Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CURITIBA
2017
MATHEUS HENRIQUE VOSGERAU
CURITIBA
2017
A todos que se empenham na construção
de uma vida melhor para todos
trabalhadores
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Prof.ª Graziela Lucchesi Rosa da Silva, pela incrível dedicação,
disponibilidade e suporte durante toda a construção dessa monografia e desse ano. Sua
orientação foi decisiva no processo de uma produção com um norte crítico, visando a
emancipação humana, e sempre será fundamental nos passos que trilharei futuramente;
Ao Prof. Me. Tiago Morales Calve, que aceitou prontamente compor minha banca, pela
supervisão, orientação e amizade despendidas esse ano, a humildade e o afeto com que me
auxiliou durante esse percurso serão sempre aspectos ímpares em minha formação que levarei
comigo;
Ao Prof. Dr. Vilson da Mata, pela orientação na construção de meu projeto de monografia,
pelos conhecimentos dispensados nesse ano no NUPEMARX, e pela honra de compor minha
banca;
A meus pais, Ciro e Séris, pelo amor com que me criaram, por todo apoio na construção de
minha vida e por nunca permitirem que eu deixasse de acreditar em mim mesmo. Obrigada por
todo esforço, paciência e carinho que sempre dedicaram a mim e a meu futuro;
À minha irmã, Larissa, que mesmo sendo minha irmã mais nova, é meu grande exemplo e
orgulho. Obrigada por toda cumplicidade e compreensão nessa etapa de minha vida;
À minha família, que, direta ou indiretamente, nunca deixou de me apoiar desde minha infância;
pelo amor e alegria com que preencheu minha história, obrigada;
Às amizades eternizadas no curso de Psicologia, Ari, Stefany, Helo e Leo, o honesto afeto e
companheirismo que construímos durante nossa formação me permitiu chegar até aqui e ter
condições de seguir em frente, cada dia ao redor de vocês foi fundamental;
Aos companheiros de aluguel, Miguel, Rui e Bea, que na cotidianidade da vida adulta me
apoiaram com sua paciência, apoio e carinho, permitindo-me encarar sempre um dia após o
outro;
A todas e todos que, de alguma forma, cederam seu tempo, sorrisos, e aprendizados para minha
formação, obrigada honestamente;
À minha companheira, Sofia, por me ensinar as sutilezas da construção de uma vida juntos, a
cumplicidade em uma trajetória sem igual, pelo apoio nos momentos mais difíceis e a partilha
dos mais alegres e tudo mais que jamais poderei expressar. A ternura e amor com que envolveu
nosso companheirismo está presente em cada uma de minhas palavras, obrigada.
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
The present work had as objective to carry out a bibliographical analysis of the theoretical
archive available about the political dimension aspects on the conscience constitution, on its
contemporary perspective under the aegis of modern State on the capitalist production mode.
Understanding the political dimension as essential to the human activity and inherent to the
social being, it recovered the construction of the fundamental theoretical thought of the
foundation of the modern State, as the ideal expression of the development of the societary
productive forces and of the social relations constructed on its surrounding, by the analysis of
the main aspects of the natural law central thinkers’ theories: Thomas Hobbes; John Locke;
Jean-Jacques Rousseau; counterpointing them to the key categories on Aristotle’s work on
politics. The Marxian – and other Marxists that updated this construct – critique is, then,
recovered as the apprehension of the politics’ and modern State’s question under the critical
bias of the historical dialectical materialism. Grasping a perspective of classes’ antagonism, the
question of property, pauperism, and political and human emancipation is analyzed inside de
political dimension on its limits and potentialities on the modern State. With the Historical-
Cultural Psychology’s theory, it perceived from this movement the fundamental characteristics
for the social and individual consciousness constitution, analyzing the implication of the
political dimension and the modern State’s role on this process, understanding them on their
limitations, by the alienation’s process and dominant ideology, and on their possibilities, as
instruments of effective change on social order aiming human emancipation.
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9
1 O PENSAMENTO POLÍTICO E A FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO ......... 15
1.1 Linha histórica do pensamento político à formação do Estado burguês .............. 18
1.2 Pólis grega e o modelo aristotélico ............................................................................ 20
1.3 Jusnaturalismo e Hobbes, a necessidade do Estado ................................................ 23
1.4 O liberalismo proposto universal em Locke ............................................................ 29
1.5 Rousseau e o princípio de crítica à emancipação política burguesa ...................... 32
2 A CONCEPÇÃO DE POLÍTICA EM MARX E A EMANCIPAÇÃO HUMANA
................................................................................................................................................. 37
2.1 Política como práxis social ......................................................................................... 38
2.2 Sociedade civil e Estado, o pauperismo como fenômeno do regime do capital
............................................................................................................................................. 43
2.3 Apoliticismo e participação política ilusória ............................................................ 50
2.4 Os limites da emancipação política, a parcialidade da liberdade .......................... 57
2.5 Duplo aspecto da atividade política em Marx, emancipação política e humana
............................................................................................................................................. 62
3 A POLÍTICA E A CONSCIÊNCIA, COTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL .................................................................................................. 66
3.1 A consciência como processo social .......................................................................... 66
3.2 A ideologia como parcialidade da consciência – consciência de classe ................. 74
3.3 A política como processo na consciência .................................................................. 81
3.4 O que fazer? O papel da política dentro de uma práxis emancipatória ............... 85
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 88
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................91
9
INTRODUÇÃO
A política é uma dimensão essencial da atividade humana (KONDER, 1965), posto que,
“(...) com ou sem vontade de fazê-lo, os homens vivem em sociedade, dependem da sociedade
para nascer e sobreviver (...)” (p. 145). Sendo a atividade humana compreendida aqui como
atividade prática vital para produção e manutenção de sua existência, aquilo que produz e
reproduz sua vida: o trabalho (ALMEIDA et al., 2011).
Assim, ressalta-se a impossibilidade de não se considerar a política nas discussões sobre
a constituição da consciência, pois, seguindo a argumentação de Da Mata (2014), “A política,
(...), não pode ser ignorada, enquanto elemento constituinte da própria sociedade e como
elemento de formação do indivíduo” (p. 70). A política, segundo o autor, possui caráter de
práxis social e, nessa definição, expressa a importância de ressituá-la para além dos seus limites
presentes nas instâncias de decisão burocrática e ideologicamente comprometidas com o
sistema de produção do capital.
Traz-se inicialmente essa concepção de política como intrinsecamente presente na
atividade humana de maneira a explicitar sua importância na constituição da consciência,
porquanto “A produção das ideias, das representações, da consciência está em princípio
diretamente entrelaçada com a atividade material e o intercâmbio material dos homens,
linguagem da vida real” (MARX & ENGELS, 2009, p. 31). Sendo necessário a compreensão
do modo como está organizada a produção da existência humana (destacando-se, aqui, sua
dimensão política) para que seja possível a apreciação de uma teoria acerca da constituição da
consciência do trabalhador. Conforme Marx & Engels (2009), “A consciência [das Bewustein]
nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente [das bewuste Sein], e o ser dos homens é o
seu processo real de vida” (p. 31).
Almeida et al. (2011) refere-se a esse processo real de vida como a produção dos seres
humanos de sua existência real que também, portanto, por meio de sua atividade vital prática –
das relações que estabelecem entre si e com a natureza – produzem simultaneamente
determinada consciência social, compreendida pelos autores como “(...) os modos de pensar,
sentir e agir dominantes em uma dada sociedade (...)” (p. 552). Leontiev (1978) reitera, sob
enfoque da construção de uma Psicologia crítica, a concepção de que o desenvolvimento do
psiquismo ocorre como um processo de transformações qualitativas, posto que as condições
sociais de existências se desenvolvem por meio de modificações qualitativas. Para o autor, o
intuito de desvelar a constituição da consciência humana deve encontrar seu objetivo na
compreensão das relações vitais nas quais está inserido o homem.
10
Por fim, pretende-se com este trabalho utilizar as categorias da dimensão política
disponíveis no arcabouço marxista para, em consenso com a teoria da Psicologia Histórico-
Cultural, retomar uma análise da dimensão política que, concomitantemente não se encerre em
si mesma, mas que também não encerre sua concepção no homem em si mesmo e, sim, permita
a pesquisa de suas intercorrências para formação da consciência do trabalhador de acordo com
os pressupostos da dialética e do materialismo marxiano.
Dessa maneira, pretendemos contemplar nosso objetivo geral que é analisar as
implicações da dimensão política ao processo de constituição da consciência social e individual
na modernidade, segundo os preceitos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural. Tendo como
objetivos específicos nesse processo: realizar uma síntese dos principais aspectos do
pensamento político filosófico em sua relevância à construção do Estado moderno; recobrar a
crítica marxiana – por meio de seus trabalhos e de comentadores marxistas – ao Estado moderno
e à emancipação política, sob vigência de propriedade privada; analisar o arcabouço teórico-
conceitual da Psicologia Histórico-Cultural sobre o processo de constituição da consciência e
sintetizar sua relação com a dimensão política, principalmente no Estado moderno.
Para isso, optamos por percorrer o caminho de, no primeiro capítulo, voltar nosso olhar
ao pensamento jusnaturalista, recuperado aqui como expressão ideal de categorias teóricas
centrais à construção do Estado moderno. Para assim, no segundo capítulo, verificar nos textos
marxianos – principalmente no período compreendido em sua juventude –, e de autores
marxistas que desenvolveram o assunto, a crítica ao Estado moderno e à ilusão da emancipação
política sob a égide da propriedade privada. Por fim, no terceiro capítulo, retomaremos alguns
conceitos centrais da Psicologia Histórico-Cultural no processo de constituição da consciência,
verificando como ocorre esse processo e como a política pode ser compreendida dentro dele,
apontando ao final alguns limites e possibilidades para essa temática.
15
Quando o homem real, corpóreo, de pé sobre a terra bem redonda e firme, expirando
e inspirando todas as forças da natureza, põe, pela sua exteriorização, as suas forças
essenciais objetivas, reais, como objetos alienados, o pôr não é sujeito; é a
subjetividade de forças essenciais objetivas, cuja ação tem por isso de ser também
uma ação objetiva. O ser objetivo opera objetivamente, e operaria objetivamente se o
objetivo não residisse na sua determinação essencial. Ele só cria, põe objetos, porque
é posto por objetos, porque é, à partida [von Haus aus], natureza. Portanto, no ato do
pôr, ele não cai da sua “atividade pura” num criar do objeto, mas o seu produto
objetivo apenas confirma a sua atividade objetiva, a sua atividade como a atividade de
um ser natural objetivo. (pp. 374-375)
1
Pela brevidade de nosso trabalho, não nos será possível explanar detalhadamente o contexto histórico do
surgimento da lógica formal e sua relação com a lógica dialética. Cabe aqui destacar, utilizando como base o
17
(1978), podemos tornar mais didático a compreensão da lógica dialética, sintetizando-a em três
principais leis do movimento:
a) A unidade e a luta de contrários – Compreender movimento implica na
compreensão de contradição, na totalidade há elementos contraditórios entre si
que estão constantemente buscando a decomposição desse conjunto, desse par,
buscando sua superação. Se não estivéssemos inseridos em um contexto dessa
luta entre elementos contrários, não estaríamos em movimentos, não haveria
nada para apreender para além da estaticidade.
b) Mudanças qualitativas e quantitativas –
“O movimento toma a forma de mudanças mantendo a estrutura (ou a qualidade) dos
fenômenos: falamos nesse caso de uma mudança quantitativa, freqüentemente
imperceptível. A partir desse ‘limiar’, a mudança quantitativa transforma-se em
mudança qualitativa. A partir desse limiar, a mudança, em vez de ser gradual, efetua-
se por um ‘salto’, dando lugar a uma nova qualidade.” (MANDEL, 1978, p. 20)
trabalho de Mandel (1978), que a lógica formal pode ser também compreendida como lógica estática e é regida,
sinteticamente, por três principais leis: lei da identidade (A igual A); lei da contradição (A é diferente de não-A,
jamais se tornando iguais); e a lei do terceiro excluído (considerando A e não-A, nenhum objeto pode estar fora
desse espectro).
