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O direito

e o dever de
compreender
Manuela Fonseca Grangeiro

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O direito e o dever de compreender:
escutar/ser escutado, falar, dialogar
1. Paulo Reglus
Neves Freire
Manuela Fonseca Grangeiro
nasceu em
1921, no Recife, Não tenho caminho novo.
Pernambuco, um
dos estados mais O que tenho de novo
pobres do país. É o jeito de caminhar.
Faleceu em São Aprendi
Paulo em 1997.
Foi educador e (o caminho me ensinou)
filósofo brasileiro. A caminhar cantando
É considerado um Como convém a mim
dos pensadores
mais notáveis na E aos que vão comigo.
história da Peda- Pois já não vou mais sozinho.
gogia mundial,
tendo influen-
Thiago de Mello
ciado o movi-
mento chamado Depois da conversa acerca da felicidade, da dignidade humana e da ética, é sobre
Pedagogia Crítica.
Destacou-se por o diálogo que vamos falar neste fascículo. Assim, esse texto tem como objetivo refletir
seu trabalho na sobre as inúmeras maneiras de pensar e sentir o mundo e as possibilidades de compre-
área da educação
popular, voltada ensão a partir da capacidade de escuta, reflexão e diálogo, tendo este como caminho
tanto para a es- para melhoria da convivência e método possível na mediação de conflitos.
colarização como
para a formação Paulo Freire1, um conhecido educador brasileiro, escreveu um texto denomina-
da consciência do “O encontro dos homens e mulheres através do Diálogo2” e baseado nele, vamos
política. Autor
de vários livros, construir uma teia de relações e reflexões sobre as inúmeras possibilidades do diálogo
é mundialmente como recurso de comunicação para a busca da felicidade com dignidade e ética. Enfim,
conhecido. Em 13
de abril de 2012, o diálogo como recurso para a geração de uma cultura da paz.
foi sancionada Vamos começar retomando questões já levantadas no primeiro fascículo:
a Lei Nº. 12.612
que declara o
É possível ser feliz no mundo em que vivemos? Qual o mundo que
educador Paulo
Freire “Patrono queremos viver? O que podemos fazer para vivermos melhor?
da Educação
Brasileira”. Foi o São indagações que pulsam e que nos mobilizam em busca de possíveis respostas.
brasileiro mais
homenageado da Você tem alguma resposta para elas? Essas perguntas remetem a reflexões de duas natu-
história: ganhou rezas distintas: no âmbito individual, quando você procura responder olhando para você
41 títulos de Dou-
tor Honoris Causa mesmo, se apoiando no seu autoconhecimento. Neste aspecto, o tipo de diálogo que se
de universidades estabelece é interno, dirigido para sua consciência, seus valores, seu jeito de ver o mundo.
como Harvard,
Cambridge e
Uma segunda natureza de resposta para essas indagações é a que diz respeito à
Oxford (wikipédia. comunidade, a coletividade de indivíduos que vive em sociedade e que precisa estabe-
org)
lecer relações de convivência saudável e baseadas no respeito, na dignidade humana, na
2. Texto extraído ética. Esse diálogo é recheado de muitas vozes, de valores distintos, de pontos de vistas
do livro Pedagogia
do Oprimido de variados, embora também busque a construção de uma sociedade cujos valores éticos
Paulo Freire (17ª. conduzam ao bem viver, à justiça social e à felicidade.
ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987) Como seres humanos, temos o privilégio da fala3 e é nela que o diálogo se efetiva,
se amplia e adquire função social.

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O diálogo como mediador do encontro entre homens e mulheres
A palavra diálogo é proveniente de duas palavras gregas [διά = através e λογόι = palavra,
conhecimento]. Ou seja, desde sua origem a palavra diálogo está intimamente relacionada
ao conhecimento, ao compartilhamento de sentidos e significados. O valor do diálogo está
associado à capacidade das pessoas reconhecerem que são possuidoras de conhecimento
e que esses saberes podem ser compartilhados por meio de interações entre iguais. É na
aceitação da igualdade de condições que as pessoas podem estabelecer diálogos.
Paulo Freire deixou um grande legado para a humanidade em sua trajetória
como educador: provocar a reflexão, tendo como ponto de partida a leitura de mundo,
da compreensão e percepção que as pessoas têm, considerando o contexto e a história
de cada um. E nós teremos como ponto de chegada o diálogo na convivência humana.
Ao longo do fascículo, vamos explorar com mais detalhes, cada uma das afirma-
ções de Paulo Freire presentes no texto a seguir:

3. Embora a fala
O encontro dos homens e mulheres através do Diálogo seja um requisito
importante para o
Paulo Freire diálogo, existem
inúmeras formas
1. N ão é no silêncio que os homens e mulheres se fazem, mas na palavra, no traba- de comunicação,
especialmente
lho, na ação-reflexão. Por isto, o Diálogo é uma exigência existencial. entre outras
2. Não há Diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens espécies vivas,
e mulheres. que ocorrem
sem o recurso
3. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se da fala. Neste
não há amor que a infunda. fascículo, vamos
nos restringir as
4. Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens e mulheres, possibilidades
não me é possível o Diálogo. de diálogo entre
5. Não há, por outro lado, o Diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, seres humanos.
com que os homens e mulheres o recriam permanentemente, não pode ser um
ato arrogante.
6. O Diálogo, como encontro dos homens e mulheres para a tarefa comum de saber
agir, rompe-se, se seus polos (ou um deles) perdem a humildade.
7. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro,
nunca em mim?
8. Como posso dialogar, se me admito como um homem ou mulher diferente, virtuo-
so por herança, diante dos outros, meros “isto”, em que não reconheço outros eus?
9. Como posso dialogar, se me sinto participante de um “gueto” de homens e mu-
lheres puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora
são “essa gente”, ou são “nativos inferiores”?
10. Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reco-
nheço, e até me sinto ofendido com ela?
11. Como posso dialogar, se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro
e definho?

