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CÁLCULO AVANÇADO I

Rolci Cipolatti

Instituto de Matemática - UFRJ

Rio de Janeiro - RJ - Brasil

2002
Segunda Edição Revista e Ampliada

Cipolatti, Rolci
C577c Cálculo avançado I/ Rolci Cipolatti. - 2 ed. rev. e
aum - Rio de Janeiro: UFRJ/IM, 2002.
174p.
Inlui Bibliografia
ISBN: 85-87674-08-0

1. Cálculo I. Universidade Federal do Rio de


Janeiro. Instituto de Matemática. II. Tı́tulo

CDD 515
Caiu a primeira gota na terra seca
Solitária, corajosa, suicida,
Pra que molhe o chão, a planta cresça
Pra que brote o verde, a nova vida

Cairão dezenas no inı́cio


Centenas, milhares em seguida
Mas de nada valerá o sacrifı́cio
Se não vier a chuva decidida

RC
Exórdio

O presente texto iniciou-se como notas de aula e listas de exercı́-


cios do Curso de Cálculo Avançado I, curso que venho lecionando há
alguns anos no Departamento de Matemática Aplicada do IM-UFRJ.
Ele contém a primeira parte do programa do Exame de Qualificação
de Cálculo Avançado do Mestrado em Matemática Aplicada.
A primeira versão organizada das notas de aula, ainda densamente
recheada de erros e imprecisões, foi divulgada em fevereiro de 2000,
no que se pretendeu ser o lançamento da série “Textos de Matemática
Aplicada”. Embora se trate de um curso de Análise no Rn , procu-
ramos manter o tı́tulo original na série — Cálculo Avançado I. Quem
sabe em futuro próximo tenhamos a oportunidade de apresentar o
volume dois, contendo a segunda parte do programa?
Atendendo a pedidos de alguns alunos, estamos disponibilizando as
soluções dos exercı́cios. Os interessados podem obtê-las em
http://www.dmm.im.ufrj.br/~cipolatti/.
Agradecemos aos alunos do Mestrado em Matemática Aplicada e aos
colegas do IM-UFRJ pelas correções e observações que possibilitaram
a presente edição. Mas como é extremamente difı́cil eliminar to-
dos os erros e impossı́vel se chegar em tempo finito à forma que
possa ser considerada perfeita, continuaremos sempre contando com
as correções e sugestões do leitor, pelo que agradecemos calorosa-
mente.

Rio de Janeiro, setembro de 2001.

Rolci Cipolatti
Sumário

Capı́tulo 1:
Conjuntos e Funções . . . . . . . . . . . 1
Operações com Conjuntos . . . . . . . . . . 2
Funções . . . . . . . . . . . . . . . 4
Composição de Funções . . . . . . . . . . . 6
Seqüências . . . . . . . . . . . . . . . 6
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . 7

Capı́tulo 2:
Métricas e Normas . . . . . . . . . . . 9
Normas em Rn . . . . . . . . . . . . . 11
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . 15

Capı́tulo 3:
Abertos, Fechados, Compactos . . . . . . . 17
Conjuntos Compactos . . . . . . . . . . . 20
Compactos de Rn . . . . . . . . . . . . 22
Seqüências em Espaços Vetoriais . . . . . . . . 25
Seqüências de Cauchy . . . . . . . . . . . 27
Seqüências em Rn . . . . . . . . . . . . 28
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . 29
ii Cálculo Avançado I

Capı́tulo 4:
Limites e Continuidade . . . . . . . . . . 31
Funções Contı́nuas . . . . . . . . . . . . 33
Funções Contı́nuas e Compactos . . . . . . . . 35
Funções Contı́nuas e Conjuntos Conexos . . . . . . 37
Conjuntos Convexos e Funções Convexas . . . . . 37
Continuidade Uniforme . . . . . . . . . . . 40
Espaços Vetoriais de Dimensão Finita . . . . . . 41
O Espaço Vetorial das Transformações Lineares . . . 42
O Teorema do Ponto Fixo de Banach . . . . . . 43
Semicontinuidade . . . . . . . . . . . . 44
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . 48

Capı́tulo 5:
Funções Diferenciáveis . . . . . . . . . . 55
Derivadas Direcionais . . . . . . . . . . . 55
Funções Diferenciáveis . . . . . . . . . . . 56
O Vetor Gradiente . . . . . . . . . . . . 60
Regras Básicas de Derivação . . . . . . . . . 61
O Caso Geral . . . . . . . . . . . . . . 62
A Matriz Jacobiana . . . . . . . . . . . . 64
A Regra da Cadeia . . . . . . . . . . . . 64
O Teorema do Valor Médio . . . . . . . . . 66
Derivadas Parciais ( o caso geral ) . . . . . . . 66
Condições Suficientes para a Diferenciabilidade . . . . 68
A Função Diferencial – Funções de Classe C 1 . . . . 70
A Projeção Ortogonal . . . . . . . . . . . 72
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . 73

Capı́tulo 6:
Curvas em Rn . . . . . . . . . . . . . 77
Curvas Retificáveis . . . . . . . . . . . . 79
Sumário iii

Curvas Diferenciáveis . . . . . . . . . . . 79
Integrais de Linha e Campo Gradiente . . . . . . 82
Conservação da Energia . . . . . . . . . . 87
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . 87

Capı́tulo 7:
Derivadas de Ordem Superior . . . . . . . 91
A matriz Hessiana . . . . . . . . . . . . 95
Máximos e Mı́nimos . . . . . . . . . . . . 96
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . 102

Capı́tulo 8:
O Teorema da Função Inversa . . . . . . 105
O Teorema da Função Inversa . . . . . . . . 106
Aplicação: o Método das Caracterı́sticas . . . . 111
O Teorema da Função Inversa (bis) . . . . . . 113
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . 116

Capı́tulo 9:
O Teorema da Função Implı́cita . . . . . . 119
O Teorema da Função Implı́cita . . . . . . . 122
Multiplicadores de Lagrange . . . . . . . . 123
Aplicações . . . . . . . . . . . . . . 125
Multiplicadores de Lagrange (bis) . . . . . . 127
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . 129

Capı́tulo 10:
Seqüências de Funções . . . . . . . . . 133
Convergência Uniforme . . . . . . . . . . 135
Convergência Uniforme e Derivadas . . . . . . 139
Série de Funções e Convergência Uniforme . . . . 141
Série de Potências . . . . . . . . . . . 142
A Matriz Exponencial . . . . . . . . . . 144
iv Cálculo Avançado I

Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . 145

Capı́tulo 11:
O Espaço C(K;Rm ) . . . . . . . . . . 149
Aplicação 1: o Teorema de Picard . . . . . . 150
O Teorema de Arzelà-Ascoli . . . . . . . . 152
Aplicação 2: o Teorema de Cauchy-Peano . . . . 156
O Teorema de Weierstrass . . . . . . . . . 159
Funcionais Contı́nuos e Diferenciáveis . . . . . 161
Aplicação 3: Fluxos . . . . . . . . . . . 162
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . 167

Referências . . . . . . . . . . . . . . 171
“Até onde as leis da matemática se
refiram à realidade, elas estão longe de
constituir algo certo; e, na medida em
que constituem algo certo, não se refe-
rem à realidade.”

(Albert Einstein)
1
Conjuntos e Funções

Um dos fundamentos sobre os quais a Matemática se alicerça


é o conceito de conjunto. No que segue, estabelecemos a notação
universalmente adotada e recordamos as operações básicas da Teoria
dos Conjuntos.
Como é usual, a notação
x∈X

indica que o elemento x pertence ao conjunto X. Por outro lado, para


indicar que o elemento x não pertence ao conjunto X, escrevemos

x∈
/ X.

Dizemos que A é subconjunto de B se todo elemento pertencente a


A também pertence a B. Neste caso denotamos A ⊂ B ou B ⊃
A. Dizemos que dois conjuntos são iguais se possuem os mesmos
elementos. Assim, A = B se e somente se A ⊂ B e B ⊂ A.
Representamos por ∅ o conjunto vazio, isto é, o (único!) conjunto
que não possui elementos.
Denotamos por N, Z, Q, R e C respectivamente os conjuntos dos
números naturais, inteiros, racionais, reais e complexos, munidos de
suas respectivas estruturas algébricas.
2 Cálculo Avançado I

Operações com Conjuntos


• União e Interseção:
Dados dois conjuntos A e B, definimos

A ∪ B = x ; x ∈ A ou x ∈ B

A ∩ B = x; x ∈ A e x ∈ B
– Propriedades Básicas:
◦ (A ∪ B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C), (A ∩ B) ∩ C = A ∩ (B ∩ C);
◦ A ∪ B = B ∪ A, A ∩ B = B ∩ A;
◦ (A∪B)∩C = (A∩C)∪(B∩C), (A∩B)∪C = (A∪C)∩(B∪C).
As propriedades acima são denominadas respectivamente Associativi-
dade, Comutatividade e Distributividade.
Mais geralmente, se {Aλ }λ∈Λ é uma famı́lia qualquer de conjuntos,
definimos:
[ n o
Aλ = x ; x ∈ Aλ para algum λ ∈ Λ ,
λ∈Λ
\ n o (1.1)
Bλ = x ; x ∈ Bλ para todo λ ∈ Λ .
λ∈Λ

Exemplo 1: Famı́lia finita de conjuntos: Λ = {1, 2, . . . , k}. Neste


caso denotamos:
[ [k
Aλ = Ai = A1 ∪ A2 ∪ · · · ∪ Ak ,
λ∈Λ i=1

\ k
\
Aλ = Ai = A1 ∩ A2 ∩ · · · ∩ Ak .
λ∈Λ i=1

Exemplo 2: Famı́lia infinita enumerável de conjuntos: Λ = N. Neste


caso denotamos:
[ [∞
Aλ = Ai = A1 ∪ A2 ∪ · · · ∪ Ak ∪ · · · ,
λ∈Λ i=1
\ \∞
Aλ = Ai = A1 ∩ A2 ∩ · · · ∩ Ak ∩ · · · .
λ∈Λ i=1
Conjuntos e Funções 3

Exemplo 3: Há freqüentemente situações em que precisamos formar


uniões ou interseções de famı́lias infinitas não enumeráveis de conjun-
tos. A tı́tulo de exemplo, consideremos Λ = [0, 1] e Aλ = ]λ−1, λ+1[.
Neste caso, é fácil ver que (verifique!)
[ \
Aλ = ] − 1, 2[ e Aλ = ]0, 1[.
λ∈Λ λ∈Λ

• Diferença e Complementar:
Dados dois conjuntos A e B, definimos

A \ B = x ; x ∈ A e x 6∈ B .
Quando A ⊃ B, dizemos que A\B é o complementar de B em relação
a A e denotamos B c = A \ B.
A notação de complementar traz ambigüidade, posto que o sı́mbolo
B c não indica em relação a quem se está tomando o complementar.
Por exemplo, se C ⊂ B ⊂ A, então quem é C c ?
Portanto, restringimos a notação de complementar somente aos casos
em que os conjuntos que consideramos são todos subconjuntos de uma
dado universo U. Isto é, denotamos por C c = U \ C.
– Propriedades Básicas:
◦ (A ∪ B) \ C = (A \ C) ∪ (B \ C);
◦ (A ∩ B) \ C = (A \ C) ∩ (B \ C);
◦ (A ∪ B)c = Ac ∩ B c ;
◦ (A ∩ B)c = Ac ∪ B c ;
◦ A \ B = A ∩ Bc.
• Produto Cartesiano:
Dados dois subconjuntos A e B, definimos

A × B = (x, y) ; x ∈ A e y ∈ B .
Podemos observar que A × B = ∅ se e somente se A = ∅ ou B = ∅.
De um modo geral, se A1 , A2 , . . . , Ak é uma famı́lia finita de conjun-
tos, então definimos
k
Y 
Ai = A1 × · · · × Ak = (x1 , . . . , xk ) ; xi ∈ Ai , i = 1, . . . , k .
i=1
4 Cálculo Avançado I

É fácil ver que A1 ×· · ·×Ak = ∅ se e somente se existe i ∈ {1, 2, . . . , k}


tal que Ai = ∅. Em particular, se A1 = . . . = Ak = A, então
denotamos A × · · · × A = Ak .

Mais geralmente ainda, se Ai i∈N é uma famı́lia enumerável de con-
juntos, podemos definir o produto cartesiano (infinito):


Y 
Ai = A1 × A2 × · · · = (x1 , x2 , x3 , . . .) ; xi ∈ Ai , i = 1, 2, 3, . . . .
i=1

Observe também que se A1 = A2 = . . . = A, então A1 × A2 × · · · é o


conjunto de todas as seqüências (x1 , x2 , . . .) de elementos de A.
Notação: A × A × · · · = AN .
Exemplo: RN é o conjunto de todas as seqüências de números reais.
Nota: Como se poderia definir o produto cartesiano de uma famı́lia
infinita arbitrária de subconjuntos
Y
Aλ ?
λ∈Λ

É possı́vel tal generalização? Em caso afirmativo, o que é R[0,1] ?


Pense nisso!

Funções

Definição 1.1: Sejam A e B dois conjuntos. Dizemos que f é uma


função de A em B se f ⊂ A × B é tal que:

∀x ∈ A, ∃ um único y ∈ B tal que (x, y) ∈ f. (1.2)

Notação: Se f é uma função de A em B, então A é denominado o


domı́nio de f , B o contra-domı́nio e escrevemos

f : A → B.

Além disso, se (x, y) ∈ f , então denotamos y = f (x).


Conjuntos e Funções 5

Definição 1.2: Se f : A → B é uma função e A1 ⊂ A e B1 ⊂ B,


definimos:

f (A1 ) = y ∈ B ; ∃x ∈ A1 , y = f (x) ,

f −1 (B1 ) = x ∈ A ; f (x) ∈ B1 .

f (A1 ) é denominado imagem de A1 por f e f −1 (B1 ) é denominado


imagem inversa de B1 por f .
Observação: Segue da definição que se f é uma função de A em B,
então para todo x ∈ A, f ({x}) é subconjunto unitário de B.
Observação: Embora o conceito formal de função dada pela De-
finição 1.1 só leve em consideração o conceito básico de conjunto, é
muitas vezes conveniente interpretar uma função f : A → B como uma
“regra” que associa (que transforma) elementos de A a (em) elemen-
tos de B. Em particular, aplicação ou transformação são sinônimos
para função.

A B

Figura 1.1

Definição 1.3: Dizemos que uma função f : A → B é injetora se


x1 , x2 ∈ A são tais que f (x1 ) = f (x2 ), então x1 = x2 . Dizemos que
f é sobrejetora se para todo y ∈ B existe x ∈ A tal que y = f (x).
Em particular, f é dita bijetora se for injetora e sobrejetora.
A definição acima pode ser sintetizada da seguinte forma: uma função
f : A → B é sobrejetora se f (A) = B. Ela é injetora se, para todo
y ∈ B, f −1 ({y}) ou é um subconjunto unitário de A ou é vazio. E f
é bijetora se, para todo y ∈ B, f −1 ({y}) é um subconjunto unitário
de A.
Definição 1.4: Dizemos que uma função f : A → B é invertı́vel se o
conjunto 
g = (y, x) ∈ B × A ; (x, y) ∈ f
6 Cálculo Avançado I

é uma função de B em A. Neste caso, dizemos que g é a inversa de


f e a denotamos por f −1 .
Como conseqüencia imediata das definições acima temos o seguinte
resultado, cuja demonstração deixamos como exercı́cio.
Lema 1.5: Uma função f : A → B é invertı́vel se e somente se é
bijetora.

Composição de Funções

Se f : A → B e g: B → C são funções, podemos definir a função


composta g ◦ f : A → C por (g ◦ f )(x) = g f (x) , ∀x ∈ A. Mais
precisamente, como f é função, para cada x ∈ A existe um único
y = f (x) ∈ B tal que (x, y) ∈ f . Como g é função, existe um único
z = g(y) = g(f (x)) ∈ C tal que (y, z) ∈ g. Portanto, o conjunto

g ◦ f = (x, z) ∈ A × C ; z = g(f (x))

satisfaz a propriedade (1.2). É, portanto, uma função, que definimos


como função composta de g com f .
f g

A B C

g◦f

Seqüências

Definição 1.6: Seja A um conjunto. Uma seqüência em A é uma


função ϕ: N → A.
Embora formalmente uma seqüência seja uma função, é usual identi-
ficarmos a seqüência ϕ com sua imagem {ϕ(1), ϕ(2), . . .} em A. Pode-
mos, em particular, interpretar um ponto de A como uma seqüência
(função) constante.
Conjuntos e Funções 7

As seqüências podem ser construı́das explicitamente, quando a função


ϕ é dada de forma explı́cita, ou por recorrência, quando cada termo
é obtido de termos anteriores. Por exemplo, a seqüência de números
naturais {1, 3, 7, 15, . . .} pode ser definida explicitamente por ϕ(n) =
2n − 1, ou pela recorrência xn+1 = 2xn + 1, n ≥ 1.
Além das aplicações onde aparecem naturalmente, as seqüências são
úteis como ferramentas de demonstração, mas sua essência está na
caracterização da enumerabilidade, que permite diferenciar “tipos de
infinito”.
Definição 1.7: Um conjunto A é dito enumerável se existe uma
seqüência ϕ: N → A bijetora.

Exercı́cios

Exercı́cio 1.1. Mostre que o cojunto vazio é único.


Exercı́cio
S T Λ = ]0, 1[ e Aλ = [λ − 2, λ + 2], ∀λ ∈ Λ. Deter-
1.2. Seja
mine λ∈Λ Aλ e λ∈Λ Aλ .
Exercı́cio 1.3. Considere os conjuntos
[ [
A= Aλ e B= Bλ ,
λ∈Λ λ∈Λ

onde Λ = [0, 1[ e

Aλ = (x, y) ∈ R2 ; (x − λ)2 + y 2 ≤ λ2 /2 ,

Bλ = (x, y) ∈ R2 ; (x − λ)2 + y 2 = λ2 /2 .

Mostre que A = B. Faça um esboço gráfico de A.


Exercı́cio 1.4. Considere A = {0, 1}. Mostre que podemos fazer a
identificação:
AN = {x ∈ R ; 0 ≤ x ≤ 1}.

Exercı́cio 1.5. Prove o Lema 1.5.


Exercı́cio 1.6. Dados A, B e C conjuntos, {Aα } e {Bβ } duas famı́lias
de conjuntos, mostre que:
8 Cálculo Avançado I
[  [  [
a) Aα ∩ Bβ = (Aα ∩ Bβ ).
α β α,β
\  \  \
b) Aα ∪ Bβ = (Aα ∪ Bβ ).
α β α,β
c
c) A \ B = A ∩ B .
d) se A ⊂ B então B c ⊂ Ac .
[ c \ \ c [
c
e) Aα = Aα , e Aα = Acα .
α α α α
f) A ∩ (B \ C) = (A ∩ B) \ (A ∩ C).
g) (A ∩ B) \ C = (A \ C) ∩ (B \ C).
h) Valem as duas últimas identidades acima substituindo-se ∩ por
∪?
i) A × (B ∪ C) = (A × B) ∪ (A × C).
j) A × (B ∩ C) = (A × B) ∩ (A × C).
k) A × (B \ C) = (A × B) \ (A × C).
Exercı́cio 1.7. Sejam f : X −→ Y uma função, A ⊂ X, B ⊂ Y ,
{Aα }α famı́lia de subconjuntos de X e {Bβ }β famı́lia de subconjuntos
de Y . Mostre que:
S  S
a) f −1 Bα = f −1 (Bα ).
T  T
b) f −1 Bα = f −1 (Bα ).
c
c) f −1 (B c ) = f −1 (B) .
S  S
d) f Aα = f (Aα ).
T  T
e) f Aα ⊂ f (Aα ).
f) Dê um exemplo para o qual não vale a igualdade no item (e).
c
g) Verifique
c que em geral não há nenhuma relação entre f (A ) e
f (A) .
 
h) f f −1 (B) ⊂ B e f −1 f (A) ⊃ A, não valendo, em geral, as
igualdades nos dois casos. Dê condições
 sobre f para
 que sejam
válidas as igualdades f f −1 (B) = B e f −1 f (A) = A.
2
Métricas e Normas

Para medir distâncias entre pontos de um dado conjunto A, de-


vemos considerar uma função que a cada dois elementos x e y de A
associe um número real positivo, denominado distância de x a y. Tal
função deve satisfazer as propriedades usuais da distância euclidiana
definidas para pontos do plano.
Denominamos métricas as funções que permitem “medir distâncias”
entre pontos de um dado conjunto A. Mais precisamente.
Definição 2.1: Seja X um dado conjunto. Uma métrica em X
é qualquer função d: X × X → R que satisfaça as seguintes pro-
priedades:
i) d(x, y) ≥ 0, ∀x, y ∈ X;
ii) d(x, y) = 0 ⇐⇒ x = y;
iii) d(x, y) = d(y, x), ∀x, y ∈ X;
iv) d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y), ∀x, y, z ∈ X.
Exemplo 1: Seja d: R2 × R2 → R definida por
p
d(x, y) = (x1 − y1 )2 + (x2 − y2 )2 ,

onde x = (x1 , x2 ) e y = (y1 , y2 ). Então d é métrica em R2 .


Exemplo 2: A definição de métrica 2.1 é geral o suficiente para que
se possa medir distâncias num conjunto qualquer não vazio. De fato,
se X é um conjunto qualquer não vazio, defina d: X × X → R por

1 se x 6= y
d(x, y) =
0 se x = y
10 Cálculo Avançado I

Então d é métrica em X.
No caso em que X é um espaço vetorial, podemos medir distâncias
por intermédio de normas, que são funções que permitem “medir
comprimentos”.
Definição 2.2: Seja X um espaço vetorial. Uma norma em X é
qualquer função k k: X → R que satisfaça as seguintes propriedades:
i) kxk ≥ 0, ∀x ∈ X;
ii) kxk = 0 ⇐⇒ x = 0;
iii) kλxk = |λ|kxk, ∀λ ∈ R e ∀x ∈ X;
iv) kx + yk ≤ kxk + kyk, ∀x, y ∈ X.
A desigualdade em iv) é denominada desigualdade triangular.
Observação: É fácil ver das definições acima que toda norma num
espaço vetorial induz uma métrica nesse espaço. De fato, se k k é
uma norma num espaço vetorial X, então d(x, y) = kx − yk é uma
métrica em X. Por outro lado, nem toda métrica induz uma norma
(dê um exemplo!).
Lema 2.3: Se k k é uma norma em X, então para todo x, y ∈ X
temos


kxk − kyk ≤ kx + yk e kxk − kyk ≤ kx − yk.

Prova: Da desigualdade triangular, kxk = kx + y − yk ≤ kx + yk +


k − yk = kx + yk + kyk. Logo

kxk − kyk ≤ kx + yk. (2.1)

Analogamente, kyk = ky − x + xk ≤ kx + yk + k − xk = kx + yk + kxk,


de onde se obtém
kyk − kxk ≤ kx + yk. (2.2)
As desigualdades (2.1) e (2.2) nos fornecem a primeira conclusão:


kxk − kyk ≤ kx + yk.

A segunda segue por argumento análogo.


Métricas e Normas 11

Definição 2.4: Seja X um espaço vetorial e k k∗ , k k∗∗ duas normas


definidas em X. Dizemos que estas normas são equivalentes se:

∃a, b > 0 tais que akxk∗ ≤ kxk∗∗ ≤ bkxk∗ , ∀x ∈ X.

Normas em Rn

Sabemos que o conjunto Rn , munido das operações usuais de soma e


produto por escalar, é um espaço vetorial de dimensão n.
As expressões abaixo definem normas equivalentes em Rn : se x =
(x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ Rn ,

kxk1 =|x1 | + |x2 | + · · · + |xn |,


p
kxk2 = |x1 |2 + |x2 |2 + · · · + |xn |2 ,
kxk∞ = max{|x1 |, |x2 |, . . . , |xn |}.

Mais geralmente,
Teorema 2.5: Se 1 ≤ p < +∞, então
 1/p
kxkp = |x1 |p + |x2 |p + · · · + |xn |p

é uma norma em Rn .
A demonstração deste resultado faz uso da Desigualdade de Young,
que enunciamos e demonstramos a seguir.
Lema 2.6: Sejam p e q tais que 1 < p, q < +∞ e 1/p + 1/q = 1.
Então, para todo x, y ∈ R, vale a desigualdade

|x|p |y|q
|xy| ≤ + .
p q

Prova: A função real t 7→ ln t é côncava e crescente. Portanto, para


todo α e β positivos,

ln λα + (1 − λ)β ≥ λ ln α + (1 − λ) ln β, ∀λ ∈ ]0, 1[.
12 Cálculo Avançado I

Considerando λ = 1/p, temos 1 − λ = 1/q e conseqüentemente

1 1  1 1  
ln α + β ≥ ln α + ln β = ln α1/p β 1/q ,
p q p q

e obtemos o resultado, considerando |x|p = α e |y|q = β.


Como conseqüência do lema acima, temos a Desigualdade de Hölder;
se x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ) são vetores de Rn , definimos o
produto escalar usual de Rn por
n
X
hx; yi = xi yi .
i=1

Corolário 2.7: Sejam p e q tais que 1 < p, q < +∞ e 1/p + 1/q = 1.


Então, para todo x, y ∈ Rn , vale a desigualdade

|hx; yi| ≤ kxkp kykq .

Prova: Se x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ), obtemos da desigual-


dade de Young,
n n  
X X λp 1
hλx; yi ≤ λ|xi ||yi | ≤ |xi |p + |yi |q , ∀λ > 0. (2.3)
i=1 i=1
p q

Dividindo ambos os lados de (2.3) por λ, obtemos


n  
X
hx; yi ≤ λp−1 p 1 q
|xi | + |yi | , ∀λ > 0. (2.4)
i=1
p λq

Para x e y fixos, o lado direito da desigualdade (2.4) define uma


função na variável λ ∈ ]0, +∞[, isto é:

λp−1 1
ϕ(λ) = kxkpp + kykqq .
p λq

Portanto, decorre de (2.4) que hx; yi ≤ minλ>0 ϕ(λ). Calculando o
valor mı́nimo de ϕ(λ) (veja exercı́cio), obtemos o resultado.
Métricas e Normas 13

Nota: A desigualdade de Hölder no caso p = 2 é denominada De-


sigualdade de Schwarz.
Passemos, então, à demonstração do Teorema 2.5.
Prova: Basta mostrar a desigualdade triangular, as outras pro-
priedades sendo imediatas.
Se x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ), temos da definição,

n
X n
X n
X
kx + ykpp = |xi + yi |p ≤ |xi ||xi + yi |p−1 + |yi ||xi + yi |p−1 .
i=1 i=1 i=1

Considerando os vetores

a = (|x1 |, . . . , |xn |), b = (|y1 |, . . . , |yn |) e


p−1
c = (|x1 + y1 | , . . . , |xn + yn |p−1 ),

podemos expressar a desigualdade acima na forma

kx + ykpp ≤ ha; ci + hb; ci.

Decorre, então, da desigualdade de Hölder,

kx + ykpp ≤ ha; ci + hb; ci ≤ kakp kckq + kbkp kckq .

Observando que

kakp = kxkp , kbkp = kykp , kckq = kx + ykp/q


p = kx + ykp−1
p ,

obtemos

kx + ykpp ≤ kxkp kx + ykp−1


p + kykp kx + ykp−1
p

e o resultado decorre da simplificação.


Além do Rn , há outros espaços vetoriais que desempenham papel
relevante na Análise. Por exemplo:
14 Cálculo Avançado I

Espaços Vetoriais de Polinômios


Seja V = Pn o conjunto dos polinômios reais de grau menor ou igual
a n, munido das operações usuais de soma de polinômios e produto
por escalar. Então V é espaço vetorial de dimensão n + 1.
As expressões abaixo definem normas equivalentes em V : se P (x) =
a0 + a1 x + a2 x2 + · · · + an xn ,

n
!1/p
X
p
kP kp = |ai | p ∈ [1, +∞[,
.
i=0

kP k∞ = max |ai | ; i = 0, . . . , n

Espaços Vetoriais de Matrizes


Seja V = Mm×n o conjunto das matrizes a coeficientes reais de ordem
m × n, munido das operações usuais de soma de matrizes e produto
por escalar. Então V é espaço vetorial de dimensão mn.
As expressões abaixo definem normas equivalentes em V: se
 
a11 a12 . . . a1n
 a21 a22 . . . a2n 
A=  ... .. .. .. ,
. . . 
am1 am2 . . . amn
 1/p
Xn X
m
kAkp =  |aij |p  p ∈ [1, +∞[,
i=1 j=1

kAk∞ = max |aij | ; i = 1, . . . , m, j = 1, . . . , n .
Observação: A semelhança nas definições das normas k kp , com
p ∈ [1, +∞], definidas acima nos remete à idéia de construir normas
em espaços vetoriais de dimensão n a partir de normas conhecidas
em Rn . De fato, considerando o exemplo dos polinômios, se T : Pn →
Rn+1 é a aplicação definida por T (P ) = (a0 , a1 , . . . , an ), então T é um
isomorfismo, isto é, uma aplicação bijetora que preserva as estruturas
algébricas (estruturas de espaços vetoriais) de Pn e Rn+1 . Além disso,
é fácil ver que
kP kp = kT (P )kp ∀P ∈ Pn ,
Métricas e Normas 15

onde k kp representa respectivamente norma em Pn e Rn+1 . Este


exemplo se generaliza facilmente, como se pode verificar com o se-
guinte resultado.
Teorema 2.8: Sejam V e W dois espaços vetoriais de dimensão n
e T : V → W um isomorfismo. Se k kW é norma em W , então a
expressão
kvkV = kT (v)kW (2.5)
define uma norma em V . Além disso, se k kα e k kβ são normas
equivalentes em W , então as normas de V definidas pela relação (2.5)
são normas equivalentes em V .
Nota: Afirmamos em cada um dos exemplos acima que todas as
normas k kp são equivalentes. Na verdade, e veremos adiante, se
V é espaço vetorial de dimensão finita, então todas as normas são
equivalentes. Ainda mais geralmente, podemos provar que um espaço
vetorial V é de dimensão finita se e somente se todas as normas são
equivalentes.
Vejamos um exemplo de espaço vetorial de dimensão infinita.
Espaços Vetoriais de Funções Contı́nuas:

Seja V = C [a, b]; R o conjunto das funções reais contı́nuas definidas
em [a, b], munido das operações usuais de soma de funções e produto
por escalar. Então V é espaço vetorial de dimensão infinita.
As expressões abaixo definem normas em V :
Z !1/p
b
p
kf kp = |f (x)| dx , p ∈ [1, +∞[
a

kf k∞ = max |f (x)| ; x ∈ [a, b] .

Exercı́cios

Exercı́cio 2.1. Seja x = (x1 , · · · , xn ) ∈ Rn . Mostre que cada uma


das expressões abaixo define uma norma em Rn .
Xn
1) kxk1 = |xi |.
i=1
16 Cálculo Avançado I

2) kxk∞ = max{|x1 |, · · · , |xn |}.


Exercı́cio 2.2. Faça os detalhes da prova do Corolário 2.7.
Exercı́cio 2.3. Seja x ∈ Rn . Mostre que lim kxkp = kxk∞ .
p→∞

Exercı́cio 2.4. Se as normas k kα e k kβ são equivalentes num


espaço vetorial V e k kβ e k kγ são equivalentes, mostre que k kα e
k kγ são equivalentes.
Exercı́cio 2.5. Sejam p1 , p2 ∈ [1, ∞]. Mostre que as normas k kp1
e k kp2 de Rn são equivalentes.
Exercı́cio 2.6. Demonstre o Teorema 2.8.

Exercı́cio 2.7. Mostre que as normas definidas em C [0, 1]; R por
Z 1

kf k1 = |f (x)| dx, kf k∞ = max |f (x)| ; x ∈ [0, 1]
0

não são equivalentes.


Exercı́cio 2.8.
a) Seja A matriz n × n positiva-definida (isto é, hAx; xi > 0, ∀x ∈
Rn , x 6= 0) e simétrica (isto é, hAx; yi = hx; Ayi, ∀x, y ∈ Rn
; i denota o produto escalar usual de Rn . Mostre que
), onde hp
kxkA = hAx; xi é uma norma em Rn .
b) Seja B matriz n× n positiva-definida
p (não necessariamente simé-
trica). Mostre que kxkB = hBx; xi é uma norma em Rn .
c) Sejam A e B matrizes
p simétricas e positivas tais que AB = BA.
Mostre que kxk = hAx; Bxi é uma norma em Rn .
Exercı́cio 2.9. Seja X um conjunto e f : X → Rn uma função.
Mostre que
n 
X 
sup kf (x)k2 − inf kf (x)k2 ≤ sup fi (x) − inf fi (x) ,
x∈X x∈X x∈X
i=1 x∈X

onde k k2 denota a norma 2 de Rn .


Sugestão: Seja g: X → R uma função real. Mostre que
sup |g(x)| − inf |g(x)| ≤ sup g(x) − inf g(x)
x∈X x∈X x∈X x∈X
3
Abertos, Fechados, Compactos

Neste capı́tulo introduzimos os conceitos básicos e os princi-


pais resultados da Topologia dos Espaços Normados, com ênfase aos
espaços de dimensão finita e, especialmente, o espaço Rn .
Seja V um espaço vetorial munido de uma norma k k, x0 ∈ V e
r > 0. O conjunto

Br (x0 ) = x ∈ V ; kx − x0 k < r

é denominado bola aberta de centro em x0 e raio r.


A Fig. 3.1 abaixo ilustra bolas de R2 relativas a normas k kp para
alguns valores de p.

p=1 p = 3/2 p=2 p=4 p=∞

Figura 3.1
O conceito de bola aberta nos permite intruduzir diversas definições—
os alicerces para a construção da Análise. Iniciemos com os seguintes
conceitos: ponto interior e ponto de acumulação.
Definição 3.1: Seja A um subconjunto de V e x0 ∈ V .
a) Dizemos que x0 é ponto interior de A se existe r > 0 tal que
Br (x0 ) ⊂ A.
18 Cálculo Avançado I

b) Dizemos que x0 é ponto de acumulação de A se para todo r > 0,



Br (x0 ) \ {x0 } ∩ A 6= ∅.
Observe que se x0 é ponto de acumulação de A, podemos tomar
pontos de A tão próximos de x0 quanto se queira. Se x0 é ponto
interior de A, então x0 é ponto de acumulação e pertence a A. Além
disso, podemos aproximar x0 por pontos de A “em qualquer direção”.
Se x0 ∈ A não pode ser aproximado por outros pontos de A, dizemos
que x0 é ponto isolado de A. Mais precisamente, x0 é ponto isolado
de A se existe r > 0 tal que Br (x0 ) ∩ A = {x0 }.
O conjunto de todos os pontos interiores de A é denominado interior

de A, denotado por A:
◦ 
A= x ∈ A ; x é ponto interior de A .

O cojunto dos pontos de acumulação de A é denominado derivado de


A, denotado por A′ :

A′ = x ∈ E ; x é ponto de acumulaçãode A .

Nota: Observe que é imediato verificar que A⊂ A′ e que A \ A′ é o
conjunto dos pontos isolados de A.
Definição 3.2: Dizemos que um subconjunto A de V é aberto se

todos os seus pontos são pontos interiores, isto é, A =A.
Proposição 3.3: A união qualquer de conjuntos abertos é um con-
junto aberto. A interseção finita de conjuntos abertos é um conjunto
aberto.
S
Prova: Seja {Aα }α uma famı́lia de conjuntos abertos e x ∈ α Aα .
Então existe ı́ndice α0 tal que x ∈ Aα0 . Como Aα0 é aberto, existe
r > 0 tal que Br (x) ⊂ Aα0 . Portanto
[
Br (x) ⊂ Aα0 ⊂ Aα .
α

Tk
Por outro lado, se x ∈ i=i Ai , então x ∈ Ai para todo i. Como cada
Ai é aberto, existe ri > 0 tal que Bri (x) ⊂ Ai .
Abertos, Fechados, Compactos 19

Seja r = min{r1 , . . . , rk }. Então Br (x) ⊂ Ai , para todo i = 1, . . . , k


e
\k
Br (x) ⊂ Ai .
i=1

Definição 3.4: Dizemos que um subconjunto A de V é limitado se


existe r > 0 tal que A ⊂ Br (0).
Definição 3.5: Dizemos que A ⊂ V é um conjunto fechado se Ac é
aberto.
Proposição 3.6: A interseção qualquer de conjuntos fechados é um
conjunto fechado. A união finita de conjuntos fechados é um conjunto
fechado.
Prova: Seja {Fλ }λ uma famı́lia qualquer de conjuntos fechados.
Então {Fλc }λ é uma famı́lia de conjuntos abertos. Como a união
de conjuntos abertos é aberto, segue que
!c
\ [
Fλ = Fλc
λ λ

T
é um conjunto aberto. Portanto λ Fλ é conjunto fechado.
Analogamente, como a interseção finita de conjuntos abertos é um
conjunto aberto, segue que

k
!c k
[ \
Fi = Fic
i=1 i=1

Sk
é um conjunto fechado. Portanto i=1 Fi é conjunto fechado.

Definição 3.7: A = A ∪ A é denominado aderência ou fecho de A.
Proposição 3.8: A é fechado se e somente se A = A.
Prova: Veja exercı́cios.
20 Cálculo Avançado I

Conjuntos Compactos

Definição 3.9: Uma famı́lia {Aλ }λ∈Λ de subconjuntos de V é de-


nominada cobertura de um dado conjunto B se
[
B⊂ Aλ .
λ

Se Aλ é conjunto aberto para todo λ ∈ Λ, dizemos que a cobertura é


aberta. Se Λ é conjunto finito, dizemos que a cobertura é finita.
Definição 3.10: Um conjunto K ⊂ V é compacto se toda cobertura
aberta de K admite subcobertura finita, isto é, se {Aλ }λ∈Λ é uma
cobertura aberta de K, então existem λ1 , . . . , λk tais que

K ⊂ Aλ1 ∪ · · · ∪ Aλk .

Proposição 3.11: Todo conjunto compacto é fechado e limitado.


Prova: Seja K compacto. Provemos inicialmente que K é limitado.
A famı́lia {B1 (x)}x∈K é uma cobertura aberta de K. Logo, existem
x1 , x2 , . . . xm ∈ K tais que
m
[
K⊂ B1 (xi ).
i=1

Seja r̄: = max{kx1 k, . . . , kxm k} + 1. Afirmo que Br̄ (0) ⊃ K. Com


efeito, se x ∈ K, então x ∈ B1 (xi ) para algum i = 1, . . . , m. Assim

kxk = kx + xi − xi k ≤ kx − xi k + kxi k < 1 + kxi k ≤ r̄.

Provemos que K é fechado, isto é, que K c é aberto. Seja x0 ∈ K c .


Para cada x ∈ K considere rx = 12 kx − x0 k. Então {Brx (x)}x∈K é
uma cobertura aberta de K. Sendo K compacto, podemos encontrar
x1 , x2 , . . . , xm tais que
m
[
K⊂ Brxi (xi ). (3.1)
i=1
Abertos, Fechados, Compactos 21

Seja r̄: = min{rx1 , rx2 , . . . , rxm } > 0. Afirmo que Br̄ (x0 ) ⊂ K c . De
fato, pela definição de r̄ temos
m
\
Br̄ (x0 ) = Brxi (x0 ).
i=1

Passando ao complementar em (3.1) temos


m
\ m
\
Kc ⊃ Brxi (xi )c ⊃ Brxi (x0 ) = Br̄ (x0 ).
i=1 i=1

Proposição 3.12: Seja F ⊂ K ⊂ V , com F fechado e K compacto.