18
A escolha das teorias do pensamento político aqui referenciadas será baseada em sua
relevância ao pensamento político moderno, sua influência na construção do modelo de Estado
institucionalizado historicamente a partir da Revolução Francesa (1789)2, sua necessidade de
exposição para o diálogo da crítica marxiana e marxista com a Psicologia Histórico-Cultural e,
por fim, sua importância sob o crivo da história que podemos observar contemporaneamente.
Destarte, optaremos pela síntese do pensamento de Aristóteles em inaugurar tratados
especificamente sobre a organização política da sociedade, relacionando-o com os principais
teóricos do jusnaturalismo contratualista moderno, Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704)
e Rousseau (1712-1778), posto que seu pensamento jusnaturalista ofereceu as contribuições
políticas de vital importância para a Revolução Francesa e podem fundamentar as discussões
acerca do modelo estatal que possuímos até a contemporaneidade. Para essa escolha,
principalmente, mas não somente, baseamo-nos nas asserções de Bobbio (1994) e Hobsbawm
(1996) e na seleção argumentativa própria para este trabalho.
Segundo Bobbio (1994),
2
A Revolução Francesa não poderá ser abordada de maneira mais detalhada pelas limitações do presente trabalho.
Destacamos, porém, a fundamentalidade de sua compreensão para história moderna, de acordo com Hobsbawn
(1996), em três aspectos que a diferenciaram das demais crises dos regimes políticos vigentes: 1) a Revolução
Francesa ocorreu no país mais populoso e poderoso na Europa – com exceção da Rússia – em 1789; 2)
diferentemente das revoluções que a antecederam e a seguiram, foi uma revolução social de massa,
incomensuravelmente mais radical; 3) entre todas as revoluções da história moderna, a Revolução Francesa foi a
única – da fato – ecumênica. Para maior compreensão do processo histórico da ascensão da burguesia ao posto de
classe dominante, sua superação do regime aristocrata e monárquico e o caráter da emancipação política alcançada
por essa classe, sugerimos a leitura completa de Hobsbawn (1996) que percorre esse processo com todos seus
detalhes. Trazemos aqui apenas introdução do autor: “A Revolução Francesa é, assim, a revolução do seu tempo,
e não apenas uma revolução, embora a mais proeminente de sua espécie. E suas origens devem, portanto, ser
procuradas não meramente nas condições gerais da Europa, mas na situação específica da França. (...). Ela era a
mais poderosa e, sob vários aspectos, a mais típica das velhas aristocráticas monarquias absolutas da Europa. Em
outras palavras, o conflito entre a estrutura oficial com os interesses estabelecidos pelo Antigo Regime e as novas
forças sociais ascendentes era mais agudo na França do que em outras partes do mundo” (p. 13 – grifos do autor).
19
3
Apesar da centralidade do pensamento desses três filósofos, é, para nós, claro que seus nomes não são os únicos
influenciadores na construção do Estado moderno, nem mesmo na filosofia jusnaturalista. Bobbio (1994) concede
a esses nomes a importância devida, porém também destaca: Pufendorf (como precursor do rompimento com o
pensamento aristotélico e grande influenciador de Locke); Spinoza (seus tratados sobre a ética teve impacto
imediato – como base ou como obstáculo – durante todo o trajeto jusnaturalista); Leibniz (como grande pensador
da jurisprudência); Montesquieu (principalmente no concernente à sua teoria do despotismo); Kant (grande crítico
da moral e do direito, caracterizou suas posições de maneira liberal progressista, porém creditando à razão a
necessidade de um regime monarquista, com irrevogável necessidade de obediência às leis).
20
que tais teorias surgiram, faz-se necessário sublinhar – como descrito em nossa metodologia –
que essas teorias são expressão da organização das forças produtivas sociais e, portanto,
revelam, como abstrações, o desenvolvimento material da ascensão da burguesia à classe
dominante e sua subsequente assunção do Estado como instrumento de dominação. Sendo
ímpar perceber o contraste das propostas de Hobbes e Locke (principalmente) com as de
Aristóteles, “A particular importância desse contraste se revela no fato de ser a ele que se refere
principalmente a interpretação corrente que faz do modelo jusnaturalista o reflexo teórico e, ao
mesmo tempo, o projeto político da sociedade burguesa em formação” (BOBBIO, 1994, p. 45).
De acordo com o trajeto proposto por Da Mata (2014), para alcançarmos profundidade
teórica suficiente para apreender a política como dimensão da atividade humana historicamente
localizada na sociedade burguesa contemporânea, iremos retomar o sentido original do termo
“política” como encetada por Aristóteles, em seu sentido grego, de necessária relação com a
Pólis.
O termo política em sua concepção mais radical é definido como
Derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), que significa tudo o que se refere
à cidade e, conseqüentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e
social, o termo Política se expandiu graças à influência da grande obra de Aristóteles,
intitulada Política, que deve ser considerada como o primeiro tratado sobre a natureza,
funções e divisão do Estado, e sobre as várias formas de Governo, com a significação
mais comum de arte ou ciência do Governo, isto é, de reflexão, não importa se com
intenções meramente descritivas ou também normativas, dois aspectos dificilmente
discrimináveis, sobre as coisas da cidade. (BOBBIO, 1998, p. 954)
A Pólis grega, apesar de não ser sua única expressão, é o exemplo de Cidade-Estado
que temos historicamente; é uma cidade autônoma e soberana, responsável apenas por si mesma
e por sua autossuficiência (BONINI, 1998, p. 949). A política surge, então, “(...) como a prática
da Polis sobre si mesma, capaz de estabelecer seus fundamentos e necessidades. Ela permitiu
que surgissem sujeitos históricos capazes de agir sobre essa história de modo a interferir na
construção da Polis e pensar a vida política, o que ela poderia ser e o que ela deveria ser”
(OLIVEIRA, 2007, p. 3).
Além de ter sido – e ainda ser – um dos principais pilares do pensamento político na
sociedade ocidental por ter inaugurado um pensamento exclusivo às questões políticas
(BOBBIO, 1998; OLIVEIRA, 2007), a importância do pensamento aristotélico também é
21
devido sua capacidade de fundamentar sua teoria social não apenas como exclusivamente
“racional” (como se abstraída das condições históricas e concretas em que vivia), mas também
como reconstrução histórica da fundação da Pólis e seus possíveis encaminhamentos. Como
nos é explicitado por Bobbio (1994):
A questão central em sua filosofia política que traremos aqui será sua concepção de
estado natural e estado civil, categorias que – por tratarmos de autores jusnaturalista – serão
utilizadas de comparação entre suas teorias, sendo imperativas para compreensão de suas
diferenças e influências no pensamento político moderno, bem como as suas críticas e
possibilidades de utilização como fundamentos de sua própria superação, na concepção
dialética do termo supracitada em nossa metodologia.
Aristóteles coloca o estado natural do homem como previamente social, havendo apenas
uma transformação cronológica e quantitativa em sua passagem para o estado civil. Conforme
Bobbio (1994), no modelo aristotélico:
pensador grego – do homem, como sua própria teleologia, buscar associar-se, como projeto
político ontológico. Não haveria uma necessidade de emancipação política, posto que a
passagem do homem natural ao político (civil) estaria mediada apenas pela cronologia natural
do desenvolvimento humano. “Nesse quadro, o princípio de legitimação da sociedade política
não é mais o consenso, porém o estado de necessidade, ou, mais simplesmente, a própria
natureza social do homem.” (BOBBIO, 1994, p. 44)
Válido retomar que, na democracia grega,
Eis porque a cidade é seu próprio fim, pois ela confunde sua natureza com sua própria
existência, e desse modo, faz com que os homens realizem o projeto histórico de sua
natureza e de sua existência.
Percebe-se uma teleologia política em Aristóteles condicionada ontologicamente.
Existem seres cujo fim da existência é a autarquia e o meio para alcançar é a cidade
que desse modo se torna também o fim dessa natureza, posto que ela permite a
realização dessa natureza fazendo com que a existência dos homens se dirija para a
realização desse fim. Se associar em comunidades é natural aos homens. Essas
associações desembocam na construção histórica de uma cidade decorrente dessa
natureza humana política. (p. 13)
Dessa maneira, o legado do modelo aristotélico de organização política, que exerceu sua
hegemonia sobre os filósofos até o rompimento alcançado pelos jusnaturalistas supracitados,
incumbiu ao pensamento político a tarefa única de fornecer condições para o desenvolvimento
23
Embora a idéia do direito natural remonte à época clássica, e não tenha cessado de
viver durante a Idade Média, a verdade é que quando se fala de “doutrina” ou de
“escola” do direito natural, sem outra qualificação, ou, mais brevemente, com um
termo mais recente e não ainda acolhido em todas as línguas europeias, de
“jusnaturalismo”, a intenção é referir-se à revivescência, ao desenvolvimento e à
difusão que a antiga e recorrente idéia do direito natural teve durante a idade moderna,
no período que intercorre entre o início do século XVIII e o fim do XVIII. (BOBBIO,
1994, p. 13)
Os autores aqui selecionados – e os demais que podem ser compreendidos nessa corrente
do pensamento – enveredam em um projeto de desenvolver uma conduta universal ao homem,
capaz de fundamentar quaisquer posteriores organizações econômica-sociais, ou seja, buscam
retornar aos pressupostos ontológicos do ser humano para sintetizar uma unidade ética capaz
de nortear a sociedade. Como nos diz Bobbio (1994), esses pensadores objetivavam: “(...) a
construção de uma ética racional, separada definitivamente da teologia e capaz por si mesma,
precisamente porque fundada finalmente numa análise e numa crítica racional dos
fundamentos, de garantir – bem mais do que a teologia, envolvida em contrastes de opiniões
insolúveis – a universalidade dos princípios da conduta humana” (p. 17).
Almejando esse novo tipo de construção acerca da ética e da conduta humana, esses
pensadores tiveram que atuar nos pressupostos políticos em vigor e, ao realizarem suas
investigações metodológicas, adequar-se às mudanças concretas no processo de
desenvolvimento das relações de produção.
Com efeito, para os principais pensadores do período histórico que se inicia com o
Renascimento e vai até o século XVIII, a sociedade aparece não como um pressuposto
– como fora o caso na concepção aristotélica do zoon politikon e como voltará a sê-lo
em Hegel e em Marx –, mas como um resultado, ou seja, como fruto de um processo
que tem como ponto de partida e fundamento permanente a existência de indivíduos
ontologicamente isolados. (COUTINHO, 1996, p. 7)
Entretanto, como iremos salientar durante todo esse trabalho, a ascensão à hegemonia
de um pensamento que coloca o indivíduo ontologicamente isolado – com interesses e
propriedades privadas a defender – como pressuposto de sua construção teórica não ocorre de
maneira separada do movimento real do desenvolvimento material da sociedade – centralmente
europeia nesse caso. A sociedade concreta na qual esses pensadores desenvolvem seu trabalho
é, historicamente, aquela que inicia o processo de mercantilização de sua produção e “(...) que
pode ser definida (...) como uma sociedade capitalista, ou, mais precisamente, como o estágio
dessa sociedade no qual a rápida e intensa generalização das relações mercantis ia impondo, de
modo cada vez mais abrangente, a dominação do capital” (COUTINHO, 1996, p. 16).
25
Não é assim casual que essa concepção do homem como um ser orientado
“naturalmente” pelos seus interesses singulares e egoístas (como um ser que, nas
palavras de Hobbes, quer “poder e mais poder”) esteja na origem da concepção liberal
de sociedade, uma concepção que – malgrado o absolutismo político defendido pelo
autor do Leviatã – forma a essência da teoria da sociedade tanto nele como em Locke.
Seres possessivos e autocentrados, os indivíduos se organizariam em sociedade
apenas para melhor garantirem sua segurança pessoal e suas propriedades, ameaçadas
no “estado de natureza”; o Estado ou o governo, ao “regulamentar” os conflitos,
forneceria o quadro no qual os indivíduos poderiam explicitar do melhor modo
possível essa sua “possessividade” natural. Mesmo vivendo em sociedade, portanto,
os indivíduos não perderiam os atributos que tinham em “estado de natureza”.