19 Direitos Humanos e Geração de Paz


12. A autossuficiência é incompatível com o Diálogo. Os homens e mulheres
que não têm humildade, ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não
podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz
de sentir-se e saber-se tão homem ou mulher quanto os outros, é que lhe falta
ainda muito que caminhar para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste
lugar de encontro não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos. Há ho-
mens e mulheres que, em comunhão, buscam saber mais.
13. Não há também Diálogo, se não há uma intensa fé nos homens e mulheres. Fé no
seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais,
que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens e mulheres.

O caminho percorrido pela grande maioria das sociedades humanas, entre elas, a
nossa sociedade brasileira, tem valorizado e incentivado o individualismo e a competi-
ção exacerbada, priorizando mais o ter do que o ser.
Alguns estudiosos apontam para uma profunda crise no modelo de sociedade que
estamos vivendo, que tem no consumo dos bens materiais, na exploração dos re-
cursos naturais e no abandono da religiosidade, seus pilares de sustentação.
A necessidade de consumir cada vez mais, na grande maioria das vezes,
leva as pessoas a descartarem objetos em perfeitas condições de funcionamento;
é o caso de trocar o aparelho celular que ainda funciona pelo último lançamento,
que além de mais caro, tem apenas uma função adicional, que certamente você
vai fazer pouquíssimo uso, de sentir a necessidade urgente de
adquirir o último modelo de calça jeans e tênis, mesmo já tendo
meia dúzia de calças no guarda-roupa.
A exploração desmedida dos recursos naturais tem significado
agressões a Terra, que segundo especialistas, está levando o planeta a
exaustão, a um caminho sem volta. Um exemplo que ilustra bem essa
situação é o aquecimento global, associado a significativas mudanças
climáticas e à geração de poluentes que afetam o solo, a água e o ar. Pre-
cisamos cada vez mais de energia para trazer conforto, por meio do
ar-condicionado na casa e no carro, dos aparelhos eletroeletrônicos que
se multiplicam, e isso é apenas o começo. Tente, num exercício de ima-
ginação, fazer uma relação de atividades que você faz no dia a dia que usa
alguma forma de energia. E aí? De onde vem toda essa energia?
O abandono da religiosidade está diretamente relacionado com a
perda da fé no transcendente, ou seja, ser capaz de acreditar que existe
algo além da simples e transitória existência terrena. Isso tem levado a
um enfraquecimento dos vínculos afetivos, dos valores de solidariedade, dignidade, respeito,
tolerância, e muitos outros. A banalidade da vida e sua falta de sentido pode ser observada nas
páginas de jornais, nas redes sociais, nos programas de televisão. De tanto ver humilhação, des-
respeito, intolerância, desamor, a gente acaba se acostumando e achando tudo normal. Perde-
mos a capacidade de indignar-se diante da tragédia humana.

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Mudar de atitude é determinante para as mudanças sociais e planetárias que quere-
mos e achamos que devem acontecer. E nada melhor do que começar a mudar de atitude
com as pessoas com quem convivemos. Começando pela nossa casa, pela escola e pelo
local de trabalho. Somos responsáveis e precisamos assumir o compromisso com os valores
humanos mais nobres e solidários, resgatar a confiança, a harmonia e a paz.

1. Não é no silêncio que os homens e mulheres se fazem, mas na pala-


vra, no trabalho, na ação-reflexão. Por isso o Diálogo é uma expe-
riência existencial. Por isto, o Diálogo é uma exigência existencial
O silêncio tem seus encantos e é necessário em alguns momentos, pois fortalece a co-
municação não-verbal presente e necessária nas relações. Mas é no Diálogo, por meio
de palavras, que ocorrem as manifestações e com elas as possibilidades de acordos e
mudanças.
Para transformar a realidade, é necessário expressar a análise e com-
preensão crítica do homem sobre si mesmo e sobre o seu contexto, deixan-
do a sua marca, o seu pensar, o seu criar, o seu agir, enfim, os seus valores.
Precisamos assumir o papel de eternos aprendizes que vamos mu-
dando, fazendo e refazendo os percursos, as atitudes, a vida. Refletir, decidir
e atuar implica no compromisso pessoal, porque só a reflexão não firma o
compromisso. O compromisso só se efetiva por meio da ação.

