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Departamento de Matemática
Geometria Diferencial
Posgrado em Matemática
1 Curvas no Espaço. 1
1.1 Curvas parametrizadas regulares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.2 Parâmetro arco de uma curva regular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3 Teoria Local de Curvas no Espaço. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.4 Teorema fundamental da teoria local de curvas. . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.5 Exercícios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2 Superfícies Regulares. 21
2.1 Definição e exemplos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.2 Exercícios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.3 Funções diferenciáveis sobre superfícies. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.4 Exercícios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.5 O plano tangente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2.7 A primeira forma fundamental. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
2.8 Exercícios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
2.9 Orientação em superfícies. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
2.10 Exercícios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
3
3.7 Propriedades de separação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
3.8 Exercícios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
3.9 Superfícies mínimas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
3.10 Exercícios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158
A presente obra foi pensada como apostila para ser usada pelos estudantes da disciplina
Geometria Diferencial II, do programa de pós-graduação em Matemática da UnB. Vamos
apresentar um estudo detalhado da geometria das curvas e das superfícies de R3 , usando o
cálculo diferencial como principal ferramenta a fins de entender as principais propriedades
geométricas das mesmas. Ao longo da obra vamos entender que uma aplicação diferenciável
é uma aplicação com regularidade C ∞ .
Capítulo 1
Curvas no Espaço.
1
2 CAPÍTULO 1. CURVAS NO ESPAÇO.
α(I) = {α(t) : t ∈ I} ⊂ R3 ,
x2 (t) + y 2 (t) = a2 , ∀t ∈ R,
o que implica que o traço α(R) está contido em um cilindro de base circular com raio a;
além disso, os pontos {α(t + 2kπ) : k ∈ Z} estão contidos em uma reta vertical para cada
t ∈ R, Figura 1.1.
Definição 1.1.2. Dada uma curva parametrizada diferenciável α(t) = (x(t), y(t), z(t)), t ∈
I, definimos o vetor tangente de α em t ∈ I como
Se α0 (t0 ) 6= 0, dizemos que t0 é um ponto regular da curva e se define a reta tangente à curva
α em t ∈ I como a reta que passa pelo ponto α(t) na direção do vetor α0 (t).
Em caso contrário, ou seja, se α0 (t0 ) = 0, dizemos que t0 é um ponto singular (ou uma
singularidade) da curva.
Dizemos que a curva α é regular se não possui pontos singulares.
1.1. CURVAS PARAMETRIZADAS REGULARES. 3
Observação 1.1.1. Da definição anterior, podemos afirmar que uma curva é regular se α0 (t) 6=
0, ∀t ∈ I. Além disso, observe que a existência de pontos singulares em uma curva implica
que certos pontos da mesma não possuem uma direção tangente sobre a qual representar
uma reta tangente.
Exemplo 1.1.3. A hélice circular do Exemplo 1.1.2, é um exemplo de curva regular. Observe
que z 0 (t) = b 6= 0, ∀t ∈ R
Exemplo 1.1.4. Considere a curva α(t) = (t3 , t2 , 0), t ∈ R. Claramente, α é uma curva
diferenciável e
α0 (t) = (3t2 , 2t, 0) = (0, 0, 0)
Se uma curva é PCA, podemos observar da definição anterior que o parâmetro arco
tem um significado métrico além de um significado posicional, ou seja, supondo que α(t)
determina a posição de uma partícula que percorre o traço da curva em cada instante t,
o próprio parâmetro fornece a medida do comprimento percorrido pela partícula desde um
certo instante inicial t0 até o instante t.
Proposição 1.2.1. Uma curva α : I ⊂ R −→ R3 é PCA se, e somente se |α0 (t)| = 1, para
todo t ∈ I.
Em diante vamos denotar por s o parâmetro arco de uma dada curva α. Dados I e J
dois intervalos abertos de R, um difeomorfismo φ : J −→ I e uma curva α : I ⊂ R −→ R3 ,
podemos construir uma nova curva β : J −→ R3 definida por
β = α ◦ φ.
Dizemos que β é uma reparametrização de α. Dado [a, b] ⊂ J, tal que φ([a, b]) = [c, d], é
simples provar que Z b Z d
0
|β (r)|dr = |α0 (w)|dw, (1.3)
a c
o que significa que o comprimento de arco é um conceito intrínseco, pois apenas depende do
traço da curva e não da parametrização que esteja sendo usada.
Exercício 1.2.1. Dar uma prova rigorosa da afirmação feita acima.
Vemos no seguinte resultado que toda curva parametrizada regular pode ser reparame-
trizada pelo comprimento de arco.
Observação 1.2.1. A demonstração do resultado anterior fornece um jeito para calcular uma
parametrização pelo comprimento de arco de uma curva regular, ou seja, para reparametrizar
uma curva pelo arco. Como indica a prova acima, em primeiro lugar devemos calcular a
função s ≡ s(t) segundo a Definição 1.1; observe que tal função é um difeomorfismo de I em
J. Logo após devemos calcular t em função de s e substituímos em α. Assim obtemos
α(s) = α(t(s)),
Exemplo 1.2.3. Mudança de orientação em uma curva regular PCA. Dada uma curva α :
(a, b) −→ R3 , para certos valores reais a < b, defina β : (−b, −a) −→ R3 tal que β(s) =
α(−s). Pode-se conferir que β tem o mesmo traço que α, mas percorrido no sentido contrário.
1.3. TEORIA LOCAL DE CURVAS NO ESPAÇO. 7
Geometricamente, pode-se interpretar o número |α00 (s)| como uma medida de quanto a
curva α localmente se afasta de ser uma reta, ou seja, é uma medida da variação na direção
do vetor velocidade em cada ponto, ver Figura 1.3.
Teorema 1.3.1. Seja dada uma curva α : I ⊂ R −→ R3 , então α é uma porção de reta se,
e somente se, κ é identicamente nula em I.
Definição 1.3.2. Seja dada α : I ⊂ R −→ R3 uma curva. Nos pontos s ∈ I onde κ(s) 6= 0
pode-se definir o vetor
α00 (s)
n(s) = . (1.5)
κ(s)
Como α00 ⊥ α0 , nos pontos onde faz sentido definir o vetor n(s) pode-se deduzir facilmente
que n ⊥ α0 . Assim que vamos a chamar ao vetor n(s) de vetor normal à curva α em s, pois
é unitário e perpendicular ao vetor tangente em cada ponto.
Chamamos de plano osculador, ao plano gerado pelos vetores t e n em cada s ∈ I onde faz
sentido definir o vetor normal. Dizemos que a curva α é uma curva plana se seu traço está
totalmente contido no plano osculador, isto é, se o plano osculador é constante para todo
s ∈ I.
Definição 1.3.3. Seja dada α : I ⊂ R −→ R3 uma curva tal que κ(s) 6= 0, ∀s ∈ I. Para
cada s ∈ I se define o vetor
b(s) = t(s) ∧ n(s). (1.6)
osculadores em uma vizinhança de s, para cada s ∈ I; isto é, o módulo do vetor b fornece uma
medida de quanto a curva α localmente se afasta do plano osculador ou, equivalentemente,
quanto se afasta a curva α de ser uma curva plana. Tal vetor b recebe o nome de vetor
binormal da curva α em cada s ∈ I.
Chamamos de plano retificante ao plano gerado pelos vetores t e b, e de plano normal ao
plano gerado pelos vetores n e b. Ver figura 1.4.
Para cada s ∈ I, chamamos também de reta tangente à reta que passa pelo ponto α(s) na
direção de t(s), de reta normal principal à reta que passa pelo ponto α(s) na direção de n(s)
e de reta binormal à reta que passa pelo ponto α(s) na direção de b(s).
O conjunto de vetores {t(s), n(s), b(s)} formam uma base ortonormal do espaço R3 em cada
s ∈ I chamada de triedro de Frenet.
b0 (s) = t0 (s) ∧ n(s) + t(s) ∧ n0 (s) = κ(s) · n(s) ∧ n(s) + t(s) ∧ n0 (s) = t(s) ∧ n0 (s),
o que implica que b0 ⊥ t. Aliás, como b é unitário para cada s, então pode-se deduzir
facilmente que b0 ⊥ b, portanto b0 está na direção de n em todo ponto do seu domínio.
Definição 1.3.4. Seja dada α : I ⊂ R −→ R3 uma curva tal que κ(s) 6= 0, ∀s ∈ I. Se define
a torção de α em s como a função τ : I −→ R tal que
Teorema 1.3.2. Seja dada α : I ⊂ R −→ R3 uma curva tal que α00 (s) 6= 0, ∀s ∈ I. A curva
α é plana se, e somente se, τ ≡ 0 em I.
10 CAPÍTULO 1. CURVAS NO ESPAÇO.
Demonstração. Supondo que α é plana, por definição α(I) está contida no plano osculador.
Assim, o vetor binormal b é constante e segue que τ ≡ 0 em I pela definição 1.3.4.
Supondo que τ (s) = 0 para todo s ∈ I, tem-se da definição 1.3.4 que hb0 (s), n(s)i = 0, ∀s ∈ I
e portanto b0 ≡ 0. Integrando o anterior tem-se que b(s) = b0 é constante para todo s em I.
Usando o fato de b0 ser constante, como b0 ⊥ t em todo I, pode-se deduzir facilmente que
hα(s), b0 i é constante em I. Assim, tomando pontos u, v ∈ I arbitrários, tem-se que
hα(u) − α(v), b0 i = 0,
Temos visto que cada ponto de uma curva α : I ⊂ R −→ R3 regular e PCA com α00 (s) 6= 0
possui associada uma base ortonormal de vetores {t, n, b} positivamente orientada, chamada
de triedro de Frenet, de maneira que as derivadas de t e b fornecem as entidades geométricas
κ e τ , as quais foram definidas como curvatura e torção da curva, as quais fornecem uma
medida da variação das retas normais e dos planos osculadores, respectivamente. Fixado
s ∈ I, podemos derivar o vetor normal n(s) = b(s) ∧ t(s), temos que
t0 (s) = κ(s)n(s),
n0 (s) = −κ(s)t(s) − τ (s)b(s), (1.8)
b0 (s) = τ (s)n(s),
onde {t(s), n(s), b(s)} é o triedro de Frenet associado ao ponto α(s) e κ e τ são as funções
curvatura e torção, respectivamente. Tais relações são conhecidas pelo nome Fórmulas de
Frenet.
Observação 1.3.2. Se fixamos uma direção unitária perpendicular aos pontos de uma dada
reta, parametrizada por uma curva α, e chamamos ela de vetor normal como na observação
1.3.1, então a definição 1.3.3 determina com unicidade o correspondente vetor binormal
associado a cada um dos da reta. Podemos, assim, construir um triedro de Frenet também
sobre cada ponto de uma reta, formado por três vetores constantes, o qual verifica de maneira
1.3. TEORIA LOCAL DE CURVAS NO ESPAÇO. 11
trivial as equações de estrutura (1.8) apresentadas na definição acima, pois qualquer reta é
uma curva plana e, nas condições descritas acima, possui torção identicamente nula pela
definição 1.3.4.
|α(s) − O|2 = r2 , ∀s ∈ I.
Derivando a igualdade acima para cada s ∈ I, tem-se que ht(s), α(s) − Oi = 0, o que implica
que α(s) − O está na direção do vetor normal em virtude da definição 1.3.2; observe também
−−−→
que os vetores n(s) e Oα(s) possuem sentidos opostos, pois n aponta para o interior da
circunferência em cada s. Seja λ : I −→ R− uma função tal que α(s)−O = λ(s)n(s), ∀s ∈ I,
e tomando módulos na igualdade anterior temos que |λ(s)| = r, para todo s. Assim,
1
n(s) = − (α(s) − O) ;
r
se derivamos a igualdade acima e usamos que a curva é plana temos que
1
n0 (s) = − t(s),
r
o que implica que
1
κ(s) ≡ ,
r
pelas fórmulas (1.8) de Frenet, como queriamos demonstrar.
Supondo agora que κ é constante e τ ≡ 0, podemos supor sem perda de generalidade (s.p.g.)
que κ(s) = 1/r, para algúm r ∈ R+ . Considere a função que descreve o centro do círculo
osculador à curva em cada s ∈ I, ver figura 1.5, cuja definição é a seguinte
1
p(s) = α(s) + n(s). (1.9)
κ(s)
Se derivamos a igualdade 1.9, usando as fórmulas 1.8 de Frenet tem-se que
portanto existe O ∈ R3 tal que p(s) = O para todo s, o que implica que
|α(s) − O| = r, ∀s ∈ I,
No exercício 8 da seção 1.5, vemos que o círculo osculador é aquele que melhor aproxima
à curva em uma vizinhança de s0 . O raio do círculo osculador é chamado de raio de curvatura
e o seu centro é dito centro de curvatura.
1
Se κ(s) > 0 para todo s ∈ I, a curva β(s) = α(s) + κ(s) n(s) formada pelos centros de curva-
tura de α é chamada de evoluta de α. É fácil conferir que a evoluta de uma circunferência
de centro p0 e raio r é uma circunferência concêntrica à primeira de raio r ± 1, segundo a
orientação fixada na dada circunferência.
Uma transformação ortogonal é uma aplicação linear cuja matriz associada A é tal que
A−1 = At e segue daí que det(A) = ±1. Denotamos o conjunto das transformações ortogonais
do espaço por O(3). Dizemos que uma aplicação ortogonal preserva a orientação do espaço
se det(A) = 1 e inverte a orientação em outro caso; denotamos por O+ (3) ao conjunto das
aplicações ortogonais que preservam a orientação. Podemos afirmar que toda transformação
ortogonal é uma isometria, pois hAv, Avi = (Av)t Av = v t (At A)v = v t v = hv, vi.
Pode-se provar que, se F é uma isometria de R3 , então existem uma translação do espaço
com vetor de translação v e uma matriz A ∈ O(3) tais que F (p) = Ap + v. Diz-se que a
isometria F preserva a orientação se A ∈ O+ (3) e que inverte a orientação em outro caso.
Dizemos que um movimento rígido do espaço é uma isometria do espaço que preserva a
orientação e é sabido que dadas duas bases do espaço igualmente orientadas, existe um
movimento rígido que transforma uma na outra.
Observação 1.4.1. Considere o espaço vetorial R3 munido do produto escalar usual h·, ·i.
Observe que as transformações ortogonais do espaço preservam o módulo e os ângulos entre
vetores. Com efeito, se A ∈ O(3) e considere u, v vetores arbitrários de R3 , θ o ângulo
formado por u e v e θA o ângulo formado por Au e Av. Então
Observação 1.4.2. Observe também que, se A ∈ O+ (3), então Au ∧ Av = A(u ∧ v) para todo
u, v ∈ R3 . Com efeito, hA(u ∧ v), Aui = hu ∧ v, ui = 0 e hA(u ∧ v), Avi = hu ∧ v, vi = 0 o que
implica que A(u ∧ v) ⊥ Au e A(u ∧ v) ⊥ Av e portanto A(u ∧ v) está na direção de Au ∧ Av,
14 CAPÍTULO 1. CURVAS NO ESPAÇO.
e como A preserva a orientação, tem-se que ∃λ > 0 tal que A(u ∧ v) = λ(Au ∧ Av). Acima
já provamos que as transformações ortogonais preservam ângulos, logo
Usando as observações anteriores é imediato provar que todo movimento rígido do espaço
transforma qualquer curva regular em outra curva regular. Além disso, podemos provar que
a geometria das curvas no espaço fica invariante frente a movimentos rígidos do espaço.
Lema 1.4.1. Seja dada α : I ⊂ R −→ R3 uma curva regular e PCA. Então as funções
associadas comprimento de arco, curvatura e torção são invariantes frente a movimentos
rígidos do espaço.
para cada t ∈ I.
Supondo agora que α é PCA, segue do anterior que β é também PCA. Vemos a seguir que
as funções curvatura e torção são preservadas pelos movimentos rígidos do espaço. Assim
e também que
Abα = A(tα ∧ nα ) = Atα ∧ Anα = tβ ∧ nβ = bβ ,
e finalmente que
τα (s) = hb0α (s), nα (s)i = hAb0α (s), Anα (s)i = hb0β (s), nβ (s)i = τβ (s), ∀s ∈ I.
1.4. TEOREMA FUNDAMENTAL DA TEORIA LOCAL DE CURVAS. 15
O resultado principal da seção diz-nos que toda curva regular do espaço fica totalmente
determinada por duas funções diferenciáveis; com efeito, como já vimos na seção anterior,
toda curva possui associadas duas funções diferenciáveis κ e τ , que chamamos de curvatura
e torção, respectivamente. Vamos provar que podemos recuperar uma curva regular a partir
de duas dadas funções diferenciáveis, as quais vão coincidir com as correspondentes funções
curvatura e torção da curva. Antes de enunciar o resultado, vamos dar uma expressão
matricial das equações (1.8) para uma curva α regular e PCA.
Se {t(s), n(s), b(s)} é o triedro de Frenet da curva α : I ⊂ R −→ R3 regular, PCA e tal
que κ(s) > 0 para cada s ∈ I, definimos uma aplicação de I em R9 de maneira que
t(s)
s −→ n(s) ,
b(s)
para cada s ∈ I, onde t, n e b são vetores coluna de R3 . Então, de (1.8) tem-se que
t0 (s) κ(s)n(s) 03 κ(s)I3 03 t(s)
n0 (s) = −κ(s)t(s) − τ (s)b(s) = −κ(s)I3 03 · n(s) ,
−τ (s)I3
b0 (s) τ (s)n(s) 03 τ (s)I3 03 b(s)
onde
03 κ(s)I3 03
A0 (s) = −κ(s)I3
03 −τ (s)I3
03 τ (s)I3 03
Tomamos a ∈ R9 tal que os vetores T0 = (a1 , a2 , a3 ), N0 = (a4 , a5 , a6 ) e B0 = (a7 , a8 , a9 )
formam uma base ortonormal positivamente orientada do espaço. Seja F : I −→ R9 uma
solução de (1.10) com valor inicial f (s0 ) = a. Então, se definimos as funções
T, N, B : I −→ R3
dadas por T (s) = (f1 (s), f2 (s), f3 (s)), N (s) = (f4 (s), f5 (s), f6 (s)) e B(s) = (f7 (s), f8 (s), f9 (s))
para cada s ∈ I, tem-se que T 0 , N 0 e B 0 satisfazem as equações
Seja M (s) a matriz formada pelos produtos escalares das funções T , N e B, isto é
|T (s)|2 hT (s), N (s)i hT (s), B(s)i
M (s) = 2 ,
hN (s), T (s)i |N (s)| hN (s), B(s)i
2
hB(s), T (s)i hB(s), N (s)i |B(s)|
onde
0 κ(s) 0
A(s) =
−κ(s) 0 −τ (s)
0 τ (s) 0
e satisfaz o valor inicial M (s0 ) = I3 , pois f (s0 ) = (T0 ; N0 ; B0 ) vetores que formam uma base
ortonormal positivamente orientada do espaço. Por outro lado, a função matricial constante
I3 também satisfaz a equação (1.12) e o mesmo valor inicial que M (s) para todo s ∈ I,
portanto, pelo teorema de existência e unicidade de solução mencionado acima, tem-se que
M (s) = I3 e podemos concluir que {T, N, B} é uma base ortonormal de R3 para cada s ∈ I,
1.4. TEOREMA FUNDAMENTAL DA TEORIA LOCAL DE CURVAS. 17
logo det(T (s); N (s); B(s)) = ±1, para todo s ∈ I. Porém, como det(T (s0 ); N (s0 ); B(s0 )) =
±1 pela condição sobre a orientação dessa base do espaço, temos que a base {T, N, B} é
também positivamente orientada para cada s ∈ I.
Definimos α : I −→ R3 por Z s
α(s) = T (u)du, ∀s ∈ I.
s0
Assim, tem-se que α é diferenciável e que α0 (s) = T (s) para todo s pelo TFC, o que implica
que α é PCA.
Uma vez construída a curva, vamos conferir que as correspondentes funções curvatura e
torção, que vamos denotar por κα e τα , coincidem com as funções κ e τ da hipótese. Com
efeito, se chamamos de tα , nα e bα aos vetores do triedro de Frenet de α, por definição temos
que tα ≡ T , e por (1.11) e (1.8) tem-se para cada s que
e que nα ≡ N pela definição 1.3.2. Segue que bα ≡ B pela definição 1.3.3, o que implica que
τα ≡ τ pela definição 1.3.4.
Para demonstrar a unicidade, devemos provar que a curva α construída na primeira
parte da prova é única a menos de um movimento rígido do espaço. Seja β : I −→ R3 outra
curva regular e PCA de maneira que κβ ≡ κ e τβ ≡ τ . Fixamos s0 ∈ I e consideramos
os correspondentes triedros de Frenet Bα0 = {t0α , n0α , b0α } e Bβ0 = {t0β , n0β , b0β } associados aos
pontos α(s0 ) e β(s0 ), respectivamente. Podemos supor, s.p.g., que as bases Bα0 e Bβ0 são
igualmente orientadas, pois sempre podemos trocar a orientação de β como no Exemplo
1.2.3. Assim, existe um movimento rígido F que transforma o ponto β(s0 ) em α(s0 ) e a base
Bβ0 na base Bα0 .
Denotamos por γ = F (β), vamos provar que γ ≡ α. Com efeito, pelo lema 1.4.1 temos
que γ é regular, PCA e que κγ ≡ κ ≡ κβ e τγ ≡ τ ≡ τβ . Assim, podemos apresentar as
correspondentes fórmulas de Frenet das curvas γ e α, a saber
0 0
γ
t = κn γ , tα
= κnα ,
n0γ = −κtγ − τ bγ , e n0α = −κtα − τ bα ,
b0 = τ n ,
b0
= τ nα .
γ γ α
tγ (s) = tα (s), ∀s ∈ I.
Integrando a igualdade acima temos que γ(s) e α(s) são iguais a menos de uma constante
para qualquer s ∈ I; tomando s = s0 , temos que γ(s0 ) = F (β(s0 )) = α(s0 ), logo tal constante
deve ser zero e podemos concluir a demonstração.