(COUTINHO, 1996, p.8)
aqui – baseia-se fundamentalmente na antítese entre dois estados (ou sociedades): de natureza
e civil (BOBBIO, 1994). “Entre os dois estados, há uma relação de contraposição: o estado
natural é o estado não político, e o estado político é o estado não natural. Em outras palavras, o
estado político surge como antítese do estado natural, do qual tem função de eliminar os
defeitos, e o estado natural ressurge como antítese do estado político, quando esse deixa de
cumprir a finalidade para a qual foi instituído” (BOBBIO, 1994, p. 38-39).
O estado natural em Hobbes é a condição na qual todos os homens se encontram,
possuindo todos o mesmo direito, já que estão sendo guiados basicamente pelas paixões – por
seu desejo ininterrupto de poder e mais poder –, guiando-se exclusivamente por instintos de
sobrevivência. “Na realidade nessa condição o homem está em situação de ‘guerra de todos
contra todos’, ‘o homem é lobo do homem’. Assim, seguindo Hobbes podemos dizer que no
Estado de natureza a utilidade é a medida do direito. Nessa perspectiva, a inclinação geral do
ser humano é constituída por um ininterrupto desejo de poder e de mais poder que só tem cabo
com a morte” (LOPES, 2012, p. 171).
Não obstante, a proposição do estado natural de guerra em que se encontram os homens
pré-políticos feita por Hobbes é ressaltada pelo autor como uma hipótese da razão, portanto,
lógica e não histórica. O autor denota dessa maneira mais uma diferença com o pensamento
aristotélico, no qual o estado natural era historicamente situado e gradativamente passível de
alcançar o nível de estado político.
Hobbes, então, constrói uma teoria política contratualista, como modo de superar,
simultaneamente, o estado de natureza universal essencialmente abstrato da humanidade e a
turbulência concreta que observava em sua realidade. Pois “(...) o autor parte da premissa de
um Estado de Natureza pertencente a todos os homens. Nesse sentido, todos os homens são
iguais e, assim, cada um tem o direito de utilizar seu poder e força para resguardar seus
interesses particulares. Dessa forma, paira uma espécie de luta para de todos contra todos para
defender os direitos próprios” (LOPES, 2012, p. 173). No pensamento hobbesiano, todos os
homens partem da igualdade em seu estado de natureza, porém precisam de uma organização
27
capaz de os refrear em sua defesa dos direitos próprios, porque o desejo é a categoria ontológica
mais fundamental da constituição humana, sendo a força propulsora que os move (LOPES,
2012). Revela-nos, dessa forma, a mudança da posição teórica da filosofia com o início da
mercantilização da produção e a, subsequente, mudança no regime de organização política e
produção humana.
Portanto,
Ainda que postulado como se fazendo valer de um poder de espada, a criação do Estado,
para Hobbes – e para os demais autores aqui citados –, requer uma pactuação consensual, posto
que “O princípio de legitimação das sociedades políticas é exclusivamente o consenso”
(BOBBIO, 1994, p. 61). Conforme nos alerta Lopes (2012), o Estado é produto da razão
humana e não é consolidado por obrigação, sendo imprescindível que seja consolidado pela
livre vontade das pessoas, ao menos dentro das teorias jusnaturalistas.
Vale relevar que o Estado não é estabelecido por obrigação, o mesmo é efetivado pela
vontade livre dos homens. Visto que os mesmos estão com medo da morte violenta e
querem garantir paz e segurança. É imbuído desse sentimento que os homens,
voluntariamente, celebram entre si um pacto de cada um para com todos os outros,
escolhendo, na melhor das hipóteses, um soberano, que não participa do pacto, mas
está acima dele, e transferem a este o direito de governá-los, outorgando
assertivamente todas as atitudes do soberano. (LOPES, 2012, p. 179)
Entretanto, o Estado a ser criado sob o contrato social terá poder absoluto, a fim de
tornar os cidadãos políticos seguros (BOBBIO, 1994). A proposta de Hobbes não é de caráter
metafísico ou transcendental, trata-se de uma monarquia absoluta por uma lógica pragmática
para alcançar a segurança de todos, saindo do estado de natureza, no qual imperava o caos
(LOPES, 2012). Mas ainda que as pessoas desejem a segurança – segundo Hobbes – a ponto
de abdicar de todos seus poderes a um soberano capaz de manter a harmonia, um direito
mantém-se como primordial, como fundamento e consequência da realização desse contrato: o
direito à vida. Posto que “Entende-se que a obrigação dos súditos para com o soberano dura
enquanto, e apenas enquanto, dura também o poder mediante o qual ele é capaz de protegê-los.
Porque o direito que por natureza os homens têm de defender-se a si mesmos não pode ser
28
abandonado através de pacto algum” (HOBBES apud BOBBIO, 1994, p. 82). Como nos diz
Bobbio (1994):
Destarte, o Estado em Hobbes não deve ser compreendido como um fim ontológico, ou
como um fim em si mesmo – de acordo com Lopes (2012) –, mas, sim, como um Estado
fundado de acordo com uma razão pragmática com o objetivo que o ser humano seja capaz de
alcançar seus objetivos tendo sua segurança assegurada. Ainda segundo o autor, em Hobbes,
observamos que a justificativa para o poder armado do monarca soberano está situada,
logicamente, na potência do desejo de mais poder e mais propriedade inerente à natureza
humana. Assim, compreendemos que a emancipação política não extingue as características do
estado de natureza nos indivíduos, mas, por estarem situados como estados antitéticos, a
passagem de um estágio de natureza inicial ao estado civil (político) pode ser analisada como
uma superação dialética, de acordo com explicação supracitada dessa lógica.
Sem embargo, a concepção hobbesiana de passagem de estado natural ao estado civil,
revela-se necessária para o autor justamente por situar uma característica historicamente
localizada – como o egoísmo – de maneira universal e necessariamente ontológica ao ser
humano. Veremos, a seguir, que Hobbes não fora o único autor a realizar esse movimento em
seu contexto histórico, embora sua solução apresentada difira de seus correlatos na corrente
jusnaturalista. Enquanto o egoísmo e individualismo, como características, são postuladas como
negativas moralmente na humanidade por Hobbes, em Locke, observamos um viés diferente,
com caráter muito mais utilitário dessas características humanas supostamente universais.
29
Dentro dos autores jusnaturalistas aqui selecionados – e de todos os autores que podem
ser compreendidos dentro dessa corrente do pensamento –, pouco são capazes de um diálogo
tão próximo com a contemporaneidade quanto John Locke. Enquanto a teoria hobbesiana
abordada pode ser considerada a pedra fundamental do contratualismo moderno e o ponto de
ruptura com o modelo aristotélico (MORRESI, 2006), observamos em Locke os fundamentos
que assentam, desde a publicação de sua obra, os princípios fundamentais do liberalismo, que,
a partir dessa base, irão se desenvolver e alcançar patamares cada vez mais dinâmicos e
específicos na sociedade moderna.
O autor inglês, em seu argumento liberal profundamente enraizado na propriedade
privada – como iremos desenvolver a seguir –, é considerado um dos principais autores
contratualistas modernos, pois, em sua obra, define com extrema precisão que o princípio da
legitimação das sociedades políticas é exclusivamente o consenso (BOBBIO, 1994). E esse
consenso, extremamente basilar na teoria lockeana, é expresso (ou tomado como tácito) por
meio do contrato social, de maneira a assegurar a governabilidade do Estado erigido. Conforme
Bobbio (1994),
Morresis (2006) explicita que, em Locke, o estado de natureza, e sua passagem para um
estado político, fundamenta-se nos direitos naturais vistos pelo autor inglês como o direito à
propriedade. Apenas aqueles que tenham trabalhado – ou trabalhem – para possuir, podem ser
creditados de uma racionalidade capaz de coexistir na “perfeita liberdade”. Com efeito, apenas
os “proprietários” estarão aptos à interpretação da lei natural do homem e julgar quando suas
propriedades estão sendo violadas e é necessário uma ação para corrigir a situação. Locke toma
como propriedade não apenas tudo que pertence ao homem em conjunto, naturalizando assim
o sentido amplo do conceito de propriedade, coloca no mesmo arcabouço categorial a
propriedade de bens e a propriedade da própria vida, entretanto não permite a cisão dessas
posses ao considerar o cidadão digno de ser racional.
Uma questão, porém, subsiste ao conteúdo desenvolvido. Se o estado natural
corresponde a uma “perfeita liberdade”, no qual os indivíduos são guiados por sua racionalidade
e são capazes de interpretar a lei natural, de acordo com uma moral, e salvaguardar suas
propriedades, qual motivo os levaria partir desse estado para um estado político? Ou, colocado
de maneira mais sucinta, qual a necessidade de alterar um estado de “perfeita liberdade”?
A resposta lockeana é, deveras, também sucinta. Pouco, efetivamente, falta para a
perfeição social no estado de natureza, posto que cada um é capaz de agir de acordo com a razão
e usar (legitimamente) a força apenas na defesa de suas propriedades. Mas é justamente esse
predicado que compõe o cerne do problema para o autor já que, dentro da razão e da
possibilidade do uso da força, cada um teria que julgar a violação de suas propriedades por
outros, podendo engendrar uma transição a um estado de guerra – caracterizado pelo conflito,
pela luta brutalidade e decadência (LOCKE apud MORRESIS, 2006). Bobbio (1994) também
aborda a questão:
Morresi (2006) destaca que a liberdade postulada pelo pacto lockeano, por meio da
renúncia a um único direito – de julgamento –, possui em sua estrutura a salvaguarda do
fundamento central para o autor que é a propriedade; pois, ao eleger um representante (ou
alguns representantes) para o asseguramento do funcionamento da sociedade civil, o autor
32
garante que, mesmo em caso de caos e rebelião, o máximo que se alcance é a alteração do modo
de julgamento ou da figura de julgamento que sintetizará o Estado, mantendo intocada a ordem
social que legitima a propriedade. Com efeito, o autor apregoa a liberdade (o consenso) como
um dos pilares de toda ordem política, todavia, naturaliza uma liberdade historicamente
específica, a liberdade mercantil, que marcará a discussão política constantemente a partir de
então.
Pois, como situa Morresi (2006), enquanto a política tem seu foco nas lutas pelos
diversos interesses e necessidades, o pacto – em especial a nós, o pacto jusnaturalista – concede
legitimidade aparente a um acordo entre partes. Entretanto, a legitimidade concedida por um
pacto não implica necessariamente a negação superadora de um conflito, apenas naturaliza o
triunfo de interesses específicos, relegando a grupo discordante a um local de marginalidade.
Porém, ainda que o pensamento não alcance o status revolucionário na forma de
alteração real da organização social preconizada, observamos que o caminho teórico do
jusnaturalismo é alterado radicalmente se for incluída a dimensão processual da história como
fundamento ontológico do indivíduo político, ao invés da naturalização de características
especificamente datadas e covalentes com a ordem social em ascensão. Esse exemplo pode ser
observado, de certa maneira, em Rousseau, que abordaremos a seguir.
O estado originário do homem era um estado feliz e pacífico, já que o homem – não
tendo outros carecimentos além daqueles que podia satisfazer em contato com a
natureza – não se via no dever nem de se unir nem de combater os próprios
semelhantes. Mas era um estado que não podia durar; por uma série de inovações, a
principal das quais foi a instituição da propriedade privada, ele degenerou na
sociedade civil (entenda-se civilizada), onde ocorre o que Hobbes imaginara ocorrer
no estado de natureza, ou seja, a conflagração de conflitos contínuos e destrutivos pela
posse dos bens que o progresso técnico e a divisão do trabalho haviam aumentado
enormemente. (BOBBIO, 1994, p. 56)
Conforme nos alerta Coutinho (1996), o estado belicoso da sociedade civil de Rousseau
– que seria similar ao estado de natureza para Hobbes – deve ser compreendido não como algo
rígido e de aversão à socialização do “sujeito primitivo”, mas, sim, como uma crítica das
condições de socialização (em particular, das condições concretas do sistema de produção),
demonstrando que, sob um regime desigual, o que ocorre é a institucionalização da
desigualdade, conforme veremos a seguir.
