram a incluí-
acadêmico, duas de mestrado profissional, duas los como uma opção aos clarinetistas interessados.
de doutorado, 24 de extensão e quatro de nível Quanto aos cursos de pós-graduação específicos
técnico. Curso tecnológico em clarineta ainda não é em clarineta, existem, hoje, seis cursos de mestrado
oferecido no país. acadêmico, dois de mestrado profissional e dois
As 28 universidades estudadas mantêm 35 de doutorado. Os cursos de mestrado acadêmico
cursos de graduação em clarineta, sendo 24 de surgiram a partir da década de 1990, assim como os
bacharelado e 11 de licenciatura (figura 2). Até de doutorado. Os cursos de mestrado profissional
meados da década de 1980, havia 11 cursos de são uma conquista recente das universidades
bacharelado em clarineta em atividade, incluindo aí federais da Bahia (UFBA) e Rio de Janeiro (UFRJ) e
a UFMG, UnB, UFBA, EMBAP, UFRJ, USP, UNESP, iniciaram após 2010.

31
Figura 2. Cursos de clarineta oferecidos nas IES pesquisadas.

De acordo com as respostas ao questionário, em cursos técnicos e de extensão em clarineta. Ela


é possível perceber que os cursos de extensão se dá dentro do período de ampliação das políticas
em clarineta estão presentes na maioria das IES educacionais voltadas a esta categoria de IES.
pesquisadas, por vezes, mesmo naquelas que não A clarineta dentro de cursos não específicos
oferecem um curso de graduação específico para para o instrumento
o instrumento. No total, 24 instituições oferecem Os interessados podem estudar clarineta
cursos de extensão para clarineta. Desde a década nas IES citadas também sem serem alunos
de 1960, eles estiveram ligados, por vezes, ao de cursos específicos para o instrumento. Do
surgimento do bacharelado em suas instituições, total pesquisado, 17 IES oferecem disciplinas
seja precedendo-o ou de forma simultânea à sua de clarineta dentro de outros cursos ou outras
criação. atividades pedagógicas que incluem o instrumento.
Quanto ao curso técnico no instrumento em Estes cursos são de extensão, técnicos, graduação
IES, o número é menor. Atualmente, apenas quatro e pós-graduação. Dentre os cursos de graduação
IES oferecem-no. Uma possui o curso desde 1960, estão, por exemplo, os de licenciatura em música,
mas, nas outras, ele aparece de 1990 em diante. Os instrumento, composição, regência e música
respondentes mencionam, ainda, que há outras popular. A principal disciplina que oferece o
formas de cursos específicos para clarineta nas aprendizado da clarineta nesses cursos é a de
IES que surgiram desde o ano 2000. A presença da instrumento complementar ou suplementar, mas
clarineta nos três institutos federais é mencionada ela pode ser encontrada também na de literatura
a partir de 2010 e pode ser dividida, basicamente, da clarineta ou em disciplinas coletivas para

32
aprendizado de instrumentos de sopro. Além disso, formação que inicia com estudos na pré-graduação,
o aluno que já tem algum domínio do instrumento passa pela graduação e atinge a pós-graduação. Entre
pode melhorar suas habilidades instrumental por eles, 10 estudaram em conservatório, oito em cursos
meio de disciplinas como prática de conjunto, técnicos, 31 fizeram bacharelado, um fez licenciatura
música de câmara, grupo de clarineta, orquestra, em instrumento, três possuem licenciatura em
banda e big band. música, 26 mestrado acadêmico, cinco mestrado
profissional, 14 doutorado, além de outros cursos
Corpo docente diversos para o instrumento. Com relação ao local
Os 37 professores de clarineta das 32 IES estudadas, em que essa formação foi realizada, do total de
formam um quadro docente altamente qualificado professores consultados, 17 deles, além de terem
(figura 3). A grande maioria passou por uma realizados cursos no Brasil, estudaram no exterior.

Figura 3. Formação docente em números (não excludente)

DISCUSSÃO significa, entretanto, que o acesso a esses cursos


Os dados demonstram que, no Brasil, as é uma realidade para todos os clarinetistas dessas
universidades públicas são as maiores responsáveis regiões. Como foi possível constatar, do total de 32
pela formação dos bacharéis, licenciados, mestres IES pesquisadas, 23 estão localizados em capitais
e doutores em clarineta. Embora não temos dados e somente nove nos demais municípios. Essa
suficientes para comparar como a formação em nível realidade não oportuniza o ensino do instrumento
de graduação tem se dado entre as IES privadas e as a centenas de clarinetistas brasileiros oriundos de
públicas, supomos, a partir do pequeno número das bandas, conservatórios e escolas que, por condições
privadas com curso para o instrumento na história, financeiras ou pessoais, não podem residir ou se
que a maior parte dos clarinetistas com graduação deslocar até as capitais para terem aulas.
no instrumento tenha se formado nas públicas. Já a Mas esses dados mostram ainda mais. Das IES
pós-graduação em clarineta no país se concentra nas pesquisadas, há uma concentração de cursos de
públicas. clarineta na região Sudeste (10), seguida pela região
Hoje é possível encontrar cursos de clarineta Nordeste (8), Centro-Oeste (5), Norte (4) e Sul (3).
em IES de todas as regiões brasileiras. Isso não O somatório dos cursos de clarineta dessas IES,

33
realizado por região, demonstra bem a limitação mais plena e criativa dos nossos futuros alunos do
geográfica de acesso aos cursos, como mencionado instrumento.
acima. A região Nordeste abriga o mesmo número Na mesma perspectiva dos cursos de licenciatura
de cursos que todos os oferecidos pelas regiões em clarineta, é sobretudo sintomática a ausência
Centro-Oeste e Sul. Ainda mais revelador, a soma de quase total de cursos de clarineta em música
todos os cursos das regiões Norte, Centro-Oeste e popular nas IES investigadas. Uma das explicações
Sul (12), é pouco maior que a quantidade de cursos disso é o fato de a maioria dos cursos de graduação
do Sudeste (10). Contudo, se os cursos das IES não em música popular ter sido criada recentemente,
pesquisadas forem inclusos, a do Sudeste é maior, se comparados aos de bacharelado no instrumento.
conforme pode ser verificado na lista das IES no Numa tradição musical tão rica quanto à brasileira,
fim da matéria. Foram ausências sentidas não haver em que a clarineta está presente de diferentes
cursos do instrumento em IES do Amapá, Maranhão, maneiras e expressões, fazendo-nos supor, portanto,
Mato Grosso do Sul, Piauí, Rondônia, Roraima, Santa que tal tradição deva constituir parte considerável
Catarina, Sergipe e Tocantins. Certamente, os fatores da formação dos alunos do instrumento no país, a
que explicam esses números são diversos. Entre quase ausência de cursos de música popular para o
eles, talvez, o número de bandas de música na região, instrumento nas IES pode ser um indício de que esse
ao longo do tempo, pode ter tido alguma implicação. aspecto não tem merecido a atenção devida. Além
Esses dados demonstram que quando se trata de disso, ela representa uma redução importante das
oportunidade de acesso ao ensino superior em opções para os clarinetistas que ingressam nessas
clarineta no país, ainda há deficiências e dificuldades instituições.
sensíveis a serem discutidas e trabalhadas. Nesse sentido, é importante mencionar, ainda,
Sobre os cursos de clarineta oferecidos, o perfil a ausência de cursos que tem adquirido cada vez
que emana dos dados obtidos com o questionário mais defensores e que compõem importantes
é de uma ênfase em cursos de extensão (24) e, na aspectos da prática do clarinetista. O clarone
graduação, de bacharelado em instrumento (22). tem ganhado cada vez mais relevância dentre os
Os cursos de extensão buscam atingir diferentes clarinetistas. Há cursos de extensão no instrumento
públicos (acadêmicos ou não), enquanto o ministrados desde 2015 na UNIRIO e 2016 na USP, e
bacharelado em instrumento tem sua ênfase, por os próprios claronistas já realizaram dois encontros
sua própria natureza, na performance musical de envergadura nacional, nos últimos três anos,
profissional. Por outro lado, se essa superioridade com o terceiro a ser realizado em 2017. Além disso,
quantitativa pode indicar este perfil geral do há uma expectativa em torno da abertura do curso
conjunto de cursos de clarineta das IES pesquisadas, de graduação em clarone previsto para 2018 na USP.
ela pode também definir aquilo que este conjunto São grandes conquistas, sem dúvida, mas ainda
não é. assim é pouco se considerarmos o tamanho do país
Assim, nota-se uma quantidade menor de e o alcance limitado dessas iniciativas frente a ele.
cursos de licenciatura em instrumento (11), É preciso fomentar o diálogo no ensino superior
muitos deles criados, principalmente, após a em torno da necessidade de tornar essas iniciativas
sanção das leis referentes à presença da música isoladas em uma prática constante e necessária.
no ensino básico. Esses cursos representam uma O mesmo é válido para instrumentos importantes
importante opção na formação do professor de como a requinta e o uso de instrumentos históricos.
clarineta. Isso porque, embora possa haver uma Ambos ainda aguardam pela sua inclusão em
certa preocupação com a formação pedagógica do cursos próprios nessas instituições de forma mais
estudante dos cursos de bacharelado (KOTHE, abrangente e acessível.
2012, p. 82), ela pode ainda ser insuficiente (BELLO, Quanto à pós-graduação, há boas possibilidades
2016). Além disso, considerando que a situação da no país, embora elas sejam em número reduzido.
docência, sem uma prática pedagógica adequada, Somente seis IES oferecem o curso de mestrado
levará o bacharel a repetir os modelos que teve em acadêmico (UFBA, UFMG, UFRJ, UFG, UnB e
sua formação (GLASER & FONTERRADA apud UNICAMP) e, dessas, duas (UFBA e UFRJ) tem
WEBER & GARBOSA, 2015, p. 90), o aumento da como possibilidade o mestrado profissional. Esses
oferta de cursos de licenciatura em instrumento dados indicam que, se o ensino da clarineta nas IES
é uma necessidade tanto frente aos desafios que a é um fenômeno relativamente recente, a pesquisa
docência na clarineta exige, quanto a uma formação sobre o instrumento é ainda mais. Além disso,