2. Não há Diálogo, porém, se não há um profundo amor


ao mundo e aos homens e mulheres
Como podemos dialogar se não existir uma disponibilidade amorosa para
com o outro e para com todos? É preciso ter um olhar sensível para um
mundo vivo, um olhar sensível para se compreender a vida e o seu pa-
drão de organização. Encontramo-nos num emaranhado de fatos, acon-
tecimentos e contradições sociais e precisamos nos posicionar diante da
possibilidade de transformação.
É necessário dialogar com as diferenças, tratar a todos de igual para igual, sentar
junto, refletir, provocar reflexões, dialogar com a família e com a comunidade. De-
senvolver uma postura ética diante da vida, onde cada ação pode potencializar ações
diferentes, conscientes, transformadoras. E o que é ética? Vamos retomar o que apren-
demos no fascículo 1 e dizer em poucas palavras o que a ética significa.
O conhecimento da sua realidade dá ao homem a possibilidade de levantar hi-
póteses sobre seus problemas e buscar soluções para transformá-las. E isso pode ser de
modo coletivo e integrado.
É na relação com a realidade que dinamizamos a vida. Fazer, refazer, construir,
crescer, fazer cultura, formando e sendo formado por essa interação, por esse vínculo
com o real, sem perder a essência da vida.

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Paulo Freire (1978) chama atenção para as implicações das crenças e valores, de-
terminando a ação do homem, ressaltando a necessidade e importância da percepção
crítica da realidade, com vistas a uma ação transformadora.
É que o processo de orientação dos seres humanos no mundo envolve
não apenas a associação de imagens sensoriais, como entre os animais, mas,
sobretudo, pensamento-linguagem; envolve desejo, trabalho-ação transforma-
dora sobre o mundo, de que resulta o conhecimento do mundo transformado.
Os seres humanos tornaram-se, ao longo do tempo, limitados diante do mun-
do e do sistema, que foram impondo comportamentos e pensamentos “formatados”,
como se fosse possível engessar o pensamento e o jeito de ser das pessoas. E isso se
configura desde a infância, pois o adulto tem uma tendência de impor verdades abso-
lutas e inquestionáveis geradas por esse contexto que vai tolhendo a espontaneidade
da criança e estimulando o seu “enquadramento” nesses “moldes” sociais. Isso pode
provocar movimentos diversos: aceitação, revolta, ou ainda apatia total.
É preciso aprender a ser gente de verdade, aprender a correr, brincar, se divertir,
cair, conversar, gritar, viver desafios. Encontrar o encanto do conhecimento necessário
para o aprendizado de modo envolvente e fazendo sentido no seu desenvolvimento.

3. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e


recriação, se não há amor que a infunda
Gostar de si, apreciar cada pedaço do seu Ser na sua perfeita totalidade, corporal, espiri-
tual e mental é um grande desafio. Todos os medos se vão quando as essências amorosas
das pessoas se encontram. Na realidade, estamos sempre em movimento, por mais es-
tagnada que possa parecer a nossa vida.
O contato com o outro se manifesta antes de tudo como uma necessidade, talvez de algo
reprimido, da não aceitação, ou da busca pela aceitação. Essa consciência é o convite à mudança
de percepção do mundo. É a interiorização do sentido de cuidar. Vivenciar essa palavra no seu
maior significado, se permitir, é o movimento do dar e receber constante, e que deve ser pleno
de sentido e de significado. Não pode ser mecânico ou só mentalmente organizado; tem de ser
de coração para coração, a partir das dimensões humanas relacionadas ao sentir.
Se pudéssemos nos perceber diante de uma rede de afetos, certamente conseguiría-
mos desbloquear os padrões rígidos adquiridos ao longo da vida. É preciso se ter um olhar
sensível para um mundo vivo, para compreender a vida e o padrão de organização dos sis-
temas vivos. Mais do que ciência, precisamos da poética do encontro humano.
Viver é aprender a cuidar do outro com o mesmo carinho e a mesma devo-
ção com que cuidamos de nós mesmos. Viver é compartilhar experiências, assim
como compartilhamos as nossas experiências com a mãe terra e com um universo
compassivo e generoso, cheio de vida e energia. (Maria Cândida Moraes, 2003)

Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que
um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de

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ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo
com o outro. (Leonardo Boff, 1999)
A afetividade se relaciona ao instinto de solidariedade entre os de mesma espé-
cie, à capacidade de identificar-se com o outro, aos impulsos gregários.

4. Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os ho-


mens e mulheres, não me é possível o Diálogo
Não tem como falar do amor aos homens e mulheres sem lembrar das crianças e
adolescentes e suas distintas fases de desenvolvimento físico, motor e intelectual.
Muitas vezes são incompreendidos pelo “adulto”, que cobra atitudes que não estão de
acordo com sua idade real, o que provoca um desnivelamento e uma baixa autoestima.
Conhecer e respeitar os processos de maturação do ser humano e entender os está-
gios de desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicossocial das crianças e jovens são condições
para a formação de novas gerações abertas e defensoras de uma cultura de paz.
A compreensão das coisas, das relações, da vida, só é possível por meio da transdisci-
4. A transdis-
plinaridade4, que “é um enfoque pluralista do conhecimento que tem como objetivo, atra- ciplinaridade
vés da articulação entre as inúmeras faces de compreensão do mundo, alcançar a unificação possibilita um
do saber. Assim, unem-se às mais variadas disciplinas para que se torne possível um exer- olhar múltiplo e
permite que se
cício mais amplo da cognição humana”. As ciências disciplinares tais como as conhecemos abranja a comple-
na atualidade já não conseguem responder de forma satisfatória aos complexos problemas xidade crescente
do mundo pós-
da natureza e da sociedade, daí a necessidade de se recorrer a uma abordagem mais sistêmi- moderno, o que
ca e transversal na busca de soluções que deem conta dessa complexidade. justifica a defini-
ção da transdis-
Não há como falar do homem em sua evolução sem falar da Terra e não há como ciplinaridade
falar da Terra sem falar da espécie humana. Essa compreensão de mundo é completa- como um fluir
mente interligada e una, não há divisão entre o todo e a parte. Os homens precisam des- de ideias e, mais
particularmente,
pertar para essa consciência do todo e da parte que integram uma grande rede de cone- um movimento
xão planetária. Descobrir alguns caminhos como possibilidade de interação, despertando de reflexão sobre
estes conceitos.
que é possível viver com amorosidade nos encontros com o coletivo. Esta abordagem
científica vem mo-
dificando a forma
5. Não há, por outro lado, o Diálogo, se não há humildade. A pro- como o homem
núncia do mundo, com que os homens e mulheres o recriam se volta para si
mesmo e procura
permanentemente, não pode ser um ato arrogante entender seu
papel no mundo e
Aos poucos vamos compreendendo que o Diálogo não é simplesmente o encontro de duas pes- também a própria
soas que conversam. Na verdade, segundo Paulo Freire (1980), o Diálogo é um encontro em que compreensão
da interação do
acontece a reflexão e posterior ação. Por isso não está reduzido à troca de ideias e muito menos es- universo com o
tabelecido numa dimensão verticalizada onde um é maior que o outro, um sabe mais que o outro. ser humano (Ana
O diálogo só é possível se consigo ver o outro de igual para igual, aberto para Lúcia Santana
- http://www.
compreender o outro, disposto para ceder e acolher ao mesmo tempo. Por isso não infoescola.com/
pode ser fruto de uma atitude arrogante, pois ninguém sabe tudo. Temos saberes dife- educacao/trans-
disciplinaridade/)
rentes, que podem interagir e constituir novos horizontes, com humildade e amorosi-
dade, reconhecendo o outro em sua inteireza e complexidade. É nessa convivência que
o diálogo acontece, respeitando o outro como sujeito.

23 Direitos Humanos e Geração de Paz


A amorosidade, o diálogo, o respeito e o comprometimento facilitam o estabeleci-
mento de uma relação harmoniosa, que leva ao envolvimento comprometido com o bem
dos sujeitos, que podem expressar sua opinião, usar sua criatividade para pensar soluções,
reconhecerem-se livres e autônomos. E com humildade se perceber eterno aprendiz.
Para Paulo Freire (1996), a prática do Diálogo requer a humildade de não se ver
como detentor de todo o saber e que, mesmo num ambiente escolar e de aprendiza-
gem formal ou informal, o educando sabe alguma coisa. Tem uma história que merece
respeito e que, por isso mesmo, é detentor de saber. Para Freire, o Diálogo não é apenas
um método, mas uma estratégia para respeitar o saber do outro.

Gandhi e Martin Luther King: líderes do diálogo


No século XX, dois grandes líderes mundiais se destacam pela capacidade de
defender suas causas por meio da não-violência.
Mohandas Karamchand Gandhi (1869 – 1948), mais conhecido popularmente
por Mahatma Gandhi, foi o idealizador e fundador do moderno Estado indiano e
o maior defensor do Satyagraha (princípio da não-agressão, forma não violenta
de protesto) como um meio de revolução. O princípio do Satyagraha frequente-
mente traduzido como “o caminho da verdade” ou “a busca da verdade”, também
inspirou gerações de atividades democráticas e antirracistas, incluindo Martin
Luther King e Nelson Mandela. Frequentemente, Gandhi afirmava a simplicidade
de seus valores, derivados da crença tradicional hindu: verdade (satya) e não-
violência (ahimsa). Para Gandhi, a lei de ouro do comportamento é a tolerância
mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca vere-
mos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos.
Martin Luther King, Jr. (1929 – 1968) foi um pastor protestante e ativista po-
lítico americano. Tornou-se um dos mais importantes líderes do movimento dos
direitos civis dos negros nos Estados Unidos e no mundo, com uma campanha de
não-violência e de amor ao próximo. King tornou-se um ativista dos direitos civis.
No início de sua carreira, liderou em 1955, o boicote aos ônibus de Montgomery
e ajudou a fundar a Conferência da Liderança Cristã do Sul, em 1957, servindo
como seu primeiro presidente. Seus esforços levaram à Marcha sobre Washington
de 1963, onde ele fez seu discurso “I have a dream”. Em 14 de outubro de 1964,
King recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo combate à desigualdade racial através da
não-violência. Nos anos que antecederam a sua morte, ele expandiu seu foco para
incluir a pobreza e a Guerra do Vietnã, alienando muitos de seus aliados liberais
com um discurso de 1967 intitulado “Além do Vietnã”. King foi assassinado em 4
de abril de 1968.

Reconhecer o saber do outro é um convite permanente. Abrir-se para considerar


que todos têm algum saber e que pode-se aprender conteúdos que até então desconhe-
cíamos, como conta a História.