1.5. EXERCÍCIOS. 19
1.5 Exercícios.
1. Seja α : I −→ R3 uma curva e [a, b] ⊂ I. Prove que |α(a) − α(b)| ≤ Lba (α), sendo
Lba (α) o comprimento de arco de α no intervalo [a, b]. Ou seja, mostre que as retas são
as curvas mais curtas ligando dois dados pontos do espaço.
2. Considere a espiral logarítmica α : R −→ R3 dada por α(t) = aebt Cos(t), aebt Sin(t), c
sendo a > 0, b < 0 e c ∈ R. Calcule a função comprimento de arco s(t) no intervalo
[t0 , t], sendo t0 ∈ R fixo. Dê uma reparametrização da curva PCA e estude seu traço.
3. Calcule uma parametrização pelo comprimento de arco da hélice circular dada no exem-
plo 1.1.2. Para cada s, calcule o triedro de Frenet no ponto α(s) e as correspondentes
funções curvatura e torção. Em seguida, dê as fórmulas de Frenet dessa curva.
i. κβ (s) = κα (s), ∀s ∈ I.
(
τα (s) , para todo s em I se F preserva a orientação
ii. τβ (s) =
−τα (s) , para todo s em I se F inverte a orientação
5. Seja α : I −→ R3 uma curva regular PCA tal que κ > 0. Prove que α é um arco
de circunferência se, e somente se, κ é constante e o traço de α está contido em uma
esfera.
(Indicação: o traço de α está contido em uma esfera se existem r > 0 e
p0 ∈ R3 tais que |α(s) − p0 |2 = r2 , para todo s ∈ I.)
6. Seja α : I −→ R3 uma curva regular PCA tal que κ > 0. Prove que as seguintes
afirmações são equivalentes:
(b) Use o item (a) para provar que, se κ(s0 ) > 0, existe uma vizinhança J de s0 em I
de maneira que α(J) está contida no semi-plano determinado pela reta tangente
a α em s0 ao qual aponta o vetor n(s0 ).
(c) Use o item (a) para provar que, se existe uma vizinhança J de s0 em I de maneira
que α(J) está contida no semi-plano determinado pela reta tangente a α em s0
ao qual aponta o vetor n(s0 ), então κ(s0 ) ≥ 0.
8. Seja α : I ⊂ R −→ R2 ⊂ R3 uma curva plana PCA tal que κ(s0 ) > 0 para algum
s0 ∈ I. Para λ ∈ R∗ , considere um ponto aλ = α(s0 ) + λn(s0 ) sobre a reta normal a
α em s0 . Se define a distância ao quadrado do ponto α(s) ao ponto aλ como a função
fλ : I −→ R dada por
fλ (s) = |α(s) − aλ |2 , ∀s ∈ I.
(a) Prove que fλ (s0 ) = λ2 , fλ0 (s0 ) = 0 e fλ00 (s0 ) = 2(1 − λκ(s0 )).
(b) Use o item (a) para provar que, se λ < 1/κ(s0 ), existe uma vizinhança J de s0
em I de maneira que α(J) fica do lado de fora de uma circunferência de centro
aλ e raio |λ|.
(c) Use o item (a) para provar que, se λ > 1/κ(s0 ), existe uma vizinhança J de s0
em I de maneira que α(J) fica dentro de uma circunferência de centro aλ e raio
λ.
Superfícies Regulares.
21
22 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
Definição 2.1.1. Um subconjunto S de R3 é dito uma superfície regular se para cada ponto
p ∈ S existe uma vizinhança aberta V de p em S e uma aplicação X : U −→ V , onde
U ⊂ R2 é um aberto do plano, satisfazendo as seguintes propriedades:
i. X é diferenciável em U .
ii. X é um homeomorfismo de U em V .
2.1. DEFINIÇÃO E EXEMPLOS. 23
• É natural pedir que a aplicação X seja diferenciável, pois queremos usar o cálculo dife-
rencial como ferramenta para entender a geometria das superfícies do espaço. Podemos
escrever X como X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)); assim, dizer que X é diferenciá-
vel em U é equivalente a dizer que as funções x, y, z ∈ C ∞ (U ). Chamamos u e v de
coordenadas locais de S em p.
∂X ∂x ∂y ∂z
dXq (e1 ) = ∂u
= ∂u
, ∂u
, ∂u
,
∂X ∂x ∂y ∂z
dXq (e2 ) = ∂v
= ∂v
, ∂v
, ∂v
,
e portanto, a matriz da aplicação diferencial de X em q é
∂x ∂x
∂u
∂y
∂v
∂y
dXq =
∂u ∂v
.
∂z ∂z
∂u ∂v
Logo, a terceira condição da definição 2.1.1 é equivalente a exigir que a matriz dXq
tenha posto igual a 2, o que significa que a igualdade
Xu ∧ Xv 6= 0,
é satisfeita, a qual é condição suficiente para esses dois vetores poderem gerar um plano
que passa pelo ponto p da superfície. Mais adiante daremos uma definição formal desse
plano e exprimiremos toda a informação que ele fornece da superfície.
2.1. DEFINIÇÃO E EXEMPLOS. 25
é uma parametrização de S tal que X(U ) = S. Pode conferir que as outras condições são
também satisfeitas; portanto, S é uma superfície.
Observe que, nos exemplos acima, um plano e o gráfico de uma função diferenciável
podem sempre ser cobertos com apenas uma única parametrização. Isso, em geral, não
acontece; no caso geral, vamos precisar de mais do que uma parametrização a fins de cobrir
totalmente a superfície.
Exemplo 2.1.3. Subconjuntos abertos de Superfícies.
Se S é uma superfície e S1 ⊂ S é um subconjunto aberto distinto de vazio, então S1 é
26 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
• A matriz d(X1 )q tem posto 2. Com efeito, os vetores coluna da matriz são (X1 )u (u, v) =
√ √
(1, 0, ( 1 − u2 − v 2 )u ) e (X1 )v (u, v) = (0, 1, ( 1 − u2 − v 2 )v ) e podemos observar que
a matriz identidade I2 de ordem 2 × 2, a qual possui determinante distinto de zero, é
uma submatriz da mesma.
Assim, temos provado que X1 é uma parametrização local da esfera, mas só cobre a semiesfera
aberta {z > 0}, ver figura 2.5. Defina a aplicação
√
X2 (u, v) = (u, v, − 1 − u2 − v 2 ), ∀(u, v) ∈ U.
S
Observe que X1 (U ) X2 (U ) não cobre totalmente a esfera, pois ainda falta cobrir os pontos
De maneira análoga, pode-se provar que Xi é uma parametrização local da esfera, para cada
i = 2, . . . , 6. Como pode-se apreciar na figura 2.6, a união das imagens das parametrizações
cobrem totalmente a esfera, ou seja
6
[
Xi (U ) = S2 ,
i=1
temos provado que a esfera unitária é uma superfície regular do espaço. Observe que, tro-
cando 1 por r2 nas aplicações Xi , 1 ≤ i ≤ 6, o processo mostrado acima serve também para
parametrizar a esfera de raio r, que denotamos por S2 (r).
A parametrização da esfera apresentada acima precisa de seis cartas. Vemos a seguir
que, mudando para outro tipo de coordenadas, podemos cobrir totalmente uma esfera de
raio arbitrário usando uma quantidade menor de cartas. Para um dado r > 0, defina para
cada 0 < θ < π e 0 < ϕ < 2π a aplicação
esférico de coordenadas e cobrem a esfera a menos de um semicírculo que contem os dois polos.
O raio r representa o comprimento do segmento que liga cada ponto da esfera com o centro
da mesma; os nomes dos ângulos θ e ϕ são colatitude e azimute, respectivamente. Observe
que pode-se cobrir totalmente a esfera usando apenas três cartas locais em coordenadas
esféricas. É tarefa do leitor provar que as coordenadas esféricas são uma parametrização
local da esfera.
2.1. DEFINIÇÃO E EXEMPLOS. 29
Observação 2.1.1. É claro da definição acima, que se n < m, então todo ponto p ∈ U é
crítico. Assim, só faz sentido falar de valores regulares de F quando n ≥ m. Em particular,
podemos dar uma caracterização tanto dos pontos críticos quanto dos pontos regulares de
um campo escalar.
Dado um aberto U ⊂ Rn e um campo escalar f : U −→ R, tem-se para todo p ∈ U que a
correspondente aplicação diferencial dfp : Rn −→ R está dada por
∂
f (p) ≡ fx (p).
∂x
Para cada p ∈ U , a diferencial de f em p é uma aplicação linear e sua imagem dfp (Rn ) é
um subespaço vetorial de R, o que implica que dim(Im(dfp )) ≤ 1. Assim, se o ponto p ∈ U
é crítico de f , então a diferencial dfp não é sobrejetiva pela definição e isso implica que
Im(dfp ) = {0}, logo ∇f (p) = 0 pela fórmula das dimensões e pela regularidade de f .
Temos provado a seguinte afirmação:
Demonstração. Seja p = (x0 , y0 , z0 ) ∈ f −1 ({a}), então ∇f (p) 6= 0 pela definição 2.1.2. Po-
demos supor, s.p.g., que fz (p) 6= 0. Nesse caso, pelo Teorema da função implícita (TFI),
existem uma vizinhança aberta W ⊂ R2 de (x0 , y0 ), um número positivo > 0 suficiente-
mente pequeno e uma função diferenciável φ : W −→ (z0 − , z0 + ) tal que z = φ(x, y),
para todo (x, y) ∈ W . Isto é, o ponto p possui uma vizinhança tal que
o que significa que tal vizinhança é o gráfico de uma certa função diferenciável, que já
sabemos é uma superfície regular pelo exemplo 2.1.2.
Observação 2.1.2. Observe que a proposição 2.1.1 é consequência do exemplo 2.1.2. Veremos
na lista de exercícios desse capítulo, que pode-se usar a proposição 2.1.1 para provar que os
gráficos de funções reais diferenciáveis definidas em abertos de R2 são superfícies regulares.
A proposição acima fornece um critério pelo qual é muito simples provar que alguns dos
exemplos anteriores são superfícies regulares. Por exemplo, pode-se definir um plano a través
da igualdade ax + by + cz = d, conhecida como a equação geral do plano, ver exemplo 2.1.1.
Se definimos a função f : R3 −→ R por
f (x, y, z) = ax + by + cz − d,
|∇g(p)| = |2p| = 2 6= 0, ∀p ∈ S2
o que implica que o vetor gradiente de g em p é não nulo para todo ponto da esfera, e
portanto S2 é uma superfície regular pela proposição 2.1.1.
Usando a proposição 2.1.1 podemos encontrar facilmente novos exemplos de superfícies regu-
lares, pois poderemos saber quando um conjunto definido implicitamente por uma equação
constitui uma superfície regular.
2.1. DEFINIÇÃO E EXEMPLOS. 31
vemos que T = f −1 ({0}) e que f é diferenciável em todo p ∈ / {x = y = 0}. Por outro lado
p p !
2x( x2 + y 2 − r) 2y( x2 + y 2 − r)
∇f (x, y, z) = p , p , 2z = (0, 0, 0),
x2 + y 2 x2 + y 2
p
se x = y = z = 0, ponto que não pertence a T , ou quando x2 + y 2 = r e z = 0, mas se
esse ponto estivesse em T , implicaria que R = 0, que é absurdo. Portanto 0 é valor regular
de f e T é uma superfície regular pela proposição 2.1.1.
A superfície T é chamada de toro de revolução, ou simplesmente toro, e é a superfície
resultado da rotação de uma circunferência de raio r, cujo centro fica a distância R da
origem de coordenadas, em torno do eixo Oz.
Observe que S está definido explícitamente como o gráfico de uma função diferenciável, então
S é superfície regular pelo exemplo 2.1.2 e pode-se parametrizar por
Como consequência do resultado anterior, podemos provar que toda função diferenciável
de um aberto do plano em uma superfície regular cuja diferencial seja injetiva em todo ponto
2.1. DEFINIÇÃO E EXEMPLOS. 35
Demonstração. Considere q ∈ U tal que q = X −1 (p). Pela proposição 2.1.2, podemos afirmar
que existe W ⊂ S tal que p ∈ W e W é o gráfico de uma função diferenciável sobre um certo
aberto V ⊂ R2 . Chamamos de N = X −1 (W ) ⊂ U e definimos a função h = Π◦ X : N −→ V
tal que
h(u, v) = (x(u, v), y(u, v)),
sendo Π a projeção vertical. Das hipóteses sobre X, tem-se que h é diferenciável e que
dhq = Π ◦ dXq 6= 0, logo existe uma vizinhança Ω ⊂ N de q tal que h é um difeomorfismo
sobre sua imagem pelo TFI, e portanto um homeomorfismo.
Como X é injetiva, X é uma bijeção de Ω em X(Ω). Assim, restrito ao conjunto X(Ω),
temos que X −1 está bem definida e que pode-se escrever como
X −1 = (Π ◦ X)−1 ◦ Π = h−1 ◦ Π,
o que implica que X −1 é uma função contínua em p por ser composição de funções contínuas
em p.
Observação 2.1.3. Observe que, da proposição acima podemos concluir que toda parame-
trização local de qualquer superfície regular é um difeomorfismo com um aberto do plano.
Assim, podemos afirmar que toda superfície regular é localmente difeomorfa ao plano.
Exemplo 2.1.9. Dados os números reais 0 < r < R, defina sobre o Toro (ver exemplo 2.1.7)
a função X : U = (0, 2π) × (0, 2π) −→ T dada por
É simples conferir que dXq é injetiva para cada q ∈ U , o cálculo é deixado para o leitor.
Vamos provar que X é injetiva. Com efeito, considere um ponto (x, y, z) ∈ X(U ) ⊂ T , então
z = rSin(u) (2.1)
p
x2 + y 2 = rCos(u) + R (2.2)
2.2 Exercícios.
1. Seja S ⊂ R3 tal que S =
S
i∈I Si onde cada Si é um aberto de S. Se Si é uma superfície
para cada i ∈ I, prove que S é uma superfície.
2. Mostre que o gráfico de uma função diferenciável, como definido no exemplo 2.1.2, é
uma superfície regular.
3. Seja S uma superfície regular e p ∈ S. Prove que existe um aberto O ⊂ R3 que contem
o ponto p e uma função diferenciável f : O −→ R de maneira que 0 é valor regular de
f e S ∩ O = f −1 ({0}). Ou seja, toda superfície regular é, localmente, a pre-imagem de
um valor regular de uma certa função real diferenciável com domínio em um aberto de
R3 .
7. Prove que toda superfície compacta só pode possuir uma quantidade finita de compo-
nentes conexas.
Demonstração. Nas condições acima, considere os pontos qi ∈ Xi−1 (O) tais que Xi (qi ) =
p ∈ S, para i = 1, 2. Da prova da proposição 2.1.2, existem um aberto V ⊂ X2−1 (O)
e uma projeção vertical Π de maneira que a aplicação Π ◦ X2 : V −→ (Π ◦ X2 )(V ) é um
difeomorfismo. Então, h−1 (V ) é uma vizinhança aberta de q1 em X1−1 (O) e, nessa vizinhança,
podemos escrever
h = (Π ◦ X2 )−1 ◦ (Π ◦ X1 ),
A fins de transladar o cálculo diferencial sobre abertos dos espaços euclidianos às super-
fícies, precisamos entender a regularidade das funções definidas sobre elas. Nosso próximo
objetivo é definirmos um conceito de diferenciabilidade para funções definidas em superfícies.
Vemos que, a través das parametrizações, podemos reduzir a diferenciabilidade sobre uma
superfície à diferenciabilidade de funções sobre R2 .
Definição 2.3.1. Dados uma superfície regular S e um ponto p ∈ S, dizemos que a função
f : S −→ R é diferenciável no ponto p se existe uma parametrização local X : U ⊂ R2 −→ S
em torno de p tal que a função
f ◦ X : U −→ R
Observe que o resultado acima ainda está certo para funções f : O ⊂ R3 −→ Rm , para
m ∈ N arbitrário. A prova é idêntica, usando a definição 2.3.1 generalizada.
f (p) = a, ∀p ∈ S.
h(p) = hp − p0 , vi, ∀p ∈ S.
2.3. FUNÇÕES DIFERENCIÁVEIS SOBRE SUPERFÍCIES. 41
g(p) = hp − p0 , p − p0 i, ∀p ∈ S.
d(p) = |p − p0 |, ∀p ∈ S,
F (p) = p0 , ∀p ∈ O.
As funções constantes sobre uma superfície são claramente diferenciáveis pela definição 2.3.2.
Exemplo 2.3.6. Curva diferenciável sobre uma superfície.
Se α : I ⊂ R −→ R3 é uma curva diferenciável no espaço cujo traço está contido em uma
superfície regular S, então a aplicação α : I −→ S é automaticamente diferenciável pelas
definições 1.1.1 e 2.3.2. A curva α : I −→ S é chamada de curva diferenciável sobre S.
Por exemplo, considere a esfera unitária S2 parametrizada em coordenadas esféricas igual
que no exemplo 2.1.4 X(u, v) = (Sin(u)Cos(v), Sin(u)Sin(v), Cos(u)), para cada (u, v) ∈
(0, π) × (0, 2π). Se fixamos 0 < u0 < π, considere a curva α : (0, 2π) −→ R3 dada por
s s
α(s) = Sin(u0 )Cos( ), Sin(u0 )Sin( ), Cos(u0 ) , ∀s ∈ (0, 2π).
Sin(u0 ) Sin(u0 )
É imediato conferir que a curva α está PCA e que |α(s)| = 1, para todo s ∈ (0, 2π), pelo
qual α está totalmente contida na esfera unitária. A curva α definida assim é chamada de
paralelo de S2 de colatitude s/Sin(u0 ). Se derivamos duas vezes temos que
00 −1 v −1 v
α (s) = Cos( ), Sin( ), 0 ,
Sin(u0 ) Sin(u0 ) Sin(u0 ) Sin(u0 )
pelo qual κ(s) = 1/Sin(u0 ), para todo s ∈ (0, 2π), pela definição 1.3.1. Logo, os paralelos
da esfera são curvas regulares de curvatura constante em S2 .
2.3. FUNÇÕES DIFERENCIÁVEIS SOBRE SUPERFÍCIES. 43
f (p) = p0 , ∀p ∈ S1 .
As funções constantes entre superfícies são claramente diferenciáveis pela definição 2.3.3,
pois têm associada uma função constante entre abertos de R2 .
44 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
Observação 2.3.3. Dadas duas superfícies regulares S1 e S2 , note que a aplicação diferenciável
ϕ : S1 −→ S2 é um difeomorfismo se, e somente se, ϕ é um difeomorfismo local bijetivo. Com
efeito, é claro que se ϕ é um difeomorfismo, então é bijetivo e satisfaz a definição 2.3.4.
Reciprocamente, ϕ é diferenciável e existe ϕ−1 : S2 −→ S1 , basta portanto provar que ϕ−1 é
também diferenciável. Mas isso está certo, pois pode-se usar uma propriedade das funções
diferenciáveis deixada como exercício na seção 2.4, exercício 5.
Observe que a bijetividade de ϕ é fundamental para a veracidade da afirmação acima, pois
a função ϕ : R2 −→ R2 dada por
é difeomorfismo local, mas não é injetiva (e cabe comentar que também não é sobrejetiva),
portanto não é difeomorfismo.
Φ : Y −1 (W ) ⊂ V −→ X −1 (W ) ⊂ U , dada por Φ = id ◦ (X −1 ◦ Y ) = id ◦ h
Exemplo 2.3.10. Considere a função Rotação de ângulo θ ao redor do eixo vertical Rz,θ :
R3 −→ R3 dada por
Uma superfície S é dita invariante pela rotação Rz,θ desde que Rz,θ (p) ∈ S, para todo p ∈ S.
A função Rz,θ é uma aplicação linear com matriz
Cos(θ) −Sin(θ) 0
Sin(θ) Cos(θ) 0 ,
0 0 1
a qual pertence ao conjunto de matrizes ortogonais de ordem 3×3 que preservam a orientação,
que denotamos pelo conjunto O+ (3). A função Rz,θ é claramente diferenciável e segue da
proposição 2.3.3 que a restrição Rz,θ : S −→ S é diferenciável.
46 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
Exemplo 2.3.11. Considere uma curva regular α : I ⊂ R −→ R3 contida no plano Oxz. Uma
parametrização da curva vem dada pela função
e duas funções f, g : I −→ R diferenciáveis, com f (t) > 0, para todo t ∈ I. Denotamos por
u ∈ (0, 2π) o ângulo de rotação e definimos
São exemplos de superfície de revolução o plano (com respeito de qualquer reta perpen-
dicular ao mesmo), a esfera (com respeito de qualquer reta que passa pelo seu centro), o
cilindro circular reto, os hiperbolóides de uma e de duas folhas, o toro e o parabolóide elíptico.
A família das superfícies de revolução é mesmo extensa e muito importante.
2.3. FUNÇÕES DIFERENCIÁVEIS SOBRE SUPERFÍCIES. 47
2.4 Exercícios.
1. Prove que toda aplicação diferenciável sobre uma superfície é contínua.
Demonstração. Seja w ∈ Tp S tal que w = α0 (0) para certa curva α em S. Sabemos pela
proposição 2.3.2 que X −1 é diferenciável em X(U ) ⊂ S, logo β = X −1 ◦ α é uma curva
diferenciável em U tal que β(0) = q. Temos que α = X ◦ β e, se chamamos de v = β 0 (0),
então
d
w = α0 (0) = α(t) = dXq (β 0 (0)) = dXq (v),
dt |t=0
50 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
Observação 2.5.1. Como dXq é injetiva, o subespaço vetorial dXq (R2 ) = Tp S é um plano.
