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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

NATHALIA GOMES DE JESUS MARTINS

Comunidade: a busca por segurança no mundo atual

Zygmunt Bauman

Vitória/ES

2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

SERVIÇO SOCIAL

FILOSOFIA SOCIAL E POLÍTICA

Nathália Gomes de Jesus Martins

A comunidade é um lugar confortável, acolhedor, que oferece compreensão e


segurança, quase como a idealização de um paraíso perdido, que remete a
inocência e encantadoras lembranças. Um olimpo da felicidade, onde decisões
preocupantes não precisam ser tomadas, no qual a felicidade reina e o perigo não
está à porta. Contudo, comunidade significa compreensão compartilhada, que
quando se torna autoconsciente não há razão para reflexão, crítica ou investigação.
Dessa forma, a liberdade é reprimida na experiência da vida em comunidade em
nome da indispensável segurança. Acerca disso, Bauman expõe que “a promoção
da segurança sempre requer o sacrifício da liberdade, enquanto esta só pode ser
ampliada à custa da segurança. Mas segurança sem liberdade equivale a
escravidão (e, além disso, sem uma injeção de liberdade, acaba por ser afinal um
tipo muito inseguro de segurança); e a liberdade sem segurança equivale a estar
perdido e abandonado (e, no limite, sem uma injeção de segurança, acaba por ser
uma liberdade muito pouco livre). Essa circunstância provoca nos filósofos uma dor
de cabeça sem cura conhecida. Ela também torna a vida em comum um conflito
sem fim, pois a segurança sacrificada em nome da liberdade tende a ser a
segurança dos outros; e a liberdade sacrificada em nome da segurança tende a ser
a liberdade dos outros.” (p. 24).

Bauman também discorre sobre tipos de comunidades, na qual uma delas, a


comunidade estética, é voltada para preocupação com a identidade, âmbito que
promove a indústria de entretenimento, onde as relações são fluidas e apenas
visuais, sem reais ligações fora dos palcos e câmeras. Como diz o autor, “quaisquer
que sejam os laços estabelecidos na explosiva e breve vida da comunidade
estética, eles não vinculam verdadeiramente: eles são literalmente ‘vínculos sem
consequências'. Tendem a evaporar-se quando os laços humanos realmente
importam – no momento em que são necessários para compensar a falta de
recursos ou a impotência do indivíduo. Como as atrações disponíveis nos parques
temáticos, os laços das comunidades estéticas devem ser ‘experimentados’, e
experimentados no ato – não levados para casa e consumidos na rotina diária. São,
pode-se dizer, ‘laços carnavalescos’ e as comunidades que os emolduram são
‘comunidades carnavalescas’” (p. 67-68). Apesar de sedutoras, a autoridade das
celebridades provém dos números da audiência, que sobem e descem, e
influenciam diretamente no seu poder de sedução.

Ele também cita as comunidades éticas, opostas às estéticas, que são baseadas no
“compartilhamento fraterno”, com a garantia de segurança e proteção, além de
direitos e obrigações intransmissíveis - assegurados constitucionalmente - e
compromissos sólidos e duradouros.

Citando Max Weber, o autor enfatiza que a consolidação do capitalismo moderno


ocorreu com a separação do trabalhador de seus meios de produção, visando a
lucro e acumulação de capital a partir da exploração da classe trabalhadora. Assim,
houve a constituição de uma nova forma de comunidade, com casas voltadas para
as fábricas e construídas pelos donos dessas fábricas, onde o trabalhador apenas
sobrevive. Bauman ainda diz que o novo arranjo do capital sucedeu-se sob a
emancipação dos poderosos e da coerção das massas. Dessa forma, houve o
abandono do modelo de justiça social e entram em foco os direitos humanos que
“embora se destinem ao gozo em separado (significam, afinal, o direito a ter a
diferença reconhecida e a continuar diferente sem temor a reprimendas ou punição),
tenham que ser obtidos através de uma luta coletiva, e só possam ser garantidos
coletivamente. Daí o zelo pelo traçado das fronteiras e pela construção de postos de
fronteira estritamente vigiados. Para tornar-se um “direito”, a diferença tem que ser
compartilhada por um grupo ou categoria de indivíduos suficientemente numeroso e
determinado para merecer consideração: precisa tornar-se um cacife numa
reivindicação coletiva. Na prática, porém, tudo se reduz ao controle de movimentos
individuais — demandando lealdade inabalável de alguns indivíduos considerados
como os portadores da diferença reivindicada, e barrando o acesso a todos os
demais” (p. 71).
Assim, na sociedade atual o individualismo e a competição são incentivados pelo
capitalismo, resultando em segregação e indiferença social, num sistema inseguro e
desregulamentado onde, segundo Zygmunt, somos intimados a buscar respostas
bibliográficas para contradições sistêmicas e procurar salvação individual de
problemas coletivos em consequência à secessão dos bem-sucedidos.

De acordo com Marlene Braz, docente e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz,


os ricos não precisam das comunidades, mas criam simulacros delas que são
constantemente vigiadas para coibir invasores, onde seus moradores são apenas
aqueles que “não são capazes de praticar a individualidade de fato” e, assim,
condenados à uma vida de submissão.

No capítulo 8, o autor cita os guetos, locais de sucessivas trocas de população entre


penitenciárias, visto que é correspondente e complementar à criminalização da
pobreza. Um lugar contemporâneo, símbolo da segregação social forçada e
estigmatizante, onde seus moradores, em busca de dignidade e legitimidade,
abraçam o discurso proposital da classe dominante para denunciar “aproveitadores”
de políticas sociais governamentais. Dessa forma, enquanto brigam entre si,
esquecem da origem sistêmica de seus problemas, que são apenas sequelas do
capitalismo. Portanto, "gueto" quer dizer impossibilidade de comunidade. Essa
característica do gueto torna a política de exclusão incorporada na segregação
espacial e na imobilização uma escolha duplamente segura e a prova de riscos
numa sociedade que não pode mais manter todos os seus membros participando do
jogo, mas deseja manter todos os que podem jogar ocupados e felizes, e acima de
tudo obedientes” (p. 111).

Assim, Bauman faz uma crítica a atual modernidade líquida, volátil e mutável,
marcada pela individualização e pela comercialização das relações sociais,além de
elucidar que as comunidades estão em constante formação e tensão, com suas
peculiaridades e contradições. Logo, percebe-se a necessidade de transformação
da atual conjuntura das sociedades onde há imposição de ideologias e discursos
que apenas visam benefícios individuais, enquanto a maior parte da população vive
em submissão e miséria, seja por conjuntura financeira, preconceito racial ou
apenas segregação por abuso de poder. Torna-se indispensável o debandar da
visão sobre o sistema, a fim de controlar sequelas e implicações sistêmicas, para
garantir a legítima justiça social constitucional, não apenas dependendo da
solidariedade e boa vontade alheia. Pois como diz o autor, “os eleitores e as elites
[...] poderiam ter preferido aprovar políticas governamentais para eliminar a pobreza,
administrar a competição étnica e integrar as pessoas em instituições públicas
comuns. Em lugar disso, preferiram comprar proteção, alimentando o crescimento
da indústria privada da segurança” (p. 104). Portanto, faz-se essencial a construção
do social, reconstruindo o coletivo e o cuidado mútuo, para assim findarem as
consequências do individualismo generalizado.
REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003

BRAZ, Marlene. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. SciELO, 20


de outubro de 2004. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/csc/a/sB4jQNQB9YYZr4sPsjdC9rw/. Acesso em 20 de janeiro
de 2023.

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