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Palavras geradoras de vida: amor, humildade, compreensão
O empenho é coletivo na construção de uma sociedade sustentável, nas relações que se
estabelecem na busca pela construção de uma cultura de paz. Paulo Freire nos fala da
liberdade, pois, segundo ele, na opressão não se constitui a evolução social. Em liber-
dade, em comunhão, todos somos responsáveis coletivamente pela sustentabilidade da
vida e da convivência humana.
Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se
libertam em comunhão. (Paulo Freire, 1987)

O estímulo é para problematização, que se dá a partir de perguntas e reflexões


sobre suas respostas. No momento em que participo da reflexão, é dada a possibilidade
de comprometer-me com as soluções.

6. Diálogo, como encontro dos homens e mulheres para a tarefa


comum de saber agir, rompe-se, se seus polos (ou um deles)
perdem a humildade 5. Humberto
Mariotti é médico,
Dessa forma, o rompimento será inevitável se não houver a humildade presente no diálo- escritor e profes-
sor da Business
go. Vejamos a diferença entre diálogo e debate, apresentada por Humberto Mariotti5. School São Paulo.
Coordena o Grupo
de Estudos
Diálogo Discussão/debate Contemporâneos
• Visa abrir questões • Visa fechar questões (Complexidade,
Pensamento Sis-
• Visa mostrar • Visa convencer têmico e Cultura)
• Visa estabelecer relações • Visa demarcar posições da Associação
• Visa compartilhar ideia • Visa defender ideias Palas Athena —
Centro de Estudos
• Visa questionar e aprender • Visa persuadir e ensinar
Filosóficos (www.
• Visa compreender • Visa explicar humbertomariotti.
• Vê a interação partes/todo • Visa as partes em separado com.br).
• Faz emergir ideias • Descarta as ideias “vencidas”
• Busca a pluralidade de ideias • Busca acordos

Mariotti ressalta que não se trata de um ser melhor do que o outro, mas são formas
diferentes e em alguns momentos necessárias, de expressar o que se pensa. Há momentos em
que precisamos fragmentar o pensamento para ser melhor compreendido e recomposto no
instante posterior. Há outros momentos em que é necessário ter uma visão ampla da situação.
Diálogo e debate são estruturas diferenciadas. No diálogo é possível haver maior
cuidado, respeito e amorosidade. Já no debate, há um entremeio de perguntas e res-
postas que é preciso ter cuidado para não alterar os ânimos emocionais. Como diz o
autor, “se no debate um fala e o outro responde, no diálogo um fala, o outro fala, todos
falam juntos”. O princípio é o da cooperação e não do confronto.

25 Direitos Humanos e Geração de Paz


O diálogo faz uma intermediação nas relações de modo que o conhe-
cimento das pessoas seja respeitado e construído, reconhecendo o ser como
sujeito deste conhecimento.

7. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo


sempre no outro, nunca em mim?
O diálogo se opõe ao autoritarismo, à rigidez de pensamentos enquadrados, pré-formatados.
Freire afirma que ninguém sabe tudo e ninguém não sabe nada. Temos saberes diferentes e
valiosos para a interação no mundo, nos educamos em comunidade, considerando todo co-
nhecimento comunitário, toda a sapiência popular, que tanto pode contribuir com a ciência e
com os doutores. O camponês é doutor no que faz, na arte de plantar, de cuidar dos animais.
E deste conhecimento muitos doutores da universidade são ignorantes. Então, sou doutora
em algumas coisas e ignorante em outras, e a humildade de reconhecer-me
ignorante me faz aprendiz de outros saberes.
O importante é perceber que somos conhecedores de saberes dife-
rentes, a busca constante deve ter o compromisso com os problemas co-
munitários, para buscar soluções que proporcionem vida às comunida-
des, que deve ser o ponto de partida e de chegada de todo conhecimento.

8. Como posso dialogar, se me admito como um homem


ou mulher diferente, virtuoso por herança, diante dos
outros, meros “isto”, em que não reconheço outros eu?
O mundo vai tornando possível a mediação entre homens e mulheres, é
o que deve mediar as aprendizagens da vida. Como realmente podemos
imaginar o diálogo quando só vemos virtudes em nós e não reconhecemos
que o outro é igualmente virtuoso?
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo. Os ho-
mens se educam entre si, mediatizados pelo mundo (Paulo Freire)

Diálogo7
O menino rico falou: — Meu pai tem muito dinheiro e pode dar-me o que eu
quiser. Quem traz melhores roupas que as minhas? Quem tem brinquedos mais
belos que os meus?
E ele estava todo vestido de seda e apontava, orgulhoso, os brinquedos es-
parsos...
Então, o menino pobre levantou o rostinho triste e falou: — Meu pai tem muito
pouco dinheiro e nada me pode dar do que se compra... Mas, quando vem do tra-
balho, beija-me e abraça-me tanto que eu fico toado enfeitado de festas... E, como
não tenho brinquedos, divirto-me com o sol, com as crianças iguais a mim e com os
animais que encontro pelo caminho...

Universidade Aberta do Nordeste 26


À noite amontôo carneirinhos de nuvens e brinco de esconde-
esconde com a lua... Nesse instante... era o instante em que os pássaros
do crepúsculo vinham chegando...