Além disso, a proposição acima mostra que Tp S independe da parametrização X e que, para
cada parametrização X em torno de p, a dupla de vetores B = {Xu , Xv } forma uma base de
Tp S, pois são um conjunto linearmente independente de vetores em um subespaço vetorial
2-dimensional de R3 . Logo, da prova da proposição acima, podemos dar uma expressão local
em coordenadas dos vetores tangentes a S no ponto p. Com efeito, dada a curva diferenciável
β : (−, ) −→ U tal que a cada t associa o ponto β(t) = (u(t), v(t)) ∈ U , considere a curva
diferenciável α : (−, ) −→ S dada por α(t) = X ◦ β(t) = X(u(t), v(t)), para cada t ∈
(−, ). Assim,
d
w = α0 (0) = |t=0 X(u(t), v(t)) = u0 (0)Xu (q) + v 0 (0)Xv (q). (2.3)
dt
Logo, as coordenadas do vetor w são u0 (0) e v 0 (0) na base B, que denotamos assim
o que implica que dfp (Xu ) = 0 e dfp (Xv ) = 0 pela regra da cadeia do cálculo e pela igualdade
(2.3). Assim, o vetor v está no kernel da aplicação dfp : R3 −→ R, que vamos denotar por
ker(dfp ). Por outro lado, nas condições acima dfp 6= 0 pelo exemplo 2.1.1, logo ker(dfp ) e
Tp S são dois planos vetoriais tais que ker(dfp ) ⊂ Tp S, então
Tp S = ker(dfp ).
2.5. O PLANO TANGENTE. 51
Usando o exemplo anterior podemos dar explicitamente novos exemplos de planos tan-
gentes a superfícies em seus pontos.
Exemplo 2.5.2. Dados v ∈ R3 um vetor unitário arbitrário e p0 ∈ R3 um ponto arbitrário,
podemos definir um plano que passa pelo ponto p0 como o complemento ortogonal do dado
vetor v, ou seja
Π = {p ∈ R3 : hp − p0 , vi = 0}.
Exemplo 2.5.3. Dados p0 ∈ R3 um ponto arbitrário e um número real r > 0, podemos definir
a esfera de centro p0 e raio r pelo conjunto
S2 (r) = {p ∈ R3 : |p − p0 |2 = r2 }.
Assim, para cada ponto p ∈ S2 (r), o correspondente plano tangente é o complemento orto-
gonal ao vetor que liga o centro da mesma com o próprio ponto p.
β(t) = (ϕ ◦ α)(t),
então tem-se que β é uma curva diferenciável sobre S2 e que β(0) = ϕ(α(0)) = ϕ(p), portanto
β 0 (0) é um vetor do plano tangente a S2 no ponto ϕ(p).
Vemos que β 0 (0) independe da eleição da curva α. Com efeito, sejam X : U ⊂ R2 −→ S1
tal que X = X(u, v) e Y : V ⊂ R2 −→ S2 tal que Y = Y (ξ, η), duas parametrizações
locais em torno de p e de ϕ(p), respectivamente. Seja q ∈ U tal que X(q) = p e > 0
suficientemente pequeno para que a curva γ(t) = (u(t), v(t)), t ∈ (−, ) esteja contida
em U e tal que γ(0) = q. Defina a curva α(t) = X ◦ γ(t) = X(u(t), v(t)), para cada
t ∈ (−, ). Como ϕ é diferenciável, então a função h : U −→ V , dada por h = Y −1 ◦ ϕ ◦ X
é diferenciável em U e h ◦ γ(t) = h(u(t), v(t)) = (h1 (u(t), v(t)), h2 (u(t), v(t))). Considere a
curva β(t) = Y ◦ h ◦ γ(t) = Y (h1 (u(t), v(t)), h2 (u(t), v(t))), pela regra da cadeia tem-se que
0 ∂h1 0 ∂h1 0 ∂h2 0 ∂h2 0
β (0) = Yξ (h(q)) (q)u (0) + (q)v (0) + Yη (h(q)) (q)u (0) + (q)v (0)
∂u ∂v ∂u ∂v
o que implica que o vetor β 0 (0) pode-se expressar em coordenadas na base {Yξ , Yη } de Tϕ(p) S2
0 ∂h1 0 ∂h1 0 ∂h2 0 ∂h2 0
β (0) = (q)u (0) + (q)v (0), (q)u (0) + (q)v (0)
∂u ∂v ∂u ∂v
! !
∂h1
∂u
(q) ∂h ∂v
1
(q) u0 (0)
= ∂h2
· ∈ Tϕ(p) S2 ,
∂u
(q) ∂h ∂v
2
(q) v 0 (0)
que independe de α como queríamos demonstrar.
O raciocínio anterior justifica a definição de aplicação diferencial associada uma dada função
diferenciável entre superfícies e mostra como o conceito de aplicação diferencial entre abertos
de Rn estende-se de maneira natural a funções diferenciáveis entre superfícies regulares, e
que ainda vai satisfazer as mesmas propriedades nesse novo contexto.
Sabemos, pelo exemplo 2.3.9, que a composição de aplicações diferenciáveis entre super-
fícies é uma aplicação diferenciável entre superfícies. Vemos no seguinte resultado que uma
das propriedades clássicas mais importantes das funções diferenciáveis pode-se estender ao
contexto das superfícies.
.
Aliás, se f : V ⊂ S −→ R, então sua aplicação diferencial pode-se definir, segundo a definição
acima, como uma função dfp : Tp S −→ R dada por
para cada w ∈ Tp S.
Exemplo 2.5.4. Sejam S uma superfície regular e O ⊂ R3 um conjunto aberto tal que S ⊂ O
e F : O −→ R uma função diferenciável. Seja f : S −→ R a restrição f = F |S . Dados p ∈ S
e w ∈ Tp S, para cada curva α : I −→ S tal que α(0) = p e α0 (0) = w tem-se que
d d
dfp (w) = (f ◦ α)(t) = (F ◦ α)(t) = dFp (w).
dt |t=0 dt |t=0
dip (v) = v, ∀v ∈ Tp S.
Lema 2.5.1. Seja S uma superfície. Então se verificam as seguintes duas afirmações:
O primeiro item do lema anterior junto ao exemplo 2.5.5, caracterizam as funções cons-
tantes sobre superfícies em termos de sua aplicação diferencial associada. Observe que o
mencionado item é ainda verdadeiro quando S não é conexo, pois pode-se aplicar a cada
componente conexa de S, mas não está garantida a diferenciabilidade da função nesse caso.
Vimos na proposição 2.3.2 que toda superfície regular é localmente difeomorfa ao plano.
O seguinte resultado mostra que o conhecido teorema da função inversa do cálculo é ainda
válido no contexto de aplicações diferenciáveis entre superfícies regulares.
56 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
Demonstração. A primeira implicação é sabido pela observação 2.5.2. Vemos que a implica-
ção contrária é consequência do teorema da função inversa (TFInv) do análise.
Sejam X : U ⊂ R2 −→ S1 e Y : W ⊂ R2 −→ S2 parametrizações locais ao redor de p ∈ S1
e de ϕ(p) ∈ S2 , respectivamente, de maneira que X(U ) ⊂ V e ϕ(X(U )) ⊂ Y (W ). Sabemos
que a função h = Y −1 ◦ ϕ ◦ X é diferenciável em q ∈ U , tal que p = X(q) pela definição
2.3.3. Assim, pela regra da cadeia e a observação 2.5.2, tem-se que a função
Lembramos que, em topologia, uma aplicação aberta entre espaços topológicos é uma
aplicação que leva abertos do domínio em abertos do co-domínio.
Note que a aplicação inclusão é um difeomorfismo local, ver exemplo 2.5.9, portanto é
uma aplicação aberta pela proposição acima. Temos provado o seguinte resultado.
1 hp − p0 , vi
dfp (v) = v− (p − p0 ). (2.4)
|p − p0 | |p − p0 |3
1 |p − p0 |2
dfp (v) = (p − p0 ) − (p − p0 ) = 0,
|p − p0 | |p − p0 |3
|p − p0 |2
p − p0 = v,
hp − p0 , vi
e portanto p − p0 ∈ Tp S.
É agora uma consequência imediata do teorema 2.5.2 concluir que a aplicação f definida
acima é um difeomorfismo local da superfície S na esfera se e somente se não pode-se traçar
uma reta tangente à superfície desde p0 .
58 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
2.6 Exercícios
1. Se S1 é um aberto da superfície S e p ∈ S1 , prove que Tp S1 = Tp S.
para um certo vetor unitário a ∈ R3 , o qual é a direção do seu eixo. Demonstrar que
3. Prove que a diferencial de uma função constante entre superfícies regulares é identica-
mente nula.
(a) Prove que a aplicação |Jacf | está bem definida, ou seja, que independe da base.
Podemos também dar uma representação matrizial para a forma quadrática Q(v) = v t ·Mb ·v,
de maneira que Mb é a matriz simétrica associada a b.
Observação 2.7.1. Observe que podemos reverter o caminho mencionado acima, Se M é uma
matriz simétrica de ordem 2 e definimos a função Q : V −→ R tal que Q(v) = v t · M · v,
então pode-se provar facilmente que a aplicação b : V × V −→ R dada por
1
b(v, w) = (Q(v + w) − Q(v) − Q(w)) , ∀v, w ∈ V,
2
60 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
!
hXu , Xu ip hXu , Xv ip
Mh , ip =
hXv , Xu ip hXv , Xv ip
Observe que Mh , ip é uma matriz simétrica. Além disso, como |Xu ∧Xv | =
6 0, podemos definir
uma função N X : U ⊂ R2 −→ S2 dada por
Xu ∧ Xv
N X (q) = (q), ∀q ∈ U. (2.5)
|Xu ∧ Xv |
Veremos posteriormente como essa função N X está relacionado com o conceito de ori-
entação da superfície S, desde que pode-se estender a todo S de maneira diferenciável.
Infelizmente não sempre será possível dar uma definição global da função N de maneira dife-
renciável. Estudaremos a orientabilidade de superfícies com detalhe na seção 2.9 e veremos
exemplos de superfícies nos quais N X pode se estendido globalmente a todo ponto de S de
maneira contínua, mesmo diferenciável, e outros onde não, como se mostra nas Figuras 2.22
e 2.23.
2.7. A PRIMEIRA FORMA FUNDAMENTAL. 61
Pelo visto acima, o espaço R3 pode-se decompor na soma ortogonal de dois subespaços
vetoriais, a saber, o plano tangente Tp S e seu correspondente complemento ortogonal (Tp S)⊥ ,
representado pela reta que passa por p na direção do vetor N X (q), que chamaremos de reta
normal a S em p.
onde E ≡ E(u(0), v(0)) = hXu (q), Xu (q)ip , F ≡ F (u(0), v(0)) = hXu (q), Xv (q)ip e G ≡
G(u(0), v(0)) = hXv (q), Xv (q)ip são os coeficientes da primeira forma fundamental na base
{Xu , Xv } de Tp S.
62 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
X(u, v) = p0 + uξ + vη
para cobrir o plano totalmente. Vamos agora calcular os coeficientes da primeira forma
2.7. A PRIMEIRA FORMA FUNDAMENTAL. 63
E = |ξ|2 ,
F = hξ, ηi,
G = |η|2 .
Observe que, o fato de F ser idénticamente nula significa, geometricamente, que as curvas
coordenadas são ortogonais em cada ponto da superfície S. Uma parametrização de S que
satisfaz F ≡ 0 é dita uma parametrização ortogonal de S, e os parâmetros (u, v) são chamados
de parâmetros ortogonais.
por
X(u, v) = (rCos(u), rSin(u), v) ,
a qual cobre o cilindro todo exceto a reta vertical que passa pelo ponto (r, 0, 0). Queremos
calcular os coeficientes da primeira forma fundamental dessa parametrização do cilindro,
64 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
F =0
G = 1.
O cilindro pertence à família das superfícies de revolução definidas na seção 2.3. Calcula-
mos no seguinte exemplo os coeficientes da primeira forma fundamental da família completa.
é uma parametrização de S, a qual fica coberta totalmente exceto pela curva α(t) =
(f (t), 0, g(t)), ∀t ∈ I.
Queremos calcular os coeficientes da primeira forma fundamental para essa família de su-
perfícies. Igual que em exemplos anteriores, precisamos de calcular as derivadas parciais da
parametrização, assim
E = (f 0 (t))2 + (g 0 (t))2 ,
F = −f (t)f 0 (t)Sin(u)Cos(u) + f (t)f 0 (t)Sin(u)Cos(u) = 0,
G = (f (t))2 ,
os quais independem de u.
(0, 0, t) e α(t), para todo t ∈ R. Observe que, a reta para t = 0 está contida no plano
horizontal e as restantes são paralelas a esse plano. Assim, lembrando o exemplo 1.1.1, o
helicoide pode-se parametrizar pela função X : R2 −→ H dada por
E = 1 + v2
F = −vSin(u)Cos(u) + vSin(u)Cos(u) = 0
G = 1.
A primeira das questões da geometria intrínseca das superfícies que vamos estudar nessa
seção é o conceito da medida do ângulo formado por duas curvas concorrentes e contidas em
uma superfície S. Tal conceito se define como o ângulo formado pelos correspondentes vetores
tangentes a duas curvas concorrentes α e β no seu ponto de concorrência. Se chamamos de
wα e de wβ tais vetores, o ângulo pode-se calcular por médio da fórmula:
hwα , wβ i
Cos(θ) = . (2.7)
|wα ||wβ |
fornece parâmetros locais sobre a esfera unitária chamados de coordenadas esféricas, os quais
cobrem totalmente a esfera a menos de um grande círculo, o qual é um subconjunto de medida
zero da esfera.
E = 1,
F = 0,
G = Sin2 (θ).
As loxódromas da esfera são curvas que formam um ângulo constante γ0 com os meridi-
anos de S2 . Seja α(t) = X(θ(t), ϕ(t)) uma curva parametrizada loxódroma na esfera, então
as loxódromas satisfazem
que é uma equação diferencial para as funções θ e ϕ. Manipulando a equação acima tem-se
2.7. A PRIMEIRA FORMA FUNDAMENTAL. 67
que
θ0 (t)
p = Cos(γ0 ),
(θ0 (t))2 + (ϕ0 (t))2 Sin2 (θ(t))
Cos2 (γ0 ) (θ0 (t))2 + (ϕ0 (t))2 Sin2 (θ(t)) = (θ0 (t))2
Cos2 (γ0 )(θ0 (t))2 + (ϕ0 (t))2 Cos2 (γ0 )Sin2 (θ(t)) = (θ0 (t))2
(ϕ0 (t))2 Cos2 (γ0 )Sin2 (θ(t)) = Sin2 (γ0 )(θ0 (t))2
(ϕ0 (t))2 Sin2 (θ(t)) = T an2 (γ0 )(θ0 (t))2
S pela definição acima. Antes de definirmos o conceito de área de uma região, vamos provar
que a integral Z
|Xu ∧ Xv | dudv,
Q
∂u ∂v
Yr = Xu + Xv ,
∂r ∂r
∂u ∂v
Ys = Xu + Xv .
∂s ∂s
Agora podemos usar essas igualdades e ver que
∂u ∂v ∂u ∂v
Yr ∧ Ys = Xu + Xv ∧ Xu + Xv
∂r ∂r ∂s ∂s
∂u ∂v ∂v ∂u
= (Xu ∧ Xv ) + (Xv ∧ Xu )
∂r ∂s ∂r ∂s
∂u ∂v ∂v ∂u
(2.8)
= − (Xu ∧ Xv )
∂r ∂s ∂r ∂s
∂u ∂u
∂r ∂s
= ∂v ∂v (Xu ∧ Xv )
∂r ∂s
onde
∂u ∂u
∂r ∂s
∂v
∂v
∂r ∂s
o que demonstra nossa afirmação anterior. Portanto podemos enunciar a seguinte definição.
70 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
onde Q = X −1 (R) ⊂ U .
Observação 2.7.2. Observe que, em muitos exemplos podem-se dar parametrizações das
superfícies que a cobrem totalmente a menos de pontos ou curvas, elementos que têm medida
nula no espaço e que, portanto, não influem no valor da integral.
O número |Xu ∧ Xv | representa a área de um paralelogramo em U de lados Xu e Xv .
Denotamos por
dS = |Xu ∧ Xv | dudv,
Assim
E = r2 ,
F = 0,
G = r2 Sin2 (θ).
√
Usando isso temos que EG − F 2 = r2 Sin(θ) e portanto
Z π Z 2π
2
A(S (r)) = r Sin(θ) dϕ dθ = 4πr2 .
2
0 0
X(u, v) = ((rCos(u) + R)Cos(v), (rCos(u) + R)Sin(v), rSin(u)) , 0 < u < 2π, 0 < v < 2π,
72 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
Assim
E = r2 ,
F = 0,
G = (rCos(u) + R)2 .
√
Usando isso temos que EG − F 2 = r(rCos(u) + R) e portanto
Z 2π Z 2π
A(T ) = r(rCos(u) + R) dv du = 4π 2 Rr.
0 0
E = (f 0 (t))2 + (g 0 (t))2 ,
F = 0,
G = (f (t))2 ,
Se tomamos uma curva geratriz α(s) = (f (s), 0, g(s)), s ∈ I que seja PCA, então os
coeficientes são
E = 1,
F = 0,
G = (f (s))2 ,
√
e portanto EG − F 2 = f (s), para todo s ∈ I. Se limitamos o intervalo I = (a, b), pra
certos números reais a < b, então
Z b Z 2π Z b
A(S) = f (s) du ds = 2π f (s) ds.
a 0 a
2.8 Exercícios.
1. Dadas S uma superfície regular e α : I −→ S uma curva parametrizada contida em S.
Se (a, b) ⊂ I, prove que o comprimento de arco de α no intervalo (a, b) é um conceito
intrínseco da superfície.
3. Calcule a área de uma helicoide para 0 < u < 2π e 0 < v < 1 (ver exemplo 2.7.4).
Livro do Manfredo, páginas 105-106, exercícios 10, 11, 13, 15; páginas 117-121, exercícios
1, 3, 5, 7, 8, 10, 14, 15.
74 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
É intuitivo pensar que o plano tangente a uma superfície regular em cada ponto p possui
uma única direção normal, a qual determina apenas dois vetores normais unitários possíveis,
um para cada sentido de percurso saindo de p na correspondente reta normal associada a essa
direção. Se V ⊂ S é um aberto coordenado de S, sabemos que V é difeomorfo a um aberto
do plano pela observação 2.1.3 e é sabido que todo plano separa o espaço em exatamente dois
semi-espaços com fronteira comum nesse plano, e que portanto ambos semi-espaços ficam
totalmente determinados pelo plano. Assim, podemos dizer que um vetor normal unitário
ao plano aponta para um desses semi-espaços e o outro normal unitário aponto para o outro.
Podemos assim chamar de lado do plano a cada um dos semi-espaços em que o plano divide
o espaço, ou equivalentemente, um lado do plano é o semi-espaço para o qual aponta o
correspondente vetor normal ao plano. Dessa maneira, todo plano contido no espaço tem
76 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
apenas dois lados. Na seção 3.7 provaremos que podemos transladar essa propriedade do
plano localmente a qualquer superfície regular e garantir que todo ponto da superfície possui
uma vizinhança coordenada que separa um certo aberto O de R3 em exatamente dois lados,
pois são localmente difeomorfos ao plano.
Demonstração. Em cada p ∈ S, temos que N1 (p) e N2 (p) são vetores unitários e perpendi-
culares ao mesmo plano Tp S ⊂ R3 , então, ponto a ponto, esses vetores são iguais ou opostos.
Vemos a seguir como a conexão de S nos permite concluir a prova do lema.
Com efeito, se definimos os subconjuntos de S
A = {p ∈ S : N1 (p) = N2 (p)},
B = {p ∈ S : N1 (p) = −N2 (p)},
Definição 2.9.2. Dizemos que uma superfície regular S é orientável, se sobre ela pode-se
definir um campo normal e unitário. Em caso contrário, S é dita não-orientável.
Cada campo normal e unitário sobre uma superfície orientável S é chamado de orientação
de S e, se escolhemos uma orientação em uma superfície orientável S, então a superfície é
dita orientada.
Observação 2.9.1. Os lemas 2.9.1 e 2.9.2 dizem-nos que toda superfície regular é localmente
orientável e que existem apenas duas orientações para cada superfície conexa e orientável.
O lema 2.9.1 diz-nos ainda mais, pois se uma superfície regular pode ser coberta totalmente
com uma única parametrização X : U −→ S, então
Xu ∧ Xv
N (p) = (N X ◦ X −1 )(p) = , ∀p ∈ S,
|Xu ∧ Xv |p
é um campo normal e unitário globalmente definidi sobre S, portanto S é orientável.
Exemplo 2.9.1. Os planos são orientáveis.
No exemplo 2.5.2 se provou que o plano tangente a Π em cada ponto é o próprio Π, que pela
definição é o complemento ortogonal de um certo vetor unitário v ∈ R3 , ou seja
N (p) = v, ∀p ∈ Π,
N (p) = p, ∀p ∈ S2 ,
Exemplo 2.9.4. A imagem inversa de um valor regular de uma função diferenciável é orien-
tável.
Vimos no exemplo 2.5.1, que se f : O −→ R é uma função diferenciável em um aberto
O ⊂ R3 e a ∈ R é um valor regular de f , então
para certas funções diferenciáveis f, g : I −→ R de maneira que f (s) > 0, para todo s ∈ I.
Vimos no exemplo 2.3.11 que
Logo
X s ∧ Xu
N (p) =
|Xs ∧ Xu |p
0
−g (s)f (s)Cos(u) −g 0 (s)f (s)Sin(u) f 0 (s)f (s)
= , ,
f (s) f (s) f (s)
= (−g 0 (s)Cos(u), −g 0 (s)Sin(u), f 0 (s)).
Dado que a parametrização é local, a conta acima é insuficiente para poder concluir que S
é orientável, mas podemos fazer a seguinte observação. Considere a rotação Rz,u (exemplo
2.3.10) em torno do eixo vertical e a função J : R3 −→ R3 dada por
0 0 −1 x
3
0 1 0 · y = (−z, y, x), ∀p = (x, y, z) ∈ R .