34
embora em tão pequeno número, a existência dos dois com professores, alunos e ex-alunos, dentre outros.
mestrados profissionais é uma conquista importante Datas e nomes importantes se perdem na memória,
àqueles interessados em continuar sua formação embora sejam fundamentais para se compreender o
acadêmica com ênfase em performance. amadurecimento da área, enquanto nível superior de
Por fim, a formação dos professores de clarineta ensino e sua relação com o mundo profissional. Além
das IES pesquisadas pode determinar, em parte, os disso, os cursos mantêm diferenças e particularidades
perfis desses cursos, suas propriedades e necessidades. que são reflexos do contexto do departamento, da
Seja como for, o perfil do docente de clarineta nessas IES e da comunidade em que foram criados. Assim,
instituições é o de um profissional cuja formação entender esse processo passa por buscar uma maior
inicial foi realizada em conservatórios (10) e/ou cursos compreensão dessas diferenças. A compreensão da
técnicos (8). A grande maioria deles tem perfil de história é fundamental para se planejar o futuro.
performer, pois 31 possuem bacharelado e, somente, Nesse sentido, para além de saber que cursos
quatro fizeram licenciatura. O número expressivo de existem, as possibilidades de futuras pesquisas são
professores com mestrado acadêmico (26), além de inúmeras se o objetivo for compreender, por exemplo,
uma inclinação à pesquisa, pode ser um reflexo, talvez, como eles atuam, que disciplinas incluem e deixam de
da única opção existente para a maioria deles no país incluir, quais são as particularidades dos cursos de uma
quando da sua realização. Ainda, a existência de um mesma região e quais são seus elementos comuns. Além
número menor desses professores que realizaram disso, uma pesquisa com alunos egressos desses cursos
doutorado (14) pode ser, dentre outros fatores, um pode permitir avaliar como eles tem influenciado a
reflexo da ausência desse curso nas regiões dos que não formação destes clarinetistas. Isso seria fundamental
fizeram. para entender como o planejamento de cada curso
Para boa parte dos docentes de clarineta, além do dialoga com os anseios e a realidade dos alunos de fora
investimento pessoal e do esforço individual que, sem dela. Por fim, pesquisar sobre as perspectivas que os
dúvida, foram determinantes, é importante ressaltar alunos, atuais e futuros, possam ter quanto à criação
o quão fundamental tem sido a política de incentivo de cursos que incluam clarone, requinta, instrumentos
e as agências de fomento para suas formações. De de época, além, claro, da própria clarineta na música
fato, ao analisar os currículos dos docentes com popular.
mestrado e doutorado, realizados no país e no exterior, Nesse artigo, a realidade que emana dos dados
constatamos a forte presença de auxílios e bolsas de coletados é bastante familiar, considerando os
estudo de órgãos públicos. Assim, podemos afirmar desenvolvimentos econômico, social e cultural
que o setor público tem sido responsável pela formação brasileiros. As particularidades de cada IES refletem
do clarinetista brasileiro, nos níveis de graduação e o crescimento econômico desigual das diferentes
pós-graduação. Desta maneira, uma diminuição de regiões, com concentrações de recursos em alguns
aporte público às IES pode ter, como consequência locais e escassez em outros. Contudo, a distribuição
direta, o comprometimento do quadro profissional do dos cursos de clarineta não segue, exclusivamente,
instrumento. este fator financeiro. Possivelmente, outros fatores,
históricos, políticos, educacionais, culturais e sociais,
CONSIDERAÇÕES FINAIS podem ter sido até mais determinantes, merecendo
Esse artigo não tem por objetivo criar um guia de um estudo aprofundado. Até bem pouco tempo, fazer
informações para o estudante de clarineta, embora um curso de graduação era uma opção somente para
ele ajude nesse sentido, e, menos ainda, o propósito alguns poucos. Esta situação melhorou sensivelmente
de esgotar a discussão sobre a presença do ensino da com as mudanças da política educacional da década de
clarineta nas IES brasileiras. Ao contrário, sua intenção 2000. Contudo, o crescimento do acesso a cursos em
é traçar um panorama sucinto dessa presença a fim instrumento ainda é lento se comparado à demanda
de incentivar pesquisas futuras que, ainda, são tão existente.
necessárias para a compreensão de como a clarineta se Assim, é fundamental entender que a manutenção
insere no contexto das IES brasileiras. Nesse sentido, dos avanços educacionais e, por que não mencionar,
não faltam tópicos e possibilidades. os culturais, realizados por meio das conquistas
Do ponto de vista histórico, é evidente que qualquer nos âmbitos das políticas públicas e da legislação
discussão que tente entender a presença da clarineta educacional, é o mínimo que podemos almejar para
em IES deve se pautar por uma consulta rigorosa a área da clarineta no país. Em muitos casos, há a
aos documentos pertinentes, além de entrevistas necessidade urgente de solidificar as relações em

35
que esses cursos de clarineta estão inseridos, com WEBER, Vanessa; GARBOSA, Luciane Wilke
infraestrutura adequada, apoio às diversas atividades Freitas. A Construção da Docência do Professor de
que compõe a formação do clarinetista para além Instrumento: Um estudo com bacharéis. In: Revista
da docência, e um programa de qualificação que da ABEM, v. 23, n. 35, p. 89-104, 2015.
permita a continuidade da formação docente, pelo
menos. Lembrando, ainda, que precisamos de uma LISTA DE IES COM ENSINO DE CLARINETA
abrangência maior dos cursos para o instrumento, Abaixo, segue uma lista de IES brasileiras que
tanto na disponibilidade em diferentes regiões quanto oferecem ensino de clarineta. Elas estão listadas
nas opções oferecidas. Finalmente, a manutenção, a em ordem alfabética por região e, em seguida, por
solidificação e o crescimento dos cursos de clarineta estados.
nas IES poderão permitir aos clarinetistas uma
formação acessível, ampla e, cada vez mais, pautada
na criatividade e livre expressão individual. CENTRO-OESTE:
Brasília:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Universidade de Brasília - UnB
AMORIM Hersom Mendes. O ensino da clarineta Instituto de Artes - IA
em Belém do Pará: considerações. Revista Clarineta, Cidade: Brasília, DF
v. 1, n. 1, p. 19-23, 2016. Cursos: Iniciação musical para crianças de 6 a 9
ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu anos, extensão, bacharelado e mestrado acadêmico
tempo. v. II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967. em clarineta.
AZEVEDO, Luis Heitor Corrêa. 150 Anos de Música Professor: Ricardo Freire
no Brasil (1800-1950). Rio de Janeiro: José Olympio, Contato: freire@gmail.com
1956. Endereço Eletrônico: http://www.ida.unb.br/
BASTIANELLI, Piero. A universidade e a música: uma
memória: 1954-2004. v. I. Salvador: Escola de Música Goiás:
da UFBA, 2004. Instituto Federal de Goiás
BELLO, Marcia Pessoa Dal. O Bacharel Professor de Cidade: Formosa, GO
Música. In: Revista da Fundarte, n. 31, v.16, p. 136-154. Cursos: Extensão e curso técnico em clarineta
2016. Disponível em: <http://seer.fundarte.rs.gov.br/ Professor: Rosa Barros
index.php/RevistadaFundarte/index> Endereço Eletrônico:
FRAGA, Vinícius de Sousa. A Clarineta na Vitrola: ht tp://www.ifg.edu.br/formosa/index.php/
um estudo sobre a liberdade de escolha na era da component/content/article/2131-extensao
repetição. 2014. 213 f. Tese (Doutorado em Música),
Escola de Música da Universidade Federal da Bahia. Instituto Federal de Goiás
Salvador. 2014. Cidade: Goiânia, GO
FREIRE, Ricardo. The History and Development of the Cursos: Curso técnico em clarineta
Clarinet in Brazil. 2000. 173 f. Tese (Doutorado em Professor: Carina Bertunes
Música), Michigan State University. East Lansing. Endereço Eletrônico:
2000. www.ifg.edu.br/index.php/instrumentomusical
FCG. IECG. Desenvolvido pela Fundação Carlos
Gomes. Apresenta textos sobre ela e sobre o Instituto Universidade Federal de Goiás - UFG
Estadual Carlos Gomes Disponível em: <http://www. Escola de Música e Artes Cênicas - EMAC
fcg.pa.gov.br>. Acesso em: 4 dez. 2016. Cidade: Goiânia, GO
KOTHE, Fausto. A Prática Docente de Bacharéis Cursos: Extensão, bacharelado, licenciatura e
em Música Atuantes em Orquestras. 2012. 109 f. mestrado em clarineta.
Dissertação (Mestrado em Música), Departamento Professor: Johnson J. A. Machado
de Artes da Universidade Federal do Paraná. Endereço Eletrônico: https://www.emac.ufg.br
Curitiba, 2012.
SILVEIRA, Fernando. Antônio Luis de Moura: o Mato Grosso:
primeiro clarinetista virtuoso brasileiro e fundador Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
da cátedra de clarineta no Brasil. Música Hodie. v. 9, Departamento de Artes
n. 1, p. 93-111, 2009. Cidade: Cuiabá, MT