Então F é compacto.
Prova: Seja {Gα }α∈Λ uma cobertura aberta de F . Então é fácil ver
que {Gα ∪ F c }α∈Λ é cobertura aberta de K. Como K é compacto,
existem α1 , α2 , . . . , αm ∈ Λ tais que
m
[ m
[ 
c

K⊂ Gαi ∪ F = Gαi ∪ F c .
i=1 i=1

Como F ⊂ K, segue que


m
[
F ⊂ Gαi .
i=1

Observação: Todas as definições e resultados apresentados até aqui


neste capı́tulo são relativos à norma fixada no espaço vetorial V . Não
é difı́cil observar, porém, que essas definições e resultados são invari-
antes para outras normas equivalentes de V . Vejamos, por exemplo,
o caso de ponto interior. Sejam k kα e k kβ duas normas equiva-
lentes de V e x0 um ponto interior de A ⊂ V relativamente à norma
α. Então, x0 também é ponto interior de A relativamente à norma β.
Com efeito, como as normas são equivalentes, existem números reais
positivos m e M tais que

mkxkα ≤ kxkβ ≤ M kxkα , ∀x ∈ V.


22 Cálculo Avançado I

Como x0 é ponto interior de A relativamente à norma α, existe r > 0


1
tal que se kx−x0 kα < r, então x ∈ A. Como kx−x0 kα ≤ m kx−x0 kβ ,
para todo x ∈ V , segue que se kx − x0 kβ < mr, então x ∈ A e
concluı́mos que x0 é ponto interior de A relativamente à norma β.
Isso pode ser resumido pela afirmação de que as topologias geradas
por normas equivalentes de V são idênticas.
Observação: Uma caracterização importante dos espaços de di-
mensão finita (além da que se refere à equivalência das normas), é
a recı́proca da Proposição 3.11: se V é espaço vetorial de dimensão
finita, então todo conjunto fechado e limitado é compacto. É o que
demonstraremos a seguir para o espaço Rn .

Compactos de Rn

Para caracterizar os conjuntos compactos de Rn , consideremos os


seguintes resultados.
Lema 3.13: Seja {Ik }k∈N uma famı́lia de intervalos fechados e limi-
tados de R tais que I1 ⊃ I2 ⊃ . . .. Então

\
Ik 6= ∅.
k=1

Prova: Se Ik = [ak , bk ], segue da hipótese que

a1 ≤ a2 ≤ . . . ≤ ak ≤ . . . ≤ b k ≤ . . . ≤ b 2 ≤ b 1 .

Logo {ak } é seqüência crescente e limitada e {bk } é seqüência decres-


cente e limitada. Portanto (veja Análise Real) ak −→ α e bk −→ β
quando k → ∞ e

\
[α, β] ⊂ Ik .
k=1

Definição 3.14: Chama-se paralelepı́pedo de Rn todo conjunto P


da forma
Yn
P = [ai , bi ].
i=1
Abertos, Fechados, Compactos 23

Lema 3.15: Seja {Pk }k∈N uma famı́lia de paralelepı́pedos de Rn tais


que P1 ⊃ P2 ⊃ . . .. Então

\
Pk 6= ∅.
k=1

Q
Prova: Pk = ni=1 [ai,k , bi,k ]. Como P1 ⊃ P2 ⊃ . . ., segue que
Ii,k = [ai,k , bi,k ] satisfaz Ii,1 ⊃ IT
i,2 ⊃ . . . para todo i = 1, . . . , n.

Logo,
T∞ decorre do Lema 3.13 que k=1 Ii,k 6= ∅ e conseqüentemente
k=1 Pk 6= ∅.
Teorema 3.16: (Bolzano-Weierstrass) Seja A ⊂ Rn limitado con-
tendo uma infinidade de pontos. Então A′ 6= ∅.
Prova: A sendo limitado, existe r > 0 tal que Br (0) ⊃ A, onde Br
denota a bola aberta relativa à norma k k∞ . Seja P0 = Br (0). Então
P0 ⊃ A e
Yn
P0 = Ii,0 , onde Ii,0 = [−r, r].
i=1

Dividindo cada intervalo Ii,0 no ponto médio, obtemos 2n bolas fecha-


das de raio r/2. Como A possui infinitos pontos, alguma
Qn dessas bolas
fechadas contém infinitos pontos de A. Seja P1 = i=1 [ai,1 , bi,1 ] tal
bola.
Novamente dividindo cada intervalo [ai,1 , bi,1 ] pelo ponto médio, ob-
temos 2n bolas fechadas de raio r/4. Seja P2 uma dessas bolas que
contenha infinitos pontos de A.
Repetindo o procedimento acima ad infinitum, obtemos uma famı́lia
de bolas fechadas {Pk }k∈N que satisfaz

P1 ⊃ P2 ⊃ P3 ⊃ . . .
T
Pelo Lema 3.15, existe x̄ ∈ k Pk . Provemos que x̄ ∈ A′ .
Dado δ > 0, seja k0 ∈ N tal que r/2k0 < δ/2. Como x̄ ∈ Pk para
todo k, temos Pk0 ⊂ Bδ (x̄). Como Pk0 contém infinitos pontos de A,
segue que  
Bδ (x̄) ∩ A \ {x̄} 6= ∅.

Teorema 3.17: Todo paralelepı́pedo de Rn é compacto.


24 Cálculo Avançado I
Qn
Prova: Seja P = i=1 [ai , bi ] um paralelepı́pedo de Rn e
p
δ= (b1 − a1 )2 + · · · + (bn − an )2

seu diâmetro.
Suponhamos que {Gα }α∈Λ seja uma cobertura aberta de P que não
admite subcobertura finita.
Os pontos médios ci = (ai + bi )/2 dos intervalos que compõem P
dividem P em 2n paralelepı́pedos de diâmetro δ/2. Algum desses
2n paralelepı́pedos não pode ser coberto por um número finito de
abertos de {Gα }. Seja P1 tal paralelepı́pedo.
Repetindo-se o argumento acima ad infinitum, construimos uma fa-
mı́lia {Pk }k∈N de paralelepı́pedos, cada Pk com diâmetro δ/2k , tais
que P1 ⊃ P2 ⊃ . . .
T∞
Pelo Lema 3.15, ∃x̄ ∈ k=1 Pk ⊂ P . Portanto, ∃α0 ∈ Λ tal que
x̄ ∈ Gα0 . Como Gα0 é aberto, ∃r > 0 tal que Br (x̄) ⊂ Gα0 .
Escolhendo k ∈ N tal que δ/2k < r/2 tem-se Pk ⊂ Br (x̄) ⊂ Gα0 ,
o que é uma contradição, pois Pk não pode ser coberto por uma
quantidade finita de abertos.
Teorema 3.18: Se K é fechado e limitado de Rn , então K é com-
pacto.
Prova: Se K limitado, então existe P paralelepı́pedo tal que K ⊂ P .
Pelo teorema anterior, P é compacto. Como K é fechado e K ⊂ P ,
segue que K é compacto. .
Os resultados seguintes fornecem uma generalização aos Lemas 3.13
e 3.15.
Teorema 3.19: Seja {Kα }α∈Λ uma famı́lia de compactos de Rn com
a propriedade da interseção finita, isto é, “toda subfamı́lia finita tem
interseção não vazia”. Então
\
Kα 6= ∅.
α∈Λ

T
Prova: Suponhamos que α∈Λ Kα = ∅ e fixe α0 ∈ Λ. Afirmo que
{Kαc }α∈Λ é cobertura aberta de Kα0 . Com efeito, se x ∈ Kα0 , segue
Abertos, Fechados, Compactos 25
T
de α∈Λ Kα = ∅ que
\ c [
x∈ Kα = Kαc .
α∈Λ α∈Λ

Como Kα0 é compacto, existem α1 , . . . , αm tais que


m
[ m
\ c
Kα0 ⊂ Kαc i = Kαi .
i=1 i=1

Portanto Kα0 ∩ Kα1 ∩ · · · ∩ Kαm = ∅, o que é uma contradição.


Corolário 3.20: Seja {Kk }k∈N famı́lia enumerável de compactos de
Rn tal que K1 ⊃ K2 ⊃ . . .. Então
\
Kk 6= ∅.
k∈N

Seqüências em Espaços Vetoriais

Há muitas aplicações nas quais as seqüências surgem naturalmente,


como nos métodos de discretização de equações diferenciais. Além
disso, também são úteis como ferramenta de demonstração, como
teremos oportunidade de ver neste capı́tulo.
Relembrando a definição formal introduzida no Capı́tulo 1, uma se-
qüência de V é qualquer função ϕ: N → V . Em geral, denotamos por
{xk }n∈N (ou simplesmente {xk }) a seqüência ϕ tal que ϕ(k) = xk .
Se ϕ: N → V é uma seqüência de V e ψ: N → N é uma função es-
tritamente crescente, então ϕ ◦ ψ é denomindada subseqüência da
seqüência ϕ. Uma subseqüência de {xk }k é usualmente denotada por
{xki }i .
Definição 3.21: Seja V um espaço vetorial normado. Dizemos que
uma seqüência {xk } de V converge para x0 ∈ V se

∀ε > 0, ∃k0 ∈ N tal que se k ≥ k0 então kxk − x0 k < ε.

Se a seqüência {xk } converge para x0 , denotamos

lim xk = x0 ou xk −→ x0 .
n→∞
26 Cálculo Avançado I

As seguintes propriedades são fáceis de demonstrar.


Proposição 3.22: Seja {xk } uma seqüência de V e A ⊂ V .
a) se {xk } converge ⇒ o limite é único.
b) se {xk } converge ⇒ {xk } é limitada.
c) x0 ∈ A′ ⇐⇒ existe seqüência {xk } de A (com xk 6= x0 para
todo k) que converge para x0 .
Prova: Exercı́cio.
Corolário 3.23: Seja A ⊂ V um conjunto fechado e {xk } uma se-
qüência de elementos de A. Se xk −→ x0 , então x0 ∈ A.
Prova: Pela Proposição 3.22, se xk −→ x0 , então x0 ∈ A′ . Como A
é fechado, A′ ⊂ A.
O teorema seguinte estabelece uma caracterização para os compactos
de um espaço vetorial normado (ou mais geralmente, de um espaço
métrico).
Teorema 3.24: Seja V um espaço vetorial normado e K ⊂ V . Então
K é compacto se e somente se toda seqüência {xn }n de K possui
subseqüência {xni }i tal que xni → x̄ ∈ K.
Prova: (=⇒): É claro que se {xn }n possui subseqüência convergente,
então o limite pertence a K, pois K é fechado. Suponhamos então que
 {xn }n que não possui subseqüência convergente
existe uma seqüência
e considere B = x1 , x2 , x3 , . . . . Então B ′ = ∅ e conseqüentemente
B é fechado. Além disso, para  cada n ∈ N existe εn > 0 tal que
Bεn (xn ) ∩ B = {xn }. Logo Bεn (xn ) n é cobertura aberta de B
que não admite subcobertura finita. Como B é compacto (como
subconjunto fechado do compacto K), temos uma contradição.
(⇐=): Suponhamos que existe {Aα }α∈Λ uma cobertura aberta de K
que não admita subcobertura finita. Para cada x ∈ K, seja

δ(x) = sup δ > 0 ; Bδ (x) ⊂ Aα , para algum α ∈ Λ .

É claro que δ(x) > 0 ∀x ∈ K. Seja



δ0 = inf δ(x) ; x ∈ K .

Se provarmos que δ0 > 0, podemos construir uma seqüência {yn }n


em K que não possui subseqüência convergente. De fato, admita por
Abertos, Fechados, Compactos 27

um instante que δ0 > 0 e considere a cobertura Bδ0 (x) x∈K . É claro
que esta cobertura aberta não admite subcobertura finita, pois caso
contrário Aα também admitiria. Consideremos então a seqüência
assim construı́da: considere y1 ∈ K qualquer e, para cada n ≥ 2,
escolha yn tal que
n−1
!
[
yn ∈ K \ Bδ0 (yi ) .
i=1

Então kyn − ym k ≥ δ0 para todo n, m ∈ N tais que n 6= m.


Provemos então que δ0 > 0. Segue da definição que existe uma
seqüência {xn } em K tal que δ(xn ) → δ0 . Por hipótese, existe uma
subseqüência {xni } que converge para algum x0 ∈ K. Seja ε0 =
δ(x0 )/2 > 0. Então existe i0 ∈ N tal que xni ∈ Bε0 (x0 ) para todo
i ≥ i0 . Logo, para algum α ∈ Λ,
Bε0 (xni ) ⊂ Bδ(x0 ) (x0 ) ⊂ Aα .
Portanto, δ(xni ) ≥ ε0 > 0, ∀i ≥ i0 e o mesmo vale para δ0 .

Seqüências de Cauchy
Definição 3.25: Uma seqüência {xk } de V é dita seqüência de Cau-
chy se
∀ε > 0 ∃k0 ∈ N tal que k, l ≥ k0 ⇒ kxk − xl kV < ε.
Lema 3.26: Se {xk }k é uma seqüência de Cauchy em V , então {xk }k
é limitada em V .
Prova: Seja ε = 1. Então existe k0 ∈ N tal que se k ≥ k0 , então
kxk − xk0 kV < 1. Em particular, kxk kV < 1 + kxk0 kV , para todo
k ≥ k0 . Assim, se M = 1 + max{kx1 kV , . . . , kxk0 −1 kV , kxk0 kV },
então kxk kV ≤ M para todo k ∈ N.
Como decorrência imediata da desigualdade triangular, toda seqüên-
cia convergente de um espaço vetorial normado é seqüência de Cau-
chy. Mas a recı́proca nem sempre se verifica. Os espaços vetoriais
normados para os quais todas as seqüências de Cauchy são cover-
gentes são denominados Espaços de Banach e são fundamentais para
a Análise, pois neles ficam assegurados os processos de limite.
28 Cálculo Avançado I

Seqüências em Rn

Nesta seção estudaremos as seqüências em Rn ; mostraremos que Rn


é espaço de Banach.
Denotamos por k k uma norma qualquer de Rn .
Se {xk }k , onde xk = (x1,k , . . . , xn,k ), é uma seqüência de Rn que
converge para x0 = (x1,0 , . . . , xn,0 ), então existe ϕ: N → Rn tal que
ϕ(k) = xk . Segue em particular da Definição 3.21 e da equivalência
de normas que {xj,k }k é seqüência de números reais que converge
para xj,0 .
Proposição 3.27: Toda seqüência limitada de Rn possui subseqüên-
cia convergente.
Prova: Se ϕ é seqüência de Rn , seja A = ϕ(N).
Se A é finito, então existe uma infinidade de números naturais k1 <
k2 < · · · para os quais ϕ(k1 ) = ϕ(k2 ) = · · · e concluı́mos, porque
seqüências constantes são convergentes.
Se A é infinito, segue do Teorema de Bolzano-Weierstrass 3.16 que
A′ 6= ∅ e concluı́mos o resultado pelo item (c) da Proposição 3.22.
Teorema 3.28: Rn é um espaço de Banach.
Prova: Seja {xk }k uma seqüência de Cauchy de Rn . Então {xk }k
é limitada e, portanto, possui uma subseqüência {xki } que converge
para x ∈ Rn . Assim, dado ε > 0 existe i0 ∈ N tal que se i ≥ i0
então kxki − xk < ε/2. Como a seqüência dada é de Cauchy, existe
k0 ∈ N tal que se k, l ≥ k0 então kxk − xl k < ε/2. Portanto, se
k1 = max{k0 , ki0 } e k ≥ k1 , temos

kxk − xk ≤ kxk − xki0 k + kxki0 − xk < ε.

O Teorema a seguir complementa a caracterização dos cojuntos com-


pactos de Rn (veja Proposição 3.11 e Teorema 3.18).
Teorema 3.29: Seja K ⊂ Rn . Então as afirmativas abaixo são
equivalentes
a) K é compacto;
b) K é fechado e limitado;
Abertos, Fechados, Compactos 29

c) Toda seqüência de K possui subseqüência que converge para um


ponto de K.
Prova: A equivalência entre (a) e (b) está provada pela Proposição
3.11 e Teorema 3.18. A equivalência entre (a) e (c) é conseqüência
do Teorema 3.24.

Exercı́cios
Exercı́cio 3.1. Sejam A e B subconjuntos de um espaço vetorial
normado V . Demonstre as afirmativas abaixo.
a) A é fechado ⇐⇒ A ⊃ A′ . Dê exemplo de A fechado tal que
A′ 6= A.
b) A′ é conjunto fechado.
c) A ⊂ B =⇒ A′ ⊂ B ′ .
d) (A ∪ B)′ = A′ ∪ B ′ .
e) A é conjunto fechado.
f) A é fechado ⇐⇒ A = A.
Exercı́cio 3.2. Sejam k k∗ e k k∗∗ duas normas equivalentes de um
espaço vetorial V .
a) Mostre que x0 é ponto de acumulação de A com relação a uma
das normas se e somente se é ponto de acumulação com relação
à outra.
b) Mostre que se A é um conjunto aberto em V em relação a k k∗ ,
se e somente se A é aberto em relação a k k∗∗ . Mostre que o
mesmo vale para conjuntos fechados e compactos.
Exercı́cio 3.3. Sejam A e B subconjuntos de um espaço vetorial
normado V .
◦ ◦
a) Se A ⊂ B, mostre que A⊂B e A ⊂ B.
◦ ◦
b) Defina α(A) =A e β(B) = B. Mostre
i. A aberto ⇒ A ⊂ α(A).
ii. B fechado ⇒ B ⊃ β(B).

iii. Dê exemplo de conjunto A tal que A, A, A, α(A) e β(A)
sejam todos distintos.
 
Exercı́cio 3.4. Seja A = f ∈ C [0, 1]; R ; kf k∞ < 1 e f0 ≡ 0.
30 Cálculo Avançado I

Mostre que f0 é ponto interior de A relativamente à norma k k∞


mas não é ponto interior de A relativamente à norma k k1 .
Exercı́cio 3.5. Demonstre a Proposição 3.22
Exercı́cio 3.6. Prove diretamente a equivalência dos itens (b) e (c)
no Teorema 3.29
4
Limites e Continuidade
Iniciamos o estudo de limites e continuidade para funções de Rn
em Rm . No que segue estaremos denotando por k k indistintamente
as normas euclidianas, isto é, as normas k k2 de Rn e Rm .
Definição 4.1: Sejam f : A ⊂ Rn → Rm , x0 ∈ A′ e b ∈ Rm . Dize-
mos que b é o limite de f (x) quando x se aproxima de x0 em A
(relativamente às normas euclidianas) se
∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que x ∈ A e 0 < kx − x0 k < δ ⇒ kf (x) − bk < ε.

Neste caso denotamos


b = lim f (x).
x→x0

Observação: A definição acima pode ser expressa usando-se a no-


tação de bolas, isto é:
lim f (x) = b ⇐⇒
x→x0

∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que x ∈ A ∩ Bδ (x0 ) \ {x0 } ⇒ f (x) ∈ Bε (b).

Ou ainda na forma mais concisa


 
∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que f A ∩ Bδ (x0 ) \ {x0 } ⊂ Bε (b).

Teorema 4.2: Sejam f : A ⊂ Rn → Rm , f = (f1 , . . . , fm ), onde


fi : A ⊂ Rn → R, ∀i = 1, . . . , m, x0 ∈ A′ e b ∈ Rm , b = (b1 , . . . , bm ).
Então
lim f (x) = b ⇐⇒ lim fi (x) = bi , ∀i = 1, . . . , m.
x→x0 x→x0
32 Cálculo Avançado I

Prova: Suponhamos limx→x0 fi (x) = bi e seja ε > 0. Então existem


δ1 , . . . , δm > 0 tais que x ∈ A e 0 < kx − x0 k < δi ⇒ |fi (x) − bi | <
ε/m. Se {e1 , . . . , em } é a base canônica de Rm , então considerando-se
δ = min{δ1 , . . . , δm } temos, para x ∈ A e 0 < kx − x0 k < δ:

kf (x) − bk ≤ |f1 (x) − b1 | + · · · + |fm (x) − bm | < ε.

Reciprocamente, se limx→x0 f (x) = b, para ε > 0 dado, existe δ > 0


tal que se x ∈ A e 0 < kx − x0 k < δ então kf (x) − bk < ε. Como
|fi (x) − bi | ≤ kf (x) − bk para todo i = 1, . . . , m segue o resultado.
Teorema 4.3: Seja f : A ⊂ Rn → Rm e x0 ∈ A′ . Então,

∀ {xk }k ⊂ A tal que xk 6= x0 , ∀k
lim f (x) = b ⇐⇒
x→x0 e xk → x0 ⇒ f (xk ) → b.

Prova: Exercı́cio.
Teorema 4.4: Sejam f, g: A ⊂ Rn → R e x0 ∈ A′ . Se

lim f (x) = b e lim g(x) = c,


x→x0 x→x0

então 
 lim (f ± g)(x) = b ± c
x→x0
 lim (f g)(x) = bc
x→x0

Além disso, se c 6= 0 então


 
f b
lim (x) = .
x→x0 g c

Prova: Exercı́cio.
Corolário 4.5: Sejam f, g: A ⊂ Rn → Rm e x0 ∈ A′ . Se

lim f (x) = b e lim g(x) = c,


x→x0 x→x0

então

lim f (x); g(x) = hb; ci.
x→x0
Limites e Continuidade 33

Observação: É preciso ter cuidado com o limite de funções com-


postas. De fato, parece intuitivamente razoável esperar que se

f : A ⊂ Rn → Rm , x0 ∈ A′ e g: B ⊂ Rm → Rk , y0 ∈ B ′

são tais que f (A) ⊂ B e

lim f (x) = y0 e lim g(y) = z0 ,


x→x0 y→y0

então
lim (g ◦ f )(x) = z0 .
x→ x0

No entanto, isto é em geral falso, como se pode ver pelos exemplos a


seguir. Sejam f, g: R → R, definidas por:
n n
1 se x 6= 0 1 se x 6= 1
f (x) = e g(x) =
0 se x = 0 0 se x = 1
Então
lim f (x) = 1 e lim g(y) = 1.
x→0 y→1

Entretanto, é fácil ver que


n
0 se x 6= 0
(g ◦ f )(x) = e lim (g ◦ f )(x) = 0.
1 se x = 0 x→0

Lema 4.6: Seja, k k∗ e k k∗∗ respectivamente normas de Rn e Rm


equivalentes às normas euclidianas. Então limx→x0 f (x) = b relati-
vamente às normas k k∗ e k k∗∗ se e somente se limx→x0 f (x) = b
relativamente às normas euclidianas
Prova: (Veja Exercı́cios)

Funções Contı́nuas

Definição 4.7: Seja f : A ⊂ Rn → Rm e x0 ∈ A ∩ A′ . Dizemos que


f é contı́nua em x0 se limx→x0 f (x) = f (x0 ). Mais precisamente,

∀ε > 0 ∃δ > 0 tal que x ∈ A e kx − x0 k < δ ⇒ kf (x) − f (x0 )k < ε.


34 Cálculo Avançado I

Usando a notação de bolas, podemos dizer que f é contı́nua em x0


se e somente se

∀ε > 0 ∃δ > 0 tal que x ∈ A ∩ Bδ (x0 ) ⇒ f (x) ∈ Bε f (x0 ) ,

ou ainda
 
∀ε > 0 ∃δ > 0 tal que f A ∩ Bδ (x0 ) ⊂ Bε f (x0 ) .

Observação: Decorre das propriedades sobre limites os seguintes


fatos:
a) Se f = (f1 , f2 , . . . , fm ), então f é função contı́nua em x0 se e
somente se fi : A ⊂ Rn → R é contı́nua em x0 .
b) Se f, g: A ⊂ Rn → R são contı́nuas em x0 e λ ∈ R, então as
funções f + g, f g e λf são contı́nuas em x0 . Além disso, se
g(x0 ) 6= 0, então a função f /g é contı́nua em x0 .
Teorema 4.8: Sejam f : A ⊂ Rn → Rm , g: B ⊂ Rm → Rk tais que
f (A) ⊂ B. Se x0 ∈ A′ , y0 ∈ B ∩ B ′ ,

lim f (x) = y0 e g é contı́nua em y0 ,


x→x0

então
lim (g ◦ f )(x) = g(y0 ).
x→x0

Prova: Seja ε > 0 dado. Como g é contı́nua em y0 , existe µ > 0 tal


que y ∈ B ∩ Bµ (y0 ) ⇒ g(y) ∈ Bε (g(y0 )). Como limx→x0 f (x) = y0 ,
existe δ > 0 tal que x ∈ Bδ (x0 ) \ {x0 } ∩ A ⇒ f (x) ∈ Bµ (y0 ).
Portanto,

x ∈ Bδ (x0 ) \ {x0 } ∩ A ⇒ y = f (x) ∈ Bµ (y0 )

e conseqüentemente

g(f (x)) ∈ Bε (g(y0 ))

Definição 4.9: Quando uma função f é contı́nua em todos os pontos


de seu domı́nio, dizemos simplesmente que f é função contı́nua.
Limites e Continuidade 35

Teorema 4.10: Seja f : Rn → Rm . Então as afirmativas abaixo são


equivalentes.
a) f é função contı́nua;
b) se A é aberto em Rm ⇒ f −1 (A) é aberto em Rn ;
c) se F é fechado em Rm ⇒ f −1 (F ) é fechado em Rn ;
Prova: Provemos “(a) ⇔ (b)”:
Seja x0 ∈ f −1 (A). Então y0 = f (x0 ) ∈ A. Como A é aberto, existe
ε > 0 tal que B  ε (y0 ) ⊂ A. Como f é contı́nua em x0 , existe δ > 0 tal
que f Bδ (x0 ) ⊂ Bε (y0 ) ⊂ A. Logo Bδ (x0 ) ⊂ f −1 (A).
Reciprocamente, dado ε > 0 seja A = Bε (y0 ) com y0 = f (x0 ). Como
A é aberto, temos por hipótese f −1 (A) aberto.
 Logo existe
 δ > 0 tal
que Bδ (x0 ) ⊂ f −1 (A). Portanto, f Bδ (x0 ) ⊂ f f −1 (A) ⊂ A.
Provemos “(b) ⇔ (c)”:
Se F é fechado então A = F c é aberto. Pelo item (b) f −1 (A) =
f −1 (F )c é aberto. Logo f −1 (F ) é fechado. Reciprocamente, se A é
aberto, então F = Ac é fechado. Pelo item (c) f −1 (F ) = f −1 (A)c é
fechado. Logo f −1 (A) é aberto.

Funções Contı́nuas e Compactos


Os resultados a seguir são fundamentais, especialmente quando se
tem em vista as aplicações.
Teorema 4.11: Seja f : Rn → Rm função contı́nua e K ⊂ Rn con-
junto compacto. Então f (K) é conjunto compacto de Rm .

Prova: Seja Aλ λ∈Λ uma cobertura qualquer de f (K). Queremos
S
verificar se ela admite uma subcobertura finita. Como f (K) ⊂ Aλ ,
temos
!
 [ [
−1 −1
K ⊂f f (K) ⊂ f Aλ = f −1 (Aλ ).
λ λ
 −1

Como f é contı́nua, segue que f (Aλ ) λ∈Λ é cobertura aberta de
K. Como K é compacto, existem λ1 , . . . , λk tais que K ⊂ f −1 (Aλ1 ) ∪
· · · ∪ f −1 (Aλk ). Portanto,
k
! k k
[ [  [
f (K) ⊂ f f −1 (Aλi ) = f f −1 (Aλi ) ⊂ Aλi .
i=1 i=1 i=1
36 Cálculo Avançado I

Corolário 4.12: Se f : Rn → R é função contı́nua e K ⊂ Rn é


compacto, então existe x, x ∈ K tais que

f (x) = min{f (x) ; x ∈ K} e f (x) = max{f (x) ; x ∈ K}.

Prova: Pelo teorema anterior f (K) é compacto de R. Logo é fechado


e limitado. Sendo limitado temos s = sup f (K) < +∞ e s =
inf f (K) > −∞. Sendo fechado temos s ∈ f (K) e s ∈ f (K). Por-
tanto, existem x, x ∈ K tais que s = f (x) e s = f (x).
Como conseqüência dos resultados anteriores, temos o Teorema da
equivalência das normas em Rn .
Teorema 4.13: Todas as normas em Rn são equivalentes
Prova: Seja k k uma norma qualquer em Rn e k k1 a norma 1
definida por kxk1 = |x1 | + · · · + |xn |. Dado x ∈ Rn , temos
n
X n
X
x= xi ei ⇒ kxk ≤ |xi |kei k ≤ M kxk1 ,
i=1 i=1

onde e1 , . . . , en é a base canônica de Rn e M = max{kei k ; i =
1, . . . , n}.

Seja K = x ∈ Rn ; kxk1 = 1 e f (x) = kxk.
Então f : Rn → R é função contı́nua (relativamente à norma k k1 de
Rn ). Como K é fechado e limitado, e portanto compacto, segue do
corolário anterior que existe x ∈ K tal que m: = f (x) = min f (K).
Observe que m > 0, pois se 0 = m = kxk ⇒ x = 0.
Seja x um ponto qualquer de Rn . Então y = x/kxk1 ∈ K e

= kxk
x
m ≤ f (y) =
⇒ mkxk1 ≤ kxk.
kxk1 kxk1

Observação: Decorre do Teorema 4.13 e do Lema 4.6 que se uma


função f : Rn → Rm é contı́nua em relação a determinada norma de
Rn e Rm , então será contı́nua em relação a quaisquer outras normas
de Rn e Rm . Como veremos no final deste capı́tulo, este resultado se
estende para espaços vetoriais de dimensão finita, mas não vale em
geral para espaços de dimensão infinita.
Limites e Continuidade 37

Funções Contı́nuas e Conjuntos Conexos

Sabemos da Análise Real que se f : [a, b] → R é função contı́nua satis-


fazendo f (a) < 0 < f (b) (ou f (a) > 0 > f (b)), então existe x0 ∈ ]a, b[
tal que f (x0 ) = 0, isto é, f possui uma raı́z entre a e b. Este resul-
tado, conhecido como Teorema do Valor Intermediário, se generaliza
para o caso vetorial usando-se o conceito de conjunto conexo.
Definição 4.14: Um conjunto B ⊂ Rn é dito conexo se para todo
A1 e A2 abertos tais que B ⊂ A1 ∪ A2 e B ∩ Ai 6= ∅, i = 1, 2, tem-se
A1 ∩ A2 6= ∅.
Teorema 4.15: Se f : Rn → Rm é função contı́nua e B ⊂ Rn con-
junto conexo, então f (B) ⊂ Rm é conjunto conexo.
Prova: Sejam A1 e A2 abertos de Rm tais que f (B) ⊂ A1 ∪ A2 e
f (B) ∩ Ai 6= ∅, i = 1, 2. Então

B ⊂ f −1 (f (B)) ⊂ f −1 (A1 ∪ A2 ) = f −1 (A1 ) ∪ f −1 (A2 ).

Como f é contı́nua e Ai é aberto, segue que f −1 (Ai ) é aberto. Além


disso, se y ∈ f (B) ∩ Ai , então existe x ∈ B tal que y = f (x). Por
definição, x ∈ f −1 (Ai ) e portanto B∩f −1 (Ai ) 6= ∅. Como B é conexo,
f −1 (A1 ) ∩ f −1 (A2 ) 6= ∅. Portanto f −1 (A1 ∩ A2 ) 6= ∅ ⇒ A1 ∩ A2 6= ∅.
Logo f (B) é conexo.

Conjuntos Convexos e Funções Convexas

Definição 4.16: Um subconjunto A de um espaço vetorial V é dito


convexo se, para todo x, y ∈ A temos

λx + (1 − λ)y ∈ A, ∀λ ∈ ]0, 1[.

Definição 4.17: Uma função f : A ⊂ V → R é dita convexa se A é


convexo e para todo x, y ∈ A, vale a desigualdade

f λx + (1 − λ)y ≤ λf (x) + (1 − λ)f (y), ∀λ ∈ ]0, 1[.

Lema 4.18: Seja f : A ⊂ V → R uma função convexa. Se x1 ,


x2 , . . . , xk ∈ A e λ1 , λ2 , . . . , λk ∈]0, 1[ são tais que λ1 + · · · + λk = 1,
então
38 Cálculo Avançado I

k
! k
X X
f λi xi ≤ λi f (xi ).
i=1 i=1

Prova: Veja Exercı́cios.


Teorema 4.19: Toda função convexa f : Rn → R é contı́nua.
Prova: Faremos a prova em quatro etapas.

Etapa 1: Se f (0) = 0, então 0 ≤ sup f (x) ; kxk1 ≤ 1 < +∞.

É claro que 0 = f(0) ≤ sup f (x) ; kxk1 ≤ 1 . Vamos mostrar ini-
cialmente que sup f (x) ; kxk1 = 1 < +∞. Seja

b = max f (e1 ), . . . , f (en ), f (−e1 ), . . . , f (−en ) ,

onde {e1 , e2 , . . . , en } é a base canônica de Rn . Se x ∈ Rn é um vetor


unitário, isto é, kxk1 = 1, definimos, para i = 1, . . . , n,

xi /|xi | se xi 6= 0,
ai =
1 se xi =0.
Então, os vetores ui definidos por ui = ai ei são vetores unitários.
Como
n
X
x= |xi |ui ,
i=1
|x1 | + · · · + |xn | = 1,

concluı́mos do Lema 4.18 que


n
X 
f (x) ≤ |xi |f (ui ) ≤ max f (u1 ), . . . , f (un ) ≤ b. (4.1)
i=1

Suponhamos que sup f (x) ; kxk1 ≤ 1  = +∞. Então, para cada
n
k ∈ N, existe xk na bola unitária B = x ∈ R ; kxk1 ≤ 1 tal que
f (xk ) ≥ k. Em particular, como xk 6= 0, podemos considerar o vetor
unitário xk = xk /kxk k1 . Como xk = kxk k1 xk + (1 − kxk k1 )0, segue
da convexidade de f que

k ≤ f (xk ) ≤ kxk k1 f (xk ) + (1 − kxk k1 )f (0) ≤ f (xk ), ∀k ∈ N.


Limites e Continuidade 39

Logo sup{f (x) ; kxk1 = 1} = +∞, e temos uma contradição com


(4.1).
Etapa 2: Suponhamos f (0) = 0. Então f é contı́nua em x = 0.
De fato, se f ≡ 0 em B, não há nada a provar. Suponhamos
 então

f 6≡ 0 em B. Segue da etapa 1 que 0 < a: = sup f (x) ; x ∈ B <
+∞. Dado 0 < ε < a, seja δ < ε/a.
Se kxk1 < δ, então kx/δk1 < 1 e f (x/δ) ≤ a. Como podemos escrever
x = δ(x/δ) + (1 − δ)0, temos da convexidade

f (x) ≤ δf (x/δ) + (1 − δ)f (0) ≤ δa < ε. (4.2)

Seja λ = δ/(1 + δ). Então 0 < λ < 1 e temos a combinação convexa


 
−x
λ + (1 − λ)x = 0.
δ

Pela convexidade,
 
−x
0 = f (0) ≤ λf + (1 − λ)f (x) ≤ λa + (1 − λ)f (x)
δ

e concluı́mos que
f (x) ≥ −δa > −ε. (4.3)
De (4.2) e (4.3) concluı́mos

|f (x)| < ε se kxk1 < δ.

Etapa 3: Se f (0) 6= 0.
Neste caso, g(x) = f (x) − f (0) é função convexa que se anula em
x = 0. Pelas etapas anteriores, g é contı́nua em x = 0, o mesmo
valendo para f .
Etapa 4: O caso geral.
Seja x0 ∈ Rn . Então g(x) = f (x + x0 ) é função convexa. Portanto,
etapas anteriores, g é contı́nua em x = 0. Segue que f é contı́nua em
x = x0 .
40 Cálculo Avançado I

Continuidade Uniforme

Vimos anteriormente que uma função é contı́nua quando é contı́nua


em todos os pontos de seu domı́nio. Podemos dizer, portanto, que
a continuidade é um conceito local. Isso se expressa na definição,
pelo fato de que, para cada ε e para cada x, δ = δ(ε, x) depende de
épsilon e do ponto x. A definição que introduzimos a seguir expressa
um conceito global de continuidade—a continuidade uniforme.
Definição 4.20: Seja A ⊂ Rn e f : A → Rm uma função. Dizemos
que f é uniformemente contı́nua em A se ∀ε > 0 existe δ > 0 tal que
se x, y ∈ A kx − yk < δ, então kf (x) − f (y)k < ε.
Exemplo: A função f : R → R definida por f (x) = 1/(1 + x2 ) é
uniformemente contı́nua em R.
É claro que toda função uniformentente contı́nua é contı́nua em seu
domı́nio. Mas a recı́proca é falsa. Considere por exemplo f (x) = x2 .
Definição 4.21: Uma função f : A ⊂ Rn → Rm é dita Lipschitz-
contı́nua em A se existe M > 0 tal que

kf (x) − f (y)k ≤ M kx − yk, ∀x, y ∈ A.

Observação: É fácil ver que toda função Lipschitz-contı́nua é uni-


formemente contı́nua. É fácil ver também, como conseqüência imedi-
ata do Teorema do Valor Médio, que toda função derivável f : R → R
cuja derivada é limitada em R, é Lipschitz-contı́nua.
Proposição 4.22: Seja f : Rn → Rm uma função linear. Então f é
Lipschitz-contı́nua.
Prova: Seja M = max{kf (e1 )k, . . . , kf (en )k}, onde {e1 , . . . , en } é a
base canônica de Rn . Então, se x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ),
temos
n
X
kf (x) − f (y)k ≤ |xi − yi |kf (ei )k ≤ M kx − yk1
i=1

e a conclusão segue da equivalência das normas de Rn .


As funções Lipschitz-contı́nuas são casos particulares das Hölder-
contı́nuas, cuja definição é a seguinte.
Limites e Continuidade 41

Definição 4.23: Seja 0 < α ≤ 1. Uma função f : A ⊂ Rn → Rm é


dita Hölder-contı́nua de ordem α em A se existe M > 0 tal que

kf (x) − f (y)k ≤ M kx − ykα , ∀x, y ∈ A.

Exemplo: A função f : [0, ∞[→ R definida por f (x) = xα , com


0 < α < 1 é Hölder-contı́nua em [0, ∞[.
É claro que toda função Hölder-contı́nua é uniformemente contı́nua.
Observação: Os conceitos de continuidade uniforme, Lipschitz-con-
tinuidade e Hölder-continuidade são invariantes para normas equiva-
lentes; são portanto independentes das normas que estejam fixadas
em Rn e Rm .
Teorema 4.24: Toda função contı́nua definida num compacto K ⊂
Rn é uniformemente contı́nua.
Prova: Seja x ∈ K e ε > 0. Como f é contı́nua, existe Sδx > 0 tal que
se y ∈ Bδx (x) então kf (y)−f (x)k < ε/2. Como K ⊂ x∈K Bδx /2 (x),
segue da compacidade que existem x1 , x2 , . . . , xk em K tais que

k
[
K⊂ Bδxi /2 (xi ). (4.4)
i=1

Seja δ = min{δx1 /2, δx2 /2, . . . , δxk /2} Então, se x, y ∈ K são tais
que kx − yk < δ, segue de (4.4) que x ∈ Bδxi /2 (xi ), para algum i.
Portanto,

ky − xi k ≤ ky − xk + kx − xi k < δ + δxi /2 ≤ δxi ⇒ y ∈ Bδxi (xi ).