J(x, y, z) =
1 0 0 z
Assim, a função F : R3 −→ R3 dada por F (w) = (Rz,u ◦ J)(w) é uma isometria do espaço
e está bem definida em todo ponto de R3 . Se restringimos F ao conjunto de vetores C
e=
2.9. ORIENTAÇÃO EM SUPERFÍCIES. 79
coincide com N (p) em cada p ∈ S. Note que J é a rotação de ângulo 90o em torno
ao eixo y, o que implica que esse vetor é perpendicular a α0 (s) no plano Oxz para cada
s. Quando aplicamos em seguida a rotação de ângulo u em torno do eixo z, obtemos um
vetor normal exterior à superfície de rotação S em cada um dos seus pontos, como indica a
figura 2.33. Assim, pela observação acima e pelo lema 2.9.1, podemos concluir que o campo
normal unitário N está globalmente definido em S e portanto as superfícies de rotação são
orientáveis.
A pesar de ter provado que toda superfície regular é localmente orientável, a família de
superfícies não-orientáveis não e vazio. Vamos ver que tais superfícies existem no seguinte
exemplo.
80 CAPÍTULO 2. SUPERFÍCIES REGULARES.
Para os nossos objetivos, é suficiente considerar só a linha central da faixa, isto é a curva
X(u, 0). Portanto
Para finalizar a seção, vemos o seguinte resultado que é uma condição suficiente de
orientabilidade de superfícies.
Proposição 2.9.1. Seja P uma propriedade dos vetores unitários normais a uma superfície
S tal que, para cada vetor unitário υ normal a S em p, ou υ satisfaz P ou −υ satisfaz P,
e não podem ocorrer as duas simultaneamente. Se para cada υ que satisfaz P existe uma
vizinhança aberta de p em S e um campo normal unitário diferenciável N definido em V tal
que N (q) satisfaz P para todo q ∈ V , então S é orientável.
2.10 Exercícios.
1. Suponha que uma superfície S é tal que S = S1 ∪ S2 , onde S1 e S2 são superfícies
orientáveis tais que S1 ∩ S2 é conexa. Prove que S é também orientável.
83
84 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
dNp : Tp S −→ TN (p) S2 .
Observe que N (p) ⊥ Tp S em cada ponto p ∈ S e, por outro lado, temos que N (p) é unitário
e portanto pode ser visto como um vetor da esfera unitária. Como já foi provado nos
exemplos 2.5.3 e 2.9.2, o vetor de posição na esfera unitária é o complemento ortogonal do
correspondente plano tangente à esfera. Logo N (p) ⊥ TN (p) S2 , se vemos N (p) como um vetor
da esfera unitária. Assim, podemos afirmar que Tp S = TN (p) S2 ,o que implica que
dNp : Tp S −→ Tp S
observção 3.1.2 que a curvatura Gaussiana K não depende da orientação e que a curvatura
média H muda seu sinal quando a orientação mudar. Lembre que, do álgebra linear, o
determinante de uma matriz é igual ao produto dos seus autovalores e o traço é a soma dos
mesmos.
1 1
N (p) = ∇f (p) = √ (a, b, c) = (a, b, c),
|∇f (p)| a + b2 + c 2
2
que é constante para todo p ∈ Π. Portanto, sua diferencial é identicamente nula, ou seja
dNp independe de p e tem associada a matriz nula de ordem 2, que tem autovalores nulos e
portanto K(p) = 0 e H(p) = 0 para todo p ∈ Π.
O provado no exemplo concorda com o que foi anunciado no início da seção, isto é, se dNp
fornece uma medida da variação dos planos tangentes à superfície quando passamos de um
ponto para outro, no sentido que se o plano tangente não varia (exemplo 2.5.2), então dNp
deve ser nula.
N = id|S2 : S2 −→ S2 .
d d
dNp (v) = (N ◦ α)(t) = α(t) = α0 (0) = v,
dt |t=0 dt |t=0
portanto dNp = id|Tp S2 , cuja matriz associada é I2 , que tem autovalores µ1 (p) = 1 e µ2 (p) =
1, para todo p ∈ S2 . Portanto, na orientação dada pelo vetor normal exterior à esfera,
K(p) = 1 > 0 e H(p) = −1 em todo ponto da esfera unitária.
Em geral, do exemplo 2.9.2 podemos concluir que K(p) = 1/r2 e H(p) = −1/r, para todo
p ∈ S2 (r), sendo r > 0 um raio arbitrário.
86 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
1
dNp (w) = (w1 , w2 , 0).
r
Considere uma parametrização do cilindro dada por X(u, v) = (rCos(u), rSin(u), v) para
cada (u, v) ∈ (0, 2π) × R, então
Os autovalores da matriz dNp são µ1 (p) = 1/r e µ2 (p) = 0, portanto K(p) = 0 e H(p) =
−1/2r para cada p ∈ C.
Assim
−2u 2v 1
N (u, v) = √ ,√ ,√
2
1 + 4u + 4v 2 2
1 + 4u + 4v 2 1 + 4u2 + 4v 2
e para cada w ∈ Tp S tem-se que
d
dNp (w) = (N ◦ α)(t)
dt |t=0
!
d −2u(t) 2v(t) 1
= p ,p ,p
dt |t=0 1 + 4u2 (t) + 4v 2 (t) 1 + 4u2 (t) + 4v 2 (t) 1 + 4u2 (t) + 4v 2 (t)
−2u0 (0) − 8u0 (0)v 2 (0) + 8u(0)v(0)v 0 (0)
= 3 ,
(1 + 4u2 (0) + 4v 2 (0)) 2
!
2v 0 (0) − 8u2 (0)v 0 (0) − 8u(0)v(0)u0 (0) 4u(0)u0 (0) + 4v(0)v 0 (0)
3 , 3 .
(1 + 4u2 (0) + 4v 2 (0)) 2 (1 + 4u2 (0) + 4v 2 (0)) 2
Se nos focamos no ponto p0 = X(0, 0) = (0, 0, 0), o vetor tangente à curva X(u(t), v(t)) tem
dNp0 (w) = (−2u0 (0), 2v 0 (0), 0) = −2u0 (0)Xu (0, 0) + 2v 0 (0)Xv (0, 0)
! !
0
−2 0 u (0)
= (−2u0 (0), 2v 0 (0))B = .
0 2 v 0 (0)
Demonstração. Como dNp é linear, devemos provar que hdNp (w1 ), w2 i = hw1 , dNp (w2 )i para
wi ∈ Tp S, i = 1, 2 arbitrários. Observe que basta provar a igualdade anterior na base
{Xu , Xv } de Tp S. Vamos trabalhar nas coordenadas dadas pela parametrização X.
Seja α(t) = X(u(t), v(t)) uma curva em S tal que α(0) = p, então
d
dNp (α0 (0)) = (N X ◦ X −1 )(α(t))
dt |t=0
d
= N X (u(t), v(t))
dt |t=0
= d(N X )q (e1 )u0 (0) + d(N X )q (e2 )v 0 (0)
= NuX u0 (0) + NvX v 0 (0),
onde {e1 , e2 } é a base canônica de R2 . No ponto q, sabemos que N X (q) é perpendicular aos
vetores Xu e Xv , logo se derivamos as igualdades hN X , Xu i = 0 em relação a v e hN X , Xv i = 0
em relação a u, pelo teorema de Schwarz temos que
Por outro lado, usando a regra da cadeia (teorema 2.5.1), temos que
NuX = d(N X )q (e1 ) = d(N ◦ X)q (e1 ) = dNX(q) ◦ dXq (e1 ) = dNp (Xu ),
(3.2)
NvX = d(N X )q (e2 ) = d(N ◦ X)q (e2 ) = dNX(q) ◦ dXq (e2 ) = dNp (Xv ).
Observação 3.1.1. É sabido da teoria da álgebra linear que existe um isomorfismo entre
o conjunto dos endomorfismos auto-adjuntos de V n e o conjunto das matrizes simétricas
de ordem n, sendo n ∈ N a dimensão do espaço vetorial V , pode consultar [9, pág. 216]
para maiores informações. Por conveniência, em diante usaremos as seguintes notações:
Nu ≡ dNp (Xu ) e Nv ≡ dNp (Xv ).
O resultado acima diz-nos que, em cada ponto de uma superfície regular orientável,
o campo normal unitário N tem associado uma aplicação linear auto-adjunta, a própria
aplicação diferencial de N no ponto. A aplicação
−dNp : Tp S −→ Tp S
90 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
A−N
p = −d(−N )p = dNp = −AN
p ,
e portanto
p
κi (p) = H(p) ± H 2 (p) − K(p), i = 1, 2, ∀p ∈ S. (3.4)
Observe em primeiro lugar que podemos supor, s.p.g., que κ1 (p) ≤ κ2 (p). Em segundo lugar,
como a equação característica acima mencionada possui duas raízes reais, o correspondente
discriminante associado deve ser não-negativo, e portanto a desigualdade
H 2 (p) ≥ K(p)
Definição 3.1.1. Uma curva regular α : I −→ S contida em uma superfície regular S é dita
uma linha de curvatura se α0 (t) é uma direção principal para todo t ∈ I.
Com efeito, se α é direção principal, α0 (t) é autovetor de Aα(t) em cada t e existe uma
função λ : I −→ R que satisfaz a igualdade (3.5) e é claro que λ(t) = hAα(t) α0 (t), α0 (t)i
é diferenciável em cada t ∈ I. Reciprocamente, a afirmação é verdadeira pela aplicação
direta da definição 3.1.1. A observação prévia prova o seguinte importante resultado, que
caracteriza as linhas de curvatura de qualquer superfície regular:
Teorema 3.1.1 (Olinde Rodrigues). Uma condição necessária e suficiente para que uma
curva conexa e regular C em S seja linha de curvatura de S é que
para uma certa função diferenciável λ : I −→ R. Nesse caso, o valor λ(t) é o valor da
curvatura principal ao longo da curva α na direção de α0 (t) para cada t ∈ I.
pela simetria da matriz Ap , logo a aplicação h−dNp (·), ·i de Tp S em R é uma forma quadrática
pelo já visto no início da seção 2.7.
Definição 3.1.2. Em cada ponto p de uma superfície regular orientável, a forma quadrática
IIp , definida em Tp S por
Vemos no seguinte resultado, a forte relação da segunda forma fundamental IIp com a
geometria das curvas contidas na superfície que passam pelo ponto p ∈ S na direção de um
certo vetor tangente unitário v ∈ Tp S.
Proposição 3.1.2. Seja S uma superfície orientável, N uma aplicação de Gauss e IIp a
segunda forma fundamental associada ao ponto p ∈ S. Seja v ∈ Tp S é um vetor unitário e
α : (−, ) −→ S uma curva PCA tal que α(0) = p e α0 (0) = v, então
Demonstração. Sabemos que hα0 (s), (N ◦ α)(s)i = 0 para cada s ∈ (−, ). Derivando essa
igualdade em relação a s no instante s = 0 temos que
d
0= hα0 (s), (N ◦ α)(s)i
ds |s=0
= hα00 (0), (N ◦ α)(0)i + hα0 (0), dNα(0) (α0 (0))i
= hα00 (0), N (p)i + hv, dNp (v)i,
pela definição 3.1.2. Para concluir a demonstração, basta usar as equações (1.8) de Frenet
na igualdade acima.
Definição 3.1.3. Seja α uma curva regular PCA sobre uma superfície S que passa por um
ponto p ∈ S. Se κα é a curvatura de α em p, se define a curvatura normal de α em p como
pela proposição 3.1.2 e a definição 3.1.3, o que significa que o valor da segunda forma fun-
damental em um vetor tangente unitário v é igual à curvatura normal de uma curva regular
em S passando por p e tangente a v em p. Em outras palavras, desde um ponto de vista
geométrico, a curvatura normal de uma curva α contida na superfície S é o comprimento da
projeção do vetor α00 (0) na direção do vetor normal unitário em p com um sinal que vem
dado pela orientação escolhida na superfície S. Dado que a segunda forma fundamental
independe da escolha da curva α sobre S, acabamos de provar o seguinte resultado.
Teorema 3.1.2 (Meusnier). Todas as curvas de uma superfície S que têm, em um ponto
p ∈ S, a mesma reta tangente têm, neste ponto, a mesma curvatura normal.
e portanto
κ1 (p) ≤ κn (p) ≤ κ2 (p).
Definição 3.1.4. Seja p um ponto de uma superfície regular S. Uma direção assintótica de
S em p é um vetor v ∈ Tp S tal que κn (p) = 0. Dizemos que uma curva conexa α : I −→ S
contida em S é uma linha assintótica, ou curva assintótica, de S se α0 (t) é uma direção
assintótica de S em α(t) para cada t ∈ I.
Observe que, da proposição 3.1.2 e da definição 3.1.3, podemos dizer que uma curva
conexa em S é curva assintótica se e somente se κn (α(t)) = 0 para todo t ∈ I. Considere
{e1 , e2 } uma base ortonormal de direções principais de Tp S e w ∈ Tp S tal que w = w1 e1 +
w2 e2 . Tomamos coordenadas polares no vetor w, isto é, ρ = |w| e θ igual ao ângulo formado
por w e e1 ; assim w1 = ρCos(θ) e w2 = ρSin(θ). Podemos então re-escrever a fórmula de
Euler para qualquer vetor tangente a S em p em coordenadas relativamente a uma base
ortonormal de direções principais
Se K(p) > 0, então o sinal das correspondentes curvaturas principais são iguais, o que implica
que a equação (3.8) não tem solução. Assim, podemos afirmar que não existem direções
3.1. A APLICAÇÃO DE GAUSS. 95
logo a equação (3.8) possui duas soluções linearmente dependentes. Podemos portanto afir-
mar que só existe uma direção assintótica em pontos de S onde a curvatura Gaussiana é
zero e a curvatura média é distinta de zero.
Finalmente, se K(p) = 0 e H(p) = 0, então κ1 (p) = 0 = κ2 (p) e portanto a equação (3.8) é
trivialmente satisfeita por toda direção w ∈ Tp S. Assim, podemos afirmar que toda direção
tangente a pontos onde as curvaturas Gaussiana e média são nulas é assintótica, como por
exemplo no plano (exemplo 3.1.1).
Dada uma superfície regular S e uma aplicação de Gauss em torno de um ponto p ∈ S, se
define a indicatriz de Dupin em p, que denotamos por IndDp , como o conjunto dos vetores
w ∈ Tp S tais que IIp (w) = ±1. Logo, os vetores do plano tangente que formam parte da
indicatriz de Dupin devem satisfazer a seguinte equação
1. Se K(p) > 0, então κ1 (p) e κ2 (p) têm o mesmo sinal pelas fórmulas (3.3). Podem
ocorrer duas possibilidades:
o que implica que o conjunto IndDp é uma elipse com semi-eixo maior a =
p p
1/ κ1 (p) e semi-eixo menor b = 1/ κ2 (p).
(b) Se κi (p) < 0, para i = 1, 2., então κ1 (p)w12 + κ2 (p)w22 = −1, ou equivalentemente
w12 w22
2 + 2 = 1,
√ 1 √ 1
−κ1 (p) −κ2 (p)
o que implica que o conjunto IndDp é de novo uma elipse, mas agora com semi-
p p
eixo maior a = 1/ −κ2 (p) e semi-eixo menor b = 1/ −κ1 (p).
2. Se K(p) < 0, então κ1 (p) e κ2 (p) têm sinais distintos pelas fórmulas (3.3) e portanto
κ1 (p) < 0 < κ2 (p). Logo a condição de Dupin κ1 (p)w12 + κ2 (p)w22 = ±1 é equivalente a
w22 w12
κ2 (p)w22 − (−κ1 (p))w12 = ±1 ⇐⇒ 2 − 2 = ±1,
√1 √ 1
κ2 (p) −κ1 (p)
o que implica que o conjunto IndDp está formado por duas hipérbolas com equações
Vemos que as direções das assíntotas às duas hipérbolas que formam o conjunto IndDp
em Tp S são direções assintóticas de S em p, ver figura 3.3. Com efeito, é tarefa simples
provar que as equações dessas retas, em termos das coordenadas do vetor w são
p
−κ1 (p)
w2 = ± p w1 . (3.10)
κ2 (p)
Só resta usar a definição 3.1.4 e o estudo prévio das soluções da equação 3.8 para con-
cluir que nos pontos onde a curvatura Gaussiana é negativa, as direções das assíntotas
das hipérbolas IndDp são as únicas direções assintóticas que admite Tp S.
3. Se K(p) = 0, então existe i ∈ {1, 2} tal que κi (p) = 0, o qual da lugar a duas
possibilidades essencialmente distintas:
3.1. A APLICAÇÃO DE GAUSS. 97
(a) κj (p) 6= 0, j 6= i ∈ {1, 2}. Suponha que κ1 (p) = 0 e κ2 (p) > 0, então w1 ∈ R e
κ2 (p)w22 = ±1, ou equivalentemente
!2
1
w2 = ± p ,
κ2 (p)
que é constante em p, o que implica que o conjunto IndDp é um par de retas pa-
ralelas na direção e1 , ou seja, são duas retas horizontais na base {e1 , e2 }. Observe
que tal direção é uma direção assintótica de S em p. Com efeito, se v ∈ Tp S é uma
direção assintótica nesse contexto, se v = (v1 , v2 ) relativamente à base {e1 , e2 },
então 0 = IIp (v) = κ2 (p)v22 , o que implica que v2 = 0 é também constante em p
e paralela às retas que formam IndDp . O caso κ1 (p) < 0 e κ2 (p) = 0 é análogo e
prova-se que IndDp está formado por duas retas paralelas na direção e2 , ou seja,
por duas retas verticais na base {e1 , e2 }. Em conclussão, nesse contexto podemos
afirmar que uma, e só uma, das direções principais da base {e1 , e2 } será direção
98 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
(b) Se κj (p) = 0, j 6= i ∈ {1, 2}, então a equação de Dupin não tem solução, o que
implica que o conjunto IndDp é vazio.
3.2. EXERCÍCIOS. 99
3.2 Exercícios.
1. Considere o parabolóide elíptico S = {(x, y, z) ∈ R3 : z = x2 + y 2 }. Estudar a segunda
forma fundamental no ponto p0 = (0, 0, 0) e calcular a curvatura de Gauss, a curvatura
média e as curvaturas principais de S em p0 .
2. Provar que uma superfície regular conexa e orientável cujas curvaturas de Gauss e
média são identicamente nulas deve ser um aberto de um plano.
(c) Use o anterior para deduzir que o elipsóide tem curvatura de Gauss positiva em
cada ponto.
NF (S) = A ◦ NS ◦ F −1 ,
e que
II
fF (p) (dFp (v)) = IIp (v),
A proposição 3.1.2 e o teorema 3.1.2 fornecem uma interessante interpretação dos valores
da segunda forma fundamental em termos da curvatura de uma seção normal em cada ponto
de uma superfície. Observe que uma seção normal Pv ∩ S é uma curva plana e que o
correspondente vetor normal no ponto p está contido no plano Pv . Como N (p) está também
nesse plano e N (p) ⊥ v, dado que n ⊥ v temos que n e N (p) estão na mesma direção, logo n
está contido na reta normal a S que passa pelo ponto p. Assim, e trocando a orientação de S
se fosse necessário, a proposição 3.1.2 nos permite afirmar que a segunda forma fundamental
102 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
curvatura Gaussiana no ponto e o sinal de IIp está controlado pelo determinante da sua
matriz associada. Assim, quando a curvatura de Gauss é positiva em um ponto p ∈ S,
então IIp deve ser positiva ou negativa definida, e provaremos neste capítulo que existe uma
vizinhança em S de um ponto p nessas condições cujos pontos encontram-se de um mesmo
lado do correspondente plano tangente (teorema 3.3.2), igual que acontece nos elipsóides
(exemplo 2.1.5). É por causa disso que os pontos de uma superfície cuja curvatura de Gauss
é positiva são chamados de pontos elípticos. Em resumo, podemos afirmar que:
«Em um ponto elíptico de uma superfície, todas as secções normais ficam, local-
3.3. O SINAL DA CURVATURA GAUSSIANA. 103
É por causa disso que um ponto de S tal que κ1 (p) = κ2 (p) é chamado de ponto umbílico.
A superfície pode-se enxergar igualmente curvada em qualquer direção desde um ponto
umbílico. Observe que em cada ponto umbílico de S, existe uma base de direções principais
de maneira que a diferencial da aplicação de Gauss é uma homotetia do plano tangente Tp S,
ou seja, que
dNp (w) = κp w, ∀w ∈ Tp S,
sendo κp = κ1 (p) = κ2 (p), o que implica que, nesses pontos, a segunda forma fundamental é
proporcional à primeira forma fundamental. É claro da definição que os pontos hiperbólicos
e os pontos parabólicos não podem ser umbílicos.
Uma superfície é dita totalmente umbílica se todo ponto dela é um ponto umbílico. Se todo
ponto de uma superfície é umbílico, então existe uma função λ : U −→ R tal que
Lema 3.3.1. Seja S uma superfície conexa tal que cada um dos seus pontos tem uma vizi-
nhança aberta contida em um plano ou em uma esfera, então S está contida em um plano
ou em uma esfera.
3.3. O SINAL DA CURVATURA GAUSSIANA. 105
(N ◦ X)u = λXu ,
(3.11)
(N ◦ X)v = λXv ,
que é uma função diferenciável, pois E nunca se anula em U . Assim, podemos derivar as
igualdades (3.11) e temos que
(N ◦ X)uv = λv Xu + λXuv ,
(N ◦ X)vu = λu Xv + λXvu ,
o que implica que λv Xu = λu Xv pelo teorema de Schwarz. Temos então uma combinação
linear dos vetores linearmente independentes Xu e Xv igualada a zero, o que significa que
λu ≡ 0 e λv ≡ 0 e portanto, dado que U é conexo, a função λ é constante pelo teorema
fundamental do cálculo e
dNX(u,v) = λ · idTX(u,v) S ,
pelas igualdades (3.11). Logo a função hX(u, v), N i é constante em U . Observando o exemplo
2.1.1, se X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)) e N = (A, B, C), então existe um número real D
tal quehX(u, v), N i = Ax(u, v) + By(u, v) + Cz(u, v) = D para todo (u, v) ∈ U . Portanto,
X(U ) está totalmente contido no plano N ⊥ e como S é conexa, então S está contida em um
plano pelo lema 3.3.1, como queríamos provar.
