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Habitamos a paisagem produzida por meio da violência cotidiana.

Habitamos o mundo quando praticamos intervenções e deixamos a nossa marca. A


violência, cada vez mais, tem sido a marca predominante que permeia as relações
sociais, imprime suas ranhuras e estampa a paisagem, definindo assim uma forma de
habitar o mundo. Ela define regras de convívio: “você não pode falar com estranhos”,
mobiliza grupos para se defender em caminhadas pela paz e contra a violência, reúne
pessoas pelo medo ou indignação ou até mesmo raiva, impacta na vida das pessoas
com traumas, abalos emocionais, alteração de pressão arterial, inscreve roteiro de vida
e imprime uma rotina com horário de assaltos, roubos. Enfim, define os lugares da
morte, do crime e dos bandidos, como as favelas e bairros de periferia, convoca os
poderes e as forças do Estado como a polícia, judiciário e secretários de segurança,
define um modo de vida com aconteceu na greve da PM, onde todo mundo ficou em
casa com medo e exige uma resposta: queremos justiça. Enfim, a violência define onde
construir nossa casa e a forma como a mesma será, como vamos controlar a entrada e
saída dela todos os dias. Mas mesmo assim, as vezes, é preciso mudar de casa, de
bairro, de lugar.

Ela é um grito do humano, sufocado no mundo e nas suas formas de habitar. De


alguma maneira o praticante da violência está, com sua ação, almejando ser e
pertencer a uma classe de humanos que tem poder e controle sobre os corpos e sobre
a vida e portanto, são os que definem um modus de habitar e constroem uma
paisagem diferenciada para os seus.

Esta sociedade dos que definem as regras, dos operadores da vida e da morte, que
elaboram os signos e códigos diferenciados, de difícil interpretação, (portanto, exige
de todos que estudem anos e anos para ter acesso aos mesmos) da estética perfeita e
acabada das passarelas, das gastronomias requintadas e aplaudidas dos grandes
mestres, da velocidade a qualquer preço, do gosto estético único e perfeito, do amor
fabricado, doce e belo desejado, dos perfumes mágicos e envolventes, dos cheiros e
sabores, dos gestos e dos amores. A sociedade dos abates, da monocultura. É esta
sociedade que cria e realiza a violência.

Ela cria a violência como forma de habitar, veste a violência com sua opulência,
riqueza, acumulo, avareza. E diz como devem viver as pessoas, as prende em suas
regras, que só cabem em seu estilo de vida, que esta plasmado em contos, historias,
fabulas e memorias. Vende a perfeita hipocrisia, na dor e na alegria, faz alegoria e ri
das muitas dores, mortes, mas odeia a anarquia.

Precisa de poder, não tem pudor. Violenta todos os dias os pobres em sua periferia, se
blinda, de fecha, em seus casulos perfeitos, mal feito, de falsos gostos, transformados
em ritual que é imposto, de forma singela e doce, como beijo açucarado nos lábios dos
amados, que se encontram nas esquinas, nas ruas e nas piscinas.
Não está na arquitetura somente, isso é consequência doente. Esta dentro da gente,
nos órgãos, no rins, no baço, nas tripas, nas pernas, nos braços, no cabelo de quem vê,
na cor que esconde, espanta de tão diferente. Esta no coração, no dedão, no nariz, no
gigante e no anão, no abraço e no aperto de mão. A violência diz se pode ou não se
aproximar, revela o jeito de andar, correr, correr sem parar. É ela sim que estava lá, no
nascimento que não pode acontecer, no grito de quem pede para nascer ou prefere
nem saber por que.

Ela tem um inicio e um continuar, um começo e um nunca parar. Ela vai chegar, pra
você e pra mim, rápida ou devagar um dia ela vai chegar. Seja vendo, sentido,
cheirando, ouvindo, assistindo, na tv, ou na janela, da porta, ou na novela, no filme ou
de esparrela. Ela esta a espreita e vai te encontrar, nos jardins dos parques, nos bares,
na rua ou quando você for casar. Ela estará lá a te esperar.

É o apelo por pertencer a uma classe de humanos, que se definem como humanos,
que moram como humanos, mas não aceitam os direitos humanos. Eles definem um
modo padrão de habitar, de viver e de ser humano, e propagam pelo ar, por cima dos
telhados, nas antenas, nos radares, em fibra ótica.

Este modelo perfeito de viver a humanidade, que permite devaneios de retorno a


lembranças, sonhos, em que a casa se revela como poder de integração dos
pensamentos e se torna o primeiro mundo do ser humano e que alimenta a
imaginação. Ela tenta amenizar, mostrar que o modo de habitar é único e que você só
pode sonhar, ter devaneios, mas a violência esta lá na sua porta a te esperar.

Ela toca e enche de pavor, cria, a injustiça, a justiça, a perseguição, a dor, o amor, o
perdão e o calor. Ela cria masmorras, quintais desiguais, carros, carrinhos, carrões e
caminhotes e caminhonetas. Espora, pistola, escopeta, fuzis, metralhadoras,
revolveres e balas, cartuchos, furos, arrombos. Acerto de contas, pistoleiros, soldados,
guerreiros, capangas, bandidos e mocinhos, homens de bem e do mal.

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