Ainda que apresente críticas contundentes aos seus antecessores, o pensamento
rousseauniano ainda estabelece atributos naturais ao ser humano, justificando sua inclusão no
pensamento jusnaturalista moderno. Entretanto, o estado de natureza em sua construção teórica
possui determinada complexidade, pois – eliminadas todas as características advindas do
processo de socialização – o “sujeito natural” é dotado de dois princípios anteriores a razão: um
de assegurar o bem-estar e conservação e outro de repugnância ao sofrimento alheio, o qual
poderíamos traduzir como empatia.
34
Assim Rousseau caracteriza o estado de sociedade civil que observa em sua análise, um
estado de caos, porém com avanços da socialização. O autor explicita dessa maneira que há
mais aspectos demandantes de consideração para a possibilidade de emancipação política ao
ser humana. A dimensão fundamental que exige atenção, segundo Rousseau, é a dimensão
econômica-social, sintetizada por ele na categoria da propriedade privada: origem e fundamento
da desigualdade entre os homens. O que Rousseau crítica no estado de sociedade civil, portanto,
“(...) não é tanto o fato de que os homens dependam uns dos outros para satisfazer seus
carecimentos, mas sim o modo peculiar pelo qual se dá essa dependência, ou seja, nos quadros
da propriedade privada e da divisão do trabalho” (COUTINHO, 1996, p. 15).
Ou seja, a crítica rousseauniana incide não no produto final das relações sociais
observadas pelo autor – em parte, como fazem os demais autores jusnaturalistas –, mas
principalmente no modo, na mediação utilizada para a realização dessa transição do estado de
natureza ao estado civil. É por meio da propriedade privada e divisão social do trabalho que o
autor apreende os argumentos centrais para a desigualdade entre os homens, revelando uma
diferença fundamental em Rousseau: a compreensão histórica de características humanas.
Enquanto os demais autores aqui abordados possuíam como fator universal em seu argumento
basilar a desigualdade entre os homens (e as características advindas dessa desigualdade), o
autor suíço reconhece o processo de formação dessas desigualdades – ainda que com suas
limitações – e, para se contrapor a esse modelo, propõe um terceiro estado possível à
organização humana: a República.
O terceiro modelo proposto por Rousseau, de acordo com Coutinho (1996), diferencia-
se já desde o princípio pelo modelo de pacto que exige. Enquanto os demais pactos tendem a
36
Optaremos, em vista disso, por iniciar a trajetória do presente capítulo pela concepção
de política segundo enfoque de autores marxistas norteados pela metodologia do materialismo
histórico-dialético, i. e., autores que, baseados pela teoria marxiana, retomaram, atualizaram e
4
A crítica de Marx, iniciada em sua juventude, advém inicialmente do contexto histórico no qual estava inserido
na Alemanha, atrasada na formação de seu “Estado-Nação” e ainda fortemente guiada pelas ideias hegelianas.
Bensaïd (2010) sintetiza que a trajetória do pensamento marxiano acerca da questão do Estado marca sua transição
do liberalismo renano à luta de classes e à revolução permanente, nas seguintes publicações: Crítica da filosofia
do direito de Hegel (1844), Sobre a questão judaica (1844), “Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução”
(1844) e A sagrada família (1845) – datas de publicação original.
38
5
Apesar de não podermos empreender uma análise maior da categoria de classes sociais, cabe-nos o destaque que
Lima (2005) contempla a trajetória desse conceito dentro do marxismo, suas divergências e convergências. Vale
nesse momento salientar que, segundo o autor: “(...) o conceito de classe social em Marx surge com um duplo
significado. De um lado, como categoria analítica, indica um movimento, uma relação social, expressando o
conteúdo genérico-abstrato das determinações comuns e gerais sob as quais, nas sucessivas épocas históricas, o
trabalhador produtor de valor foi realizado sob a égide da dominação política e exploração econômica. De outro,
como categoria histórica particular, indica uma estrutura social e sujeito localizados no interior da produção
capitalista expressando o sentido específico-particular pelo qual a demonização e exploração dessa época histórica
opõem-se àquelas próprias das sociedades estamentais e de castas e delas se distingue. Com esse último sentido,
Marx utiliza o termo em diferentes passagens d’O Capital, referindo-se às forças motrizes da sociedade.
Posteriormente Lênin insistirá nesse sentido do conceito, esclarecendo como para o marxismo, a constituição de
uma classe é definida a partir de suas relações com os meios de produção (...)” (LIMA, 2005, pp. 2-3).
39
Destarte, com a divisão social do trabalho, observamos a existência de duas classes com
projetos diferentes no concernente à produção e à manutenção de sua sobrevivência. Ainda
segundo o autor, a existência de uma classe proprietária e outra não-proprietária carrega consigo
a necessidade do poder de regulação como poder também propriamente material, inaugurando
a manifestação da política como dominação do homem pelo homem. Entretanto
A divisão social do trabalho resgatada pelo autor anteriormente como base para o
primeiro ponto de tensão na sociedade é desenvolvida com maior detalhamento em Marx &
Engels (2009), destrinchando três momentos fundamentais para a existência histórica do
homem: produção de meios para a satisfação das necessidades (a produção da própria vida
material como primeiro ato histórico); a satisfação de necessidades conduzindo a novas
necessidades diversas das primeiras; e a reprodução dos próprios indivíduos. De acordo com os
autores, “A divisão do trabalho só se torna realmente divisão a partir do momento em que surge
uma divisão do trabalho material e espiritual [geistigen]. A partir desse momento, a consciência
pode realmente dar-se à fantasia de ser algo diferente da consciência da práxis existente (...)”
(MARX & ENGELS, 2009, p. 45 – grifos dos autores). Divisão do trabalho e propriedade
privada aqui, são expressões sinônimas, respectivamente, da atividade e de seus produtos
desigualmente divididos.
Seguindo adiante no desenvolvimento do pensamento teórico dos autores, observamos
a indicação que a divisão social do trabalho implica, concomitantemente, na contradição entre
os interesses particulares e comunitários, ambos interesses não sendo meras representações
imaginárias, mas, sim, exigências existentes concretamente na dependência mútua dos
indivíduos e suas características singulares. “E é precisamente por essa contradição do interesse
particular e do interesse comunitário que o interesse comunitário assume uma organização
[Gestaltung] autônoma como Estado (...)” (MARX & ENGELS, 2009, p. 47). A organização
do Estado e suas implicações serão abordadas futuramente nesse capítulo; nesse momento,
40
cabe-nos o destaque da contradição entre interesses que a divisão social do trabalho produz,
exigindo algum processo regulatório que o torne sustentável à existência social.
Ainda que apenas apontando um norte para a sustentabilidade da reprodução humana,
Mészáros (2015) vem ao nosso encontro quanto à possibilidade – e necessidade – regulatória
exercida pela política:
(...) os fenômenos sociais não são determinados, como diria a tese idealista, por
projetos de um indivíduo ou grupo social, mas que tais projetos expressam um
movimento do real, baseado na contradição entre as relações sociais de produção e as
forças produtivas, o que dá origem à contradição entre as classes que representam
cada um desses pólos. (p. 78)
A política como fenômeno social não é, e não poderá jamais ser, determinada
idealisticamente como modelo externo pressuposto na organização humana, será,
necessariamente, relacionada diretamente, como objeto do movimento dialético, do modo de
produção concreto humano. A política, compreendida aqui como produção não-material
humana, estaria situada então “Como dimensão da atividade humana e como instância de
direção e controle da sociedade baseada na propriedade privada” (DA MATA, 2014, p.72)
Ao considerarmos a divisão social do trabalho e a propriedade privada como primeiro
ponto de tensão entre projetos de organização da sociedade, cindindo os interesses particulares
dos comunitários, fundando a possibilidade de classes sem acesso à propriedade dos meios de
produção e, portanto, a utilização da política como veículo de dominação do homem pelo
41
homem; precisamos adentrar brevemente o caráter histórico da organização social humana para
compreender o desenvolvimento da política, sua concepção e expressão contemporânea.
A passagem do modo de produção feudal ao capitalista engendrou um novo panorama
na organização humana, ainda que mantivesse a concepção acima destacada da cisão entre duas
classes, proprietários e não-proprietários. Seu principal movimento corolário foi no pensamento
teórico acerca do Estado e suas funções, bem como o exacerbamento de sua separação da
sociedade civil como instrumento de asserção de representação e regulação política. O que será
melhor detalhado no próximo tópico desse capítulo.
Ainda que seu viés regulatório se encontre, atualmente, deformado sob condições da
ideologia dominante, a política está presente no cotidiano de cada indivíduo singular, posto que
a condição básica ontológica do ser humano é ser social e, portanto, ser político. Ao
considerarmos que no panorama histórico geral a política venha sendo mascarada e extraída do
contato imediato do trabalhador, observamos como no sentido coloquial essa categoria ganha
caráter caricato, deformado de sua existência real, como exposto por Da Mata (2014):
ações do indivíduo, agora compreendidas também em sua dimensão política, respondem a uma
questão que permeia toda sociedade de classes: suas ações visam a manutenção da estrutura
estabelecida (seus projetos políticos sobre a regulação da produção ensejam manter a atual
distribuição realizada) ou visam modificar a estrutura socioeconômica presente (contribuem
para a subversão do que é estabelecido e a construção de uma alternativa)?
Desejamos demonstrar a concepção de política – e posteriormente de Estado – de acordo
com autores marxistas, posto que, conforme explicitado no capítulo anterior, a construção de
sua concepção subordinada ao projeto político da sociedade burguesa, possui seu contexto
histórico de ascensão da burguesia como classe social dominante e, concomitantemente como
causa e consequência, a mercantilização da produção humana. Ademais, a tese jusnaturalista
apresentada de acordo com os autores selecionados, aparece como uma construção que
simultaneamente expressa o reflexo teórico do desenvolvimento histórico concreto da
sociedade ocidental e os moldes ao projeto político da sociedade burguesa em formação
(BOBBIO, 1994). Com efeito, o que aspiramos ressaltar, é o caráter material e histórico de
dada concepção política e também de sujeito.
A concepção aristotélica – e, de certa maneira, rousseauniana – de política e de sujeito
não encontra local para sua hegemonia no pensamento burguês tornado ecumênico no
desenvolvimento da Revolução Francesa. O modelo político de existência social requerida
pelas condições concretas de produção passou a pressupor o sujeito liberal com interesses
exclusivamente privados descrito por Hobbes e Locke, pronto à guerra contra todos e ao
julgamento soberano de todos, respectivamente, nos quais a tese dos direitos naturais
inalienáveis de cada pessoa pressupunha seus interesses e propriedades privadas.
Sobre a importância de compreendermos o contexto das ideias jusnaturalistas no
pensamento moderno, lembra-nos Coutinho (1999):
social imanente à concepção defendida aqui de política. De acordo com Da Mata (2014):
“Konder não a apresenta como instância de decisões burocráticas e ideologicamente
comprometidas, mas como um dos aspectos da vida prática dos seres humanos. Não ser político,
nessa perspectiva, é estar alienado (estranhado) do fazer humano, é estranhamento do ser
humano em relação a si mesmo” (p. 71).
Ainda segundo Da Mata (2014):
O caráter de mal social, ou de panaceia, se institui com a cisão entre a esfera da vida
pública e a vida privada, transformando a política em elemento externo e estranho à
sociedade civil, contraposta ao indivíduo e abstratamente atrelada à ação do cidadão.
Trata-se do apoliticismo que, na análise de Konder, eterniza e naturaliza as relações
sociais existentes, tornando-as ahistóricas. Isto se dá pela suposição de que as
desigualdades historicamente engendradas sejam desigualdades naturais, relegando as
possibilidades de desenvolvimento a uma parcela diminuta dos seres humanos.