Se λ 6= 0, de novo pelas igualdades (3.11) temos que
1 1
Xu − (N ◦ X)u = (X − (N ◦ X))u = 0,
λ λ (3.12)
1 1
Xv − (N ◦ X)v = (X − (N ◦ X))v = 0,
λ λ
o que implica que existe um vetor constante p0 ∈ R3 tal que X − λ1 (N ◦ X) = p0 em U , por
tanto
1 1
|X − p0 | = | (N ◦ X)| = ,
λ λ
em U , por tanto X(U ) está totalmente contido na esfera de centro p0 e raio 1/λ. Como S é
conexa, então S está contida em uma esfera pelo lema 3.3.1, o que conclui a demonstração.
Observação 3.3.1. Observe que, se S fosse não conexa, então o teorema acima pode-se aplicar
a cada uma das componentes conexas de S.
3.3. O SINAL DA CURVATURA GAUSSIANA. 107
d2
d2 fp (w) = (f ◦ αw )(t), ∀w ∈ Tp S,
dt2 |t=0
onde αw : (−, ) −→ S é uma curva sobre a superfície tal que α(0) = p e α0 (0) = w para
cada w ∈ Tp S.
Por outro lado, pela regra da cadeia (teorema 2.5.1) podemos afirmar que
(f ◦ X)u (q) = d(f ◦ X)q (e1 ) = dfX(q) (dXq (e1 )) = dfp (Xu ) = 0,
(f ◦ X)v (q) = d(f ◦ X)q (e2 ) = dfX(q) (dXq (e2 )) = dfp (Xv ) = 0,
108 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
pois p é crítico de f , ver observação 2.1.1. Portanto, usando o teorema de Schwarz podemos
afirmar que
(f ◦ αw )00 (0) = (f ◦ X)uu (q)(u0 (0))2 + 2(f ◦ X)uv (q)u0 (0)v 0 (0) + (f ◦ X)vv (q)(v 0 (0))2 , (3.13)
o que implica que a definição de d2 fp é uma boa definição, pois basta observar que (u0 (0), v 0 (0)) =
β 0 (0) = dXp−1 (w) independe da curva αw .
O item 1 está provado, pois (3.13) corresponde-se a uma forma quadrática de Tp S em R com
matriz associada !
2 (f ◦ X)uu (q) (f ◦ X)uv (q)
d fX(q) = .
(f ◦ X)uv (q) (f ◦ X)vv (q)
Para provar o item 2, se p é um extremo de f , então a função (f ◦ α) possui um extremo
em t = 0 (ver definição na seção 2.5). Logo d2 fp (w) = (f ◦ α)00 (0) ≤ 0 se p é um máximo ou
d2 fp (w) = (f ◦ α)00 (0) ≥ 0 se p é um mínimo, o que implica que a matriz d2 fp é semi-definida.
Para provar o item 3, basta olhar para os cálculos feitos no início da demonstração. Se d2 fp é
negativa definida (resp. positiva definida) no ponto crítico p, então q é ponto crítico da função
f ◦ X : U ⊂ R2 −→ R cuja matriz hessiana associada é negativa definida (resp. positiva
definida). Podemos concluir a prova usando o correspondente resultado para funções do
cálculo e, de novo, a definição de extremo em uma função real definida sobre uma superfície
regular.
Seja h : S −→ R a função altura, ver exemplo 2.3.3 respeito de um plano que passa por
um ponto p0 que tem campo normal unitário constante a ∈ R3 . Se p é um ponto crítico de
h, pelo exemplo 2.5.6 temos que a ⊥ Tp S e portanto podemos supor que N (p) = a para uma
certa aplicação de Gauss local N . Se w ∈ Tp S e α é uma curva em S tal que α(0) = p e
α0 (0) = w, então
d2
d2 hp (w) = (h ◦ α)00 (0) = hα(t) − p0 , ai = hα00 (0), N (p)i.
dt2 |t=0
Logo d2 hp (w) = IIp (w) pela proposição 3.1.2. Note que todo ponto p ∈ S é crítico para a
função altura respeito do correspondente plano tangente. Acabamos de provar o seguinte
resultado.
1. Se p é elíptico (K(p) > 0), existe uma vizinhança de p em S que fica de um mesmo
lado do plano tangente Tp S. Além disso, p é o único ponto de contato dessa vizinhança
com Tp S.
p0 = p + λN (p).
d2 d
d2 gp (w) = 2
|α(t) − p 0 |2
= (2hα0 (t), α(t) − p0 i)
dt |t=0 dt |t=0
= 2 (hα00 (0), α(0) − p0 i) + 2 (hα0 (0), α0 (0)i)
= −2λ (hα00 (0), N (p)i) + 2|w|2
Usando de novo a proposição 3.1.2 temos a seguinte expressão para a diferencial da função
distância ao quadrado em termos da segunda forma fundamental da superfície em um ponto
crítico p da mesma
d2 gp (w) = 2 |w|2 − λIIp (w) .
3.4 Exercícios
1. Suponha que uma superfície S e um plano Π são tangentes ao longo de uma curva
regular. Prove que todos os pontos de S ∩ Π são parabólicos ou planares.
2. Se uma superfície S contem uma reta, prove que todos os pontos dessa reta possuem
curvatura Gaussiana não-positiva.
3. Prove que não existem superfícies compactas com curvatura de Gauss negativa em
todo ponto.
5. Prove que não existem superfícies compactas com curvatura de Gauss não positiva em
todo ponto.
3.5. CONTINUIDADE DAS CURVATURAS. 111
Vimos na seção 3.1 que os vetores Nu e Nv são tangentes à superfície em cada ponto, logo
existem funções diferenciáveis aij : U −→ R, i, j = 1, 2, tais que
Nu = a11 Xu + a12 Xv ,
(3.15)
Nv = a21 Xu + a22 Xv .
Então
dNp (v) = (a11 u0 + a21 v 0 )Xu + (a12 u0 + a22 v 0 )Xv . (3.16)
Logo a aplicação dNp em coordenadas relativamente à base {Xu , Xv } pode-se expressar como
! !
0 0 a11 a21 u0
dNp (u , v ) = · .
a12 a22 v0
Pela igualdade (3.14), é um simples cálculo conferir que a segunda forma fundamental de S
em p pode ser representada em coordenadas na base {Xu , Xv }. Com efeito, pela definição
112 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
e portanto
onde foi usado o teorema de schwarz na segunda igualdade. Se denotamos por e = IIp (Xu ) =
hN, Xuu i, f = hN, Xuv i e g = IIp (Xv ) = hN, Xvv i, é immediato que as funções e, f e g são
diferenciáveis e tais que
1 1
e = hN, Xuu i = hXu ∧ Xv , Xuu i = det(Xu ; Xv ; Xuu ),
|Xu ∧ Xv | |Xu ∧ Xv |
1 1
f = hN, Xuv i = hXu ∧ Xv , Xuv i = det(Xu ; Xv ; Xuv ), (3.18)
|Xu ∧ Xv | |Xu ∧ Xv |
1 1
g = hN, Xvv i = hXu ∧ Xv , Xvv i = det(Xu ; Xv ; Xvv ),
|Xu ∧ Xv | |Xu ∧ Xv |
onde det(a; b; c) denota o produto mixto ha ∧ b, ci, que pode-se calcular como o determinante
da matriz quadrada formada pelos vetores coluna a, b e c de R3 .
Usando as igualdades (3.15), podemos expressar os coeficientes e, f e g, que são chamados
de coeficientes da segunda forma fundamental de S em p, em função dos coeficientes da
3.5. CONTINUIDADE DAS CURVATURAS. 113
onde foi usado que EG − F 2 = |Xu ∧ Xv |2 6= 0. Daí decorrem as expressões dos coeficientes
de dNp na base {Xu , Xv }:
f F − eG eF − f E gF − f G f F − gE
a11 = 2
, a12 = 2
, a21 = 2
, a22 = , (3.21)
EG − F EG − F EG − F EG − F 2
chamadas de equações de Weingarten. Se substituímos essas equações nas correspondentes
expressões em termos dos coeficientes da primeira e da segunda formas fundamentais, após
um cálculo simples é possível dar uma expressão das curvaturas K e H no ponto p em um
sistema de coordenadas locais
eg − f 2 1 1 eG − 2f F + gE
K(p) = det(−dNp ) = e H(p) = tr(−dNp ) = , (3.22)
EG − F 2 2 2 EG − F 2
donde podemos concluir que K e H são funções diferenciáveis de U ⊂ R2 em X(U ) ⊂ S, para
cada parametrização local X : U −→ R3 de S. Logo podemos concluir que as curvaturas de
Gauss e média são funções diferenciáveis na superfície e, mesmo seja um abuso de notação,
em diante as denotaremos assim:
o qual facilita em grande medida o estudo das funções geométricas associadas às superfícies.
Na seção 3.1, vimos que as curvaturas principais podem-se representar em termos de K e H
p
pela igualdade (3.4), isto é κi (p) = H(p) ± H 2 (p) − K(p), para i = 1, 2, pois são as raízes
reias da equação característica
0 = dNp − λI2 , (3.23)
cobre totalmente o parabolóide elíptico S, ver exemplo 2.1.8. Em primeiro lugar, calculamos
3.5. CONTINUIDADE DAS CURVATURAS. 115
Xu (u, v) = (1, 0, u) ,
Xv (u, v) = (0, 1, v) ,
Xuu (u, v) = (0, 0, 1) ,
Xuv (u, v) = (0, 0, 0) ,
Xvv (u, v) = (0, 0, 1) ,
Xu ∧ Xv = (−u, −v, 1).
Assim, usando as fórmulas (2.6) e (3.18), podemos expressar explicitamente as funções coe-
ficientes da primeira e da segunda formas fundamentais de S em cada ponto p = X(u, v):
Observe que todo ponto do parabolóide elíptico é mesmo um ponto elíptico, pois K(p) > 0
para todo p ∈ S.
logo
X(u, v) = ((rCos(u) + R)Cos(v), (rCos(u) + R)Sin(v), rSin(u)) , 0 < u < 2π, 0 < v < 2π,
que cobre o toro T em quase todo ponto como já vimos no exemplo 2.1.9. No exemplo 2.7.8
já foram calculamos os coeficientes da primeira forma fundamental:
E = r2 ,
F = 0,
G = (rCos(u) + R)2 .
Calculamos agora os coeficientes da segunda forma fundamental. Para isso precisamos das
derivadas parciais de X primeiras e segundas:
logo
e(u, v) = r; f (u, v) = 0; g(u, v) = Cos(u)(rCos(u) + R);
e portanto
Cos(u) R
K(u, v) = e H(u, v) = Cos(u) + .
r(rCos(u) + R) 2r
3.5. CONTINUIDADE DAS CURVATURAS. 117
Observe que o sinal de K(p) depende só do sinal de Cos(u), pois rCos(u) + R ≥ −r + R > 0,
logo podemos classificar os pontos do toro segundo o sinal da curvatura Gaussiana em cada
um deles. Nos paralelos X(π/2, v) e X(3π/2, v), para todo 0 < v < π/2, tem-se que K(p) = 0
e que H(p) = R/2r 6= 0, logo os pontos desses paralelos são todos parabólicos. Além disso, se
π/2 < u < 3π/2, os pontos p = X(u, v) são tais que K(p) < 0, logo são pontos hiperbólicos.
Finalmente, se 0 < u < π/2 ou 3π/2 < u < 2π, então os pontos p = X(u, v) são elípticos,
pois K(p) > 0 neles.
Para qualquer superfície S, já provamos no teorema 3.3.2 que existe uma vizinhança em
S em torno de cada ponto elíptico p de uma superfície de maneira que a vizinhança fica
totalmente de um único lado do correspondente plano tangente sendo p o único ponto de
contacto entre a vizinhança e o plano; também provamos que toda vizinhança em S em
torno de um ponto hiperbólico possui pontos de ambos lados do mencionado plano. Em geral
não podemos dar uma afirmação desse estilo para vizinhanças de pontos parabólicos nem
planares como veremos nos seguintes exemplos.
Em primeiro lugar, se visamos para os pontos parabólicos de uma superfície, no exemplo
anterior provamos que os pontos dos paralelos u = π/2 e u = 3π/2 do toro são todos
parabólicos e pode-se apreciar que T fica totalmente de um lado do correspondente plano
tangente, o qual é comum a todos esses pontos, figura 3.9. Observe que o plano tangente aos
pontos do meridiano superior, compartilha todo o mencionado meridiano com a superfície.
Mais outro exemplo parecido com o toro é o caso do cilindro; no exemplo 3.1.4 vemos que
todo ponto do cilindro circular reto é parabólico e a superfície sempre vai ficar de um mesmo
118 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
lado do plano tangente a cada ponto, os quais compartilham a reta vertical que passa pelo
ponto.
Vemos no seguinte exemplo que existem superfícies que possuem pontos parabólicos cujas
Então
Xu (u, v) = −3u2 Cos(v), 1, −3u2 Sin(v) ,
logo
6u −6u(1 − u3 ) − (1 + 9u4 )
K(u, v) = , e H(u, v) = , ∀p ∈ S.
(1 − u )(1 + 9u4 )2
3 2(1 − u3 )(1 + 9u4 )3/2
Considere o meridiano M = {X(0, v) ∈ S : 0 < v < 2π}, então K(p) = 0 e H(p) = −1/2 6=
0, para cada p ∈ M , logo o conjunto M está formado totalmente por pontos parabólicos e
pode-se apreciar que, em cada vizinhança de cada p ∈ M , existem pontos da superfície de
ambos lados do correspondente plano tangente (figura 3.11).
Em segundo lugar nos focamos nos pontos planares das superfícies. No exemplo 3.1.1
podemos ver que todos os pontos do plano são planares, e sabemos pelo exemplo 2.5.2 que
todo plano coincide com o seu plano tangente em todo ponto. Logo, no caso do plano, todos
os pontos planares estão contidos no próprio plano tangente à superfície em cada ponto.
No seguintes exemplos, vemos que existem superfícies que possuem pontos planares para os
quais existem vizinhanças nas outras duas situações possíveis.
Exemplo 3.5.5. Considere a superfície de revolução S obtida pela rotação em torno do eixo
vertical da curva z = y 4 contida no plano Oyz. Seja U = R+ × (0, 2π) um aberto de R2 e
X : U −→ R3 uma parametrização local da superfície S dada por
Observe que S = X(U ) ∪ {(0, 0, 0)}. Calculamos as derivadas parciais primeiras e segundas
de X e temos que
logo
então
Xu (u, v) = 1, 0, 3(u2 − v 2 ) ,
logo
É mesmo interessante ter uma expressão em coordenadas locais da segunda forma fun-
damental de uma superfície regular em um ponto, pois permite aplicar o cálculo diferencial
ao estudo dos conceitos geométricos relacionados com a diferencial da aplicação de Gauss, a
qual sempre pode-se definir localmente em S e globalmente quando a superfície é orientável.
Vamos aplicar a igualdade (3.17) no estudo das equações diferenciais associadas às linhas de
curvatura e às linhas assintóticas de uma superfície em cada um dos seus pontos, pois elas
fornecem importantes informações geométricas de S.
A definição 3.1.1 diz-nos que uma curva regular α : I −→ S em S é uma linha de
curvatura se cada direção tangente α0 (t) é uma direção principal no ponto α(t), ∀t ∈ I. O
teorema 3.1.1 de Olinde-Rodrigues caracteriza esse fato pela existência de uma função real
122 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
a qual é conhecida como a equação diferencial das linhas de curvatura de S. A fins de facilitar
sua aprendizagem, a equação (3.24) pode-se expressar em forma de matriz e desconsiderando
a dependência da variável t, ou seja
(v 0 )2 −u0 v 0 (u0 )2
E F G = 0. (3.25)
e f g
3.5. CONTINUIDADE DAS CURVATURAS. 123
eG − gE = 0.
Demonstração. Se as curvas coordenadas α(t) = X(u(t), v) e β(t) = X(u, v(t)) são linhas
de curvatura, então Xu e Xv são direções principais de S em p, o que implica que F = 0,
pois é sabido da teoria do álgebra linear, que autovetores associados a autovalores distintos
de um endomorfismo auto-adjunto são sempre ortogonais ([9, pág.217]). Aliás,
−f = hNu , Xv i = λhXu , Xv i = 0,
A equação 3.26 é chamada de equação diferencial das linhas assintóticas. Como já vimos na
seção 3.3, são os pontos hiperbólicos de uma superfície os únicos que admitem duas direções
assintóticas. Podemos dar uma condição necessária e suficiente para que as curvas coorde-
nadas de uma parametrização em torno de um ponto hiperbólico sejam linhas assintóticas
do correspondente plano tangente.
As curvas coordenadas do helicóide, ver exemplo 3.5.2, são linhas assintóticas pela pro-
posição 3.5.2. Na seção 3.3 foi provada uma propriedade muito interessante da segunda
forma fundamental, que a relaciona com o hessiano de uma função altura e tem interessantes
consequências sobre a geometria e a topologia das superfícies, algumas das quais ja foram
estudadas no teroema 3.3.2. Em particular, provamos na proposição 3.3.1 que a segunda
forma fundamental de uma superfície em um ponto é igual ao hessiano da função altura
relativamente a um plano paralelo ao plano tangente à superfície no ponto.
parametrizada por
X(u, v) = (u, v, h(u, v)), ∀(u, v) ∈ U,
Xu (u, v) = (1, 0, hu ) ,
Xv (u, v) = (0, 1, hv ) ,
Xuu (u, v) = (0, 0, huu ) ,
Xuv (u, v) = (0, 0, huv ) ,
Xvv (u, v) = (0, 0, hvv ) ,
Xu ∧ Xv = (−hu , −hv , 1) .
Portanto:
logo
Na proposição 2.1.1 provamos que as superfícies são localmente gráficos de funções di-
ferenciáveis e na proposição 3.3.1, que a segunda forma fundamental de S em p é igual ao
hessiano da função altura h de S ao plano tangente Tp S. Usamos essas informações para
dar uma interpretação geométrica da indicatriz de Dupin em p ∈ S. Dado um ponto p de
uma superfície S, considere um aberto U ⊂ R2 e parâmetros locais X : U −→ S dupla-
mente ortogonais em p de maneira que X(U ) é o gráfico de uma certa função diferenciável
h : U −→ R, ou seja
X(u, v) = (u, v, h(u, v)), ∀(u, v) ∈ U.
dos pontos X(U ) ⊂ S em relação a esse plano tangente, ver figura 3.14. Isso implica que
p = (0, 0, 0) relativamente à base {e1 , e2 , N (p)} de R3 e que
Por outro lado E(0, 0) = 1, G(0, 0) = 1, huv (0, 0) = 0, e(0, 0) = huu (0, 0), g(0, 0) = hvv (0, 0),
pelo exemplo 3.5.8, o que implica que κ1 (p) = huu (0, 0) e κ2 (p) = hvv (0, 0) pela observação
3.5.1. Podemos agora dar uma expressão do desenvolvimento de Taylor de h(u, v) em (0, 0)
em termos das curvaturas principais de S em p:
1 1
h(u, v) = κ1 (p)u2 + κ2 (p)v 2 + R(u, v), ∀(u, v) ∈ U,
2 2
onde
R(u, v)
lim = 0.
(u,v)→(0,0) u2 + v 2
Seja > 0 suficientemente pequeno de maneira que a curva
C = {(u, v) ∈ U ⊂ Tp S : h(u, v) = }
κ1 (p)ũ2 + κ2 (p)ṽ 2 = 1,
128 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
Podemos calcular explicitamente os valores ϕ00α (0) e ϕ00β (0) derivando duas vezes a partir das
correspondentes definições, chegando às seguintes igualdades:
Teorema 3.5.1 (Jellett, 1853). Uma superfície compacta e conexa com curvatura de Gauss
positiva em cada ponto e com curvatura média constante é uma esfera.
Demonstração. Seja c ∈ R tal que H(p) = c, para todo p ∈ S, então c 6= 0. Com efeito, se
c = 0, então as curvaturas principais têm distinto sinal, o que contradiz a hipótese sobre K.
A orientabilidade de S está garantida pelo teorema 3.7.4. Considere então uma orientação
sobre S e as correspondentes funções κ1 ≤ κ2 , as quais são contínuas no compacto S e
portanto atingem seus extremos globais em S. Assim, existe p0 ∈ S tal que κ1 atinge seu
mínimo global nele e pela definição de H, temos que κ2 (p) = 2H(p) − κ1 (p) para cada p ∈ S,
em particular
κ2 (p0 ) = 2c − κ1 (p0 ) ≥ 2c − κ1 (p) = κ2 (p), ∀p ∈ S,
logo κ2 atinge seu máximo global no mesmo ponto p0 . Como K(p0 ) > 0 pela hipótese, então
p0 é um ponto umbílico pelo lema 3.5.1 de Hilbert. Para finalizar, usando que p0 é umbílico,
temos que
κ2 (p) ≤ κ2 (p0 ) = κ1 (p0 ) ≤ κ1 (p),
Teorema 3.5.2 (Liebmann, 1899). As únicas superfícies compactas e conexas com curvatura
de Gauss constante são as esferas.
Demonstração. Seja c ∈ R tal que K(p) = c para todo p ∈ S. Dado p ∈ S, pela continuidade
da função distância ao quadrado a S e a compacidade de S, existe q ∈ R3 tal que p é seu
máximo local, logo p é elíptico pelo exercício 4 da seção 3.4, o que implica que K(p) = c > 0.
De novo, S é orientável pelo teorema de 3.7.4. Fixamos uma orientação em S e temos que
3.5. CONTINUIDADE DAS CURVATURAS. 131
logo κ2 atinge seu valor máximo em p0 . Como K(p0 ) = c > 0, então p0 é um ponto umbílico
pelo lema 3.5.1 de Hilbert e
c c c
κ2 (p) = ≤ = = κ1 (p0 ) ≤ κ1 (p),
κ1 (p) κ1 (p0 ) κ2 (p0 )
para todo p ∈ S, o que implica que S é totalmente umbílica e de curvatura Gaussiana
positiva, logo é uma esfera pelo teorema 3.3.1.