36
Cursos: Extensão, bacharelado Cursos: Bacharelado e licenciatura em clarineta.
Professor: Vinícius de Sousa Fraga Professor: Alba Valéria
Contato: vinicius.clar@gmail.com Contato: albavalerias@hotmail.com
Endereço eletrônico: http://www.ufmt.br/ufmt/ Endereço Eletrônico: http://musica.ufcg.edu.br/
un/secao/6537/artes
Universidade Federal da Paraíba - UFPB
NORDESTE: Cidade: João Pessoa, PB
Alagoas: Cursos: Extensão, bacharelado e licenciatura em
Universidade Federal de Alagoas clarineta.
Instituto de Ciências Humanas Comunicação e Artes Professor: Aynara D. V. da Silva e José de Arimatéia
Cidade: Maceió, AL Formiga
Cursos: Extensão, técnico e licenciatura em clarineta Endereço Eletrônico: http://www.ccta.ufpb.br/
Professor: Flávio Ferreira da Silva ccta/contents/departamentos/musica
Endereço Eletrônico: http://www.ufal.edu.br/
unidadeacademica/ichca/graduacao/musica Pernambuco:
Instituto Federal de Educação, Ciência e
Bahia: Tecnologia de Pernambuco - IFPE
Universidade Federal da Bahia Cidade: Barreiros, PE
Escola de Música Cursos: Curso técnico em clarineta.
Cidade: Salvador, BA Professor: Gueber Santos
Cursos: Extensão, bacharelado, mestrado Endereço Eletrônico: http://www.ifpe.edu.br/
profissional, mestrado acadêmico, doutorado campus/barreiros/cursos/tecnicos/subsequente/
Professores: Pedro Robatto e Joel Barbosa instrumento-musical
Contato: emus@ufba.br
Endereço Eletrônico: Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
http://www.escolademusica.ufba.br/ Cidade: Recife, PE
Cursos: Extensão, bacharelado e licenciatura em
Ceará: clarineta.
Universidade Federal do Ceará - UFC Professor: Jailson Raulino
Instituto de Cultura e Arte Endereço Eletrônico: www.ufpe.br/musica
Campus Fortaleza
Cidade: Fortaleza, CE Rio Grande do Norte:
Cursos: Licenciatura em Música com aprendizado Universidade Federal do Rio Grande do Norte -
da clarineta em disciplinas coletivas UFRN
Professor: Filipe Ximenes Parente Cidade: Natal, RN
Contato: musica@ufc.br Cursos: Extensão, técnico e bacharelado em
Endereço Eletrônico: www.musicaica.ufc.br clarineta.
Professor: João Paulo Araújo (JP) e Amandy
Universidade Federal do Ceará - UFC Bandeira
Instituto de Cultura e Arte Endereços Eletrônicos: http://www.musica.ufrn.
Campus Sobral br:8080/emufrn/cursos/tecnico
Cidade: Fortaleza, CE http://www.musica.ufrn.br:8080/emufrn/cursos/
Cursos: Licenciatura em Música com aprendizado bacharelado
da clarineta em disciplinas coletivas
Professor: Marco Antonio Toledo NORTE:
Contato: musica@ufc.br Acre:
Endereço Eletrônico: www.musicasobral.ufc.br Universidade Federal do Acre - UFAC
Cidade: Rio Branco, AC
Paraíba: Cursos: Extensão e licenciatura em clarineta
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG Professor: Cleuton do Nascimento Batista
Centro de Humanidades Contato: musicaprovisorio@gmail.com
Cidade: Campina Grande, PB

37
Amazonas: Cursos: Extensão, bacharelado, mestrado
Universidade do Estado do Amazonas - UEA acadêmico, doutorado
Cidade: Manaus, AM Professor: Maurício Loureiro
Cursos: Bacharelado e licenciatura em clarineta. Endereço Eletrônico: http://www.musica.ufmg.br/
Professor: Vadzim Ivanou
Endereço Eletrônico: http://cursos1.uea.edu.br/ Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ
apresentacao.php?cursoId=79 Departamento de Música
Cidade: São João Del Rei, MG
Pará: Cursos: Extensão e licenciatura em clarineta.
Instituto Estadual Carlos Gomes - IECG Professor: Iura de Rezende
Cidade: Belém, PA Contato: iuraderezende@gmail.com
Cursos: Técnico em clarineta, bacharelado em Endereço Eletrônico: http://www.ufsj.edu.br/
clarineta dmusi/
Professor: Joel Barbosa, Claudionor do Amaral,
Marcio Carvalho e Salatiel Ferreira
Endereço Eletrônico: http://www.fcg.pa.gov.br/ Rio de Janeiro - Privada
Conservatório Brasileiro de Música-Centro
Universidade Federal do Pará - UFPA Universitário – CBM-CEU
Escola de Música Cidade: Rio de Janeiro, RJ
Cidade: Belém, PA Cursos: Bacharelado em Música/Instrumento –
Cursos: Curso técnico em clarineta clarineta
Professor: Jacob Furtado Cantão e Herson Mendes Professores: Não identificado
Amorim Endereço Eletrônico: http://www.cbmmusica.
Endereço Eletrônico: http://www.emufpa.ufpa.br/ edu.br/

Rio de Janeiro - Públicas


SUDESTE: Universidade Federal do Estado do Rio de
Espírito Santo Janeiro - UNIRIO
Faculdade de Música do Espírito Santo - FAMES Instituto Villa-Lobos
Cidade: Vitória, ES Cidade: Rio de Janeiro, RJ
Cursos: Extensão e bacharelado em clarineta. Cursos: Extensão e bacharelado em clarineta.
Professores: Eduardo Gonçalves dos Santos e Professor: Fernando Silveira
Marcelo Trevisan Endereço Eletrônico: http://www2.unirio.br/
Endereço Eletrônico: http://www.fames.es.gov.br unirio/cla/ivl

Minas Gerais Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ


Universidade do Estado de Minas Gerais Escola de Música da UFRJ
Escola de Música Cidade: Rio de Janeiro, RJ
Cidade: Belo Horizonte, MG Cursos: Extensão, bacharelado, mestrado
Cursos: Bacharelado e licenciatura com habilitações profissional e acadêmico em clarineta.
em clarineta, extensão Professores: Cristiano Alves e José Batista Júnior
Professor: Wagno Macedo Gomes Endereço Eletrônico: http://www.musica.ufrj.br
Contato:
Endereço Eletrônico: http://www.esmu.uemg.br/ São Paulo - Privadas
Faculdade Cantareira
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Cidade: São Paulo, SP
Escola de Música Cursos: Bacharelado em clarineta
Cidade: Belo Horizonte, MG Professor: Giuliano Rosas

38
Endereço Eletrônico: http://cantareira.br/site/ Cursos: Extensão e bacharelado em clarineta.
musica/ Professor: Luis Afonso Montanha
Contato: lamontanha68@gmail.com
Faculdade Mozarteum de São Paulo - FAMOSP Endereço Eletrônico: http://www3.eca.usp.br/
Cidade: São Paulo, SP
Cursos: Bacharelado e licenciatura em clarineta Universidade Federal de São Carlos - UFSCar
Professor: a ser determinado entre a faculdade e o Cidade: São Carlos, SP
aluno Cursos: Extensão em grupo de sopros e licenciatura
Endereço Eletrônico: http://famosp.edu.br/ em música. Obs: não há cursos específicos para
musicabacharelado/ clarineta.
Professor: José Alessandro Gonçalves
Faculdade Santa Marcelina Endereço Eletrônico: http://www.ufscar.br/
Cidade: São Paulo, SP graduacao/musica.php
Cursos: Bacharelado em clarineta
Professor: a ser determinado entre a faculdade e o
aluno SUL:
Endereço Eletrônico: http://www.fasm.edu.br/ Paraná
graduacao/curso-musica Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR
Escola de Música e Belas Artes - EMBAP
FIAM-FAAM Centro Universitário  Cidade: Curitiba-PR
Cidade: São Paulo, SP Cursos: Extensão, bacharelado e licenciatura em
Cursos: Bacharelado em clarineta clarineta.
Professor: a ser determinado entre a faculdade e o Professor: Maurício Carneiro
aluno Contato: mauscarneiro@hotmail.com
Endereço Eletrônico: http://portal.fiamfaam.br/ Endereço Eletrônico: http://www.embap.pr.gov.
curso/13/0/musica.aspx br/

São Paulo - Públicas Rio Grande do Sul


Universidade Estadual de Campinas - Universidade Federal do Rio Grande do Sul -
UNICAMP UFRGS
Cidade: Campinas, SP Instituto de Artes
Cursos: Suspenso Cidade: Porto Alegre-RS
Professores: Sem professor Cursos: Extensão, bacharelado e licenciatura em
Endereço Eletrônico: https://www.iar.unicamp.br/ clarineta.
departamento-de-musica Professor: Augusto Maurer
Endereço Eletrônico: https://www.ufrgs.br/
Universidade Estadual de São Paulo - UNESP institutodeartes/
Instituto de Artes
Cidade: São Paulo, SP Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Cursos: Extensão e bacharelado em clarineta. Curso de Música
Professor: Sérgio Burgani Cidade: Santa Maria-RS
Endereço Eletrônico: http://www.ia.unesp.br/#!/ Cursos: Extensão e bacharelado em clarineta.
departamentos/musica/ Professor: Guilherme Garbosa
Endereço Eletrônico: www.ufsm.br/musica
Universidade de São Paulo - USP
Escola de Comunicação e Artes - ECA
Cidade: São Paulo, SP

39
Homenagem

SIGISMUND NEUKOMM Mônica Isabel Lucas1

Em 2016, comemoram-se 200 anos da chegada de algumas de suas obras orquestrais.


do compositor Sigismund Neukomm (1778-1858) Em 1810, Neukomm chega a Paris, onde entra,
ao Brasil. Esta é uma data a ser comemorada, não como pianista, a serviço do príncipe de Talleyrand.
apenas porque sela a passagem de um músico de Duas composições para clarinete datam deste
qualidade e relevância mundial pelo Brasil, que período: uma fantasia com acompanhamento de
na época era bastante fechado a viajantes, mas piano, datada de 1813, e um belíssimo quinteto
principalmente porque a produção camerística para clarinete e cordas, editada em 1815. Esta
de Neukomm possui obras de ótima qualidade obra foi composta para uma competição lançada
que incluem o clarinete. pela editora Peters, de Leipzig, envolvendo peças
Sigismund Neukomm nasceu em Salzburg que oferecessem variações à melodia folclórica
em 1778. Após estudar com Michael Haydn ucraniana intitulada “bela Minka”, que gozava
em sua cidade natal, mudou-se para Viena, então de grande popularidade na capital austríaca.
aperfeiçoando-se com Joseph Haydn. Após um Embora não se saiba quem tenha sido o vencedor
período de sete anos de estudos com o grande da disputa, sabe-se que vários compositores que
mestre, viajou, em 1804, para a Rússia. Utilizando circulavam em Viena na época dela participaram:
uma indicação fornecida por Haydn, que havia além de Neukomm, há composições de Jan
sido professor da czarina Maria Feodorvna antes Nepomuk Hummel (1778-1837) e Carl Maria von
de sua ascensão ao trono, Neukomm obteve a Weber (vale lembrar que Hummel é autor de
nomeação para mestre-de-capela da corte, em um excelente quarteto para clarinete e cordas,
São Petersburgo. Em 1808, retornou a Berlim e, e Weber é o autor de várias peças fundamentais
passando por Viena, voltou a estar próximo de do repertório do clarinete). As variações de
Haydn, realizando para ele reduções pianísticas Neukomm sobre o tema ucraniano constituem

