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Baladas Black e Rodas de Samba da Terra da Garoa1

Márcio Macedo
Do lado direito, da rua Direita
Olhando as vitrines coloridas eu a vi
Mas quando quis me aproximar de ti não tive tempo
No movimento imenso da rua eu lhe perdi
E cada menina que passava para seu rosto eu olhava
E me enganava pensando que fosse você...
E na Rua Direita eu voltarei pra lhe ver
Do lado direito da rua Direita – Originais do Samba, 1972

Centro da cidade a você eu devo muito


Vejo tudo isso e fico sem dizer
Mas aqui estou de volta para agradecer
Centro da cidade a você eu devo muito
Faz parte da minha vida não te esqueço um segundo
Jack é meu nome e você vai se lembrar
São Paulo não te troco por qualquer outro lugar
Centro da cidade – MC Jack, 1988

As canções acima capturam de maneira perfeita a atmosfera na qual tem início este texto: o centro
velho da cidade de São Paulo como um reduto negro. Em ambas as músicas estão articulados
elementos constitutivos de uma identidade negra paulistana: música, espaço e raça.1 A primeira
canção é um samba-rock de 1972 do grupo carioca radicado na metrópole paulista Originais do
Samba e descreve um jovem que se apaixona caminhando pela rua Direita de São Paulo do
Piratininga. A segunda, um rap de MC Jack, um dos pioneiros desse estilo musical no Brasil,
declara o seu amor à região central rimando suas belezas e peculiaridades. Samba-rock e rap são
apenas dois dos vários ritmos musicais que podem servir de trilha sonora para essa leitura, visto
que, são exemplos das múltiplas sonoridades que se prestam à construção de uma identidade
negra em São Paulo.
Este texto tem como objetivo evidenciar a existência de espaços de sociabilidade e lazer de
jovens afro-paulistanos: as rodas de samba que ocorrem no centro velho da cidade, os bailes black
e variações do mesmo. A intenção é mostrar como esses jovens possuem uma forma de lazer
específica, relacionada com um circuito que chamaremos de “circuito black”, o qual re-equaciona
vários elementos constitutivos da identidade racial de parte dos negros da cidade de São Paulo e é
influenciado por uma “cultura negra popular globalizada”. Os elementos aos quais me refiro
podem ser de ordem racial, musical e espacial.
Ir a determinado baile e não ir a outro corresponde a se posicionar em relação ao seu grupo social
e à sociedade. Essa atitude, que milhares de jovens tomam todos os fins de semana, demonstra, de
maneira implícita, aspirações de classe, fantasias e a maneira pela qual esses indivíduos desejam
ser vistos. Com o objetivo de evidenciar esse processo, será realizada uma definição e elaborado
um pequeno histórico do surgimento do circuito e dos bailes black complementado pela
etnografia de três deles, a saber, Sala Real, Mood Club e Sambarylove, tendo como intuito propor
uma tipologia baseada nas diferenciações e similitudes existentes.2
O centro é “black”, man!

Os comícios de todas as noites na praça do Patriarca e as


concentrações também à noite de negros agressivos ou embriagados na rua
Direita e na praça da Sé, os botequins do centro onde os grupos se
embriagam, já estão provocando protestos, justíssimos protestos, até pela
imprensa, pois não é possível uma cidade como São Paulo ficar a mercê de
hordas grosseiras e malcriadas, prontas a se desencadearem contra qualquer
branco, homem ou mulher, desde que um gesto involuntário, um olhar
mesmo, possa ser mal interpretado por esses grupos brutais e violentos.
“Negros do Brasil” – Paulo Duarte, O Estado de S. Paulo, 17 de abril de
1947.

Neste artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em parte reproduzido acima, o jornalista
Paulo Duarte (1899-1984) evidencia a preocupação das elites paulistanas em relação à ocupação
da região central da cidade pelos negros nos anos 1940, associando-os ao perigo e à violência.3
Duarte não atacava somente os negros “agressivos” e “embriagados” da rua Direita e da praça do
Patriarca, mas também o que ele chamava de “sociologia nigro-romântica do Nordeste” e a
literatura “dos sociólogos romancistas ou dos romancistas sociólogos tidos como alunos do Sr.
Gilberto Freire (sic); rapazes de algum talento, sem possuir, no entanto, do mestre nem a cultura
nem a análise aguda deformada apenas pela sua irreprimível imaginação tropical cheia de brilho”.
Esses intelectuais, de acordo com o literato paulista, insistiriam em pintar um tipo brasileiro
definitivo tendendo para o negro, mas Duarte afirmava categoricamente do alto de sua sapiência
paulista quatrocentona: “Uma coisa, porém, existe e existirá com absoluta nitidez, a deliberação
marcada pelo consenso unânime dos brasileiros lúcidos: o Brasil quer ser um país branco e não
um país negro”.4
Refletindo a partir da linha de raciocínio de Duarte, é sintomático que nas comemorações dos 450
anos da cidade ocorridas em 2004, os elementos mais ressaltados tenham sido aqueles que
remetem à história de uma São Paulo construída pelas contribuições de imigrantes europeus,
principalmente de origem italiana.5 O bairro da Bela Vista, chamado de Bixiga pela população, é
visto na sua origem como um bairro italiano e a presença negra, que era forte desde o fim do
século XIX,2 é simplesmente apagada. Esse fato de certa maneira é amenizado pela presença no
local da sede do G.R.C.E.S. Vai Vai, uma das escolas de samba mais conhecidas da cidade. O
mesmo pode-se dizer a respeito daquele tido como o maior representante do samba paulista, João
Rubinato, vulgo Adoniran Barbosa (1912-1982). Ninguém melhor do que ele para representar a
batucada da terra da garoa: um filho de imigrantes italianos que fazia samba com os famosos
“nóis” e “réiva”, tão comuns no falar paulistano. Se os símbolos são selecionados pela sua
conveniência e mediante a realização de sentido, dentro dessa lógica havia pouco espaço para um
sambista negro como Geraldo Filme (1927-1995)3 e seus sambas marcados pela influência de
uma sonoridade rural do interior paulista.
Por fim, o artigo de Duarte se tornou alvo de críticas das mais diversas origens: ativistas negros,
escritores regionalistas e intelectuais.4 Visando contornar a polêmica, o autor sugeriu financiar
uma pesquisa sobre relações raciais na capital paulista. Foram convidados os professores Roger
Bastide e Florestan Fernandes para a elaboração do estudo e os resultados foram publicados na
revista Anhembi. Em seguida, a investigação foi incorporada e financiada pelo Projeto UNESCO5
dando origem ao livro Brancos e negros em São Paulo (1959).
Essa polêmica em torno do artigo nos faz refletir sobre a maneira como o centro velho da cidade
de São Paulo é, dentre outras apropriações, um território negro. Esse fato pode ser reforçado pela
observação e pela historicidade desse locus. Nessa área estão localizados vários espaços que têm
relação direta com a história e identidade negra paulistanas. O historiador americano George
Andrews6 nos ensina que a rua Direita no decorrer dos anos 1940 era utilizada pelos negros
proletários para o footing dos sábados e domingos. Baseando-se em informações de Florestan
Fernandes e Roger Bastide,7 comenta que o local de encontro na década de 1930 era o largo do
Arouche, onde há um busto de Luis Gama (1830-1882), herói novecentista do panteão afro-
brasileiro, com as inscrições: “Lviz Gama. Por iniciativa do progresso, homenagem dos pretos do
Brazil”. A mudança para a rua Direita teria ocorrido como retaliação a um incidente em que
estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, situada nas redondezas, teriam
insultado uma negra grávida.8 É bom enfatizar que os negros freqüentadores da rua Direita eram
tidos como proletários, pois a chamada “elite negra” buscava se diferenciar deles através da
crítica, do recolhimento doméstico e da criação de clubes ou sociedades dançantes nos quais
impunham uma série de restrições.
Além da rua Direita, vários espaços dessa área contam a história da população negra paulistana há
mais de um século. A demolição do largo do Rosário e da Igreja do Rosário dos Homens Pretos,
na virada do século XIX para o XX, para construção da praça Antonio Prado está inserida num
processo de higienização que buscava transformar a cidade a partir de padrões europeus, tanto
arquitetônicos como populacionais. Situado no Triângulo Central, o local era reduto de negros
que promoviam congadas, batuques, sambas, moçambiques e caiapós através da Irmandade dos
Homens Pretos.9 Por volta de 1903 a igreja foi transferida para o largo do Paissandu. Inaugurada
em 190610 ela se encontra hoje ao lado do monumento em homenagem à figura da Mãe Preta, de
1955, do artista Júlio Guerra.11 Na avenida Rio Branco, na quadra seguinte ao Paissandu,
localiza-se o Green Express, um dos salões mais tradicionais de samba-rock, espécie de dança
específica dos negros paulistas e recentemente tida como estilo musical.12 Os fundos do salão
comportam as dependências da Tony Hits Discos, loja especializada em discos de vinil desse
ritmo, que funciona durante os bailes e é ponto de encontro de músicos e DJs.
Nos anos 1970, jovens negros freqüentadores dos bailes soul se reuniam no viaduto do Chá e em
frente à loja Mappin aos sábados à tarde para negociar discos e depois ir às festas que ocorriam
por toda a cidade.13 Em meados de 1978 as escadarias do Teatro Municipal foram palco do
ressurgimento do movimento negro através de uma manifestação de milhares de negros que se
reuniram para protestar contra o racismo e a ditadura. Nessa data foi fundado o MNUCDR
(Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial), encurtado posteriormente para
MNU (Movimento Negro Unificado).14
No decorrer dos anos 1980 e até o início dos 1990, b.boys, DJs e rappers fizeram da estação São
Bento do metrô o local de origem do movimento hip-hop no Brasil. A praça Roosevelt, no
decorrer dos anos 1990, passou a ser um ponto de encontro de grupos de rap, deixando a estação
São Bento apenas para os b.boys. Atualmente, o chamado Bronx, subsolo do Shopping Center
Grandes Galerias, localizado entre a rua 24 de Maio e a avenida São João, é o local privilegiado
para se adquirir discos e os mais variados artigos da “cultura” ou do “movimento” hip-hop, além
de oferecer salões de cabeleireiros black, onde possível cortar, trançar ou alisar o cabelo.
Por outro lado, pari passu a essas constatações, no imaginário de boa parte da população, a região
central está associada à violência, ao medo e ao perigo. Esse é um lugar para se evitar,
principalmente à noite. A presença de garotos de rua, trombadinhas, prostitutas, michês,
homossexuais, cinemas pornôs, ruas mal iluminadas associadas a histórias de crimes afastam as
pessoas do centro e reforçam o estigma que se construiu em relação à área a partir dos anos 1960,
com o surgimento de novas regiões da cidade concentradoras de riqueza e serviços, que levaram
dali instituições dos mais variados tipos. Como afirma Heitor Frúgoli Jr. “o processo de crescente
popularização do centro, a partir de meados dos anos 1960, foi concomitante ao início da evasão
de empresas e bancos para outros subcentros, a deteriorização de partes de seus equipamentos
urbanos e ao declínio de seu valor imobiliário”.15
Os negros, e em especial a juventude pobre, continuam a ocupar o centro seja para trabalhar,
consumir ou se socializar nos momentos de lazer. Isso evidencia que essa região faz parte do
circuito black da cidade, ou seja, uma série de locais espalhados pela metrópole que oferecem
opções de lazer e socialização geralmente vinculadas à música, dança, festas religiosas e ao
consumo específico do grupo. São bailes, clubes noturnos, escolas de samba, salões de
cabeleireiros, lojas de discos, botecos, pontos de encontro, igrejas etc. O surgimento desse
circuito é fruto da experiência da comunidade negra na cidade desde o século XIX e da sua
relação com os espaços urbanos, mediada por problemas raciais e de integração social. Por tais
motivos decidi iniciar minha etnografia por alguns bailes black e variações dos mesmos tendo
como ponto de partida o centro velho da cidade.

Até que enfim é sexta!