132 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
3.6 Exercícios.
1. Prove que toda superfície compacta e conexa com curvatura Gaussiana positiva e tal
que H/K é constante é uma esfera.
2. Prove que si uma superfície compacta e conexa tem curvatura Gaussiana positiva e
uma das suas curvaturas principais é constante, então é uma esfera.
para cada p ∈ R3 . Calcule uma expressão que relacione as segundas formas fundamen-
tais e as curvaturas de S e da superfície Φ(S).
Teorema 3.7.1 (Teorema da Função Implícita). Sejam uma superfície S e uma função
diferenciável f : S −→ R, p ∈ S e a ∈ R. Suponha que p não é ponto crítico de f e que
f (p) = a. Então, existe uma vizinhança aberta V de p em S, um número real > 0 e uma
curva diferenciável regular e injetiva α : (−, ) −→ R3 , a qual é um homeomorfismo sobre
sua imagem, tal que α(0) = p e f −1 ({a}) ∩ V = α(−, ).
É claro que g é diferenciável e que g(0, 0) = f (p) = a. Pela regra da cadeia, ver teorema
2.5.1, temos que
dg(0,0) = dfp ◦ dX(0,0) 6= 0,
pela injetividade de dX(0,0) e por que p não é crítico de f . Assim, podemos supor s.p.g. que
gv (0, 0) 6= 0 e usar sobre g o teorema da função implícita do cálculo para, assim, garantir a
existência de dois números reais positivos e δ e de uma função diferenciável h : (−, ) −→
(−δ, δ) tais que (−, ) × (−δ, δ) ⊂ U , h(0) = 0 e que
O teorema da função implícita para superfícies regulares ajuda-nós a entender como são,
localmente, os cortes transversais entre duas superfícies do espaço. Como consequência pode-
se provar que, em torno de cada um dos seus pontos, existe uma vizinhança dessa interseção
que é igual ao traço de uma curva regular sobre a superfície.
Corolário 3.7.2. A interseção entre duas superfícies transversas é igual a uma curva sim-
ples, a qual poderia possuir, eventualmente, distintas componentes conexas.
3.7. PROPRIEDADES DE SEPARAÇÃO. 135
Em segundo lugar, vemos a seguir que toda superfície satisfaz localmente a propriedade
de separação do espaço mencionada na introdução dessa seção.
Lema 3.7.1. Seja S uma superfície e p ∈ S um ponto arbitrário. Então, existe uma bola
aberta Bp ⊂ R3 com centro p tal que Bp ∩ S é conexo e Bp \ S tem exatamente duas
componentes conexas, cuja fronteira comum em Bp é o conjunto Bp ∩ S.
Demonstração. Pelo exercício 3 da seção 2.2, existe um aberto O ⊂ R3 tal que p ∈ O e uma
função diferenciável f : O −→ R tal que 0 é valor regular de f e O ∩ S = f −1 ({0}), o que
implica que dfp não é identicamente nula pela observação 2.1.1 e podemos supor s.p.g. que
fz (p) 6= 0. Considere a a função diferenciável G : O −→ R3 dada por
Se p = (p1 , p2 , p3 ), é claro que G(p) = (p1 , p2 , 0) e que dGp : R3 −→ R3 é não nula, podemos
usar o teorema da função inversa de R3 em G e afirmar que existe uma bola aberta Bp ⊂ O
de centro p e outra bola aberta B ⊂ R3 tal que a restrição G : Bp −→ B é um difeomorfismo.
Logo, Bp ∩S é uma vizinhança aberta de p em S difeomorfa a B∩Π, sendo Π o plano {z = 0},
ver figura 3.17. Em particular, a restrição de G é um homeomorfismo, por tanto preserva
a propriedade de separação que qualquer plano satisfaz no espaço Euclidiano e segue daí o
resultado.
136 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
Observação 3.7.1. Exprimindo o resultado prévio, podemos concluir que toda superfície
separa localmente o espaço em duas componentes conexas distintas e podemos assim falar
de um lado ou de outro lado de uma superfície nas proximidades de um dos seus pontos.
Definição 3.7.2. Sejam uma curva regular α : I −→ R3 com interseção não vazia com
uma superfície S, p ∈ α(I) ∩ S e s0 ∈ I tal que α(s0 ) = p. Dizemos que a curva α é
tangente a superfície S em p se α0 (s0 ) ∈ Tp S. Em caso contrário diz-se que α e S cortam-se
transversalmente em p.
Dizemos que uma curva simples C corta transversalmente uma superfície S se elas se cortam
transversalmente em cada ponto p ∈ S ∩ C.
Lema 3.7.2. Se uma superfície S e uma curva simples C se cortam transversalmente, então
S ∩ C é um subconjunto discreto (ou enumerável) de pontos de R3 . Aliás, existem pontos de
C de ambos lados de S em torno de cada p ∈ S ∩ C.
Note que, se uma reta C corta transversalmente a uma superfície compacta S, então o
conjunto S ∩ C é finito.
C = int(C) ∪ ∂C = int(C),
138 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
o que implicaria, pela conexão do espaço, que C seria igual a R3 e isso não é possível, pois
S 6= ∅. Se chamamos de C 0 à união das restantes componentes conexas de R3 \ S distintas
de C, temos que R3 \ S = C ∪ C 0 . Como C 0 é um aberto de R3 , então C ∪ S = R3 \ C 0 é um
fechado de R3 , logo C ⊂ C ∪ S e portanto o conjunto
∂C = C \ C ⊂ S
Bp ∩ S = ∂C1 ⊂ C1 ⊂ C,
Sejam R uma reta do espaço e {Rn }n∈N uma sequência de retas do espaço. Dizemos
que {Rn } converge a R se existem parametrizações afins αn , α : R −→ R3 de Rn e R,
respectivamente, tais que
lim αn (t) = α(t), ∀t ∈ R.
n→+∞
Proposição 3.7.2. Considere no espaço uma reta R e uma sequência de retas {Rn }n∈N .
Então:
lim pn = p e lim vn = v.
n→+∞ n→+∞
3.7. PROPRIEDADES DE SEPARAÇÃO. 139
4. Seja {pn } uma sequência de pontos de uma superfície S que converge a um ponto p ∈ S
e {Rn } uma sequência de retas que converge a uma reta R. Se cada Rn é tangente a
S em pn , então R é tangente a S em p.
Sejam uma superfície S e uma reta R de R3 com interseção não vazia. Dizemos que um
ponto p ∈ S ∩ R é um ponto de primeiro contato entre S e R se existe uma vizinhança V
de p em S e uma sequência de retas {Rn } convergente a R tais que V ∩ Rn = ∅, para todo
n ∈ N. Também dizemos que um ponto q ∈ S ∩ R é um ponto de interseção dupla de S e
R se existem duas sequências {pn }n∈N e {qn }n∈N em S convergentes a q tais que pn 6= qn ,
∀n ∈ N e a sequência de retas {Rn } que passam por pn e qn para cada n ∈ N converge a R.
No seguinte resultado damos uma condição suficiente de tangência entre uma reta R e uma
Figura 3.19: Ponto de primeiro contato. Figura 3.20: Ponto de interseção dupla.
Teorema 3.7.2 (Sard, 1942). Seja f : S1 −→ S2 uma aplicação diferenciável entre duas
superfícies. Então, o conjunto dos valores regulares de f é um subconjunto distinto do vazio
e denso na superfície S2 .
3.7. PROPRIEDADES DE SEPARAÇÃO. 141
Para ver uma prova desse resultado, pode consultar [10, Apend. 4.8]. É conveniente
observar que o teorema de Sard acima continua sendo válido se consideramos uma família
de aplicações diferenciáveis entre superfícies FN = {fn : Sn −→ S, n ∈ N }, para N um
subconjunto finito de N ou mesmo N = N, ou seja, o conjunto dos pontos de S que são
valores regulares simultaneamente a todas as funções da família FN é distinto do vazio e
denso em S.
Vemos a seguir algumas interessantes consequências do teorema 3.7.2 de Sard enunci-
ado acima relativamente a geometria das superfícies fechadas e compactas do espaço. Em
primeiro lugar estudamos as interseções transversas entre superfícies e retas. No exemplo
2.5.10, estudamos a diferencial da aplicação projeção central f : S −→ S2 dada por
p − p0
f (p) = ,
|p − p0 |
Proposição 3.7.4. Dada uma superfície S, desde todo ponto de R3 \ S pode-se traçar uma
semi-reta R+ que corta transversalmente à superfície S com direção arbitrariamente próxima
de uma dada direção. Aliás, R+ ∩ S é um subconjunto discreto de R3 ou finito se S é
compacta.
Proposição 3.7.5. Seja S uma superfície compacta e seja R+ uma semi-reta que sai de
algum ponto de R3 \ S e tal que corta transversalmente a S nos pontos {p1 , . . . , pk }. Então,
para toda sequência de semi-retas {Rn+ }n∈N com origem em pontos de R3 \ S que converge a
R+ existe N + ∈ N tal que Rn+ ∩ S = {pn1 , . . . , pnk }, para todo n ≥ N + .
Figura 3.21: Duas retas próximas cortam um compacto na mesma quantidade de pontos.
Se {Rn+ } satisfaz (1), considere a sequência {pn } formado pelos correspondentes pontos
de tangência das semi-retas {Rn+ } com S. Pela compacidade de S, existe uma sub-sequência
convergente de {pn } a um ponto p ∈ S. Pela propriedade 2 da proposição 3.7.2, temos que
p ∈ R+ e que R+ é tangente a S pela propriedade 4 da proposição 3.7.2, o que é absurdo.
Se {Rn+ } satisfaz (2), então toda sequência de pontos {pn : pn ∈ S ∩ R+ }n∈N tem uma
subsequência convergente a algum dos pontos p1 , . . . , pk de S ∩ R+ pela compacidade de S.
Se ](Rn+ ∩ S) > ](R+ ∩ S), então existem duas sequências distintas que convergem ao mesmo
ponto pi ∈ S ∩ R+ , i ∈ {1, . . . , k} pela propriedade 2 da proposição 3.7.2, o que implica que
pi é um ponto de interseção dupla e a semi-reta R+ é tangente a S pela proposição 3.7.3 e
isso contradiz de novo que R+ corta transversalmente a S.
Em terceiro lugar, se {Rn+ } satisfaz (3), como ](Rn+ ∩ S) < ](R+ ∩ S) deve existir um
ponto pj ∈ S ∩ R+ , j ∈ {1, . . . , k} que não é limite de nenhuma sequência de pontos
{pn : pn ∈ S ∩ R+ }n∈N , o que implica que pj é um ponto de primeiro contato entre S e R+ ,
logo a semi-reta R+ é tangente a S de novo pela proposição 3.7.3, levando a contradição.
Olhando para a definição 3.7.1 e para o exemplo 2.5.2, podemos dizer que um plano Π
corta transversalmente a uma superfície S em um ponto comum p se Π 6= Tp S, nesse caso
podemos dizer que Π e S são transversas em p. Dizemos que um plano e uma superfície
3.7. PROPRIEDADES DE SEPARAÇÃO. 143
com interseção não vazia cortam-se transversalmente se são transversas em cada um dos
seus pontos comuns. O seguinte resultado mostra como o teorema 3.7.2 de Sard ajuda-nós
a entender como são as interseções transversas entre superfícies e planos.
É sabido que o espaço R3 munido da topologia métrica usual é localmente conexo e satisfaz
o chamado segundo axioma de enumerabilidade, também chamado de ANII, isto é, que
a mencionada topologia do espaço possui uma base enumerável (consultar [8, Sec. 7.6]).
Como já foi comentado na seção 2.1, uma superfície S é um subespaço topológico de R3 , pois
os abertos de S são interseções de abertos de R3 com S, o que se conhece como topologia
induzida ou relativa em S.
que é valor regular de Nm , para todo m ∈ N. Assim, todo ponto de S cujo plano tangente
associado é perpendicular a w é ponto regular da correspondente aplicação de Gauss local,
e tais pontos formam um conjunto discreto de S, enumerável no máximo, pelo teorema da
função inversa. Em consequência, do conjunto dos planos perpendiculares ao vetor w, os
quais são arbitrariamente próximo de Π no sentido da proximidade dos correspondentes
vetores normais unitários, podemos escolher um plano Π0 que corta transversalmente a S,
ver figura 3.22.
conexa da curva C em uma circunferência sob essas condições; tal circunferência é igual ao
traço de uma curva parametrizada regular periódica que vai determinar um sentido de per-
curso nela, ou seja, uma orientação em cada componente conexa de C (é possível consultar
uma prova dessa afirmação em [10, Sec. 9.2]).
Demonstração. Supomha, em primeiro lugar, que a curva C é conexa. Assim, pela trans-
versalidade temos que C e L possuem uma quantidade finita de pontos comuns e, em cada
um deles, a curva C passa de uma componente conexa Oi , i ∈ {1, 2} de Π na outra. Se
3.7. PROPRIEDADES DE SEPARAÇÃO. 145
Ω = {p ∈ R3 \ S : n é um número impar}
(3.29)
Ω0 = {p ∈ R3 \ S : n é um número par}
Pela própria definição dos subconjuntos (3.29), é claro que R3 \ S = Ω ∪ Ω0 e que são abertos
de R3 \ S pelas proposições 3.7.4 e 3.7.5. Para concluir a demonstração, basta provar que Ω
e Ω0 são uma separação não trivial de R3 \ S. Com efeito:
1. Ω e Ω0 são distintos do vazio. Com efeito, como S é compacta existe uma bola B de
R3 tal que S ⊂ B e existem semi-retas que não cortam B e portanto não cortam S,
logo Ω0 6= ∅. Além disso e também pela compacidade de S, se p ∈ S é ponto crítico
para alguma função altura relativamente a um certo plano Π, então é fácil encontrar
uma semi-reta R+ saindo de algum ponto p0 ∈ R3 \ S que corta S apenas em p, ver
figuras 3.24 e 3.25.
Demonstração. Sabemos que R3 \ S tem no máximo duas componentes conexas pela propo-
sição 3.7.1. Aliás, R3 \ S não é conexo pela proposição 3.7.7. Segue daí o resultado.
O teorema acima afirma que toda superfície compacta determina exatamente duas com-
ponentes conexas no seu complemento em R3 e tais subconjuntos abertos não triviais são os
conjuntos Ω e Ω0 definidos na demonstração da proposição 3.7.7. Desde o ponto de vista
topológico, já comentamos que toda superfície do espaço é um sub-espaço topológico de R3
munido da topologia métrica usual, o qual implica que toda superfície compacta do espaço
é um subconjunto limitado de R3 , ver [8, Cap. 8]. Assim, pela construção, temos que o do-
mínio Ω é limitado e o domínio Ω0 não é limitado, os quais podem ser chamados de domínio
interior e domínio exterior delimitado pela superfície compacta, respectivamente.
Visando a demonstração da proposição 3.7.7 e o teorema 3.7.3 de Jordan-Brower, é pos-
sível estabelecer um critério geométrico pelo qual determinar qual domínio determinado por
uma superfície compacta S contem um dado ponto de R3 \ S. Tal discussão pode ser resol-
vida só contando o número de pontos comuns entre uma semi-reta que sai do ponto e corta
S transversalmente: se esse número é impar, o ponto está no domínio interior determinado
por S; em caso contrário, esse ponto está no domínio exterior determinado por S.
3.7. PROPRIEDADES DE SEPARAÇÃO. 147
Demonstração. Basta provar o teorema para cada componente conexa de S, logo podemos
supor s.p.g. que S é compacta e conexa.
Estamos nas condições do teorema 3.7.3 de Jordan-Brower, então R3 \ S possui exa-
tamente duas componentes conexas com fronteira comum S e podemos denotar por Ω ao
domínio interior delimitado por S. Sejam p ∈ S e v ∈ R3 um vetor unitário e normal a S em
p, dizemos que o vetor v aponta ao interior de S se existe uma vizinhança V de p contida na
semi-reta com origem em p na direção de v tal que V ⊂ Ω. Se chamamos de P à propriedade
«apontar ao interior de S», basta provar que P está nas condições da proposição 2.9.1 para
poder concluir que S é orientável.
Vamos então considerar uma aplicação α : I −→ R3 que parametriza a reta que passa
pelo ponto p na direção do vetor v. Tal reta pode ser expressada explicitamente da seguinte
maneira
α(t) = p + tv, ∀t ∈ I.
Como α0 (0) = v ∈
/ Tp S, então o traço de α corta transversalmente à superfície S pela
definição 3.7.2, assim que pode-se aplicar o lema 3.7.2 e garantir que existe > 0 tal que
α(−, ) ∩ S = {p} e α(−, ) possui pontos de ambos lados de S. Afirmamos então que
α(−, 0) ⊂ Ω ou que α(0, ) ⊂ Ω, o que implica que v ou −v satisfazem a propriedade P e
que não pode ser satisfeita simultaneamente por esses dois vetores. Além disso, pelo lema
2.9.1 existe uma vizinhança coordenada de p em S sobre a qual pode-se definir um campo
diferenciável de vetores normais N tal que N (p) = v.
Para finalizar a prova, tome uma vizinhança W de p em S contida no aberto Bp ∩ S, sendo
Bp a vizinhança de p em R3 dada pelo lema 3.7.1. Se consideramos sobre W uma orientação
apropriada de entre as duas possíveis, ver lema 2.9.2, podemos afirmar pelo visto acima que
os vetores N (q) satisfazem a propriedade P, para todo q ∈ W , então S é orientável.
148 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
Exemplo 3.7.1. Do teorema acima e do exemplo 2.9.6, podemos deduzir facilmente que a
faixa de Möbius não é uma superfície compacta.
3.8. EXERCÍCIOS. 149
3.8 Exercícios.
1. Dê uma prova rigorosa da proposição 3.7.2.
150 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
onde N é o campo normal unitário dado por (2.5) e o número > 0 é suficientemente
pequeno de maneira que X t (u, v) = ϕ(u, v, t) seja uma superfície parametrizada para cada
1
Tradução na língua portuguesa pelo autor.
3.9. SUPERFÍCIES MÍNIMAS. 151
t ∈ (−, ). Queremos analisar a função A(t) que mede a àrea da superfície X t em cada t
e, a fins de simplificar a notação, desconsideramos a dependência dos parâmetros u e v de
todas as aplicações envolvidas nos cálculos.
A partir das igualdades acima, podemos expressar os coeficientes da primeira forma funda-
mental de X t em termos dos coeficientes da primeira e da segunda formas fundamentais de
X:
onde H é a curvatura média de X, ver fórmula (3.22), e P (t) é a reunião de todos os somandos
que aparecem acima multiplicados por t2 e por t4 , o que implica que
P (t)
lim = 0.
t→0 t
Pela definição 2.7.2, a área da superfície X t pode ser calculada pela expressão
Z p Z √ q
A(t) = t t t 2
E G − (F ) dudv = EG − F 2 1 − 4thH + Pe(t)dudv,
R R
onde
P (t)
Pe(t) = .
EG − F 2
Se derivamos a função área, usando a regra de Leibniz de derivação sobe o sinal integral
tem-se que
Z √
0 −4hH + Pe0 (t)
A (t) = EG − F 2 q dudv.
R
2 1 − 4thH + P (t)
e
0
Z √
A (0) = −2hH EG − F 2 dudv. (3.30)
R
152 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
Definição 3.9.1. Uma superfície parametrizada regular é dita mínima se a sua curvatura
média é identicamente nula. Dizemos que uma superfície regular é mínima se cada uma das
suas parametrizações locais é uma superfície parametrizada mínima.
Assim, da proposição acima segue que qualquer região R de uma superfície mínima é
um ponto crítico do funcional de área A(t) definido na introdução do capítulo para qualquer
variação normal de X(R). Pode-se provar que, por considerações físicas, a película de sabão
resultante de introduzir e retirar com cuidado uma estrutura de arame em uma solução de
sabão é localmente uma superfície mínima em torno de cada ponto regular. Essa relação
entre as películas de sabão e as superfícies mínimas motivou, como disse o professor Pérez,
o conhecido problema de Plateau, que é formulado assim:
«Para cada curva fechada C do espaço existe uma superfície S de área mínima
cuja fronteira é a curva C.»
o que implica que as deformações normais de X(R) na direção do vetor curvatura média,
quando essa direção é não-degenerada, têm área inicialmente decrescente.
Observação 3.9.1. Uma superfície parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3 é dita isotér-
mica se E = G > 0 e F = 0 em U . Nesse caso, os parâmetros (u, v) são ditos parâmetros
isotérmicos. É sabido que tais parâmetros sempre existem localmente e que pode-se cobrir
qualquer superfície regular S por esse tipo de vizinhanças coordenadas, pode-se consultar
uma prova detalhada em [2].
hXuu , Xv i = −hXuv , Xu i,
(3.32)
hXuv , Xv i = −hXvv , Xu i,
154 CAPÍTULO 3. A SEGUNDA FORMA FUNDAMENTAL.
hXuu , Xu i = −hXvv , Xu i,
hXvv , Xv i = −hXuu , Xv i,
hXuu + Xvv , Xu i = 0,
hXuu + Xvv , Xv i = 0,
o que implica que o vetor Xuu + Xvv está na direção de N em U , isto é, existe uma função
µ : U −→ R tal que Xuu (q) + Xvv (q) = µ(q)N (q), para cada q ∈ U . Assim, podemos isolar
µ da igualdade anterior fazendo o produto interno da mesma por N (q) e temos que
a qual recebe o nome de equação de Laplace. É imediato provar, usando a proposição 3.9.2,
o seguinte resultado:
Corolário 3.9.1. Uma superfície parametrizada X é mínima se, e somente se, as funções
coordenadas de X são harmônicas.
É imediato provar que Xuu + Xvv ≡ 0, o que implica que X é mínima pelo corolário 3.9.1.
3.9. SUPERFÍCIES MÍNIMAS. 155
Observação 3.9.2. O catenóide é a única superfície de revolução que é mínima. Para uma
prova mais detalhada dessa afirmação pode consultar [4, Sec. 3.5].
u3 v3
2
X(u, v) = u − + uv , v − 2 2 2
+ vu , u − v , (u, v) ∈ R2 .
