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Modo de Produção

Susan Himmelweit
Não tendo sido a expressão usada num sentido único e coerente por Marx,
essa categoria foi, desde então, desenvolvida como o elemento central de uma
explicação sistemática da história enquanto uma sucessão de diferentes modos
de produção (ver MATERIALISMO HISTÓRICO; ESTÁGIOS DE
DESENVOLVIMENTO). Essa explicação, que define épocas da história (ou sua
caracterização teórica) de acordo com um modo dominante de produção e a
revolução como a substituição de um modo de produção por outro, tornou-se
típica do marxismo “economicista” da Segunda Internacional (ver
ECONOMICISMO; INTERNACIONAIS) e foi reafirmada por Stalin, como a
interpretação correta da concepção materialista da história de Marx, em O
materialismo histórico e o materialismo dialético. Com isso, passou a constituir
o fundamento do materialismo dialético (ver MATERIALISMO DIALÉTICO ),
isto é, da interpretação oficial do marxismo pelo Comintern. O texto que parece
autorizar que se considere essa concepção como a concepção do próprio Marx
é o famoso “Prefácio” à Contribuição à crítica da economia política de 1859:
Na produção social de sua vida, os homens estabelecem determinadas
relações necessárias e independentes de sua vontade,relações de produção
que correspondem a uma determinada fase do desenvolvimento de suas forças
produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a
estrutura econômica da sociedade – a base real sobre a qual se ergue a
superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas
de consciência social. O modo de produção da vida material determina o
caráter geral do processo da vida social, política e espiritual (…). Em um certo
estágio de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade
entram em conflito com as relações de produção existentes, ou – o que não é
senão a sua expressão jurídica – com as relações de propriedade dentro das
quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças
produtivas, essas relações se convertem em obstáculos a elas. Abre-se então
uma época de revolução social.
Segundo essa perspectiva, a DIALÉTICA consiste no desenvolvimento paralelo
dos dois elementos: as forças produtivas que se desenvolvem com base em
determinadas relações de produção; sua contradição imanente que só se torna
manifesta em um “certo estágio de seu (das forças produtivas)
desenvolvimento”, quando as “relações de produção se convertem em
obstáculos” a esse desenvolvimento. (Para uma análise mais aprofundada, ver
FORÇAS PRODUTIVAS E RELAÇÕES DE PRODUÇÃO.) Daí originou-se uma
leitura determinista do processo de revolução: quando as forças produtivas
superam as relações de produção, a revolução não só é possível, como
também inevitável. Mas o êxito da revolução na Rússia atrasada e seu fracasso
na Alemanha adiantada apontavam para, entre outras coisas, o papel da
consciência no processo revolucionário e sugeriam que algo havia de errado
nessa explicação determinista. O modo de produção não determinava a
superestrutura de maneira direta e automática como Marx parecia pensar, e o
colapso de um modo de produção não era, portanto, coisa tão clara quanto
havia parecido. Existiriam talvez circunstâncias nas quais a superestrutura
poderia determinar o que aconteceria na base, fatores ideológicos e políticos
que afetassem os econômicos a ponto de provocar ou de impedir uma
transformação do modo de produção (ver BASE E SUPERESTRUTURA;
DETERMINISMO).
Uma tentativa de tratar desse problema, embora conservando o modo de
produção como conceito fundamental, foi empreendida por Louis Althusser,
particularmente em Lire le Capital com a colaboração de Étienne Balibar e de
outros. Althusser rejeita a noção de uma base que determina a superestrutura;
em vez disso, vê o econômico, o político e o ideológico como níveis que
consistem de práticas específicas e que, reunidos, formam uma totalidade
estruturada, uma formação social. A ideia de determinação é substituída pela
ideia de causalidade estrutural (ver ESTRUTURALISMO). O modo de produção
continua sendo um conceito básico, na medida em que é o nível econômico, o
modo de produção, que “determina” qual dos diferentes níveis é “dominante” na
totalidade estruturada interdependente. O econômico impõe limites, dentro dos
quais os outros níveis só podem ser “relativamente autônomos”, atribuindo
funções necessárias à reprodução do modo de produção aos níveis não
econômicos.
O modo de produção, tal como definido por Althusser e Balibar, consiste de
duas séries de relações ou “conexões”: “a conexão da apropriação real da
natureza” e “as relações de expropriação do produto” (Althusser et al., 1966,
glossário). Pretendem os autores que essas duas séries de relações
correspondem à caracterização feita por Marx de toda e qualquer produção a
partir de “dois elementos indissociáveis: o processo de trabalho (…) e as
relações sociais de produção sob cuja determinação se executa o processo de
trabalho” (ibid.). O problema com essa formulação, como observaram alguns
de seus críticos (ver Clark et al., 1980) é que ela dissocia imediatamente o
indissociável; o próprio processo de trabalho é visto como algo histórico, ao
passo que as relações sociais se concentram dentro do modo de apropriação
do produto, isto é, dentro das relações de propriedade e distribuição, apenas.