À noite de sexta tem alguma coisa que me lembra a pistola que dá o sinal
da largada. Parece liberar todo mundo de seus contratempos da semana.
As pessoas sentem uma liberdade que gostariam de sentir o tempo todo.
Ficar acordado a noite toda e ficar doido se estiver a fim. Ficar acordado
o dia inteiro seguinte e ficar mais doido ainda se estiver a fim. Ir adorar
Deus, se achar adequado. Ou ignorá-lo, se for essa a sua vontade.
Gil Scott-Heron, Abutre (2002)
16
Frúgoli Jr. sintetiza algumas características comuns aos grupos de jovens que ocupam os
espaços centrais da cidade: são provenientes de camadas populares, constituem redes de relações
oriundas das regiões periféricas, apresentam um pertencimento grupal marcado pelo consumo,
além de possuírem territórios e trajetos demarcados no equipamento urbano da cidade. Essas
características podem ser observadas na descrição que se segue dos jovens freqüentadores dos
sambas e das “baladas” blacks aqui analisadas.
***
Região central da cidade de São Paulo, mais especificamente a área localizada entre as estações
República e Anhangabaú do metrô. Uma confusão de gente apressada, camelôs fugindo de fiscais
da prefeitura, música que emana dos carrinhos e barracas que vendem CDs piratas entre outras
mercadorias. Das 18h em diante e com o avançar da noite, todo esse cenário se transformará. As
barracas especializadas em roupas de grifes como Zapping, Zoomp, M. Officer, Ellus, Nike,
Reebok, Adidas, Fila, entre outras, todas falsificadas, sairão dali deixando os calçadões mais
transitáveis. Circulará por ali uma multidão de pessoas afoitas para pegar ônibus ou metrô de
volta para casa ou ficar em busca de diversão.
No centro da cidade estão estabelecidas várias empresas do setor de serviços, como as operadoras
de telemarketing, escritórios dos mais diversos tipos e o comércio. O trabalho informal a essa
hora continua representado nas barracas ou carrinhos de CDs, responsáveis pela trilha sonora
recheada de muito rap americano e nacional, R&B e samba, além de uma nova categoria de
vendedor ambulante que entra em cena: o carrinho que vende bebidas, desde cervejas passando
pelos refrigerantes e chegando às batidas e aos denominados “quentes” ou “fortes”: cachaça,
conhaque, vodka, menta, Campari, Martini, Paisano, entre outros. Os produtos comercializados
pelos camelôs e sua procedência são “bons para pensar”, parafraseando Claude Lévis-Strauss, o
tipo, padrão e as estratégias de consumo da juventude aqui retratada. Roupas e tênis de grifes
famosas falsificadas, CDs, fitas de vídeo e DVDs reproduzidos ilegalmente, os quais são mais
acessíveis financeiramente e substituem os caros produtos originais.
Em meio a esse mercado instalado a céu aberto que começa a se desmontar acontece o “Samba da
Dom José”, informalmente conhecido como “Samba de Bandido”. O primeiro nome vem do local
onde a roda de samba acontece, a rua Dom José de Barros, um calçadão que se estende da rua
Sete de Abril até a avenida São João. Já a segunda denominação teria surgido pelo fato de alguns
freqüentadores se reportarem desse modo ao lugar devido à falta de segurança do espaço. Como o
evento ocorre em um espaço aberto não há como verificar quem está armado e, segundo eles, se
acontecesse uma confusão ela certamente terminaria em tiroteio. Numa noite em que fazia meu
trabalho de campo, encontrei alguns freqüentadores da região com os quais travei conversa. Ao
mencionar que estava me dirigindo ao “Samba de Bandido”, eles riram e retrucaram dizendo que
se dirigiam ao “Samba de Ladrão”. Retirando o lado cômico da situação, ela me fez refletir sobre
a quantidade de lugares onde acontecem rodas de samba nas noites de quinta e sexta-feira na
região central. Há por volta de cinco a seis eventos como esse num raio que varia de quinhentos
metros a um quilômetro do “Samba de Bandido”.
O fato de o local não ter nome, somente as inscrições “Churrascaria, Lanchonete e Pizzaria”,
reforça o aspecto e o ambiente de informalidade no qual acontece. Apesar da presença constante
de carros da polícia, um cheiro forte de maconha paira no ar. A roda de samba geralmente tem
início por volta das 20h30 e se estende até a meia-noite. De acordo com o imaginário construído
em relação à região, esse é um horário pouco recomendável para se andar por esses locais do
centro, contudo parece que o motivo real das pessoas começarem a ir embora por volta das 23h é
a necessidade de pegar ônibus para casa ou se dirigir para outro local em busca de lazer. O centro
é um ponto de encontro e essa agitação acontece de maneira mais intensa a partir de quinta-feira.
Na parte de fora do estabelecimento, que mantêm todas as portas abertas, podem ser encontrados
centenas de negros e alguns poucos brancos. Não é cobrado ingresso e a circulação pelo interior
do estabelecimento é livre, contudo as pessoas preferem ocupar o calçadão de um lado a outro,
dificultando a passagem dos transeuntes. Nos dois lados da rua carrinhos ambulantes,
especializados na venda de bebidas ou CDs, ficam estacionados. Os do último tipo são
responsáveis pela trilha sonora do local, uma mistura de samba que vem de dentro da churrascaria
e ritmos internacionais oriundos dos carrinhos e das barracas. Alguns mais exaltados dançam em
frente às barracas. O clima é de algazarra, paquera e animação. Nos intervalos do grupo que
comanda a roda de samba, alguém fica responsável pelo aparelho de som, de modo que a seleção
varia do black, a denominação nativa para se referir aos vários estilos de música negra norte-
americana como rap, R&B, entre outros, passando pelo samba e samba-rock. Casais dançam tanto
dentro como fora da lanchonete, enquanto as pessoas se acotovelam para pegar garrafas de
cerveja. Percebe-se que, durante o dia, o local funciona como restaurante self-service, pois o
grupo toca ao lado do móvel usado para colocar a comida, o que atrapalha a circulação das
pessoas. Do lado de fora, há várias mesas e cadeiras metálicas, contudo, a maioria das pessoas se
mantém de pé e ocupa todo o espaço de um extremo a outro do calçadão. Vez ou outra a multidão
é cortada por um carro de polícia ou pelo caminhão de lixo que passa por ali, o que causa um
certo transtorno.
Os grupos que tocam nessas rodas parecem não ter a preocupação de apresentar um “samba
autêntico”, rotulado comumente de “samba raiz”. De certa forma, um observador mais “purista”
ou preocupado com a “tradição do samba” diria que o que se toca ali é “pagode”, na concepção
destes uma forma de samba pouco original, negativo e massificado pela indústria fonográfica,
representado pelas músicas de grupos e sambistas como Exaltasamba, Revelação, Belo e
Sensação. Contudo, nota-se que, conjuntamente às músicas desses artistas, também são
executadas canções de compositores cultuados pelos “puristas” como Fundo de Quintal, Beth
Carvalho, Zeca Pagodinho, Candeia, Geraldo Filme, Cartola, Aniceto, Tio Hélio do Império e
Heitor dos Prazeres.
Por volta das 21h, a concentração em frente ao estabelecimento atinge o seu pico. Os estilos são
os mais variados. Os rapazes são rappers, rastamen, os “basqueteiros” (que se distinguem por
serem altos e jogarem basquete), pessoas vestidas com trajes mais sociais, muitas vezes por terem
saído do emprego nas redondezas, os “lagartixas”, rapazes que se vestem com roupas agarradas e
de cores espalhafatosas, além de dançarem rebolando no baile. A maioria dos garotos (com
exceção dos que trajam uma indumentária social) traz nas vestimentas variações de uma moda
hip-hop por meio de calças e camisetas largas, tênis ou botas, bonés, jaquetas (esportivas e de
couro), correntes com símbolos que fazem referência ao universo hip-hop. As garotas que se
dividem em dois estilos básicos: patricinhas (calças e saias justas, tops, vestidos e sandálias de
salto alto, todos com certo apelo erótico) e b.girls (calças jeans justas, camisetas, tops e jaquetas
esportivas, tênis preferencialmente de marcas famosas e bolsas ou mochilas esportivas).
Esse local também é ponto de encontro de um grupo de internautas negros que utilizam uma sala
de bate-papo na internet conhecida como “Black Chat”,17 criada alguns anos atrás como sala de
bate-papo na internet da revista Raça Brasil. O ponto de encontro anterior era um samba
conhecido como “Clássicos”, a um quarteirão dali, na esquina da rua 24 de Maio com o Teatro
Municipal. Após seu fechamento, devido a uma reforma nas ruas do entorno, o que prejudicava a
aglomeração das pessoas, o “Samba da Dom José”, ou “Samba de Bandido”, passou a ser o local
de referência.
O que se pode perceber é que o local, de acordo com a categorização de Magnani18 e as
observações de campo de Frúgoli Jr.,19 se constitui num “pedaço” do circuito black da cidade de
São Paulo, pois ali se reúnem pessoas das quatro regiões da cidade (sul, norte, leste e oeste) e até
de cidades da Grande São Paulo, como Santo André e São Bernardo do Campo. A dispersão para
as festas, após o término do samba, ou até mesmo antes, obedece regras que levam em conta o
preço, o ambiente, o tipo de parceiro que se deseja atrair, a maneira como se deseja ser visto e,
principalmente, o tipo de som tocado em cada local. Mediante conversas com os freqüentadores,
percebe-se que as festas se organizam em torno de uma escala, do som mais comercial
(mainstream) até o mais underground, cruzado por outros dois elementos, um que faz referência à
proposta de cada casa e outro referente ao preço. No decorrer do texto veremos como os três
clubes pesquisados se enquadram nessa escala.

“Então, tem que dançar dançando”20


Grandes festas no Palmeiras com a Chic Show/ Zimbabwe e Black Mad
eram Company Soul
“Sr. Tempo Bom” – Thaide e DJ Hum (1996).