Portanto, para Tonet (2004), Marx situa nessa passagem um pressuposto fundamental a
toda sua obra concernente ao Estado e à sociedade civil, a materialidade como matriz ontológica
do todo social. A partir de tal pressuposto, todas as categorias que serão analisadas serão
compreendidas como momentos – de especificidade e lógica própria – de uma totalidade
material e, dessa forma, jamais poderão estar situados como condição fundante das relações
matérias de existência. Como explicita o autor:
Para o que nos interessa aqui, que é a política, isto significa que o princípio de sua
inteligibilidade não se encontra no interior dela mesma, mas fora dela, o que, em
absoluto, não lhe suprime a especificidade nem a importância e nem a reduza a mero
efeito da economia, mas proíbe pensa-la, porque efetivamente não o é, como uma
esfera autônoma, cujos relacionamentos com outras esferas seriam externos e
fortuitos. Assim, nem o estado, nem a política, nem o poder seriam inteligíveis sem
as relações materiais das quais são a expressão e para cuja reprodução contribuem.
(TONET, 2004, p. 25)
Com efeito, os Estados do sistema do capital não são de forma alguma inteligíveis em
e por si mesmos, mas apenas como a complementariedade corretiva necessária para
os defeitos estruturais de outras formas incontroláveis de seu modo orientado para a
expansão da reprodução sociometabólica. E esse imperativo estrutural de expansão
pode ser impulsionado pelo bem-sucedido processo de acumulação apenas durante o
tempo em que ele puder prevalecer em seus termos materiais de referência
confrontando a natureza sem destruir a própria humanidade. (p. 18)
trazemos aqui a crítica avassaladora de Marx a essa formação estatal, vale-nos destacar que a
concepção de direito natural que serviu de base e foi baseada na ascensão ao modo de produção
capitalista serviu como um arcabouço teórico de cunho progressista e revolucionário, pois
objetivava a mudança da ordem societal hegemônica do feudalismo. Ensejamos, dessa maneira,
demonstrar que o caráter histórico do desenvolvimento da organização social não permite uma
simplificação unicamente maquiavélica dos pensadores jusnaturalistas, já que esses serviram
como expressão e como base a um movimento revolucionário progressista. A crítica que
trazemos e que está situada no pensamento marxiano trata de uma forma mais acurada de
compreender os limites intrínsecos à lógica inerente ao Estado moderno. Coutinho (1999)
realiza uma crítica síntese desse movimento histórico:
6
Ainda que seja defendido por Coutinho (1999) que a crescente “socialização política”, observada no intercorrer
da história moderna até a contemporaneidade, ocasionou a mudança de mecanismo de funcionamento do Estado
para a passagem da simples coerção à manutenção dos interesses dos representantes do capital ao consentimento
dos governados, reconhecendo a ampliação dos direitos de cidadania política e social; pontuamos que a crítica
marxiana ao Estado trabalha como base para evitar que se mude a inflexão da relação entre os pólos
Estado/sociedade civil. Conquanto há de se reconhecer os frutos da constante luta dos trabalhadores organizados
visando melhores condições de vida, o que expomos até o momento já nos serve inicialmente para demonstrar
uma questão que será melhor detalhado com o decorrer do presente capítulo: não há possibilidade de superação
das mazelas do capitalismo na humanização do Estado. Por isso, não é possível seguir o raciocínio de Coutinho
(1999) em Cidadania e Modernidade; se o autor atribui a conquista de direitos pelos trabalhadores como limitados
ao Estado, aqueles que não alcançaram tais direitos e vivem na precariedade teriam de se organizar para conseguir
47
Pois, “Se a organização das forças produtivas é uma condição indispensável ao ser humano,
também é verdadeiro que a regulação política que justifica a desigualdade social é favorável
aos desequilíbrios do capital e incapaz de fazer a análise de seu próprio movimento” (DA
MATA, 2014, p. 84).
Ao responder ao artigo de Arnold Ruge em 1844 (“O Rei da Prússia e a reforma social,
por um prussiano”), Marx fundamenta sua crítica contra teses de que a as mazelas sociais
estariam unicamente relacionadas a condições políticas, burocráticas e administrativas situadas
no Estado ou a sua falta. Não seria, pois, para Marx, em seu artigo “Glosas Críticas Marginais
ao artigo ‘O Rei da Prússia e a Reforma Social. Por um Prussiano’ (1844/2011)” o excesso
ou a falta de desenvolvimento político de uma nação que acarretaria nos problemas de
desigualdade social, mas, sim, a contradição fundamental da sociedade civil burguesa entre
capital e trabalho humano. Como nos diz Chagas (2014):
Marx mostra que a política, assim como o Estado, enquanto instâncias de dominação,
não têm fins próprios, seus fins não são universais, pois eles atendem aos fins da
sociedade civil burguesa. Contra Ruge, Marx deixa claro que o Estado, além de ser
limitado e não ter fins próprios, não é livre, independente, mas órgão privado,
particular, instrumento de classe para assegurar a propriedade privada e a exploração
do trabalho alheio a serviço do capital, e, por isto, ele e sua administração são
impotentes para resolver os males sociais gerados pela sociedade civil burguesa,
baseada na contradição entre capital e trabalho. (p. 74)
A relação geral entre política e males sociais não pode ser uma questão de vontade
política. As circunstâncias objetivadas historicamente impedem que a vontade política
se efetive, oferecendo um conjunto de soluções bastante limitado para enfrentar os
problemas sociais. Não é o atraso político da Alemanha, mas a própria estrutura do
Estado, que impede a superação dos problemas sociais. Também não se pode aceitar
consentimento de seus direitos no Estado e não teriam de preocupar-se com a alteração da sociedade civil e sua
lógica capitalista de produção.
48
a tese de que a pobreza e a miséria sejam males próprios de países não desenvolvidos.
Quando o Estado está fundado sobre as bases da propriedade privada, da exploração
do trabalho, da geração de lucro, o pauperismo é sua conseqüência necessária, não
importando o quão desenvolvido é o país. (DA MATA, 2014, pp. 86-87)
mais uma faceta distorcida da concepção política limitada em si mesma, a exigência da caridade
do Estado contra mazelas que estão para além de sua esfera de ação.
A tese de que a política seja a instância da resolução das misérias sociais é parcial,
insuficiente e equivocada. Não importa o nível de avanço do Estado, o único modo de
justificar a permanência do pauperismo é justamente considerá-lo como falha
administrativa ou de assistência. É a legislação que institui a assistência do Estado
pela via administrativa. Legislar sobre a pobreza, a fim de fornecer assistência aos
mais necessitados é uma medida paliativa porque não ataca o fundamento da miséria
(propriedade privada, exploração do trabalho), não tem a menor possibilidade de
eliminar a pobreza.
A caridade do Estado é o meio legal contra o mal social, mas incapaz de combatê-lo
e exterminá-lo porque a política burguesa não extermina as causas objetivas da
pobreza e nem abala as estruturas da própria sociedade capitalista, ela só ataca
efetivamente a expressão mais imediata do problema. (DA MATA, 2014, p. 88)
Conforme exposto, em Konder (1965), revela-se que a dimensão política está para além
de uma prática externa ao indivíduo, limitada ao voto periódico na eleição de seus
representantes – no caso de uma democracia representativa, como ilustração. A dimensão
política encontra-se tanto nas ações quanto omissões dos sujeitos, nas minuciosidades de sua
prática cotidiana e, também, na manutenção ou transformação da ordem social vigente. Ao
sustentarmos anteriormente o caráter imanentemente formativo da política, compreendendo-a
como práxis social, desejávamos tecer a base da contraposição ao argumento do sujeito liberal
– visto como mônada – construído na ascensão do Estado moderno jusnaturalista, no qual a
individualidade singular imediata é tomada como universal e justificada na construção do
pensamento científico historicamente situado, incorrendo em uma fetichização do fenômeno
51
em sua aparência (PASQUALINI & MARTINS, 2015); gerando graves implicações para a
Psicologia, como abordaremos no próximo capítulo.
Tal contraposição é necessária, pois a política adquiriu um duplo caráter na
contemporaneidade enquanto aparentemente alheia ao indivíduo, ao mesmo tempo que é
tomada como seu principal instrumento de mudança da estrutura social, e em ambos casos não
consegue fugir de sua imediaticidade, de sua aparência. Da Mata (2014) explicita: “O caráter
de mal social, ou de panaceia, se institui com a cisão entre a esfera da vida pública e a vida
privada, transformando a política em elemento externo e estranho à sociedade civil, contraposta
ao indivíduo e abstratamente atrelada à ação do cidadão” (p. 71). Trata-se, por excelência, do
apoliticismo, como descrito por Konder (1965):
A ilusão de uma atividade privada apolítica serve, pois, para auxiliar na manutenção da
estrutura social vigente, gestando uma das características centrais do apoliticismo: naturalizar
e eternizar relações sociais historicamente construídas, conferindo-as caráter ahistórico
(KONDER, 1965; DA MATA, 2014). A divisão social do trabalho, supracitada, criara uma
situação na qual níveis diversos de influência política foram atribuídos a diferentes integrantes
de uma mesma comunidade, e a ilusão do apoliticismo permitiu – e permite – a manutenção
dessa cisão da política.
Isso se remonta a toda construção histórica da sociedade de classes, entretanto,
considerando o contexto de nosso objeto de estudo, cabe-nos destacar que, ainda nas sociedades
capitalistas mais desenvolvidas, a imensa maioria dos trabalhadores está alijada do poder de
decisão, aprofundando as desigualdades sociais já existentes (DA MATA, 2014). “As duras
condições de luta pela vida impostas aos trabalhadores excluem-nos, via de regra, da
participação no aparelho do Estado, como técnicos, administradores (KONDER, 1965, p. 147).
A sociedade civil – majoritariamente formada pelo trabalhador assalariado – não é
capaz, efetivamente, de tomar as rédeas do sistema de regulação política, o Estado, posto que a
superestrutura de produção capitalista retira do proletário sua potencialidade de influir no
processo decisório de seus destinos, mantendo-o constantemente na “luta pela vida”
(KONDER, 1965). Consoante com a arguição de Da Mata (2014):
52
O problema é que a imensa maioria dos trabalhadores está alijada do poder de decisão
na sociedade capitalista, agudizando as desigualdades sociais. Para os trabalhadores,
participar dos eventos políticos conforme eles se apresentam na forma democrático
burguesa é uma barreira invencível, posto que imensas desigualdades inviabilizem
uma participação efetiva tanto do ponto de vista econômico quanto cultural. Em
relação ao aspecto econômico, todo trabalhador pode votar e ser votado, mas não pode
competir com o representante burguês porque não dispõe dos meios econômicos para
lidar com a grande imprensa (normalmente empresas capitalistas) a fim de difundir a
propaganda necessária, por exemplo (p. 71).
7
O termo “Democracia Burguesa” é utilizado aqui de acordo com a proposição de Coutinho (1980), ao retomar a
polêmica de Lênin com Kautsky. Nas palavras do autor: “Quando, em polêmica com Kautsky, Lênin afirmou que
não existia ‘democracia pura’, que a democracia era sempre ou burguesa ou proletária, ele não punha em discussão
o que Berlinguer chama hoje de valor universal da democracia política. O que Lênin tinha em vista, contra o
formalismo oportunista de Kautsky, não era negar a validade do substantivo democracia, mas lembrar que – no
plano do conteúdo concreto – ele aparece sempre adjetivado. Em outras palavras: fiel ao ensinamento de Marx e
Engels, Lênin afirmava não poder existir – salvo em breves períodos de transição – regime estatal sem conteúdo
de classe determinado sem que uma classe fundamental no modo de produção determinante exerça através desse
regime (não importa por meio de quantas mediações) sua dominação sobre o conjunto da sociedade” (p. 35).
53
O poder executivo passa assim a ser encarnado por um grupo de burocratas que se
subtrai ao controle público e, com isso, transforma o Estado num corpo separado e
posto “acima” da sociedade. (...) o que a burocracia ligada ao Executivo faz, na
realidade, é “harmonizar” os interesses do capital em seu conjunto, pondo-se acima
das “paixões” individuais dos capitalistas singulares, e operar ao mesmo tempo no
sentido de que tais interesses se imponham “automaticamente” sobre o conjunto da
sociedade (COTUINHO, 1980, p. 39).