40
o penúltimo dos quatro movimentos de seu por vários compositores, desde a época de Mozart,
quinteto para clarinete e cordas. iniciando por discípulos diretos do mestre, como
A posição de Haydn junto ao Príncipe de Franz Xavier Süssmayr (1766-1903), e Franz
Talleyrand rendeu a ele a oportunidade de Joseph Eybler (1765-1846) e, em tempos recentes,
integrar a comitiva do Duque de Luxemburgo, que Franz Beyer (*1922). Neukomm realizou também
em 1816 chegou à corte do Rio de Janeiro como a sua versão da obra para a apresentação no Rio
embaixador extraordinário da França, após o de Janeiro em 1821, sob direção de José Maurício
restabelecimento das relações diplomáticas com Nunes Garcia, completando a versão de Süssmayr
Portugal, após o fim das guerras napoleônicas. Esta com um movimento final, Libera me. A gravação
viagem resultou, para Neukomm, na permanência deste movimento final está disponível na internet.
no Rio de Janeiro, a convite do Conde da Barca Neukomm retornou à Europa em 1821 fixando-
(Antônio de Araújo Azevedo, ministro do reino se em Viena, onde retomou suas funções junto ao
e incentivador das artes na corte). O período Principe de Talleyrand. Em 1829, instalava-se em
que Neukomm esteve no Brasil foi concomitante Londres. A boa recepção de suas obras induziu-o
àquele da visita da Missão Francesa - um grupo de a permanecer na capital britânica. Lá, Neukomm
artistas comandados por Joaquim Le Breton que compôs obras de grande envergadura e enormes
trazia ao Brasil elementos louváveis e desejáveis recursos vocais e orquestrais, resultantes
da civilização francesa. Neukomm, assim como de encomendas de orquestras e de festivais.
a Missão, compartilhavam de ideais estéticos Neukomm passou o período final de sua vida
semelhantes, visando trazer ao Brasil concepções alternando sua permanência entre Londres e

Homenagem
artísticas modernas. Paris. Faleceu na capital francesa em 1858. Entre
A presença de Neukomm no Brasil foi 1830 e 1840, Neukomm escreveu interessantes
essencial para divulgar a obra tanto de Haydn obras para grandes grupos de sopros, que
quanto de Mozart junto à corte no Rio de Janeiro. incluem o clarinete: dois septetos com flauta,
Neukomm foi professor de música do príncipe oboé, fagote, trompa, trompete e contrabaixo, um
D. Pedro, de D. Leopoldina e dos infantes reais. octeto incluindo, além destes instrumentos, um
Entre seus alunos no Brasil incluiu-se, ainda, a violoncelo, e um noneto, com a mesma formação,
esposa do Cônsul Geral da Rússia. Neukomm acrescida, ainda, de uma viola.
foi, ainda, grande incentivador e divulgador da Em sua longa trajetória, Neukomm pode
música do compositor brasileiro José Maurício transitar entre os estilos do classicismo e do
Nunes Garcia e professor de Francisco Manuel da romantismo, tendo estado em contato com
Silva, autor do futuro Hino Nacional brasileiro e autores tão afastados no tempo como Haydn,
importante figura na atividade musical no período Mendelssohn, Cherubini e Chopin. Foi autor
da Regência. prolífico e que transitou por todos os gêneros
No Brasil, foi compositor prolífico de música musicais, com um catálogo que conta com mais
orquestral, música de câmara, além de grandes de mil obras. Seu estilo é profundamente marcado
obras sacras (o catálogo das obras compostas pela escrita clássica, herdada de Haydn, e possui
por Neukomm no Brasil, de autoria de Adriano refinada qualidade compositiva.
de Castro Meyer. Infelizmente, não há obras de Apesar da fama por ele gozada durante sua
câmara compostas no Brasil por Neukomm em vida, sua música acabou esquecida, uma vez
que o clarinete figure como solista, a despeito de o que, em pleno século XIX, não se conformava ao
instrumento ser utilizado em suas obras orquestrais. estilo do romantismo. Contudo, é tempo de rever
Um fato muito curioso a respeito da este preconceito e conhecer a sua boa produção
permanência de Neukomm no Rio de Janeiro musical, tanto para reavaliar a música deste
envolve a primeira apresentação do Réquiem de interessante compositor quanto para ampliar
Mozart em solo brasileiro. O desafio de completar o horizonte da música dedicada ao clarinete na
a partitura desta grande missa de Mozart, deixada primeira metade do século XIX.
incompleta com a sua morte, tem sido enfrentado

1. Dra. Mônica Lucas é clarinetista e professora de musicologia da Uni- 3. Disponível em http://imslp.org/wiki/Quintet,_Op.8_(Neukomm,_Sigismund)


versidade de São Paulo (USP) 4 Disponível em http://www.rem.ufpr.br/_REM/REMv5.1/vol5-1/
2. Disponível em http://imslp.org/wiki/Clarinet_Quartet_in_E-flat_ neukomm.htm
major,_S.78_(Hummel,_Johann_Nepomuk) 5. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=lbFPRBBDPM8

41
42
Entrevista
Eduardo
Pecci,
o Lambari

Entrevista
por Daniel Oliveira e Sérgio Burgani
transcrição: Bruno Ghirardi

Quando e onde você nasceu? era um húngaro chamado André Kovach. Fui aprova-
Eu nasci no mês de maio de 1939, em São Paulo, no do imediatamente, não sei nem porquê (risos).
Cambuci, Hospital Cruz Azul.
Conte-nos um pouco mais sobre seu pai e seu ir-
Como foram seus primeiros anos de aprendizado mão, e essa relação musical entre vocês.
musical? Meu pai se chamava Domingos Pecci. Ele foi autor
Com cerca de 8 anos de idade, comecei a ter aulas de de choros, valsas e um método de saxofone. Era um mú-
solfejo com meu pai, que usou de uma psicologia que até sico de primeiríssima categoria. Meu irmão também se
hoje está na lembrança. Às vezes eu estava no quintal tornou músico: saxofonista baritonista e clarinetista.
brincando quando meu pai me chamava e dizia “olha Meu pai tocava clarinete para completar a necessida-
isso aqui é uma semibreve, vale quatro tempos”... As- de de se trabalhar em rádio naquela época. O apelido
sim, aos pouquinhos, ele foi me fazendo solfejar. Nessa do meu pai, devido ao nosso sobrenome, era Seu Peixe.
época o método de solfejo do Pasqualino Bona foi se tor- Meu irmão, que tocava ao lado dele, o Peixinho, claro.
nando meu companheiro constante, e eu fui apresen- E para mim que era o menor, sobrou Lambarizinho...
tado ao Método de Solfejo do Corazza, que era uma en- Eu sempre acompanhava meu pai nos ensaios da
crenca; estudei por aquele método também. Então, por orquestra. Eles ensaiavam a tarde e voltavam a noi-
volta de 1947, comecei a aprender saxofone e clarineta, te para fazer a programação de rádio. Em São Paulo
nos dias de folga do meu pai ou pela manhã antes dele todas as rádios tinham pelo menos uma orquestra. As
ir trabalhar. rádios Bandeirantes, Piratininga, América, Record,
Quando eu estava com 12 anos, um colega do meu todas tinham orquestra. A Gazeta tinha duas orques-
pai o informou que na Rua 07 de Abril havia uma or- tras, uma popular e uma sinfônica, na qual o José Bo-
questra sinfônica juvenil que aceitava garotos. Meu pai telho era clarinetista. A Tupi, onde meu pai trabalhou
se entusiasmou e eu fui lá ver o que se tratava. Era exa- antes de ir para a Bandeirantes, também tinha duas
tamente a Orquestra Sinfônica do MASP. O maestro orquestras.

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Conte-nos a respeito da Orquestra Juvenil do Como você conheceu o clarinetista José Bote-
Masp e sua experiência enquanto integrante. lho e quando começou a ter aulas com ele?
Da Orquestra Juvenil do Masp saíram alguns ta- Na época da Orquestra Juvenil eu estava tendo
lentos, muitos foram para o Theatro Municipal: Isaac aulas de clarinete somente com meu pai. Certa vez fo-
Karabtchevsky, Júlio Medaglia, Rogério e Régis Du- mos fazer uma apresentação na qual alguns músicos
prat, Alfredo Corazza, Orfeu Tomazini, Paulo Tacceti que não tocavam na Orquestra iriam se juntar a nós.
entre outros. Museu de Artes ficava na Rua 07 de Abril, Quem tocou comigo foi o José Botelho, fazendo 1ª cla-
15º andar, e nós usávamos também o 4º andar quando rineta evidentemente. Ele é cerca de 10 anos mais velho
montamos um quinteto de sopros. O Isaac Karabtche- que eu. Nos ensaios e no concerto ele foi muito atencioso
vsky tocava na orquestra e nesse grupo de câmara, mas e me orientou no que foi necessário. Passados alguns
já estava começando a estudar regência. Certa vez, nós dias ele encontrou na rua com meu pai ou meu irmão
tivemos uma apresentação da Orquestra Sinfônica Ju- (não tenho certeza de quem foi) e comentou que havia
venil e logo em seguida do nosso quinteto de sopros no gostado da minha participação. Acho que eu estava
Theatro Municipal. De repente um fulano alto colocou “mentindo” direitinho (risos). Ele então se propôs a
a mão no meu ombro e disse “Parabéns garotos, foram me dar aula. Em casa, na hora do jantar, disseram que
muito bem”. Era simplesmente Heitor Villa-Lobos! o Botelho queria me dar aula. Meu irmão falou: “o que
Para mim essa é uma lembrança inesquecível. ele cobrar, eu pago”. Pedi o endereço e lá fui eu. Ele não
É importante lembrar que quem nos ensaiava era cobrou nada e começou a me dar aula, e eu fui apren-
o professor Valter Bianchi, oboísta, sempre com mui- dendo bastante.
ta atenção e carinho. Ele foi um dos primeiros oboístas Nessa época, década de 1950, o clarinetista Paulo
entrevista