Antes de entrar propriamente na etnografia dos bailes, vale a pena discorrer sobre certa tradição
de bailes negros em São Paulo. A intenção é historicizar, sucintamente, o surgimento desses
espaços de sociabilidade da comunidade negra paulistana.21 Os bailes fazem parte do lazer e da
vida social dos negros há bastante tempo. Há relatos de participantes da Frente Negra Brasileira
(FNB), dos anos 1930, a maior organização política de negros já vista em São Paulo e no Brasil,
que evidenciam a ocorrência de bailes nos mesmos moldes dos clubes recreativos e sociais dos
imigrantes ou da elite paulista autóctone.22 Essa atitude se explica pelas aspirações
integracionistas e de classe média que embasavam a FNB. Porém, a relação da comunidade negra
com os bailes data da década de 1910. Nessa época já havia os “salões de raça” que promoviam
encontros dançantes durante o ano todo e tinham relações bastante próximas com outras
manifestações lúdicas da comunidade negra, como, por exemplo, os cordões carnavalescos.23 O
depoimento de José de Correia Leite, militante negro renomado, um jovem naquela época,
ressalta a importância desses eventos:
O indivíduo que freqüentava salões de baile acabava se tornando popular, pois o baile
era algo indispensável. Só os que não tinham condição nenhuma de se apresentar é que
não iam. Tinham de se contentar com festas de quintal, batizados, casamentos...
Quando nesses lugares aparecia um sujeito que freqüentava salão, era uma rivalidade
danada. As damas acabavam disputando o chamado “negro de salão”, que em geral se
vestia muito bem e era pouco dado à bebida.24
Vimos na citação acima que o fato de freqüentar ou não bailes era usado como fator de distinção
social entre os negros no começo do século passado. Em fins da década 1950 e início da de 1960,
com o crescimento da influência cultural dos Estados Unidos no pós-guerra e o maior acesso aos
aparelhos eletro-eletrônicos, como as vitrolas, e aos bens culturais, como os discos de vinil, os
negros paulistanos experimentam um maior contato com a musicalidade dos negros norte-
americanos. Nessa época se proliferaram entre os negros algo que ficaria conhecido como festas
de garagem ou quintal. Impedidos de freqüentar os bailes de orquestras, devido ao preço
proibitivo ou a restrição deliberada de negros nesses espaços de lazer, esses indivíduos
começaram a improvisar suas próprias festas, algo possibilitado pela inovação tecnológica das
vitrolas e dos discos de 78 RPMs. Se a juventude branca de classe média era influenciada pelo
rock e criava o “iê-iê-iê”, os negros animavam as suas festas de garagem ou jantares dançantes,
como afirmou DJ Hum,25, ao som de jazz, soul, músicas de orquestras, “jovem guarda”, música
caribenha sem deixar de lado o samba brasileiro, meio no qual nasceu a dança samba-rock. Com
o tempo, essas reuniões dançantes foram crescendo e ocupando outros espaços, os salões,
animados pelas “orquestras invisíveis” que deram origem aos primeiros DJs.26
Na virada dos anos 1960 para os 1970, começam a surgir as primeiras equipes de som formadas
por amigos ou irmãos que se reuniam para “dar som” por lazer. Exemplos desse fenômeno são as
equipes Chic Show, Zimbabwe, Transanegra e Black Mad. O lazer continuou a crescer e se tornar
lucrativo no decorrer dos anos 1970. Nessa época, os jovens negros consumiam um tipo de ritmo
que lhes era pouco acessível devido a não existir interesse das gravadoras nacionais em lançar
discos dos músicos de soul e, posteriormente, funk. Com exceção dos artistas conhecidos, aqueles
que faziam parte do elenco de gravadoras como Motown e a Stax, pouca coisa chegava ao Brasil.
Por esse motivo, as equipes bem estabelecidas começaram a fazer contatos nos Estados Unidos e
importar os discos.27 Ter exclusividade em relação a certas músicas e determinados cantores(as)
era o grande chamariz e diferencial na disputa pelo público.
Por outro lado, o público mais jovem tinha uma postura diferente em relação ao público mais
velho. Lembremos que estamos na época da contestação negra nos Estados Unidos e da
organização do movimento pelos direitos civis, evidenciamento de lideranças afro-americanas,
surgimento de partidos negros e manifestações de uma estética negra renovada diacriticamente. O
historiador Joel Rufino dos Santos, refletindo sobre a influência dessa conjuntura histórica para o
ressurgimento do protesto negro brasileiro, afirma que no Brasil a valorização dessa nova estética
negra trouxe, a reboque, posteriormente, uma “atitude” político-racial.28 Numa proposição que
pode ser generalizada para a maior parte dos jovens negros dessa época, afirma ele que
Haveria, para começar, a influência do movimento negro norte-americano, aí incluídos
o black is beautiful, o black soul e os black muslins. Provavelmente essa influência se
deu menos por intermédio da mensagem política que pelo convite a uma “atitude
negra”, que trazia, por sua vez, embutido a questões de identidade – essa pedra de
toque dos movimentos étnicos. Shaft foi sem dúvida mais popular entre os jovens
negros brasileiros que S. Carmichael, mas não terá sido desprezível a voga de Malcolm
X, Angela Davis, Eldreage Cleaver, Rap Brown, Baldwin e, sobretudo, Luther King;
mais recentemente, nenhum deles excedeu Jimmy Cliff e Bob Marley.29
Os jovens negros paulistanos estavam deixando o cabelo crespo crescer e viajando nas músicas
cheias de ritmo de James Brown, Curtis Mayfield, Marvin Gaye, Stevie Wonder, Isaac Hayes,
entre outros. Usavam calças boca de sino, camisas com gola em “V” e repetiam a frase “Black is
beautiful”, reinterpretada no título da canção de Jorge Ben (e não ainda Benjor!) “Negro é
lindo!”.30 A incompatibilidade geracional entre os públicos fez com que, no fim dos anos 1970, as
equipes criassem bailes específicos: os bailes soul para os jovens e os bailes nostalgia para os
mais velhos. A primeira equipe a fazer isso foi a Chic Show, dando o nome de “Musicália” para
as suas festas nostalgia. As grandes festas que aconteciam no ginásio do Esporte Clube Palmeiras,
no começo dos anos 1980, eram bailes soul, enquanto os bailes nostalgia aconteciam – e ainda
hoje acontecem, como se pode comprovar pelos flyers, – em espaços tidos como mais
requintados. Félix nos fornece uma definição de baile nostalgia:
A importância dessa menção é demonstrar que, de fato, existem vários exemplos de
bailes black. O fato determinante para a presença nesses bailes, além da faixa etária de
seus freqüentadores, é a indumentária. O traje exigido pelos seus organizadores é o
“esporte chic”, que consiste em camisa social (sem gravata), calça de tergal, sapato de
couro e meia social, para os homens. Para as mulheres, o traje exigido é o vestido
longo. “Estas regras” no vestuário, segundo os seus organizadores são, na verdade, uma
forma de afastar os jovens, pois a maneira de vestir deles é totalmente diferente. As
músicas executadas nesses bailes para a velha guarda são mais antigas, chamadas pelos
freqüentadores de “nostalgia”. Esses bailes são organizados com um espaço de tempo
maior entre um e outro; a periodicidade mínima é mensal. Eles costumam acontecer em
lugares mais “sofisticados”, como, por exemplo, o Clube Homs, na avenida Paulista; a
Casa de Portugal, na avenida Liberdade ou algum imóvel luxuoso e amplo alugado
somente para o baile, no bairro do Pacaembu. Em todos, destaca-se um certo “luxo”.31
Parte da história dos bailes nos anos 1970 e 1980 foi imortalizada na letra de um rap da dupla
Thaide e DJ Hum intitulado “Sr. Tempo Bom”, usada como epígrafe deste tópico. Em meados
dos 1990, os bailes de negros passaram a ser chamados de bailes black. Essa é uma denominação
própria dos organizadores, como afirma Félix32 em seu trabalho sobre dois deles. A expressão
black tem vários significados. Como constatado em conversas com freqüentadores desses bailes e
de acordo com Sansone,33 faz referência a estilos musicais negros como rap e R&B, de modo que,
ir ao baile black corresponde a se dirigir a espaços nos quais esses ritmos são executados. Por
outro lado, pode-se entender o uso do termo como uma certa admiração dos afro-paulistas em
relação aos “patrícios” da América do Norte, numa tentativa de reelaboração da imagem do grupo
e inserção numa suposta “modernidade”.34 Por último, o uso do termo pode ser entendido como
uma referência à variedade de ritmos negros executados nesses espaços em contraposição às
festas dos anos 1970, conhecidas como “bailes soul”, ou aos atuais bailes funk do Rio de Janeiro
e de Salvador,35 onde se executa(va) apenas o ritmo referido.
Por parte dos “baileiros” (organizadores de bailes), o uso do termo para denominar suas festas foi
estimulado quando, em meados dos anos 1990, os meios de comunicação começaram a fazer uma
associação entre bailes funk do Rio de Janeiro, violência e narcotráfico.36 Também se pensava
num vínculo entre o funk e os “arrastões” ocorridos nas praias cariocas no decorrer daquela
década.37 O uso do termo “black” em São Paulo estabeleceria uma diferença em relação às festas
cariocas e um imaginário negativo das mesmas. Félix nos fornece uma pequena definição do que
seria o fenômeno social por ele estudado afirmando que “constituem-se em dois loci que têm
como principal função proporcionar aos seus freqüentadores uma forma de lazer específica, que é
o desfrutar da música para dançar. As pessoas também vão a esses espaços para encontrar
amigos, namorar, conversar, beber etc., enfim para exercer a prática da sociabilidade”.38
Onze anos atrás, uma revista de circulação restrita ao público de hip-hop de São Paulo fez uma
entrevista com Luiz Alberto dos Santos, o Luizão, principal chefe da “empresa” Chic Show
àquela época. Ele faz uma análise das mudanças que ocorreram desde o surgimento da equipe, em
1967, até a data da entrevista:
A Chic Show já existe há 27 anos, surgiu na região de Pinheiros e com bailes sem
pretensões comerciais. A única preocupação era de fazer festas para alegrar a galera. O
esquema da Chic Show cresceu muito e por conta disto há uma divisão na
administração. Fião cuida da parte financeira. Eu cuido da parte de promoção, da parte
artística, de tudo que se relaciona às inovações da Chic Show, da gravadora na parte
dos lançamentos e da divisão Chic Show Five Star eu também sou o diretor artístico. E
tem os outros irmãos que são o Makum, o Sérgio e o Kitão, que cuidam dos vários
bailes que nós temos como Clube da Cidade, Ponto de Encontro, Sunset, Projeto
Radial, Chopapo, Danys-Guaianazes, Clube Atlético Osasco, Diamante Lapa e as casas
Sambarylove. A Chic Show faz em média 16 eventos reunindo normalmente 50 mil
pessoas todos os finais de semana.39
A afirmação de Luizão Chic Show é confirmada por Humberto Martins, o DJ Hum, ex-parceiro
de Thaide na dupla de rap Thaide e DJ Hum e atualmente um dos mais respeitados disc-jóqueis
de black music além de produtor e proprietário do selo Humbatuque. Martins afirma que “a Chic
Show foi a maior equipe de São Paulo, era um “Hip Hop na Veia”40 em dez bairros no mesmo
dia; em São Miguel tinha duas mil pessoas onde tocava o Sampa Crew; tinha o Thaide e DJ Hum
em Osasco e no mesmo sábado tinha o Racionais no Clube da Cidade, fora os outros bailes que
existiam em 83/84”.41
Para Félix, mais do que realizar a etnografia dos bailes, “a questão central reside na reflexão
sobre a maneira pela qual esses atores sociais constroem suas identidades, no interior desses
grandes salões de encontros noturnos”.42 De acordo com Sansone,43 o processo de globalização da
economia, que se intensificou nos anos 1980 e 1990, foi responsável pela divulgação exacerbada
no mundo todo de uma musicalidade, um estilo de vida e uma estética muito vinculados às
populações negras do eixo Nova York, Los Angeles, Kingston e Londres. Em outras palavras, o
antropólogo se refere à disseminação da variante anglo-saxã dentre os vários tipos de “cultura
negra”44 existentes no mundo num processo que ele denomina de “globalização negra”, a saber,
“a internacionalização, através do processo geral de globalização, de panoramas étnicos e de
símbolos e produtos correlatos, associados à representação da cultura e da identidade negras nos
Estados Unidos”.45
A meu ver, a maneira como os jovens afro-paulistas constroem sua identidade racial e os
elementos encontrados nas etnografias relatadas a seguir têm relação íntima com esse processo.
As transformações econômicas trazidas pelo processo de globalização, o boom de ritmos como o
rap, o R&B, o raggamufin, aliados à crescente influência da mídia televisionada e escrita,
promoveram uma estética negra renovada do ponto de vista plástico, ligada ao consumo e que
reelabora velhos estereótipos sobre a representação da população de origem negra. Vejamos então
o que mudou no cenário black de São Paulo desde a fala de Luizão Chic Show em 1994.