Quando nos percebemos superiores, alimentamos a crença de que


somos autossuficientes e essa postura é incompatível com o diálogo.
Não podemos perder a humildade, caso contrário não será possível
o diálogo. É necessário descobrirmos que somos tão seres humanos
quanto qualquer outro, e dessa forma, vamos ajudar a despertar no
outro sua capacidade criativa e de expressão, sem vergonha do que
sabe ou do que tem, mas consciente de que o que tem é valioso, por
mais que sejam valores diferentes.
Aos poucos no convívio em grupo a confiança vai se desenvol-
vendo, o que possibilita ver as pessoas como sujeitos dialógicos cada
vez mais integrados na construção de um mundo melhor.
Barbier (1998) fala sobre a escuta sensível diante da realidade e
das pessoas. Dessa forma, a escuta sensível começa por não interpre-
tar, por suspender qualquer juízo. Ela procura “[...] deixar surpre-
ender pelo desconhecido [...] a escuta sensível contribui para que o
sujeito se livre de seu entulho interior” (p. 188).
Nessa perspectiva, a escuta sensível proporciona a possibilidade de perceber a reali-
7. Texto de Cecília
dade como ela se apresenta sem a elaboração de um conceito pré-estabelecido, o que pode- Meireles: http://
ria dificultar a abertura do diálogo em grupo e a manifestação das pessoas. A transformação galeriadotextoin-
fantil.blogspot.
depende de ações coletivas, transformadoras e organizadoras pelos que dela fazem parte. O com.br/2012/05/
fazer coletivo pressupõe reflexão para a ação e implica pensar e agir coletivamente. dialogo-texto-
infantil-de-cecilia.
html
9. Como posso dialogar, se me sinto participante de um “gueto” de ho- 8. Gueto (do
mens e mulheres puros, donos da verdade e do saber, para quem to- italiano ghetto)
é um bairro ou
dos os que estão fora são “essa gente”, ou são “nativos inferiores”? região de uma
cidade onde vi-
Para refletirmos sobre a igualdade, aproveitando para desprezar a constituição de “gue- vem os membros
tos”8 , recorremos a definição de Moraes (2004) sobre o pensamento ecossistêmico de uma etnia ou
qualquer outro
que nos coloca de igual para igual: grupo minoritário,
frequentemente
O pensamento ecossistêmico nos ajudará a tomar consciência de que nossas devido a injun-
relações fundamentais com a vida, com a natureza, com o outro e com o cosmo ções, pressões
dependem também de nossa maneira de conhecer, de pensar, de aprender, enfim, ou circunstâncias
de nossa maneira de ser, de viver/conviver.[...] Assim, estaremos conspirando em econômicas ou
favor de um mundo melhor, mais humano, solidário e fraterno. sociais. Por exten-
são, designa todo
Se cada ação provoca uma reação, no geral, acontece uma rede de ações e reações. estilo de vida ou
tipo de existência
Essa rede de relações e ações nos torna responsáveis não só por nossa vida individual, resultante de
mas essencialmente pela vida coletiva. É importante desenvolver a concepção de que tratamento discri-
minatório. (www.
somos todos sujeitos da interação entre o ser humano enquanto espécie e o planeta, ou wikipedia.org).
seja, fazemos parte do mesmo ecossistema.

27 Direitos Humanos e Geração de Paz


É difícil perceber um horizonte de transformação se não houver mudanças na
conduta humana, se não invertermos a noção de que somos seres individuais e sociais
ao mesmo tempo. É nossa tarefa encontrar alternativas que nos proporcionem uma
maneira de viver harmoniosa sem ter que despertar a agressividade excessiva ou a indi-
vidualidade ou, ainda, a desesperança generalizada existente na atualidade.

Tudo está relacionado com tudo, interligado através de uma gran-


de teia, onde tudo está conectado. Logo, viver nada mais é que conviver
(Maria Cândida Moraes, 2003)
A essência humana não se encontra tanto na inteligência, na liberdade
ou na criatividade, mas basicamente no cuidado (Leonardo Boff, 1999)

É sob esse prisma que devemos ver e perceber o ser humano. O cuidado deve per-
9. Utopia é o mear a sua relação consigo mesmo, com o outro e com os demais sistemas vivos e não-
conceito de algo
ideal, perfeito,
vivos. Urge uma necessidade de equilíbrio entre a existên-
fantástico, imacu- cia humana no âmbito individual e a consciência coletiva.
lado, ideia que se
torna imaginária,
Mas não paramos por aqui. Vem novamente Paulo Freire e
segundo os nos faz pensar de modo ainda mais complexo.
padrões da atual
sociedade. Pode-
se referir aos 10. Como posso dialogar, se me fecho à con-
ideais do presente
como também tribuição dos outros, que jamais reconheço,
do futuro, é uma
palavra oriunda
e até me sinto ofendido com ela?
do grego que
significa “lugar
Segundo Moraes (2003), é preciso experimentar o flu-
que não existe”. xo da vida para que possamos sentir a felicidade plena de sen-
[...] O utopismo é
uma forma irreal
tido, a realização consciente dos desejos e das potencialidades
e absurdamente em relação aos desafios que se apresentam diante de cada um.
otimista de ver Temos escolha. Posso escolher o caminho do diálogo, do re-
as coisas como
gostaríamos que conhecimento do outro, da humildade, ou simplesmente me
fossem (http:// fechar nas minhas crenças e confrontar todos que surgirem
www.brasilescola.
com/filosofia/ na minha frente, não mais como iguais, mas como obstáculo.
utopia). É utópico9 ao mesmo tempo em que é real. Essa postura facilita o salto no eixo
espiral de transformação. Estamos sempre em movimento, por mais igual que possa
parecer a nossa vida
Não posso desistir diante da vida, pois o Universo existe, porque existe a vida, e a vida
está num movimento contínuo de organização, construção e reconstrução. Esse princípio
coloca a vida com a capacidade de auto-organização, como disse Maturana (2000).
Mas o que vivemos hoje é a repressão do potencial criativo que provoca uma
dissociação principalmente afetiva, de onde surgem os sentimentos negativos
como rancor, ressentimento, ódio que reforçam os aspectos negativos da persona-
lidade. Essa dissociação, talvez seja o grande mal da humanidade.