de São Paulo, estudou na Filadélfia e voltou como um Moura havia gravado o Moto Perpétuo de Paganini, e
músico de primeira qualidade, se tornando o 1º oboísta eu fiquei surpreso com aquilo1. Cheguei então na aula
do Theatro. com o Botelho perguntando se ele havia visto a grava-
ção, e ele me mostrou um disco dele próprio tocando o
Como foi sua primeira experiência de trabalho Moto Perpétuo em Portugal, no dobro da velocidade...
com o saxofone? Acho que era pra acabar depressa (risos). A limpeza
Eu estava na juvenil fazendo esse trabalho todo até era incrível, e eu fiquei mais surpreso ainda. Foi então
que, com uns 15 anos, sempre que eu queria ir para um que ele me passou um pouco da técnica da emissão con-
cinema ou um passeio com os amigos tinha que pedir di- tínua.
nheiro para meu pai. Isso começou a me deixar envergo-
nhado. Foi quando eu passei a mão no saxofone, o qual Como o seu professor (José Botelho) encarava a
eu já tinha certa noção, e comecei a trabalhar com ele. sua atividade de saxofonista ao mesmo tempo em
Na época existia o ponto dos músicos. Um deles era que estudava clarinete?
na Praça da Sé, ao lado da catedral, onde os músicos se Lembro de que certo dia fui para a aula e o Bote-
juntavam depois das 16h. O outro era no cruzamento lho me disse “Vamos fazer um café e conversarmos
da Ipiranga com a São João, frequentado pelo pessoal um pouquinho”. Sentamos na mesa, e dá-lhe sermão:
da noite depois dos programas de rádio. Resolvi ir para “você tocando nesses bailes, como é que fica a emboca-
a Praça da Sé e ver se conseguia alguma coisa. No ôni- dura?” e eu ali ouvindo. Aí ele me perguntou: “quanto
bus encontrei com um trombonista que tocava no Re- ganha pra tocar nesses bailecos?” Eu trabalhava sexta,
gional da Rádio Bandeirantes. O sonho do meu pai era sábado e domingo; ganhava o dobro ou mais que ele no
me ver numa Orquestra Sinfônica, pois ele me acom- mês inteiro como primeiro clarinete de uma sinfônica.
panhava na Orquestra Jovem e no quinteto e achava Foi aí que eu caí de cabeça no popular. E o Botelho me
que meu caminho era esse. pediu um saxofone emprestado e ficou numa orquestra
Chegando então ao ponto dos músicos na Praça da de baile por um ano (risos), começou a tocar num ta-
Sé reconheceram que eu era filho do Peixe, irmão do xi-dancing2; tocava o Moto Perpétuo do Paganini em
Peixinho, fazia participações na Rádio Bandeirantes choro no clarinete e o resto do repertório no saxofone.
entre outras coisas. Um diretor de orquestras me abor- Até que ele foi pro Rio tocar na Sinfônica Brasileira.
dou, disse que sabia de mim e me contratou por período
indeterminado.

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Você só teve aulas com seu pai e com o Botelho? Você continuou com a atividade de músico popu-
De professores eu só tive meu pai, o Botelho e o Le- lar mesmo tocando na Orquestra?
onardo Righi com quem tive aulas para o concurso Após eu me tornar integrante da Municipal,
da Orquestra Sinfônica Municipal. O aprendizado um arregimentador me chamou para trabalhar na
sempre depende muito da gente mesmo. Além de você noite. Inicialmente eu não aceitei devido ao compro-
encarar e estudar os métodos, é essencial estar sempre misso com a Orquestra todo dia de manhã (às 09h
atento àqueles que fazem um trabalho de qualida- começava o ensaio). Então ele me pediu para fazer o
de naquilo que você está querendo se especializar. Eu trabalho até que ele arrumasse outro músico. Eu aca-
sempre procurei uma referência para poder me de- bei ficando lá 12 anos, no Gallery. Acontece que nosso
senvolver. compromisso que era firmado até às 04h quase nunca
passava da 01h, por se tratar de uma discoteca, então
Quais foram os lugares que você trabalhou em dava para eu dormir à noite. E no tempo livre no qual
São Paulo? a gente não tocava eu ficava estudando clarinete.
Os lugares nos quais eu trabalhei foram:
Rádio Bandeirantes com Sylvio Mazzuca, TV Excel- Como era o acesso ao material (palhetas, instru-
sior (que não durou muito devido a um desgaste eco- mentos) naquela época em São Paulo?
nômico), TV Tupi (12 anos), Sinfônica Municipal e Desde aquela época os materiais já chegavam em
nos shows que apareciam com os arregimentadores São Paulo. Eu usava palhetas Vandoren ou Rico
(Ray Coniff, Roberto Carlos, Tony Bennett, Elis Regi- Royal, clarinete Buffet 21 chaves e sax Selmer Mark VI.
na, Simone etc.). Na época forte das televisões, a gen-

Entrevista
te ganhava muito bem. Os músicos da TV Excelsior, Baseado em sua experiência, quais dicas técnicas
por exemplo, ganhavam 3 vezes mais que os músicos você daria para os clarinetistas?
da TV Record. Depois eu fui pra orquestra do Carlos No sentido de projeção de som, algo extre-
Piper, um argentino que viveu aqui e escrevia muito. mamente necessário quando se toca num teatro com
Gravei muito com ele, com o Simonetti, Chiquinho de fosso como o Municipal, o que pode ter me ajudado
Moraes, etc. Naquela época os estúdios trabalhavam foi o estudo de flauta, que cobra muito do diafragma.
24 horas. Era tanta gravação que às vezes eu nem sa- Minha professora foi a Grace Loren. O segredo do vo-
bia para quem estava gravando (risos). Eu e outro co- lume e da projeção tanto na orquestra quanto na Big
lega, durante a tarde quando não havia gravação de Band é a emissão correta. O som fica ampliado sem
disco, gravávamos jingles na galeria Califórnia (Av. exigir que o músico faça força. Um músico como eu
Barão de Itapetininga). que trabalhava muito naquela época não teria saúde
para aguentar a carga de compromissos se não usasse
Como foi sua trajetória até chegar na Orques- dessas técnicas que trazem naturalidade na emissão e
tra Sinfônica Municipal, e como era o naipe na projeção do ar.
época?
Então eu comecei na Juvenil, abandonei, fi-
quei muitos anos fazendo só popular (gravava, fazia 1 N. do E.: O disco de Paulo Moura em questão é
muito show) e para fazer o teste para a Orquestra um compacto duplo lançado em 1956 pela Columbia
Sinfônica Municipal em 1976 eu procurei o professor e intitulado “Motoperpetuo”. Além da obra de Niccolò
Leonardo Righi que me ajudou bastante e me deixou Paganini, o lado B ainda traz a peça O Vôo do Besou-
pronto para ser aprovado. Quem me colocou lá de ro, de Rimsky-Korsakov. Mais informações em http://
primeiro clarinete depois de um ano e pouco revezan- paulomoura.com.
do com o Righi, foi o Isaac Karabtchevsky, através de
uma prova que me oficializou. Dos integrantes passa-
dos do naipe de clarinetes da Orquestra do Municipal 2 N. do E.: O Taxi-dancing era um baile em que os
eu consigo me lembrar do Nabor Pires (1º clarinete), clientes podiam dançar com as moças disponibiliza-
Righi e Rafael, Seu Gregório (claronista), Gil, Gun- da pela casa do evento. A cobrança era feita mediante
ther (clarinetista alemão), Sérgio Burgani, Otinilo, o pagamento de uma comanda na entrada que era
Domingos, Marta, Montanha, Luca Raele. marcada por um fiscal conforme a quantidade de mi-
nutos dançados.

45
(dança originária do nordeste do Brasil, resultan-
te da fusão das culturas ameríndia e africana). A
segunda parte (Serenade) é um dueto dos solistas
que remete às românticas serenatas, presentes no
ambiente urbano do Brasil até a década de 1960.
Já a última parte (Tamborins) inclui vigorosas in-
tervenções rítmicas do conjunto sinfônico, enri-
quecidas com o timbre do tamborim, de modo a
emular uma variação do samba tradicional.
Além da apresentação de um concerto e um
concerto duplo para clarones na mesma noite,
fato nunca antes ocorrido no Brasil, a audiência
também teve a oportunidade de presenciar na
ocasião a performance de um ensemble com 13
clarones, tocando obras de Paul Termos, Harold

A Revolução
Arlen & Ted Koehler e Errol Garner.
Seguramente, esse concerto foi fundamental

do Clarone
para a desconstrução de velhos estigmas relacio-
nados à imagem do clarone no Brasil e para que,
de uma vez por todas, o instrumento passasse a
Clarinete Baixo

no Brasil: ser considerado e usado em todo o seu potencial,


inclusive no papel de solista.
A partir desse momento, Montanha e Bok ofi-
uma atualização Luis Afonso Montanha
cialmente iniciaram o chamado Duo Clarones,
que vem desde então inspirando a composição
de numerosas obras originais para a formação. O
Tradução: Bruno Ghirardi repertório inclui desde arranjos de jazz, música
brasileira até composições próprias.

E
Destacam-se na história do grupo os concertos na
m 09 de outubro de 1998 ocorreu na ci- abertura do ClarinetFest em Ostende (Bélgica, 1999),
dade de São Paulo um concerto que pode com a Band of the Guides e no ClarinetFest em Nova
ser considerado hoje, 18 anos depois, um Orleans (EUA, 2001); a estreia mundial da Suíte para
marco na história do clarone e de seu desenvolvi- Dois Clarones e Banda Sinfônica, de Nailor Proveta,
mento no Brasil. em 2000 e sua performance no 5º Encontro de Clari-
A única pretensão do evento, no entanto, era netistas do Brasil em Tatuí-SP e em Poços de Caldas
promover mais um encontro musical entre este -MG (2011); a “Noite à Claronada” promovida pelo
autor, Luís Afonso Montanha, e seu professor Duo no 12º Festival Música nas Montanhas em Poços
Henri Bok. A apresentação denominada “Claro- de Caldas-MG em 2011, uma noite dedicada ao claro-
nes in Concert” foi realizada no Auditório Simón ne e às obras para ele escritas.
Bolivar, do Memorial da América Latina, dentro Em seu CD Duo Clarones (Yb Brasil), a dupla
da série “Grandes Intérpretes da Banda Sinfôni- mostra a intenção de desenvolver um trabalho
ca do Estado de São Paulo”. O programa incluía: com uma linguagem musical moderna e muita
o Concerto Duplo para Clarineta, Clarone e Banda energia, em composições e arranjos contempo-
Sinfônica de David Loeb; o Concerto para Clarone râneos como Passagens de Newton Carneiro, Três
e Orquestra de Sopros de Francisco Zumarqué (es- Temas Brasileiros de Wagner Tiso e Tapajós de
treia latino-americana), tendo Henri Bok como Guinga Aldir Blanc entre outras.
solista; e o Three Brazilian Sketches para dois Claro- Devido a seu contato estreito e constante com
nes e Banda Sinfônica, de Nelson Ayres, composta o Brasil, Henri Bok tem trabalhado intensamen-
especialmente para o evento (estreia mundial). te com compositores brasileiros e realizado suas
Esta última peça possui um caráter brasileiro performances em festivais de música do país. A
permeado por sensível influência jazzística. Ela é partir disso, ele vem exercendo grande influên-
composta por 3 partes distintas que se sucedem cia no desenvolvimento e aprimoramento do re-
sem interrupção. A 1ª seção (Celebration) é uma pertório para clarone, bem como na introdução
espécie de improvisação coletiva, com ecos de de uma linguagem própria do instrumento para
flautas usadas em rituais indígenas e do Maracatu as próximas gerações de claronistas brasileiros.