Sala Real – A balada hip-hop


“Sala Real – Cultura e CIA – Sua Terapia Alternativa”
Dizeres na faixa colocada na calçada de entrada do clube.
“Hip-Hop Acústico.” Esse é o nome do evento que ocorre todas as sextas-feiras no Sala Real, um
pequeno salão localizado na rua Epitácio Pessoa, 155, na famosa região conhecida como Boca do
Lixo. Essa área situa-se no quadrilátero formado pela avenida Ipriranga, rua Amaral Gurgel, largo
do Arouche e praça da República, local marcado por pontos de prostituição, boates de striptease e
inferninhos dos mais diversos tipos. O flyer informa que “acontece no centro de São Paulo, uma
jam de hip-hop e DJs residentes” com a apresentação de um MC a partir das 23h.
O local é um “ponto de encontro” do público e de personalidades da cena hip-hop 46 paulistana,
principalmente aqueles ligados ao que se convencionou chamar “nova escola”, ou seja, grupos e
pessoas que emergiram nesse meio a partir da segunda metade dos anos 1990, em detrimento da
“velha escola”, composta pelos pioneiros que iniciaram suas atividades no fim dos anos 1980. As
diferenças entre as duas escolas não se restringem apenas à idade de cada uma, mas também às
propostas musicais e temáticas diferenciadas, abordadas nas letras dos raps. Boa parte das
pessoas, quase na totalidade composta de jovens entre 16 e 30 anos, está aglomerada nas calçadas
bebendo cerveja ou vinho barato. As conversas são permeadas por referências ao universo hip-
hop, shows, lançamentos e produção de discos.
Em todas as festas visitadas havia sempre um “boteco” nas esquinas próximas onde os
freqüentadores se reuniam. No caso do “boteco” próximo ao Sala, há uma grande diversidade de
usuários. O espaço é dividido entre freqüentadores desse clube, travestis que fazem ponto nas
redondezas e homossexuais que vão a outro clube chamado Danger, localizado na esquina oposta.
Contudo, a utilização não se dá de maneira conjunta: os travestis aparecem no bar em número
maior em horas mais avançadas, pelo que pude averiguar com o proprietário. Já as aparições dos
homossexuais são bem mais esporádicas. O odor forte de maconha, vindo do lado de fora, sempre
impregnava o ambiente do bar.
Ao entrar no Sala Real, percebe-se que o interior do clube é um lugar apertado e quente (por estar
lotado), com um palco iluminado com luzes vermelhas, onde estão o mestre de cerimônias e uma
banda composta de baixo, guitarra, bateria e um DJ. Os freqüentadores fazem trocadilho com o
nome do lugar se referindo a ele como “Sauna Real’, devido ao seu tamanho exíguo e ao calor
que faz dentro do clube. A divisão do espaço é muito próxima à de uma boate de striptease. Essa
suspeita seria confirmada quando, ao sair de lá no fim da noite, fui conversar com o proprietário
do “boteco”, um senhor simpático e brincalhão que dizia ter vindo do sul, “Suerá”, o qual me
informou que o local era anteriormente um “puteiro”. Todavia o clube está organizado de maneira
que a atenção de todos se volte para o palco, onde ocorre um revezamento no freestyle, ou seja, as
pessoas se inscrevem para subir no palco e criar um rap de improviso com uma base rítmica
criada pelo DJ e a banda. A grande diversão é ver a performance dos freestylers.
A maioria dos freqüentadores é composta de negros e poucos brancos. Dentro do “boteco”, por
exemplo, o último grupo ocupava um lugar à parte e algumas garotas se destacavam pelo visual
diferenciado: vestidos, blusas e saias estilo indiano, além de sandálias. Os rapazes estavam dentro
da moda hip-hop.
As temáticas rimadas pelos freestylers giram em torno de assuntos como a sua “área” (região de
origem na cidade), periferia, violência, falta de dinheiro, originalidade, racismo, a “nova escola”
entre outros. As mais significativas na minha opinião, considerando as noites que freqüentei o
local, foram as de Slim Rimografia e Kamau. O primeiro improvisou uma rima falando que havia
passado por baixo da catraca do “busão” (ônibus), prática comum entre jovens da periferia, e que
tudo isso fazia parte da sua “balada”. Já Kamau, o mestre de cerimônias que organizava o
freestyle, fechou uma seção com rimas que misturavam vários temas que pareciam desconexos. O
que marcou sua performance foi uma frase lançada no final: “Isso aqui (hip-hop) não é cultura, é
um estilo de vida”. Momentos antes, contudo, uma certa tensão havia surgido quando um rapaz
de codinome Criolo Doido subira no palco e improvisara uma rima criticando os rastamen que o
“tiraram” (ridicularizaram) questionando sua ascendência racial (o rapaz era mestiço). Ele, em
outras palavras, respondera dizendo que não era porque os rastas usavam dreads47 que eles seriam
os verdadeiros negros; haveria muitos que não teriam “atitude” e não se dariam ao respeito. Ao
final o garoto seria aplaudido por uns e desprezado por outros.
Após o encerramento da sessão de freestyle, o DJ assumiu as picks ups (toca discos) e a primeira
música a ser tocada foi “Olhos Coloridos” de Sandra de Sá, para “quebrar o gelo”, ao que parece.
As pessoas começaram a dançar, sozinhas ou aos pares (não juntos, mas o rapaz acompanhando a
garota e vice-versa). Um fato interessante é que não há um clima de paquera ou assédio entre
homens e mulheres. Os casais já chegam ao local formados e quem vem desacompanhado acaba
voltando sozinho para casa.
Alguns freqüentadores afirmaram que o grande atrativo do local era o som mais underground,
que não é tocado em outros locais, e a sessão de freestyle. Como disse Márcia, uma negra de 23
anos, o Sala “seria alternativo ao seu modo”. Compõem essa idéia de “alternativo” dois
elementos, um de natureza simbólica e outro de ordem econômica. Primeiro, a valorização de
uma certa transgressão da ordem, que pode ser captada nas rimas lançadas pelos freestylers, no
local deteriorado em que se encontra o clube e no consumo de bebidas e drogas, como a maconha
na parte de fora do clube. Segundo, o baixo valor da entrada (homens pagam R$ 5 e garotas R$ 1
até a meia-noite), o que evidencia que o local é um espaço de lazer de jovens de classes menos
abastadas.

Mood Club – a noite black


“I love niggers!
I love black girls!”

Frases ouvidas de uma garota e de um rapaz, ambos brancos, na entrada da Mood Club.

Pinheiros, e mais especificamente a Vila Madalena, é uma das manchas de lazer mais conhecidas
de São Paulo, mas ao passar pela rua Teodoro Sampaio durante o dia, muito próximo à praça
Benedito Calixto, é difícil perceber a existência de um clube noturno no número 1109. Essa parte
do bairro de Pinheiros é conhecida pelo aglomerado de lojas de instrumentos musicais e pela feira
cultural que ocorre todos os sábados na praça citada, reunindo pessoas que buscam os mais
diversos produtos, desde móveis antigos até incensos indianos. Porém, é sexta à noite e um
boteco localizado na esquina da praça está lotado. Das pessoas que ocupam o local há uma
maioria de brancos e uma minoria de negros. Dos grupos que freqüentam o samba da rua Dom
José de Barros estão presentes os “basqueteiros” e algumas garotas.
Momentos depois em frente ao clube, antes de entrar na casa, ouviria uma frase que me deixaria
bastante intrigado. Uma garota branca chegou acompanhada de um rapaz também branco. Não
eram namorados e falavam sobre chamar alguém que pudesse liberar a entrada de ambos na casa.
Houve um momento de silêncio entre os dois e a garota que estava bem atrás de mim disse: “I
love niggers!”. Em questão de segundos o rapaz emendou “I love black girls!”. No intuito de
agradar ou se sentir “descolada” a garota usou erroneamente o inglês (ou não, caso sua intenção
fosse outra!), já que nigger é uma palavra extremamente ofensiva aos afro-americanos. O uso do
termo pela garota pode ser devido ao fato de a expressão ser comumente encontrada em letras de
rap norte-americanos, sendo prática comum rappers afro-americanos chamarem-se uns aos outros
dessa maneira. Por outro lado, o uso do termo depende de quem fala e do contexto. 48 Fácil
lembrar das lições de Pierre Clastres49 entre poder e palavra: o que se fala, em nome de quem se
fala e para quem se fala. Em suma, um branco dirigir-se a um negro norte-americano utilizando o
termo nigger é extremamente ofensivo. Pensar essas duas frases lançadas no contexto de uma
noite black na Vila Madalena é digno de nota.
Tempos atrás, o local era sede de uma badalada casa denominada The Pool. O proprietário era um
ator global. Na época de minha pesquisa de campo (primeiro semestre de 2004) as festas black se
restringiam às sextas e aos sábados, de modo que nos outros dias da semana se promoviam outros
tipos de eventos. A casa tem uma série de serviços que a diferencia dos bailes black tradicionais.
Exemplo disso é a existência de estacionamento, manobristas e de uma página na internet,50 na
qual é possível obter informações e colocar o nome na lista VIP, que dispensa o pagamento da
entrada. O valor da entrada é bastante alto. Homens pagam de R$ 30 (com flyer) a R$ 40 (sem
flyer). Mulheres são VIPs até a meia-noite com o nome na lista ou com flyer em mãos, caso
contrário desembolsam R$ 25. Aceitam-se todos os cartões de crédito e trabalha-se com o sistema
de comandas, ou seja, o que é consumido é marcado em um pequeno papel e o pagamento é feito
na saída. A perda da comanda implica o pagamento de um valor bastante alto.
O espaço físico do clube está dividido entre duas pistas de dança nas quais ocorrem discotecagens
simultâneas. A primeira, que fica no fim de um pequeno corredor de entrada, é menor. DJs e MCs
ficam no alto de uma escadaria, local onde está localizada a cabine de som, oposta à porta de
entrada. À esquerda da escadaria se localiza um bar e, logo em frente, os caixas onde é feito o
pagamento das comandas. Pequenos sofás encontram-se dispostos nas partes extremas do local.
Há uma escadaria que leva a um pequeno subsolo onde se localiza a chapelaria. Atravessando o
público, que dança no meio da pista, e dirigindo-se ao lado oposto do bar encontra-se um corredor
que leva aos banheiros, camarotes e à segunda pista de dança, bem maior que a primeira. Ali o DJ
principal da noite faz a sua discotecagem em uma cabine de som que fica no extremo oposto à
entrada da pista. Do lado direito da cabine do DJ localiza-se um bar, este também maior. Nessa
pista, diferentemente do que ocorre na outra, o DJ não é auxiliado por um MC. Ele toca sozinho e
é a grande atração da noite. O espaço de ambas as pistas é disputado entre centenas de
freqüentadores e não é raro ver as pessoas se esbarrando durante a dança. Aliás, mesmo com o
vigoroso sistema de ar-condicionado o ambiente não deixa de ser abafado devido ao grande
número de pessoas. No geral, o clube busca apresentar um espaço sofisticado e, na medida do
possível, confortável.
Os DJs discotecam durante toda a noite e a set list varia entre rap, R&B e raggamufin, 90% de
músicas internacionais (de procedência norte-americana ou jamaicana) e o restante nacional. Não
há sessões de música lenta, pagodes ou quaisquer outros ritmos. A maneira como o público dança
pode variar do individual para casais, de modo que nesse último, o rapaz tende a acompanhar a
garota girando em torno dela de forma relativamente erotizada.
A composição do público é bastante próxima do observado na lanchonete da esquina. A interação
entre ambos é pouca e quase todos chegam em grupos homogêneos do ponto de vista racial.
Garotas negras andam e estão acompanhadas de outras garotas também negras. No caso dos
rapazes ocorre o mesmo, porém a interação entre negros e brancos parece ser bem maior. Há
muitos rapazes negros paquerando garotas brancas, mas o inverso, rapazes brancos paquerando
garotas negras, não é tão comum. Casais inter-raciais são menos comuns, apesar da propaganda
feita pelos freqüentadores em relação a esse aspecto, como se verá no decorrer do texto. O
número de mulheres é superior ao de homens, algo que se explica pelo fato de estas terem a
entrada liberada até a meia-noite.

Sambarylove – o baile black


“A sexta mais dançante de São Paulo”
Dizeres inscritos no convite cortesia da casa.