Universidade Aberta do Nordeste 28


11. Como posso dialogar, se temo a superação e se, só em pensar
nela, sofro e definho?
Não podemos temer a aproximação do outro. Temos internamente e adormecida a ca-
pacidade de ser curador de si mesmo, e a capacidade de se conectar com a evolução da
vida. Daí a necessidade de despertar o afeto, entendendo o afeto como a possibilidade
de cuidar e ser cuidado, de perceber que eu pertenço ao mundo.
É a necessidade emergente de restaurar o vínculo original com a totalidade, rever-
tendo a crença, hoje tão difundida, de que devemos estimular o individualismo. Tudo
que se faz tem que estar carregado de significado. Carregado de cuidado nos três níveis
de vinculação: consigo, com outro e com a totalidade.
Nos dias de hoje, mal temos a expressão de afeto mais singela que é o abraço. É uma
expressão de afetividade simples, porém, pouco praticada. No máximo, vemos com frequên-
cia a cordialidade de um aperto de mão distante e sem significado.
Mas quando vejo o outro como um “eu” completo e absolutamente
inteiro, vejo que, como eu, ele talvez também queira receber um
abraço. E por que não? Pare o que estiver fazendo agora e dê um
abraço na pessoa mais próxima de você.
Este gesto é simples e deve ser praticado com respeito e cui-
dado com o outro. O ato de abraçar transcende o momento de
encontro, revela algum tipo de emoção, pois neste ato, os dois por
um momento, viram um, representando a sustentação de um e de
outro. O sentido do abraço é muito mais humanitário do que qual-
quer outra interpretação que se possa dar. Compreende a comu-
nhão entre duas pessoas, a fraternidade. O outro é visto como um
“semelhante”. Isso envolve o cuidado e a capacidade de vivermos
com amorosidade.
Freire nos traz mais essa reflexão:
A autossuficiência é incompatível com o Diálogo.
Os homens e mulheres que não têm humildade
ou a perdem, não podem aproximar-se do povo.
Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não
é capaz de sentir-se e saber-se tão homem ou mulher quanto os outros, é
que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro
com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios
absolutos. Há homens e mulheres que, em comunhão, buscam saber mais.
Aquele que se permite viver o retorno à essência da vida, entra em contato com
o potencial adormecido de afeto, confiança, harmonia, e se aproxima da vivência plena
do amor, no sentido da expressão de amorosidade em tudo que faz.
Mas o que acontece é o processo inverso. Assumimos os condicionamentos mo-
rais impostos por essa convivência social que influencia na manifestação dos sentimen-
tos e das emoções. Daí a existência de tantos bloqueios para expressar os sentimentos.
Por isso entramos em incontáveis tramas mentais, que estimula a separação do eu e do

29 Direitos Humanos e Geração de Paz


outro. Esse processo se dá com a manifestação do ego, que fortalece essa fragmentação
e a vaidade individual. Esse caminho não permite a expansão da consciência e o resgate
da unidade. Entendemos expansão da consciência como essa capacidade de se perceber
diferente, se permitir viver o diferente, fugir dos padrões criados pela mente.
10. Palavra perce-
bida muitas vezes O contato com o outro se manifesta antes de tudo como uma necessidade. O
como sinônimo cuidado na relação com o outro é o convite que Paulo Freire nos faz. O pensamento e
de solidariedade,
a palavra altru- a ação devem caminhar juntos.
ísmo foi criada Cuidar da vida implica mudança de atitudes, valores e ação do ser humano como
em 1830 pelo
filósofo francês sujeito da história, atuando com consciência, para mudar o curso da civilização.
Augusto Comte
para caracterizar
o conjunto das 12. Não há também Diálogo se não há uma intensa fé nos homens
disposições
humanas (indivi- e mulheres. Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e
duais e coletivas) recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de
que inclinam os
seres humanos a alguns eleitos, mas direitos dos ho-
dedicarem-se aos
outros. Assim, al-
mens e mulheres
truísmo é quando
uma pessoa ab-
A fé no ser humano é o que me mobiliza a continuar na
nega de si mesma caminhada da vida. Como diz Gonzaguinha na música
em prol de outras
pessoas (http://
Semente do Amanhã: “Fé na vida, fé no homem, fé no que
www.dicionario- virá”. Com essa música, não posso deixar de mencionar a
informal.com.br/ Educação Biocêntrica, como sendo um grande chamado à
altruísmo)
vivência da afetividade, pois se trata de uma tendência que
11. Principio
Biocêntrico se
visa a integração do indivíduo orientada por sua autocons-
inspira na intuição ciência e suas relações altruísticas10, criando condições
do universo orga- para o despertar de suas potencialidades estimuladas por
nizado em função
da vida e consiste sua vinculação com a vida nos três níveis – consigo, com
em uma proposta o outro e com o todo (LOPES, 2001). Fundamenta-se no
de reformulação
de nossos valores Princípio Biocêntrico,11 que tem como referencial a vida
culturais que na sua grandiosidade e plenitude.12
tomam como refe-
rencial o respeito O ponto de partida é toda manifestação de vida no
a vida. Propõe-se processo de evolução do Universo. Fundamentar-se na vida
em potencializar a
vida e a expressão
no centro de tudo, é poder se encantar e celebrar a vida em sua plenitude.
de seus pode- Quando estamos em círculo, não existe ninguém melhor do que ninguém; existem
res evolutivos.
Foi criado pelo
pessoas dialogando de igual para igual. A Educação Biocêntrica tem a pedagogia dialógica de
chileno Rolando Paulo Freire como um dos pilares teóricos, além da Biodança de Rolando Toro e do pen-
Toro (http://www. samento complexo de Edgar Morin. Fortaleceu-se nas últimas décadas, tendo inúmeros
biodanza.org).
exemplos de ações nas escolas, instituições sociais e organizações. Essa abordagem trabalha
12. http://lucia-
nakotaka.com.
colocando a vida no centro, reconhecendo o que Paulo Freire deixou como ensinamento: o
br/2010/10/ diálogo como mediador das relações e o reconhecimento do outro como ser pleno de saberes.
dialogo-da-obe- E a necessidade emergencial aflora. A sociedade clama pela mudança paradigmática signi-
sidade
ficativa, que vem acontecendo nos últimos anos que é a da importância vital dos relacionamen-
tos. Está emergindo a necessidade de um novo modelo mental que seja capaz de ligar e integrar