Konder (1965), assim como Marx (2015), explicita a necessidade que compreendamos
o processo da alienação como pluridimensional, ainda que possua – em nossa organização
social – sua principal expressão na dimensão econômica, de produção e manutenção da
sociedade. Na dimensão política, que constitui nosso foco, expressa e revela seus meandros de
desenvolvimento; sendo, porém, necessário reiterar como Almeida et al. (2011) que: “Assim,
embora se expressa na consciência, a alienação não tem origem na consciência, mas na
atividade material humana, fonte da consciência” (p. 553).
Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, Marx (2015) construiu seu primeiro
sistema abrangente de ideias (MÉSZÁROS, 2006), sendo que cada ponto particular abordado
na obra corresponde a um ponto anterior em seu sistema conceitual, bem como fundamentará
futuras construções do autor. Mészáros (2006) denomina essa obra de um sistema in status
nascendi, pois, é nesse primeiro sistema abrangente que Marx explora sistematicamente as
implicações de variados alcances na atividade humana do conceito-chave que o autor alcançou
em suas investigações: a alienação do trabalho8.
Segundo Mészáros (2006), a convergência dos pontos heterogêneos da alienação
situados anteriormente aos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 tanto na obra marxiana
quanto na de outros filósofos se deu sob o conceito de trabalho empregado por Marx. Nos
Manuscritos de 1844, o trabalho é contemplado tanto em sua universalidade como
8
Uma exposição minimamente suficiente fugiria tanto de nossa possibilidade teórica com o arcabouço conceitual
aqui levantado, quanto prática nas limitações do presente trabalho. Ressaltaremos aqui algumas questões essenciais
sobre o processo de alienação para que essa categoria possa ser empregada adequadamente em nossa pesquisa
acerca da dimensão política. Para maior detalhamento ver: Mészáros (2006)
54
Mészáros (2006) situa a atividade como alienada “(...) quando se desvia da função que
lhe é própria, a saber, a de mediar humanamente a relação sujeito-objeto entre ser humano e
natureza, e, em vez disso, tende a fazer com que o indivíduo isolado e reificado seja reabsorvido
pela ‘natureza’” (p. 81 – grifo do autor). O filósofo húngaro explicita um sistema conceitual
como forma de compreensão do conceito de alienação nos Manuscritos Econômico-Filosóficos
a partir das categorias de mediação de primeira e segunda ordem. A relação do ser humano com
a natureza seria, segundo autor, “automediadora”, posto que consiste como aspecto ontológico
da atividade propriamente humana. A problemática da alienação, conforme abordada por Marx
(2015), situaria-se nas mediações de segunda ordem (divisão do trabalho, propriedade privada
e troca historicamente situadas no capitalismo) que rompem com a atividade automediadora
ontológica e a subordinam a seu produto, impedindo o trabalhador de compreender-se naquilo
que produz.
Conforme Marx (2015):
Dêste modo, verifica-se que todo o esforço que o homem vinha desenvolvendo até o
capitalismo para dominar a natureza, para plasmar o mundo natural à sua feição, para
dar uma feição humana aos objetos naturais, é invertido e negado pelo
estabelecimento das relações capitalistas de produção. Dentro do todo constituído por
estas relações de produção, o homem é assimilado a um mundo de coisas (de vez que
as próprias relações inter-humanas, no plano geral da sociedade, assumem a feição de
coisas). E as coisas a cujo mundo o homem é assimilado, ao se tornarem diretoras do
movimento da história e da atividade humanas, se desindividualizam e perdem as suas
qualidades concretas ante os olhos dos homens, compondo um mundo desprovido de
existências singulares, um mundo indiferenciado, um mundo desumano, onde o
humano – especìficamente humano – se vê triturar e inapelàvelmente diluir
(KONDER, 1965, p. 112 – grifos do autor)
9
Pela limitação do presente trabalho, optaremos por não destrinchar a manifestação e a construção lógica dos
aspectos citados, sugerimos para isso a leitura dos autores que nos embasam. Cabe-nos aqui somente ressaltar que
tais aspectos se implicam mutuamente, fazendo parte de um processo uno de alienação.
56
no próximo capítulo do presente trabalho, por hora, vale-nos ressaltar o expresso por Konder
(1965): “A subestimação das possibilidades da atividade política do homem e a descrença
quanto a uma reorganização da sociedade e a uma superação da divisão social do trabalho
marcam, na consciência acumpliciada com a alienação, o seu conteúdo de classe” (p. 148).
A ascensão do modelo político burguês retomado anteriormente e influenciado pelos
filósofos jusnaturalistas (no presente trabalho: Hobbes, Locke e Rousseau) foi causa e
consequência – na concepção materialista dialética – de uma visão ahistórica individualista do
indivíduo e, juntamente com a alienação específica do modo de produção capitalista,
possibilitou que a ilusão do apoliticismo estabelece-se como regra, legando ao processo
decisório de nossa sociedade a impossibilidade de ser um processo realmente coletivo de
política. O indivíduo na concepção liberal estaria caracterizado pela simples união política
formal para garantia de sua sobrevivência e, assim, como descrito na definição do apoliticismo
e da alienação, não veria a si mesmo em seus semelhantes, bem como não poderia ver a si em
sua atividade, sua produção e seu contato com o gênero humano.
Embora atentemos aqui para a materialidade do processo de alienação para a
compreensão de seus efeitos na constituição da consciência, centrando na esfera econômica a
raiz do conceito geral de alienação, ressaltamos a impossibilidade de reduzir o processo de
alienação unicamente a um pilar central econômico, de acordo com a construção teórica
marxiana dos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 (2015). A superação da alienação
econômica é, seguramente, fator imprescindível à emancipação do trabalhador, todavia, para
análise da dimensão política da constituição da consciência – como abordaremos
especificamente no próximo capítulo –, devemos apreender a pluridimensionalidade do
processo da alienação e sua possível superação em suas diversas dimensões. Conforme
explicitado por Konder (1965):
A passagem acima nos oferece uma síntese sobre a parcialidade da emancipação política
alcançada com a formação do Estado moderno conforme expusemos anteriormente. Ainda que
seja uma etapa necessária – um desvio necessário, de acordo com Marx (2009) – não é capaz
de libertar o cidadão de suas contradições reais vividas como sociedade civil. O autor nos
oferece ainda a explicitação que tal elevação política não está limitada ao fenômeno religioso,
mas, sim, a qualquer dimensão da elevação política. A propriedade privada, tomada como
exemplo na obra, não está abolida caso seja abolida sua expressão política por meio do voto
democrático universal, está, no entanto, pressuposta pelo Estado. “No entanto, a anulação
política da propriedade privada não só não leva à anulação da propriedade privada, mas até
mesmo a pressupõe” (MARX, 2009, p. 39).
Desvela-se, assim, o caráter parcial da emancipação política que, enquanto professada
pelo Estado não é capaz de inferir uma mudança total na vida da sociedade civil. Tal caráter
parcial é fundamental para compreendermos como a sociedade burguesa fundada pela
Revolução Francesa e Revolução Industrial não será superada unicamente pelo trâmite das
reformas estatais, posto que, suas ações contrárias a fenômenos crassos do capital – o
pauperismo, como exemplo – superam o fenômeno apenas abstratamente, sem tocar
necessariamente nas mudanças requeridas pela sociedade civil.
Não desejamos aqui desconsiderar o avanço histórico alcançado por meio da
emancipação política por meio da formação do Estado moderno, apenas ressaltar a parcialidade
da emancipação real do trabalhador nesses termos. Como nos diz Marx (2009): “A
emancipação política de fato representa um grande progresso; não chega a ser a forma
definitiva da emancipação humana em geral, mas constitui a forma definitiva da emancipação
humana dentro da ordem mundial vigente até aqui” (p. 41 – grifos do autor).
Da Mata (2014) expõe, apoiado nas observações marxianas, como o Estado moderno,
como criação da sociedade civil burguesa, possui função de protegê-la até mesmo de suas
contradições basilares, sendo que a cisão entre a esfera privada pública – representada no Estado
– e a esfera privada – representada na liberdade abstrata da sociedade civil – é uma expressão
tanto do Estado moderno quanto da emancipação política que o funda. Ainda que destacando o
fenômeno da religião, Marx (2009) reitera que a cisão do homem em público e privado, no bojo
60
é entendido como sua essência atemporal na busca pela satisfação dos interesses
particulares no mundo das necessidades, na exploração do trabalho, no lucro, na
competição. É a assim chamada natureza humana egoísta que impede a perfeição da
eticidade do Estado Moderno, não as contradições impetradas pela sociedade civil
burguesa. Sendo livre, é responsabilidade do indivíduo a satisfação de suas
necessidades. Enquanto, por um lado, o Estado é liberto das limitações à liberdade,
podendo conduzir-se livremente na garantia e conservação das relações sociais
burguesas, o indivíduo, tomado como mônada isolada, tem sua liberdade limitada (p.
101).
Por isso os direitos do homem só podem ser concebidos, na sociedade burguesa, como
direitos políticos (parciais). A abolição política dos limites históricos sobre os quais
avançam os direitos do homem não acaba com tais limites, mas, antes, os pressupõem
e os conservam ocultos na estrutura política que sobre eles se ergueu. Os direitos do
homem na verdade presumem e conservam exatamente aquilo que pretendem superar
(p. 105).
Destarte, os direitos políticos assegurados no Estado moderno não podem alcançar uma
emancipação real da classe trabalhadora, posto que alteram, em seu alcance, a base estrutural
societária que engendra a desigualdade. Enquanto pressupõe o direito à propriedade, não
poderão assegurar uma liberdade efetiva, ao contrário, asseguram apenas a liberdade da
continuidade da exploração por meio do assalariamento. Da Mata (2014) explicita que a
igualdade dos direitos pregados pelo Estado moderno consiste em uma idealização não política
e não histórica, pois fornece um véu emancipatório a uma situação real de opressão ao
desconsiderar a constituição da propriedade privada dos meios de produção e o isolamento
egoísta do indivíduo que acentua as desigualdades na competição com demais membros da
comunidade. Não obstante, a proposta dos pensadores jusnaturalistas, ao se realizar em
determinado grau no Estado moderno não traz a segurança e harmonia que o creditavam os
autores, dado que partiam e pressupunham o indivíduo como mônada a ser protegida de seus
semelhantes; em sua concretização, observamos que o caminho emancipatório proposto
encerrou em si uma contradição que não pode ser superada politicamente, mas, sim, apenas
com alteração as bases do sistema de produção do capital. O Estado burguês, a democracia
62
burguesa, não pode emancipar o trabalhador sem, com isso, emancipar o trabalhador de si
mesma. Conforme Da Mata (2014):
Ou como ressalta Marx (2009), a emancipação política é parcial e não deve ser
confundida com a emancipação humana plenamente realizada, a primeira nos diz respeito a
uma liberdade ilusória conferida pelo estado moderno na manutenção de uma ordem sócio-
econômica desigual, enquanto a última trata da recuperação para o trabalhador da cidadania
abstrata que possui, quando esse reconhecer em suas forças vitais a expressão de si no gênero
humano, tornando-se, então, não apenas em aparência, mas também em essência, o ser político
para com o mundo em seu entorno e para com seus semelhantes.
integra em seu seio uma diversidade de fatores explicativos que transcendem as fronteiras da
política e que combina uma ampla variedade de elementos procedentes de todas as esferas
analiticamente distinguíveis da vida social” (BORON, 2007, p. 200).
Cabe-nos o destaque também da importância metodológica de tal concepção para a
investigação de fenômenos – em nosso caso, políticos – para além de sua aparência ou seus
próprios limites, enveredando em um processo teórico-conceitual que permita o desvelamento
da universalidade essencial de algo, a partir de sua singularidade ou particularidade, como
reiteram Pasqualini & Martins (2015):
Assim, podemos perceber que captar a essência da realidade natural e social implica
abstrair momentaneamente – ou suspender – as formas fenomênicas e decodificar as
leis explicativas que regem o desenvolvimento do fenômeno. Isso significa que todo
fenômeno singular contém em si determinações universais. A tarefa do pesquisador é
desvelar como a universalidade se expressa e se concretiza na singularidade, ou mais
que isso, como a universalidade se expressa e se concretiza na diversidade de
expressões singulares do fenômeno (...) (p. 364).