Rua Rui Barbosa, 42, Bela Vista. A primeira coisa que chama a atenção é o nome do clube que
faz um jogo de palavras com os diferentes significados dos termos em inglês e português. De
acordo com o proprietário, Carlos Família, a designação Sambarylove, seria “a junção de samba e
amor (em inglês love). Mas o neologismo foi inspirado no título de um antigo sucesso cantado
por Frank Sinatra, “Somebody love”.51 Quando a casa foi inaugurada, a região da Bela Vista,
onde está localizada, era uma mancha de lazer importante da cidade segundo Torres.52 Lá se vão
quinze anos e o perfil do público mudou bastante. Antes voltado para faixas etárias mais
elevadas, hoje esse clube atende uma juventude negra na sua maior parte entre os 16 e 25 anos. A
mancha de lazer do Bixiga também não deixou de existir, mas perdeu a importância que tinha no
decorrer dos anos 1980 e início dos 1990.
Conceição qualifica o Sambarylove “como um dos estabelecimentos mais movimentados da zona
central paulistana, montado numa casa de dois pavimentos e design interno que segue a linha das
casas de espetáculos mais modernas”.53 Esse é um posto que o clube não ocupa mais no início do
século XXI, apesar de continuar a melhor definição do que poderíamos classificar de baile black e
de não perder sua posição de referência nesse circuito.
Há um boteco na esquina da Rui Barbosa com a Manoel Dutra e uma barraca na calçada oposta
ao clube conhecida pelos freqüentadores como “Barraca do Bigode”, uma referência ao apelido
do proprietário. A tática é a mesma dos outros clubes: esses locais servem como uma “prévia” do
que vai “rolar” durante a noite no que diz respeito à escolha de uma paquera ou se o clube está
cheio. É possível tomar uma cerveja mais barata e fazer um lanche, algo que geralmente se repete
no fim da madrugada.
A casa é freqüentada por jovens negros de todas as regiões da cidade, além de alguns
provenientes de cidades vizinhas da Grande São Paulo e do interior do estado. Muitas vezes é
possível observar excursões, com ônibus e microônibus, vindas do litoral ou do interior. Os
preços dos convites às sextas variam de R$ 7 (garotas) a R$ 9 (rapazes), sendo que as mulheres
não pagam até às 23h30.
O público da casa é majoritariamente negro. Os ritmos tocados são os mais variados dentro do
que se pode classificar como música negra: samba, samba-rock, axé, rap (nacional e
internacional), R&B, raggamufin e “melodia” (o equivalente à música lenta para dançar a dois).
A casa tem dois pisos: no superior, grupos de samba se revezam num pequeno palco e durante o
intervalo entra em cena o aparelho de som com seleções de samba e samba-rock; no piso inferior,
cada metro quadrado da pista de dança, circundada por um mezanino, é disputado por
freqüentadores que dançam ao som tocado pelos DJs da casa. Os ritmos preferidos ali são os
internacionais, mas há sessões de samba, samba-rock e axé também. Há dois bares no piso
inferior e um no superior. O espaço físico da casa se completa com a parte de fora, um quintal
chamado pelos DJs de “beijódromo” ou quintal, local onde se pode “conversar” mais de perto
com o(a) namorado(a) ou pretendente, além de comprar bijuterias expostas na barraquinha do
artesão Matuza ou camisetas da marca Cresposim vendidas por R.D.O, proprietário da grife. Há
também um espaço de transição entre a entrada, o piso inferior e os banheiros. Se comparado às
casas mais requintadas, como a Mood, o interior do Sambary, como é chamado pelos
freqüentadores, é bastante simples.
Os DJs residentes são dois, Marcão e Dema, sendo que a interação destes com o público é grande.
Costuma-se agitar os freqüentadores conclamando-os a completar rimas cheias de palavras
obscenas como “Ei menina eu estou passando mal/ É que passaram sabonete na cabeça do meu
pau” ou “A coisa tá ficando brava, a coisa tá ficando preta/ Faz mais de uma semana que eu não
como uma boceta”. Rivalidades entre regiões da cidade (norte, sul, leste e oeste) ou times de
futebol da capital também são estimuladas. As falas do DJs geralmente sugerem uma erotização
que é mais difícil encontrar em outras festas, mas que é um aspecto bastante comum na maioria
dos bailes black organizados por equipes de som.
No que diz respeito ao Sambary, ele fazia parte de uma série de casas da equipe Chic Show até
por volta de 1997, quando um desentendimento entre os irmãos proprietários culminou numa
separação. O proprietário atual é Carlos Família, irmão de Luizão Chic Show, citado
anteriormente. Família também é responsável pela realização de um baile nostalgia, intitulado
“Musicaliando”, que ocorre bimestralmente. No início dos anos 1990, como nos mostra
Conceição,54 o Sambary abria para o público black às quartas, sextas, sábados e domingos. Hoje
esse tipo de festa se restringe às sextas-feiras, pois aos sábados ocorre uma noite de axé e aos
domingos forró. Isso evidencia as mudanças que ocorreram na área de entretenimento que
trabalha com música negra: novos consumidores, novas casas, o aumento da importância dos DJs
e dos MCs em detrimento das equipes.
O tipo de som tocado na casa foi classificado por boa parte dos informantes como comercial e a
casa como ultrapassada. Por outro lado, outros a classificaram como um espaço que tem “mais a
ver com os negros do que as baladas da Vila Madalena” ou que tem “mais a cara da negraiada”.
Numa das saídas a campo presenciei a conversa de uma garota com o proprietário da Barraca do
Bigode, Roberto. A garota inconformada dizia que, apesar de sua idade mais elevada, continuava
a freqüentar os sambas do centro da cidade e o Sambarylove, lugares em que podia encontrar só
negros, em detrimento das noites black da Vila Madalena ou do que ela chamava de os “sambas
caranguejo”, espaços em que se toca samba e os negros são minoria. 55

Distanciamentos e aproximações
As observações de campo e conversas com vários freqüentadores apontaram que a escolha dos
jovens no que diz respeito aos bailes a partir do espaço do “Samba de Bandido” obedece a uma
escala que qualifica o som tocado em cada lugar entre dois extremos: comercial ou underground.
Esse gradiente se relaciona a uma série de outros elementos como o preço da entrada, o tipo de
paquera que se busca, a capacidade de manipulação e estetização do corpo, além da maneira
como se deseja ser visto. Talvez valha a pena, primeiramente, evidenciar o que os públicos das
casas têm em comum.
Há um padrão de vestimenta próprio dos freqüentadores dos três locais. No caso dos homens, a
indumentária é composta por camisetas largas com estampas de grupos de rap, grifes norte-
americanas como Fubu (For Us By Us), Roca Wear e Ecko Unltd., além das nacionais de nomes
sugestivos como “Serviço de Preto”, “Pixa-In Hip-Hop Wear”, “Slum”, “4P (Poder Para o Povo
Preto)” e “Cresposim”, para citar apenas as mais recorrentes.56 Também é comum o uso de grifes
esportivas como Nike, Puma, Reebok e Adidas além de algumas relacionadas ao skate. O visual
se completa com calças jeans largas (as famosas calças bigs), tênis para basquete, atletismo ou
skate e, em alguns casos, botas. Bonés e outros tipos de chapéus também se fazem presentes.
Alguns rapazes possuem tatuagens, principalmente nos braços.
As garotas estão menos subordinadas à moda hip-hop e possuem um visual mais diversificado. A
variação é grande, indo desde um padrão que poderíamos classificar de “patricinha” (blusinhas,
tops¸ vestidos justos, calças jeans marcando o corpo, botas e sandálias de salto alto), passando
pela moda hip-hop idêntica à dos garotos e chegando até os vestidos e saias indianas (esse tipo
não tão comum). Na maioria das vezes, a tendência é fazer uma mescla entre as várias tendências.
Na Mood Club, a garota que trabalhava de hostess na recepção estava totalmente estilizada,
tratando-se de uma mestiça que usava o cabelo crespo solto e desgrenhado num enorme black
power. O cabelo estava pintado de uma cor que lembrava cobre. Seu visual se equiparava ao de
cantoras de R&B como Kelis, Erykah Badu e Beyoncé Knowles. De acordo com informação dada
por uma freqüentadora, a maneira de se vestir e os penteados dessas cantoras servem de modelo
para as garotas negras que freqüentam os bailes. Os estilos de cabelo de ambos os sexos variam
entre trançados, dreadlocks, black power,57 raspados e alisados, este último predominante entre
as garotas.
Em conversa com alguns rapazes percebi que o fato de as garotas se vestirem totalmente num
padrão hip-hop não era muito bem aceito pelos mesmos, já que elas “perderiam o seu lado
feminino”. Essa “perda” pode ser entendida de duas maneiras: de um lado, a ausência do aspecto
mais erotizado próprio da representação de gênero relativo à mulher desses espaços; de outro,
existiria a demanda por uma moda hip-hop mais adaptada às garotas, algo que só recentemente
tem aparecido. Em suma, os rapazes preferem uma “mina” que se vista no padrão de uma
“patricinha” do que uma “mana” ornamentada à la hip hoper.
Em todas as festas visitadas, havia uma forma específica de dançar. As pessoas dançavam
sozinhas ou em pares; nesse último caso, a garota era circundada pelo rapaz, que fazia pequenos
giros ao redor dela e de si mesmo, movimento que era correspondido pela garota. A dança
apresentava um pequeno grau de erotização, dando a entender que o rapaz estava cortejando a
garota. Não era raro abrirem-se rodas na pista de dança onde os casais se exibiam. Muitas vezes a
dança tomava conotações de disputa entre duas pessoas no centro da roda aberta e, nesse caso, o
par poderia ser de garotos(as) ou um casal. Não era comum ver grupos grandes fazendo o mesmo
movimento, o que é chamado, nos bailes, de “passinho”. Diferentemente do que outros trabalhos
demonstram,58 não havia rodas de break dance, o que se explica pelo fato de que, de algum tempo
para cá, os b.boys vêm organizando festas próprias.
As semelhanças entre as festas ficam por aí. Sua lógica de diferenciação me foi explicada por
uma freqüentadora chamada Márcia. De acordo com ela, três fatores são preponderantes ao se
fazer uma diferenciação entre o Sala Real, o Sambarylove e Mood Club: tipo de som, preço e
proposta de cada espaço. A fala da garota valorizava um corte referente à musicalidade. Haveria
dois tipos de som: o underground (Sala Real) e o comercial (Sambarylove e Mood Club). A
garota de 23 anos tem um posicionamento bastante crítico em relação aos freqüentadores do Sala
Real e do Mood Club. Segundo ela, “as pessoas que freqüentam esses lugares não são o que
aparentam, fazem tipo”. O Sala Real, na sua opinião, seria uma festa que corresponderia ao
universo hip-hop, “alternativo”. É interessante notar que o termo “alternativo” foi algo recorrente
nas conversas travadas nesse clube, sendo que seus freqüentadores e promotores faziam questão
de expor o local como uma opção alternativa de lazer no circuito black. Algo que comprova isso é
a frase do folder do local: “Sala Real – Cultura e CIA – Sua Terapia Alternativa”. Já em clubes
como o Mood, segundo Márcia, haveria uma ostentação black (carros, mulheres bonitas, dinheiro
e roupas caras), uma maneira de se apresentar segundo a qual o modelo ideal de beleza e
vestimenta seria aquele visto nos vídeos de música negra norte-americana. A festa em que haveria
menos pessoas fazendo “tipo”, segundo ela, seria o Sambarylove.
No que diz respeito à sonoridade, percebe-se que, diferentemente da afirmação de Márcia, outros
freqüentadores qualificam o som do Mood Club como o de melhor qualidade, seguido do Sala e,
por último, do Sambarylove, onde as músicas seriam totalmente comerciais. A qualificação
comercial aqui é entendida como o “som carne de vaca”, tocado nas rádios comerciais, já
conhecido por todos e que virou “modinha”. Todos são categóricos em afirmar que o som do
Sambarylove é comercial, mas o outro extremo, o da musicalidade mais underground, é
disputado entre os outros dois clubes. Esse último termo relaciona-se com exclusividade e
novidade, ou seja, músicas que não tocam em nenhum outro lugar e lançamentos do mercado que
ainda não viraram “modinha” no linguajar dos freqüentadores.
O Sambarylove ainda leva a qualificação de lugar onde se pode encontrar pessoas mais simples e
de menor poder aquisitivo. Um rapaz chamado Rafael disse que as “minas” do lugar eram mais
“pé vermelho”,59 ou seja, vinham de bairros pobres e distantes, mas que a sociabilidade era
melhor do que nos outros lugares porque as pessoas eram mais simples. A simplicidade e a
humildade são muito valorizadas nas classes menos abastadas e isso pode ser notado pelas
expressões geralmente utilizadas por esses jovens como “chegar na humilde” ou “na humildade”.
Isso se conjuga com os serviços e o conforto que a casa pode oferecer. Quanto a esse item, a casa
está no extremo negativo da escala, já o Mood Club encontra-se no extremo oposto e o Sala Real
no centro. Todos tendem a ver os clubes da região de Pinheiros e da Vila Madalena como mais
requintados do ponto de vista dos serviços oferecidos, conforto e decoração, além de os
freqüentadores serem mais selecionados. Em outras palavras, soa “descolado” dizer que se
freqüenta algum clube dessas duas regiões e outras mais elitizadas.60 O Sala Real aparece como
uma opção “alternativa”, seu diferencial seria uma proposta de festa mais voltada para a “cultura”
hip-hop, esquivando-se de ser simplesmente uma festa comercial. O alternativo também faz
referência ao fato de a casa organizar uma seção de freestyle, na qual os rappers improvisam suas
rimas acompanhados por uma banda e um DJ.
As mudanças ocorridas nos últimos dez anos ou mais no circuito black apontam para uma
perda de centralidade das equipes de som, em relação às casas mais requintadas e
voltadas para um público de classe média e alta, branco ou negro. Essas casas buscam se
diferenciar pelo conforto, oferta de vários serviços, novidades musicais trazidas por DJs e
animação de MCs, ambos famosos no meio black, podendo ser residentes ou não. Essas
mudanças se relacionam com o boom dos ritmos negros norte-americanos e jamaicanos
propiciado pela “globalização negra” de que fala Sansone.61 As casas que promovem as
noites black buscam dar um tratamento diferenciado aos seus clientes, o que, por sua vez,
as distingue dos bailes, reduto das velhas equipes de som. Ao mesmo tempo, o negro que
freqüenta esses espaços pode ser aquele que procura se diferenciar por ir a festa que, do
seu ponto de vista, é mais “descolada”, com um público diversificado (racial, social e
economicamente) e mais cara, por conseguinte, seletiva. A declaração de um produtor de
eventos citada na reportagem da revista Raça Brasil explica a gênese das noites black:
“Nove entre dez casas possuem um dia dedicado ao ritmo”, explica Kadu, garantindo
ter cerca de 60% de brancos e 40% de negros na pista da Lucky. “Em trabalhos
envolvendo hip-hop rola o lance das tretas e dos tiros. O que funcionou foi cobrar um
preço alto”, justifica Guigo, sócio de Kadu.”62