Universidade Aberta do Nordeste 30


posições e relações de modo sustentável, e que constitua a base de dinâmicas, que promovam
a vida com novas aprendizagens e significados (Grangeiro, 2009). Que o tema “diálogo” deixe
de ser falado e seja vivenciado em cada canto do planeta para facilitar a convivência humana e
reestabeleça cada vez mais o direito de cada um de ser compreendido e escutado.
O que aquieta o meu coração é a certeza que esses breves escritos foram a expressão
da minha crença na vida, no amor incondicional pelo ser humano, na tentativa de contribuir
com o crescimento das pessoas. A ousadia que tive em aproximar-me de um diálogo com
Paulo Freire foi coberta de boa intenção e simplesmente conversar com ele e com alguns
autores que, sem dúvida, têm uma jornada mais longa de estudos muito mais profundos do
que o que trouxe aqui. Mas escrevi utilizando a racionalização, porém, guiada essencialmente
pelo coração, porque “esse caminho é uma escolha que tem coração” (Castañeda).
Tenho a certeza de que estamos nos conectando cada vez mais com a possibilidade de
fazer do diálogo um instrumento da geração da paz. Por isso, sinto-me à vontade de anunciar o
próximo fascículo, que tem como tema exatamente a paz. Será que o diálogo auxilia na geração
da paz? Enquanto aguardamos, vamos ouvir um pouco mais as pessoas que convivem conosco?

Síntese do fascículo
A imersão no contexto socioeconômico onde os aspectos sociais, econômicos, cul-
turais e humanos, somados ao descrédito da sociedade e do sistema capitalista são
notórios. Esse sistema incentiva o individualismo e a competição exacerbada pro-
voca a destruição dos vínculos afetivos e da estrutura de formação das pessoas.
O objetivo é refletir sobre as inúmeras maneiras de pensar e sentir o mundo e
as possibilidades de compreensão a partir da capacidade de escuta, reflexão e diálogo,
tendo este como caminho para melhoria na convivência e método possível na me-
diação de conflitos. A indicação da principal referência que mediou todo o texto foi a
produção de Paulo Freire, “O encontro dos homens e mulheres através do Diálogo”,
que passou pela fragmentação do texto de Paulo Freire e o diálogo com outros auto-
res que facilitaram a compreensão e escrita deste.
O destaque é o exercício da humildade, o resgate dos vínculos primordiais da exis-
tência humana e a capacidade de colocar a vida no centro de tudo. O diálogo é um forte
mediador na geração da paz e na compreensão do outro, com o exercício da escuta sensí-
vel do ser, com amorosidade, cumplicidade, sinceridade e simplicidade.

Atividades
1. C
omo você entende a solidariedade? Em que situações você já foi solidário?
2. Apresente pelo menos três pacifistas que se destacaram pela humildade, contando
um pouco da sua história.
3. O que você entende por liberdade?
4. Quais as diferenças entre diálogo e debate? Você prefere o primeiro ou o segundo?
O segundo.

31 Direitos Humanos e Geração de Paz


Referências bibliográficas
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LIMA. M. S. L. A Hora da Prática: Reflexões sobre prática de ensino e ação docente. 1. ed. Fortaleza:
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______. Educar na biologia do amor e da solidariedade. Petrópolis-RJ: Vozes, 2003.

Autora
Manuela Fonseca Grangeiro: Mestre em Educação com Especialização em Educação Biocên-
trica e Formação Pedagógica pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) possui Bacharelado
em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Atualmente é analista de Desenvolvimento
Humano no Instituto Nordeste Cidadania e professora da Universidade Aberta do Brasil/UECE e
de cursos de especialização e de graduação na área da Educação.

Expediente ISBN: 978-85-7529-572-4


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