3 3
É de novo imediato provar que Xuu + Xvv ≡ 0, o que implica que X é mínima pelo corolário
3.9.1. Note que, a superfície minima de Enneper possui auto-interseções, o qual pode ser
facilmente provado transformando (u, v) em coordenadas polares de R2 , ou seja u = ρCos(θ)
e v = ρSin(θ) para ρ > 0 e 0 < θ < 2π, o que implica que não é uma superfície regular.
Para mais detalhes consulte [4].
pode-se provar que o traço de X é um helicóide (ver figura 2.26) e que Xuu + Xvv ≡ 0, pelo
qual o helicóide é uma superfície mínima pelo mesmo motivo que os exemplos anteriores.
Note que o helicóide, pela sua definição no exemplo 2.7.4, pertence também à família das
superfícies regradas de R3 para ω(t) = z(t) − α(t), sendo α uma parametrização da hélice e
a curva z : R −→ R3 dada por
Porém, as superfícies regradas não sempre serão superfícies regulares como o helicóide, pois
podem apresentar singularidades, como por exemplo o cone elíptico, o qual se define como o
conjunto
x2 y 2 z 2
C = {(x, y, z) ∈ R3 : + 2 − 2 = 0, a, b, c ∈ R∗ },
a2 b c
o qual apresenta um ponto singular no seu vértice. Ver figura 3.29.
Observação 3.9.3. O helicóide é a única superfície regrada não plana que é mínima. Para
maiores detalhes, consulte os comentários na página 18 de [13], logo após a prova do Lemma
3.9. SUPERFÍCIES MÍNIMAS. 157
3.10 Exercícios.
Livro do Manfredo, págs 249-255, exercícios 1, 2, 5, 9, 11, 12, 13 e 14.
Capítulo 4
159
160 CAPÍTULO 4. GEOMETRIA INTRÍNSECA DAS SUPERFÍCIES.
tre duas superfícies, diremos que tais superfícies são congruentes. Logo, podemos afirmar
que as superfícies congruentes possuem a mesma estrutura topológica e a mesma estrutura
diferenciável.
e como A ∈ O(3), então A preserva o produto interno usual de R3 como já foi observado no
início da seção 1.4.
Assim, pelo resultado acima, segue que a diferencial em cada ponto de uma congruência
f entre duas superfícies é uma isometria linear entre os correspondentes planos tangentes, ou
seja, uma aplicação linear que preserva o produto escalar de R3 e, em consequência, preserva
a primeira forma fundamental.
onde IIp e IIf0 (p) são as segundas formas fundamentais de S em p e de S 0 em f (p), respec-
tivamente.
Note que, como consequência do lema 4.1.3, a diferencial em cada ponto p de uma con-
gruência de superfícies preserva a segunda forma fundamental, e portanto preserva também
as funções curvatura Gaussiana K e curvatura média H de S. Logo, se K 0 e H 0 são as
correspondentes funções curvaturas de Gauss e média em S 0 , então K 0 ◦ f = K e H 0 ◦ f = H.
Assim, pode-se afirmar que duas superfícies congruentes possuem, além das mesmas estru-
turas topológica e diferenciável, as mesmas primeiras e segundas formas fundamentais, e
portanto a mesma geometria.
Em geral, diz-se que um difeomorfismo f : S −→ S 0 entre as superfícies S e S 0 preserva
a primeira forma fundamental se satisfaz a igualdade (4.1) e que preserva a segunda forma
fundamental se satisfaz a igualdade (4.2).
Definição 4.1.1. Dadas duas superfícies S e S 0 , dizemos que uma aplicação diferenciável
f : S −→ S 0 é uma isometria local se em cada ponto p ∈ S, a correspondente diferencial
dfp satisfaz a igualdade (4.1). Nesse caso, diz-se que as superfícies S e S 0 são localmente
isométricas.
Observação 4.1.1. As isometria locais podem-se caracterizar como aquelas aplicações dife-
renciáveis entre superfícies que preservam o comprimento de curvas. A prova é deixada para
o leitor, exercício 1 da seção 4.2.
Note que a família das congruências contêm à família das isometrias locais, basta aplicar
o lema 4.1.2. O passo natural a seguir, logo após essa afirmação, é determinar quais são as
condições que devem ser satisfeitas por uma isometria local para ela ser uma congruência de
superfícies. Em primeiro lugar vemos o seguinte exemplo:
curva representativa de p e w dada por α(t) = (x(t), y(t), 0). Pela definição 2.7.1, temos que:
d d
dfp (w) = (f ◦ α)(t) = (cos(x(t)), sin(x(t)), y(t))
dt |t=0 dt |t=0
= (x0 (0)cos(x(0)), x0 (0)sin(x(0)), y 0 (0)) = (w1 cos(x), w1 sin(x), w2 ).
logo f preserva a primeira forma fundamental e portanto é uma isometria local pela definição
4.1.1. Porém, f não é injetiva, pois
Observe que, do exemplo acima, podemos concluir que a família das isometrias locais
entre superfícies é uma sub-família própria da família das congruências, mas o fato de que a
aplicação f definida no exemplo acima não seja uma congruência não é suficiente para poder
concluir que o plano e o cilindro não são congruentes, pois é só um exemplo.
Existem várias maneiras de argumentar que um plano e um cilindro circular reto não
são congruentes. Por exemplo, nos exemplos 3.1.1 e 3.1.4 podemos observar que a segunda
forma fundamental não pode ser preservada, pois o cilindro tem curvatura média constante
distinta de 0 em todos seus pontos, e a curvatura média é um invariante da diferencial
da aplicação de Gauss local (sec. 3.1), pelo qual entraríamos em contradição com o lema
164 CAPÍTULO 4. GEOMETRIA INTRÍNSECA DAS SUPERFÍCIES.
4.1.3. Podemos dar também um argumento topológico, pois a existência de uma congruência
entre o plano e o cilindro implicaria a existência de um homeomorfismo entre essas duas
superfícies, o qual não pode ocorrer, pois o plano é simplesmente conexo e o cilindro não é,
portanto estaríamos contradizendo o fato de que a propriedade ser simplesmente conexo é
um invariante topológico.
O seguinte resultado fornece uma resposta à pergunta apresentada antes do exemplo
4.1.1 e estabelece as condições suficientes para uma isometria local ser a restrição de um
movimento rígido do espaço. Assumiremos esse resultado como verdadeiro, mas se o leitor
precisar de uma demonstração, pode-se consultar uma prova detalhada em [10, Sec. 7.2].
Observação 4.1.2. Note que, se f é uma isometria local, então f é um difeomorfismo local.
Com efeito, se v ∈ Tp S é tal que dfp (v) = 0, então
o que implica que v = 0 e portanto dfp é um isomorfismo pela proposição 2.5.1 e pela fórmula
das dimensões. Basta usar o teorema 2.5.2 da função inversa para poder concluir. Esse fato
e a observação 2.3.3 justificam a seguinte definição.
Naturalmente, toda isometria é uma isometria local e o exemplo 4.1.1 mostra que o recí-
proco é falso. Pode-se deduzir que toda congruência de superfícies é também uma isometria
em virtude dos lemas 4.1.1 e 4.1.2. Porém, o recíproco não é verdadeiro. De novo, o exemplo
4.1.1 deixa claro que não existe isometria que possa levar uma porção de plano em uma
porção de cilindro circular reto. Assim, podemos afirmar que a família das isometrias é uma
sub-família própria da família das congruências e que a família das isometrias locais é uma
sub-família própria da família das isometrias.
Observação 4.1.3. A propriedade de preservação que define uma isometria entre superfí-
cies do espaço implica imediatamente que também preserva a primeira forma fundamental.
4.1. CONGRUÊNCIAS, ISOMETRIAS E APLICAÇÕES CONFORMES. 165
Proposição 4.1.1. Sejam duas superfícies S e S 0 . Então existe uma isometria local entre
elas se, e somente se, para cada p ∈ S existem parametrizações locais X : U −→ V ⊂ S e
Y : U −→ V 0 ⊂ S 0 tais que E = E, e F = Fe e G = G, e sendo E, F e G os coeficientes da
primeira forma fundamental de S e E,e Fe e G
e os coeficientes da primeira forma fundamental
de S 0 .
Demonstração. Se existe tal isometria local, é claro da igualdade (4.1) que f preserva a
primeira forma fundamental.
Vemos a seguir que a afirmação recíproca é também satisfeita. Sejam p ∈ X(U ) ⊂ S, w ∈
Tp S e α : (−, ) −→ S uma curva representativa de p e w de maneira que α((−, )) ⊂ X(U ).
Chamamos de ϕ = Y ◦ X −1 : X(U ) ⊂ S −→ Y (U ) ⊂ S 0 , a qual é diferenciável.
166 CAPÍTULO 4. GEOMETRIA INTRÍNSECA DAS SUPERFÍCIES.
= w1 t1 E + (w1 t2 + w2 t1 )F + w2 t2 G
= hw1 Xu + w2 Xv , t1 Xu + t2 Xv ip
= hw, tip .
A definição 4.1.1 e a observação 4.1.3 estabelecem um critério para saber se uma dada
aplicação diferenciável entre duas superfícies é uma isometria local. O resultado anterior
permite justificar facilmente a existência de uma isometria local entre duas dadas superfí-
cies, embora que não fornece um método para obtermos explicitamente tal isometria local.
Voltando ao exemplo 4.1.1, podemos provar que o plano e o cilindro circular reto de raio
r = 1 são localmente isométricos sem necessidade de definir uma isometria local, apenas
tomando duas parametrizações como aquelas dadas nos exemplos 2.7.1 e 2.7.2, pois tem-se
que:
E = 1 = E,
e
F = 0 = Fe,
G = 1 = G.
e
fundamental é identicamente nula em ambos casos, ver exemplo 3.1.1, então f a preserva e
pode-se aplicar o teorema 4.1.1 fundamental da teoria de superfícies.
Exemplo 4.1.3. Duas esferas de igual raio r > 0 são congruentes.
Basta tomar coordenadas esféricas nas esferas Sr e Sr0 igual que no exemplo 2.1.4 e, repetindo
os cálculos realizados no exemplo 2.7.5, tem-se que
E = r2 = E,
e
F = 0 = Fe,
G = r2 Sin2 (θ) = G.
e
F = 0 = Fe,
G = cosh2 (v) = G.
e
Podemos deduzir que C e H são localmente isométricos pelo corolário 4.1.1. Por outro lado,
H é homeomorfo ao plano e C é homeomorfo ao cilindro, portanto não pode existir um
homeomorfismo entre C e H pelos comentários posteriores ao exemplo 4.1.1, o que implica
que não existe um difeomorfismo entre as duas superfícies nem, em particular, uma isometria.
A família das aplicações conformes locais contêm a família das isometrias locais, basta
tomar o fator conforme local λ ≡ 1 em cada vizinhança aberta de S. Naturalmente o
recíproco não é verdadeiro e portanto a família das aplicações conformes locais são uma
sub-família própria da família das isometrias locais. Apesar disso, algumas das propriedades
provadas antes para isometrias locais ainda são satisfeitas como veremos a seguir.
Observação 4.1.4. Por exemplo, se f é uma aplicação conforme local, então, repetindo o
cálculo feito na observação 4.1.2 e usando que o fator conforme local é distinto de zero ao
redor de cada ponto p ∈ S, pode-se provar que f é um difeomorfismo local em virtude da
proposição 2.5.1, da fórmula das dimensões e do teorema 2.5.2 da função inversa.
Aliás, as aplicações conformes locais podem-se caracterizar como aquelas aplicações dife-
renciáveis entre superfícies cuja diferencial associada em cada ponto preserva a medida dos
ângulos formado entre quaisquer dois vetores do correspondente plano tangente à superfície.
A prova é deixada para o leitor, exercício 14 da seção 4.2 de [4].
Proposição 4.1.2. Sejam duas superfícies S e S 0 . Então existe uma aplicação conforme
local entre elas se, e somente se, existem parametrizações locais X : U −→ V ⊂ S e
Y : U −→ V 0 ⊂ S 0 e existe uma aplicação diferenciável λ : V 0 −→ R+ tais que E
e = λ(q)E,
e = λ(q)G, para cada q ∈ V 0 , sendo E, F e G os coeficientes da primeira
Fe = λ(q)F e G
forma fundamental de S em V e E,
e Fe e G
e os coeficientes da primeira forma fundamental
de S 0 em V 0 .
Demonstração. Se existe tal aplicação conforme local, é claro de (4.3) que os coeficientes
das correspondentes primeiras formas fundamentais de S e S 0 satisfazem as igualdades do
enunciado.
A demonstração do recíproco é análoga à demonstração do recíproco na proposição 4.1.1.
Se consideramos a aplicação ϕ = Y ◦ X −1 : X(U ), temos que dϕp preserva as coordenadas
dos vetores tangentes S e S 0 nas correspondentes bases dadas pelas parametrizações X e Y .
Tomando vetores w, t ∈ Tp S arbitrários com coordenadas w = (w1 , w2 )B e t = (t1 , t2 )B .
4.1. CONGRUÊNCIAS, ISOMETRIAS E APLICAÇÕES CONFORMES. 169
Note que a propriedade ser localmente conforme é mesmo uma propriedade transitiva no
conjunto das superfícies regulares. Sejam S1 , S2 e S3 três superfícies regulares de maneira
que existem duas aplicações conformes locais ϕ12 : S1 −→ S2 e ϕ23 : S2 −→ S3 , vemos que
S1 é também localmente conforme a S3 . Com efeito, considere a aplicação ϕ13 : S1 −→ S3
dada por ϕ13 = ϕ23 ◦ ϕ12 , a qual é diferenciável. Aliás, dados p ∈ S1 e u, v ∈ Tp S1 arbitrários,
usando a regra da cadeia (teorema 2.5.1) tem-se que
hd(ϕ13 )p (u), d(ϕ13 )p (v)iϕ13 (p) = hd(ϕ23 ◦ ϕ12 )p (u), d(ϕ23 ◦ ϕ12 )p (v)i(ϕ23 ◦ϕ12 )(p)
= hd(ϕ23 )ϕ12 (p) (d(ϕ12 )p (u)), d(ϕ23 )ϕ12 (p) (d(ϕ12 )p (v))iϕ23 (ϕ12 (p))
= λ23 hd(ϕ12 )p (u), d(ϕ12 )p (v)iϕ12 (p)
= λ23 λ12 hu, vip .
ES = λ = λ · 1 = λEΠ ,
FS = 0 = λ · 0 = λFΠ ,
GS = λ = λ · 1 = λGΠ ,
o que implica que S e Π são localmente conformes. Esses fatos podem-se juntar e constituem
uma prova do seguinte resultado:
É fácil deduzir da definição acima que toda aplicação conforme é uma aplicação conforme
local e portanto preserva ângulos. A afirmação recíproca é falsa, pois não existe um difeo-
morfismo entre o plano e o cilindro circular reto, como já foi comentado antes do teorema
4.1.1.
4.2. EXERCÍCIOS. 171
4.2 Exercícios.
1. Seja f : S −→ S 0 uma aplicação diferenciável entre duas superfícies S e S 0 . Prove que
f é uma isometria local se, e somente se, f preserva o comprimento das curvas em S.
4. Prove que a composição de isometrias locais entre superfícies é uma isometria local e
que a inversa de uma isometria é também uma isometria. Conclua que o conjunto
5. Dê uma demonstração rigorosa de cada uma das propriedades de preservação das iso-
metrias listadas na observação 4.1.3.
As igualdades (4.4) são ditas equações de estrutura e as funções Γijk , i, j, k = 1, 2 são chamados
de símbolos de Christoffel. O seguinte passo é obtermos uma expressão de todas e cada uma
dessas funções em termos dos coeficientes da primeira e da segunda formas fundamentais.
Em primeiro lugar, as funções aij , i, j = 1, 2, já foram determinadas na seção 3.5, e seu
valor é dado pelas igualdades (3.21), chamadas de equações de Weingarten. Devemos por-
tanto determinar os coeficientes restantes. Em segundo lugar, usando o teorema de Schwarz
tem-se que
Γ112 = Γ121 ,
Γ212 = Γ221 (4.5)
L2 = L3 ,
logo podemos desconsiderar a terceira igualdade de (4.4) por causa dessa simetria. Em
terceiro lugar, multiplicando escalarmente por N as derivadas parciais segundas de X, ou
4.3. O TEOREMA EGREGIUM DE GAUSS. 173
L1 = e
L2 = f (4.6)
L4 = g.
Eu = 2hXuu , Xu i
Ev = 2hXuv , Xu i
Fu = hXuu , Xv i + hXuv , Xu i
(4.7)
Gu = 2hXuv , Xv i
Gv = 2hXvv , Xv i
Fv = hXuv , Xv i + hXvv , Xu i
1
Eu = Γ111 E + Γ211 F
2
1
Fu − Ev = Γ111 F + Γ211 G
2
1
Ev = Γ112 E + Γ212 F
2 (4.8)
1
Gu = Γ112 F + Γ212 G
2
1
Fv − Gu = Γ122 E + Γ222 F
2
1
Gv = Γ122 F + Γ222 G.
2
mental:
1 1 1
Γ111 = GEu − F Fu + F Ev
EG − F 2 2 2
1 1 1
Γ211 = − F Eu + EFu − EEv
EG − F 2 2 2
1 1 1
Γ112 = GEv − F Gu
EG − F 2 2 2
(4.9)
1 1 1
Γ212 = − F Ev + EGu
EG − F 2 2 2
1 1 1
Γ122 = GFv − GGu − F Gv
EG − F 2 2 2
1 1 1
Γ222 = −F Fv + F Gu + EGv .
EG − F 2 2 2
Substituindo essas funções em (4.9), temos que os símbolos de Christoffel associados a Π são
Γijk = 0, para cada i, j, k = 1, 2.
isso, substituimos as funções acima em (4.9) e fazendo alguns cálculos pode-se provar que
Γ111 = 0,
Γ211 = 0,
Γ112 = 0,
ϕ0
Γ212 = ,
ϕ
Γ122 = −ϕ · ϕ0 ,
Γ222 = 0.
Observação 4.3.1. Observamos das igualdades (4.9) que qualquer característica geométrica
das superfícies que possa ser expressada em coordenadas locais como uma função dos símbolos
de Christoffel, será invariante por isometrias locais em virtude do corolário 4.1.1. Essa
observação é mesmo importante para entender o teorema demonstrado por Gauss no seu
livro titulado Disquisitiones Arithmeticae do ano 1798.
Demonstração. Pelo teorema de Schwarz, temos que Xuuv = Xuvu . Das equações de estrutura
(4.4), tomamos a componente na direção do vetor Xv dos vetores Xuuv e Xuvu e temos que
Γ111 Γ212 + (Γ211 )v + Γ211 Γ222 + ea22 = Γ112 Γ211 + (Γ212 )u + (Γ212 )2 + f a21 .
Usando as equações de Weingarten (3.21) na fórmula acima, logo após um simples cálculo
obtemos
EK = Γ111 Γ212 − Γ112 Γ211 + (Γ211 )v − (Γ212 )u + Γ211 Γ222 − (Γ212 )2 , (4.10)
Observação 4.3.2. Vemos que o recíproco do teorema egregium de Gauss não é verdadeiro.
Com efeito, considere uma superfície S dada pela união diferenciável de duas semi-esferas de
igual raio e um cilindro circular reto de igual raio que a semi-esfera. Definimos uma aplicação
f : S −→ S 0 como na figura 4.2, de maneira que f transforma S em S 0 apenas reduzindo a
distância entre as bases do cilindro. É evidente que f é um difeomorfismo e que preserva a
curvatura gaussiana em todo ponto de S, porém não é uma isometria local, pois não preserva
176 CAPÍTULO 4. GEOMETRIA INTRÍNSECA DAS SUPERFÍCIES.
Para o casso n = 3, foi o professor S.T. Yau em 1974 quem encontrou um contra-exemplo ao
teorema de Kulkarni e provou um teorema análogo para dimensão n ≥ 3 para difeomorfismos
que preservam a curvatura entre variedades compactas de curvatura não constante, ver [16]
ou [5, Cap.VIII, Sec.2].
a qual não fornece novas informações. Porém, igualando as coordenadas na direção de N dos
vetores Xuuv e Xuvu temos as seguintes igualdades que relacionam os símbolos de Christoffel
com os coeficientes da segunda forma fundamental e suas derivadas parciais:
acima. O seguinte resultado confirma a veracidade dessa afirmação, pois mostra que o co-
nhecimento das primeira e segunda formas fundamentais e das equações de compatibilidade
que elas satisfazem determinam localmente as superfícies a menos de um movimento rígido
do espaço.
dessa afirmação em [15, Ap.B, Th.V]. Para finalizar, basta tomar uma solução (ξ, ϕ, η) de
(4.14) e definir o novo sistema
Xu = ξ,
(4.15)
Xv = ϕ,
o qual é integrável, pois ξv = ϕu pela maneira como essas funções foram definidas no início
da prova. Assim, para uma dada condição inicial X(u0 , v0 ) = p0 ∈ R3 , tomamos uma solução
X : V −→ R3 do sistema (4.15) em uma vizinhança V de (u0 , v0 ). Basta provar que X(V )
é uma superfície regular, ver [4, Ap.4.7].
Segue dos exemplos 2.7.1, 2.7.5 e do teorema 4.3.1 egregium de Gauss, que um aberto
da esfera unitária não pode ser isométrico a um aberto do plano, exprimindo portanto uma
nova propriedade da esfera chamada de rigidez. A grosso modo, diz-se que uma superfície
de R3 é rígida se ela fica totalmente determinada, a menos de movimentos rígidos do espaço,
pela primeira forma fundamental.
Teorema 4.3.3 (rigidez das esferas.). Sejam S2 (r) uma esfera de raio r > 0 e S uma
superfície conexa. Se f : S2 (r) −→ S é uma isometria local, então f é uma congruência.
Em particular, S é uma esfera de igual raio r > 0.