No mesmo parágrafo da matéria aparece o desconforto de um negro:


Radical, o cozinheiro Eduardo Gomes, 32 anos, dispara: “É horrível porque o som é
nosso [negros] e eles [brancos] acabam consumindo, como aconteceu com o
carnaval”.63
Os rapazes negros parecem ter um outro atrativo para freqüentar as noites blacks: as garotas
brancas, em maior número e abertas a uma aproximação. Isso fica evidente pela fala de um rapaz
também retirada da reportagem da Raça Brasil:
Na Mood Club a azaração é um dos principais atrativos das noites comandadas pelos
DJs Celso F e S Jay. “Não pinto sempre em balada black. Não sei o nome dos caras que
tocam aqui nem das músicas. Venho pela mulherada, mesmo. Elas ficam de olho
grande em nós, os blacks. Sempre rola de eu pegar alguma por aqui”, revela o produtor
de TV, Diego Roque, 23 anos.64
Tendo noção disso, os homens negros se apresentam extremamente estilizados: camiseta regata
mostrando os braços malhados e com tatuagens, cabelos que variam do raspado, passando pelo
trançado e chegando aos dreadlocks, cavanhaques e calças jeans justas sempre abaixo da cintura,
deixando a cueca samba-canção à mostra. A atitude é de manipulação do corpo, como se este
fosse um espaço no qual levam vantagem pelo fato de serem negros, as chamadas “áreas moles”,
de acordo com Sansone, onde o negro tem a sua inserção facilitada e valorizada principalmente
através do uso do corpo.65
Vêem-se muitos rapazes negros “cantando” garotas brancas, porém o inverso não é comum.
Casais inter-raciais são menos comuns, apesar da propaganda que se faz em relação a isso pelos
freqüentadores. O paradoxal é que tanto as mulheres negras como os homens negros eram
categóricos ao afirmar que o atrativo do Mood Club, para o sexo oposto, era ter a chance de
paquerar ou sair com parceiros brancos. Aliás, a imagem da diversidade é vendida pelas casas
como um atrativo:
(...) uma garota com cabelos loiros passa pela porta de entrada e corre em busca de um
bom lugar na fila. Atrás dela, uma oriental com visual descolado. Depois, um jovem
negro com o cabelo milimetricamente dividido em pequenos gomos aparece, a fila é
causada pela noite black da Lucky Disco Lounge. Essas noites de São Paulo são assim,
a democracia racial impera. No meio da pista, um rapaz parecido com o rapper
americano Eminem diz: “As noites black já fazem parte da vida paulistana, acho que
são parte de uma filosofia de vida”.66
Se levarmos a citação acima a sério e olharmos as noites blacks como espaços de uma
“democracia racial” não entendida como “falsa consciência”67 ou “pacto político”,68 mas como
mito no seu sentido antropológico,69 podemos chegar à conclusão de que ele apresenta diferenças
na sua apresentação e funcionamento.70 A idéia presente aqui é que, apesar do mito apresentar
uma interpretação básica para todos, sua lógica de funcionamento pode não apresentar coerência
ou se realizar da mesma forma para todos. O mito organiza e faz com que as pessoas ajam em
função dele, mas isso não quer dizer que o seu propósito será alcançado ou, quando alcançado, a
forma de realização pode ser diferente da sua apresentação.

Fim de festa
Minha tentativa no decorrer deste texto foi de apresentar três tipos de festas pertencentes ao
circuito black da cidade de São Paulo. Estas, ao mesmo tempo que se aproximam em muitos
aspectos, se distanciam em outros mantendo uma interação com os espaços urbanos mediada por
fatores econômicos e raciais. Os sambas do centro histórico da cidade são um ponto de referência
para a maioria dos jovens negros da cidade, de modo que, a dispersão destes para as festas black
se dá a partir daquele pedaço levando-se em conta várias peculiaridades como tipo de som,
sociabilidade dos lugares e preços de cada espaço.
Na verdade essas características podem ser sumarizadas nas duas formas de interpretar os bailes
desde o seu surgimento entre a população negra paulista: 1) um “espaço negro” onde se instaura o
exercício e a prática de uma sociabilidade negra imbricada num processo de construção
identitária e 2) um local de “distinção social” dentro do próprio grupo racial. Contudo, antes de
falar propriamente dessas festas vale a pena retomar rapidamente a análise sobre o centro da
cidade e o “Samba da Dom José” (ou “Samba de Bandido”).
Como vimos, a apropriação do centro da cidade pelos negros não é algo que se dá aleatoriamente,
pelo contrário, ela pode ser historicizada. Desde o século XIX esse espaço tem sido uma
referência para a vivência e as manifestações da população negra da cidade de São Paulo. A linha
do tempo de mais de cem anos que traçamos é marcada por conflitos, disputas e resistências
entre, de um lado, o desejo das elites autóctones de embranquecer e europeizar a urbe e, de outro,
a subversão desse projeto por parte dos negros e pobres, numa expressão já gasta, as “classes
perigosas”.71 O “Samba da Dom José” é um bom exemplo do tipo de subversão do espaço a que
me refiro.
O fato de esses jovens estarem no meio de uma roda de samba (ou pagode para os “puristas”) e
depois se dirigirem a uma festa black contesta algumas afirmações feitas anteriormente sobre o
uso da certos ritmos negros como marcadores étnicos. De acordo Renato Ortiz,72 nos anos 1980
os negros fariam uso da música soul tocada nos bailes daquela época como algo que substituiria o
samba num processo de construção de identidade, já que este último já teria sido cooptado pelo
Estado para compor o panteão da identidade brasileira e, a partir disso, seu uso étnico teria sido
esvaziado, como afirmava Peter Fry.73 Este reviu sua posição num artigo recente74 afirmando que
a apropriação do samba e de outros elementos – a feijoada e a capoeira, por exemplo – como
símbolos nacionais estaria muito mais próxima de um processo de negociação e trocas culturais
entre “povo” (leia-se negros e mestiços) e elite do que uma simples espoliação, como Fry
defendia anteriormente.
No início do século XXI, vê-se que tanto o samba como a música negra internacional tocada nos
bailes black, se prestam à construção de uma identidade negra contemporânea entre jovens da
cidade de São Paulo. Não há choques ou contradição para esses indivíduos no fato de ouvirem e
gostarem de ambos os ritmos. Atualmente é até mesmo possível ver a parceria entre artistas de
samba e de rap nacional, como a realizada entre Mano Brown, rapper do grupo Racionais MCs, e
Almir Guineto, lenda viva do samba contemporâneo, na canção “Mãos”, ou a colaboração entre
Leci Brandão e Rappin’ Hood na música “Sô negrão”. De certa maneira, essas reelaborações
musicais seriam um bom exemplo de uma manifestação “glocal”, algo que de acordo com o
antropólogo mexicano Nestor Garcia Canclini foi um neologismo criado por japoneses para
designar o “‘empresário-mundo’, que articula em sua cultura informação, crenças e rituais
procedentes do local, nacional e internacional”.75 Se o rap nacional de São Paulo pode ser
qualificado como “glocal”, a mistura “samba /rap nacional” é a radicalização desse fenômeno.
A balada hip-hop do Sala Real corresponde a um espaço alternativo onde rappers, principalmente
da “nova escola”, se encontram para apreciar as sessões de freestyle realizadas no chamado
“microfone aberto”. A festa se apresenta como um espaço alternativo aos outros eventos do
circuito black devido ao som underground, ao preço acessível e à sua proposta de festa, ou seja,
uma banda e um DJ acompanhando as sessões de freestyle. O Sambarylove corresponde ao baile
black tradicional, em que a maior variação de estilos musicais (samba, samba-rock, axé, rap,
R&B, ragga e melodia) é encarada pelos freqüentadores como mais comercial, tendo a casa a seu
favor uma sociabilidade mais simplória. Vale ressaltar que os dois clubes localizam-se em
manchas de lazer deterioradas e mais populares. O primeiro está numa área constituída por casas
de prostituição e inferninhos dos mais diversos tipos, a chamada Boca do Lixo. Já o segundo
encontra-se num local que durante os anos 1980 teve um papel central no lazer da cidade, mas
que nos últimos quinze anos perdeu esse posto. Aliás, o artigo de Torres,76 cuja pesquisa foi feita
no início da década de 1990, já apontava a popularização e o afastamento da classe média
freqüentadora da mancha de lazer da Bela Vista ou Bixiga.
Tanto o Sala Real como o Sambarylove têm um público majoritariamente negro, o que não exclui
a existência de brancos, contudo a presença destes é mais percebida e contestada no primeiro.
Isso ocorre devido ao fato de a “cultura” hip-hop, onipresente nesse local, ser extremamente
racializada na sua origem jamaico-norte-americana. Sua reelaboração no contexto de uma cidade
como São Paulo, onde o background das relações sociais é extremamente marcado pela idéia de
raça e a própria identidade negra é construída em cima desse conceito,77 faz com que
freqüentemente se coloque a questão da autenticidade e pertencimento racial como fator
importante para que se possa compartilhar desses espaços de lazer e entretenimento.
Diferentemente da conclusão de Vianna para os bailes funk do Rio de Janeiro (de que estes não
tinham outras funções para além do lazer), faço coro às respostas dadas por Malachias,78 Félix79 e
Lima80 ao autor, a partir de contextos geográficos diferentes, de que essas festas têm funções bem
delimitadas e conotações raciais evidentes dentro de um processo de construção identitária. Entre
os casos aqui estudados, tendo a encarar os clubes Sala Real e Sambarylove como constitutivos
daquilo que Silva81 chamou de “espaço negro” para qualificar os bailes black da cidade de
Campinas, ou seja, um espaço de iguais, utilizado para resguardar-se de uma sociedade hostil,
local para encontrar os semelhantes e dividir alegrias, tristezas além de buscar o prazer na música,
na dança e na paquera numa minimização das dificuldades cotidianas.
A noite black aparece como a grande novidade desse circuito de lazer da juventude negra
paulistana. Espaço onde os negros são minoria, seu acesso é dificultado devido aos altos preços,
mas sua presença é indispensável. Mais do que dizer que a noite black é uma “área mole” para os
negros como define Sansone,82 convém explicar porque ela o é. O boom da música negra do eixo
anglo-saxão ou a “globalização negra”83 traz imagens, através de videoclipes musicais ou filmes
blaxploitation,84 de relações raciais de um contexto racializado e bipolarizado. Desse modo, não
há legitimidade alguma em fazer uma festa mais elitizada com ritmos negros internacionais
oriundos dessas localidades sem a presença de negros. Se no caso do samba isso ocorre, pois é
possível aos não-negros reivindicar sua contribuição na elaboração e pertencimento a esse ritmo
buscando subsídios através da história nacional, canções e músicos, no caso dos ritmos negros
internacionais essa negociação não é possível.85
Para os jovens negros soa descolado ir ou dizer que vai a uma noite black. Desse modo, pode-se
encarar esse espaço como um local de distinção social. Os negros que ali estão fazem parte, ou
imaginam-se fazendo parte, de uma minoria com mais poder aquisitivo em busca de conforto ou
uma “vanguarda” da balada, sintonizada com as últimas tendências musicais e mais aberta à
diversidade. Vê-se aqui uma “condição de classe”, de acordo com Bourdieu,86 onde se aciona
recursos econômicos, status e gosto diferenciado, conjuntamente, para criar uma distinção de
classe. A presença dos negros nesse espaço de lazer é extremamente valorizada, seu corpo
desejado e sua maneira de dançar tida como a melhor, a mais admirada. Num espaço onde uma
série de estereótipos a respeito dos negros se repõe de maneira nova, a juventude negra utiliza-se
dos mesmos a seu favor. É o caso dos rapazes negros que manipulam o corpo de maneira a atrair
a atenção das garotas, em sua maioria brancas, ou uma rede de contatos e estratégias
proporcionadas pelas casas que faz com que boa parte pague metade do valor do convite ou nada
para adentrar o clube, o que é tido pelos freqüentadores negros como uma “malandragem”
constitutiva do “ser negro” ou simplesmente como uma obrigação da casa, devido ao fato de eles
estarem prestigiando o clube com a sua presença (é óbvio que nesse caso o grau de manipulação
depende muito da legitimidade do indivíduo no meio black). Essa constatação também é feita por
Lima em suas notas etnográficas sobre a juventude negra soteropolitana:
Ou seja, é o corpo negro representado como tal na música que importa e muito
interessa. É esse corpo que, ao tocar e dançar, articula uma linguagem, põe e repõe
esses jovens sujeitos em grupo de locação e grupos geracionais relativos e reflexivos.
Em outras palavras, quero dizer que a música para os negros em geral e para a
juventude negra em particular, através de mimetismo, uso dialógico do corpo,
reatualização de memória oral, promove conexões virtuais e alternativas com
tradicionais territórios negros, com culturas negras várias, aponta para um
pertencimento juvenil afro-diaspórico, remete também a um mundo juvenil negro
perverso e racializado desde um longínquo estado. Funkeiros, timbaleiros e pagodeiros,
enquanto jovens, são, no meio musical racializado, objeto de uma ideologia do
erótico.87
O comentário de um rapper a respeito das noites black evidencia que o grupo tem noção dessa
negociação racializada:
O hip-hop está há pouco tempo no Brasil e a tendência é evoluir. Os brancos vão pagar
um pau, vão querer investir e estamos aí para abraçar, mas não vamos perder nossa
essência, nossa raiz. Nas casas noturnas de boy, os DJs do gueto estão tocando e os
boys estão pagando mó pau, escutando o som alto nos carros e eles devem consumir
mesmo. Mas acho que os DJs têm que tocar mais rap nacional, pois estão tocando
apenas o mainstream americano. A tendência do rap é crescer, tanto o que fala de festa,
como de política.88
Em conversa com Guilherme, um rapaz negro de 28 anos freqüentador do Sambarylove, este
falava de maneira crítica das noites black da Vila Madalena afirmando que os “playboys”
(brancos de classe média e alta) tinham, tempos atrás, receio de ir a um baile black porque era
algo visto como perigoso, de negro e ladrão. Atualmente eles iriam às festas organizadas em
clubes elitizados devido ao fato de a música negra ter virado “modinha” além dessas baladas
serem “seguras”. Diante dessa perspectiva de interpretação e mediante as afirmações do promotor
branco citado no tópico anterior, pode-se concluir que as manchas de lazer mais elitizadas da
cidade se apropriam de manifestações culturais e musicais de grupos “subordinados” e, mediante
uma reelaboração dos mesmos, os apresenta como novas tendências às classes média e alta. Esse
parece ser o caso do samba, do forró e do baile black. No caso específico do entretenimento
black, perdem espaço as velhas equipes de som em detrimento dos DJs e MCs, que representam a
música negra de forma personalizada, e as casas noturnas mais requintadas que oferecem maior
conforto aos seus freqüentadores.
Por fim, vale lembrar que freqüentar qualquer um desses espaços envolve a produção de uma
imagem própria a partir do consumo. Este passa a ser a maneira pela qual se cria e se evidencia
certa identidade. Há uma preocupação de inserção numa “modernidade negra”, que está contida
no vestuário hip-hop ou numa indumentária que faça referência aos negros norte-americanos
exibidos nos clipes musicais e nos filmes. Como mostra Sansone, a partir de pesquisas com
jovens negros nos bailes funk de Salvador, “fingir que se era ‘internacional’ trazia uma sensação
de liberdade e participação, de um modo ou de outro, no que era percebido como modernidade”.89
Contudo, é difícil afirmar se esse consumo é percebido por esses indivíduos como um acesso à
cidadania, como defende o antropólogo.
De certa maneira, entende-se que várias das conclusões de Sansone podem ser aplicadas ao caso
do Rio de Janeiro e de Salvador, locais onde o antropólogo fez sua pesquisa de campo, mas a
capital paulista merece atenção especial, pois tem uma história diferenciada no que diz respeito
ao seu processo de industrialização e sua dinâmica em relação às relações raciais. Seria
interessante também verificar qual é a dinâmica de consumo da juventude negra paulista em
comparação à carioca e à soteropolitana. Vale lembrar, que a cultura negra em São Paulo,
historicamente, não tem o mesmo poder simbólico que lhe é reservado nas outras duas
metrópoles. Apesar dos mais de três milhões de negros paulistanos, há muito pouco tempo vem se
tornando fashion ser ou “parecer” um blackman na capital paulista. Mas, como afirma o rapper
Mano Brown na letra da canção “Negro drama”:
Eu sô problema de montão, de carnaval a carnaval/ Eu vim da selva sô leão, sô demais
pro seu quintal/ Problema com escola eu tenho mil/ Mil fita, inacreditável, mas seu
filho me imita/ No meio de vocês ele é o mais esperto/ Ginga e fala gíria, gíria não,
dialeto/ Esse não é mais seu, ó, subiu/ Entrei pelo rádio tomei, cê nem viu/ Nóis é isso
aquilo, o quê, ce não dizia/ Seu filho qué se preto rá, ironia!/ Cola o pôster do Tupac90
aí, que tal, que cê diz/ Sente o Negro drama, vai, tenta ser feliz!