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Dentre as peças brasileiras para clarone compos- mico, inspirando o ouvinte à dança por meio do
tas especialmente para Henri Bok estão: Clarine- “Batuque” e do “Bumba meu boi” (gêneros da
tada de Paulo Sergio Santos, Pixinguinha no Cla- música brasileira).
rone de Ricardo Freire (ambas para clarone solo), Essas e outras peças estão registradas no CD
Desafio XVII para clarineta e marimba de Marlos Duos Contemporânes (Lami-USP).
Nobre e Três valsas para Clarineta e Clarone de Outra importante obra é a Poética IV para cla-
Cyro Pereira, além das peças já mencionadas. rone solo e eletrônicos de Aylton Escobar. Seu
Da mesma maneira, Luis Afonso Montanha ao resultado sonoro extremamente sofisticado se
voltar para o Brasil em 1997, depois de dois anos deve aos planos sobrepostos que propositalmen-
estudando no Conservatório de Rotterdam com te confundem o ouvinte quanto à origem do som,
Walter Boeykens e Henri Bok, tinha como objeti- se é do instrumento ou da gravação.
vo a divulgação do repertório original para claro- Se voltarmos a pensar na ideia de revolução
ne, que ainda não era muito conhecido no Brasil, na escrita e utilização do clarone no Brasil, não
apresentando-o em recitais realizados em diver- podemos deixar de lembrar as linhas inovadoras
sas partes do país. As obras solo incluíam: Au- compostas e arranjadas por Luca Raele, outro
los de Ivana Ludova, Sonate de Harald Genzmer, membro do quinteto Sujeito a Guincho. Nos tra-
Stepping out de Norman Symonds e Hauturu de balhos de Luca, a dialética do instrumento vem
John Rimmer. Dentre o repertório de música de sendo explorada ao extremo: o clarone deixa de
câmara estavam: Sonate, Op. 41 de Othmar Schoe- ser um mero acompanhador e passa a trabalhar
ck, Sonety de Vladimir Soukup e Légend et Diver- em conjunto com as linhas das clarinetas. Um

Clarinete Baixo
tissement de Jules Semler-Collery, todas para cla- bom exemplo disso é o Choro a cinco para dez pa-
rone e piano; Duo Sonata para clarineta e clarone lhetas (gravação disponível no YouTube: http://
de Gunther Schuller, Da uno a cinque, Op. 27 para youtu.be/ALNLTirpJvo ).
clarone e quinteto de cordas de Fritz Celis e Paisa- Montanha não foi o único brasileiro a ter a
ge Cubano com Ritual para clarone e percussão de oportunidade de estudar com Henri Bok no Con-
Leo Brouwer. servatório de Rotterdam. Guilherme Garbosa
Além das já existentes peças para clarone es- (UFSM) também estudou clarineta com Walter
critas por brasileiros (como Solo de Ernest Mah- Boeykens e, durante o mesmo período, teve con-
le, Claro Clarone de Gilberto Mendes e Grund de tato com Henri Bok. A sonoridade do clarone cha-
Roberto Voctório), Montanha incentivou outros mou sua atenção e, aproveitando a oportunidade
compositores a descobrirem a ainda pouco ex- de comprar um clarone, imediatamente passou
plorada sonoridade do clarone. Dessa iniciativa, o a integrar a classe de clarones. Após seu retorno
repertório passou a incluir os trabalhos descritos para o Brasil em 1994, Garbosa se tornou profes-
a seguir. sor de clarineta na Universidade Federal de Santa
A Suíte Alpina, de André Mehmari, para clarone Maria e, desde então, tem oferecido aulas de cla-
solo é composta em três movimentos. O primeiro rone a todos os estudantes interessados, assim
é intitulado O despertar da montanha; o segundo, como continua a realizar suas performances com
Cinco sujeitos nos alpes, apresenta simultaneamen- o instrumento.
te uma gravação em fita magnética, elaborada a Marcelo Piraino é claronista da Orquestra de
partir de registros originais do quinteto de clari- Porto Alegre desde 1989. Depois de estudos ini-
netas Sujeito a Guincho, do qual Montanha faz ciais com Bolívar Gutierrez no Uruguai, poste-
parte; o terceiro movimento, Choro Montanhês, é riormente estudou com Henri Bok em Rotter-
uma colagem de choros conhecidos. dam nos anos de 2000 a 2001. Desde então, tem
Passagens para clarone e vibrafone, de Marcos sido convidado para realizar recitais com obras
Lacerda, é uma peça de refinada construção, na de compositores ligados à Universidade Federal
qual os instrumentos quase improvisam pequenos do Rio Grande do Sul, incluindo Polyakanthos de
motivos que são repetidos e variados, reproduzin- Alexandre Birnfeld, Irie de Rogério Vasconcelos e
do uma impressão musical de extrema fluidez. Reflexos de A. C. Borges Cunha.
Nocturno para clarone e percussão de Eduardo Mais recentemente, Thiago Tavares (OSB) foi
Guimarães Álvares é uma peça que trabalha a sono- também membro da classe de clarone de Henri
ridade resultante dos instrumentos de percussão e Bok em Rotterdam (2013-2014). Ao retornar ao
a linha melódica do clarone, criando um interlúdio Brasil, iniciou um trabalho de compartilhamen-
para acompanhar uma paisagem noturna. to de informações, na divulgação do instrumento
No Encalço do Boi para clarone e percussão de pelo país e como um incentivador incansável nas
Silvio Ferraz apresenta um forte sentimento rít- redes sociais. Em 2015 oferece na UniRio, a convi-

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te do Prof. Dr. Fernando Silveira, o curso de exten- lizado numerosas vezes em peças orquestrais, por
são em clarone, desenvolvendo intenso trabalho compositores como Heitor Villa-Lobos, Francis-
de música de câmara para grupos e projetos com co Mignone, Lorenzo Fernandez, Camargo Guar-
compositores, no fomento de um novo repertório nieri e Cláudio Santoro. Este último, por exemplo,
brasileiro para clarone e suas possibilidades téc- escreve Música de Câmara para grupo de flauta,
nicas. Estreia em 2015 o Concerto para clarone e or- clarineta, clarone, violino, violoncelo e piano.
questra, de Harry Crowl e Soliloquio IV, do mesmo Enquanto instrumento solista, contudo, pode-
compositor, 3 Miniaturas de Djalma de Campos, mos avaliar o descompasso entre as possibilida-
Monolog de Tales Botequia e outras. Criou os gru- des que o clarone oferece e a forma contida com a
pos: Mamute Moderno, com o claronista What- qual era usado nesse contexto, pelas informações
son Cardozo; Trio Clarone Brasil, também com contidas na tese de mestrado de Mauricio Soa-
Whatson e o Prof. José Batista (UFRJ); Quarteto res Carneiro, Música brasileira para clarone solo.
Nikty (com Tavares, Cristiano Alves - UFRJ, Wha- Nela, Carneiro (claronista da Orquestra Sinfôni-
tson Cardozo e Tiago Teixeira). ca do Paraná – Curitiba) observa a grande defa-
Hoje em dia, no país, temos performers e edu- sagem na intenção dos compositores em usar o
cadores que são especializados no clarone em instrumento:
diversas regiões do Brasil. Esses músicos propa-
garão as importantes informações que aprende-
ram, direcionando o clarone para um panorama Aqui no Brasil, apesar da primeira obra
mais amplo, seja na linguagem, na técnica, na para clarineta solo já ter sido escrita em 1942
Clarinete Baixo

sonoridade e nos métodos didáticos. Junto com por Claudio Santoro com o nome de Três peças
esses avanços, outro importante fator é o enten- para clarineta solo, podemos notar, a partir da
dimento de que o clarone hoje é um instrumento pesquisa cronológica das obras levantadas, que
completamente diferente do que imaginávamos o clarone vem sendo utilizado com mais fre-
alguns anos atrás, sendo suas possibilidades mu- qüência como instrumento de grandes possibi-
sicais infinitas e ilimitadas. lidades expressivas a partir de 1970, com a obra
O acesso ao repertório ainda tem sido um dos de Ernst Widmer intitulada 69 Peças Crônicas
grandes obstáculos a ser transpostos no país, as- e Anacrônicas nºs 16, 17 e 18. Estas obras foram
sim como o acesso a instrumentos de boa qua- escritas por encomenda da Orquestra Nacional
lidade. Limites musicais ocorreram, em grande do Rio de Janeiro em 1970, com o intuito de se-
parte, devido ao uso de instrumentos de baixa rem usadas como obras de leitura à primeira
qualidade que não recebiam manutenção ade- vista para concursos. Os movimentos nº16, 17
quada, combinado à falta de informação sobre a e 18 respectivamente são escritos para clarone,
técnica adequada. Este problema é confirmado tornando-se as mais antigas obras solo para o
pelo depoimento de Rafael Galhardo Caro (1928- instrumento no Brasil, que se tem notícia até o
2015), claronista da Orquestra Municipal de São momento (CARNEIRO, 2008:16).
Paulo de 1968 a 1998. Ele atesta a deficiência dos
instrumentos encontrados no Brasil, na primeira
metade do século XX, apesar da existência de um Como podemos ver, a revolução é tardia mas
luthier francês em São Paulo, chamado Laubér, está acontecendo! Devemos muito aos claronis-
que importava e fabricava clarinetas e clarones no tas brasileiros do passado: Nicola Antônio Gre-
final da década de 1930 e início dos anos 1940. Ra- gório (OSTMSP), Antônio Bove (OSESP), Rafael
fael também descreveu a dificuldade de se obter Galhardo Caro (OSTMSP), Elias Evangelista da
informação naquela época, possivelmente por- Silva (OSESP), Aldevino Brandemburgo (OSMC),
que alguns músicos mais antigos tendiam a não José Ribamar Balbi (Orquestra Silvio Mazzuca e
compartilhar tudo o que sabiam com seus alu- RGE), Rosa Ribeiro (OSB), Raimundo Pereira de
nos, mantendo alguns detalhes em segredo para Araújo (OSB), “Pepino” e José Arthur (OSTMRJ),
si próprios. Além disso, nessa época, muitos mú- Moacyr Marques da Silva (Bijú) e Sandoval Dias (
sicos que descobriam o clarone já tocavam saxo- Rádio Nacional e posteriormente Sinfônica da Rá-
fone ou clarineta, limitando a abordagem técnica dio MEC), e também aos claronistas contemporâ-
do clarone ao que já conheciam desses últimos neos como Paulo Passos, Ney Franco, Otinilo Pa-
instrumentos. Todos esses aspectos somados checo, Marcelo Piraíno, Cristiano Alves, Maurício
podem ter contribuído para que o clarone não se Carneiro (Mau Mau), Nivaldo Orsi Filho, Sergio
desenvolvesse plenamente em seu potencial no Albach, José Batista, Thiago Tavares, Guilherme
cenário musical brasileiro, apesar de ter sido uti- Garbosa, Flavio Ferreira, Whatson Cardozo, Tia-