Logo, ky − xk < δ ⇒ kf (x) − f (y)k < ε e temos o resultado.

Espaços Vetoriais de Dimensão Finita

As definições e os resultados anteriores se estendem aos espaços ve-


toriais de dimensão finita via os isomorfismos naturais. De fato, se
V é um espaço vetorial de dimensão n, seja {u1 , . . . , un } uma base
de V . Podemos considerar o isomorfismo T : Rn → V definido por
42 Cálculo Avançado I

T (ei ) = ui , i = 1, . . . , n, onde {e1 , . . . , en } é a base canônica de Rn ,


que induz a V as propriedades de Rn .
A tı́tulo de exemplo, consideremos a extensão do Teorema 4.13 aos
espaços vetoriais reais de dimensão finita.
Teorema 4.25: Seja V um espaço vetorial de dimensão finita. Então
todas as normas de V são equivalentes.
Prova: Suponhamos n a dimensão de V e seja {u1 , . . . , un } uma
base de V . Consideremos o isomorfismo T : Rn → V definido por
T (ei ) = ui , i = 1, . . . , n, onde {e1 , . . . , en } é a base canônica de Rn .
Se k k∗ e k k∗∗ são duas normas de V , sejam respectivamente k kα e
k kβ as normas de Rn induzidas por T pela relação (2.5). O Teorema
4.13 garante que estas normas são equivalentes em Rn . A equivalência
das normas de V é conseqüência do Teorema 2.8.
De um modo geral, sejam V e W espaços vetoriais de dimensão finita
e f : V → W , T : V → Rn e S: V → Rm isomorfismos. As definições
anteriores se estendem naturalmente a V e W e os resultados podem
ser induzidos pelo diagrama

f
V −−−−−−→ W
x x
T y T −1 S −1 y S
 

g
Rn −−−−−−→ Rm

O Espaço Vetorial das Transformações Lineares

Sejam V e W dois espaços vetoriais de dimensão finita e consideremos


o conjunto de todas as transformações lineares de V em W :

L(V, W ) = T : V → W ; T é linear .

L(V, W ) é espaço vetorial se munido das operações usuais de soma de


funções e produto por escalar. Além disso, se dim V = n e dim W =
Limites e Continuidade 43

m, então dim L(V, W ) = mn. De fato, fixadas bases em V e W ,


L(V, W ) pode ser identificado a Mm×n via isomorfismo natural. Em
particular, decorre do Teorema 2.8 que L(V, W ) é espaço vetorial
normado com todas as normas equivalentes.
Nota: Se V ou W são espaços vetoriais normados de dimensão in-
finita, a situação é muito mais complicada pois, contrariamente ao
caso finito, existem transformações lineares de V em W que não
são contı́nuas. A maneira natural de se introduzir uma norma em
L(V, W ) é a seguinte (veja Exercı́cio 4.13): se T ∈ L(V, W ), defini-
mos 
kT kL(V,W ) = sup kT xkW ; kxkV = 1 . (4.5)

O Teorema de Ponto Fixo de Banach


Seja V um espaço vetorial normado, A ⊂ V e f : A → V uma função.
Definição 4.26: Dizemos que f é uma contração em A se existe
0 ≤ α < 1 tal que
kf (x) − f (y)kV ≤ αkx − ykV , ∀x, y ∈ A.

Definição 4.27: Dizemos que x ∈ V é um ponto fixo para uma


função f : V → V se f (x) = x.
Teorema 4.28: Seja V um espaço de Banach relativamente à norma
k kV . Se f : V → V é uma contração em V , então f possui um único
ponto fixo.
Prova: Seja x0 ∈ V e considere a seqüência definida implicitamente
por xk+1 = f (xk ), ∀k ≥ 0. Então,
kxk+1 − xk kV = kf (xk ) − f (xk−1 )kV ≤ αkxk − xk−1 kV
≤ α2 kxk−1 − xk−2 kV ≤ · · ·
≤ αk kx1 − x0 kV .
Portanto, se k, l ∈ N, temos (supondo k ≥ l)
kxk − xl kV ≤ kxk − xk−1 kV + · · · + kxl+1 − xl kV

≤ αk−1 + αk−2 + · · · + αl kx1 − x0 kV
αl
≤ kx1 − x0 kV .
1−α
44 Cálculo Avançado I

Como α < 1, dado ε > 0, podemos escolher l0 ∈ N tal que

αl0
kx1 − x0 kV < ε,
1−α

de modo que se k, l ≥ l0 então kxk − xl kV < ε. Logo {xk } é seqüência


de Cauchy em V e, portanto, converge para algum x ∈ V .
Para concluir que x é ponto fixo de f , basta observar que sendo f
contı́nua, segue do Teorema 4.3 que
  
x = lim xk+1 = lim f xk = f lim xk = f (x).
n→∞ n→∞ n→∞

Sendo a unicidade conseqüência imediata da definição de contração,


concluı́mos a prova.
Observação: É oportuno observar que, se uma função f é uma con-
tração em V relativamente a uma norma k k∗ , pode não ser contração
em relação a uma outra norma equivalente (veja exercı́cios).

Semicontinuidade

O Corolário 4.12 estabelece a existência de máximos e mı́nimos para


funções reais contı́nuas definidas em conjuntos compactos de Rn . Este
resultado, fundamental para as aplicações, pode ser generalizado para
funções descontı́nuas que satisfaçam certas propriedades que definire-
mos a seguir.
Definição 4.29: Sejam f : A ⊂ Rn → R e x0 ∈ A′ . Definimos o
limite inferior e o limite superior de f (x) em x0 (ou quando x se
aproxima de x0 ) respectivamente por:
  
lim inf f (x) = lim inf f (x) ; x ∈ A ∩ (Br (x0 ) \ {x0 })
x→x0 r↓0
 
= lim inf f A ∩ Br (x0 ) \ {x0 }
r↓0
  
lim sup f (x) = lim sup f (x) ; x ∈ A ∩ (Br (x0 ) \ {x0 })
x→x0 r↓0
 
= lim sup f A ∩ Br (x0 ) \ {x0 }
r↓0
Limites e Continuidade 45

Observação: É fácil ver que

−∞ ≤ lim inf f (x) ≤ lim sup f (x) ≤ +∞


x→x0 x→x0

e que, se f é função limitada, então o limite inferior e o limite superior


sempre existem.
Exemplo: lim inf x→0 sen(1/x) = −1 e lim supx→0 sen(1/x) = 1.
Lema 4.30: f possui limite em x0 se e somente se o limite inferior
e o limite superior de f são iguais. Mais precisamente,

l = lim f (x) ⇐⇒ lim inf f (x) = lim sup f (x) = l.


x→x0 x→x0 x→x0

Prova: Suponhamos lim inf x→x0 f (x) = lim supx→x0 f (x) = l e se-
jam  
l(r) = inf f A ∩ Br (x0 ) \ {x0 }
  (4.6)
L(r) = sup f A ∩ Br (x0 ) \ {x0 }

Então, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que

0<r<δ ⇒ l − ε < l(r) ≤ L(r) < l + ε.

Além disso, segue de (4.6) que



l − ε < l(r) ≤ f (x) ≤ L(r) < l + ε, ∀x ∈ A ∩ Br (x0 ) \ {x0 } .

Portanto, se x ∈ A e 0 < kx − x0 k < δ, então |f (x) − l| < ε e


concluı́mos que l = limx→x0 f (x).
Reciprocamente, suponhamos que l = limx→x0 f (x). Então, dado
ε > 0 existe δ > 0 tal que

0 < kx − x0 k < δ ⇒ |f (x) − l| < ε/2.

Definindo-se l(r) como em (4.6), temos

0<r<δ ⇒ l − ε/2 ≤ l(r) < l + ε/2


46 Cálculo Avançado I

e concluı́mos que

l = lim l(r) = lim inf f (x).


r↓0 x→x0

O mesmo argumento mostra que l é o limite superior de f em x0 .


Definição 4.31: Seja f uma função real definida em A ⊂ Rn e
x0 ∈ A ∩ A′ . Dizemos que f é semicontı́nua inferiormente (sci) em
x0 se
f (x0 ) ≤ lim inf f (x).
x→x0

Analogamente, dizemos que f é semicontı́nua superiormente (scs) em


x0 se
f (x0 ) ≥ lim sup f (x).
x→x0

Em particular, como consequência imediata do lema 4.30, temos:


Corolário 4.32: Um função real f definida em A ⊂ Rn é contı́nua
em x0 ∈ A ∩ A′ se e somente se é semicontı́nua inferiormente e supe-
riormente em x0 .
Proposição 4.33: Seja f uma função real definida em A ⊂ Rn
e x0 ∈ A ∩ A′ . Então f é semicontı́nua inferiormente em x0 se e
somente se para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que

x ∈ A e kx − x0 k < δ ⇒ f (x) > f (x0 ) − ε.

Prova: Se f é sci em x0 , então

f (x0 ) ≤ l = lim inf f (x) = lim l(r), (4.7)


x→x0 r↓0

onde l(r) é definido por (4.6).


Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que se 0 < r < δ, então l − ε < l(r) <
l + ε. Em particular, se x ∈ A e kx − x0 k < r, então l(r) ≤ f (x).
Portanto, se x ∈ A e kx − x0 k < δ, podemos escolher r > 0 tal que
kx − x0 k < r < δ e

f (x0 ) − ε ≤ l − ε ≤ l(r) ≤ f (x).


Limites e Continuidade 47

Reciprocamente,
 se f (x) ≥
f (x0 ) − ε ∀x ∈ A ∩ Bδ (x0 ), então l(r) =
inf f (x) ; x ∈ A ∩ Br (x0 ) ≥ f (x0 ) − ε, ∀r < δ.
Como l(r) é função decrescente, segue que

f (x0 ) − ε ≤ l(r) ≤ lim l(r) = lim inf f (x). (4.8)


r↓0 x→x0

A conclusão segue fazendo-se ε ↓ 0 em (4.8).


Definição 4.34: Uma função real f : A ⊂ Rn → R é dita semi-
contı́nua inferior (sci) se for semicontı́nua inferiormente em cada
ponto de A. Analogamente, dizemos que f é semicontı́nua superior
(scs) se for semicontı́nua superiormente em cada ponto de A.
n
Teorema 4.35: f : R
−1
 → R é função sci se e somente se para todo
α ∈ R, f ]α, +∞[ é aberto em Rn .

Prova: Suponha f sci. Se x0 ∈ f −1 ]α, +∞[ , então f (x0 ) > α.
Considere ε > 0 tal que f (x0 ) − ε > α. Como f é sci, segue da
Proposição 4.33 que existe δ > 0 tal que kx − x0 k < δ implica f (x) >
f (x0 ) − ε. Logo

kx − x0 k < δ ⇒ f (x) > f (x0 ) − ε > α ⇒ f (x) ∈ ]α, +∞[.



o que implica que Bδ (x0 ) ⊂ f −1 ]α, +∞[ .
Reciprocamente, se x0 ∈ Rn e ε > 0, considere α = f (x0 ) − ε e
I = ]α, +∞[. Por hipótese f −1 (I) é conjunto aberto de Rn . Logo,
existe δ > 0 tal que Bδ (x0 ) ⊂ f −1 (I). Portanto,

kx − x0 k < δ ⇒ f (x) ∈ I ⇒ f (x) > f (x0 ) − ε.

n
 → R é funçãon scs se e somente se para todo
Corolário 4.36: f : R
−1
α ∈ R, f ] − ∞, α[ é aberto em R .
O resultado a seguir generaliza o Corolário 4.12.
Teorema 4.37: Seja f : Rn → R função sci e K ⊂ Rn conjunto
compacto. Então existe x0 ∈ K tal que f (x0 ) = min f (K).
Prova: Faremos a prova em duas etapas:
Etapa 1: Provemos que inf f (K) > −∞.
48 Cálculo Avançado I

De fato, como f é sci, para todo x ∈ K existe δx > 0 tal que

ky − xk < δx ⇒ f (y) > f (x) − 1.



É claro que Bδx (x) x∈K é cobertura aberta de K. Portanto existem
x1 , . . . , xk ∈ K tais que
k
[
K⊂ Bδxj (xj ).
j=1

Seja m = min{f (x1 ), . . . , f (xk )}. Se y ∈ K, então ky − xj k < δxj ,


para algum j e f (y) > f (xj ) − 1 ≥ m − 1.
Etapa 2: Provemos que existe x0 ∈ K tal que f (x0 ) ≤ f (x) para todo
x ∈ K. Seja l = inf f (K) (l ∈ R pela etapa 1) e suponha l ∈ / f (K).
Então l < f (x), ∀x ∈ K.
Para cada x ∈ K, considere
 lx ∈ R tal que l < lx < f (x) e defina
Ix = ]lx , +∞[. Então f −1 (Ix ) x∈K é cobertura aberta de K. Como
K é compacto, existem, x1 , x2 , . . . , xk tais que
k
[
K⊂ f −1 (Ixj )
j=1

Seja l = min{lx1 , . . . , lxk }. Então l > l e se x ∈ K, então f (x) ∈ Ixj


para algum 1 ≤ j ≤ k, o que implica f (x) > lxj ≥ l > l. Portanto

f (x) ≥ l > l ∀x ∈ K ⇒ inf f (K) ≥ l > l

e temos uma contradição.


Corolário 4.38: Seja f : Rn → R função scs e K ⊂ Rn conjunto
compacto. Então existe x0 ∈ K tal que f (x0 ) = max f (K).

Exercı́cios

Exercı́cio 4.1. Sejam f1 e f2 duas funções de Rn em R e considere


g: Rn → R definida por g(x) = max{f1 (x), f2 (x)}.
Prove se verdadeira ou dê contra-exemplo se falsa:
Limites e Continuidade 49

a) Se f1 e f2 são contı́nuas, então g é contı́nua.


b) Se g é contı́nua, então f1 e f2 são contı́nuas.
c) Sejam f1 , f2 , . . . , fk funções contı́nuas de Rn em R. Defina f por

f (x) = max {f1 (x), . . . , fk (x)}.


1≤i≤k

As mesmas afirmativas de (a) e (b).


Exercı́cio 4.2. Demonstre os Teoremas 4.3, 4.4, o Corolário 4.5 e os
Lemas 4.6 e 4.18.
Exercı́cio 4.3. Diz-se que uma função f : Rn → Rm é aberta se f (U )
é aberto de Rm para todo U ⊂ Rn aberto. Seja f : Rn → Rn uma
função inversı́vel tal que f −1 é contı́nua. Mostre que f é aberta.
Exercı́cio 4.4.
a) Sejam A e B subconjuntos de Rn e f : A −→ B uma função
bijetora. Se A é compacto e f é contı́nua, mostre que f −1 : B −→
A é contı́nua.
b) Sejam A e B subconjuntos abertos de Rn e f : A −→ B uma
função bijetora e contı́nua. Mostre que f −1 : B −→ A é contı́nua.
c) Dê exemplo com A, B ⊂ R e f : A −→ B bijetora e contı́nua tal
que f −1 : B −→ A não é contı́nua. Faça o mesmo com A, B ⊂ R2 .
Exercı́cio 4.5. Seja f : Rn → R uma função contı́nua tal que

lim f (x) = +∞. (4.9)


kxk→+∞

Mostre que existe x0 ∈ Rn tal que f (x0 ) ≤ f (x), ∀x ∈ Rn .


Obs.: Se f satisfaz (4.9), dizemos que f é coerciva.
Exercı́cio 4.6. Mostre que a função f : [0 , ∞) → R definida por
f (x) = xα , com 0 < α < 1 é Hölder contı́nua de ordem α.
Exercı́cio 4.7. Considere f : [0, 1/e] → R definida por

0 √ se x = 0
f (x) =
1/ − ln x se 0 < x ≤ 1/e

Mostre que f é uniformemente contı́nua mas não é Hölder-contı́nua.


50 Cálculo Avançado I

Exercı́cio 4.8.
a) Mostre que se A ⊂ Rn é um conjunto aberto e convexo e f : A →
R é uma função convexa, então f é contı́nua. Mostre que o
resultado é falso se A não for aberto.
b) Seja f : [a, b] → R função convexa. Mostre que f é semicontı́nua
superiormente em [a, b].
c) Dê um exemplo de uma função convexa definida na bola B =
{x ∈ R2 ; kxk2 ≤ 1} que não seja semicontı́nua superiormente
em B.
Exercı́cio 4.9. Prove que o conjunto Nr = {x ∈ Rn | f (x) ≤ r} é
convexo se f é função convexa.
Exercı́cio 4.10. Seja Ω ⊂ Rn um conjunto aberto e convexo. Uma
função f : Ω → ]0, ∞[ é dita log-côncava em Ω se a função log f (x)
é côncava em Ω.
a) Prove que toda função log-côncava é contı́nua.

b) Prove que f é log-côncava ⇔ f λx + (1 − λ)y ≥ f (x)λ f (y)(1−λ) ,
∀x, y ∈ Rn , ∀λ ∈ [0, 1].
c) Prove que o conjunto Nr = {x ∈ Rn | f (x) ≥ r} é convexo se f
é log-côncava.
d) Toda função log-côncava é côncava? Toda função côncava é log-
côncava?
Exercı́cio 4.11. Seja f : Rn → R uma função estritamente convexa,
isto é, f tx1 +(1−t)x2 < tf (x1 )+(1−t)f (x2 ), para todo x1 , x2 ∈ Rn
e para todo t ∈ ]0, 1[. Mostre que se f é coerciva (veja (4.9)), então
existe um único x0 ∈ Rn tal que f (x0 ) ≤ f (x), ∀x ∈ Rn .
Exercı́cio 4.12. Seja C ⊂ Rn conjunto convexo e fechado.
a) Mostre que ∀x ∈ Rn , existe um único y ∈ C tal que kx − yk2 ≤
kz − xk2 , ∀z ∈ C.
(y = PC (x) é denominado a projeção ortogonal de x sobre C.
Temos assim definida a aplicação

PC : Rn → Rn
(4.10)
x 7 → PC (x)

b) Mostre que y = PC (x) ⇐⇒ hx − y ; z − yi ≤ 0, ∀z ∈ C.


Limites e Continuidade 51

c) Use o item (b) para mostrar que PC satisfaz




kPC (x) − PC (y)k22 ≤ x − y; PC (x) − PC (y)

e conclua que PC é Lipschitz-contı́nua em Rn .


d) Verifique que os argumentos dos itens anteriores continuam vá-
lidos para qualquer norma que provenha de um produto escalar.
e) Mostre que ∀x ∈ Rn , existe (não necessariamente único) y ∈ C
tal que kx − yk1 ≤ kz − xk1 , ∀z ∈ C. Analogamente, existe (não
necessariamente único) y ∈ C tal que kx − yk∞ ≤ kz − xk∞ ,
∀z ∈ C.
Exercı́cio 4.13. Considere Rn munido da norma k k∗ e Rm
munido da norma k k• . Seja f : (Rn , k k∗ ) → (Rm , k k• ) definida por
f (x) = Ax, onde A é matriz (m × n). Defina
(
MA = sup{kf (x)k• ; kxk∗ = 1},
mA = inf{C ≥ 0; kf (x)k• ≤ Ckxk∗ }.

1. Prove que MA = mA = kf (x0 )k• para algum vetor unitário


x0 ∈ Rn ;
2. Prove as seguintes propriedades:
a) MA+B ≤ MA + MB ;
b) MλA = |λ|MA ;
c) MA ≥ 0 e MA = 0 ⇐⇒ A = 0.
d) Mostre que se m = n e k · k• = k · k∗ , então MAB ≤ MA MB .
Em particular, se A é inversı́vel, então MA−1 ≥ 1/MA .
3. Calcule MA nos seguintes casos:
a) A: (Rn , k k∞ ) → (Rm , k k∞ )
b) A: (Rn , k k1 ) → (Rm , k k1 )
c) A: (Rn , k k1 ) → (Rm , k k∞ )
Definição: Denotando

kAk = MA , (4.11)

temos definida uma norma no espaço vetorial das matrizes e vale a


desigualdade kAxk• ≤ kAkkxk∗ ∀x ∈ Rn . A norma definida por
(4.11) é denominada norma induzida pelas normas k k∗ e k k•
52 Cálculo Avançado I

Exercı́cio 4.14. Se V é um espaço vetorial normado, o espaço das


funções lineares contı́nuas de V em R, é denominado espaço dual de
V e denotado por V ′ .
Seja V = Rn munido da norma k kp , com p ∈ [1, +∞]. Mostre que V ′
pode ser identificado a Rn e, para todo y ∈ Rn , kykV ′ = kykq , onde
q ∈ [1, +∞] satisfaz 1/p + 1/q = 1 (q = 1 se p = +∞ e vice-versa).
Exercı́cio 4.15. Seja A matriz m × n e defina a função f : Rn → Rm
por f (x) = Ax. Mostre que

f é injetora ⇐⇒ ∃k > 0 tal que kf (x)k ≥ kkxk, ∀x ∈ Rn .

Exercı́cio 4.16. Seja M2 o espaço das matrizes quadradas 2 × 2 a


coeficientes reais, com alguma norma. Seja
det:  M2  −→ R
a11 a12
7→ a11 a22 − a21 a12
a21 a22

a) Mostre que det é contı́nua.


b) Mostre que S = {A ∈ M2 ; det A 6= 0} é aberto e não conexo.
c) Seja f : S → M2 a função definida por f (X) = X −1 . Mostre que
f é contı́nua em S. Sug.: X −1 − X0−1 = X −1 (X0 − X)X0−1 .
n m
f : R → R função contı́nua e defina
Exercı́cio 4.17. Seja
 Z(f ) =
x ∈ R ; f (x) = 0 . Mostre que Z(f ) é fechado em Rn .
n

Exercı́cio 4.18. Seja f : Rn → R contı́nua em 0 e tal que

f (x + y) = f (x) + f (y), ∀x, y ∈ Rn .

Mostre que existe a ∈ Rn tal que f (x) = ha; xi, ∀x ∈ Rn .


Exercı́cio 4.19. Seja f : Rn → R contı́nua tal que para todo x, y ∈
Rn ,  
x+y f (x) + f (y)
f ≤ .
2 2
Mostre que f é convexa.
Exercı́cio 4.20. Seja f : Rn −→ Rm uma função e considere seu
gráfico
G(f ) = {(x, y) ∈ Rn+m ; y = f (x), ∀x ∈ Rn }.
Limites e Continuidade 53

a) Mostre que se f é contı́nua, então G(f ) é fechado em Rn+m .


b) Mostre que se G(f ) é fechado e f é limitada, então f é contı́nua.
c) Considere G(f |K ) = {(x, y) ∈ Rn+m ; y = f (x), ∀x ∈ K}.
Mostre que se f é contı́nua e K é compacto em Rn , então G(f |K )
é compacto em Rn+m .
Exercı́cio 4.21. Seja f : Rn −→ Rn tal que f k = f ◦ f ◦ · · · ◦ f é
| {z }
k vezes
uma contração. Mostre que f possui um único ponto fixo.
Exercı́cio 4.22. Verdadeiro ou falso?
1) f e g contrações ⇒ f ◦ g contração.
2) f ◦ f contração ⇒ f contração.
Exercı́cio 4.23. Seja f (x, y) = ( x3 − y4 + 3 , x2 + y2 − 8). Mostre que
f não é contração na norma k k∞ mas é contração na norma k k1 .
Portanto f possui um único ponto fixo. Calcule-o.
Exercı́cio 4.24. Seja g: [a, b] → R função contı́nua e crescente e
f : X → [a, b]. Mostre que
 
sup g f (x) = g sup f (x) .
x x

Exercı́cio 4.25. Seja f : R → R uma função monótona crescente e


A ⊂ R conjunto limitado.
a) Mostre que

sup f (x) ≤ f (sup A) e f (inf A) ≤ inf f (x).


x∈A x∈A

b) Mostre que se f é sci então

sup f (x) = f (sup A).


x∈A

Exercı́cio 4.26. Seja {sk }k seqüência de números reais e defina:

lim inf sk = lim inf{sk , sk+1 , sk+2 , . . .}.


k→+∞ k→+∞
54 Cálculo Avançado I

Seja f : A ⊂ Rn → R, x0 ∈ A ∩ A′ . Mostre que f é semicontı́nua


inferiormente em x0 se e somente se

f (x0 ) ≤ lim inf f (xk ) ∀ {xk }k ⊂ A tal que xk → x0 .


k→+∞

Exercı́cio 4.27. Prove usando argumento de seqüências que se K ⊂


Rn é compacto e f : Rn → R é função sci, então existe x0 ∈ K tal que
f (x0 ) = min{f (x) ; x ∈ K}.
a) Prove que l = inf f (K) > −∞
b) Prove que se l = inf f (K) então l ∈ f (K).
Exercı́cio 4.28. Seja {fα }α uma famı́lia de funções s.c.i. de Rn em
R. Defina f : Ω → R por:

Ω = {x ∈ Rn ; sup fα (x) < ∞}


α
∀x ∈ Ω, f (x) = sup fα (x)
α

a) Mostre que f é semicontı́nua inferiormente em Ω.


b) Se fα é contı́nua ∀α, podemos concluir que f é contı́nua?
c) Se fα é função convexa ∀α, mostre que f é convexa.
5
Funções Diferenciáveis

Vamos iniciar o estudo da diferenciabilidade no caso das funções


reais de n variáveis, isto é, funções f : Rn → R.

Derivadas Direcionais

Definição 5.1: Seja x0 ∈ Rn e u um vetor unitário de Rn . Dizemos


que f possui derivada direcional em x0 na direção u se existe o limite

f (x0 + λu) − f (x0 )


lim ,
λ→0 λ
denominado derivada direcional de f (em x0 na direção u) e denotada
por:
∂f
(x0 ).
∂u
No caso em que u = ei é o i-ésimo vetor da base canônica, denotamos
a derivada direcional na direção de ei por
∂f
(x0 ),
∂xi
que denominamos derivada parcial de f em x0 em relação a xi .
Definição 5.2: Uma função f : Rn → R é dita Gateaux derivável em
x0 se f possui derivadas direcionais em x0 em todas as direções u.
Observação: As derivadas direcionais podem parecer, à primeira
vista, a generalização natural para a definição de derivada de uma
56 Cálculo Avançado I

função real de uma variável. Entretanto, a existência das derivadas


direcionais não assegura a regularidade de f em torno de x0 , como
no caso de uma variável (caso n = 1). De fato, contrariamente ao
caso unidimensional, uma função que é Gateaux-diferenciável num
ponto x0 não é necessariamente contı́nua neste ponto. Por exemplo,
consideremos
(
xy 2
f (x, y) = x2 + y 4 se (x, y) 6= (0, 0)
0 senão

Figura 5.1
Se u = (u1 , u2 ) é um vetor unitário qualquer, então
( 2
∂f f (λu) − f (0) u2
(0, 0) = lim = u1 se u1 6= 0,
∂u λ→0 λ
0 senão.
Entretanto, f não é contı́nua em (0, 0). De fato, f (t2 , t) = 1/2,
∀t 6= 0.

Funções Diferenciáveis

No que segue consideraremos Ω ⊂ Rn um conjunto aberto, k k a


norma euclidiana de Rn e f : Ω → R uma função.
Definição 5.3: Dizemos que f é diferenciável (ou Fréchet-derivável)
em x0 ∈ Ω se existem funções L, εx0 : Rn → R tais que

f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + εx0 (h), (5.1)


Funções Diferenciáveis 57

com L linear e εx0 satisfazendo

|εx0 (h)|
lim = 0. (5.2)
h→0 khk

Se εx0 (h) satisfaz (5.2), dizemos que εx0 é função o(khk). Para sim-
plificar a notação, escreveremos simplesmente ε(h), deixando de ex-
plicitar a dependência de ε em x0 .
Se f é função diferenciável em x0 , então a transformação linear L é
denominada diferencial de f em x0 (ou a derivada de Fréchet de f
em x0 ) e denotamos f ′ (x0 ).
Exemplos 1: Consideremos f (x, y) = xy. Se h = (h1 , h2 ), então

f (x0 + h1 , y0 + h2 ) = x0 y0 + y0 h1 + x0 h2 + h1 h2 .

Como L(h) = y0 h1 + x0 h2 é linear e ε(h) = h1 h2 satisfaz

|ε(h)|/khk ≤ khk/2 → 0 se h → 0,

temos que f é diferenciável em (x0 , y0 ) e f ′ (x0 , y0 )(h) = y0 h1 + x0 h2 .


Exemplo 2: Consideremos f (x, y) = x/y, y 6= 0. Então podemos
escrever
x0 1 h2 (x0 h2 − y0 h1 )
f (x0 + h1 , y0 + h2 ) = + 2 (y0 h1 − x0 h2 ) + .
y0 y0 y02 (y0 + h2 )

Como L(h) = (1/y02 )(y0 h1 − x0 h2 ) é linear em h e a função ε(h) =


h2 (x0 h2 − y0 h1 )/y02 (y0 + h2 ) satisfaz
p
|ε(h)| x2 + y02
≤ 2 0 khk → 0 se h → 0,
khk y0 (y0 + h2 )

temos que f é diferenciável em (x0 , y0 ) e

1
f ′ (x0 , y0 )h = (y0 h1 − x0 h2 ).
y02

Exemplo 3: Seja f : Rn → R uma função linear. Então f (x0 + h) =


f (x0 ) + f (h). Se considerarmos ε(h) = 0 para todo h ∈ Rn , então
58 Cálculo Avançado I

a identidade (5.1) fica satisfeita com L(h) = f (h), o que nos leva a
concluir que f é diferenciável em x0 e f ′ (x0 ) ≡ f .
Exemplo 4: Consideremos f : Rn → R definida por f (x) = kxk22 .
Então

f (x0 + h) = kx0 + hk22 = kx0 k22 + h2x0 ; hi + khk22 .

Como a aplicação h 7→ h2x0 ; hi é linear e ε(h) = khk22 satisfaz

|ε(h)|
= khk2 → 0 se h → 0,
khk2

segue que f é diferenciável em x0 e f ′ (x0 )(h) = h2x0 ; hi.


O resultado a seguir estabelece a unicidade da diferencial de uma
função.
Lema 5.4: Se f é função diferenciável em x0 ∈ Ω e L1 e L2 são
diferenciais de f , então L1 = L2 .
Prova: Suponhamos que para todo h ∈ Rn ,

f (x0 + h) = f (x0 ) + L1 (h) + ε1 (h)


(5.3)
f (x0 + h) = f (x0 ) + L2 (h) + ε2 (h)

com L1 e L2 lineares e ε1 e ε2 funções o(khk).


Então, subtraindo a primeira identidade da segunda em (5.3), temos

L1 (h) − L2 (h) = ε2 (h) − ε1 (h).

Considerando h = λei , onde λ > 0, temos


|ε1 (λei )| |ε2 (λei )|
|L1 (ei ) − L2 (ei )| ≤ + .
λ λ
Fazendo λ tender a zero, concluı́mos que L1 (ei ) = L2 (ei ) para i =
1, . . . , n. Portanto L1 ≡ L2 .
Exemplo 5: Seja f : R2 → R a função definida por (veja Figura 5.2)
(
|x|y
f (x, y) =
p se (x, y) 6= (0, 0),
x2 + y 2
0 senão.
Funções Diferenciáveis 59

É fácil ver (veja Exercı́cios) que f é contı́nua e Gateaux-derivável em


(0, 0). No entanto, f não é diferenciável em (0, 0).

Figura 5.2

Exemplo 6: Seja f : R2 → R a função definida por (veja Figura 5.3)


(
2y|x|x2
f (x, y) = se (x, y) 6= (0, 0),
x4 + y 2
0 senão.

É fácil ver (veja Exercı́cios) que f é contı́nua e Gateaux-derivável em


(0, 0), com ∂f 2
∂u (0, 0) = 0 para todo vetor unitário u ∈ R . No entanto,
f não é diferenciável em (0, 0).

Figura 5.3

Proposição 5.5: Se f é diferenciável em x0 ∈ Ω, então f é contı́nua


em x0 .
60 Cálculo Avançado I

Prova: Segue da definição que f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + ε(h), onde


ε(h) é o(khk). Portanto, existe δ1 > 0 tal que se khk < δ1 , então

|ε(h)|
< 1.
khk

Como L é linear, segue da Proposição 4.22 que existe α ≥ 0 tal que


|L(h)| ≤ αkhk, ∀h ∈ Rn . Dado ε > 0, seja δ = min{δ1 , ε/(1 + α)}.
Então se x ∈ Ω é tal que kx − x0 k < δ, temos

|f (x) − f (x0 )| ≤ (1 + α)kx − x0 k < ε.

O Vetor Gradiente

Embora a existência das derivadas parciais de uma dada função não


implique a sua diferenciabilidade, a diferencial quando existe, é dada
pelas derivadas parciais, como veremos a seguir.
Se L: Rn → R é função linear, então existe b ∈ Rn tal que L(h) =
hb; hi para todo h ∈ Rn . De fato, seja {e1 , . . . , en } a base canônica
de Rn e bi = L(ei ). Então,

n
! n
X X
L(h) = L hi e i = hi bi = hb; hi.
i=1 i=1

Dizemos que b é a representação matricial de L relativamente à base


canônica.
Seja L = f ′ (x0 ) a diferencial de uma função f . Então, L(h) = hb; hi
para algum b ∈ Rn e para todo h ∈ Rn . Considerando h = λei temos
da definição 5.3

f (x0 + λei ) − f (x0 ) ε(λei )


= L(ei ) + .
λ λ
Fazendo λ tender a zero, concluı́mos que

f (x0 + λei ) − f (x0 ) ∂f


L(ei ) = lim = (x0 ).
λ→0 λ ∂xi
Funções Diferenciáveis 61

Notação: O vetor de Rn
 ∂f ∂f 
∇f (x0 ) = (x0 ), . . . (x0 )
∂x1 ∂xn
é denominado vetor gradiente de f em x0 e é tal que se f é função
diferenciável em x0 , então


f ′ (x0 )(h) = ∇f (x0 ); h , ∀h ∈ Rn .

Vale repetir que a existência do vetor gradiente não implica a dife-


renciabilidade de uma função, mas se a função for diferenciável então
o vetor gradiente é a representação matricial de f ′ (x0 ) relativamente
à base canônica de Rn .
Observação: No caso unidimensional (n = 1), não existe distinção
entre derivável no sentido de Gateaux e derivável no sentido de
Fréchet. De fato, se f : R → R é derivável em x0 , então podemos
escrever
f (x0 + ∆x) = f (x0 ) + f ′ (x0 )∆x + ε(∆x)
e a aplicação linear ∆x 7→ f ′ (x0 )∆x fica unicamente determinada
pela existência da derivada de f em x0 .

Regras Básicas de Derivação


Proposição 5.6: Sejam f, g: Ω → R duas funções diferenciáveis em
x0 . Então
a) f + g é diferenciável em x0 e (f + g)′ (x0 ) = f ′ (x0 ) + g ′ (x0 );
b) f g é diferenciável em x0 e (f g)′ (x0 ) = f (x0 )g ′ (x0 )+ g(x0 )f ′ (x0 );
c) se g(x0 ) 6= 0 então f /g é diferenciável em x0 e

1 
(f /g)′ (x0 ) = 2
g(x0 )f ′ (x0 ) − f (x0 )g ′ (x0 ) .
g(x0 )
Prova: Faremos a demonstração de (b); os outros itens são deixados
como exercı́cio para o leitor.
Por hipótese temos;
f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + ε1 (h),
g(x0 + h) = g(x0 ) + G(h) + ε2 (h),
62 Cálculo Avançado I

onde estamos denotando L = f ′ (x0 ) e G = g ′ (x0 ). Então podemos


escrever

f (x0 + h)g(x0 + h) = f (x0 )g(x0 ) + f (x0 )G(h) + g(x0 )L(h) + E(h),

onde
 
E(h) = f (x0 ) + L(h) ε2 (h) + g(x0 ) + G(h) ε1 (h) +
+ L(h)G(h) + ε1 (h)ε2 (h).

Como a aplicação h 7→ f (x0 )G(h) + g(x0 )L(h) é linear e |E(h)|/khk


tende a zero quando h tende a zero, segue-se o resultado.
Observação: Usando a representação matricial para a diferencial,
podemos expressar os três itens da Proposição 5.6 por

∇(f + g)(x0 ) = ∇f (x0 ) + ∇g(x0 )


∇(f g)(x0 ) = g(x0 )∇f (x0 ) + f (x0 )∇g(x0 )
1  
∇(f /g)(x0 ) = g(x0 )∇f (x0 ) − f (x0 )∇g(x0 )
g(x0 )2

O Caso Geral

Antes de definirmos a diferencial de uma função f : Ω ⊂ Rn → Rm ,


lembremos alguns fatos básicos da Álgebra Linear.
Observação 1: Se L: Rn → Rm é uma transformação linear, fixadas
as bases canônicas de Rn e Rm , existe uma matriz m × n A = [aij ]
tal que
L(x) = Ax, ∀x ∈ Rn .
Dizemos que A é a matriz associada à transformação L ou repre-
sentação matricial (ou representação em coordenadas) de L relativa-
mente à base canônica.
Representaremos a matriz associada a uma transformação L por [L].
Observação 2: Se L1 : Rn → Rm e L2 : Rm → Rk são duas trans-
formações lineares, então podemos definir L2 ◦ L1 : Rn → Rk e

[L2 ◦ L1 ] = [L2 ][L1 ].


Funções Diferenciáveis 63

Definição 5.7: Uma função f : Ω → Rm é dita diferenciável (ou


Fréchet-derivável) em x0 ∈ Ω se existem funções L, εx0 : Rn → Rm
tais que
f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + εx0 (h), (5.4)
com L linear e εx0 função o(khk), isto é, satisfazendo

kεx0 (h)k
lim = 0. (5.5)
h→0 khk

Para simplificar a notação, escreveremos simplesmente ε(h), deixando


de explicitar a dependência de ε em x0 .
Se f é função diferenciável em x0 , então a transformação linear L é
denominada a diferencial de f em x0 (ou a derivada de Fréchet de f
em x0 ) que denotamos por f ′ (x0 ).
Lema 5.8: Uma função f : Ω → Rm , f = (f1 , . . . , fm ) é diferenciável
em x0 se e somente se cada uma de suas componentes fi : Ω → R é
diferenciável em x0
Prova: Se cada fi é diferenciável em x0 , então existem funções Li e
εi satisfazendo (5.1) tais que Li é linear e

|εi (h)|
lim = 0.
h→0 khk

Sejam L = (L1 , . . . , Lm ) e ε = (ε1 , . . . , εm ). Então, é claro que


f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + ε(h) e segue do Teorema 4.13 que
m
kε(h)k kε(h)k1 X |εi (h)|
≤C =C →0 se h → 0.
khk khk i=1
khk

Reciprocamente, se f é diferenciável em x0 , então existem funções


L = (L1 , . . . , Lm ) linear e ε = (ε1 , . . . , εm ) satisfazendo (5.4) e (5.5).
Como cada Li é linear e
|εi (h)| kε(h)k1
≤ ,
khk khk

temos o resultado.
64 Cálculo Avançado I

A Matriz Jacobiana

Se f : Ω → Rm é uma função diferenciável em x0 ∈ Ω, então sua


diferencial (ou sua derivada de Fréchet) f ′ (x0 ) é uma transformação
linear de Rn em Rm . A matriz associada a f ′ (x0 ) relativamente às
bases canônicas de Rn e Rm é dada por
 ∂f ∂f1 ∂f1 
1
(x ) (x ) . . . (x0 )
 ∂x1 0 ∂x2 0 ∂xn 
 ′  
f (x0 ) =  .. .. .. .. 
 . . . . 