Demonstração. Como f é isometria local, então é difeomorfismo local pela observação 4.1.2
e é, portanto, uma aplicação aberta por 2.5.2. Logo f (S2 (r)) é um aberto de S. Por outro
lado, pela continuidade de f temos que f (S2 (r)) é um compacto de S, em particular é um
subconjunto fechado de S, logo f (S2 (r)) = S por ser S conexa, o que implica que f é
sobrejetiva.
Pelo exemplo 3.1.2 e o teorema 4.3.1 egregium de Gauss, temos que KS ≡ 1/r2 > 0, logo S
é uma esfera de raio r > 0 pelo teorema 3.5.2 de Liebmann. Assim, f é uma isometria local
entre esferas de igual raio, portanto é uma congruência pelo teorema 4.1.1.
superfícies compactas, dentro da família das superfícies de revolução, as quais são isométricas,
mas não são congruentes.
A aplicação f mostrada na figura 4.3 deixa fixos todos os pontos de S sob o plano Π, o
qual é tangente à superfície em uma circunferência formada por pontos planares de S, e é
igual à reflexão de todos os pontos de S acima desse plano, é portanto uma isometria de S
em S 0 , pois tanto a identidade quanto a reflexão preservam as distâncias. O fato de deixar
fixo um conjunto de pontos que não pode ser contido em um plano diz-nos que f não pode
ser a restrição de um movimento rígido de R3 , portanto essas duas superfícies não podem
ser congruentes mas sim isométricas. Observamos que a superfície de rotação S mostrada na
figura 4.3 apresenta pontos planares representados por uma circunferência na cor vermelha e
também uma outra circunferência composta de pontos hiperbólicos, cuja existência pode ser
provada em virtude do teorema 3.3.2, a qual está representada na figura na cor verde e está
contida no semi-espaço superior delimitado por Π.
Se uma superfície é compacta, então deve conter pelo menos um ponto elíptico, como
foi provado no exercício 3 da seção 3.4. Dizemos que uma superfície é um ovalóide se é
compacta, conexa e todos seus pontos são elípticos. Alguns exemplos de ovalóides já foram
apresentados previamente, por exemplo esferas e elipsóides. A propriedade da rigidez não é
satisfeita pela superfície S da figura acima por causa da existência de pontos não elípticos.
O seguinte resultado, que apresentamos sem prova, mostra que propriedade de rigidez da
esfera pode ser estendida à família dos ovalóides. Pode-se encontrar uma demonstração bem
detalhada desse resultado em [10, Sec.7.4].
4.3. O TEOREMA EGREGIUM DE GAUSS. 181
Teorema 4.3.4 (Rigidez dos ovaloides, Cohn-Vossen.). Toda isometria entre dois ovalóides
é uma congruência.
182 CAPÍTULO 4. GEOMETRIA INTRÍNSECA DAS SUPERFÍCIES.
4.4 Exercícios
Livro do Manfredo, págs 283-284, exercícios: todos.
4.5. CURVAS GEODÉSICAS. 183
ele é restrito ao traço de uma curva α, está em função da regularidade das correspondentes
funções coordenadas, que no caso podem ser consideradas funções de t. Assim, o campo
ω(t) = a(t)Xu + b(t)Xv ao longo de uma curva é diferenciável em t se as funções a(t) e b(t)
são diferenciáveis em t e o campo é dito diferenciável se ele é diferenciável para cada t ∈ I.
Seja ω um campo de vetores tangentes diferenciável de uma superfície regular S. Con-
sidere p ∈ S, v ∈ Tp S, α : I −→ S uma curva representativa de p e v e ω(t) a restrição
do campo ao longo de α. Se define a derivada covariante de ω em p na direção de v à
projeção tangente da derivada natural em t = 0 do vetor ω(t), isto é, a projeção do vetor
(dω/dt)(0) ∈ R3 sobre o plano tangente Tp S. Denotaremos essa derivada covariante por
Dω
(0) ou por Dωv (p).
dt
Exemplo 4.5.1. O semi-cone circular superior.
Se define o semi-cone circular superior como C + = {(x, y, z) ∈ R3 : x+ y 2 − z 2 = 0, z > 0}.
É claro que C + = f −1 ({0}) para a função diferenciável f (x, y, z) = x2 + y 2 − z 2 e 0 é um
d 1
dgp0 (w0 ) = (x(t)2 + y(t)2 ) − z(t) = x0 w1 + y0 w2 − w3 .
dt |t=0 2
w0 = (w1 , w2 , x0 w1 + y0 w2 ) .
d
(ω ◦ β)(t) = (v1 , v2 , 2xv1 + 2yv2 ).
dt |t=0
∇g(p0 ) 1 1
N (p0 ) = =p (x 0 , y0 , −1) = √ (1, 1, −1).
|∇g(p0 )| 1 + x20 + y02 3
Dω 1 1
(0) = (1, 2, 6) − h(1, 2, 6), √ (1, 1, −1)i √ (1, 1, −1) = (1, 2, 6) − (−1, −1, 1) = (2, 3, 5).
dt 3 3
186 CAPÍTULO 4. GEOMETRIA INTRÍNSECA DAS SUPERFÍCIES.
Para provar que a derivada covariante de um campo de vetores ω está bem definido,
precisamos ver que sua definição independe da curva representativa α. Com efeito, se to-
mamos coordenadas locais X(u, v), temos que w = (u0 , v 0 )B e ω(t) = (a(t), b(t))B , sendo
B = {Xu , Xv } base de Tp S. Note que vamos desconsiderar escrever a dependência dos
parâmetros a fins de economizar na escrita. Derivando em relação à variavel t obtemos
dω
= a(u0 Xuu + v 0 Xuv ) + b(u0 Xuv + v 0 Xvv ) + a0 Xu + b0 Xv . (4.16)
dt
Substituindo as expressões das derivadas parciais segundas de X nas equações de estrutura
(4.4) e desconsiderando a componente na direção do normal N (p), temos que
Dω
= (a0 + Γ111 au0 + Γ112 av 0 + Γ112 bu0 + Γ122 bv 0 )Xu
dt (4.17)
+ (b0 + Γ211 au0 + Γ212 av 0 + Γ212 bu0 + Γ222 bv 0 )Xv
Note que a expressão acima está em termos do símbolos de Christoffel e depende só de
(u0 , v 0 ); isso implica duas coisas simultaneamente, a primeira é que o conceito de derivada
covariante encaixa dentro do estudo da geometria intrínseca das superfícies e portanto as
geodésicas são invariantes por isometrias locais; e a segunda é que esse conceito está bem
definido, pois independe da escolha da curva α pelo provado na seção 2.5. Logo já podemos
juntar todo o anterior na seguinte definição:
Definição 4.5.1. Seja ω um campo diferenciável de vetores tangentes ao longo de uma curva
α : I −→ S. Se define a derivada covariante de ω em t ∈ I como o campo tangente dado
pela igualdade 4.17. Usaremos a notação
Dω
(t), ∀t ∈ I.
dt
Em concordância com a definição dada acima e tendo em conta que a derivada covariante
de uma campo ω ao longo de uma curva α : I −→ S se define como a projeção sobre o
plano tangente Tα(t) S da correspondente derivada natural do campo em t, podemos dar uma
expressão mais simples a fins de facilitar o seu cálculo explícito nos exemplos:
> ⊥
Dω dω dω dω
(t) = (t) = (t) − (t) , ∀t ∈ I, (4.18)
dt dt dt dt
> ⊥
sendo dωdt
(t) a componente tangencial e dω dt
(t) a componente ortogonal do vetor dω
dt
(t) ∈
R3 à superfície S no ponto α(t), isto é, as respectivas projeções do vetor no plano tan-
gente Tα(t) S e na direção do vetor normal N (α(t)). A fórmula acima pode ser finalmente
representada por:
Dω dω dω
(t) = (t) − h (t), N (α(t))iN (α(t)), ∀t ∈ I. (4.19)
dt dt dt
4.5. CURVAS GEODÉSICAS. 187
Observação 4.5.1. Segue da definição 4.5.1 que, se duas superfícies fossem tangentes ao longo
de uma curva parametrizada α, veja a definição 3.7.1, então a derivada covariante de ω ao
longo dessa curva é a mesma para ambas superfícies.
Além disso, se a superfície S fosse um plano, pelo exemplo 4.3.1 temos que Γijk = 0, para
todo i, j, k = 1, 2. Aliás, e = f = g = 0 pois a segunda forma fundamental é identicamente
nula. Substituindo todos esses valores em (4.16) e em (4.17), temos que
Dω dω
(t) = a0 Xu + b0 Xv = (t), ∀t ∈ I.
dt dt
Assim, a derivada covariante é uma generalização da derivada usual de vetores do plano
euclidiano, ou seja, uma maneira de derivar vetores tangentes a planos curvados.
Exemplo 4.5.3. Dada α : I −→ S uma curva diferenciável sobre uma superfície S, o campo
ω(t) = α0 (t), para cada t ∈ I é trivialmente um campo de vetores tangentes ao longo da
curva α, o qual pode ser chamado de campo velocidade ao longo de α. Assim, (Dα0 /dt)(t) é
a componente tangencial do vetor aceleração α00 (t) em cada t ∈ I, ou seja, a aceleração de
α(t) como apercebida dentro da superfície S.
e os vetores (dωi /dt) (t), i = 1, 2, são paralelos a N (α(t)) para cada t ∈ I. Portanto
d dω1 dω2
hω1 (t), ω2 (t)i = h (t), ω2 (t)i + hω1 (t), (t)i = 0, ∀t ∈ I,
dt dt dt
e segue daí o resultado.
o que implica que θ(t) é constante para todo t ∈ I e pela continuidade da função Cos, os
ângulos formados pelos vetores ω1 (t) e ω2 (t) também são constantes em t.
4.5. CURVAS GEODÉSICAS. 189
Teorema 4.5.1 (Existência e unicidade de campo paralelo ao longo de uma curva.). Sejam
α : I −→ S uma curva parametrizada sobre uma superfície regular S, t0 ∈ I e ω0 ∈ Tα(t0 ) S.
Então, existe um único campo paralelo ω(t) ao longo de α tal que ω(t0 ) = ω0 .
Demonstração. Podemos supor s.p.g. que t0 = 0 e que I = [0, l]. Seja X : U −→ S uma
parametrização local de S em torno de α(0) e X(U ) = V ⊂ S. Se existisse um campo
paralelo ω ao longo de α, então existiriam funções diferenciáveis a, b : I −→ R tais que
ω(t) = a(t)Xu + b(t)Xv e satisfazendo o sistema
por (4.17) e pela definição 4.5.2. Um tal sistema sería equivalente ao sistema de equações
diferenciais ordinárias
! ! !
a0 a Γ111 u0 + Γ112 v 0 Γ112 u0 + Γ122 v 0
= M (t) · , sendo M (t) = ,
b0 b Γ211 u0 + Γ212 v 0 Γ212 u0 + Γ222 v 0
o qual, junto à condição inicial ω(0) = ω0 , possui solução única pelo teorema de existência
e unicidade de solução de EDO’s. Aliás, da teoria geral dos sistemas de EDO’s lineares,
podemos afirmar que tal solução pode ser estendida de maneira diferenciável até α(l) = q,
ver [1, Sec.7.21].
Observe que, da igualdade 4.19, podemos deduzir que o transporte paralelo independe da
orientação de S. Aliás, nas condições da definição de transporte paralelo, podemos definir
uma aplicação Pα : Tp S −→ Tq S de maneira que leva cada vetor tangente v em p no seu
correspondente transporte paralelo ṽ em q. Se tomamos dois vetores tangentes distintos e
arbitrários u e v em Tp S, é fácil deduzir, a partir das propriedades de preservação dos campos
paralelos provadas no corolário 4.5.1, que
O conceito de transporte paralelo pode ser estendido a curvas mais gerais, curvas onde
são admitidos uma quantidade finita de pontos singulares. Dizemos que uma curva para-
metrizada α : I = [0, l] −→ S é regular por partes se é contínua e existe uma partição
0 = t0 < t1 < · · · < tk < tk+1 = l do intervalo I de maneira que a restrição α|[ti ,ti+1 ] ,
para cada i = 0, . . . , k, é uma curva parametrizada regular que liga os pontos pi = α(ti ) e
pi+1 = α(ti+1 ), que chamamos de arco regular de α. Assim, se ω0 é o valor inicial do campo
paralelo em α(t) e t ∈ [ti , ti+1 ] para algum i ∈ {0, 1, 2, . . . , k}, podemos transportar parale-
lamente ω0 no correspondente arco regular e tomarmos ωti+1 como valor inicial e continuar
o transporte paralelo do mesmo ao longo do arco regular seguinte.
4.5. CURVAS GEODÉSICAS. 191
o que implica que κ ≡ 0 por (4.22) e portanto γ é uma reta pelo teorema 1.3.1.
192 CAPÍTULO 4. GEOMETRIA INTRÍNSECA DAS SUPERFÍCIES.
local X para, assim, dar também uma classificação exaustiva de todas as geodésicas do cilin-
dro. Com efeito, se fixamos um referencial no plano Π, podemos considerar essencialmente
três tipos distintos de retas em relação à base canônica {e1 , e2 } de R2 :
3. As retas oblíquas do plano podem-se parametrizar como α(s) = (as, bs), ∀s ∈ I e certos
a, b ∈ R tais que a2 + b2 = 1, logo γ(s) = X(as, bs) é uma hélice circular do cilindro C
pelo exemplo 1.1.2, a qual é uma geodésica de C por ser X uma isometria local.
dω dω Dω
(t) ⊥ ω(t) ∀t ∈ I =⇒ ( (t))> ⊥ ω(t) ∀t ∈ I =⇒ (t) ⊥ ω(t) ∀t ∈ I,
dt dt dt
Dω
(t) = λ(t)(N (α(t)) ∧ ω(t)), ∀t ∈ I. (4.23)
dt
Definição 4.5.5. O número real λ(t) associado a cada t ∈ I nas condições acima é dito de
valor algébrico da derivada covariante de ω em t. Denotamos esse valor algébrico por
Dω
λ(t) = (t) .
dt
Dω dω
λ(t) = h (t), N (α(t)) ∧ ω(t)i = h (t), N (α(t)) ∧ ω(t)i, ∀t ∈ I,
dt dt
pela igualdade 4.19. Aliás, é imediato da definição que o sinal do valor algébrico da derivada
covariante de um campo tangente unitário ao longo de uma curva em uma superfície orientada
muda se a orientação em S mudar.
Definição 4.5.6. Sejam C uma curva simples regular orientada contida em uma superfície
orientada S e α : I −→ S uma parametrização PCA de C em torno de p = α(s0 ), para
certo s0 ∈ I. Se define a curvatura geodésica de C em p como o valor algébrico da derivada
covariante do campo ω(s) = α0 (s) em s = s0 . Usamos a notação
Dα0
κg (p) = (s0 )
ds
Portanto, a curvatura geodésica pode ser entendida como o comprimento da projeção do vetor
α00 (s) sobre o vetor tangente N (α(s)) ∧ α0 (s) em cada s ∈ I. Nas condições da definição
acima, o triedro B = {α0 (s), N (α(s)), N (α(s)) ∧ α0 (s)} é uma base ortonormal de R3 em
cada ponto α(s) ∈ S, chamada na literatura de triedro de Darboux. O triedro de Darboux
é análogo ao triedro de Frenet, enquanto que as coordenadas nessa base das derivadas dos
seus elementos, conhecidas como equações de Darboux, fornecem informações geométricas da
superfície que contém à curva, como por exemplo as curvaturas geodésica e normal. Assim,
κg (s) e κn (s) são as coordenadas do vetor α00 (s) na base B, ver definição 3.1.3. Aliás, como
α00 (s) = κ(s)n(s), sendo κ a função curvatura de α e n o vetor normal na base de Frenet no
ponto α(s), então as curvaturas da curva α verificam a seguinte relação:
Como consequência, se uma geodésica sobre uma superfície é uma curva plana, então
é uma seção normal à superfície no ponto α(s) na direção de α0 (s) em cada s ∈ I, ver a
introdução da seção 3.3.
Considere γ : I −→ S uma curva parametrizada contida em uma superfície S, t0 ∈ I e
X : U −→ S uma parametrização local de S em torno do ponto α(t0 ). Seja também J ⊂ I
tal que γ(J) ⊂ X(U ) e tome o campo de vetores tangentes ω(t) = γ 0 (t), para cada t ∈ J.
Assim, podemos expressar o campo em coordenadas relativamente a base Bt = {Xut , Xvt } do
plano tangente Tγ(t) S para cada t ∈ J como
dω d 0
= (u Xu + v 0 Xv )
dt dt
= u00 + (u0 )2 Γ111 + 2u0 v 0 Γ112 + (v 0 )2 Γ122 Xu + v 00 + (u0 )2 Γ211 + 2u0 v 0 Γ212 + (v 0 )2 Γ222 Xv .
as quais são chamadas de equações das geodésicas de S, que confirmam que as geodésicas são
um conceito intrínseco das superfícies como já foi afirmado antes e, portanto, são invariantes
por isometrias locais. O sistema de equações definido pelas geodésicas de uma superfície é
um sistema homogêneo e semi-linear de equações diferenciais ordinárias, para o qual existe
solução única para as condições iniciais γ(t0 ) = p0 ∈ S e ω(t0 ) = ω0 ∈ Tp S pela teoria geral
de EDOs.
Assim, temos provado o seguinte resultado.
Como consequência do teorema acima, podemos dar uma nova justificativa para a clas-
sificação das geodésicas dada nos exemplos 4.5.4 e 4.5.7. Com efeito, se fixamos um ponto
p ∈ S, sendo S um plano ou um cilindro circular reto, para cada direção tangente v ∈ Tp S
196 CAPÍTULO 4. GEOMETRIA INTRÍNSECA DAS SUPERFÍCIES.
é sabido que existe uma reta no caso da reta, e no caso do cilindro existe uma reta vertical
se v = e3 , ou um paralelo se v = ae1 + be2 para certos a, b ∈ R tais que a2 + b2 = 1, ou uma
hélice circular se v = ae1 + be2 + ce3 para certos a, b, c ∈ R tais que a2 + b2 + c2 = 1, sendo
{e1 , e2 , e3 } a base canônica de R3 .
Exemplo 4.5.8. Os grandes círculos são as únicas geodésicas da esfera.
Pelo visto no exemplo 4.5.5, sabemos que os grandes círculos são geodésicas da esfera S2 (r)
de raio r > 0. Além disso, para cada p na esfera, podemos encontrar um círculo máximo
tangente a cada direção do plano tangente Tp S2 (r), portanto essas são as únicas geodésicas
da esfera em virtude do teorema 4.5.2 de existência e unicidade.
Exemplo 4.5.9. Estudo das geodésicas das superfícies de revolução.
Considere a superfície de revolução S gerada pela rotação do traço da curva PCA α(s) =
(ϕ(s), 0, ψ(s)), tal que ϕ(s) > 0, ∀s ∈ I, em torno do eixo vertical, parametrizada localmente
por
X(u, v) = (ϕ(u)Cos(v), ϕ(u)Sin(v), ψ(u)), ∀(u, v) ∈ U = I × (0, 2π).
Γ111 = 0, Γ211 = 0,
ϕ0
Γ112 = 0, Γ212 = ,
ϕ
Γ122 = −ϕ0 ϕ, Γ222 = 0.
u00 − (v 0 )2 ϕ0 ϕ = 0,
ϕ0 (4.26)
v 00 + 2u0 v 0 = 0.
ϕ
Vemos que os meridianos são geodésicas de S. Com efeito, considere um meridiano PCA
γ(s) = X(u(s), v0 ) = (ϕ(u(s))Cos(v0 ), ϕ(u(s))Sin(v0 ), ψ(u(s))). Em primeiro lugar, u0 6= 0,
pois v 0 = 0 e γ é regular. Note que a segunda equação do sistema (4.26) é trivialmente sa-
tisfeita, vemos que a segunda também. Temos que γ 0 (s) = ( dϕ
du
u0 Cos(v0 ), dϕ
du
u0 Sin(v0 ), dψ
du
u0 ),
logo
1 = |γ 0 (s)| = (u0 )2 ,
4.5. CURVAS GEODÉSICAS. 197
por ser α PCA na variável u. Se derivamos a igualdade acima e usando que γ é regular
temos que u00 = 0, que coincide com a primeira equação do sistema (4.26).
Estudamos agora os paralelos de S. Considere um paralelo PCA γ(s) = X(u0 , v(s)) =
(ϕ(u0 )Cos(v(s)), ϕ(u0 )Sin(v(s)), ψ(u0 )). Analogamente tem-se que u0 = 0 implica que v 0 6=
0. A condição de γ ser PCA traduz-se na igualdade
1 = |γ 0 (s)| = ϕ2 (v 0 )2 .
ϕ2 v 0 = c, (4.27)
2c2 ϕϕ0 u0
0 = 2u0 u00 − = 2u0 u00 − (v 0 )2 ϕ0 ϕ ,
ϕ 4
que implica a equação primeira de (4.26) desde que γ não é um paralelo, como queríamos
provar. Como γ não é um meridiano, então c 6= 0 por (4.27), o que implica que v 0 é não
nula em todo s ∈ I e portanto pode-se invertir, isto é, podemos expressar s = s(v) como
uma função de v pelo teorema da função inversa do cálculo, logo u = u(s) = u(s(v)). Se
multiplicamos a equação 4.28 por (ds/dv)2 , obtemos
2 2 2 2 2 2 2
ds du ds dv ds 2 du ds 2 du
= + ϕ = +ϕ = + ϕ2 ,
dv ds dv ds dv ds dv dv
onde foi usado de novo o teorema da função inversa e a regra da cadeia do cálculo. Por outro
lado 2
ϕ4
ds
=
dv c2
pela relação 4.27, logo
2 2
ϕ4 2 du 2 2 c2 du du 1 p 2 1
2
= ϕ + ⇔ ϕ = c + 2
⇔ = ϕ ϕ − c2 ⇔ dv = c p du.
c dv ϕ dv dv c ϕ ϕ2 − c2
[2] Bers, L., Riemann Surfaces. Lecture Notes, New York University, Institute of Mathe-
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Lista de Figuras
201
202 LISTA DE FIGURAS