1
Texto publicado na coletânea de artigos Jovens na Metrópole: etnografia dos circuitos de lazer, encontro e
sociabilidade págs. 189-224. MAGNANI, J. G. C e MANTESE, B. (orgs.) (2007). Editora Terceiro Nome. São Paulo.
2
Rolnilk, R. (1989). "Territórios negros nas cidades brasileiras". Estudos Afro-Asiáticos, número 17, pp. 29-40.
3
Para uma pequena biografia de Geraldo Filme ver o artigo de Azevedo, Bueno, Baptista e Silva (2004) “Madrinha
Eunice e Geraldo Filme: memórias do carnaval e do samba paulista”. In Artes do corpo. SILVA, V. G. (org.). São
Paulo. Selo Negro Edições.
4
Para algumas respostas ao artigo de Paulo Duarte ver “O esgar do Sr. Paulo Duarte” no Jornal Alvorada, maio de
1947 (republicado como anexo no livro ... E disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal
de Cultura de São Paulo, 1992), e “Linha de Cor”, artigo de Rachel de Queiroz, publicado primeiramente na revista
carioca O Cruzeiro, em 24 de maio de 1947 e republicado no jornal Quilombo, em dezembro de 1948 (ver Quilombo:
vida, problemas e aspirações do negro brasileiro. São Paulo: Editora 34, 2003).
5
O Projeto UNESCO foi uma série de pesquisas realizadas no Brasil durante os anos 1950 e financiada por esse órgão
das Nações Unidas. Sua importância se situa em mudar a percepção a respeito das relações raciais no Brasil, até aquele
momento freqüentemente visto como ausente de conflitos ou problemas raciais. Para uma discussão detalhada, ver a
tese de doutoramento de Maio, M.C. (1997). A História do Projeto Unesco: estudos raciais e ciências sociais no
Brasil. Rio de Janeiro. IUPERJ [Tese de Doutorado].
6
Andrews, G. (1998). Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru/SP. Edusc.
7
Bastide, R. e Fernandes, F. (1959). Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação e
manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. São Paulo. Brasiliana.
8
A rua Direita foi motivo de várias polêmicas entre a população negra e os comerciantes ali estabelecidos nessa época.
Certa feita tentou-se proibir a circulação da população negra no local e, num artigo de jornal, os lojistas alertavam que
os negros estavam dando a São Paulo um aspecto de Havana. Ver Andrews, G. (1998) e Kössling, K.S. (2004) “O
discurso policial sobre o afro-descendente”. Revista Histórica (publicação trimestral do Arquivo do Estado de São
Paulo e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), número 15 julho/agosto/setembro de 2004.
9
Santos, C.J.F. (2003). Nem tudo era italiano: São Paulo e pobreza (1890-1915). São Paulo, 2003.
Annablume/FAPESP.
10
Ver Moura, C. (1982). “Organizações negras” in São Paulo: o povo em movimento. SINGER, Paul e BRANT,
Vinícius Caldeira. Petrópolis, 1982. Editora Vozes.
11
Para uma discussão das várias representações da figura da Mãe Preta ver a pesquisa em andamento de Deiab, R.
(2003). DEIAB, Rafaela A. "As obras da Mãe-Preta: pintura, fotografia e literatura (1870-1930)". Projeto de Mestrado
em andamento, PPGA/USP (mimeo).
12
De certo modo, pode-se encarar o samba-rock como um traço étnico da população negra paulistana. Discorri de
maneira pormenorizada sobre o surgimento desse tipo de dança, e posteriormente ritmo musical, num pequeno artigo.
Ver Macedo (2004a).
13
Informação fornecida ao autor por Arnaldo Félix, proprietário de uma equipe de som naquela época.
14
Félix, 1996; Andrews, 1998.
15
Frúgoli Jr., 2000, p. 61.
16
Frúgoli Jr., 1995.
17
O “Black Chat” pode ser encarado aqui como “pedaço virtual” constitutivo do circuito black. O interessante é que,
por estar na web, ele pode reunir pessoas de diferentes cidades, estados e países, ampliando o alcance do pedaço.
18
Magnani, 1998.
19
Frúgoli Jr., 1995.
20
Jorge Ben, “Os alquimistas estão chegando os alquimistas” (1974).
21
A maior parte das informações aqui reunidas foram retiradas das entrevistas com Gordo (DJ e proprietário da
Gordu’s Discos) e Tony Hits (DJ e proprietário da Tony Hits Discos) realizadas em outubro de 2001 com o objetivo de
escrever um artigo sobre samba-rock, além da leitura dos trabalhos de Félix (2000), Assef (2003) e Sansone (2004).
22
Barbosa, 1998.
23
Azevedo, Bueno, Baptista e Silva, 2004.
24
Leite, 1992, p. 45.
25
Informação fornecida pelo mesmo em palestra, realizada no Departamento de Sociologia da USP em 27 de setembro
de 2002, intitulada “A influência da música negra brasileira e internacional no cotidiano dos negros paulistanos nas
últimas três décadas”.
26
Assef, 2003.
27
Um exemplo de como essas transações funcionavam é dado por Vianna (1988) no contexto dos bailes funk do Rio de
Janeiro na década de 1980. Sansone (2004) afirma que, na Bahia, os DJs solicitavam discos aos pilotos das empresas
aéreas que faziam rotas para os Estados Unidos. A compilação ilegal de discos vinis (pirataria) também era comum em
São Paulo.
28
Outras influências para o ressurgimento do protesto negro nos anos 1970 foram o processo de independência no
continente africano, a persistência no Brasil de desigualdades econômicas entre negros e brancos no contexto de uma
sociedade moderna (Santos, 1985), o movimento feminista internacional, o novo sindicalismo brasileiro e os novos
movimentos sociais urbanos do início da década de 1980 (Guimarães, 2002).
29
Santos, 1985, p. 289-90.
30
A influência do black power e da ideologia black is beautiful sobre os negros através dos ritmos soul e funk não foi
algo restrito a São Paulo. Para ver uma descrição do que foi o movimento “black soul” no Rio de Janeiro dos anos 1970
ver Hanchard (2001) e Assef (2003). Risério (1981) evidencia como o bloco afro Ilê Ayê se organizou primeiramente
tendo como fator de arregimentação a atitude, o estilo e a musicalidade dos afro-americanos nos anos 1970. Uma
comparação entre a constituição dos bailes soul, e posterior transformação em baile funk, no Rio e em Salvador, é
realizada por Sansone (2004).
31
Félix, 2000, p. 12.
32
Félix, 2000.
33
Sansone, 2004, p. 262.
34
Guimarães, 2002; Sansone, 2004.
35
Vianna, 1988; Sansone, 2004.
36
Cecchetto, 1997; Souto, 1997.
37
Yúdice, 1997.
38
Felix, 2000, p. 09.
39
Pode Crê, junho de 1994.
40
Evento com shows de grupos de rap nacional que ocorre anualmente em São Paulo desde 1994. Segundo os
organizadores, Nena Soul e Lozinho, o maior público alcançado pelo evento foi em 2003 no lançamento do disco do
grupo Racional MC’s, quando reuniram cerca de 15 mil pessoas (Rap Brasil, n. 24).
41
Rap Brasil, n. 24.
42
Félix, 2000, p. 9-10.
43
Sansone, 2004.
44
Sansone (2004, p. 24) define cultura negra “como uma subcultura da cultura ocidental, muitas vezes quase
submergida na cultura popular ou numa determinada cultura de classe baixa: ela não é fixa nem completamente
abrangente e resulta de um conjunto específico de relações sociais, neste caso entre grupos racialmente definidos como
‘brancos’ e ‘negros’”. O autor complementa essa definição outras características da cultura negra, como ser múltipla
(variando de uma localidade geográfica para outra), urbana e sincrética.
45
Sansone, 2004, p. 311.
46
Apesar de me referir ao hip-hop que é composto pelos elementos rap (subdividido em MC e DJ), break dance e
grafite, o uso da expressão no contexto deste artigo está relacionado a apenas um elemento, que diz respeito a sua
expressão musical, o rap. Isso ocorre devido à autonomia que o elemento referido conseguiu em relação aos outros,
mediante sua inserção no mercado fonográfico e de entretenimento, o que faz os freqüentadores se referirem ao hip-
hop, mas subentendendo apenas esse estilo musical. Uma crítica a essa tendência pode ser observada no depoimento do
dançarino Marcelinho Back Spin registrado no artigo sobre dança de rua presente nesta coletânea.
47
Abreviação para dreadlocks, tipo de trança conhecido popularmente no Brasil como “rasta” devido ao fato de ter
sido usado, primeiramente, nos anos 1970 e 1980, pelos indivíduos vinculados ao rastafarianismo, uma espécie de
filosofia de vida oriunda da Jamaica, que mescla elementos de várias tradições religiosas judaico-cristãs à história da
Etiópia e sua família real no começo do século XX. Um dos maiores divulgadores do rastafarianismo foi o astro do
reggae Robert Nesta Marley, ou simplesmente Bob Marley. Uma tradução livre de “dreadlocks” pode ser entendida
como “tufos de pavor”.
48
Para uma discussão dos usos, desusos e complicações na utilização do termo nigger nos Estados Unidos ver
Kennedy (1999-2000). O autor observa que nos anos 1990 com a disseminação da “cultura” hip-hop nesse país houve
um crescimento no uso do termo de maneira diacrítica a partir de rappers como Ice Cube, Tupac Shakur, Dr. Dre e
Snoop Doggy Dog. O nome do ex-grupo de dois desses artistas (Cube e Dre) é um bom exemplo: NWA (Niggas With
Attitude). No Brasil, mais especificamente em São Paulo, se observa movimento similar a partir da utilização por parte
dos rappers do termo “preto” em detrimento de “negro”.
49
Clastres, 1988.
50
Acessar <www.moodclub.com.br>
51
Conceição, 1996, p. 170.
52
Torres, 1996.
53
Conceição, 1996, p. 168.
54
Conceição, 1996.
55
“Samba caranguejo” faz referência a alguém que não sabe sambar, pois, quando o tenta, não consegue fazer outro
movimento que não dançar de maneira espalhafatosa andando para trás. Muitas vezes a expressão é utilizada como uma
gíria para se referir aos brancos que estão no samba.
56
Para uma discussão a respeito do surgimento dessas grifes e a sua afirmação política dentro da esfera do consumo ver
Macedo (2004b).
61
Estilo, conhecido nos Estados Unidos como “afro”, e que consiste em usar o cabelo crespo levantado, arredondado
com um pente chamado “garfo” e sem a intervenção de produtos químicos. Esse corte foi tomado como símbolo do
orgulho negro nos anos 1960 pela comunidade afro-americana, ao assumir o cabelo “pixaim” (como é popularmente
chamado no Brasil) de maneira diacrítica. Nos anos 1970, em São Paulo, os negros preparavam o seu black com o uso
de muito laquê. Naquela época o toque no cabelo, feito entre amigos como forma de brincadeira, era motivo até mesmo
de brigas.
62
Malachias, 1996; Félix, 2000.
63
A expressão “pé vermelho” dá a entender que o indivíduo é procedente de um bairro no qual não há asfaltamento,
conseqüentemente pobre, e que ao caminhar pelas ruas fica com os sapatos sujos de poeira ou de barro, nos dias de
chuva.
64
Atualmente até a Vila Olímpia, considerada a mancha de lazer mais elitizada da cidade, possui suas noites black.
Exemplo disso é o evento “Black Lov.e” que ocorre no clube Lov.e, localizado nessa região, nas noites de domingo
para segunda. Outra área de lazer voltada para a classe média e alta da cidade que possui noites black é o Itaim Bibi
onde a equipe de DJs Chocolate Crew promove uma festa no Lucky Disco Lounge (ver Raça Brasil, janeiro de 2004).
65
Sansone, 2004.
66
Raça Brasil, janeiro de 2004.
67
Raça Brasil, janeiro de 2004.
68
Raça Brasil, janeiro de 2004.
69
As “áreas moles” de acordo com Sansone (2004) são aquelas nas quais a população negra tem facilidade de inserção
e leva até mesmo vantagem em relação aos não-negros. Fazem parte delas o lazer, entretenimento e manifestações
culturais relacionadas à alguma forma de cultura negra afro-brasileira internacional (hip-hop, capoeira, samba etc.) e
esportes (futebol). Em contraposição estão as “áreas duras”, onde a inserção do negro é dificultada por fatores
relacionados às suas desqualificações profissionais e educacionais aliadas ao racismo institucional existente nesses
espaços. Os loci representantes são o ensino superior e o mercado de trabalho mais especializado. Se analisarmos mais
a fundo essa diferenciação, percebe-se que ela aponta para a reprodução de um certo tipo de racismo que reserva
funções aos negros nas quais são valorizados sua corporalidade e um suposto “sentimentalismo” mais aguçado, ao
passo que lhe que são negados espaços em que a sua inserção depende do uso de conhecimentos técnicos e
racionalidade.
70
Raça Brasil, janeiro de 2004, grifo meu.
71
Fernandes, 1965.
72
Guimarães, 2002.
73
Schwarcz, 1995.
74
A democracia racial é uma categoria central nos estudos de relações raciais ou nos estudos afro-brasileiros. A sua
definição, entendimento e utilização variam de acordo com o autor, podendo fazer referência à idéia de não existência
de problemas raciais no país, à igualdade de oportunidades entre negros e brancos ou a um ethos que organiza as
relações sociais entre os diversos grupos raciais e étnicos. Para uma discussão pormenorizada ver Guimarães (2002).
75
Santos, 2003.
76
Ortiz, 1985.
77
Fry, 1982.
78
Fry, 2006.
79
Canclini, 2001, p. 110.
80
Torres, 1996.
81
Num estudo comparativo Kim Butler (1998) argumentou que no período do pós-abolição enquanto a identidade da
população negra de Salvador foi construída a partir da idéia de “cultura africana”, em São Paulo esse mesmo
movimento se fez tendo como subsídio a noção de “raça”. Penso que as reelaborações que se deram no decorrer do
tempo continuam a se basear nessa diferenciação.
82
Malachias, 1996.
83
Félix, 2000.
84
Lima, 2002.
85
Silva, 1983.
86
Sansone, 2004.
87
Sansone, 2004.
88
Filmes norte-americanos com temática e atores negros que passaram de “produções B” nos anos 1970 ao mainstream
endinheirado do cinema norte-americano nos anos 1990. A película que deu origem ao movimento foi Sweet
sweetback’s baadasssss song (1971) de Melvin Van Peebles, seguido por Shaft (1971), Superfly (1972), entre outros.
Nos fim dos anos 1970 o filme Penitenciária (1979), de Jamaa Fanaka, deu fôlego ao movimento numa trilogia que
findou em 1987. O grande renovador do movimento nos anos 1980 foi, sem dúvida, Spike Lee com Faça a coisa certa
(1989) que abriu as portas de Hollywood para outros diretores negros. Exemplos disso são os filmes Os donos da rua
(1992) de John Singleton, Perigo para a sociedade (1993) dos Hughes Brothers, Amigos indiscretos (1999) de
Malcoml D. Lee e Brown Sugar (2002) de Rick Famuyiwa. Lembrando que nessa última fase os filmes se apropriaram
de temática e estética hip-hop. Ver o artigo “Rebels with a cause”, em The Source: the magazine of hip -hop, culture
and politics, August 2004, number 179.
89
Atualmente na região da Vila Madalena é possível freqüentar bares de samba voltados para um público mais
elitizado, onde os negros são minoria e há uma extrema preocupação com a autenticidade das canções e dos autores.
Este é o chamado “samba raiz” ou “verdadeiro” de Noel Rosa, Cartola, Candeia e Paulinho da Viola, no caso do Rio de
Janeiro, ou Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini, no caso de São Paulo.
90
Bourdieu, 1998.
91
Lima, 2002, p. 91-2.
92
Xandão, banda Afro Rude, Rap Brasil, n. 24.
93
Sansone, 2004, p. 193.
94
Rapper norte-americano assassinado a tiros em 1996 em circunstâncias até hoje não esclarecidas. É considerado um
dos grandes ícones desse estilo musical nos Estados Unidos e no mundo devido às letras de suas músicas, seus arranjos
musicais e sua vida conturbada vinculada a thug life (vida bandida) do gangsta rap norte-americano.