∂fm ∂fm ∂fm
(x ) (x ) . . . (x0 )
∂x1 0 ∂x2 0 ∂xn
Observe que as linhas de [f ′ (x0 )] são formadas pelos gradientes de
cada fi em x0 .
 
No caso em que m = n a matriz f ′ (x0 ) é denominada matriz Ja-
cobiana de f em x0 . O seu determinante é denominado Jacobiano
de f em x0 e o seu traço é denominado Divergente de f em x0 , que
denotamos respectivamente por
n
    X ∂fi
Jf (x0 ) = det f ′ (x0 ) e div f (x0 ) = tr f ′ (x0 ) = (x0 ).
i=1
∂xi

 
Observação: Se Jf (x0 ) 6= 0, então a matriz f ′ (x0 ) é inversı́vel.
Como f ′ (x0 ) aproxima f (x) − f (x0 ) na vizinhança de x0 , seria ra-
zoável esperar que f também fosse inversı́vel nas proximidades de
x0 . De fato é quase isso, como veremos mais à frente no estudo do
Teorema da Função Inversa. O Jacobiano e o Divergente também
desempenham papel importante na integração de funções de várias
variáveis.

A Regra da Cadeia

A regra para derivar funções compostas é tradicionalmente denomi-


nada Regra da Cadeia, embora em português talvez fosse mais intui-
tivo denominar regra da corrente, tendo-se em vista a analogia da
regra com a composição dos elos que formam a corrente.
Funções Diferenciáveis 65

Teorema 5.9: (Regra da Cadeia) Sejam Ω subconjunto aberto de


Rn e A subconjunto aberto de Rm . Suponha f : Ω → Rm e g: A → Rk
duas funções tais que f (Ω) ⊂ A. Se f é diferenciável em x0 e g é
diferenciável em y0 = f (x0 ), então g ◦ f é diferenciável em x0 e

(g ◦ f )′ (x0 ) = g ′ (y0 ) ◦ f ′ (x0 ).

Em particular
    
(g ◦ f )′ (x0 ) = g ′ (y0 ) f ′ (x0 ) .

Prova: Sejam L = f ′ (x0 ) e G = g ′ (y0 ). Então

f (x0 + h) = f (x0 ) + L(h) + εf (h) ∀h ∈ Rn


g(y0 + k) = g(y0 ) + G(k) + εg (k) ∀k ∈ Rm

onde εf e εg satisfazem (5.5).


Portanto, podemos escrever
  
g f (x0 + h) = g f (x0 ) + G L(h) + ε(h),

onde ε: Rn → Rk é definida por ε = G ◦ εf + εg ◦ (L + εf ).


Além disso,
 
kε(h)k kG εf (h) k kεg L(h) + εf (h) k
≤ + .
khk khk khk
Pela Proposição 4.22, podemos escrever
kε(h)k kεf (h)k kεg (k)k kkk
≤α + ,
khk khk kkk khk

onde k = L(h) + εf (h).


Como kkk ≤ αkhk + kεf (h)k, temos
 
kε(h)k kεf (h)k kεg (k)k kεf (h)k
≤α + α+ .
khk khk kkk khk

e concluı́mos o resultado, visto que kkk → 0 quando khk → 0.


66 Cálculo Avançado I

O Teorema do Valor Médio

O Teorema do Valor Médio se estende para o caso de funções de Rn


em R e sua demonstração é conseqüência direta da Regra da Cadeia,
como se vê na prova do resultado a seguir.
Teorema 5.10: Seja f : Rn → R uma função diferenciável e x1 e x2
dois pontos de Rn . Então existe x sobre o segmento de reta que liga
x1 a x2 tal que


f (x2 ) − f (x1 ) = ∇f (x); x2 − x1 .

Prova: Consideremos γ: R → Rn a parametrização γ(t) = x1 +


t(x2 − x1 ) da reta que passa por x1 e x2 . É fácil ver que γ é função
diferenciável e γ ′ (t0 ) = x2 − x1 para todo t0 ∈ R.

Seja g: R → R a função real definida pela composição

g(t) = f γ(t) .
Pelo Teorema 5.9, g é função derivável e g ′ (t) = ∇f γ(t) ; x2 − x1 .
Pelo Teorema do Valor Médio para funções   reais de variável real,
g(1) − g(0) = g ′ (t0 ) para algum t0 ∈ 0, 1 . Assim denotando por
x = γ(t0 ), segue o resultado.
Observação: O Teorema do Valor Médio não vale para funções
f : Rn → Rm , se m > 1. Em particular, não vale para curvas em
Rm .

Derivadas Parciais (o caso geral)

Seja f : Rn → Rm uma função diferenciável em


 x0 . Então a diferencial
f ′ (x0 ) fica determinada pela matriz f ′ (x0 ) .
Se Rn = Rk × Rl e x = (y, z) = (y1 , . . . , yk , z1 , . . . , zl ), então podemos
escrever
 
∂f1 ∂f1 ∂f1 ∂f1
(x0 ) · · · (x0 ) (x0 ) · · · (x0 )
  ∂y1 ∂yk ∂z1 ∂zl
 
 ′ 
f (x0 ) =   .
.. . .. .
.. .
.. . .. .
.. 

 ∂fm ∂fm ∂fm ∂fm 
(x0 ) · · · (x0 ) (x0 ) · · · (x0 )
∂y1 ∂yk ∂z1 ∂zl

Se considerarmos os blocos B e C definidos respectivamente por


Funções Diferenciáveis 67

   
∂f1 ∂f1 ∂f1 ∂f1
(x ) · · · (x0 )
 ∂y1 0 ∂yk   ∂z1 (x0 ) · · · ∂zl
(x0 ) 
   
 .. .. .. , .. .. .. 
. .
 ∂fm. . . .
   
∂fm   ∂fm ∂fm 
(x0 ) · · · (x0 ) (x0 ) · · · (x0 )
∂y1 ∂yk ∂z1 ∂zl

então para todo h = (h1 , h2 ) ∈ Rk × Rl , temos

f ′ (x0 )h = Bh1 + Ch2 .

As transformações lineares associadas às submatrizes B e C são de-


nominadas derivadas parciais de f em relação respectivamente a y e
z em x0 e denotamos
   
∂f ∂f
B= (x0 ) , C= (x0 ) .
∂y ∂z

Com esta notação podemos escrever

∂f ∂f
f ′ (x0 )h = (x0 )h1 + (x0 )h2 .
∂y ∂z

Com a notação das derivadas parciais, a Regra da Cadeia toma a


seguinte forma
Teorema 5.11: Seja f : Rk × Rl → Rm uma função diferenciável em
(x0 , y0 ). Sejam ϕ: Rn1 → Rk e ψ: Rn2 → Rl funções diferenciáveis
tais que ϕ(u0 ) = x0 e ψ(v0 ) = y0 . Então g: Rn1 +n2 → Rm definida
por g(u, v) = f ϕ(u), ψ(v) é diferenciável em (u0 , v0 ) e

     
 ′  ∂f ∂ϕ ∂f ∂ψ
g (u0 , v0 ) = (x0 , y0 ) (u0 ) + (x0 , y0 ) (v0 ) .
∂x ∂u ∂y ∂v
68 Cálculo Avançado I

Condições Suficientes para a Diferenciabilidade

Pelo que vimos até agora, só dispomos da definição para verificar se
uma dada função é diferenciável. O Teorema a seguir fornece uma
condição suficiente para a diferenciabilidade de uma dada função.
Teorema 5.12: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → R uma função cujas
derivadas parciais existem em Ω e são contı́nuas em um ponto x0 de
Ω. Então f é diferenciável em x0 .
Prova: À guisa de simplicidade, faremos a demonstração no caso
n = 2; o caso geral segue por argumento análogo.
Seja h = (h1 , h2 ) = h1 e1 + h2 e2 , tal que x0 + h ∈ Ω, onde {e1 , e2 } é
a base canônica de R2 . Então

f (x0 + h) − f (x0 ) = f (x0 + h) − f (x0 + h1 e1 ) + f (x0 + h1 e1 ) − f (x0 ).


(5.6)
Como f possui derivadas parciais em Ω, a função g2 (t) = f (x0 +
h1 e1 + th2 e2 ) é derivável em ]0, 1[. Pelo Teorema do Valor Médio,
existe ξ2 ∈ ]0, 1[ tal que g2 (1) − g2 (0) = g2′ (ξ2 ), isto é,

∂f
f (x0 + h1 e1 + h2 e2 ) − f (x0 + h1 e1 ) = (x0 + h1 e1 + ξ2 h2 e2 )h2 .
∂x2
Analogamente, a função g1 (t) = f (x0 + th1 e1 ) é derivável em ]0, 1[.
Logo, existe ξ1 ∈ ]0, 1[ tal que

∂f
f (x0 + h1 e1 ) − f (x0 ) = (x0 + ξ1 h1 e1 )h1 .
∂x1
Portanto,
∂f ∂f
f (x0 + h) − f (x0 ) = (x0 + ξ1 h1 e1 )h1 + (x0 + h1 e1 + ξ2 h2 e2 )h2 .
∂x1 ∂x2
Denotando por
 
∂f ∂f
ε(h) = (x0 + ξ1 h1 e1 ) − (x0 ) h1
∂x1 ∂x1
  (5.7)
∂f ∂f
+ (x0 + h1 e1 + ξ2 h2 e2 ) − (x0 ) h2 ,
∂x2 ∂x2
Funções Diferenciáveis 69

temos


f (x0 + h) = f (x0 ) + ∇f (x0 ); h + ε(h).

Para concluir que f é diferenciável, basta mostrar que ε(h) é de ordem


o(khk).
Por hipótese, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que se x ∈ Bδ (x0 ), então

∂f ∂f
| (x) − (x0 )| < ε, i = 1, 2.
∂xi ∂xi

Portanto, se khk < δ, segue de (5.7)

|ε(h)| < ǫ|h1 | + ǫ|h2 | = ǫkhk1

e conseqüentemente,
|ε(h)|

khk1
e o resultado segue da equivalência das normas em Rn .
Observação: Vale observar que o Teorema 5.12 dá somente condição
suficiente para a diferenciabilidade. De fato, uma função pode ser
diferenciável num ponto x0 , mesmo tendo suas derivadas parciais
descontı́nuas em x0 . Por exemplo, consideremos f : R2 → R definida
por

2 1
f (x, y) = x sen x se x 6= 0,
0 se x = 0.
Então, calculando diretamente

∂f 1 − cos 1
2x sen x se x 6= 0,
(x, y) = x
∂x 0 se x = 0,

verifica-se que ∂f∂x (x, y) é descontı́nua nos pontos (0, y) para todo y ∈
R. Por outro lado, é fácil ver (verifique!) que f é função diferenciável
em (0, 0) e f ′ (0, 0) = (0, 0).
70 Cálculo Avançado I

A Função Diferencial – Funções de Classe C1

Se f : Ω ⊂ Rn → Rm é uma função diferenciável em cada ponto


x do seu domı́nio, então podemos considerar a função linear f ′ (x),
diferencial de f em x. Temos assim a aplicação

f ′ : Ω →L(Rn , Rm ),
x 7→f ′ (x),

onde L(Rn , Rm ) denota o espaço de todas as aplicações lineares de


Rn em Rm . f ′ é denominada a função diferencial de f (ou função
derivada de Fréchet de f ).
Observe que, fixada uma base nos espaços Rn em Rm , como por
exemplo a base canônica, então cada elemento T de L(Rn , Rm ) pode
ser representado por uma matriz [T ] de Mm×n .
Exemplo 1: Se f (x, y) = (xy, x2 + y 2 ) então f ′ : R2 → L(R2 , R2 ) é
dada por  
y x
[f ′ (x, y)] =
2x 2y

Exemplo 2: Se f : Rn → R é definida por f (x) = kxk22 , então


f ′ (x) = 2x para todo x ∈ Rn . Logo f ′ ≡ 2I, onde I denota a
função identidade de Rn em Rn .
Se m = 1, então o espaço L(Rn , R) pode ser identificado com Rn (ou
mais precisamente com M1×n ), isto é, L(Rn , Rm ) ∼ = Rn . Neste caso,
se f : Ω → R é função diferenciável, podemos fazer a identificação
f ′: Ω → Rn ,
x 7 → ∇f (x).

Definição 5.13: Dizemos que uma função diferenciável f : Ω → Rm


é de Classse C 1 (ou continuamente diferenciável) em x0 ∈ Ω se f ′ é
função contı́nua em x0 . Dizemos que f é de classe C 1 em Ω se f ′ é
função contı́nua em todos os pontos de Ω.
Como já vimos anteriormente, uma função f pode possuir derivadas
parciais e não ser diferenciável. De fato, pode nem mesmo ser con-
tı́nua. Entretanto, se f é uma função convexa e possui derivadas
parciais, então ela é necessariamente de classe C 1 .
Funções Diferenciáveis 71

Teorema 5.14: Seja Ω um aberto convexo de Rn e f : Ω → R uma


função convexa que possui derivadas parciais em todos os pontos de
Ω. Então f é de classe C 1 .
Prova: Como f é convexa, então

f λy + (1 − λ)x ≤ λf (y) + (1 − λ)f (x) (5.8)
para todo x, y ∈ Ω e 0 ≤ λ ≤ 1. Seja K um subconjunto compacto de
Ω. Então existe δ > 0 tal que x + sei ∈ Ω para todo x ∈ K, |s| < δ,
e i = 1, 2, . . . , n, onde {e1 , . . . , en } é a base canônica de Rn . Assim,
para y = x + sei obtemos de (5.8)
f (x + λsei ) − f (x)
≤ f (x + sei ) − f (x).
λ
Passando ao limite nesta desigualdade quando λ → 0+ temos que
s∇f (x) · ei ≤ f (x + sei ) − f (x).
Como esta desigualdade também é válida substituindo s por −s,
segue que se s ∈]0, δ[, então
f (x) − f (x − sei ) f (x + sei ) − f (x)
≤ ∇f (x) · ei ≤ (5.9)
s s
para todo x ∈ K e i = 1, . . . , n.
Se f não é C 1 , então existe ε > 0, x0 ∈ Ω e uma seqüência {xk }k≥1
em Ω tal que xk → x0 e
|∇f (xk ) − ∇f (x0 )| > ε, ∀k. (5.10)
Seja K = {x0 , x1 , x2 , . . .}. Se |s| < δ/2 e k é suficientemente grande,
então xk ± sei ∈ Ω e, como f é contı́nua em Ω (veja Exercı́cio 4.8),
segue de (5.9) que a seqüência {∇f (xk ) · ei } é limitada, para cada
i = 1, . . . , n. Portanto, passando a uma subseqüência se necessário,
podemos supor que existe u ∈ Rn tal que ∇f (xk ) → u. Passando ao
limite quando k → ∞ em (5.9), temos, para s ∈]0, δ/2[ e i = 1, . . . , n,
f (x0 ) − f (x0 − sei ) f (x0 + sei ) − f (x0 )
≤ u · ei ≤ . (5.11)
s s
Fazendo s → 0+ em (5.11) obtemos ∇f (x0 ) = u, o que está em
contradição com (5.10). Portanto, x 7→ ∇f (x) é contı́nua em Ω.
72 Cálculo Avançado I

A Projeção Ortogonal

A Projeção Ortogonal sobre um convexo fechado C de Rn que in-


troduzimos no Capı́tulo 4 (veja Exercı́cio 4.12) é fundamental na
Análise Convexa e surge com freqüência nas aplicações. Vamos encer-
rar este Capı́tulo mostrando uma propriedade importante: que elas
são derivadas de Fréchet de funções reais definidas em Rn .
Teorema 5.15: Seja C um conjunto convexo e fechado de Rn e
considere a função f : Rn → R definida por

1
f (x) = x − PC (x); PC (x) , (5.12)
2
onde PC : Rn → Rn é a projeção ortogonal sobre C definida em (4.10).
Então f é função de classe C 1 em Rn e f ′ = PC .
Prova: Sejam x0 e h em Rn . Então podemos escrever


f (x0 + h) = f (x0 ) + PC (x0 ); h + ε(h),

onde
1 1

ε(h) = kPC (x0 )k22 − kPC (x0 +h)k22 + x0 +h; PC (x0 +h)−PC (x0 ) .
2 2
Como g(x) = 21 kxk22 é diferenciável com g ′ (x) = x para todo x ∈ Rn ,
temos do Teorema do Valor Médio,
1 1
kPC (x0 )k22 − kPC (x0 + h)k22 =
2
2
(1 − θ)PC (x0 ) + θPC (x0 + h); PC (x0 ) − PC (x0 + h) ,

para algum θ ∈ ]0, 1[. Logo,




ε(h) = x0 − PC (x0 ); PC (x0 + h) − PC (x0 )
− θkPC (x0 + h) − PC (x0 )k22 (5.13)


+ h; PC (x0 + h) − PC (x0 ) .

Como as duas primeiras parcelas do lado direito de (5.13) são nega-


tivas (veja Exercı́cio 4.12(b)), temos

ε(h) ≤ khk2 kPC (x0 + h) − PC (x0 )k2 ≤ khk22 .


Funções Diferenciáveis 73

Por outro lado, considerando ν = 1 − θ, temos




ε(h) = νPC (x0 ) + (1 − ν)PC (x0 + h); PC (x0 ) − PC (x0 + h)


+ x0 + h; PC (x0 + h) − PC (x0 )


= x0 + h − PC (x0 + h); PC (x0 + h) − PC (x0 )
+ νkPC (x0 ) − PC (x0 + h)k22 ≥ 0

Portanto, 0 ≤ ε(h) ≤ khk22 e temos a conclusão.


Observação: Embora estejamos nos referindo às projeções sobre
convexos fechados de Rn , é imediato verificar que a demonstração
acima é válida para qualquer espaço de Hilbert V , isto é, qualquer
espaço de Banach cuja norma seja proveniente de um produto interno.

Exercı́cios

Exercı́cio 5.1. Sejam ψ, ϕ: R → R satisfazendo

lim ϕ(s) = 0.
s→±∞

Considere f : R2 → R definida por



f (x, y) = ϕ(y/x2 )ψ(|x|) se x 6= 0 (5.14)
0 se x = 0

a) Considere ψ(s) = s. Mostre que f é Gateaux-derivável em (0, 0)


com
∂f
(0, 0) = 0 ∀u ∈ R2 vetor unitário ,
∂u
mas f não é diferenciável em (0, 0).
b) Verifique que a função f do Exemplo 6 deste capı́tulo é obtida
de (5.14) com ϕ(s) = 2s/(1 + s2 ) e ψ(s) = s.
c) Sejam ψ(s) = 1 ∀s ≥ 0 e ϕ = 1[1,2] a função caracterı́stica de
[1, 2], isto é, ϕ(s) = 1 se s ∈ [1, 2] e ϕ(s) = 0 senão. Mostre que
f definida por (5.14) satisfaz o item (a) mas f não é contı́nua
em (0, 0).
74 Cálculo Avançado I

Exercı́cio 5.2.
a) Considere f : Rn → R dada por f (x) = 12 kxk22 . Mostre que f é
diferenciável e que f ′ : Rn → Rn é a matriz identidade I.
b) Seja f : Rn → R dada por f (x) = p1 kxkpp , com 1 < p < ∞. Mostre
que f é diferenciável. Mostre que kf ′ (x)kqq = kxkpp , ∀x ∈ Rn e
1/p + 1/q = 1.
n n

Sejam f, g: R → R funções diferenciáveis e con-
Exercı́cio 5.3.
sidere F (x) = f (x); g(x) , onde h ; i denota o produto escalar usual
em Rn . Mostre que F é diferenciável e calcule F ′ (x).
Exercı́cio 5.4. Seja A matriz n × n, g: Rn → R função diferenciável
e defina F (x) = g(Ax). Mostre que F ′ (x) = AT g ′ (Ax), ∀x, onde AT
é a transposta de A.
Observe que, em particular, se F (x) = 21 kAxk22 , então F ′ : Rn → Rn
é dada por F ′ = AT A.
Exercı́cio 5.5. Seja F (x) = hAx; xi, ∀x ∈ Rn . Mostre que F ′ =
AT + A. Calcule G′ para G(x) = hAx; Bxi, A e B matrizes n × n.
Exercı́cio 5.6. Diz-se que uma função f : Rn → R é p-homogênea
se f (λx) = λp f (x), ∀λ > 0. Mostre
que toda função p-homogênea e
diferenciável

satisfaz a relação x; ∇f (x) = pf (x). Reciprocamente,
se x; ∇f (x) = pf (x), ∀x ∈ Rn , então f é p-homogênea. Dê exemplo
de função p-homogênea. Existe função p-homogênea descontı́nua?
Exercı́cio 5.7. Sabemos que o TVM é válido para funções diferen-
ciáveis de Rn em R, isto é; se x1 , x0 ∈ Rn , então existe t ∈ ]0, 1[ tal
que


f (x1 ) − f (x0 ) = f ′ (xt )(x1 − x0 ) = ∇f (xt ); x1 − x0 ,
onde xt = x0 + t(x1 − x0 ).
a) Verifique que o TVM não vale para funções de Rn em Rm se
m > 1.
b) Mostre que vale a Desigualdade do Valor Médio: se f : Rn → Rn ,
então
kf (x1 ) − f (x0 )k2 ≤ kf ′ (xt )(x1 − x0 )k2 .
Em particular, vale a desigualdade
kf (x1 ) − f (x0 )k2 ≤ kf ′ (xt )kk(x1 − x0 )k2 ,
Funções Diferenciáveis 75

onde estamos denotando

kf ′ (x)k = sup{kf ′ (x)hk2 ; khk2 = 1}.




Sug.: Considere h(t) = f (x0 + t(x1 − x0 )); f (x1 ) − f (x0 ) .
Exercı́cio 5.8. Seja B = B1 (0) a bola unitária de Rn e f : B →
B uma função de classe C 1 . Suponha que existe α > 0 tal que
kf ′ (x0 )hk2 ≤ αkhk2 , ∀h ∈ Rn . Prove que

kf (x) − f (y)k2 ≤ αkx − yk2 , ∀x, y ∈ B.

Exercı́cio 5.9. Seja f : Rn → Rm função de classe C 1 . Mostre que:


Z 1
f (x0 + h) − f (x0 ) = f ′ (x0 + th)h dt.
0

Obs.: Se γ(t) = γ1 (t), . . . , γm (t) , define-se
Z b Z b Z b 
γ(t) dt = γ1 (t) dt, . . . , γm (t) dt (5.15)
a a a

Exercı́cio 5.10. Seja f : R2 \ {0} → R2 contı́nua satisfazendo:


(1) x e f (x) são linearmente dependentes para todo x ∈ R2 \{0}.
(2) kxk2 kf (x)k2 = 1, ∀x ∈ R2 \ {0}.
a) Determine f (x). Mostre que f é diferenciável e determine f ′ (x).
b) Se C ⊂ R2 é uma circunferência que não passa pela origem,
determine f (C). Quem é f (C) se C passa pela origem?
Exercı́cio 5.11. Seja V = Mn×n o espaço das matrizes n×n munido
da norma induzida (veja (4.11)) por uma norma qualquer de Rn .
Considere f : V → V a função definida por f (X) = X 2 . Mostre que f
é diferenciável em V e calcule f ′ (X)H para toda H ∈ V . (Cuidado!
f ′ (X) 6= 2X. Por quê?)
Faça o mesmo para f (X) = X 3 .
Exercı́cio 5.12. Seja Ω aberto de Rn e f : Ω → Rm uma função de
classe C 1 em Ω. Mostre que ε: Ω × Rn → Rm definida por

ε(x, h) = εx (h) = f (x + h) − f (x) − f ′ (x)h


76 Cálculo Avançado I

é contı́nua em Ω × Rn . Mostre também que


kε(x, h)k
lim =0
h→0 khk
uniformemente nos compactos de Ω. Mais precisamente, mostre que
se K ⊂ Ω é um conjunto compacto e ε > 0, então existe δ > 0
(independente de x ∈ K) tal que
kε(x, h)k
khk < δ =⇒ < ε, ∀x ∈ K. (5.16)
khk
Exercı́cio 5.13. Seja Ω aberto de R2 e f : Ω → R uma função de
classe C 1 em Ω. Seja R ⊂ Ω o retângulo R = [a, b] × [c, d]. Considere
g: [a, b] → R definida por
Z d
g(x) = f (x, y) dy.
c
Mostre que g é diferenciável em ]a, b[ e que para todo x0 ∈ ]a, b[,
Z d
′ ∂f
g (x0 ) = (x0 , y) dy.
c ∂x

Exercı́cio 5.14. Calcule PC (x) e f (x) definida por (5.12) para cada
um dos seguintes convexos:
(a) C = [0, +∞[;
(b) C = [0, 1];
(c) C = [0, +∞[ ×[0, +∞[
(d) C = BR (0) a bola de raio R e centro em zero de RN .
Descreva o operador de projeção PC nos três primeiros casos acima
usando a notação
x + |x|
x+ = max{x, 0} = .
2
Exercı́cio 5.15. Seja f : U ⊂ Rn → R função Lipschitz, U aberto e
x0 ∈ U . Suponha que, para todo h ∈ Rn , existe o limite
f (x0 + λh) − f (x0 )
g(h) = lim (5.17)
λ→0 λkhk
e que a aplicação g: RN → R definida por (5.17) é linear em h. Mostre
que f é diferenciável em x0 .
6
Curvas em Rn

Se imaginarmos uma partı́cula se deslocando no espaço, podemos


descrever sua posição (x, y, z) em cada instante t por equações

x = γ1 (t), y = γ2 (t), z = γ3 (t), (6.1)

onde cada γi (t) é uma função real da variável real t, com t percorrendo
um dado intervalo I ⊂ R.
A trajetória da partı́cula é uma curva em R3 e (6.1) são denomi-
nadas equações paramétricas da curva (ou da trajetória), sendo t o
parâmetro.
Se denotarmos por γ: I → R3 a função dada por

γ(t) = γ1 (t), γ2 (t), γ3 (t) ,

então temos uma representação vetorial para as equações paramé-


tricas da curva e γ(I), a imagem de I por γ é a curva de R3 sobre a
qual a partı́cula se desloca.
As considerações acima nos levam à seguinte definição para curvas
em Rn .
Definição 6.1: Seja I um intervalo de R e γ: I → Rn uma função
contı́nua. Dizemos que γ(I) é uma curva em Rn e que γ é uma
representação paramétrica ou uma parametrização da curva.
 
Se I = a, b é um intervalo fechado, dizemos que a curva tem ex-
tremidades γ(a) e γ(b), ou que a curva liga os pontos x = γ(a) e
y = γ(b). Se γ é uma função injetora, dizemos que a curva é simples.
78 Cálculo Avançado I

Exemplo 1: Sejam u0 e v dois vetores de Rn e γ: R → Rn a função


definida por γ(t) = u0 + tv. Então γ(R) é a reta que passa por u0 e
é paralela a v. Em particular, se u0 = 0 γ é uma função linear.
 
Exemplo 2: Sejam I = 0, 2π e γ: I → R2 definida por γ(θ) =
(sen θ, cos θ). Então γ(I) é a circunferência unitária centrada na
origem de R2 .
 
Exemplo 3: Sejam I = 0, +∞ e γ: I → R3 definida por γ(θ) =
(e−θ cos θ, e−θ sen θ, e−θ ). Então γ(I) é uma espiral de R3 .
Exemplo 4: Como era de se esperar, todo gráfico de função real
contı́nua de uma variável real é uma curva. Com efeito, se f : I →
R é uma função contı́nua definida num intervalo I, então podemos
considerar a parametrização γ: I → R2 definida por γ(x) = x, f (x) .
Observação: A definição 6.1 acima inclui situações que fogem ao
senso comum. Por exemplo, seja γ(t) = (a1 , . . . , an ), para todo
t ∈ R, isto é, γ uma função constante. Como toda função constante é
contı́nua, temos um ponto como caso especial de curva de Rn (com-
pare este exemplo com caso especial de seqüência constante). Entre-
tanto, dois pontos isolados não podem ser considerados uma curva
(justifique!).
Outro exemplo: consideremos uma mesa de sinuca de dimensões a e b.
A trajetória de uma bolaque se desloca
 sobre a mesa (aqui represen-
tada pelo retângulo 0, a × 0, b ) pode ser descrita por  uma
 função
 
γ: I ⊂ R → R2 , cuja imagem γ(I) está contida em 0, a × 0, b .
Podemos imaginar uma situação ideal em que a ausência de atrito
permita que a bola (considerada um ponto), uma vez deslocada, per-
maneça em movimento sobre a mesa, refletindo nos bordos indefinida-
mente. Nestas circunstâncias, podemos provar que se a e b satisfazem
certas condições, a bola passa por quase todos os pontos da mesa. Por
exemplo, se a bola é lançada de algum ponto com inclinação de 45◦
e a/b ∈ / Q, então para qualquer ponto P = (x, y) ∈ [0, a] × [0, b]
e para
 cada
 ε > 0 existe t > 0 tal que kP − γ(t)k< ε. Portanto,
2
γ: 0, ∞ →  contı́nua tal que γ 0, ∞ é um cojunto
 R é função
denso em 0, a × 0, b .
Situações semelhantes aparecem em movimentos de pêndulos girató-
rios, nas figuras de Lissajous.
Para simplificar a terminologia, denominaremos curva γ de Rn toda
n
Curvas em R 79

e qualquer função contı́nua γ: I → Rn , onde I é uma intervalo de R.

Curvas Retificáveis

Seja γ uma curva de Rn parametrizada por γ: I → Rn , onde I é um


intervalo de R. É geometricamente intuitivo considerar que se γ não
for muito complicada, podemos calcular um valor aproximado para
seu comprimento pela expressão
m
X
kγ(ti ) − γ(ti−1 )k, (6.2)
i=1

onde P = {t0 < t1 < · · · < tm−1 < tm } é uma partição de I, isto
é, um conjunto finito de pontos de I. Além disso, segue da desigual-
dade triangular que as somas em (6.2) aumentam se a partição P for
refinada. Portanto, é razoável que o comprimento de γ seja dado pelo
supremo das somas em (6.2) para todas as possı́veis partições de I.
Para formalizar estas idéias, denotemos por P a coleção de todas as
partições do intervalo I.
Definição 6.2: Uma curva γ: I → Rn é retificável se existe M > 0
tal que
Xm
kγ(ti ) − γ(ti−1 )k ≤ M,
i=1

para qualquer partição P de I. Além disso, se γ é retificável, então


m
nX o
med(γ) = sup kγ(ti ) − γ(ti−1 )k ; ti ∈ P
P ∈P i=1

é denominado o comprimento de γ.

Curvas Diferenciáveis

Seja γ uma curva em Rn . Se γ: I → Rn é uma função diferenciável


em todos os pontos interiores de I, dizemos que γ é uma curva dife-
renciável.
80 Cálculo Avançado I

Em particular, segue da definição que

γ(t0 + ∆t) = γ(t0 ) + γ ′ (t0 )∆t + ε(∆t),

onde γ ′ (t0 ): R → Rn é uma função linear e ε: R → Rn é função o(|∆t|),


isto é,
kε(∆t)k
lim = 0.
∆t→0 |∆t|
Vale observar que γ ′ (t0 ): R → Rn sendo uma função linear é neces-
sariamente da forma γ(t0 )(s) = su, com u ∈ Rn . Além disso, segue
do Teorema 5.8 que a curva γ = (γ1 , . . . , γn ) é uma curva diferenciável
se e somente se cada coordenada γi é função diferenciável no interior
de I.
Se γ: [a, b] → Rn é curva diferenciável em (a, b) e se existem os limites
lateriais
γ(t) − γ(a) γ(t) − γ(b)
lim+ e lim− ,
t→a t−a t→b t−b
dizemos que γ é diferenciável em [a, b]. Se γ ′ : I → Rn é função
contı́nua, dizemos que γ é curva de classe C 1 em I.
Proposição 6.3: Se γ: [a, b] → Rn é curva de classe C 1 em [a, b],
então γ é retificável e
Z b
med(γ) = kγ ′ (t)k dt.
a

Prova: Seja ε > 0 e P = {t0 = a < t1 < . . . < tm = b} uma partição


de [a, b]. Como γ é de classe C 1 , temos, para i = 1, . . . , m (veja
Exercı́cio 5.9),
Z 1 
γ(ti ) − γ(ti−1 ) = ∆ti γ ′ sti−1 + (1 − s)ti ds,
0

onde ∆ti = ti − ti−1 . Logo,

kγ(ti ) − γ(ti−1 ) − γ ′ (ti−1 )∆ti k ≤


Z 1

∆ti kγ ′ sti−1 + (1 − s)ti − γ ′ (ti−1 )k ds.
0
n
Curvas em R 81

Como t 7→ kγ ′ (t)k é uma função uniformemente contı́nua em [a, b],


existe δ0 > 0 tal que se ∆ti < δ0 , então
 ε
kγ ′ sti−1 + (1 − s)ti − γ ′ (ti−1 )k ≤ , ∀s ∈ [0, 1].
2(b − a)

Portanto, para i = 1, . . . , m, se ∆ti < δ0 , temos kγ(ti ) − γ(ti−1 ) −


γ ′ (ti−1 )∆ti k ≤ ε∆ti /2(b − a) e segue da desigualdade triangular,
ε∆ti
kγ ′ (ti−1 )k∆ti − ≤ kγ(ti ) − γ(ti−1 )k
2(b − a)
(6.3)
ε∆ti
≤ kγ ′ (ti−1 )k∆ti + .
2(b − a)

Tomando-se a soma em i nas desigualdades (6.3), obtemos


m m
X ε X
kγ ′ (ti−1 )k∆ti − ≤ kγ(ti ) − γ(ti−1 )k ≤
i=1
2 i=1
m
X ε
kγ ′ (ti−1 )k∆ti + .
i=1
2


Pmsegue′ da continuidade de t 7→ kγ (t)k que as somas
Por outro lado,
de Riemann i=1 kγ (ti−1 )k∆ti convergem para a integral, isto é,
existe δ1 > 0 tal que se ∆ti < δ1 então
Z m

b X ε
′ ′
kγ (t)k dt − kγ (ti−1 )k∆ti < .
a 2
i=1

Portanto, se a partição P é tal que ∆ti < min{δ0 , δ1 }, então


Z b m
X Z b
kγ ′ (t)k dt − ε ≤ kγ(ti ) − γ(ti−1 )k ≤ kγ ′ (t)k dt + ε
a i=1 a

e concluı́mos que γ é retificável com


Z b
med(γ) = kγ ′ (t)k dt.
a
82 Cálculo Avançado I

Integrais de Linha e Campo Gradiente

Seja g: Ω → Rn uma função contı́nua, onde Ω ⊂ Rn é um con-


junto aberto. Seja γ: [a, b] →
Rn uma
 curva
1
de classe C contida

em Ω. Então a função ϕ(t) = g γ(t) ; γ (t) é contı́nua e portanto
integrável em [a, b] .
Definição 6.4: Denominamos integral de linha de g sobre γ a inte-
gral
Z Z b


g · dγ = g γ(t) ; γ ′ (t) dt.
γ a

O Teorema Fundamental do Cálculo afirma que se g: ]a, b[ → R é


contı́nua, então a função f : ]a, b[ → R definida por
Z x
f (x) = y0 + g(s) ds
x0

onde x0 ∈ ]a, b[, é diferenciável e é a única função que satisfaz


(
f ′ (x) = g(x), ∀x ∈ ]a, b[
f (x0 ) = y0 .

A questão natural sobre a extensão do Teorema Fundamental do


Cálculo para as funções de várias variáveis pode ser formulada da
seguinte forma:
Problema: Seja Ω aberto e conexo de Rn , x0 ∈ Ω e y0 ∈ R.
Dada g: Ω → Rn contı́nua, deseja-se saber se existe f : Ω → R
função diferenciável tal que
(
f ′ (x) = g(x), ∀x ∈ Ω
f (x0 ) = y0 .

Uma função g para a qual o problema acima tem resposta afirmativa


é denominado Campo Gradiente em Ω e a função f é denominada
potencial associado ao campo g.
Uma condição necessária para que g seja um campo gradiente pode
ser obtida pela Regra da Cadeia. De fato, sejam x e y dois pontos de
n
Curvas em R 83

Ω e γ1 , γ2 : [0, 1] → Ω duas curvas de classe C 1 ligando x a y. Então,


segue da Regra da Cadeia,
Z 1

′ 
f (y) − f (x) = f γi (t) ; γi′ (t) dt, i = 1, 2,
0

isto é, as integrais de linha sobre γ1 e γ2 são iguais.


A observação acima suscita de imediato a questão sobre a possibili-
dade de se ligar dois pontos quaisquer de um aberto conexo por uma
curva de classe C 1 totalmente contida em Ω. De fato,
Lema 6.5: Sejam Ω aberto e conexo de Rn , x e y dois pontos de Ω.
Então existe uma curva γ: [a, b] → Ω de classe C 1 em [a, b] ligando x
a y.
Prova: Veja exercı́cios.
As observações acima e considerações da fı́sica (veja próxima seção)
nos levam à
Definicão 6.6: Seja Ω aberto e conexo de Rn . Dizemos que g: Ω →
Rn é Campo Conservativo em Ω se para todo x, y ∈ Ω e duas curvas
diferenciáveis quaisquer γ1 , γ2 ligando x a y, temos
Z Z
g · dγ = g · dγ.
γ1 γ2

Temos então a condição necessária:


Lema 6.7: Seja Ω aberto e conexo de Rn . Se f : Ω → R é função de
classe C 1 em Ω, então f ′ é campo conservativo em Ω.
Teorema 6.8: Seja Ω aberto e conexo de Rn . Se g: Ω → Rn é campo
conservativo contı́nuo em Ω, então dado x0 ∈ Ω e y0 ∈ R, existe uma
única f : Ω → R de classe C 1 tal que
(
f ′ (x) = g(x), ∀x ∈ Ω
f (x0 ) = y0 .

Prova: Seja f : Ω → R a função definida por


Z 1


f (x) = y0 + g γ(t); γ ′ (t) dt, (6.4)
0
84 Cálculo Avançado I

onde γ: [0, 1] → Rn é uma curva de classe C 1 contida em Ω ligando x0


a x. Como g é campo conservativo, f está bem definida e f (x0 ) = y0 .
Provemos então que f é diferenciável e que f ′ ≡ g em Ω.
Seja x ∈ Ω e r > 0 tal que Br (x) ⊂ Ω. Para h ∈ Rn tal que
khk < r, seja γ1 : [0, 2] → Rn uma curva de classe C 1 ligando x0 a
x + h totalmente contida em Ω, satisfazendo

γ1 (t) = x + (t − 1)h, ∀t ∈ [1, 2].