Retomemos, porém, o aspecto negativo da política para Marx. Seu problema consiste
nas limitações – frequentemente negadas ou ignoradas – que a política democrática burguesa
possui no interior da sociabilidade do capital (CHAGAS, 2014). A instância política assentada
no Estado moderno assegura a existência de uma comunidade ilusória entre seus cidadãos, posto
que pressupõe o indivíduo egoísta requerido – e produzido, concomitantemente – para a
sociabilidade do capital, na qual a liberdade é garantida formalmente, mas existe, de fato,
apenas para a parcela detentora do poder econômico – a classe burguesa.
Por conseguinte, o caráter negativo da política, expressa aqui pelo Estado moderno,
opera de forma a naturalizar uma estrutura social que, via de regra, exclui a classe trabalhadora
de um real processo decisório, pautado sob a liberdade humana. A contradição entre capital e
trabalho - enquanto estrutura fundamental da sociedade civil burguesa - consiste em um
obstáculo à real liberdade humana e, portanto, não pode efetivamente emancipar o trabalhador
dentro de seus próprios limites, pode – e efetua, com efeito – acentuar a miséria, a exploração,
a dissolução da consciência vital do trabalhador com a natureza e com os demais trabalhadores
(DA MATA, 2014), legitimando uma cisão e oposição do indivíduo com seu corpo genérico
em seus moldes formais. Considerando os exemplos supracitados, observamos no apoliticismo,
como descrito por Konder (1965), a expressão dessa contradição em sua dimensão política: o
trabalhador não reconhece em suas atitudes seu caráter político, bem como, é alijado da
participação efetiva no processo formal de decisão da democracia burguesa.
Como denota Chagas (2014): “Marx mostra que a política, assim como o Estado,
enquanto instâncias de dominação, não têm fins próprios, seus fins não são universais, pois eles
atendem aos fins da sociedade civil burguesa” (p. 74). Deve-se, então, buscar um processo
emancipatório que atenda a fins universais, como supracitado em Marx (2015) da emancipação
humana por meio da emancipação do trabalhador de seu processo de servidão.
65
é imutável, sendo necessário sempre a considerar em seu devir, em seu movimento, e em sua
constante relação com as relações sociais que a engendram.
Para situar o aspecto necessariamente material que o estudo da consciência exige,
Leontiev (1978) estabelece como pressuposto de sua análise sobre o desenvolvimento histórico
da consciência a seguinte passagem:
A consciência humana não é uma coisa imutável. Alguns dos seus traços
característicos são, em dadas condições históricas concretas, progressivos com
perspectivas de desenvolvimento, outros são sobrevivências condenadas a
desaparecer. Portanto, devemos considerar a consciência (o psiquismo) no seu devir
e no seu desenvolvimento, na sua dependência essencial do modo de vida, que é
determinado pelas relações sociais existentes e pelo lugar que o indivíduo considerado
ocupa nestas relações. Assim, devemos considerar o desenvolvimento do psiquismo
humano como um processo de transformações qualitativas. Com efeito, visto que as
condições sociais da existência dos homens se desenvolvem por modificações
qualitativas e não apenas quantitativas, o psiquismo humano, a consciência humana
transforma-se igualmente de maneira qualitativa no decurso do desenvolvimento
histórico e social. (p. 89)
A consciência, portanto, não está dada como uma estrutura anterior à atividade humana,
mas, sim, encontra seu fundamento na realidade material das relações sociais que a cercam,
mediadas pela atividade vital humana. O fundamento para a constituição da consciência
assenta-se, portanto, na própria atividade que garante a existência do indivíduo enquanto
humano: o trabalho. Segundo Martins (2008), não sendo sinônimo de emprego, o trabalho, na
acepção marxiana, representa a atividade vital do homem, enquanto processo pelo qual ele se
relaciona com a natureza e outros homens, criando condições para produção e reprodução da
humanidade. Almeida (2008) situa conceitua o trabalho como “(...) uma atividade social, na
68
qual os homens agem sobre a natureza com o objetivo de produzir os meios capazes de suprir
suas necessidades”. A autora ressalta que o conceito de social empregado não consiste apenas
no fato de que os indivíduos vivem conjuntamente, mas, sim, que a produção da vida ocorre de
maneira social.
Mészáros (2006) ao abordar a teoria da alienação em Marx remete-nos ao trabalho como
fator ontológico absoluto da humanidade enquanto atividade produtiva como tal. O trabalho
constituiria, dessa forma, a mediação de primeira ordem entre homem e Natureza, enquanto
processo de produção a fim de satisfação de necessidades a priori físicas que, no decorrer de
sua satisfação, cria necessariamente uma complexa hierarquia de necessidades não físicas que,
subsequentemente, tornar-se-ão condições necessárias para a satisfação das próprias
necessidades físicas originais. Sendo de importância fundamental a compreensão da radical
diferença dessa atividade vital como fato ontológico absoluto com a sua forma historicamente
específica situada na produção capitalista.
Como base e em consonância aos excertos acima, Marx (2013) categoriza:
10
“O instrumento é um objeto transformado para servir a determinadas finalidades no interior da atividade humana,
ganhando um novo significado criado pelo próprio homem” (ALMEIDA, 2008, p. 19).
71
propriamente singular, é formado pela significação. Para o autor, portanto, “O homem encontra
um sistema de significações pronto, elaborado historicamente, e apropria-se dele tal como se
apropria de um instrumento, esse percursor material da significação” (p. 96).
Para o autor, podemos conceituar significação como “(...) a generalização da realidade
que é cristalizada e fixada num vetor sensível, ordinariamente a palavra ou a locução” (p. 94).
Consiste naquilo que em um objeto ou fenômeno encontra-se em um sistema de ligações,
interações e relações objetivas; sendo fixada na linguagem, tem sua sua estabilidade garantida.
As significações linguísticas são o cerne constituinte da consciência social que, ao adentrarem
a consciência do indivíduo por meio da apropriação, objetivam nele a consciência real, como
denotada por Leontiev (1978).
Recorrendo ao exemplo da falsidade do argumento robsoniano, como o faz Marx em
seus escritos11, Leontiev (1978) explicita que o homem não conhece o mundo simplesmente
por meio de suas próprias descobertas, mas, ao contrário, “No decurso de sua vida, o homem
assimila a experiência das gerações precedentes; este processo realiza-se precisamente sob a
forma da aquisição das significações e na medida desta aquisição. A significação é, portanto, a
forma sob a qual um homem assimila a experiência humana generalizada e reflectida” (p. 94).
Nesse sentido, Toassa (2006) – ao analisar o conceito de consciência em Vigotski –
explicita que a atividade cerebral não existe apenas para reprodução de um reflexo exato da
realidade a partir dos órgãos sensoriais, mas, sim, o contínuo processo de humanização assegura
que as percepções sejam, também, sociais. Conforme segue:
Sendo necessário recobrar que, as significações, ainda que existam como produto
histórico da humanidade, não existem “fora” da humanidade, sendo nos indivíduos que essas
11
Marx recorre diversas vezes durante sua obra ao termo “robinsonadas” para a crítica aos diversos argumentos
de autores da Economia Política, que tomavam como pressuposto o indivíduo isolado da sociedade e construíam
suas teorias a partir desse fundamento errôneo. Como explicita Augusto (2016): “Na introdução do Para a crítica
da Economia Política e em O capital, Marx se refere às “robinsonadas” da Economia Política. Com isso, o autor
observa que a Economia Política toma como ponto de partida o indivíduo isolado e sem determinações sociais, o
indivíduo tal como é supostamente posto pela natureza, representado na imagem de Robinson Crusoé em sua ilha.
Trata-se aqui de uma referência ao romance Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, cuja primeira edição data de 1719”
(p. 302).
72
se realizam e podem encontrar sua existência, ainda que se individualizem a serem apropriadas.
Essas determinadas significações permearão as impressões sensíveis e cognoscíveis do
indivíduo acerca de sua realidade, assegurando o caráter social que adquirem também os
sentidos físicos humanos. Podemos encontrar a base desse argumento em Marx (2015):
O olho tornou-se olho humano, tal como o seu objeto se tornou um objeto social,
humano, proveniente do homem para o homem. Por isso, os sentidos tornaram-se
teóricos (Theoretiker) imediatamente na sua prática. Comportam-se para com a coisa
por causa da coisa, mas a própria coisa é um comportamento humano objetivo para
consigo própria e para com o homem – e inversamente. Eu só posso praticamente
comportar-me para com a coisa humanamente. A necessidade ou a fruição perderem
assim a sua natureza egoísta e a natureza perdeu a sua mera utilidade (Nützlichkeit)
na medida em que a utilização (Nutzen) se tornou um utilização (Nutzen) humana. (p.
350 – grifos do autor)
12
“Devemos apenas sublinhar que não utilizamos o termo ‘motivo’ para designar o sentimento de uma
necessidade; ele designa aquilo em que a necessidade se concretiza de objectivo nas condições consideradas e para
as quais a actividade se orienta, o que a estimula” (LEONTIEV, 1978, p. 97)
73
13
“Entenderemos como funções elementares aquelas consideradas naturais, herdadas pelos indivíduos da espécie
a que pertencem e determinadas fundamentalmente por peculiaridades biológicas. E como funções superiores, as
que nascem ou transformam-se com o desenvolvimento histórico-social do homem e reorientam toda a conduta
humana” (ALMEIDA, 2008, p. 42).
74
14
De acordo com a tradução de “O Capital: crítica da economia política. Livro 1” (MARX, 2013), o termo é
empregado aqui apenas em seu sentido de “relativo a coisa”. Há uma profunda discussão no campo marxista acerca
76
do emprego desse termo e seus significados, todavia, pela limitação de nosso trabalho, furtar-nos-emos a adentrar
nesse debate.
77
também, para a teoria marxista de maneira geral. O crítico literário Eagleton (apud SILVA,
2015), ao organizar uma introdução ao estudo da ideologia reuniu 16 definições diversas acerca
do conceito de ideologia, dentro e fora do marxismo. Silva (2015) destaca que do agrupamento
inicial, torna-se necessário destacar duas principais conceituações, posto que essas compõem
um cenário disputado por duas grandes correntes intelectuais do marxismo. Destarte, nessas
correntes, observamos em uma a ideologia como mistificação – falseabilidade – da realidade,
com interesses políticos escusos; em outra, compreende-se o conceito como o pensamento
socialmente determinado, ou seja, como as ideias advindas da vida social.
Essas duas correntes, embora sustentem um grande debate no campo marxista, possuem
sua fundamentação no método materialista histórico dialético e, como tal, apreendem que uma
alteração na ideologia não é possível sem se analisar as estruturas prático-sociais que a
engendra. Vale destacar que esse é precisamente um dos principais pontos de Marx & Engels
(2009) ao se contrapor ao idealismo dos “neohegelianos”, ao analisar o surgimento e
desenvolvimento da consciência e da ideologia em uma perspectiva materialista da história.
Como destaca Silva (2015):
Portanto, devemos apreender a ideologia não como uma falsidade absoluta – aqui,
destacando sua conceituação para a dimensão política –, mas, sim como um conjunto de ideias
que exprimem o ponto de vista dominante dentro do seu contexto prático-social, passíveis de
“falsear” a realidade, posta que são falseadas as relações materiais dos indivíduos. Todavia, sua
correção não ocorre – e jamais ocorrerá – pelo fornecimento de descrições verdadeiras aos
indivíduos em lugar de falsa, não sendo a ideologia um simples equívoco; sua superação terá,
necessariamente, que se situar no campo da práxis humana.