Especificando a priori os limites e categorias dentro das quais devemos
procurar o que é socialmente específico, Althusser as hipostasia e, com isso,
consegue hipostasiar a própria produção. Mas a crítica fundamental que Marx
fez ao pensamento burguês foi justamente a de que ele eternalizava as
relações sociais do capitalismo e particularmente as da produção capitalista.
Portanto, embora Althusser tenha rompido com as formas anteriores de
determinismo econômico grosseiro, rejeitando o seu reducionismo, não
consegue diferenciar-se fundamentalmente em sua compreensão da base
econômica do modo de produção. A nova relação por ele postulada, na qual a
autonomia relativa dos níveis não econômicos depende da sua necessidade
para a reprodução do modo de produção, cria uma separação entre a
caracterização das condições de produção e a caracterização das condições
sob as quais as condições de produção podem ser reproduzidas. Esse
procedimento foi criticado por desconhecer a ideia essencial de processo e de
dialética na obra de Marx (Glucksmann, 1972).
Um enfoque alternativo, que também rejeita o determinismo econômico da
Segunda e da Terceira Internacionais, reformulando e ampliando sua
concepção de modo de produção, pôde surgir, em grande medida, como
consequência do interesse pelos escritos do próprio Marx sobre o processo de
trabalho, interesse esse estimulado pela publicação em inglês, no ano de 1976,
do manuscrito até então pouco conhecido e que se destinava a ser o capítulo
VI do primeiro livro de O Capital: “Resultados do processo imediato de
produção” (Capital I, edição inglesa Penguin, 1976, ver Bibliografia Geral ao
final deste volume para outras edições). Isso porque o próprio uso que Marx faz
da expressão modo de produção fora daquele capítulo é evidentemente
ambíguo em relação à dicotomia althusseriana. A expressão modo de
produção é usada algumas vezes, na obra de Marx, por um lado, para definir o
processo econômico e, basicamente, as relações entre os homens na
produção e na apropriação do excedente (por exemplo, no trecho do “Prefácio”
citado acima). Em outros momentos, porém, a expressão parece ter um
significado muito mais restrito, como no capítulo sobre “A maquinaria e a
indústria moderna” do primeiro livro de O Capital, em que aspectos da
mecanização em esferas específicas da indústria, como a introdução da prensa
hidráulica, do tear a vapor e da máquina de cardar, são mencionados como
“transformações do modo de produção”, em sua respectiva esfera. No capítulo
sobre os “Resultados do processo imediato de produção”, a coerência dessa
variedade de significados torna-se clara. Distinguindo-se entre a subordinação
formal e a subordinação real do trabalho ao capital, Marx distingue entre as
condições formais sob as quais têm lugar as formas capitalistas de exploração
(a definição da tradição do materialismo dialético e de Althusser) e as
condições concretas de produção a que tais formas de exploração levam e sob
as quais são reproduzidas. Assim, embora as primeiras possam definir o modo
de produção formalmente, só podem ser reproduzidas como as segundas; e a
consequência disso, isto é, a maneira pela qual o modo de produção age como
uma base que afeta o resto da sociedade, depende das condições reais, as
condições sob as quais o modo de produção pode ser reproduzido. Ao destinar
os níveis não econômicos ao papel de reprodução, argumentariam seus
críticos, Althusser não apenas recria o reducionismo que desejava evitar como
empobrece o conceito de modo de produção, transformando-o numa redoma
formal e a-histórica (ver Banaji, 1977; Glucksmann, 1972, Clarke et al., 1980).
Todos os participantes desse debate certamente aceitariam como uma
definição eficiente de “modo de produção” a utilizadíssima citação de Marx (na
qual, incidentalmente, ele próprio não emprega a expressão):
A forma econômica específica pela qual o trabalho excedente não pago se
extorque dos produtores diretos determina a relação dominadores-dominados,
tal como esta nasce diretamente da própria produção e, por sua vez, age sobre
ela como elemento determinante. Aí se fundamenta toda a formação da
comunidade econômica, que surge das próprias relações de produção, e, por
conseguinte, a estrutura política que lhe é própria. É sempre na relação direta
entre os proprietários dos meios de produção e os produtores diretos – uma
relação que corresponde sempre, naturalmente, a um dado nível de
desenvolvimento dos métodos de trabalho e, portanto, da sua produtividade
social – que encontramos o recôndito segredo, a base oculta de toda a
estrutura social. (OCapital, III, cap.XLVII, seção 2)
A discussão gira em torno da interpretação correta dessa passagem. Todas as
partes interessadas admitem que o importante é a maneira pela qual o
excedente é produzido e seu uso controlado, pois é a produção de um
excedente que permite às sociedades crescerem e se transformarem. A
discordância relaciona-se com até que ponto o econômico pode ser definido a
priori e formalmente distinto de outros “níveis”; até que ponto determinação
significa operação de entidades separadas umas das outras, mesmo quando
ligadas em uma totalidade estruturada, ou antes desenvolvimento imanente de
relações internas a um todo indivisível.
SH

(Extraído de BOTTOMORE, Tom (Ed.). Dicionário do Pensamento Marxista.


Rio de Janeiro, Zahar [s.d].

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