Então podemos escrever


Z 2

f (x + h) = y0 + g γ1 (t)); γ1′ (t) dt. (6.5)
0

Consideremos γ2 , γ3 : [0, 1] → Rn definidas por

γ2 (t) = γ1 (t),
γ3 (s) = γ1 (s + 1) = x + sh.

Então γ2 e γ3 são curvas de classe C 1 ligando respectivamente x0 a


x e x a x + h. Da definição (6.4), a equação (6.5) toma a forma
Z 1
Z 1

 
f (x+h) = f (x)+ g γ3 (s) ; γ3′ (s) ds = f (x)+ g γ3 (s) ; h ds.
0 0

(6.6)

Podemos ainda reescrever (6.6) na forma f (x+h) = f (x)+ g(x); h +
ǫ(h), onde
Z 1


ǫ(h) = g γ3 (s) − g(x); h ds. (6.7)
0

Como g é contı́nua em Ω, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que se ky−xk <
δ, então kg(y) − g(x)k < ε. Portanto, se khk < δ, temos de (6.7)

|ǫ(h)|
≤ kg(γ3 (s)) − g(x)k < ε.
khk

Como a unicidade de f é conseqüência imediata do Teorema do Valor


Médio, concluı́mos a prova.
n
Curvas em R 85

Observação: O Teorema 6.8 dá condições suficientes para que g seja


um campo gradiente num aberto conexo de Rn , mas não oferece um
critério prático para isso. Podemos obter um critério simples e fácil
de provar supondo Ω convexo.
Teorema 6.9: Seja Ω aberto e convexo de Rn , x0 ∈ Ω e y0 ∈ R.
Se g: Ω → Rn é função de classe C 1 em Ω tal que g ′ (x) é matriz
simétrica para todo x ∈ Ω, então g é campo gradiente em Ω.
Prova: Sejam x, y ∈ Ω e γ0 , γ1 : [0, 1] → Rn duas curvas diferenciáveis
distintas que ligam x a y em Ω. Para cada s ∈ [0, 1], consideremos

γs : [0, 1] → Rn definida por γs (t) = γ0 (t) + s γ1 (t) − γ0 (t) . Então
para cada s ∈ [0, 1], γs é curva diferenciável ligando x a y e γs′ (t) =
γ0′ (t) + s γ1′ (t) − γ0′ (t) .
Seja Φ(s) a função definida por
Z 1

Φ(s) = g γs (t) ; γs′ (t) dt.
0

Como g é de classe C 1 , podemos calcular a derivada de Φ em relação


ao parâmetro s derivando sob o sinal de integral (veja Exercı́cio 5.13).
Assim,
Z 1


Φ′ (s) = g γs (t) ; γs′ (t) dt
0 ∂s
Z 1 Z 1

′ d ′

 d
= g γs (t) γs (t); γs (t) + g γs (t) ; γs′ (t) .
0 ds 0 ds
 
Como g ′ (x) é simétrica, temos
Z 1
Z 1


d  d
g γs (t) γs (t); γs′ (t) dt = g ′ γs (t) γs′ (t); γs (t) dt.
0 ds 0 ds

Por outro lado, como

d


g γs (t) ; γ1 (t) − γ0 (t) = g ′ γs (t) γs′ (t); γ1 (t) − γ0 (t)
dt

+ g γs (t) ; γ1′ (t) − γ0′ (t) ,
86 Cálculo Avançado I

podemos escrever
Z 1
′ d

Φ (s) = g γs (t) ; γ1 (t) − γ0 (t) dt = 0.
0 dt
Portanto Φ(s) é função constante e concluı́mos
Z Z
g · dγ = Φ(1) = Φ(0) = g · dγ
γ1 γ0
e temos a conclusão pelo Teorema 6.8.
Observação: A hipótese sobre a convexidade de Ω no Teorema 6.9
não é necessária, mas o resultado não pode ser estendido a todos os
abertos conexos, como se pode ver pelo seguinte exemplo.

Exemplo: Seja Ω = (x1 , x2 ) ∈ R2 ; 1/4 < x21 + x22 < 4 . Seja
g: Ω → R2 a função definida por
 
−x2 x1
g(x1 , x2 ) = , .
x21 + x22 x21 + x22
 
É fácil ver que g é de classe C 1 em Ω e que g ′ (x1 , x2 ) é matriz
simétrica para todo (x1 , x2 ) ∈ Ω. No entanto, g não é campo con-
servativo em Ω. De fato, considerando γ1 , γ2 : [0, 1] → Ω as curvas
definidas por
γ1 (t) = (cos πt, sen πt) e γ2 (t) = (cos πt, − sen πt),
então γ1 e γ2 ligam (1, 0) a (−1, 0) e
Z Z
π= g · dγ 6= g · dγ = −π.
γ1 γ2
Portanto, não existe f : Ω → R diferenciável tal que f ′ (x) = g(x) para
todo x ∈ Ω.

Por outro lado, g é de classe C 1 no convexo Ω1 = (x1 , x2 ) ∈
R2 ; x1 > 0 e g ′ (x1 , x2 ) é simétrica para todo (x1 , x2 ) ∈ Ω1 . Pelo
Teorema 6.9 existe f : Ω1 → R um potencial de g em Ω1 . De fato, um
cálculo simples mostra que f (x1 , x2 ) = arctan(x2 /x1 ) é potencial de
g em Ω1 .
 f (x1 , x2 ) = − arctan(x
Analogamente, 1 /x2 ) é potencial de g no con-
vexo Ω2 = (x1 , x2 ) ∈ R2 ; x2 > 0 .
Uma generalização do Teorema 6.9 pode ser obtida fazendo-se uso do
Teorema de Stokes.
n
Curvas em R 87

Conservação da Energia

Consideremos uma partı́cula de massa m que se desloca no espaço R3


sob a ação de um campo de forças g: R3 → R3 . Se γ(t) é sua posição
no instante t, temos pela lei de Newton: a variação da quantidade
de movimento em cada instante é igual a resultante das forças que
atuam sobre a partı́cula, isto é,
d 
mγ ′ (t)) = g γ(t) .
dt
Se g é um campo gradiente, definimos a Energia da partı́cula no
instante t por
m ′ 
E(t) = Ec (t) + Ep (t) = kγ (t)k22 − f γ(t) , (6.8)
2
onde f é o potencial associado a g. Ec e Ep são respectivamente as
energias cinética e potencial no instante t.
Como conseqüência da lei de Newton temos a Conservação da Ener-
gia, isto é, E(t) = E(0) para todo t. De fato,

d


E(t) = m γ ′ (t); γ ′′ (t) − ∇f γ(t) ; γ ′ (t)
dt

= mγ ′′ (t) − g γ(t) ; γ ′ (t) = 0.

Exercı́cios

Exercı́cio 6.1. Seja γ: [0, +∞[ → R3 definida por

γ(t) = (e−t cos t, e−t sen t, e−t ).

Mostre que γ é retificável e calcule seu comprimento.


Exercı́cio 6.2. Dê exemplo de uma curva γ: [0, 1] → R2 , ligando dois
pontos de R2 que não seja retificável.
Exercı́cio 6.3. Uma partı́cula se move no plano (resp. no espaço) e
sua trajetória é descrita por

γ(t) = (1 − t)2 x1 + 2t(1 − t)x2 + t2 x3 , t ∈ [0, 1], (6.9)


88 Cálculo Avançado I

onde x1 , x2 e x3 são pontos dados de R2 (resp. R3 ).


a) Descreva o movimento da partı́cula, fazendo um esboço da tra-
jetória.
b) Calcule γ ′ (0) e γ ′ (1).
c) Se x1 , x2 e x3 não são colineares, mostre que γ(t) está contido
no triângulo com vértices em x1 , x2 e x3 .
Exercı́cio 6.4. O mesmo do exercı́cio anterior para a partı́cula cuja
trajetória é descrita por

γ(t) = (1 − t)3 x1 + 3t(1 − t)2 x2 + 3t2 (1 − t)x3 + t3 x4 . (6.10)

Observação: As curvas definidas por (6.9) e (6.10) têm como coor-


denadas polinômios na variável t denominados Polinômios de Bern-
shteı̆n, porque foram introduzidos por Sergeı̆ Bernshteı̆n em 1912 num
trabalho pioneiro em Teoria da Aproximação. As curvas mencionadas
são denominadas Curvas de Bézier, por ter sido Pierre Bézier quem
as introduziu nos anos sessenta como importante ferramenta para a
Computação Gráfica. Enfatizamos aqui a importância destas curvas
na construção e desenho dos caracteres e sı́mbolos (fontes do TEX)
utilizados neste texto.
Exercı́cio 6.5. Seja Ω aberto e conexo de Rn . (a) Mostre que se
x e y são dois pontos quaisquer de Ω, existe uma curva ligando x
a y totalmente contida em Ω. Sugestão: Fixe x ∈ Ω e considere A
o conjunto dos y de Ω que podem ser ligados a x por uma curva
totalmente contida em Ω. Mostre que A e Ω \ A são abertos.
(b) Mostre que existe uma curva poligonal (isto é, formada por seg-
mentos de reta) ligando x a y totalmente contida em Ω.
Exercı́cio 6.6. Seja γ uma curva poligonal ligando os pontos x1 ,
x2 e x3 de Rn . ParaSε > 0 seja Oε a vizinhança de diâmetro ε de
γ definida por Oε = x∈γ Bε (x). Construa uma curva diferenciável
ligando x1 a x3 inteiramente contida em Oε .
Sugestão: Use (6.9)
Exercı́cio 6.7. Prove o Lema 6.5. Sugestão: Use os dois exercı́cios
anteriores.
n
Curvas em R 89

Exercı́cio 6.8. Sejam γ: [a, b] → Rn uma curva fechada (γ(a) = γ(b))


diferenciável e K um convexo fechado do Rn tal que K ⊃ {γ ′ (t) ; t ∈
[a, b]}. Mostre que 0 ∈ K.
Exercı́cio 6.9. Seja γ uma curva retificável de comprimento L para-
metrizada por γ: [a, b] → Rn . Seja s: [a, b] → [0, L] a função definida
por  
s(t) = comprimento de γ [a, t] se t > a
0 se t = a
a) Mostre que s é crescente. Mostre que se γ é função Lipschitz
contı́nua, então s(t) também é Lipschitz contı́nua.
b) Se s(t) é estritamente crescente, defina
γ̃: [0, L] → Rn
γ̃(s) = γ(t(s))
onde t(s) denota a inversa
 de s(t).
 Mostre que γ̃ e γ são a mesma
curva, isto é, γ [a, b] = γ̃ [0, L] .
c) Se γ: [a, b] → Rn é curva de classe C 1 em [a, b], mostre que γ̃ é
curva de classe C 1 em [0, L] tal que kγ̃ ′ (s)k = 1 para todo s.
(Moral da história: se uma curva pode ser percorrida por uma par-
tı́cula com velocidade escalar kγ ′ (t)k = 6 0, então pode ser percorrida
com velocidade escalar constante).
Exercı́cio 6.10. Seja Ω ⊂ Rn aberto, limitado e conexo. Demonstre
a afirmativa abaixo se verdadeira ou dê um contra-exemplo se falsa.
“Existe R > 0 tal que ∀x, y ∈ Ω existe uma curva γ retificável ligando
x a y tal que med(γ) ≤ R”.
Exercı́cio 6.11. O ângulo formado por duas curvas diferenciáveis
que se cruzam num ponto P é, por definição, o ângulo formado pelos
vetores tangentes às curvas em P . Mais precisamente, se γ1 , γ2 : I →
Rn são duas curvas diferenciáveis tais que P = γ1 (t0 ) = γ2 (t0 ) para
algum t0 ∈ I, então definimos o ângulo θ entre γ1 e γ2 em P por


γ1 (t0 ); γ2′ (t0 )
cos θ = ′
kγ1 (t0 )kkγ2′ (t0 )k.
Uma função f : R2 → R2 é denominada transformação conforme se
o ângulo entre duas quaisquer curvas que se cruzam fica preservado
por f .
90 Cálculo Avançado I

a) Seja f (x) = Ax, ∀x ∈ R2 , onde A é matriz 2 × 2. Mostre que f


é transformação conforme se e somente se A é da forma:
   
a −c a c
ou
c a c −a

b) Seja f : R2 → R2 , f = (ϕ, ψ) função diferenciável. Determine as


condições necessárias e suficientes sobre f ′ para que f seja uma
transformação conforme.
c) Calcule Jf (x).
Exercı́cio 6.12. Mostre que a função f definida no Exercı́cio 5.10 é
uma transformação conforme.
Exercı́cio 6.13. Determine uma curva diferenciável γ: [−1, 1] → R2
tal que

γ [−1, 1] = {(x, y) ∈ R2 ; y = |x|, −1 ≤ x ≤ 1}.

Exercı́cio 6.14. Seja g: Ω → R2 definido por


 
−y x
g(x, y) = , 2 ,
x + y x + y2
2 2


onde Ω = (x, y) ∈ R2 ; y > −x . Mostre que g é campo gradiente
em Ω e determine o potencial f : Ω → R tal que ∇f = g.
7
Derivadas de Ordem Superior

Vamos tratar neste capı́tulo do estudo da derivada de segunda


ordem para funções reais definidas em um aberto de Rn .
Seja f : Ω ⊂ Rn → R uma função diferenciável. Então, está bem
definida a aplicação 
f ′ : Ω →L Rn ; R ,
x 7→f ′ (x).

Fazendo-se a identificação L Rn ; R ∼ = Rn , podemos perguntar se a
′ n
aplicação f : Ω → R é diferenciável em algum ponto x0 ∈ Ω. No caso
afirmativo diremos que f é duas vezes diferenciável em x0 . Decorre
da Definição 5.3 que se f é duas vezes diferenciável em x0 , então
existem funções L, ε: Rn → Rn tais que

f ′ (x0 + h) = f ′ (x0 ) + Lh + ε(h),

onde L é linear e ε é o(khk). L, a diferencial (ou derivada de Fréchet)


de f ′ em x0 , é denominada derivada segunda de f em x0 e denotamos
L = f ′′ (x0 ).
Lema 7.1: Se f : Ω ⊂ Rn → R é duas vezes diferenciável em x0 ,
então existe ǫ: Rn → R satisfazendo
|ǫ(h)|
lim =0 (7.1)
h→0 khk2
tal que

1

f (x0 + h) = f (x0 ) + f ′ (x0 ); h + f ′′ (x0 )h; h + ǫ(h).
2
92 Cálculo Avançado I

Prova: Seja h ∈ Rn e t ∈ R suficientemente pequenos. Por hipótese


temos
f ′ (x0 + th) = f ′ (x0 ) + f ′′ (x0 )(th) + E(th), (7.2)
onde a função E: Rn → Rn é o(khk). Da Proposição 5.5 temos a
continuidade de h 7→ E(h). Logo, podemos multiplicar escalarmente
por h ambos os lados de (7.2) e integrar em t de 0 a 1, para obter
Z 1
Z 1


1

f ′ (x0 +th); h dt = f ′ (x0 ); h + f ′′ (x0 )h; h + E(th); h dt.
0 2 0

Como Z 1

f ′ (x0 + th); h dt = f (x0 + h) − f (x0 ),
0

temos a identidade
Z 1


1

f (x0 + h) − f (x0 ) = f ′ (x0 ); h + f ′′ (x0 )h; h + E(th); h dt.
2 0

Para concluir a demonstração, basta mostrar que a função


Z 1

ǫ(h) = E(th); h dt
0

satisfaz a condição (7.1). De fato, segue da desigualdade de Cauchy-


Schwarz,
Z 1

Z 1
|ǫ(h)| | E(th); h | kE(th)k
≤ dt ≤ dt.
khk2 0 khk2 0 khk

Como E é o(khk), dado ε > 0, existe δ > 0 tal que se kξk < δ, então
kE(ξ)k < εkξk. Em particular, se khk < δ, então kE(th)k < εkhk,
para todo t ∈ [0, 1] e concluı́mos a prova.
Sabemos do Cálculo Diferencial que se f : R → R é duas vezes de-
rivável e convexa, então f ′ é função monótona crescente e f ′′ é função
positiva. Estes fatos podem ser generalizados para funções f : Rn → R
se consideradas as extensões apropriadas dos conceitos de crescente
e positiva respectivamente para vetores e matrizes.
Derivadas de Ordem Superior 93

Definição 7.2: Uma função g: Ω ⊂ Rn → Rn é dita monótona


positiva em Ω se


g(x) − g(y); x − y ≥ 0, ∀x, y ∈ Ω.

g é dita monótona negativa se −g é monótona positiva.


Definição 7.3: Uma matriz A n × n é dita positiva definida se
hAx; xi > 0, ∀x 6= 0 em Rn . A é dita semipositiva definida se
hAx; xi ≥ 0, ∀x ∈ Rn . A é dita negativa (resp. seminegativa) definida
se −A é positiva (resp. semipositiva) definida.
Notação: Se A é semipositiva (resp. seminegativa) definida denota-
mos A ≥ 0 (resp. A ≤ 0). Se A é positiva (resp. negativa) definida,
denotamos A > 0 (resp. A < 0).
Observe que uma função real de variável real é crescente se e somente
se é monótona positiva. Observe também que se f (x) = Ax, então f
é monótona positiva se e somente se A é semipositiva definida.
Teorema 7.4: Seja f : Rn → R uma função diferenciável. Então f é
convexa se e somente se f ′ é monótona positiva.
Prova: Provemos inicialmente a implicação “⇒”. Por hipótese temos
 
f x0 + t(x1 − x0 ) ≤ f (x0 ) + t f (x1 ) − f (x0 ) ,


f x0 + t(x1 − x0 ) = f (x0 ) + t f ′ (x0 ); x1 − x0 + ǫ t(x1 − x0 ) .

Subtraindo a segunda equação da primeira, obtemos




t f (x1 ) − f (x0 ) ≥ t f ′ (x0 ); x1 − x0 + ǫ t(x1 − x0 ) .

Denotando por ξ = t(x1 − x0 ), t > 0, temos após divisão por t


ǫ(ξ)
f (x1 ) − f (x0 ) ≥ f ′ (x0 ); x1 − x0 + kx1 − x0 k.
kξk

Fazendo t → 0, concluı́mos


f (x1 ) − f (x0 ) ≥ f ′ (x0 ); x1 − x0 .
94 Cálculo Avançado I

Mutatis mutandis,


f (x0 ) − f (x1 ) ≥ f ′ (x1 ); x0 − x1

e temos a conclusão.
Provemos a implicação contrária “⇐”. Sabemos da Análise Real que
se ϕ: R → R é derivável e ϕ′ é crescente, então ϕ é convexa.
 Sejam
x1 , x0 ∈ Rn e consideremos ϕ(t) = f x0 + t(x1 − x0 ) . Como f é

diferenciável, segueda Regra da Cadeia (Teorema 5.9) que ϕ′ (t) =


f x0 + t(x1 − x0 ) ; x1 − x0 . Provemos que ϕ′ é crescente.


 
ϕ′ (t1 ) − ϕ′ (t0 ) = f ′ x0 + t1 (x1 − x0 ) − f ′ x0 + t0 (x1 − x0 ) ; x1 − x0 .
 
Como x0 + t1 (x1 − x0 ) − x0 + t0 (x1 − x0 ) = (t1 − t0 )(x1 − x0 ),
podemos escrever


(t1 − t0 ) ϕ′ (t1 ) − ϕ′ (t0 ) = f ′ (xt1 ) − f ′ (xt0 ); xt1 − xt0 ,

onde estamos denotando xt = x0 + t(x1 − x0 ).


Como por hipótese f ′ é monótona positiva, concluı́mos que ϕ′ é cres-
cente. Logo ϕ é convexa e ϕ(t) ≤ ϕ(0) + t(ϕ(1) − ϕ(0)) para todo
t ∈ ]0, 1[. Portanto,
 
f x0 + t(x1 − x0 ) ≤ f (x0 ) + t f (x1 ) − f (x0 )

para todo t ∈ ]0, 1[.


Teorema 7.5: Seja g: Rn → Rn uma função diferenciável. Então g
é monótona positiva se e somente se g ′ é semipositiva definida.
Prova: Provemos inicialmente a implicação “⇒”. Por hipótese temos


g(x1 ) − g(x0 ); x1 − x0 ≥ 0,
g(x1 ) = g(x0 ) + g ′ (x0 )(x1 − x0 ) + ǫ(x1 − x0 ).

Fazendo o produto escalar da segunda equação acima por x1 − x0 ,


obtemos da primeira


0 ≤ g(x1 ) − g(x0 ); x1 − x0


(7.3)
= g ′ (x0 )(x1 − x0 ); x1 − x0 + ǫ(x1 − x0 ); x1 − x0 .
Derivadas de Ordem Superior 95

Seja u ∈ Rn vetor unitário tal que x1 − x0 = λu, com λ > 0. Então,


segue de (7.3)



0 ≤ λ2 g ′ (x0 )u; u + λ ǫ(λu); u .

Dividindo por λ2 e usando a desigualdade de Cauchy-Schwarz, temos


′ kǫ(λu)k
g (x0 )u; u ≥ − .
kλuk

Fazendo λ → 0 obtemos a conclusão.


Para provar a implicação

a função ϕ: R → R
contrária, consideremos

definida por ϕ(t) = g x0 + t(x1 − x0 ) ; x1 − x0 . Segue da Regra da
Cadeia que ϕ é derivável e


ϕ′ (t) = g ′ x0 + t(x1 − x0 ) (x1 − x0 ); x1 − x0 .

Pelo Teorema do Valor Médio aplicado à ϕ, temos que existe t ∈ ]0, 1[


tal que ϕ(1) − ϕ(0) = ϕ′ (t). Assim,



g(x1 ) − g(x0 ); x1 − x0 = g ′ x0 + t(x1 − x0 ) (x1 − x0 ); x1 − x0

e temos a conclusão porque g ′ x0 +t(x1 −x0 ) é semipositiva definida.

Observação: As versões gêmeas dos Teoremas 7.4 e 7.5 são evi-


dentes, bastando trocar crescente, positiva, convexa pelos simétricos
decrescente, negativa, côncava.

A Matriz Hessiana

Seja f : Ω → R função duas vezes diferenciável e consideremos

f ′′ : Ω → L(Rn , Rn ).

Fixada a base canônica de Rn , podemos fazer a identificação do


espaço das transformações lineares L(Rn , Rn ) com o espaço Mn das
matrizes n × n. A matriz associada a f ′′ (x0 ) é denominada Matriz
Hessiana de f em x0 .
96 Cálculo Avançado I

 
∂2f ∂2f ∂2f
(x ) (x ) ... (x0 )
 ∂ 2 x1 0 ∂x2 ∂x1 0 ∂xn ∂x1 
 ′′   
f (x0 ) =  .. .. .. .. 
.
 ∂2f. . .
 
2 2 
∂ f ∂ f
(x ) (x ) ... (x0 )
∂x1 ∂xn 0 ∂x2 ∂xn 0 2
∂ xn

Máximos e Mı́nimos

Seja f : A ⊂ Rn → R uma função.


Definição 7.6: Dizemos que x0 ∈ A é ponto de mı́nimo local (resp.
máximo local) para f se existe r > 0 tal que f (x0 ) ≤ f (x) (resp.
f (x0 ) ≥ f (x)), para todo x ∈ A ∩ Br (x0 ).
Teorema 7.7: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → R uma função dife-
renciável. Se x0 ∈ Ω é ponto de mı́nimo (resp. máximo) local de f ,
então f ′ (x0 ) = 0. Além disso, se f é duas vezes diferenciável em x0 ,
então f ′′ (x0 ) é semipositiva (resp. seminegativa) definida.
Prova: Como f é diferenciável, temos


f (x0 + h) = f (x0 ) + f ′ (x0 ); h + ε(h),

onde ε(h) é função o(khk). Como Ω é aberto e x0 é ponto de mı́nimo


local para f , existe r > 0 tal que se khk < r então


f (x0 ); h + ε(h) ≥ 0. (7.4)

Se 0 < λ < r e u ∈ Rn unitário são tais que h = λu, obtemos de (7.4)


′ ε(λu)
f (x0 ); u + ≥ 0.
λ

No limite quando λ tende a zero, obtemos a desigualdade




f (x0 ); u ≥ 0
Derivadas de Ordem Superior 97



para todo u unitário. Como f ′ (x0 ); u = − f ′ (x0 ); −u ≥ 0, ∀u,
concluı́mos que f ′ (x0 ) = 0.
Se f é duas vezes diferenciável
 em x0 , segue do Lema 7.1 que existe
ǫ(h) função o khk2 tal que


1

f (x0 + h) = f (x0 ) + f ′ (x0 ); h + f ′′ (x0 )h; h + ǫ(h).
2

O argumento anterior nos permite concluir que f ′ (x0 ) = 0 e

1
′′ ǫ(λu)
f (x0 )u; u + ≥0
2 λ2
para todo vetor unitário u e para todo λ ∈ ]0, r[. Obtemos o resultado
no limite quando λ → 0.
Teorema 7.8: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → R uma função duas
vezes diferenciável em x0 ∈ Ω. Se f ′ (x0 ) = 0 e f ′′ (x0 ) é matriz
positiva definida, então x0 é ponto de mı́nimo local de f .
Prova: Pelo Lema 7.1, temos

1
′′
f (x0 + h) = f (x0 ) + f (x0 )h; h + ǫ(h), (7.5)
2

para todo h suficientemente pequeno, onde ǫ(h) é função o khk2 .

′′
Seja µ = min{ f (x0 )u; u ; kuk = 1}. Como f ′′ (x0 ) é positiva
definida, segue que µ > 0 e vale a desigualdade

′′
f (x0 )h; h ≥ µkhk2 , ∀h ∈ Rn . (7.6)

Substituindo (7.6) em (7.5), obtemos


µ
f (x0 + h) − f (x0 ) ≥ khk2 + ǫ(h).
2

Como ǫ(h) é o khk2 , existe δ > 0 tal que se 0 < khk < δ, então
|ǫ(h)| < (µ/4)khk2 . Portanto,
µ µ
f (x0 + h) − f (x0 ) ≥ khk2 − khk2 ≥ 0
2 4
98 Cálculo Avançado I

para todo h tal que khk < δ e concluı́mos a prova.


Observação: Se f : Ω → R é uma função diferenciável no aberto
Ω ⊂ Rn e f ′ (x0 ) = 0, então dizemos que x0 é ponto crı́tico de f .
O Teorema 7.8 acima nos fornece um critério—critério da derivada
segunda—para busca de pontos de mı́nimo local dentre os pontos
crı́ticos de f .
Esse critério, tal como formulado pelo Teorema 7.8, apresenta uma
dificuldade de ordem prática para dimensões grandes, visto que, ex-
cetuando os casos n ≤ 2 (veja Exercı́cios), não é uma tarefa simples
decidir se [f ′′ (x0 )] é positiva definida. Podemos obter novos critérios
caso f verifique certas condições de regularidade, como veremos adi-
ante. A idéia é simples, se lembrarmos certos resultados fundamentais
de Álgebra Linear, a saber:
Se A = aij )ij é matriz n × n, definimos o traço de A como
a soma dos elementos da diagonal principal de A, isto é,

tr(A) = a11 + a22 + · · · + ann ;

O traço de A é um invariante para semelhança de matrizes,


isto é, se A e B são matrizes semelhantes, então tr(A) =
tr(B);
Se A é matriz diagonalizável, então tr(A) = λ1 +· · · λn , onde
λi , i = 1, . . . , n são os autovalores de A;
Uma matriz diagonizável é semipositiva definida (resp. pos-
itiva definida) se e somente se todos os seus autovalores são
positivos (resp. estritamente positivos).
(Teorema Espectral) Toda matriz simétrica é diagonalizável.
Lema 7.9: Seja f uma função duas vezes diferenciável que satisfaz
as seguintes propriedades: para todo x ∈ Br (x0 ), a matriz [f ′′ (x)] é
diagonalizável e tr [f ′′ (x)] > 0 . Então f atinge o seu máximo na
fronteira da bola Br (x0 ), isto é
 
max f (x) ; kx − x0 k ≤ r = max f (x) ; kx − x0 k = r .

Prova: Suponhamos que max f (x) ; kx − x0 k ≤ r = f (x), com
kx − x0 k < r. Então, decorre do Teorema 7.7 que f ′ (x) = 0 e
Derivadas de Ordem Superior 99

[f ′′ (x)] é seminegativa definida. Logo, todos


 os autovalores de [f ′′ (x)]
′′
são negativos, o que implica tr [f (x)] ≤ 0, em contradição com a
hipótese.
Lema 7.10: Seja f uma função duas vezes diferenciável que satisfaz
as seguintes propriedades: para todo x ∈ Br (x0 ) a matriz [f ′′ (x)] é
diagonalizável e tr [f ′′ (x)] ≥ 0. Então f atinge o seu máximo na
fronteira da bola Br (x0 ), isto é
 
max f (x) ; kx − x0 k ≤ r = max f (x) ; kx − x0 k = r .

Prova: Podemos supor sem perder a generalidade que x0 = 0. Seja


ε > 0 e considere a função g definida por

ε
g(x) = f (x) + kxk22 .
2

Então g é duas vezes diferenciável e g ′′ (x) = f ′′ (x) + εI, para todo


x, onde I denota a identidade em Rn . Portanto,
 
tr [g ′′ (x)] = tr([f ′′ (x)] + nε > 0, ∀x ∈ Br (0).

Segue do Lema 7.9 que g atinge seu máximo na fronteira da bola.


Para concluir o resultado basta observar que

ε
max f (x) ≤ max g(x) = max g(x) = max f (x) + r2 .
kxk≤r kxk≤r kxk=r kxk=r 2

Assim, para todo ε > 0, temos

ε
max f (x) ≤ max f (x) + r2 .
kxk≤r kxk=r 2

Fazendo ε tender a zero obtemos

max f (x) ≤ max f (x)


kxk≤r kxk=r

e a conclusão da prova, pois a desigualdade contrária é imediata.


100 Cálculo Avançado I

Notação: O traço da matriz Hessiana de uma função f : Ω ⊂ Rn → R


é denominado Laplaciano de f e denotamos
 ∂2f ∂2f
tr [f ′′ (x0 )] = ∆f (x0 ) = 2 (x0 ) + · · · + 2 (x0 ).
∂x1 ∂xn
Os Lemas 7.9 e 7.10 são conhecidos como Princı́pio do Máximo e são
fundamentais no estudo das Equações a Derivadas Parciais.
O Lema 7.10 pode ser formulado da seguinte forma:
Corolário 7.11: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → R uma função duas
vezes diferenciável. Suponha x0 ∈ Ω tal que f ′ (x0 ) = 0 e ∆f (x) ≥ 0
para todo x ∈ Br (x0 ). Se [f ′′ (x)] é matriz diagonalizável para todo
x ∈ Br (x0 ), então x0 não é ponto de máximo local de f .
Observe que ∆f (x) ≥ 0 para todo x ∈ Br (x0 ) não implica que f ′′ seja
positiva definida em Br (x0 ). De fato, considere f (x, y) = 5x2 − y 2 .
Então ∆f (x, y) = 8 para todo (x, y) ∈ R2 .
No que segue formularemos condições simples para que a matriz Hes-
siana seja diagonalizável.
Definição 7.12: Se f : Ω → R é uma função diferenciável em Ω e
f ′ : Ω → Rn é uma função de classe C 1 em x0 ∈ Ω, dizemos que f é
de classe C 2 em x0 .
Proposição 7.13: Seja f : Ω → R uma função duas vezes diferenciá-
vel no aberto Ω ⊂ Rn . Se f é de classe C 2 em x0 ∈ Ω então a matriz
Hessiana [f ′′ (x0 )] é simétrica.
Prova: A prova se reduz ao caso n = 2 (veja o Lema a seguir).
De fato, sejam h, k ∈ Rn dois vetores quaisquer e defina g(t, s) =
f (x0 + th + sk), para s e t suficientemente pequenos. Então, segue
da Regra da Cadeia
∂2g

(0, 0) = f ′′ (x0 )h; k
∂t∂s
∂2g

(0, 0) = f ′′ (x0 )k; h
∂s∂t
e temos a conclusão se
∂2g ∂2g
(0, 0) = (0, 0)
∂t∂s ∂s∂t
Derivadas de Ordem Superior 101

Observação: A hipótese “f de classe C 2 em x0 ” na Proposição


acima é essencial. De fato, considere a função
(
xy(x2 − y 2 )
f (x, y) = se (x, y) 6= (0, 0)
x2 + y 2
0 senão
Então, um cálculo direto mostra que
∂ 2f ∂2f
(0, 0) = 1 e (0, 0) = −1.
∂x∂y ∂y∂x

Lema 7.14: Seja g: R2 → R função duas vezes diferenciável com


derivadas parciais segundas contı́nuas em (0, 0). Então,

∂2g ∂2g
(0, 0) = (0, 0).
∂t∂s ∂s∂t
Prova: Seja Φ(s, t) = g(s, t) − g(s, 0) − g(0, t) + g(0, 0). Para t
fixado, consideremos a função ϕ(s) = g(s, t) − g(s, 0) que é derivável
na variável s. O Teorema do Valor Médio garante a existência de
0 < θ1 < 1 tal que
 
′ ∂g ∂g
Φ(s, t) = ϕ(s) − ϕ(0) = sϕ (θ1 s) = s (θ1 s, t) − (θ1 s, 0) .
∂s ∂s
(7.7)
Aplicando novamente o TVM (com relação à variável t) no termo da
direita de (7.7), obtemos para algum 0 < θ2 < 1

∂2g 
Φ(s, t) = st θ1 s, θ2 t . (7.8)
∂t∂s
Para s fixado, consideremos a função ψ(t) = g(s, t) − g(0, t) que
é derivável na variável t. De modo análogo ao anterior, existem
0 < θ3 , θ4 < 1 tais que
Φ(s, t) = ψ(t) − ψ(0) = tψ ′ (θ3 t)
 
∂g ∂g
=t (s, θ3 t) − (0, θ3 t) (7.9)
∂t ∂t
2
∂ g 
= st θ4 s, θ3 t .
∂s∂t
102 Cálculo Avançado I

De (7.8) e (7.9) obtemos a igualdade

∂2g  ∂2g 
st θ1 s, θ2 t = st θ4 s, θ3 t , ∀s, t.
∂t∂s ∂s∂t
A conclusão da prova segue da passagem ao limite para (s, t) → (0, 0)
e da continuidade em (0, 0) das derivadas parciais de segunda ordem
de g.
Sintetizando os resultados anteriores, temos o seguinte critério:
Corolário 7.15: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → R uma função de
classe C 2 . Se ∆f (x0 ) > 0 então existe R > 0 tal que para todo r ≤ R
o máximo de f sobre a aderência da bola Br (x0 ) é atingido sobre a
fronteira kx − x0 k = r. Em particular, se f ′ (x0 ) = 0, então x0 não é
máximo local de f em Ω.

Exercı́cios
Exercı́cio 7.1. Seja f : Rn → Rm linear. Mostre que f ′ (x) = f ,
∀x ∈ Rn , isto é, f ′ (x)h = f (h), ∀x, h ∈ Rn . Observe também que f ′
é constante e, portanto, f ′′ ≡ 0.
Exercı́cio 7.2. Seja ϕ: Rn → Rn função diferenciável tal que

kϕ′ (x)kL(Rn ) ≤ α, ∀x ∈ Rn .

a) Se α < 1, mostre que ϕ é uma contração e demonstre que para


cada y ∈ Rn , existe um único x ∈ Rn tal que y = x + ϕ(x).
b) Podemos afirmar que ϕ é uma contração se kϕ′ (x)kL(Rn ) < 1,
∀x ∈ Rn ?
c) Use o item (a) para mostrar que se A é uma matriz n × n tal que
kAk < 1 então (I + A) é invertı́vel.
d) Se ϕ é monótona positiva, mostre que para cada y ∈ Rn , existe
um único x ∈ Rn satisfazendo y = x + ϕ(x) (mesmo que α ≥ 1).
Exercı́cio 7.3. Seja C ⊂ Rn convexo e fechado e PC : Rn → Rn a
projeção ortogonal sobre C (veja Exercı́cio 4.12). Mostre que PC é
função monótona positiva. Conclua que

1
x 7→ f (x) = x − PC (x); PC (x)
2
Derivadas de Ordem Superior 103

é função convexa.
Exercı́cio 7.4. Calcule f ′′ (x) para cada uma das funções f : Rn → R.
Observe que em todos os casos f ′ é linear e portanto f ′′ : Rn → Mn×n
é constante.

1 1
f (x) = kxk22 , f (x) = kAxk22 ,
2 2
f (x) = hAx; xi, f (x) = hAx; Bxi.

Exercı́cio 7.5. Considere f : RN → R função duas vezes diferenciável


e A uma matriz N × N . Defina g(x) = f (Ax). Mostre que g é duas
vezes diferenciável em RN e

g ′ (x) = AT f ′ (Ax)
g ′′ (x) = AT f ′′ (Ax)A

Exercı́cio 7.6. Considere a matriz simétrica


 
a b
A= , a, b, c ∈ R.
b c

Mostre que A é positiva definida se e somente se det A > 0 e a > 0.


Mostre que se A é semipositiva definida, então det A ≥ 0 e a ≥ 0 mas
a recı́proca é falsa.
Exercı́cio 7.7. Seja f : Rn → R função duas vezes diferenciável em
x0 = 0 tal que f (tx) = t2 f (x) para todo x ∈ Rn e todo t ∈ R. Mostre
que
1

f (x) = f ′′ (0)x; x , ∀x ∈ Rn .
2
Exercı́cio 7.8. Seja D = {x ∈ R2 ; kxk22 ≤ 1}. Considere f : R2 → R2
de classe C 1 tal que

1
Jf (x) 6= 0 ∀x ∈ D e kf (x) − xk2 ≤ ∀x ∈ D.
3

Mostre que existe x0 ∈ D tal que f (x0 ) = 0.


104 Cálculo Avançado I

Exercı́cio 7.9.
a) Seja A matriz n × n semipositiva definida, isto é hAx; xi ≥ 0
∀x ∈ Rn e defina a função g(x) = Ax. Mostre que g é monótona
positiva. Seja Fλ (x) = x + λAx, com λ > 0. Mostre que Fλ é
bijetora em Rn .
b) Seja f monótona positiva e considere Fλ (x) = x + λf (x), com
λ > 0. Mostre que Fλ é injetora. Se Fλ0 é sobrejetora para
algum λ0 , mostre que Fλ é sobrejetora para todo λ > 0.
Sugestão: Dado y ∈ Rn , considere a função
 
λ0 λ − λ0
Φλ (x) = Fλ−1 y+ x .
0
λ λ

Mostre que Φλ é contração para λ > λ0 /2. Repita o argumento


para λ0 /2 < λ1 < λ0
Exercı́cio 7.10. (Método de Newton) Seja f : Rn → Rn função de
classe C 1 tal que Jf (x) 6= 0, ∀x ∈ Rn . Considere a sequência:

x0 ∈ Rn e xn+1 = xn − f ′ (xn )−1 f (xn ), n≥0 (7.10)

a) Mostre que se xn −→ x̄, então f (x̄) = 0.


b) Reciprocamente, suponha que f é duas vezes diferenciável com
f ′′ limitada. Se f (x̄) = 0 para algum x̄, mostre que a sequência
definida por (7.10) converge para x̄ se x0 for tomado suficiente-
mente próximo de x̄.
8
O Teorema da Função Inversa

Neste capı́tulo abordaremos um dos resultados centrais da Aná-


lise: o Teorema da Função Inversa.
À guisa de motivação, consideremos a função linear g: Rn → Rn
definida por g(x) = Ax, onde A é uma matriz n × n. Sabemos
da Álgebra Linear que se det A 6= 0, então g é invertı́vel e sua inversa
g −1 : Rn → Rn é dada por g −1 (x) = A−1 x.
Vimos também que g (resp. g −1 ) é diferenciável em Rn e g ′ (x0 ) = A
′
(resp. g −1 (x0 ) = A−1 ), qualquer que seja x0 ∈ Rn .
Se Ω ⊂ Rn é um conjunto aberto e f : Ω → Rn é uma função dife-
renciável em x0 ∈ Ω, então sabemos que f ′ (x0 ): Rn → Rn é a função
linear que “melhor aproxima” f nas proximidades de x0 , no sentido
dado por (5.1). Seria, portanto, natural esperar que
se f : Ω → Rn é diferenciável em x0 ∈ Ω e
 
Jf (x0 ) = det f ′ (x0 ) 6= 0,

então f é invertı́vel nas proximidades de x0 .