Aqui torna-se visível em nosso horizonte que a crítica as concepções liberais dos
autores jusnaturalistas e sua implicação para a concepção geral do Estado e da política não
poderá tomar a estrutura rasa da escusa apologia a uma verdade absoluta frente às suas
concepções que – em nossa visão política contemporânea – propagaram ideais que serviram a
78
uma subsequente retirada aparente da política da vida do trabalhador. Tal movimento seria não
apenas errôneo com o método que nos propomos a seguir e com a pesquisa que desenvolvemos,
mas, seria também, incidir em erro e retrocesso à discussão proposta. A relação da visão liberal
do homem que colocou a visão hobbesiana de todos contra todos com sua ascensão ao conceito
de ideologia dominante deve ter seu foco, primeiramente, no processo histórico material se
deseja ser compreendido e, então, combatido. “Neste sentido, personalidade, alienação e
consciência são uma tríade conceitual inseparável da discussão sobre ideologia no campo do
materialismo histórico e dialético, especialmente quando se trata de superar as aparentes
constatações como a consciência autogerada e a concepção do indivíduo isolado (MÉSZÁROS
apud SILVA, 2015).
Tendo estabelecido isso, podemos partir agora para uma concepção de ideologia sem
maiores ressalvas e compreender sua relação com a política, especialmente na expressão do
apoliticismo, e a consciência humana. Como vimos,
Além disso, como destaca Silva (2015), se a atividade vital circunscreve a constituição
da consciência do indivíduo dentro de uma perspectiva de antagonismo de classes sociais,
quanto mais afastado o sujeito estiver da produção espiritual – conforme a divisão social do
trabalho abordada anteriormente – mais vulnerável ele estará a concepções da classe que
domina, justificando – em parte – a constituição do ideário burguês mesmo na classe proletária.
A consciência da classe, com efeito, está intimamente conectada com a problemática da
alienação, porquanto a autoconsciência da classe a que pertence, permite ao sujeito saber sua
relação com outra classe, suas possiblidades e necessidades para superação da ordem social
cristalizada na ideologia. Para tal contexto, Almeida (2008) demonstra como podemos,
sucintamente, considerar a consciência de classe como um processo em constante movimento
que pode, ou não, reconhecer a si mesma, caracterizando, respectivamente a consciência de
classe em si e a consciência de classe para si.
A consciência de classe em si pode ser compreendida, de acordo com Almeida (2008),
como a consciência advinda da união de um grupo em busca da reivindicação de uma
necessidade ou um desejo que não está de acordo com estrutura dada para aquele grupo, de
modo a produzir um salto qualitativo na consciência. Ou seja, “(...) constitui-se como classe na
relação com outra classe, mas sem uma ação autoconsciente não rompe com aquilo que lhe
coloca na condição de explorada, buscando apenas melhorias na realidade imediata e não uma
transformação das relações sociais que produzem a condição de exploração” (ALMEIDA,
2008, p. 103).
80
A consciência de classe para si, não obstante, surge da emergência da classe como
sujeito, e compreende a consciência de classe que emerge quando o proletariado se percebe em
relação com uma outra classe na ordem social e se coloca em movimento para superação das
condições que o exploram como coletivo. O desenvolvimento da consciência de classe, em si e
para si – processualmente –, rompe com a ideologia vigente ao conseguir realizar uma produção
teórica propriamente classista, desvelando as contradições do real de acordo com o ponto de
vista de sua classe, em nossa perspectiva, proletária (ALMEIDA, 2008).
Cabe o destaque, dado o caráter histórico materialista do método que pressupomos para
o presente trabalho de afirmação de Löwy (apud ALMEIDA, 2008) de que “(...) à cada época
é a classe revolucionária que represente o máximo de consciência possível (...)” (p. 107). Sendo
que essa condição outrora na história fora representada por diversas classes para além da classe
trabalhador, inclusive tendo representação na burguesia revolucionária na época dos autores
jusnaturalistas que abordamos anteriormente.
Assim, intentamos revelar a relação que consciência, ideologia e alienação possuem
quando se aborda essa problemática e, para a compreensão da dinâmica da política e suas
implicações na constituição da consciência humana não poderia ser subtraída de nossa análise.
Conforme ressalta Silva (2015):
Em vista disso, devemos destacar que a política apreendida como modo de regular as
condições de produção da vida, como práxis social, produzida como uma determinada
consciência social também possuirá sua especificidade com as características próprias da
produção material da sociedade, sendo, assim, um produto em movimento a ser apropriado pelo
sujeito em seu processo de humanização e constituição de sua consciência individual. A
política será apropriada pelo indivíduo da classe trabalhadora como processo de regulação
daquilo a humanidade produz, ainda que da perspectiva da classe que apenas é proprietária dos
instrumentos de produção e não a efetiva produtora da realidade. Pois, “A prática do poder de
regulação é dissimulada pelo poder da ideologia. Da mesma maneira, é através da ideologia que
o princípio regulador (política) estabelece legitimidade para as práticas sociais existentes” (DA
MATA, 2014, p. 73).
O desenvolvimento da produção material humana é, dessa maneira, acompanhado com
o desenvolvimento das produções espirituais que são produto e base para a sua apreensão.
Quando voltamos nosso olhar ao desenvolvimento histórico do capitalismo, da ascensão da
burguesia à classe dominante e a fundação do Estado moderno como instrumento de regulação
da produção mercantil, observamos que a própria concepção do conceito de política é
transmutado de acordo com esse desenvolvimento. Não obstante, demonstramos no primeiro
capítulo a grande cisão no pensamento político realizada por Hobbes – enquanto pensador do
jusnaturalismo – em relação ao arcabouço teórico produzido por Aristóteles. Com a passagem
à produção capitalista, torna-se necessário que as concepções ideais – que fundamentaram a
consciência social e individual – fornecessem suporte às condições materiais de exploração que
eram engendradas.
Destacamos, pois, a concepção liberal lockeana de estado de natureza e estado político
explicitado no primeiro capítulo do presente trabalho. O filósofo jusnaturalistas não é o único
representante dessa corrente do pensamento, todavia, demonstra como as ideias espirituais que
se tornam naturalizadas pela ideologia, como consciência social dominante, possuem seu
correlato no desenvolvimento material que as engendrou. Quando o autor inglês assenta uma
concepção universal e universalizante de direito natural à propriedade – e gozo de seus produtos
83
aspectos mais fundamentais. Entretanto, ainda que seja necessário compreendê-la dentro de um
contexto mais amplo e complexo, podemos sobrelevar nas próprias características modernas da
política, possibilidades de sua superação e de sua realização em seu sentido mais profundo e
essencial; denotando, dentro desse contexto, as sendas possíveis para, além da emancipação
política, alçarmo-nos à emancipação humana.
Por seu caráter processual, a ordem social humana não deve ser apreendida como
imutável ou unicamente como se seguisse um caminho natural em alguma direção pré-
estabelecida; justamente por ser caracterizada como social, ela deve corresponder ao processo
de desenvolvimento dos nexos entre os indivíduos e a organização da produção da vida, com
explicitado anteriormente. A lógica da contradição situada pela dialética, permite-nos
reconhecer que o movimento da realidade é caracterizado pela constante luta entre elementos
contrários, buscando a superação de sua negação, e que as contradições que permitem essa
superação a níveis qualitativamente superiores podem estar mais ou menos evidentes, de acordo
com suas condições objetivas e a, subsequente, apropriação humana dos fenômenos. A política
– como fenômeno social – possui em sua constituição essa mesma dinâmica e, portanto, não
apresentará eternamente apenas sua expressão alienada e ideologicamente comprometida com
a classe dominante contemporânea; mesmo sob vigência do regime de produção capitalista, há
processos ocorrendo que contém o germe da superação a níveis qualitativamente superiores e
mais próximos de sua essência verdadeiramente social, para além de suas especificidades
acumpliciadas ao capital.
Ainda que a consciência individual se constitua a partir da consciência social – da
ideologia dominante, então –, não temos, em sua aparência estática conferida, a cessação de
todo seu movimento próprio, posto que compõe parte da realidade e “A realidade não é linear,
tampouco será linear a consciência dessa realidade. A ideologia é, portanto, permeável a
contradições e também revela aspectos do real, ainda que de forma invertida” (ALMEIDA,
2008, p. 86). Pelo ideário dominante a política pode estar subordinada à propriedade, como seu
ponto basilar, todavia, isso não significa que esteja necessariamente impermeável a mudanças
e a seu próprio movimento. Se alcançarmos a admissão desse aspecto da realidade, podemos
seguir nosso questionamento para a possibilidade de um real papel emancipatório constituinte
da política, a despeito da consciência social dominante. Sendo imprescindível reconhecer a tese
materialista nesse cenário, para denotar que “(...) as condições materiais para a superação já
86
estão dadas ou estão pelo menos em gestação na realidade. É isso que torna possível o
surgimento de uma teoria revolucionária” (ALMEIDA, 2008, p. 87).
Para além da possibilidade da superação de forma qualitativa sendo engendrada no
movimento do natural do fenômeno, como destacamos no segundo capítulo, Marx considera a
política imprescindível como instrumento se for apropriada de maneira a superar a crítica
formal de um modelo de Estado, atuando no sentido de alterar as condições de opressão do
trabalhador na ordem social vigente, conscientizando a classe trabalhadora sobre suas
condições concretas de alienação e exploração do trabalho. Entretanto, mesmo que seja
necessário apreender a política como instrumento de mudança, é imperioso que não se limite a
mudança à dimensão política, posto que
Por ser parcial, limitada, a emancipação política não liberta o ser humano
efetivamente, mas o faz cativo, prisioneiro do próprio egoísmo. A própria estrutura
que, no início da sociedade moderna, pretendia a liberdade do homem, tornou-se o
calabouço da liberdade, não aboliu seus entraves, mas os aprofundou. O entendimento
ahistórico de que a propriedade privada seja eterna, natural e independente das
relações sociais construídas pelos próprios seres humanos é um empecilho para a
realização da emancipação humana. (DA MATA, 2014, p. 116)
classes; que, pela primeira vez na história, uma classe de não-proprietários pudesse
dirigir uma revolução. E o capitalismo se encarregou de criar as condições necessárias
para isso, através do extraordinário desenvolvimento das fôrças sociais produtivas,
através da concentração industrial, através da montagem de um sistema de produção
que se estende à sociedade inteira, através da socialização técnica do modo de
produzir da sociedade e através, sobretudo, da criação do proletariado moderno. Com
o proletariado moderno, no dizer de Marx e Engels, o capitalismo engendrara os
coveiros que o haveriam de enterrar. (p. 150)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
tema, bem como o desvelar das condições históricas de opressão do trabalhador, em sua
materialidade e nas várias dimensões da atividade humana a que determina.
Observamos, por fim, que a realidade que engendra a consciência acumpliciada com o
apoliticismo – e a alienação de maneira geral, em suas diversas expressões – carrega em si o
germe de sua própria superação; retomando a importância da política como essencial ao ser
humano para esse processo. Conforme nos assegura Marx (2015):
REFERÊNCIAS
BORON, A. Teoria Política Marxista ou Teoria Marxista da Política? In: BORON, A.;
AMADEO, J. & GONZALES, S. A Teoria Marxista Hoje. Problemas e Perspectivas.
Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2007
CHAGAS, E. A Crítica à Política em Marx. Revista Dialectus. Ceará, ano 2, n. 5, pp. 64-80,
2014
COUTINHO, C. N. Crítica e utopia em Rousseau. In: Lua Nova: Revista de Cultura e Política.
n° 38. São Paulo, 1996
COUTINHO, C. N. Cidadania e Modernidade. Perspectivas. São Paulo, v. 22, pp. 41-59, 1999
MARX, K. Glosas Críticas Marginais ao artigo “O Rei da Prússia e a Reforma Social. Por um
Prussiano”. Germinal: Marxismo e Educação em Debate. Londrina, v. 3, n. 1, p. 142-155, 2011
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Livro 1, trad. Rubens Enderle. São Paulo:
Boitempo, 2013
MARX, K. & ENGELS, F. A Ideologia Alemã. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009
MÉSZÁROS, I. A teoria da alienação em Marx. 1ª. Ed. São Paulo: Boitempo, 2006
PATTO, M. H. S. Raízes históricas das concepções sobre o fracasso escolar. O triunfo de uma
classe e sua visão de mundo. In: A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e
rebeldia. São Paulo, T.A. Queiroz Ed. 1990
TOASSA, G. Conceito de consciência em Vigotski. Psicologia USP. São Paulo, vol.17, no.2,
p.59-83, 2006