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go Teixeira, Pedro Paes, Isabel de Latorre, João O clarone tem sido cada vez mais tocado e ouvido
Geraldo Alves (JG), Diogo Maia, Daniel Oliveira, de forma inovadora, graças ao trabalho que fazemos
Gueber Santos, João Paulo (JP), Crisóstomo San- pela divulgação e desenvolvimento do instrumento.
tos (com o grupo CLARONEando em Recife), Jus- Ilustrando a importância do clarone na vida musical
san Cluxnei, entre tantos outros jovens claronistas. brasileira, podemos citar nossos encontros nacio-
Esses performers estão revolucionando a visão nais: 1º Encontro de Clarone do Brasil - Poços de
dos compositores brasileiros acerca do clarone, Caldas/MG durante o XVI Festival Música nas Mon-
mostrando-os todas as possibilidades técnicas e tanhas, em janeiro de 2015, o 2º Encontro Nacional
expressivas do instrumento. Devido a esta relação em Maceió- AL (UFAL) - 2015 e o 3º será realizado
temos hoje inúmeras obras escritas especificamen- pela Revista Clarineta em parceria com o XVIII Fes-
te para este maravilhoso instrumento como, por tival Música nas Montanhas - Poços de Caldas - MG,
exemplo: Paraphrase de Fernando Cerqueira, Fro- simultaneamente com o 11º. Encontro Brasileiro de
ttage e After Frottage de Alexandre Lunsqui, Quatro Clarinetistas em janeiro de 2017. Sobretudo, é im-
Árias de Willy Correia de Oliveira, Outra ideia fixa de portante ressaltar a criação do primeiro curso de ba-
Marcus Siqueira, Manjerona de Ricardo Tacuchian charelado em clarone, no Departamento de Música
e Striding through rooms de Jocy de Oliveira e tantas da USP, com início previsto para 2018.
outras. Para finalizar, não poderíamos deixar de agrade-
Nas duas últimas décadas, o clarone evoluiu mui- cer pelo empenho e entusiasmo inesgotável do nos-
to no Brasil devido à dedicação de numerosos in- so grande amigo e irmão Henri Bok.
térpretes e compositores. Hoje, contamos também Obrigado Sir Henri!
com a revolucionária fábrica de clarinetas e claro-
nes Devon e Burgani Clarinetas, que tem produzi- Luis Afonso Montanha é professor de clarineta,
do instrumentos de excelente qualidade utilizando clarone, música de câmara e vice-chefe do
madeiras nobres originárias do Brasil. Este trabalho Departamento de Música da Universidade de São
também está transformando o conhecimento acer- Paulo (CMU-ECA-USP).
ca do instrumento. lamontanha68@gmail.com
Diogo Maia
fala sobre acessórios
Publi Editorial

Q

uando iniciei meus estudos musicais
em Brasília, em 1993, tocava num instru-
mento Yamaha de plástico, com uma
boquilha genérica e palhetas Rico Royal
– na época eu achava esse nome imponente,
va produzindo tanto as “minhas” palhetas Royal
quanto as “futuristas” Plasticover, além de outros
inúmeros acessórios para clarinete. Por volta de
2012, com muita alegria, passei a integrar a equipe
Rico, utilizando e divulgando esses produtos im-
pomposo. Eu adorava as minhas palhetas, elas prescindíveis no nosso dia a dia musical.
não custavam caro e me ajudavam bastante no Pois bem, recentemente a marca se reestrutu-
aprendizado do instrumento. Havia também os rou e passou se chamar D’Addario Woodwinds.
que tocavam com aquele item futurístico, aquela Os tradicionais produtos da linha Rico foram
palheta preta super versátil e pouco conhecida, a mantidos, enquanto paralelamente uma nova li-
Plasticover. Ela durava meses e, dependendo da nha, dedicada aquele clarinetista que busca exce-
frequência de uso, até anos “sempre com a mesma lência nas suas atividades musicais, foi criada: a
qualidade de som”, diziam esses músicos. linha Reserve. Investiram em conhecimento téc-
Eu me lembro também de que os professores nico, processos avançados e tecnologia de ponta
mais viajados da escola em que eu estudava tra- na fabricação dos seus novos produtos: palhetas
ziam apetrechos como cortadores e umas caixi- com design computadorizado, boquilhas traba-
nhas para organizar as palhetas. Tudo aquilo era lhadas com maquinário 100% automatizado, es-
novo para mim e me encantava, mas naquele mo- tojo para armazenamento de palhetas com um ex-
mento eu estava preocupado com coisas mais bási- clusivo sistema de controle interno de umidade.
cas, como tocar notas longas sem tremer o som ou A linha dispõe atualmente de dois modelos de
em não guinchar espontaneamente. palhetas para clarinete, a Reserve (selo azul) e a
Dez anos depois, quando me mudei pra São Reserve Classic (selo lilás). Para atender a uma
Paulo para fazer faculdade, me deparei com todo demanda dos clarinetistas, a D’Addario Woo-
um mundo novo de itens e utensílios relaciona- dwinds passou a produzir esses dois novos mo-
dos ao clarinete, que foram me conquistando pela delos a partir dos cortes tradicionais de palheta
praticidade que me proporcionam no meu coti- simples. A palheta do selo azul, com uma base de
diano como músico. Nas minhas experimenta- espessura padrão, uma rampa menor e pontas ar-
ções sempre procurei usar os melhores produtos redondadas produz uma resposta mais precisa de
independentemente da marca e, em uma dessas som, e surgiu como uma opção de palheta stan-
situações, descobri então que a marca Rico, que dard pelo seu ótimo custo/benefício; a do selo li-
eu usava no inicio dos meus estudos, continua- lás (Classic), com uma espessura maior (ou seja,
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mais cana), corte francês, uma ponta mais grossa boquilha que atende aos anseios do instrumen-
e uma rampa maior produz um som mais profun- tista mais detalhista e propicia uma performance
do, e é bastante flexível. A linha Reserve também confortável, com a flexibilidade necessária para
dispõe de um modelo de palhetas para clarone se produzir boa música.
que tem um desempenho muito bom com boqui- Hoje tocando clarinete e clarone em orquestra,
lhas standard como a que utilizo, fabricada pelo fazendo música de câmara, música erudita, música
amigo, grande clarinetista e também artista D’Ad- popular, show em São Paulo, fora, gravação, solo,
dario Woddwinds, Daniel Oliveira. acompanhamento, casamento, batizado, som de
A linha Reserve possui ainda boquilhas que fundo, etc., me vejo cada vez mais dependente des-
abrangem uma grande variedade de aberturas, ses produtos e das facilidades que me proporcio-
havendo opções para clarinetistas que seguem nam. Nos meus sets, conto sobretudo com os ma-
diferentes técnicas,  escolas e as diversas manei- teriais da linha Reserve: a boquilha X25E, palhetas
ras de se tocar o instrumento, que cultivamos no Reserve Classic 3½ no clarinete, e Reserve Classic
nosso país. Os modelos disponíveis X0, X5, X10, e Grand Concert Select no clarone. Para tocar o
X10E e X15E e X25E aumentam de acordo com o clarone em pé uso o talabarte (correia) para firmar
tamanho da abertura da boquilha e, consequen- melhor o instrumento. Além disso, uso o estojo
temente, com a exigência por palhetas mais leves para guardar palhetas, que se mantém com a umi-
(de numeração menor). dade sempre estável, o que ajuda bastante quando
Os primeiros três modelos, X0, X5, X10, surgi- viajo para tocar em lugares com o clima muito dife-
ram em 2012 e já mostraram uma evolução con- rente do de São Paulo.
siderável no processo de produção de boquilha Com essa nova cara a D’Addario evidencia a sua
de clarinete. Em 2015, os modelos X10E e X15E constante preocupação com o desenvolvimento
passaram a ser uma ótima opção para músicos de ferramentas que buscam melhorar a performan-
que tocam com afinação mais alta (442Hz). Em ce e facilitar o dia a dia do clarinetista. Uma marca
2016, chega ao Brasil o mais recente lançamento de ponta que oferece alta qualidade e preço justo.
da marca, o modelo X25E, seguindo as atuais ten-
dências do mercado mundial: fácil emissão, ainda
maior abertura e som com brilho discreto. Uma Por Diogo Maia
Lançamentos

Percussivo
(independente). Trio Tokeshi
Rosas Bazarian –
Bruno Vinci – Violão
Jussan Cluxnei – Clarineta Fragmentos de um
Inverno Solar
Fernando Miranda – Percussão