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Artigos de revistas
Caros Amigos (Especial). Movimento Hip-Hop: a periferia mostra seu magnífico rosto novo. Setembro de 1998.
Pode Crê, junho de 1994.
“Os ritmos negros nunca saíram de moda, mas nunca estiveram tão presentes em casas noturnas modernas como agora”
in Raça Brasil. Edição 72, janeiro de 2004.
“Humbatuque apresenta: Motiro” in Rap Brasil: a revista do Hip-Hop Brasileiro. Número 24, ano IV.
“10 anos de Hip-Hop na veia” in Rap Brasil: a revista do Hip-Hop Brasileiro. Número 24, ano IV.
“Afro Rude: a música ‘didendaalma’” in Rap Brasil: a revista do Hip-Hop Brasileiro. Número 24, ano IV.
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Discografia
A tábua de esmeralda. Jorge Ben. Philips/PolyGram. 1974.
Hip-hop: cultura de rua. Coletânea de vários grupos. Gravadora Eldorado. 2001.
Nada como um dia após o outro. Racionais MCs. Zambia/Cosa Nostra. 2002
O samba é a corda... Os Originais são a caçamba. Originais do Samba. RCA Vitor. 1972.
Preste atenção. Thaide e DJ Hum. Gravadora Eldorado. 1995.
Sujeito homem. Rappin Hood. Trama. 2001.
Todos os pagodes. Almir Guineto. Paradoxx. 2002.

Palestras
Humberto Martins (DJ Hum). “A influência da música negra brasileira e internacional no cotidiano dos negros
paulistanos nas últimas três décadas”. Realizada em 27 de setembro de 2002 e organizada pelo Departamento
de Sociologia da USP.

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