Com um pouco mais de atenção podemos observar que um tal resul-
tado não pode ser verdadeiro, mesmo para n = 1.
De fato, consideremos f : R → R a função definida por

 x + x2 sen 1 se x 6= 0,
f (x) = 2 x

0 se x = 0.
106 Cálculo Avançado I

É imediato verificar que f é diferenciável em todos os pontos de R e



1 1 1
 + 2x sen − cos
 se x 6= 0,
f ′ (x) = 2 x x
 1
 se x = 0.
2
Se f fosse invertı́vel numa vizinhança de x0 = 0, então seria ne-
cessariamente injetora nessa vizinhança. Como f ′ (0) = 1/2, seria
necessariamente crescente nessa vizinhança. Mas isso é impossı́vel
porque f ′ (x) muda de sinal (infinitas vezes!) em qualquer vizinhança
que contenha x0 = 0.
Observe que se f ′ fosse contı́nua em x0 = 0, então f ′ (x) > 0 para x
suficientemente próximo de x0 = 0 e terı́amos o resultado desejado.

O Teorema de Função Inversa

O Teorema da Função Inversa é verdadeiro para funções f : V → V ,


onde V é um espaço de Banach. Nesta seção veremos uma demons-
tração especı́fica para o caso de V = Rn . No que segue estaremos
denotando indistintamente por k k a norma euclidiana k k2 de Rn
e a norma induzida k kL(Rn ,Rn ) definida por (4.11).
Teorema 8.1: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → Rn função de classe
C 1 tal que Jf (x0 ) 6= 0. Então existe δ0 > 0 tal que
a) f é injetora em U = Bδ0 (x0 );
b) V = f (U ) é aberto;
h ′ i h i−1
c) f −1 : V → U é de classe C 1 e f −1 (f (x0 )) = f ′ (x0 ) .
Prova: Faremos a prova em quatro etapas.
Etapa 1: ∃ δ1 > 0 tal que f é injetora em Bδ1 (x0 ).
Seja A = f ′ (x0 ). Como Jf (x0 ) 6= 0, A−1 está definida. Como f é de
classe C 1 , dado ε > 0, existe δ > 0 (dependendo de ε e x0 ) tal que

kx − x0 k < δ ⇒ kf ′ (x) − Ak < ε (8.1)

Tome x ∈ Bδ (x0 ) e h 6= 0 tal que x + h ∈ Bδ (x0 ).


Afirmativa 1: f (x + h) 6= f (x) se δ é suficientemente pequeno.
O Teorema da Função Inversa 107

De fato, seja ϕ: [0, 1] → Rn definida por ϕ(t) = f (x + th) − tAh.


Então ϕ é de classe C 1 em ]0, 1[ e ϕ′ (t) = f ′ (x + th)h − Ah. Além
disso,
Z 1
ϕ(1) − ϕ(0) = ϕ′ (t) dt,
0
isto é,
Z 1 
f (x + h) − Ah − f (x) = f ′ (x + th) − A h dt.
0

Em particular,
Z 1
kf (x + h) − f (x) − Ahk ≤ kf ′ (x + th) − Akkhk dt.
0

Como x + th ∈ Bδ (x0 ), ∀t ∈ [0, 1], segue de (8.1) que

kf (x + h) − f (x) − Ahk < εkhk. (8.2)

Visto que khk = kA−1 Ahk ≤ kA−1 kkAhk, obtemos de (8.2)


 
kf (x + h) − f (x)k > 1 − εkA−1 k kAhk. (8.3)

Escolhendo-se ε = 12 kA−1 k−1 e δ1 o δ correspondente, temos de (8.3):


1
kf (x + h) − f (x)k > kAhk.
2
Como A é invertı́vel, Ah 6= 0 ∀h 6= 0, o que demonstra a afirmativa.

Etapa 2: ∃ δ2 > 0 tal que f Bδ2 (x0 ) é aberto.
Como f é de classe C 1 , x 7→ Jf (x) é função contı́nua. Logo, ∃δ̃ > 0
tal que Jf (x) 6= 0 ∀x ∈ Bδ̃ (x0 ).
Seja δ2 = min{δ1 , δ̃}. Então Jf (x) 6= 0 ∀x ∈ Bδ2 (x0 ) e f é injetora
em Bδ2 (x0 ).

Provemos que W = f Bδ2 (x0 ) é um conjunto aberto.
Seja y1 ∈ W . Então existe um único x1 ∈ Bδ2 (x0 ) tal que f (x1 ) = y1 .
Tome r > 0 tal que Br (x1 ) ⊂ Bδ2 (x0 ) e considere

K = ∂Br (x1 ) e u(x) = kf (x) − f (x1 )k,


108 Cálculo Avançado I

onde ∂B denota a fronteira de B. Como K é compacto e u é função


contı́nua, existe x∗ ∈ K tal que

m: = inf{u(x) ; x ∈ K} = u(x∗ ).

Observe que x∗ ∈ K ⇒ x∗ 6= x1 ⇒ f (x∗ ) 6= f (x1 ) ⇒ m > 0.


 
Afirmativa 2: Bm/2 f (x1 ) ⊂ f Br (x1 ) ⊂ W .

Com efeito, tome ȳ ∈ Bm/2 f (x1 ) . Isto é, kȳ − f (x1 )k < m/2.
Defina w(x): = kf (x) − ȳk. Como Br (x1 ) é compacto, ∃x̄ ∈ Br (x1 )
tal que
w(x̄) = min{w(x) ; x ∈ Br (x1 )}.
Observe que

w(x̄) = kf (x̄) − ȳk ≤ kf (x1 ) − ȳk < m/2.

Observe também que se x ∈ K, então


m m
w(x) = kf (x) − ȳk ≥ kf (x) − f (x1 )k − kf (x1 ) − ȳk ≥ m − = .
2 2
Portanto x̄ 6∈ K, o que implica x̄ ∈ Br (x1 ).

Afirmativa 3: f (x̄) = ȳ, isto é ȳ ∈ f Br (x1 )
Com efeito, se x̄ é ponto de mı́nimo de w(x) em Br (x1 ), então x̄
também é ponto de mı́nimo de g(x) = 21 kf (x) − ȳk22 . Como x̄ é ponto
interior, g ′ (x̄)h = 0, ∀h ∈ Rn , o que implica que ∀h ∈ Rn

D T  E
0 = g ′ (x̄)h = f (x̄) − ȳ; f ′ (x̄)h = f ′ (x̄) f (x̄) − ȳ ; h

Portanto,
 T 
f ′ (x̄) f (x̄) − ȳ = 0.
 T  
Como det f ′ (x̄) = det f ′ (x̄) = Jf (x̄) 6= 0, segue que f (x̄) = ȳ, e
a afirmativa esta provada.
Etapa 3: Se U = Bδ2 (x0 ) e V = f (U ), então f −1 : V → U é diferen-
ciável.
Seja y ∈ V e tome r > 0 tal que y + k ∈ V ∀k tal que kkk < r e
h = f −1 (y + k)− f −1 (y) = f −1 (y + k)− x. Então k = f (x+ h)− f (x).
O Teorema da Função Inversa 109

Como f é diferenciável, temos k = f ′ (x)h + ef (h).


Se x ∈ U , então Jf (x) 6= 0 e f ′ (x) é invertı́vel. Assim, seja B =
 ′ −1
f (x) . Então
Bk = h + Bef (h)
Portanto,
f −1 (y + k) = f −1 (y) + Bk − Bef (h)
Para provar que f −1 é diferenciável, basta provar que

kBef (h)k
lim =0 (8.4)
k→0 kkk

Como na Etapa 1,

1
kkk = kf (x + h) − f (x)k ≥ kAhk
2
Como khk ≤ kA−1 kkAhk, temos

1
kAhk ≥ khk.
kA−1 k

Portanto,
1
kkk ≥ khk
2kA−1 k
e
kBef (h)k kBkkef (h)k kef (h)k
0≤ ≤ 1 = 2kA−1 kkBk
kkk 2kA−1 k khk khk

o que implica (8.4).


Logo, f −1 é diferenciável em y = f (x) e
′ −1
f −1 (y) = f ′ (x)

Etapa 4: f −1 : V → U é de classe C 1 .
Vamos denotar A = f ′ (x1 ) e B = f ′ (x2 ). Visto que B −1 − A−1 =
B −1 (A − B)A−1 , obtemos

kB −1 − A−1 k ≤ kB −1 kkA − BkkA−1 k (8.5)


110 Cálculo Avançado I

Por outro lado, temos para todo h ∈ Rn ,


khk
khk ≤ kA−1 kkAhk ⇒ kAhk ≥ ,
kA−1 k
de modo que

kBhk ≥ kAhk − k(A − B)hk ≥ kAhk − k(A − B)kkhk


khk
≥ − k(A − B)kkhk.
kA−1 k
Portanto  
1
kBhk ≥ − kA − Bk khk.
kA−1 k
Como f é de classe C 1 , dado 0 < ε ≤ 1/2kA−1k, existe δ > 0 tal que

kx2 − x1 k < δ ⇒ kB − Ak < ε.

Portanto, se kx1 − x2 k < δ, temos


1
kBhk ≥ khk.
2kA−1 k
Tomando k = Bh vemos que

kB −1 kk ≤ 2kA−1 kkkk ⇒ kB −1 k ≤ 2kA−1 k. (8.6)

Portanto, se kx1 − x2 k < δ, concluı́mos de (8.5) e (8.6)

kB −1 − A−1 k < 2kA−1 k2 kA − Bk < 2εkA−1 k2 .

Definição 8.2: Seja f : U → V uma função bijetora. Dizemos que f


é um homeomorfismo entre U e V se f e f −1 são contı́nuas. Dizemos
que f é um difeomorfismo entre U e V se f e f −1 são diferenciáveis.
Com a terminologia da definição acima, podemos enunciar o Teorema
da Função Inversa da seguinte maneira:
Teorema 8.1: Se f é função de classe C 1 e Jf (x0 ) 6= 0, então existem
vizinhanças abertas U e V respectivamente de x0 e f (x0 ) tais que f
é difeomorfismo de classe C 1 entre U e V .
O Teorema da Função Inversa 111

Aplicação: o Método das Caracterı́sticas

Como exemplo de aplicação direta do Teorema da Função Inversa,


vamos considerar nesta seção o Método das Caracterı́sticas para a
solução de equações a derivadas parciais de primeira ordem.
Problema: Seja γ uma curva de R2 parametrizada por
γ: I → Ω, onde I é um intervalo de R e Ω um aberto de R2 .
Sejam a, b, c: Ω → R funções dadas.
Determinar uma função ϕ(x, y) solução da equação
∂ϕ ∂ϕ
a(x, y) + b(x, y) = c(x, y), (8.7)
∂x ∂y

cujos valores sobre a curva γ são prescritos, isto é, ϕ γ(ξ) =
ϕ0 (ξ) onde ϕ0 : I → R é uma função dada.
A solução do problema acima pode ser obtida via uma mudança
apropriada de coordenadas, que pode ser intuı́da pelo seguinte ar-
gumento: fixado um ponto γ0 = γ(s0 ) = (x0 , y0 ) de γ, considere a
curva Γ(ξ) = x(ξ),y(ξ) que passa por γ0 , isto é, Γ(0) = γ0 . Defina
z(ξ) = ϕ x(ξ), y(ξ) , onde ϕ é solução de (8.7). Se Γ é diferenciável,
temos pela Regra da Cadeia,
dz
′ dx ∂ϕ dy ∂ϕ
= Γ (ξ); ∇ϕ(Γ(ξ)) = + .
dξ dξ ∂x dξ ∂y
Portanto, se Γ satisfaz o sistema de equações diferenciais ordinárias

 dx

 = a(x, y), x(0) = x0 ,

(8.8)
 dy

 = b(x, y), y(0) = y0 ,

podemos obter a solução ϕ resolvendo
dz
= c(x, y), z(0) = ϕ0 (s0 ).

Se repetirmos o argumento anterior para todos os pontos γ(s), s ∈ I,
obtemos uma famı́lia de curvas—as curvas caracterı́sticas—sobre as
quais a solução ϕ pode ser determinada.
112 Cálculo Avançado I

Antes de analisarmos as condições para as quais o método funciona


(e onde entra em cena o Teorema da Função Inversa), vejamos um
exemplo cuja solução explı́cita pode ser calculada.
Exemplo: Considere γ(s) = (s, s2 ). Determinar ϕ(x, y) solução de

∂ϕ ∂ϕ
x +y = xy (8.9)
∂x ∂y

tal que ϕ(γ(s)) = sen(s2 ), para todo s ∈ R.


Solução: Consideremos o sistema (equações caracterı́sticas)

dx

 = x, x(0, s) = s,


 dξ

 dy
= y, y(0, s) = s2 , (8.10)

 dξ

 dz = xy,


z(0, s) = sen(s2 )

Resolvendo as duas primeiras equações de (8.10), obtemos


(
x(ξ, s) = seξ ,
(8.11)
y(ξ, s) = s2 eξ .

Substituindo (8.11) na terceira equação de (8.10) e resolvendo, obte-


mos
s3
z(ξ, s) = (e2ξ − 1) + sen(s2 ). (8.12)
2
Explicitando ξ e s em função de x e y e substituindo em (8.12),
encontramos a solução
1 1  y 3  y 2
z = ϕ(x, y) = xy − + sen .
2 2 x x

O exemplo evidencia o ponto-chave do método. De fato, a solução das


duas primeiras equações de (8.10) define uma mudança de variáveis,
isto é uma função
f : R2 → R2 ,
(ξ, s) 7→ (x, y).
O Teorema da Função Inversa 113

Se f é invertı́vel, então obtemos a solução por



ϕ(x, y) = z(ξ, s) = z ◦ f −1 (x, y).
Pelo Teorema da Função Inversa, se Jf (0, s) 6= 0 para todo s em
algum intervalo I, então f admite uma inversa numa vizinhança de
γ(I). Considerando os dados do problema, a saber,  a curva inicial
γ(s) e o campo de vetores (x, y) 7→ a(x, y), b(x, y) , a condição

 a(γ(s)) b(γ(s))
Jf γ(s) = 6= 0
γ1 (s) γ2 (s)
indica que os vetores (a, b) e (γ1 (s), γ2 (s)) são linearmente inde-
pendentes. Temos, portanto, uma condição geométrica para que o
método forneça solução, a saber, que o campo (a, b) seja transversal
à curva γ.

O Teorema da Função Inversa (bis)

A prova do Teorema da Função Inversa apresentada na primeira seção


deste capı́tulo restringe o resultado a espaços de dimensão finita, visto
que utiliza a compacidade da bola fechada. Nesta seção apresentamos
uma prova que não faz uso desse fato e que estende o resultado a
espaços de Banach de dimensão infinita.
No que segue denotamos indistintamente por k k uma norma qual-
quer de Rn e a norma induzida k kL(Rn ;Rn ) definida por (4.11).
Lema 8.3: (Perturbação da Identidade) Seja U um aberto de Rn e
ϕ: U → Rn uma contração em U . Se f (x) = x − ϕ(x), então f (U ) é
aberto e f é homeomorfismo entre U e f (U ).
Prova: Faremos a prova em duas etapas.
Etapa 1: f (U ) é aberto.
Por hipótese, existe 0 < α < 1 tal que kϕ(x) − ϕ(y)k ≤ αkx − yk
para todo x, y ∈ U . Seja y ∈ f (U ) e x ∈ U tal que y = f (x). Se
R = r(1−α)/2, onde r > 0 é tal que Br (x) ⊂ U , então BR (y) ⊂ f (U ).
De fato, seja y ∈ BR (y) e considere a seqüência definida pela recor-
rência
x0 = x,
xk+1 = y + ϕ(xk ), k ≥ 0.
114 Cálculo Avançado I

Afirmativa 1: xk ∈ U , ∀k ∈ N, e, conseqüentemente, {xk }k está bem


definida. De fato,

kx1 − xk = ky + ϕ(x) − xk = ky − yk < R < r/2. (8.13)

Suponhamos que xj ∈ Br/2 (x), para todo j = 1, . . . , k − 1. Então,

kxk − xk−1 k = kϕ(xk−1 ) − ϕ(xk−2 )k


≤ αkxk−1 − xk−2 k ≤ . . . ≤ αk−1 kx1 − x0 k

e obtemos

kxk − xk ≤ kxk − xk−1 k + · · · + kx1 − xk


≤ (αk−1 + · · · + 1)kx1 − xk (8.14)
1 r
< R= .
1−α 2

De (8.13) e (8.14) concluı́mos, por indução, que xk ∈ Br/2 (x) ⊂ U ,


∀k ∈ N.
Afirmativa 2: {xk }k é seqüência de Cauchy.
De fato, se l > k, então

kxl − xk k ≤ kxl − xl−1 k + · · · + kxk+1 − xk k ≤


αk
(αl−1 + · · · + αk )kx1 − x0 k ≤ kx1 − x0 k.
1−α

Como α < 1, dado ε > 0, existe k0 ∈ N tal que αk < (1 − α)ε/R se


k ≥ k0 . Portanto, para l > k > k0 , temos kxl − xk k < ε.
Das afirmativas 1 e 2 concluı́mos que existe x ∈ Br/2 (x) ⊂ U tal que
xk → x. Segue que x = y + ϕ(x), ou equivalentemente y = f (x), o
que implica y ∈ f (U ) e concluı́mos que f (U ) é aberto.
Etapa 2: f é homeomorfismo entre U e f (U ).
Como ϕ é contração, temos

kf (x1 ) − f (x2 )k ≥ kx1 − x2 k − kϕ(x1 ) − ϕ(x2 )k


(8.15)
≥ (1 − α)kx1 − x2 k, ∀x1 , x2 ∈ U.
O Teorema da Função Inversa 115

De (8.15) concluı́mos que f é injetora em U . Portanto f −1 : f (U ) →


U está bem definida. Igualmente de (8.15) concluı́mos que f −1 é
contı́nua, pois

1
kf −1 (y1 ) − f −1 (y2 )k ≤ ky1 − y2 k.
1−α

Corolário 8.4: Sejam A, B ∈ L(Rn , Rn ) com A invertı́vel. Se kA −


Bk < 1/kA−1 k então B é invertı́vel.
Prova: Seja ϕ = I − A−1 B = A−1 (A − B). Como

kI − A−1 Bk ≤ kA−1 kkA − Bk < 1,

ϕ é contração em Rn . Pelo Lema 8.3 f = I − ϕ = A−1 B é homeo-


morfismo em Rn e concluı́mos a prova.
Teorema 8.5: Seja Ω ⊂ Rn aberto e f : Ω → Rn função de classe
C 1 tal que Jf (x0 ) 6= 0. Então existe U ⊂ Ω vizinhança aberta de x0
tal que
a) V = f (U ) é aberto em Rn ;
b) f : U → V é difeomorfismo de classe C 1 .
Prova: Faremos a prova em três etapas.

Etapa 1: Existe δ1 > 0 tal que f Bδ1 (x0 ) é aberto e f é homeomor-
fismo entre Bδ1 (x0 ) e sua imagem.
De fato, seja A = f ′ (x0 ) e considere ϕ = I −A−1 ◦f . Como ϕ′ (x0 ) = 0
e ϕ′ é contı́nua, existe δ1 > 0 tal que kϕ′ (x)k ≤ α < 1 para todo
x ∈ Bδ1 (x0 ). Portanto ϕ é contração em Bδ1 (x0 ). Pelo Lema 8.3,
g = I − ϕ = A−1 ◦ f é homeomorfismo entre Bδ1 (x0 ) e o aberto
g Bδ1 (x0 ) .
Como A é uma função aberta (A  é inversa de função
 contı́nua A−1 ),
temos em particular f Bδ1 (x0 ) = A g(Bδ1 (x0 )) aberto e

f : Bδ1 (x0 ) → f Bδ1 (x0 )

é homeomorfismo.

Etapa 2: Existe δ2 > 0 tal que f : Bδ2 (x0 ) → f Bδ2 (x0 ) é difeomor-
fismo.
116 Cálculo Avançado I

De fato, como f é de classe C 1 , dado ε = 1/kA−1 k existe δ2 > 0 tal


que se kx − x0 k < δ2 , então kf ′ (x) − Ak < ε. Segue portanto do
Corolário 8.4 que f ′ (x) é invertı́vel para todo x ∈ Bδ2 (x0 ).

Etapa 3: (f ′ )−1 é contı́nua em f Bδ2 (x0 ) .
Podemos repetir o argumento da etapa 4 da prova do Teorema 8.1.

Observação: O Lema 8.3 e o seu Corolário permanecem válidos se


substituirmos em seus enunciados Rn por um espaço de Banach V
qualquer. Como conseqüência, substituindo a condição “Jf (x0 ) 6= 0”
por “f ′ (x0 ) invertı́vel”, temos o Teorema da Função Inversa para
aplicações de classe C 1 f : V → V definidas em um espaço de Banach
V qualquer.

Exercı́cios
Exercı́cio 8.1. Seja f : R2 → R2 definida por
f (x, y) = (ex cos y, ex sen y).
Qual a imagem de f ? Mostre que o Jacobiano de f não é nulo em
nenhum ponto de R2 . Pelo teorema da função inversa, todo ponto
de R2 tem uma vizinhança onde f é biunı́voca. Entretanto f não é
injetora em R2 . Quais são as imagens por f das retas paralelas aos
eixos coordenados?
Exercı́cio 8.2. Para cada uma das funções abaixo determinar: (1)
quais são sobrejetivas; (2) quais são injetivas; (3) o Jacobiano; (4) os
pontos de R2 onde não se aplica o Teorema da Função Inversa.
a) f : R2 → R2 dada por f (x, y) = (ax + by, cx + dy)
p
b) f : ]0, ∞[×R → R2 dada por f (x, y) = ( x2 + y 2 , arc tan y/x);
c) f : R2 → R2 dada por f (x, y) = (xy 2 , x2 y);
d) f : R2 → R2 dada por f (x, y) = (x3 − y, y 3 + x).
Exercı́cio 8.3. Seja f : R3 \ P → R3 , f = (f1 , f2 , f3 ) definida por
fi (x1 , x2 , x3 ) = xi /(1 + x1 + x2 + x3 ), onde
P = {(x1 , x2 , x3 ) | 1 + x1 + x2 + x3 = 0}.
Calcule o Jacobiano Jf ((x1 , x2 , x3 ). Mostre que f é injetora e calcule
f −1 .
O Teorema da Função Inversa 117

Exercı́cio 8.4. Considere as funções

eξ + e−ξ eξ − e−ξ
cosh ξ = , senh ξ = .
2 2

a) Determine uma solução (x0 , y0 ) para o sistema


(
ex cos y − ex sen y = 1
ex cosh y + ex senh y = 1

b) É possı́vel resolver o sistema


(
ex cos y − ex sen y = 1 + µ
ex cosh y + ex senh y = 1 + ν
para µ e ν pequenos?
Exercı́cio 8.5. Sabendo-se que o polinômio f (x) = x3 −6x2 +11x−6
possui as raı́zes λ1 = 1, λ2 = 2 e λ3 = 3, mostre que existe δ > 0
tal que se |a + 6| < δ, |b − 11| < δ e |c + 6| < δ, então o polinômio
g(x) = x3 + ax2 + bx + c possui três raı́zes reais e distintas λ1 , λ2 e
λ3 .
Exercı́cio 8.6. Seja k k uma norma qualquer de Rn e considere em
V = Mn×n munido da norma induzida, definida por (4.11).

a) Seja I = X ∈ V ; X é invertı́vel . Mostre que I é aberto e
desconexo em V .
b) Sejam A, B ∈ V . Dizemos que B é raiz quadrada de A se B 2 =
A. Mostre que existe δ > 0 tal que se kA−Ik < δ então A possui
uma raiz quadrada.
c) “Quantas” raı́zes quadradas possui a identidade I ∈ M2×2 ,
 
1 0
I= ?
0 1
9
O Teorema de Função Implı́cita

Neste capı́tulo vamos estudar outro resultado central da Análise:


o Teorema da Função Implı́cita.
À guisa de motivação, consideremos a equação da circunferência uni-
tária x2 + y 2 − 1 = 0. É imediato verificar que podemos explicitar y
como função da variável x:
p p
y= 1 − x2 ou y=− 1 − x2 .

Mais precisamente, se ϕ:
√ √[−1, 1] → R é a função definida por ϕ(x) =
1 − x2 (ou ϕ(x) = − 1 − x2 ), então ϕ está implı́cita na equação
da circunferência.
De modo análogo, a equação 5x2 + 5y 2 − 6xy − 8 = 0 descreve uma
elipse centrada em (0, 0).

1.6
1.4
1.2
1
y0.8

0.6
0.4
0.2

–1.6 –1.2 –1 –0.8 –0.4 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 1.2 1.4 1.6
–0.2 x

–0.4
–0.6
–0.8
–1
–1.2
–1.4
–1.6

Figura 9.1
120 Cálculo Avançado I

Embora explicitar y em função de x não seja uma tarefa tão imediata,


vemos pela figura que existe uma função ϕ: ]a, b[→ R tal que y = ϕ(x)
está implı́cita na equação da elipse.
O mesmo pode ser feito para mais variáveis. Por exemplo, no sistema
(
x2 + y 2 + z 2 − 10 = 0,
−y 2 + z 2 − 4 = 0,

as variáveis z e y podem ser facilmente expressas como função de x:


r r
14 − x2 6 − x2
z= e y= .
2 2
Mas o que dizer do sistema
( 3
x + x2 y 2 + xyz 2 − 4 = 0,
x2 − xyz + y 2 z 2 − 7 = 0?

Os exemplos acima nos remetem à seguinte questão:


Problema: Dada f : Rk+m → Rm e (x0 , y0 ) ∈ Rk+m tal que
f (x0 , y0 ) = 0, deseja-se saber se existe Ω ⊂ Rk aberto e uma
função ϕ: Ω → Rm satisfazendo
a) x0 ∈ Ω e ϕ(x0 ) = y0 ;

b) f x, ϕ(x) = 0, ∀x ∈ Ω.
Se a resposta for afirmativa, dizemos que ϕ é função implı́cita para a
equação f (x, y) = 0 na vizinhança de x0 .
Observação: No caso particular em que k = m = 1, podemos obter
resposta para a questão acima via Teoria de Equações Diferenciais
Ordinárias. De fato, supondo f e ϕ diferenciáveis, temos pela Regra
da Cadeia
∂f ∂f
+ ϕ′ (x) = 0.
∂x ∂y
Se f é de classe C 1 e ∂f
∂y (x0 , y0 ) 6= 0, podemos obter ϕ como solução
do problema de valor inicial

 dϕ = Φ(x, ϕ)
dx (9.1)

ϕ(x0 ) = y0
O Teorema da Função Implı́cita 121

onde estamos denotando


 −1
∂f ∂f
Φ(x, y) = − (x, y) (x, y).
∂y ∂x
As hipóteses que garantem a existência de soluções para as equações
do tipo (9.1) (veja Capı́tulo 11) fornecem respostas para a questão.
A “via” que permite tratar a questão acima de modo simples, é a
que faz uso do Teorema da Função Inversa. Para ilustrar a idéia,
consideremos o seguinte caso particular.
Seja f : Rn → Rm (n = k + m) a função linear definida por f (z) = Az,
onde A é matriz m × n.
Denotando z = (x, y) = (x1 , . . . , xk , y1 , . . . , ym ), podemos escrever
f (x, y) = Az = Bx+Cy, onde B e C são submatrizes respectivamente
de ordem m × k e m × m, isto é, A = [B C] é composta dos blocos
B e C.
Se C é inversı́vel, podemos explicitar y como função de x pois

Bx + Cy = 0 ⇒ y = −C −1 Bx.

Neste caso, se ϕ: Rk → Rm é a função linear definida por ϕ(x) =


−C −1 Bx, então ϕ está implı́cita na equação f (x, y) = 0 na vizinhança
de x0 , qualquer que seja x0 .
Observe que neste caso particular, os blocos B e C são as derivadas
parciais de f . De fato,
   
∂f ∂f
B= (x0 , y0 ) e C= (x0 , y0 )
∂x ∂y
e  −1  
∂f ∂f
ϕ=− (x0 , y0 ) (x0 , y0 ) (9.2)
∂y ∂x
A chave para tratar a questão via Teorema da Função Inversa pode
ser observada se reescrevermos a equação f (x, y) = 0 na seguinte
forma. Seja F : Rn → n
 R (n = k + m) a função linear definida por
F (x, y) = x, f (x, y) . Então F (z) = Az, onde A é a matriz
 
Ik O
A= ,
B C
122 Cálculo Avançado I

onde Ik é a matriz identidade de ordem k × k e O é a matriz nula de


ordem k × m. Sabemos da Álgebra Linear que det A = det C. Assim,
se C é inversı́vel, também é a matriz A, sendo fácil verificar que
 
Ik O
A−1 = .
−C −1 B C −1

Portanto,

F (x, y) = (x, 0) ⇐⇒ (x, y) = F −1 (x, 0) = (x, −C −1 Bx)

e reencontramos a solução (9.2).

O Teorema da Função Implı́cita

Teorema 9.1: Seja f : Rk × Rm → Rm uma função de classe C 1 .


Suponha f (x0 , y0 ) = 0 e
 
∂f
det (x0 , y0 ) 6= 0.
∂y

Então existe aberto Ω ⊂ Rk e ϕ: Ω → Rm função de classe C 1 tais


que
a) x0 ∈ Ω e ϕ(x0 ) = y0 ;

b) f x, ϕ(x) = 0, ∀x ∈ Ω.
k m k m
Prova: Seja  F : R × R → R × R a função definida por F (x, y) =
x, f (x, y) . Então F é de classe C 1 e a matriz Jacobiana de F em
z0 = (x0 , y0 ) é
 
Ik O
     
F ′ (z0 ) = 
 ∂f (z ) ∂f 
0 (z0 ) 
∂x ∂y

Como  
 ′  ∂f
JF (z0 ) = det F (z0 ) = det (z0 ) 6= 0,
∂y
O Teorema da Função Implı́cita 123

segue do Teorema da Função Inversa que existe U ⊂ Rk × Rm vi-


zinhança aberta de z0 tal que V = F (U ) é aberto e F : U → V é
difeomorfismo de classe C 1 .
Se denotarmos por (x̃, ỹ) = F (x, y) para (x, y) ∈ U , então (x, y) =
F −1 (x̃, ỹ), (x̃, ỹ) ∈ V . Como x̃ = x, decorre da definição que F −1
tem a forma

F −1 (x̃, ỹ) = x̃, g(x̃, ỹ) , (x̃, ỹ) ∈ V,

onde g: Rk × Rm → Rm é função de classe C 1 . Portanto, ỹ = f (x, y)


se e somente se y = g(x, ỹ). Em particular,

f (x, y) = 0 ⇐⇒ y = g(x, 0)

e concluı́mos a prova denotando ϕ(x) = g(x, 0) para todo x ∈ Ω =


U ∩ Rk .

Multiplicadores de Lagrange

Uma das aplicações importantes do Teorema da Função Implı́cita é o


Método dos Multiplicadores de Lagrange para o cálculo de extremos
de funções sujeitas a restrições.
À guisa de motivação, seja f : Rn → R uma função contı́nua e con-
sidere o problema de otimização
Problema: Determinar o mı́nimo global de f sobre a bola
fechada B = BR (x0 ), isto é, determinar x ∈ B tal que
f (x) ≤ f (x), ∀x ∈ B
Como B é compacto e f é contı́nua, sabemos que a solução do pro-
blema existe. Se f é diferenciável e x pertence ao interior de B,
então a solução pode ser determinada dentre os pontos crı́ticos de
f . Mas como determinar a solução se x estiver na fronteira da bola?
O resultado a seguir fornece um método, caso f seja suficientemente
regular.

Teorema 9.2: Sejam f, g: Rn → R funções de classe C 1 e S = x ∈
Rn ; g(x) = 0 . Suponha x0 ∈ S tal que

g ′ (x0 ) 6= 0 e f (x0 ) = min f (x) ; x ∈ S .
124 Cálculo Avançado I

Então f ′ (x0 ) e g ′ (x0 ) são linearmente dependentes, isto é, existe (mul-
tiplicador de Lagrange) λ ∈ R tal que ∇f (x0 ) = λ∇g(x0 ).
Prova: Se g ′ (x0 ) 6= 0, podemos supor sem perder a generalidade que
∂g
∂xn (x0 ) 6= 0. Seja λ ∈ R tal que

∂f ∂g
(x0 ) = λ (x0 ).
∂xn ∂xn
Para concluir a prova, basta mostrar que
∂f ∂g
(x0 ) = λ (x0 )
∂xi ∂xi
se verifica para i = 1, . . . , n − 1.
Se denotarmos x = (x̃, y) ∈ Rn−1 × R, x0 = (x̃0 , y0 ), então g é de
classe C 1 , g(x̃0 , y0 ) = 0 e
∂g ∂g
(x0 ) = (x̃0 , y0 ) 6= 0,
∂xn ∂y
segue do Teorema da Função Implı́cita que existe uma vizinhança
aberta Ω ⊂ Rn−1 de x̃0 e uma função ϕ: Ω → R de classe C 1 tais que
ϕ(x̃0 ) = y0 e 
g x̃, ϕ(x̃) = 0, ∀x̃ ∈ Ω. (9.3)
Além disso, como
 
f x̃0 , ϕ(x̃0 ) ≤ f x̃, ϕ(x̃) , ∀x̃ ∈ Ω,
verificamos que x̃0 ∈ Ωé ponto de mı́nimo para a função diferenciável
x̃ 7→ ψ(x̃) = f x̃, ϕ(x̃) . Portanto, ψ ′ (x̃0 ) = 0 e temos da Regra da
Cadeia,  
∂f ∂f
[ψ ′ (x̃0 )] = (x0 ) + (x0 ) [ϕ′ (x̃0 )] = 0. (9.4)
∂ x̃ ∂y
Derivando a equação (9.3) em relação a x̃, obtemos
 
∂g ∂g
(x0 ) + (x0 ) [ϕ′ (x̃0 )] = 0. (9.5)
∂ x̃ ∂y
Multiplicando a equação (9.5) por λ e subtraindo de (9.4), obtemos
a conclusão    
∂f ∂g
(x0 ) = λ (x0 ) .
∂ x̃ ∂ x̃
O Teorema da Função Implı́cita 125

Aplicações

Para exemplificar aplicações do Método dos Multiplicadores de La-


grange, retomemos duas desigualdades importantes demonstradas no
Capı́tudo 2: as desigualdades de Hölder e de Young (veja Lema 2.6
e Corolário 2.7).
Desigualdade de Hölder: Sejam p e q tais que 1 < p, q < +∞ e
1/p + 1/q = 1. Então, para todo x, y ∈ Rn , vale a desigualdade

|hx; yi| ≤ kxkp kykq .

Prova: Seja y ∈ Rn , y 6= 0 e consideremos as funções f, g: Rn → R


definidas por

f (x) = hy; xi, e g(x) = kxkpp − 1.

A função f é de classe C 1 pois é linear e ∇f (x) = y para todo x ∈ Rn .


A função g é de classe C 1 pois p > 1 e

∇g(x) = p|x1 |p−2 x1 , . . . , p|xn |p−2 xn ,

para todo x ∈ Rn .

Seja S = x ∈ Rn ; g(x) = 0 . O conjunto S é a esfera unitária para
a norma k kp . Como S é compacto, existe x ∈ S ponto de máximo
de f sobre S, isto é,

f (x) ≥ f (x), ∀x ∈ S.

Além disso, ∇g(x) 6= 0 pois kxkp = 1 e

n
X


∇g(x); x = p |xi |p−1 > 0.
i=1

Pelo Teorema 9.2, existe λ ∈ R tal que ∇f (x) = λ∇g(x), isto é,

yi = λp|xi |p−2 xi , ∀i = 1, . . . , n. (9.6)


126 Cálculo Avançado I

É claro que λ > 0, pois se ỹ = y/kykp , então

λp = hy; xi ≥ hy; ỹi = kyk22 /kykp > 0.

Como q é o conjugado de p, tomando o módulo em ambos os lados


de (9.6) e elevando à potência q, obtemos

|yi |q = (pλ)q |xi |(p−1)q = (pλ)q |xi |p .

Somando em i = 1, . . . , n, obtemos

kykqq = (pλ)q kxkpp = (pλ)q .

Então, para x ∈ S qualquer, temos


n
X
hy; xi = f (x) ≤ f (x) = pλ |xi |p = kykq kxkp = kykq . (9.7)
i=1

Para x ∈ Rn x 6= 0 qualquer, seja x̃ = x/kxkp . Então x̃ ∈ S e a


desigualdade (9.7) nos dá

hy; xi ≤ kykq kxkp .

Para concluir a desigualdade, basta observar que −x ∈ S é ponto de


mı́nimo para f em S.
Desigualdade de Young: Sejam p e q tais que 1 < p, q < +∞ e
1/p + 1/q = 1. Então, para todo x, y ∈ R, vale a desigualdade

|x|p |y|q
|xy| ≤ + .
p q
Prova: Consideremos as funções f, g: Ω+ → R definidas por

1 p 1 q
f (x, y) = |x| + |y| , e g(x, y) = xy − 1,
p q

onde Ω+ = (x, y) ∈ R2 ; x > 0, y > 0 . A função f é de classe C 1
pois p, q > 1 e ∇f (x, y) = |x|p−2 x, |y|q−2 y para todo (x, y) ∈ R2 .
O Teorema da Função Implı́cita 127

A função g é de classe C 1 pois é polinômio e ∇g(x, y) = (y, x), para


todo (x, y) ∈ R2 .

Seja S = (x, y) ∈ R2 ; g(x, y) = 0 . O cojunto S não é compacto,
pois não é limitado. Entretanto é fechado e como f é coerciva (veja
(4.9)), existe (x, y) ponto de mı́nimo de f sobre S, isto é, f (x, y) ≤
f (x, y), ∀(x, y) ∈ S.
Além disso, ∇g(x, y) = (y, x) 6= (0, 0).
Pelo Teorema 9.2, existe λ ∈ R tal que ∇f (x, y) = λ∇g(x, y), isto é,
(
|x|p−2 x = λy,
|y|q−2 y = λx,

de onde concluı́mos que x = y = 1. Logo, f (x, y) ≥ 1 para todo


(x, y) ∈ S.
Seja (x, y) ∈ R2 , (x, y) 6= (0, 0) e defina x̃ = x/|xy|1/p e ỹ = y/|xy|1/q .
Então (x̃, ỹ) ∈ S e
1 p 1 q
|x̃| + |ỹ| ≥ 1,
p q
de onde segue a desigualdade

1 p 1 q
|x| + |y| ≥ xy.
p q

Para concluir, basta repetir o argumento para as funções f e g acima


definidas em 
Ω− = (x, y) ∈ R2 ; x < 0, y < 0 .