“Percussivo é uma obra de música


instrumental multifacetada e inovadora (independente)
por sua instrumentação e concepção
musical. Suas diversas influências justi- Eliane Tokeshi – Violino
ficam seu caráter energético e dançante, Giuliano Rosas – Clarineta
conectando ritmos tradicionais com Lidia Bazarian – Piano
liberdade criativa e performance de
seus integrantes.” Atuamos desde 2008, como integrantes
do grupo Sonâncias, com quem gravamos
Bruno Vinci. o cd ResSonâncias e realizamos turnês de
concertos pelo Brasil.
A partir de 2012 fomos atraídos pelo ousado
e desafiante repertório escrito para trio de
violino, clarinete e piano.
Abordando e apresentando obras emble-
máticas com o trio Contrastes de Bartók, a
História do Soldado de Stravins e o Adagio
de Berg, o desejo de registrar nosso traba-
lho foi amadurecendo e, aos poucos, sendo
concretizado.
Nossa trajetória como instrumentistas
e como grupo sempre incluiu obras di
repertório tradicional e contemporâneo.
Estreamos peças inéditas de composito-
res atuantes e, com o intuito de ampliar o
repertório escrito para esse formação, reali-
zamos encomendas como o trio de Ronal-
do Miranda e o duo de Alexandre Lunsqui,
incluídos neste CD.
Clarinete Solo
Brasileiro -
Jairo Wilkens
(independente) Alexandre Ribeiro –
de pé na proa
Jairo Wilkens – Clarineta
“Do choro às técnicas expandi-
das, passando pelo nacionalis-
mo e desaguando na multiplici- (Selo Borondá)
dade de tendências do terceiro Alexandre Ribeiro - Clarineta e Clarone.
milênio, Jairo Wilkens usa seu “Fui convidado para participar, como produtor, de um
instrumento, o clarinete, para ainda nebuloso mas instigante projeto de disco, que ele
nos conduzir pelas diversas po- já vinha esboçando com o auxílio de loops, harmonizers
éticas da música brasileira nos e outras ferramentas tecnológicas, em composições
séculos XX e XXI, contemplan- originalíssimas e que incorporavam as possibilidades
do compositores de diferentes desses recursos e sonoridades de uma forma muito natu-
gerações, estilos e origens ral e fluente. Senti imediatamente ouro naqueles primei-
geográficas”. ros rascunhos. Combinamos de ir para o estúdio, deixar
o barco andar a partir daquelas matrizes tão inspiradoras
Irineu Franco Perpetuo e plenas de possibilidades, e de não nos prendermos a
ideias muito estruturadas de arranjo e forma, abrindo
espaço para aquela música que aparece de se instala sem
que a gente perceba.
Alê, generosamente, nos deixava, a mim e ao Thiago
(Big) Rabello (parceiro fundamental nesse disco),
participar das ideias, sugerir timbres, “deformações”,
estranhezas, efeitos, comportamentos, e assim o álbum
foi se materializando em alguns poucos, mas intensos,
dias de trabalho. Fomos nos envolvendo, suspendidos
no tempo, naquela criação, nos lambuzando de liberda-
de e de poesia dos sons que iam nascendo, se impondo
e ditando os caminhos “na proa”... Clarinete, clarone,
percussão de boca, som de chaves e palhetas raspadas,
grooves magnéticos e vigorosos pulsando e expulsando
as melodias, solos líricos e virtuosísticos, improvisos
exuberantes, São Simão, São Paulo, inquietação, bus-
ca – está tudo ali, “de pé na proa”, olhando para a frente
e revelando a alma livre e corajosa desse grande artista
brasileiro que é Alexandre Ribeiro”

Swami Jr.
Dica do mestre por Nuno Silva

Por razões acústicas, uma grande parte das nunomasilva@yahoo.com


notas do clarinete são harmónicos, e como tal,
minha opinião, é fundamental, para qualquer
clarinetista, ser capaz de controlar a emissão
dos mesmos. O controle dos harmónicos revela-
Dica do mestre

se preponderante no controle dos ataques, na


regularidade e flexibilidade da afinação e na
oferta de um vasto leque de novas dedilhações
que ajudam a contornar algumas das dificuldades
técnicas patentes no reportório para clarinete. da maçã de Adão (nos homens), é o primeiro local
Alguns clarinetistas desenvolvem, de forma de controle da coluna de ar. Este sítio funciona
natural e espontânea, técnicas que lhes permitem como uma “torneira” que pode interromper
ter a referida segurança e eficácia, no entanto, na completamente o fluxo de ar. Enquanto a
minha opinião, é extremamente útil, tanto como passagem está fechada, o ar deve continuar em
clarinetista como professor, conhecer a fundo o pressão (com uma pressão adequada ao que se
processo de controle dos harmónicos. vai tocar de seguida). Esta técnica permite um
Numa linguagem mais vulgar, um harmónico controle absoluto do ar no momento da emissão
não é mais do que um “guincho” e em boa verdade, e é extremamente importante para a eficácia dos
todos nós, clarinetistas, já temos muitos no nosso ataques.
percurso. Os exercícios que de seguida proponho 2. O segundo sítio de controle é a garganta. Ao
servem para conseguir reproduzir estes “guinchos” apertarmos (aproximarmos) as cordas vocais
mas de forma controlada. tornamos o espaço por onde passa o ar, mais
Comecemos então: estreito, aumentando, assim, a sua pressão.
Quando assobiamos uma nota grave precisamos 3. O terceiro sítio de controle do diâmetro da
de menos pressão no ar do que quando assobiamos coluna de ar é a língua. A língua em repouso no
uma nota aguda. Neste aspecto, a emissão de som “chão” da boca permite um espaço muito grande
no clarinete é exatamente igual. Uma das formas para a passagem do ar, que neste caso, seria lento.
que temos para aumentar a pressão do ar é através Se por outro lado, pretendermos um ar mais
da diminuição do espaço por onde este passa. rápido, temos que subir a língua de forma a que o
Por exemplo: quando apertamos, ligeiramente, espaço para o ar passar fique mais estreito. Para
a ponta de uma mangueira que está a deitar água, tal, a parte traseira da língua deve subir adoptando
esta ganha, imediatamente, maior pressão. Com a posição como se estivéssemos a dizer a letra “i”.
o ar passa-se exatamente o mesmo, sendo que, Esta posição da língua acrescenta mais harmónicos
no nosso caso, a mangueira corresponde à nossa agudos ao som, favorecendo , também, o legatto e a
coluna de ar. projeção do som.
Observemos agora cinco sítios que podem 4. O quarto ponto de controle da coluna de ar
influenciar o diâmetro da coluna de ar: é a forma da boca. Ao dizermos as vogais a, e, i, o,
1. No topo do osso externo mesmo por baixo u, podemos constatar que o interior da nossa boca

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adopta diferentes formas. Se pensarmos nestas direção do intervalo. Podem-se incluir pequenas
formas enquanto tocamos, o efeito é semelhante e células rítmicas com as duas notas de forma a tornar
a influência no som é substancial. Se pretendermos o exercício mais objectivo e mais interessante.
um ar mais rápido devemos escolher uma forma da Depois de masterizado o intervalo e o uso dos
boca mais fechada escolhendo, por exemplo a letra harmónicos ser cada vez mais familiar, vamos
e, i ou u. agora tocar um ré 5 com a sua dedilhação normal,
5. O quinto e último ponto de controle são os imitando, no entanto, a facilidade de ataque que se
lábios em contacto com a boquilha. Consoante a obtém quando se trata de um harmónico. A emissão
força aplicada à “mordida” temos mais ou menos do ré com a dedilhação real será sempre mais
abertura para o ar entrar na boquilha. difícil do que a emissão do harmónico. O objectivo
É importante realçar que o controle da do exercício é igualar os dois ataques, tornando
velocidade do ar é, também, importante para o o ataque do ré agudo (posição real) igualmente
controle do tipo de som que se pretende. Se por fácil, para tal, quando atacamos a posição real é
um lado, um ar rápido dá origem a um som mais necessário manter a posição da garganta com as
timbrado, por outro, um ar lento proporciona um cordas vocais mais juntas, como se estivéssemos
som mais amplo e escuro. a tocar o harmónico. Este exercício deve repetir-se
Agora, depois identificarmos os pontos onde para cada nota do registo agudo, encontrando as
podemos influenciar o diâmetro da coluna de ar dedilhações mais adequadas para tal, por exemplo:
e consequentemente controlar a velocidade do Dó3/Mi5, Ré3/Fá5, Ré#3/Fá#5, Mi3/Sol5, etc.

Dica do mestre
mesmo, passemos, então, ao assunto inicial deste De seguida, tornando o exercício ainda
artigo, os harmónicos. mais complexo, toca-se cada uma das notas
A primeira abordagem aos harmónicos pode fundamentais e, mantendo a dedilhação, tenta-
começar por um simples exercício que começa se tocar os três primeiros harmónicos da série
por tocar um ré agudo (ré 5) com a dedilhação (o clarinete só tem os harmónicos ímpares).
de um sol 3 (sem dedos no clarinete). Serrando Desta forma, podemos trabalhar a flexibilidade
um pouco o espaço entre as cordas vocais, como e a agilidade das mudanças de registo. A título de
explicado anteriormente, o ar ganhará maior exemplo, e como teste para verificar se este tipo
velocidade facilitando a obtenção do referido ré de competência já está adquirido, costumo propor
agudo. É importante não tentar truques, como, aos meus alunos que dedilhem o Dó3 e com esta
mudar a embocadura ou apertar mais os lábios, dedilhação toquem Dó3/Sol4/Mi5/Lá5/Mi5/Sol4/
a embocadura deve permanecer o mais natural Dó3. Cada uma destas notas corresponde a uma
possível durante os exercícios propostos. O posição específica da garganta, com as cordas
objectivo é obter uma resposta franca e direta, com vocais mais juntas à medida que subimos de registo.
o máximo de facilidade possível. A afinação será um Existem muitos mais exercícios que poderia
pouco baixa, no entanto, nesta fase do exercício, recomendar sobre este assunto, no entanto, dado a
não é grave, sendo que o foco é a facilidade de exiguidade de espaço disponível para o fazer neste
ataque e a resposta do ré agudo-harmónico. Quem momento, não vai ser possível, e por isso, deixo à
não conseguir fazê-lo, pode tentar duas técnicas imaginação de cada um, explorar e diversificar os
diferentes: atacar a nota sem língua, pensando na exercícios que eu aqui propus, adaptando-os às
sílaba “Há”; tocar o ré agudo com a dedilhação suas necessidades.
normal e depois tirar todos os dedos do clarinete Esta forma de abordar o controle do ar e do som
continuando a soprar. Desta forma obtém-se o é a base da minha forma de tocar, funcionando para
harmónico pretendido. mim e para os meus alunos, que a têm adquirido ao
Depois de algumas tentativas, o harmónico longo dos anos, no entanto, haverão outras formas
acabará por sair, sendo cada vez mais fácil de o fazer, sendo que, o mais importante é que cada
reproduzi-lo com controle e eficácia. Passando um encontre o seu próprio caminho.
esta fase, o exercício seguinte prende-se com a
flexibilidade da garganta. Deve agora exercitar-se o O clarinetista português Nuno Silva é professor
salto entre o sol 3 e o ré 5 sempre com os dedos fora na Escola de Música do Conservatório Nacional
do clarinete. O intervalo deve ser repetido várias e na Academia Nacional Superior de Orquestra,
vezes, observando o movimento (contração/subir- assim como 1º Clarinete Solista da Orquestra
distensão/descer) das cordas vocais consoante a Metropolitana de Lisboa.

55
ClarinetA
NORMAS PARA SUBMISSÕES
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teúdo dos textos é de responsabilidade do(s) autor(es).
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