Multiplicadores de Lagrange (bis)

Vimos nas seções anteriores o Método dos Multiplicadores de La-


grange para o caso de uma restrição, isto é, g(x) = 0, com g: Rn → R
fução de classe C 1 . Vamos tratar nesta seção o caso geral, com m
restrições.
Teorema 9.3: Seja f : Rn → R uma função diferenciável
 e g: Rn →

m 1 n
R , m < n, uma função de classe C . Seja S = x ∈ R ; g(x) = 0
128 Cálculo Avançado I
  
e x0 ∈ S tal que f (x0 ) = min f (x) ; x ∈ S . Se o posto de g ′ (x0 )
é m, então existe λ = (λ1 , . . . , λm ) ∈ Rm tal que
m
X
∇f (x0 ) = λi ∇g(x0 ). (9.8)
i=1

Observação: A equação (9.8) pode ser interpretada como um sis-


tema linear de n equações e m incógnitas, com n > m. De fato,
podemos escrever (9.8) na forma
   
∂g1 ∂gm ∂f1
 ∂x1 (x0 ) ··· (x0 )   λ   (x0 ) 
∂x1 1
 ∂x1
  ..  = 
  
 .. .. .. ..  (9.9)
. .
 ∂g1 . . .
   
∂gm  λm  ∂f 1

···
(x0 ) (x0 ) (x0 )
∂xn ∂xn ∂xn
 T
Ou de modo mais conciso, Hλ = F , onde H = g ′ (x0 ) e F =
 ′ T
f (x0 ) .
Para provar o teorema, devemos mostrar que o sistema (9.9) possui
uma solução λ.
Prova: Se x ∈ Rn ,escrevemos
 x = (y, z) ∈ Rk ×Rm , ondek = n−m.
Como o posto de g (x0 ) é igual a m, a matriz g ′ (x0 ) possui m

colunas linearmente independentes, que podemos supor sem perder a


generalidade, serem as últimas m colunas. Assim,
 
   
g (x0 ) =  ∂g (x0 ) ∂g
 ′ 
(x0 )  ,
∂y ∂z

 
∂g
onde a submatriz (x0 ) é inversı́vel.
∂z
Como g é de classe C 1 e g(y0 , z0 ) = 0, segue do Teorema da Função
Implı́cita que existe U ⊂ Rk vizinhança aberta de y0 e ϕ: U → Rm
de classe C 1 tal que ϕ(y0 ) = z0 e

g y, ϕ(y) = 0, ∀y ∈ U. (9.10)
O Teorema da Função Implı́cita 129

Em particular, y0 ∈ U é ponto de mı́nimo para a função



y 7→ f y, ϕ(y) , y ∈ U. (9.11)

Portanto, segue da regra da cadeia



∂f ∂f


 (x0 ) + (x0 )ϕ′ (y0 ) = 0
∂y ∂z
(9.12)
 ∂g ∂g

 (x0 ) + (x0 )ϕ′ (y0 ) = 0
∂y ∂z

Para simplificar a notação, consideremos


 T  T
∂f ∂f
F1 = (x0 ) , F2 = (x0 ) ,
∂y ∂z
 T  T
∂g ∂g
B= (x0 ) , C= (x0 ) ,
∂y ∂z
T
Φ = [ϕ′ (y0 )] .

Então, tomando a transposta nas equações (9.12), temos


(
ΦF2 = −F1
(9.13)
ΦC = −B

Como C é inversı́vel, seja λ ∈ Rm solução de Cλ = F2 . Então, segue


de (9.13) que
−Bλ = ΦCλ = ΦF2 = −F1 .
Portanto, Hλ = F e concluı́mos a prova.

Exercı́cios

Exercı́cio 9.1. Considere a superfı́cie xy − z log y + eyz − e = 0.


É possı́vel representá-la na forma z = f (x, y) nas proximidades do
ponto (0, 1, 1)?
Exercı́cio 9.2. O ponto P = (1, −1, 2) pertence às superfı́cies x2 (y 2 +
z 2 ) = 5 e (x − z)2 + y 2 = 2. Mostre que a curva interseção dessas
130 Cálculo Avançado I

superfı́cies pode ser parametrizada na forma z = f (x) e y = g(x)


numa vizinhança de P .
Exercı́cio 9.3. Seja f : R → R função de classe C 1 tal que f (1) = 1
e defina 
S = (x, y) ∈ R2 ; 2f (xy) = f (x)2 + f (y) .

a) Mostre que se f ′ (1) 6= 0, existe r > 0 tal que S ∩ Br (1, 1) é


gráfico de uma função y = ϕ(x) de classe C 1 .
b) Nas condições do item (a), se f é de classe C 2 , mostre que x = 1
é ponto de máximo ou mı́nimo local para ϕ (o que implica, em
particular, que S não é gráfico de nenhuma função x = ψ(y) na
vizinhança de (1, 1)).
c) Mostre que se S é gráfico de uma função x = ψ(y) em alguma
vizinhança de (1, 1), então f ′ (1) = 0.
Exercı́cio 9.4. Seja f : R2 → R tal que f (0, 0) = 0. Encontre  uma
condição para f que permita resolver a equação f f (x, y), y = 0 com
y função de x numa vizinhança de (0, 0).
Exercı́cio 9.5. Mostre que o sistema abaixo pode ser resolvido com:
1) x, y, u em função de z;
2) x, z, u em função de y;
3) y, z, u em função de x;
mas não é possı́vel exprimir x, y, z em função de u.

 3x + y − z + u2 = 0
x − y + 2z + u = 0

2x + 2y − 3z + 2u = 0

Exercı́cio 9.6. Seja f : Rn ×Rn → Rn uma função de classe C 1 tal que


f (0, 0) = 0. Sejam B e C respectivamente as matrizes (relativamente
à base canônica)
   
∂f ∂f
(0, 0) e (0, 0)
∂x ∂y

a) B e C são matrizes de que ordem?


b) Escreva [f ′ (0, 0)] em termos dos blocos B e C.
O Teorema da Função Implı́cita 131

c) Seja φ: Rn × Rn → Rn definida por φ(x, y) = f f (x, y), f (x, y) .
Calcule
   
∂φ ∂φ
(0, 0) , (0, 0) e [φ′ (0, 0)]
∂x ∂y

em termos de B e C.
d) Se B é inversı́vel e kCk < 1/kB −1 k, mostre que a equação
φ(x, y) = 0 pode ser resolvida com x em função de y numa
vizinhança de 0 ∈ Rn .
Exercı́cio 9.7. Seja f : R → R contı́nua tal que f (x) > 0 se x > 0,
satisfazendo Z 1
f (t) dt = 2.
0

Mostre que existe δ > 0 e uma única função ϕ: [0, δ] → R de classe


C 1 em ]0, δ[ tal que
Z ϕ(x)
f (t) dt = 1.
x

Determine ϕ (x).
Exercı́cio 9.8. Calcular o valor máximo de

f (x1 , . . . , xn ) = (x1 x2 · · · xn )2

sob a restrição x21 + x22 + · · · + x2n = 1. Utilizar o resultado para


calcular a seguinte desigualdade, válida para números reais positivos
a 1 , . . . , an :
a1 + · · · + an
(a1 a2 · · · an )1/n ≤
n
Exercı́cio 9.9. Seja f : Rn → R definida por

f (x1 , . . . , xn ) = x21 x22 · · · x2n .

Sejam p1 , p2 , . . . , pn números reais estritamente positivos e defina


n
X

G = x ∈ Rn ; pi x2i = 1 .
i=1
132 Cálculo Avançado I

a) Mostre que existe x ∈ G tal que f (x) = max f (x) ; x ∈ G ;
b) Calcule x.
Exercı́cio 9.10. Seja k kL(Rn Rm ) a norma induzida pelas normas
euclidianas k k2 de Rn e √ Rm (veja (4.11)). Se A é matriz m × n,
mostre que kAkL(Rn Rm ) = λ, onde λ é o maior autovalor da matriz
simétrica e positiva definida AT A.
 
2 1
Use o resultado para concluir que se A = , então
0 1
q

kAkL(R2 ;R2 ) = 3 + 5.
10
Seqüências de Funções

Seja A um subconjunto de Rn e consideremos F (A, Rm ) a coleção


de todas as funções definidas em A com valores em Rm , isto é,

F (A, Rm ) = f : A → Rm ; f é função .

Seja {fk }k uma seqüência de funções de F (A, Rm ) e x0 ∈ A. Dize-


mos que {fk } converge pontualmente em x0 se a seqüência {fk (x0 )}
é seqüência convergente de Rm . Dizemos que {fk } converge pontual-
mente em A se para todo x ∈ A a seqüência {fk (x)} é convergente
em Rm .
É claro que se {fk } é pontualmente convergente em A, a unicidade
do limite nos permite definir a função limite f ∈ F(A, Rm ). Isto é,
f (x) = limk→∞ fk (x).
As considerações acima nos levam naturalmente à
Definição 10.1: Dizemos que uma seqüência {fk } de F (A, Rm ) con-
verge pontualmente para f em A se

∀x ∈ A, f (x) = lim fk (x),


k→∞

isto é, ∀x ∈ A e ∀ε > 0, ∃k0 ∈ N (que pode depender de ε e x) tal


que se k ≥ k0 então kfk (x) − f (x)k < ε.
Notação: Se {fk } converge pontualmente para f em A denotamos
p
fk −→ f em A.
134 Cálculo Avançado I

A convergência pontual tem um “defeito”; pode não transferir para


a função limite as “boas” propriedades das funções fk . De fato, pro-
priedades tais como continuidade, semicontinuidade, integrabilidade,
etc., podem não ser herdadas pela função limite pontual, como vere-
mos a seguir.
Exemplo 1: (Perda de Continuidade)
Consideremos a seqüência de F (R, R) definida por
(0 se x ≤ 0
fk (x) = kx se x ∈ [0, 1/k]
1 se x ≥ 1/k
É imediato verificar que fk é contı́nua para todo k ∈ N e que fk
converge pontualmente em R para a função de Heaviside
n
0 se x ≤ 0
f (x) =
1 se x > 0
que é descontı́nua em x = 0.
Exemplo 2: (Perda de Integrabilidade)

Consideremos a seqüência de F [0, 1], R definida por
fk (x) = lim (cos k!πx)2j .
j→∞

Não é difı́cil mostrar (veja Exercı́cios) que fk (x) = 0, exceto para um


número finito de pontos de [0, 1] e que fk converge pontualmente em
[0, 1] para a função de Dirichlet
n
0 se x é irracional
f (x) =
1 se x é racional
Portanto, fk é função Riemann-integrável em [0, 1] para todo k ∈ N,
mas a função limite f não é Riemann-integrável.
Mesmo que a função limite pontual seja integrável, pode não ocorrer
a conservação no valor limite das integrais. De fato, considere a se-
qüência {fk } de F ([0, +∞); R) definida por fk (x) = kx2 e−x/k . É fácil
ver que fk converge pontualmente para a função f ≡ 0 e que
Z +∞
fk (x) dx = 1, ∀k ∈ N.
0
Seqüências de Funções 135

Convergência Uniforme

Definição 10.2: Dizemos que uma seqüência {fk } de F (A, Rm ) con-


verge uniformemente para f ∈ F(A, Rm ) em A se

∀ε > 0, ∃k0 ∈ N tal que se k ≥ k0


então kfk (x) − f (x)k < ε, ∀x ∈ A.

Notação: Se {fk } converge uniformemente para f em A denotamos


u
fk −→ f em A.
Vale observar que a convergência uniforme implica na convergência
pontual, mas não a recı́proca; o k0 da convergência uniforme só de-
pende de ε, enquanto o da convergência pontual depende do ε e de
cada x.

Exemplos: A seqüência {fk } de F [−1, 1], R definida por fk (x) =
p
x2 + 1/k converge uniformemente em [−1, 1] para f (x) = |x|. A
seqüência {fk } definida por fk (x) = xk converge pontualmente (mas
não uniformemente) em [0, 1] para a função
n
f (x) = 0 se x ∈ [0, 1[
1 se x = 1
p
Proposição 10.3: Suponhamos fk −→ f em A e seja

Mk = sup kfk (x) − f (x)k ; x ∈ A .
u
Então fk −→ f em A se e somente se Mk −→ 0.
Prova: Provemos inicialmente a implicação ⇒. Dado ε > 0, existe
k0 ∈ N tal que se k ≥ k0 , então kfk (x) − f (x)k < ε/2, para todo
x ∈ A. Portanto, passando ao sup em x, Mk ≤ ε/2 se k ≥ k0 .
A recı́proca é imediata, pois kfk (x) − f (x)k ≤ Mk para todo x ∈ A.
Definição 10.4: Uma seqüência de F (A, Rm ) é denominada uni-
formemente de Cauchy se

∀ε > 0, ∃k0 ∈ N tal que se k, l ≥ k0


então kfk (x) − fl (x)k < ε, ∀x ∈ A.
136 Cálculo Avançado I

O Teorema a seguir, denominado Critério Uniforme de Cauchy, ca-


racteriza as seqüências que convergem uniformemente.
u
Teorema 10.5: fk −→ f em A se e somente se {fk }k é uniforme-
mente de Cauchy em A.
Prova: A implicação ⇒ é conseqüência imediata da desigualdade
triangular,

kfk (x) − fl (x)k ≤ kfk (x) − f (x)k + kfl (x) − f (x)k.

Provemos a implicação contrária (⇐).


Se {fk } é uniformemente de Cauchy em A, então para cada x ∈ A, a
seqüência {fk (x)} é seqüência de Cauchy em Rm . Como conseqüência
do Teorema 3.28 existe o limite f (x) = limk→∞ fk (x) e concluı́mos
p
que fk −→ f em A.
u
Para provar que fk −→ f em A, seja ε > 0. Então existe k0 ∈ N tal
que
k, l ≥ k0 ⇒ kfk (x) − fl (x)k < ε/2, ∀x ∈ A. (10.1)
Fixando k e passando ao limite para l → ∞ em (10.1), obtemos

k ≥ k0 ⇒ kfk (x) − f (x)k ≤ ε/2, ∀x ∈ A.

Segue a conclusão.
A convergência uniforme preserva as “boas” propriedades. De fato,
Teorema 10.6: Seja x0 ∈ A ∩ A′ e {fk } seqüência de função contı́-
u
nuas em x0 . Se fk −→ f em A, então f é contı́nua em x0 .
Prova: Seja x ∈ A. Então

kf (x) − f (x0 )k ≤ kf (x) − fk (x)k + kfk (x) − fk (x0 )k


(10.2)
+ kfk (x0 ) − f (x0 )k, ∀k.

Dado ε > 0, existe k0 ∈ N tal que se k ≥ k0 , kfk (x) − f (x)k < ε/3,
∀x ∈ A. Portanto, fixando k = k0 em (10.2), temos


kf (x) − f (x0 )k < + kfk0 (x) − fk0 (x0 )k.
3
Seqüências de Funções 137

Como fk0 é função contı́nua, existe δ > 0 tal que se kx − x0 k < δ,


então kfk0 (x) − fk0 (x0 )k < ε/3 e temos a conclusão.
Observação: O Teorema 10.6 pode ser interpretado como uma co-
mutatividade de limites:

f (x0 ) = lim fk (x0 ) = lim lim fk (x),


k→∞ k→∞ x→x0
f (x0 ) = lim f (x) = lim lim fk (x).
x→x0 x→x0 k→∞

De fato, a convergência uniforme preserva essa comutatividade, como


vemos no resultado a seguir.
Teorema 10.7: Seja {fk } uma seqüência de F (A, Rm ) e x0 ∈ A′ .
u
Se fk −→ f em A e limx→x0 fk (x) = µk , então

lim f (x) = lim µk = µ.


x→x0 k→∞

u
Prova: Se fk −→ f em A, então {fk } é uniformemente de Cauchy.
Assim, dado ε > 0, existe k0 ∈ N tal que

k, l ≥ k0 ⇒ kfk (x) − fl (x)k < ε, ∀x ∈ A. (10.3)

Para k e l fixados, podemos passar ao limite com x → x0 em (10.3)


para obter
k, l ≥ k0 ⇒ kµk − µl k ≤ ε.
Portanto, a seqüência {µk } é seqüência de Cauchy em Rm e existe o
limite µ = limk→+∞ µk .
Por outro lado, temos da desigualdade triangular,

kf (x) − µk ≤ kf (x) − fk (x)k + kfk (x) − µk k + kµk − µk, ∀k ∈ N.


(10.4)
A primeira e a terceira parcelas do lado direito de (10.4) podem
ser tornadas tão pequenas quanto se queira se k é grande. Mais
precisamente, existe k1 ∈ N tal que

kµk1 − µk < ε/3 e kf (x) − fk1 (x)k < ε/3, ∀x ∈ A.


138 Cálculo Avançado I

Além disso, como limx→x0 fk1 (x) = µk1 , existe δ > 0 tal que se
0 < kx − x0 k < δ, então kfk1 (x) − µk1 k < ε/3 e concluı́mos a prova.

Teorema 10.8: Seja {fk }k uma seqüência de funções de F [a, b]; R
u
tal que cada fk é função Riemann-integrável em [a, b]. Se fk −→ f
em [a, b], então f é integrável em [a, b] e
Z b Z b
lim fk (x) dx = f (x) dx.
k→∞ a a

Prova: Seja P = a = x0 < x1 < · · · < xm = b uma partição de
[a, b] e consideremos
 
Mik = sup fk (x) ; x ∈ [xi−1 , xi ] , Mi = sup f (x) ; x ∈ [xi−1 , xi ] ,
 
mki = inf fk (x) ; x ∈ [xi−1 , xi ] , mi = inf f (x) ; x ∈ [xi−1 , xi ] .
Consideremos também
m
X m
X
U (fk , P ) = Mik ∆xi e L(fk , P ) = mki ∆xi ,
i=1 i=1

onde ∆xi = xi − xi−1 .


u
Como fk −→ f em [a, b], segue que Mik → Mi e mki → mi quando
k → ∞, para todo i = 1, . . . , m. Assim, para ε > 0 dado, existe
k0 ∈ N tal que
ε ε
|Mik0 − Mi | < e |mki 0 − mi | < , ∀i = 1, . . . , m.
2(b − a) 2(b − a)
Portanto,
ε ε
− < U (fk0 , P ) − U (f, P ) < ,
2 2
ε ε
− < −L(fk0 , P ) + L(f, P ) < .
2 2
Somando as desigualdades acima obtemos
−ε < U (fk0 , P ) − L(fk0 , P ) − U (f, P ) + L(f, P ) < ε.
Como fk0 é integrável, existe δ > 0 tal que se ∆xi < δ, então
U (fk0 , P ) − L(fk0 , P ) < ε/2 e concluı́mos a prova.
Seqüências de Funções 139

Convergência Uniforme e Derivadas



Teorema 10.9: Seja {fk } uma seqüência de funções de F [a, b], R
u
tais que fk é derivável em ]a, b[ e fk′ −→ g em ]a, b[. Se para algum
x0 ∈ [a, b] a seqüência {fk (x0 )}k é convergente, então existe f : [a, b] →
u
R função derivável em ]a, b[ tal que fk −→ f em [a, b] e f ′ = g.

Prova: Seja ϕ(x) = fk (x) − fl (x), x ∈ [a, b]. Então, pelo Teorema
do Valor Médio, ϕ(x) − ϕ(y) = ϕ′ (ξ)(x − y), para algum ξ entre x e
y. Portanto, para y = x0 ,

fk (x) − fl (x) − fk (x0 ) + fl (x0 ) = fk′ (ξ) − fl′ (ξ) (x − x0 ). (10.5)

Por hipótese, a seqüência {fk′ } é uniformemente de Cauchy em ]a, b[.


Logo, dado ε > 0, existe k0 ∈ N tal que
ε
k, l ≥ k0 ⇒ |fk′ (ξ) − fl′ (ξ)| < , ∀ξ ∈ ]a, b[.
2(b − a)

Usando a desigualdade triangular em (10.5) obtemos


ε
|fk (x) − fl (x)| ≤ |x − x0 | + |fk (x0 ) − fl (x0 )|, ∀x ∈ [a, b]
2(b − a)

e concluı́mos que {fk } é uniformemente de Cauchy em [a, b]. Pelo


u
Teorema 10.5, existe f : [a, b] → R tal que fk −→ f em [a, b].
Provemos que f é derivável em ]a, b[. Para x ∈ ]a, b[ fixado, considere
Φk : [a, b] → R definida por

 fk (t) − fk (x) se t 6= x
Φk (t) = t−x

fk′ (x) se t = x

Como fk é derivável, vemos que limt→x Φk (t) = fk′ (x). Por outro
lado, é fácil ver que Φk converge pontualmente em [a, b] \ {x} para a
função
f (t) − f (x)
Φ(t) = , t ∈ [a, b] \ {x}.
t−x
140 Cálculo Avançado I

u
Se provarmos que Φk −→ Φ em [a, b] \ {x}, podemos usar o Teorema
10.7 para concluir a demonstração.
Com efeito, pelo Teorema do Valor Médio,

fk (t) − fk (x) fl (t) − fl (x)


Φk (t) − Φl (t) = − = fk′ (ξ) − fl′ (ξ),
t−x t−x
para algum ξ entre t e x. Como {fk′ } é uniformemente de Cauchy, o
mesmo vale para {Φk }.
O Teorema acima pode ser estendido às funções vetoriais.
Teorema 10.10: Seja Ω aberto, limitado e conexo de Rn . Seja {fk }
uma seqüência de F (Ω, R) tal que
a) para algum x0 ∈ Ω, a seqüência {fk (x0 )} é convergente;
b) para todo k ∈ N, fk é função de classe C 1 ;
u
c) fk′ −→ g em Ω.
Então existe f ∈ F(Ω, R) função de classe C 1 tal que f ′ = g e
u
fk −→ f em Ω.
Prova: Faremos a prova em duas etapas.
Etapa 1: g é um campo conservativo.
Sejam γ1 , γ2 : [0, 1] → Ω duas curvas de classe C 1 ligando x a y. Se
denotarmos por Ii , i = 1, 2, as integrais de linha
Z 1


Ii = g γi (t) ; γi′ (t) dt,
0

então podemos escrever


Z 1 Z 1

 
′ 
Ii = g γi (t) − fk′ γi (t) ; γi′ (t) dt + fk γi (t) ; γi′ (t) dt.
0 0

Pelo Teorema 6.7, fk′ é campo conservativo. Logo,


Z 1
 
I1 − I2 = g γ1 (t) − fk′ γ1 (t) ; γ1′ (t) dt
0
Z 1
 
− g γ2 (t) − fk′ γ2 (t) ; γ2′ (t) dt.
0
Seqüências de Funções 141

Seja Mk = sup{kfk′ (x) − g(x)k ; x ∈ Ω}. Então,



|I1 − I2 | ≤ Mk med(γ1 ) + med(γ2 ) .
u
Mk → 0 pois fk′ −→ g em Ω. Portanto, I1 = I2 e concluı́mos que g é
conservativo.
Seja y0 o limite da seqüência {fk (x0 )}k . Pelo Teorema 6.8, existe
uma única f de classe C 1 tal que f ′ (x) = g(x) para todo x ∈ Ω
satisfazendo f (x0 ) = y0 .
u
Etapa 2: Provemos que fk −→ f em Ω.
Para cada x ∈ Ω, podemos determinar γx : [0, 1] → Ω curva de classe
C 1 ligando x0 a x, de modo que
 Z 1




 f k (x) = f k (x0 ) + fk (γx (t)); γx′ (t) dt,
0
 Z 1


g(γx (t)); γx′ (t) dt.

 f (x) = f (x0 ) +

0

Logo,
|fk (x) − f (x)| ≤ |fk (x0 ) − f (x0 )| +
Z 1
 
+ kfk′ γx (t) − g γx (t)) kkγx′ (t)k dt ≤ Mk med(γx ).
0

Como Mk → 0, concluı́mos que fk converge pontualmente para f


em Ω. Para provar a convergência uniforme, consideremos Φk (x) =
fk (x) − f (x). Segue do Teorema do Valor Médio


Φk (x) − Φk (x0 ) = Φ′k (ξ); x − x0 .
Como Ω é limitado, existe R > 0 tal que kxk ≤ R para todo x ∈ Ω
e, conseqüentemente,
|fk (x) − f (x)| ≤ |fk (x0 ) − f (x0 )| + kfk′ (ξ) − g(ξ)kkx − x0 k.
Portanto,
sup |fk′ (x) − g(x)| ≤ |fk (x0 ) − f (x0 )| + 2Mk R
x∈Ω

e concluı́mos a prova.
142 Cálculo Avançado I

Séries de Funções e Convergência Uniforme

Dada uma seqüência de funções {fk } de F (A, Rm ), podemos consi-


derar seqüência das somas parciais

k
X
Φk (x) = fi (x).
i=1

A seqüência {Φk } é denominada série de funções de termo geral fk ,


que denotamos por

X
fi . (10.6)
i=1

Dizemos que a série (10.6) converge uniformemente em A se a se-


qüência das somas parciais que a define converge uniformemente em
A.
O Critério de Cauchy aplicado à seqüência das somas parciais nos dá:
P∞
Corolário 10.11: A série i=1 fi converge uniformemente em A se
e somente se ∀ε > 0 existe k0 ∈ N tal que se k, l ≥ k0 então

l
X

fi (x) < ε, ∀x ∈ A.

i=k+1

Um resultado importante para o estudo da convergência uniforme de


séries de funções é o Teste de Weierstrass, cuja prova é conseqüência
imediata do critério de Cauchy.
Teorema 10.12: Seja {fk } uma seqüência de funções de F (A, Rm )
tais que
kfk (x)k ≤ Mk , ∀x ∈ A.
k
X
P
Se a série numérica i Mi é convergente, então a série fk con-
i=1
verge uniformemente em A.
Seqüências de Funções 143

Séries de Potências

As séries de potências são casos particulares de séries de funções e


desempenham papel preponderante na Matemática. Denominamos P∞
série de potências em torno de x0 ∈ R as séries de funções k=1 fk (x),
onde fk (x) = ak (x − x0 )k .
Como as funções fk (x) são polinômios e estão portanto definidas para
todo x ∈ R, podemos perguntar para que valores de x a série converge
pontualmente e/ou uniformemente.
Para o estudo da convergência pontual podemos usar os testes para
séries numéricas. De fato, para x fixado, o teste da raı́z dá:
p
lim sup k |ak ||x − x0 | < 1 ⇒ a série converge;
k→∞
p
lim sup k |ak ||x − x0 | > 1 ⇒ a série diverge.
k→∞

Portanto, se denotarmos por


p
k
R = 1/ lim sup |ak |, (10.7)
k→∞

então a série converge pontualmente (e absolutamente) no intervalo


]x0 − R, x0 + R[ (com a convenção R = +∞ se 1/R = 0) e diverge
em ] − ∞, x0 − R[∪]x0 + R, +∞[. O número R é denominado Raio
de Convergência da série. Observe que o teste da raı́z nada informa
sobre o que ocorre nas extremidades do intervalo.
No que se refere ao estudo da convergência uniforme, podemos aplicar
o Teste de Weierstrass.
P
Teorema 10.13: Seja ∞ k
k=1 ak (x − x0 ) uma série de potências em
torno de x0 e A um conjunto limitado qualquer tal que A esteja
contido em ]x0 − R, x0 + R[, onde R é definido por (10.7). Então a
série converge uniformemente em A.
Prova: Seja α = sup{|x − x0 | ; x ∈ A}. Então 0 < α < +∞ e

|fk (x)| ≤ |ak |αk , ∀x ∈ A.

Como α < R, p
k
lim sup |ak |α < 1.
k→∞
144 Cálculo Avançado I
P∞
Logo a série numérica k=1 ak αk é convergente e concluı́mos a con-
vergência uniforme da série de potências pelo Teorema 10.12.
Observação: As funções definidas por séries de potências são infini-
tamente deriváveis no intervalo de convergência e suas derivadas são
obtidas derivando-se a série termo a termo. De fato, seja

k
X
ϕk (x) = aj (x − x0 )j , x ∈ IR =]x0 − R, x0 + R[,
j=0

p P∞
onde R = 1/ lim supk→∞ k |ak | e ϕ a série de potências j=1 aj (x −
x0 )j (ϕ é o limite pontual de ϕk em IR ). Como ϕk é derivável,
P
ϕ′k (x) = kj=0 jaj (x − x0 )j−1 e
p
k
p
lim sup (k + 1)|ak+1 | = lim sup k |ak | = 1/R,
k→∞ k→∞

p
segue do Teorema 10.13 que existe ψ: IR → R tal que ϕ′k −→ ψ em
u
IR e ϕ′k −→ ψ em todo intervalo I tal que I seja contido em IR .
Portanto, pelo Teorema 10.9, ϕ é derivável em IR e ϕ′ = ψ. Como
podemos repetir este argumento ao infinito, temos a conclusão.

A Matriz Exponencial

Podemos estender de modo natural as definições de convergência pon-


tual e convergência uniforme às seqüências de F (A, W ), onde A ⊂ V ,
com V e W espaços vetoriais normados (de dimensão finita ou não),
mantendo a validade da maioria dos resultados anteriores. Assim,
por exemplo, se W é espaço de Banach, temos a extensão do Teo-
rema 10.5.
Essas extensões são particularmente importantes para o caso W =
M = Mn×n do espaço das matrizes n × n (ou equivalentemente
L(Rn , Rn ) o espaço das transformações lineares de Rn em Rn ). Além
da estrutura de espaço vetorial de dimensão finita, M é uma álgebra
se munido do produto usual de matrizes (ou equivalentemente munido
da composição de funções), de modo que podemos considerar as séries
Seqüências de Funções 145

de potências de matrizes. Mais precisamente, se Φk : M → M é


polinômio da forma
k
X
Φk (X) = aj (X − X0 )j , X ∈ M,
j=1

podemos perguntar:
Problema: Para quais X ∈ M temos a convergência pon-
tual da seqüência {Φk }k ? Onde ocorre a convergência uni-
forme?
Com argumentos análogos aos anteriores podemos mostrar que existe
p
Φ: BR (X0 ) → M tal que Φk −→ Φ em BR (X0 ) = X ∈ M ; kX −

X0 k < R , com R definido por (10.7).
Φ é denominada
P∞ Série de Potências em torno de X0 , que denotamos
por k=1 ak (X − X0 )k e, por analogia, BR (X0 ) o seu intervalo de
convergência.
Com argumentos análogos aos anteriores (veja Teorema 10.13), pode-
mos provar o seguinte resultado sobre a convergência uniforme de
séries de potências em M.
P∞
Teorema 10.13 (bis): Seja k=1 ak (X − X0 )k uma série de potên-
cias em torno de X0 em M = Mn×n e S um subconjunto de BR (X0 )
tal que S ⊂ BR (X0 ), onde R é definido por (10.7). Então a série
converge uniformemente em S.
Exemplo: (A Matriz Exponencial) Seja Φk : M → M definida por
1 1
Φk (X) = I + X + X 2 + · · · + X k .
2 k!
p p
Como limk→∞ k 1/k! = 0, existe Φ: M → M tal que Φk −→ Φ
em M e uniformemente em qualquer conjunto limitado de M. Φ é
denominada a Matrix Exponencial de X que denotamos por eX ou
exp(X), isto é

X 1 k
exp(X) = X . (10.8)
k!
k=0
146 Cálculo Avançado I

Exercı́cios

Exercı́cio 10.1. Seja fk : [0, 1] → R a função definida por

fk (x) = lim (cos k!πx)2j .


j→∞

Mostre que
n
fk (x) = 1 se x ∈ {1/k!, 2/k!, . . . , 1},
0 senão
e que fk converge pontualmente em [0, 1] para a função
n
1 se x é racional,
f (x) =
0 se x é irracional.

Exercı́cio 10.2. Dê exemplo de seqüência de funções sci que converge


pontualmente para uma função que não é sci.
Exercı́cio 10.3. Sejam {fk } e {gk } seqüências de funções definidas
em A ⊂ Rn com valores em Rm . Se {fk } e {gk } convergem uniforme-
mente em A, prove que {fk + gk } converge uniformemente em A.
Se, além disso, {fk } e {gk } são seqüências de funções uniformemente
limitadas (isto é, kfk (x)k ≤ α e kgk (x)k ≤ β ∀x ∈ A, ∀k), mostre que
{ϕk } definida por ϕk (x) = hfk (x); gk (x)i converge uniformemente em
A.
Exercı́cio 10.4. Verdadeiro ou falso?
u
a) Se fk −→ f em A, ⇒ {fk } é seqüência de funções limitadas.
u
b) Se fk −→ f em A, com A compacto e fk contı́nua para todo k,
⇒ {fk } é seqüência de funções uniformemente limitadas.
Exercı́cio 10.5. Seja g: R → R função de classe C 1 e fk : A ⊂ Rn → R
seqüência de funções uniformemente limitadas (isto é, |fk (x)| ≤ α ∀k
e ∀x ∈ A), tal que fk −→ f uniformemente em A. Mostre que
g ◦ fk −→ g ◦ f uniformemente em A.
Exercı́cio 10.6. Considere

X 1
f (x) =
1 + k2 x
k=1
Seqüências de Funções 147

Para que valores de x esta série é absolutamente (pontualmente) con-


vergente? Em que intervalos ela é uniformemente convergente? f é
contı́nua nos pontos em que a série converge? f é limitada?
P∞ 2
Exercı́cio 10.7. Prove que a série k=1 (−1)k x k+k 2 converge uni-
formemente em todo intervalo limitado, mas não converge absoluta-
mente em nenhum x.
 
0 −1
Exercı́cio 10.8. Seja X = . Mostre que
1 0
 
cos θ − sen θ
exp(θX) = .
sen θ cos θ
Exercı́cio 10.9. Seja M = Mn×n e considere X ∈ M tal que
kXk < 1.
a) Mostre que I + X é inversı́vel.
P∞
b) Mostre que a série de potências k=0 (−1)k X k converge pon-
tualmente para (I + X)−1 em B1 (0).

c) Seja I = X ∈ M ; X é inversı́vel e f : I → M a função
f (X) = X −1 . Mostre que f é diferenciável em I e calcule f ′ (X).
Exercı́cio 10.10. Mostre que
lim kxkp = kxk∞
p→+∞

uniformemente nos compactos de Rn .


Exercı́cio 10.11. Seja f : Rn −→ Rn tal que f (0) = 0 e considere
{fk }k a seqüência definida por fk : B → Rn ,
x
fk (x) = kf ( ) ∀x ∈ B,
k
onde B = {x ∈ Rn ; 12 ≤ kxk ≤ 1}. Mostre que se {fk }k converge
uniformemente em B para uma transformação linear L: Rn −→ Rn ,
então f é diferenciável em 0.
Exercı́cio 10.12. Seja K ⊂ Rn compacto e {fk }k seqüência de
funções reais contı́nuas convergindo pontualmente em K para uma
função contı́nua f . Se
fk (x) ≤ fk+1 (x), ∀x ∈ K, k = 1, 2, . . .
mostre que a convergência é uniforme. Mostre que o resultado é falso
se K não é compacto.
11
O Espaço C(K;Rm )
Seja K um subconjunto compacto de Rn e considere

C(K; Rm ) = f : K → Rm ; f é função contı́nua .
C(K; Rm ) é espaço vetorial (com as operações usuais de soma de
funções e produto por escalar) de dimensão infinita. De fato, num
espaço vetorial V de dimensão n, qualquer subconjunto com mais de
n vetores é necessariamente linearmente dependente. Consideremos,
por exemplo, V = C([0, 1]; R). Para todo k ∈ N seja Ak o subcon-
junto Ak = {f1 , f2 , . . . , fk }, onde fk (x) = xk . É fácil ver que Ak
é linearmente independente, qualquer que seja k ∈ N. Logo, V não
pode ser de dimensão finita.
A norma natural de C(K; Rm ) é a norma k k∞ definida por

kf k∞ = max kf (x)k ; x ∈ K ,
onde k k é uma norma qualquer de Rm .
Observação: O termo “natural” a que nos referimos acima é aqui
justificado pelos resultados que se seguem, isto é, a norma k k∞ é
natural do ponto de vista matemático. Como na prática a norma
natural é em geral a que melhor convém a uma dada aplicação ou
a um dado problema, pode ocorrer que a “natural” não seja a que
proporciona boas propriedades ao espaço. Por exemplo, a norma
euclidiana em C([a, b], R), definida por
Z !1/2
b
kf k2 = |f (x)|2 ,
a
150 Cálculo Avançado I

é natural para muitas aplicações, como por exemplo os problemas que


envolvem séries de Fourier, etc. Porém, C([a, b], R) não é espaço de
Banach para esta norma, não ficam assim assegurados os processos
de limite.
Teorema 11.1: O espaço C(K; Rm ) munido da norma k k∞ é espaço
de Banach. Além disso,

u
kfk − f k∞ → 0 ⇐⇒ fk −→ f em K.

Prova: Seja {fk }k seqüência de Cauchy em C(K; Rm ). Então {fk }k


é uniformemente de Cauchy. Pelos Teoremas 10.5 e 10.6, existe
u
f ∈ C(K; Rm ) tal que fk −→ f em K. A conclusão segue da
Proposição 10.3.
Observação: O Teorema 11.1 assegura a validade em C(K; Rm ) dos
principais resultados demonstrados nos capı́tulos anteriores. Em es-
pecial, o Teorema do Ponto Fixo de Banach, o Teorema da Função
Inversa, o Teorema da Função Implı́cita, o Teorema dos Multipli-
cadores de Lagrange, etc., que são importantes para as aplicações.

Aplicação 1: o Teorema de Picard

Como aplicação dos resultados estudados até aqui, vamos apresentar


nesta seção um prova elegante do Teorema de Picard para a existência
e unicidade de soluções do Problema de Valor Inicial para Sistemas
de Equações Diferenciais Ordinárias.
Problema: Seja T > 0 e x0 ∈ Rn . Dada f : [0, T ]×Rn → Rn ,
deseja-se saber se existe uma única curva γ: [0, T ] → Rn dife-
renciável em ]0, T [ tal que
( 
γ ′ (t) = f t, γ(t) , ∀t ∈ ]0, T [,
(11.1)
γ(0) = x0 .

Uma resposta afirmativa para o problema é dada pelo Teorema de


Picard (para uma forma mais geral, veja exercı́cios).
m
O Espaço C(K;R ) 151

Teorema 11.2: Seja f : [0, T ] × Rn → Rn função contı́nua satis-


fazendo a seguinte propriedade: existe L ≥ 0 tal que

kf (t, x) − f (t, y)k ≤ Lkx − yk, ∀x, y ∈ Rn , ∀t ∈ [0, T ]. (11.2)

Então, para cada x0 ∈ Rn , existe uma única curva γ: [0, T ] → Rn


diferenciável em ]0, T [ satisfazendo (11.1).

Prova: Seja V = C [0, T ]; Rn e considere a função Ψ: V → V
definida por (veja notação em (5.15))
Z t

Ψ(γ)(t) = x0 + f s, γ(s) ds.
0

Então, para todo t ∈ [0, T ]


Z t  
kΨ(γ1 )(t) − Ψ(γ2 )(t)k ≤ kf s, γ1 (s) − f s, γ2 (s) k ds
0 (11.3)
≤ Lkγ1 − γ2 k∞ t.

Consideremos Ψ2 = Ψ ◦ Ψ. Então, para toda γ ∈ V ,


Z t
2

Ψ (γ)(t) = x0 + f s, Ψ(γ)(s) ds
0

e obtemos de (11.3) ∀t ∈ [0, T ]


Z t
2 2

kΨ (γ1 )(t) − Ψ (γ2 )(t)k ≤ LkΨ(γ1 )(s) − Ψ(γ2 )(s) k ds
0
t2
≤ L2 kγ1 − γ2 k∞ .
2
Repetindo o argumento para Ψ3 , . . . , Ψk , obtemos

L k tk
kΨk (γ1 )(t) − Ψk (γ2 )(t)k ≤ kγ1 − γ2 k∞ , ∀t ∈ [0, T ]. (11.4)
k!
Passando ao supremo em t ∈ [0, T ] na desigualdade (11.4), temos

Lk T k
kΨk (γ1 ) − Ψk (γ2 )k∞ ≤ kγ1 − γ2 k∞ .
k!
152 Cálculo Avançado I

Fixando k ∈ N tal que Lk T k /k! < 1, concluı́mos que Ψk é contração


em V . Sendo V um espaço de Banach, existe um único ponto γ ∈ V
ponto fixo para Ψk . Logo (veja Exercı́cio 4.21), γ é ponto fixo de Ψ,
isto é, Z t

γ(t) = x0 + f s, γ(s) ds
0
e temos a conclusão.

O Teorema de Arzelà-Ascoli
Uma das diferenças marcantes entre o Rn (ou mais geralmente entre
um espaço de dimensão finita) e C(K; Rm ) é sobre a caracterização
dos conjuntos compactos. Por exemplo, os fechados e limitados de
C(K; Rm ) não são necessariamente compactos.
De fato, mostremos que a bola fechada
 
B = f ∈ C [0, 1]; R ; kf k∞ ≤ 1
não é compacto em C([0, 1], R). Seja
x2
fk (x) = , x ∈ [0, 1].
x2 + (1 − kx)2
p
É fácil ver que kfk k∞ ≤ 1 e que fk −→ 0 em [0, 1]. Se B fosse
compacto, a seqüência {fk } admitiria uma subseqüência convergente
(necessariamente a zero), o que é impossı́vel, pois
kfk k∞ = |fk (1/k)| = 1.

1.2

0.8

y
0.6

0.4

0.2

0 0.2 0.4 0.6 0.8 1


x

Figura 11.1
m
O Espaço C(K;R ) 153

A caracterização dos conjuntos compactos de C(K; Rm ) é dada pelo


Teorema de Arzelà-Ascoli que veremos a seguir.
Definição 11.3: Dizemos que X ⊂ C(K; Rm ) é equicontı́nuo se
∀ε > 0 existe δ > 0 tal que se x, y ∈ K e kx − yk < δ, então
kf (x) − f (y)k < ε, ∀f ∈ X .
Se X ⊂ C(K, Rm ), denotamos X (x) = {f (x) | f ∈ X }.
Teorema 11.4: Seja X subconjunto fechado de C(K; Rm ). Então
X é compacto em C(K, Rm ) se e somente se X é equicontı́nuo e, para
todo x ∈ K, X (x) é compacto em Rm .
Prova: Suponhamos inicialmente X compacto em C(K; Rm ).
Seja x0 ∈ K. Provemos que X (x0 ) é compacto. Consideremos
{ξk } uma seqüência de X (x0 ). Por definição, existe fk ∈ X tal que
fk (x0 ) = ξk . Como X é compacto, {fk } admite uma subseqüência
{fki } tal que fki −→ f uniformemente, para algum f ∈ X . Em par-
ticular, ξki = fki (x0 ) −→ f (x0 ) ∈ X (x0 ). Logo X (x0 ) é compacto.
Provemos que X é equicontı́nuo. Dado ε > 0, consideremos a cober-
tura {Bε (f )}f ∈X de X , onde

Bε (f ) = {g ∈ C(K, Rm ) ; kg − f k∞ < ε}

Como X é compacto, existem f1 , f2 , . . . , fk em X tais que X ⊂


S k
i=1 Bε (fi ).
Como cada fi é contı́nua em K e K é compacto, fi é uniformemente
contı́nua em K:

∃δi > 0 tal que kx − yk < δi ⇒ kfi (x) − fi (y)k < ε.

Seja δ = min{δ1 , δ2 , . . . , δk }. Se f ∈ X , então f ∈ Bε (fi0 ) para algum


1 ≤ i0 ≤ k e se kx − yk < δ,

kf (x) − f (y)k ≤ kf (x) − fi0 (x)k + kfi0 (x) − fi0 (y)k


+ kfi0 (y) − f (y)k ≤ 2kf − fi0 k∞ + kfi0 (x) − fi0 (y)k.

Mas kfi0 (x) − fi0 (y)k < ε pois kx − yk < δ ≤ δi0 e kf − fi0 k∞ < ε
pois f ∈ Bε (fi0 ).
Portanto kf (x) − f (y)k < 3ε, o que implica X equicontı́nuo.
154 Cálculo Avançado I

Reciprocamente, consideremos {fk } uma seqüência qualquer de X .


Como X é equicontı́nuo, dado ε > 0, ∃δ > 0 tal que
kx − yk < δ ⇒ kfk (x) − fk (y)k < ε, ∀k ∈ N. (11.5)
Seja {Bδ (x)}x∈K cobertura de K. Então existem x1 , x2 , . . . , xl ∈ K
Sl
tais que K ⊂ i=1 Bδ (xi ).
Por hipótese X (x1 ) é compacto. Então {fk (x1 )} ⊂ X (x1 ) admite uma
subseqüência {fki (x1 )} convergente para um elemento de X (x1 ).
Como X (x2 ) é compacto, {fki (x2 )} admite subseqüência {fkij (x2 )}
convergente para um elemento de X (x2 ). E assim sucessivamente,
construimos uma subseqüência de {fk } (que denotaremos por fk )
que converge pontualmente em xj , ∀j = 1, 2, . . . , l. Logo ∃k0 ∈ N tal
que
k, k ′ ≥ k0 ⇒ kfk (xj ) − fk′ (xj )k < ε, j = 1, 2, . . . , l. (11.6)
Tomemos x ∈ K. Então x ∈ Bδ (xj0 ) para algum j0 . Se k, k ′ ≥ k0 ,
então
kfk (x) − fk′ (x)k ≤ kfk (x) − fk (xj0 )k + kfk (xj0 ) − fk′ (xj0 )k
+ kfk′ (xj0 ) − fk′ (x)k.
Como kx− xj0 k < δ, segue de (11.5) que kfk (x)− fk (xj0 )k < ε. Além
disso, se k, k ′ ≥ k0 segue de (11.6) que kfk (xj0 ) − fk′ (xj0 )k < ε.
Como k0 não depende de x, concluı́mos que fk converge uniforme-
mente para algum f ∈ C(K, Rm ). Em particular, f ∈ X = X .
Observação: Na maioria das aplicações nos deparamos com famı́lias
de conjuntos X tais que X (x) é somente limitado para todo x. Como
X (x) é compacto em Rm , podemos então perguntar se X será também
compacto em C(K, Rm ). Antes de tratar dessa questão, lembremos
que um conjunto X de um espaço métrico é dito relativamente com-
pacto se X é compacto. Em particular, se o espaço métrico é Rm ,
então relativamente compacto é sinônimo de limitado (lembre-se do
Teorema de Bolzano-Weierstrass).
Lema 11.5: Seja X ⊂ C(K, Rm ). Então
a) X é equicontı́nuo ⇐⇒ X é equicontı́nuo.
b) X (x) ⊂ X (x) ∀x ∈ K.
c) Se X é equicontı́nuo e X (x) é limitado para todo x ∈ K (K
compacto de Rn ), então X (x) = X (x) ∀x ∈ K.
m
O Espaço C(K;R ) 155

Prova:
(a) A implicação “⇐” é óbvia. Provemos então “⇒”.
Se X é equicontı́nuo, dado ε > 0, ∃ δ > 0 tal que se kx − yk < δ,
então kf (x) − f (y)k < ε/3 ∀f ∈ X . Seja f ∈ X e considere fk ∈
X com fk −→ f uniformemente em K. Então ∃ k0 ∈ N tal que
kfk (x) − f (x)k < ε/3 se k ≥ k0 . Portanto,

kf (x) − f (y)k ≤ kf (x) − fk (x)k +


+ kfk (x) − fk (y)k + kfk (y) − f (y)k < ε.

(b) Seja ξx ∈ X (x). Por definição, existe f ∈ X tal que ξx = f (x).


Seja fk ∈ X tal que fk −→ f uniformemente. Então fk (x) −→ f (x)
e portanto f (x) ∈ X (x).
(c) Seja ξ ∈ X (x). Então existe seqüência {ξk } em X (x) tal que
ξk −→ ξ. Por definição, existe {fk } seqüência em X tal que fk (x) =
ξk . Provemos que {fk } converge uniformemente em K. Seja ε > 0.
Como X é equicontı́nuo, dado ε > 0, ∃δ > 0 tal que

kx − yk < δ ⇒ kfk (x) − fk (y)k < ε, ∀k ∈ N. (11.7)

Seja {Bδ (x)}x∈K cobertura de K. Então existem x1 , x2 , . . . , xl ∈ K


Sl
tais que K ⊂ i=1 Bδ (xi ).
Por hipótese X (x1 ) é limitado. Então {fk (x1 )} ⊂ X (x1 ) admite uma
subseqüência {fki (x1 )} convergente.
Como X (x2 ) é limitado, {fki (x2 )} admite subseqüência {fkij (x2 )}
convergente. E assim sucessivamente, construimos uma subseqüência
de {fk } (que denotaremos por fk ) que converge pontualmente em xj ,
∀j = 1, 2, . . . , l. Logo ∃k0 ∈ N tal que

k, k ′ ≥ k0 ⇒ kfk (xj ) − fk′ (xj )k < ε, j = 1, 2, . . . , l. (11.8)

Tomemos x′ ∈ K. Então x′ ∈ Bδ (xj0 ) para algum j0 . Se k, k ′ ≥ k0 ,


então

kfk (x′ ) − fk′ (x′ )k ≤ kfk (x′ ) − fk (xj0 )k +


+ kfk (xj0 ) − fk′ (xj0 )k + kfk′ (xj0 ) − fk′ (x′ )k.
156 Cálculo Avançado I

Como kx′ − xj0 k < δ, segue de (11.7) que kfk (x′ ) − fk (xj0 )k < ε.
Além disso, se k, k ′ ≥ k0 segue de (11.8) que kfk (xj0 )− fk′ (xj0 )k < ε.
Como k0 não depende de x′ , concluı́mos que fk converge uniforme-
mente para algum f ∈ C(K, Rm ). Assim f ∈ X e ξ = f (x) ∈ X (x).

Teorema 11.6: Seja K ⊂ Rn compacto e X ⊂ C(K, Rm ). Então


X é relativamente compacto em C(K, Rm ) se e somente se X é
equicontı́nuo e para todo x ∈ K X (x) é limitado de Rm .
Prova: Se X é relativamente compacto então X é compacto. Pelo
Teorema 11.4, X é equicontı́nuo e X (x) é compacto em Rm para todo
x. Pelo Lema 11.5, X é equicontı́nuo e X (x) é compacto. Concluı́mos
então que X é equicontı́nuo e X (x) é relativamente compacto.
O raciocı́nio simétrico leva à conclusão da prova.

Aplicação 2: O Teorema de Cauchy-Peano


Como aplicação do Teorema de Arzelà-Ascoli (Teorema 11.6), va-
mos demonstrar o Teorema de Cauchy-Peano sobre a existência de
soluções para problemas de valor inicial.
Teorema 11.7: Seja Ω ⊂ R2 aberto, f : Ω → R uma função contı́nua
e (x0 , y0 ) ∈ Ω. Então existe r > 0 e ao menos uma função de classe
C 1 ϕ: [x0 − r, x0 + r] → R tal que ϕ(x0 ) = y0 satisfazendo

ϕ′ (x) = f x, ϕ(x) ∀x ∈ ]x0 − r, x0 + r[. (11.9)

Prova: Seja U ⊂ Ω uma vizinhança limitada de (x0 , y0 ) e considere


M = max{|f (x, y)| ; (x, y) ∈ U}.
Seja r > 0 tal que o retângulo
R = {(x, y) ∈ Ω ; |x − x0 | ≤ r, |y − y0 | ≤ M r} ⊂ U.
Consideremos o intervalo [x0 , x0 + r] e para cada n ∈ N a partição
definida por xi = x0 + ir/n, i = 0, 1, . . . , n. Consideremos também
para cada n ∈ N a função poligonal
n
X
ψn (x) = ani ϕni (x),
i=0
m
O Espaço C(K;R ) 157

onde os coeficientes an0 , an1 , . . . , ann são definidos pela recorrência


a0 = y 0 ,
r (11.10)
ai+1 = ai + f (xi , ai ), i = 0, 1, . . . , n − 1
n
e as funções ϕni são definidas por
n
ϕn0 (x) = n(x1 − x)/r se x0 ≤ x ≤ x1 ,
0 senão
n
ϕnn (x) = n(x − xn−1 )/r se xn−1 ≤ x ≤ xn
0 senão
e para i = 1, 2 . . . , n − 1,
(
n(x − xi−1 )/r se xi−1 ≤ x ≤ xi
n
ϕi (x) = n(xi+1 − x)/r se xi ≤ x ≤ xi+1
0 senão
(as funções ϕni formam uma base para o espaço vetorial das poligonais
com vértices nos pontos da partição).
Como |ai − a0 | ≤ M r para i = 1, 2, . . . , n, o gráfico de ψn está
inteiramente contido no retângulo R. Além disso, é claro que ψn é
contı́nua com derivada ψn′ contı́nua por partes. Mais precisamente,
ψn′ (x) = (ani − ani−1 )n/r = f (xi−1 , ani−1 ), ∀x ∈ ]xi−1 , xi [.
Em particular, temos de (11.10)
n n
|ψn′ (x)| ≤ |a − ani−1 | ≤ M (11.11)
r i
e como Z x
ψn (x) = y0 + ψn′ (s) ds,
x0
temos
|ψn (x)| ≤ |y0 | + M |x − x0 | ≤ M r. (11.12)
Consideremos o conjunto X = {ψn ; n ∈ N} que é subconjunto de
C [x0 , x0 +r]; R . Segue de (11.12) que X (x) é limitado para qualquer
x ∈ [x0 , x0 + r]. Além disso, como
Z x′

|ψn (x) − ψn (x )| ≤ |ψn′ (s)| ds ≤ M |x′ − x|,
x
158 Cálculo Avançado I

segue que X é equicontı́nuo.


Decorre do Teorema de Arzelà-Ascoli que existe uma subseqüência
(que ainda denotaremos por ψn ) e uma função ψ ∈ C [x0 , x0 + r], R
tais que ψn → ψ uniformemente em [x0 , x0 + r].
Para concluir, basta mostrar que ψ satisfaz a equação (11.9), o que
é equivalente a mostrar que
Z x
ψ(x) = y0 + f (s, ψ(s)) ds.
x0

Consideremos as funções Φn e Φ definidas por


Z x Z x
Φn (x) = y0 + f (s, ψn (s)) ds, Φ(x) = y0 + f (s, ψ(s)) ds
x0 x0

Como f é uniformemente contı́nua em R, dado ε > 0 existe δ > 0 tal


que se |x − x′ | < δ e |y − y ′ | < δ, então |f (x, y) − f (x′ , y ′ )| < ε. Como
ψn converge uniformemente para ψ em [x0 , x0 + r], existe n0 ∈ N tal
que se n ≥ n0 , então |ψn (x) − ψ(x)| < δ. Portanto, para n ≥ n0
Z x
|Φn (x) − Φ(x)| ≤ |f (s, ψn (s)) − f (s, ψ(s))| ds
x0
n Z
X xi
≤ |f (s, ψn (s)) − f (s, ψ(s))| ds
i=1 xi−1

≤ εr
e concluı́mos que Φn converge uniformemente para Φ.
Por outro lado, como
Z x
Φn (x) − ψn (x) = f (s, ψn (s)) − ψn′ (s) ds,
x0

podemos escrever
n Z
X xi
|Φn (x) − ψn (x)| ≤ |f (s, ψn (s)) − ψn′ (s)| ds
i=1 xi−1
n Z
X xi
≤ |f (s, ψn (s)) − f (xi−1 , ani−1 )| ds
i=1 xi−1

≤ εr
m
O Espaço C(K;R ) 159

Portanto a seqüência Φn − ψn converge uniformemente para 0. Como


ψn converge uniformemente para ψ, concluı́mos que Φ = ψ. Como
o mesmo argumento pode ser repetido para o intervalo [x0 − r, x0 ],
concluı́mos a prova.

O Teorema de Weierstrass
Como foi mencionado anteriormente, o espaço C(K; Rn ) é um espaço
de Banach quando munido da norma do máximo. Portanto, no que se
refere aos processos de limite, ele apresenta semelhanças com R. Uma
propriedade importante de R, denominada separabilidade, é que R
possui um subconjunto enumerável e denso, a saber, o conjunto dos
números racionais Q.
O resultado que se segue, denominado Teorema de Weierstrass, mos-
tra que C([a, b]; R) também possui esta propriedade, sendo portanto
um espaço separável. A prova que aqui apresentamos é devida a
H. Lebesgue.

Teorema 11.8: Se f ∈ C [a, b]; R , então existe uma seqüência de
polinômios {Pk }k tal que Pk → f uniformemente em [a, b].
Prova: Faremos a prova em duas etapas.
Etapa 1: Consideremos inicialmente a = 0, b = 1 e suponhamos que
f (0) = 0. Como f é uniformemente contı́nua em [0, 1], dado ε > 0
existe δ > 0 tal que
|x − x′ | < δ ⇒ |f (x) − f (x′ )| < ε/2. (11.13)
Seja n ∈ N tal que 1/n ≤ δ e considere a partição P = {x0 , . . . , xn }
de [0, 1] definida por
xi = i/n, i = 0, 1, . . . , n.
Para cada i = 0, 1, . . . , n−1, considere a função ϕi : [0, 1] → R definida
por
ϕ1 (x) = (x − xi )+ .
É fácil ver que {ϕi }i é uma base para o espaço das poligonais ψ que
têm vértices nos pontos de P e que satisfazem ψ(0) = 0. Seja
n−1
X
ψ(x) = αi ϕi (x),
i=0
160 Cálculo Avançado I

onde os coeficientes αi são definidos pela recorrência


(
α0 = nf (x1 )
 (11.14)
αi = n f (xi+1 ) − 2f (xi ) + f (xi−1 ) , i = 1, . . . , n − 1.

Então ψ(xi ) = f (xi ), para i = 0, 1, . . . , n e como conseqüência de


(11.13) temos kf − ψk∞ < ε/2. Por outro lado, como

1 
ϕi (x) = |x − xi | + x − xi ,
2
se provarmos que as funções x 7→ |x − xi |, i = 1, 2, . . . , n − 1, podem
ser aproximadas uniformemente por polinômios em [0, 1], teremos
concluı́do a demostração desta etapa. De fato, suponhamos que exista
um polinômio Qi (x) tal que

|x − xi | − Qi (x) < ε
, ∀x ∈ [0, 1], i = 0, . . . , n − 1,
nM
onde M = max{|α0 |, . . . , |αn−1 |}. Então, considerando
n−1
X 1 
P (x) = αi Pi (x), onde Pi (x) = Qi (x) + x − xi ,
i=0
2

temos
kf − P k∞ ≤ kf − ψk∞ + kψ − P k∞ < ε.
Provemos, então, que x 7→ |x − xi |, i = 0, . . . , n − 1, pode ser aproxi-
mada uniformemente por polinômios em [0, 1].

A série de Taylor de φ(ξ) = 1 − ξ em torno de ξ = 0 é

1 X (2ν − 3)!
1− ξ+ (−1)ν ν(ν−1)
ξν ,
2 ν=2
ν! (ν − 1)! 2

cujo intervalo de convergência é |ξ| < 1. Portanto, se considerarmos


a seqüência de polinômios {Sk }k definidos por
k
1 X (2ν − 3)!
Sk (ξ) = 1 − ξ + (−1)ν ν(ν−1)
ξν ,
2 ν=1
ν! (ν − 1)! 2
m
O Espaço C(K;R ) 161

então Sk converge uniformemente para φ nos compactos de |ξ| < 1.


Em particular, Pk (ξ) = Sk (1−ξ 2 ) definepuma seqüência de polinômios
que converge uniformemente
√ para ξ →
7 √1 − (1 −√ξ 2 ) = |ξ| nos com-
pactos de |ξ| < 2. Como [0, 1] ⊂ ]xi − 2, xi + 2[, os polinômios
Pk (x − xi ) fornecem a seqüência desejada.

Etapa 2: Seja f ∈ C [a, b]; R e considere g: [0, 1] → R definida por

g(x) = f xb + (1 − x)a − (1 − x)f (a).

Então g ∈ C [0, 1]; R e satisfaz g(0) = 0. Segue da Etapa 1 que
existe uma seqüência de polinômios Gk que converge uniformemente
para g em [0, 1].
Seja Pk o polinômio definido por
   
x−a x−a
Pk (x) = Gk + 1− f (a).
b−a b−a

Então Pk → f uniformemente em [a, b].

Funcionais Contı́nuos e Diferenciáveis

As funções reais definidas em C(K; Rm ) são denominadas funcionais


de C(K; Rm ) e as definições de funções contı́nuas e funções diferen-
ciáveis se estendem ipsis litteris aos funcionais. Assim,
Definição 11.9: Dizemos que um funcional J: C(K; Rm ) → R é
contı́nuo em f0 se para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que se kf −
f0 k∞ < δ, então kJ(f ) − J(f0 )k < ε. Dizemos que J é contı́nuo em
X ⊂ C(K; Rm ) se é contı́nuo em todos os pontos de X .
Exemplo: Se g: R → R é função contı́nua, então o funcional J
definido por

J: C [a, b]; R → R,
Z b

J(f ) = g f (x) dx
a

é contı́nuo em C [a, b], R (veja Exercı́cios).
162 Cálculo Avançado I

Como C(K; Rm ) é de dimensão infinita, existem funcionais lineares


que não são contı́nuos. A construção de exemplos de funcionais line-
ares não contı́nuos, assim como a caracterização do espaço dual (isto
é, o espaço dos funcionais lineares contı́nuos) de C(K; Rm ) está fora
do alcance destas notas.
Definição: Seja O um aberto de C(K; Rm ). Dizemos que um fun-
cional J: C(K; Rm ) → R é diferenciável em f0 se existem funcionais
ǫ, L: C(K; Rm ) → R tais que

J(f0 + ϕ) = J(f0 ) + L(ϕ) + ǫ(ϕ),



onde L é linear contı́nuo e ǫ é o kϕk∞ . Neste caso, L é denominado
a Diferencial de Fréchet de J em f0 .
Se J é diferenciável em todos os pontos de O, dizemos que J é dife-
renciável em O.
1
Exemplo: Se  g: R → R é uma função de classe C , então o funcional
J: C [a, b]; R → R definido por
Z b 
J(f ) = g f (x) dx
a

é diferenciável em C [a, b], R (veja Exercı́cios).

Aplicação 3: Fluxos

Seja T > 0 e f : [0, T ]×Rn → Rn uma função satisfazendo (11.2). Pelo


Teorema 11.2, para cada x0 ∈ Rn existe uma única curva γ: [0, T ] →
Rn diferenciável em ]0, T [ solução do problema de valor inicial (11.1).
Temos assim definida a aplicação

Φ: Rn → C [0, T ], Rn
(11.15)
x0 7→ Φ(x0 )

onde γ(t) = Φ(x0 )(t) é a solução de (11.1), isto é,


Z t 
Φ(x0 )(t) = x0 + f s, Φ(x0 )(s) ds.
0
m
O Espaço C(K;R ) 163

Definição 11.10: A aplicação (11.15) é denominada o Fluxo gerado


por f (ou fluxo associado ao problema de valor inicial (11.1)).
Exemplo: Como exemplo particularmente importante, considere-
mos a função linear f (x) = Ax, onde A é matriz n × n. Então
podemos verificar facilmente que o fluxo gerado por f é dado pela
matrix exponencial exp(tA) (veja (10.8)), isto é,

Φ(x0 )(t) = exp(tA)x0 , ∀t ∈ R, ∀x0 ∈ Rn .

Além disso, se f (t, x) = A(t)x, onde A(t) = [aij (t)] é uma matriz
n × n cujos coeficientes são funções contı́nuas de t, então é fácil ver
que o fluxo gerado por f é dado pela matriz exponencial exp(B(t)),
Rt
onde B(t) = 0 A(s) ds.
O teorema a seguir é um resultado básico da Teoria das Equações
Diferenciais, conhecido como dependência contı́nua das soluções com
relação aos dados iniciais. Ele afirma que se os dados iniciais x0 e x̃0
do problema de valor inicial (11.1) estão próximos, então as respec-
tivas curvas soluções permanecem próximas. Mais precisamente,
Teorema 11.11: Seja f : [0, T ] × Rn → Rn uma função satisfazendo
(11.2). Então o fluxo gerado
 por f é uma função Lipschitz-contı́nua
de Rn em C [0, T ], Rn .
A prova é conseqüência imediata da desigualdade de Gronwall.
Lema 11.12: (Gronwall) Sejam α, β ≥ 0 e ϕ: [0, T ] → R uma função
contı́nua e positiva tal que
Z t
ϕ(t) ≤ α + β ϕ(s) ds, ∀t ∈ [0, T ].
0

Então, ϕ(t) ≤ αeβt , ∀t ∈ [0, T ].


Rt
Prova: Seja ψ(t) = α + β 0 ϕ(s) ds. Então ψ ′ (t) = βϕ(t) ≤ βψ(t).
Multiplicando a desigualdade por e−βt , podemos escrever

d −βt
e ψ(t) ≤ 0,
dt

de onde se obtém e−βt ψ(t) ≤ ψ(0) = α e a conclusão.


164 Cálculo Avançado I

Prova do Teorema 11.11: Sejam x0 e x dois pontos de Rn . Então


Z t 
Φ(x0 )(t) = x0 + f s, Φ(x0 )(s) ds
0
Z t 
Φ(x)(t) = x + f s, Φ(x)(s) ds
0

Subtraindo as duas identidades e calculando a norma em Rn , temos


Z t
kΦ(x)(t) − Φ(x0 )(t)k ≤ kx − x0 k + L kΦ(x)(s) − Φ(x0 )(s)k ds
0

Pela desigualdade de Gronwall, obtemos

kΦ(x)(t) − Φ(x0 )(t)k ≤ kx − x0 keLt .

Passando ao supremo em t, concluı́mos

kΦ(x) − Φ(x0 )k∞ ≤ kx − x0 keLT .

O próximo resultado estabelece uma relação entre a diferencial do


fluxo gerado por f e o fluxo gerado por f ′ . Mais precisamente, con-
sideremos uma função f : [0, T ] × Rn → Rn de classe C 1 satisfazendo
(11.2) e γ(t), 0 ≤ t ≤ T , uma curva de Rn . O problema de valor
inicial ( ′ 
h (t) = f ′ t, γ(t) h(t), ∀t ∈ ]0, T [,
(11.16)
h(0) = h0 ,
é denominado linearizadode (11.1) em relação a γ(t). Como, para
cada t ∈ [0, T ], f ′ t, γ(t) é uma matriz n × n, segue que o fluxo
associado a (11.16) é dado pela matriz exponencial
Z t 


exp f s, γ(s) ds . (11.17)
0

O teorema a seguir estabelece uma relação entre a diferencial do fluxo


gerado por f e a matriz (11.17).
m
O Espaço C(K;R ) 165

Teorema 11.13: Seja f : [0, T ] × Rn → Rn uma função de classe C 1


satisfazendo (11.2) e Φ o fluxo associado a f . Então Φ é diferenciável
em Rn e sua diferencial é o fluxo associado ao problema de valor
inicial
( ′ 
h (t) = f ′ t, Φ(x0 )(t) h(t), ∀t ∈ ]0, T [,
(11.18)
h(0) = h0 .

Prova: Sejam x0 , h0 ∈ Rn , y(t) = Φ(x0 + h0 )(t), x(t) = Φ(x0 )(t) e


h(t) = Ψx0 (h0 )t, onde Φ é o fluxo gerado por f e Ψx0 denota o fluxo
associado ao problema de valor inicial (11.18). Então
 Z t
 


 y(t) = x 0 + h 0 + f s, y(s) ds,

 0

 Z t

x(t) = x0 + f s, x(s) ds, (11.19)

 0

 Z t

 

 h(t) = h0 + f ′ s, x(s) h(s) ds.
0

Portanto, se ϕ(t) = ky(t) − x(t) − h(t)k, temos


Z t
  
ϕ(t) ≤ kf s, y(s) − f s, x(s) − f ′ s, x(s) h(x)k ds
0
Z t

≤ kf ′ s, x(s) (y(s) − x(s) − h(s))k ds + (11.20)
0
Z t

+ kǫ s, x(s), y(s) − x(s) k ds
0

onde ǫ(s, ξ, ζ) := f (s, ξ + ζ) − f (s, ξ) − f ′ (s, ξ)ζ.


De (11.20) obtemos
Z t
ϕ(t) ≤ C1 ϕ(s) ds + C2 ,
0

onde C1 = max{kf ′ s, x(s) k ; s ∈ [0, T ]} e
Z T 
C2 = kǫ s, x(s), y(s) − x(s) k ds.
0
166 Cálculo Avançado I

Decorre da desigualdade de Gronwall que ϕ(t) ≤ C2 eC1 t , para todo


t ∈ [0, T ] e portanto

kΦ(x0 + h0 ) − Φ(x0 ) − Ψx0 (h0 )k∞ ≤ C2 eC1 T . (11.21)

Como kǫ(s, ξ, ζ)k/kζk → 0 quando ζ → 0 uniformemente nos com-


pactos de [0, T ] × Rn (veja (5.16)), dado ε > 0 existe δ > 0 tal que
Z T

kǫ s, x(s), y(s) − x(s) k ds ≤ εT ky − xk∞
0

se ky − xk∞ < δ. Portanto, segue de (11.21) que se ky − xk∞ < δ,


então

kΦ(x0 + h0 ) − Φ(x0 ) − Ψx0 (h0 )k∞ ≤ C3 εky − xk∞ . (11.22)

Por outro lado, decorre do Teorema 11.11 que

ky − xk∞ = kΦ(x0 + h0 ) − Φ(x0 )k∞ ≤ eLT kh0 k.

Logo,

kΦ(x0 + h0 ) − Φ(x0 ) − Ψx0 (h0 )k∞ ≤ e(C1 −L)T kh0 k. (11.23)

se kh0 k < δe−LT .


Assim, se δ1 = δe−LT e kh0 k < δ1 temos de (11.22) e (11.23)
kΦ(x0 + h0 ) − Φ(x0 ) − Ψx0 (h0 )k∞
< C3 ε
kh0 k
e concluı́mos a prova.
Observação: Uma aplicação importante do Teorema 11.13 é a Fór-
mula de Derivação de Euler, que permite derivar em relação a t certas
funções definidas por integrais sobre regiões de Rn que variam com
o tempo. Mais precisamente, se f (t, x) é uma função satisfazendo as
hipóteses do Teorema 11.13 e Ω(t) é a imagem de Ω0 pelo fluxo Φ
gerado por f , então
Z Z  
d ∂ρ
ρ(t, x) dx = + div(ρf ) dx.
dt Ω(t) Ω(t) ∂t
m
O Espaço C(K;R ) 167

Exercı́cios

Exercı́cio 11.1. Sejam g: R → R e ψ: [a, b] → R funções contı́nuas.


Mostre que o funcional
Z b
 
J: C [a, b]; R → R, J(f ) = ψ(x)g f (x) dx
a

é contı́nuo em C [a, b]; R

Exercı́cio 11.2. Sejam Ji : C [a, b]; R → R, i = 1, 2, 3 os funcionais
definidos abaixo.
Z b Z b
f (x)
J1 (f ) = cos f (x) dx, J2 (f ) = p dx,
a a 1 + f (x)2
Z b
J3 (f ) = |f (x)|p dx, (p > 0).
a

Mostre que J1 e J2 são funcionais uniformemente contı́nuos e que J3


é uniformemente contı́nuo se e somente se p 6= 1.

Exercı́cio 11.3. Seja K ⊂ Rn compacto e J: C K; R → R um
funcional. Mostre
 que J é contı́nuo ⇐⇒ para toda seqüência {fk }
em C K; R , se fk −→ f uniformemente em K então J(fk ) −→ J(f ).
Exercı́cio 11.4. Verifique
 quais dos conjuntos abaixo são compactos
em V = C [a, b]; R :
Rx
a) F1 = {φ ∈ V ; |φ(x)| ≤ 1 + a |φ(s)| ds}.
b) F2 = {φ ∈ V ; φ derivável, φ(a) = 1, 0 ≤ φ′ (x) < φ+ (x)}.
c) F3 = {φ ∈ V ; φ derivável, φ′ ∈ F1 }.
Quais são fechados? Quais são limitados?
Exercı́cio 11.5. Seja X = {fk }k∈N , onde fk : [0, +∞[→ R é definida
por p
fk (x) = sen x + 4k 2 π 2 .
a) Prove que X é equicontı́nuo e uniformemente limitado.
b) Prove que fk → 0 pontualmente, mas não converge uniforme-
mente em [0, +∞[.
(Qual a incoerência com o Teorema de Arzelà-Ascoli?)
168 Cálculo Avançado I

Exercı́cio 11.6. Mostre que se f : [0, 1] → R é função contı́nua tal


que Z 1
f (x)xn dx = 0, n = 0, 1, 2, . . . ,
0

então f (x) = 0 em [0, 1].


Sugestão: Use o Teorema de Weierstrass.
Exercı́cio 11.7. Seja fk : [0, 1] → R a solução do problema de valor
inicial:
y
y′ = , y(0) = ak .
1 + y2
Se ak −→ a, mostre que fk −→ f uniformemente em [0, 1], onde
f : [0, 1] → R é a solução do problema de valor inicial:
y
y′ = , y(0) = a.
1 + y2

Exercı́cio 11.8. Considere a seqüência {αi }i=0,...,n−1 definida em


(11.14). Mostre que ψ(x) = α0 (x − x0 )+ + · · · + αn−1 (x − xn−1 )+
satisfaz
ψ(xj ) = f (xj ), j = 0, 1, . . . , n.

Exercı́cio 11.9. Seja V = C [0, 1]; R e J: V → R o funcional
definido por
Z 1
1
J(f ) = dx, ∀f ∈ V.
0 1 + f (x)2

a) Mostre que J é contı́nuo em V .


b) Seja X o conjunto {f ∈ V ; f (0) = 0 e f é função Lipschitz
contı́nua com constante L > 0}. Mostre que existe f ∈ X tal
que J(f ) = min{J(f ) ; f ∈ X }.
c) Calcule f .

Exercı́cio 11.10. Seja V = C [a, b]; R e J: V → R o funcional
definido por Rb
J(f ) = a |f (x)| dx se f 6≡ 0,
α se f ≡ 0,
m
O Espaço C(K;R ) 169

onde α ∈ R. Para que valores de α J é funcional semicontı́nuo em


V?
Exercı́cio 11.11. Sejam ψ: [a, b] → R função contı́nua e g: R → R
função de classe C 1 . Mostre que o funcional

J: C [a, b]; R → R
Z b

J(f ) = ψ(x)g f (x) dx
a
 Rb
é diferenciável em C [a, b]; R e que J ′ (f )h = a ψ(x)g ′ (f (x))h(x) dx

Exercı́cio 11.12. Seja V = C [0, 2]; R e considere o funcional
J: V → R definido por
Z 2
xf (x)
J(f ) = p dx.
0 1 + f (x)2

a) Mostre que J é funcional contı́nuo em V ;


b) Mostre que J é diferenciável em V e calcule J ′ (f )ϕ;

c) Seja X = f ∈ V ; f (0) = 0, |f (2)| ≤ 1 e |f (x) − f (y)| ≤ |x −
y| ∀x, y ∈ [0, 2] . Mostre que X é compacto em V .

d) Calcule f0 em X tal que J(f0 ) = max J(f ) ; f ∈ X .

Exercı́cio 11.13. Seja x0 ∈ [a, b] e J: C [a, b]; R o funcional de
Dirac definido por J(f ) = f (x0 ). Mostre que J é linear e contı́nua.
Em particular, J é diferenciável e J ′ (f )h = J(h).
Exercı́cio 11.14. Seja f : R × Rn → Rn uma função contı́nua satis-
fazendo a seguinte propriedade: para cada M ≥ 0, existe LM ≥ 0 tal
que se kxk, kyk ≤ M , então

kf (t, x) − f (t, y)k ≤ LM kx − yk, ∀t ∈ R. (11.24)

a) Mostre que para todo x0 ∈ Rn existe T ∗ (x0 ) > 0 e uma única


curva γ: [0, T ∗(x0 )[→ Rn diferenciável em ]0, T ∗ (x0 )[ satisfazendo
( ′ 
γ (t) = f t, γ(t) , ∀t ∈ ]0, T ∗ (x0 )[,
γ(0) = x0 .
170 Cálculo Avançado I

b) Mostre que se T ∗ (x0 ) < +∞, então

lim kγ(t)k = +∞.


t→T ∗ (x0 )−

c) Mostre que a aplicação T ∗ : Rn → R é semicontı́nua inferior-


mente.
Exercı́cio 11.15. Seja f : [0, +∞) × R → R definida por

 (1 − t)x3 se 0 ≤ t ≤ 1
f (t, x) = 0 se 1 ≤ t ≤ 2

(t − 2)x3 se t ≥ 2

Considere o problema de valor incial


( 
x′ (t) = f t, x(t) , 0 < t < T ∗ (x0 )
x(0) = x0 ∈ R

Determine a função T ∗ : R → R.
Referências

[1] Abdelhay, J.: Curso de Análise Matemática, Vol III, Editora


Cientı́fica, Rio de Janeiro-RJ, 1955.
[2] Apostol, A.M.: Análisis Matemático, Editorial Reverté S.A.,
1960.
[3] Dantas, M.J.H.: Convexidade e diferenciabilidade, Matemática
Universitária, no. 30, 2001, pp. 113–114.
[4] Knuth, D.E.: The TEXbook , Addison Wesley Publ. Company,
1989.
[5] Lima, E.L.: Curso de Análise, Vol II, Projeto Euclides, IMPA,
1981.
[6] Medeiros, L.A.: Lições sobre a equação x′ = f (t, x), Monografias
XXXII, Centro Brasileiro de Pesquisas Fı́sicas, 1971.
[7] Rudin, W.: Principles of Mathematical Analysis, 3rd. edition
McGraw-Hill, 1976.
[8] Spivak, M.: Cálculo en Variedades, Editorial Reverté S.A., 1972.
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