Sociologia do processo civilizacional: É um processo pois permite a transformação dos usos
sociais dos corpos (expressão de maneiras de agir). A corporalidade é espelho das nossas ações. Não sendo um projeto racional, expõe a racionalidade como inerente à modernidade O conceito de cultura combina tempo e espaço, pelo seu carácter processual, evolutivo, mas não necessariamente sucessivo. Há avanços e recuos. Hoje, o controlo normativo sobre comportamentos atravessa um período de relaxamento. Há uma desformalização das relações. Sociedade de corte (fins idade média- séc. xvii) – Período de aumento da centralidade do rei e corte. Neste processo surge o estado moderno. No renascimento nasce a imprensa. Surgem livros sobre os modos urbanos de civilidade, que trazem para o espaço público um debate sobre como os corpos se devem comportar. Este conhecimento educa os corpos na correta maneira de exercitar o controlo das emoções, que se relaciona com o desenvolvimento de uma nova economia psíquica- aprende-se a economizar os usos sociais dos corpos (moderam gestos, tom...). Psicogénese dos comportamentos: Cada indivíduo vai ser cada vez mais confrontado com um exercício de socialização que visa a transformação da expressão de emoções. Dá-se um processo de recalcamento ou dissimulação (omitir para ter comportamentos aceitáveis). Psicogénese origina a sociogénese- Psicogénese acarreta transformação social (expressa mais intensamente a partir da sociedade corte) Réplicas que economia psíquica tem na sociedade: A legitimidade da nobreza é posta em causa pelo rei e dá-se um primeiro processo de monopolizar a legitimidade da violência. Esse poder passa para o rei e corte- como representantes duma comunidade política, servem todos os habitantes dum determinado território. Inicia-se aqui a ideia de que monopólio serve bem comum Deste monopólio decorre outro: Polícia e tropa são exercícios profissionais que trazem custos. Emerge o monopólio da tributação, exercido pelos funcionários públicos. Entregam-se os impostos de forma consentida. Daqui deriva a administração pública, pois é necessária a profissionalização do exercício público. O rei cria convenções de carácter interno (segurança, administração) e externo (tratados). A administração pública expõe a competição entre linhagens aristocrática e burguesa. Competição essa que ocorre em função de obediência, adoção das regras associadas às convenções. Imposição sobre adequação dos corpos no conflito entre interesses particulares e públicos. Aristocracia percebe que se não se domesticar, mais depressa é ultrapassada pela burguesia (que instala novos gostos, sensibilidades). A revolução na economia psíquica e submissão face ao rei não é determinada pelas condições económicas, mas pelo aumento da sensibilidade, o lado sensível das interações. Essa sensibilidade expressa uma interdependência entre nobreza, burguesia e rei. Os comportamentos de uns afetam os dos outros. Há convenção das boas maneiras (etiqueta) que norteiam o trabalho de administração pública que caracteriza os Estados modernos. Isto traz três paradoxos: -Identidade e aparência: Entre identidade real há identidade virtual. Entre o nós individual e coletivo há possibilidade de dissimulação, representação (e.g palácio de aristocracia falida) -Proximidade e distância (social): Próximos fisicamente, têm estatutos diferentes ou vice-versa. Vão assim entendendo qual o seu lugar e limites que este impõe a todos os cidadãos -Submissão para manter superioridade: Se aristocracia não se submeter às regras de etiqueta, perde a guerra com a burguesia e vice-versa Sociologia dos afetos e pudor: morte e praia Praia- Simbolização da nudez (fato-de-banho) de forma dissimulada. A história da estilização do fato de banho vai-se transformando. Os corpos não estão inicialmente nus, mas vão desvendando-se. A excitação é contida, recalcada. Há um jogo previsível dos corpos na praia, pois se o comportamento imprevisível acontecer é sancionado. Morte- Sempre houve profunda agonia e aflição para com a morte, mas era um acontecimento público, permitindo a exposição de emoções à comunidade. Esta deslocação para o privado acompanha a história da medicina. Há medicalização da morte, que hoje ocorre nos hospitais. Mesmo quando se morre em casa é no espaço público Desportização: Expressão da importância do desporto no lazer, como acontecimento que excita. Corpos vão exibindo o prazer de fazer ou ver desporto. Pode-se ultrapassar limites da expressão emocional e até da própria violência. Esta sensibilidade para um aumento do limite começa em Inglaterra com a caça à raposa e o surgimento do parlamento como coliseu em que políticos lutam, estão em confronto e onde compreendem que a discussão tem limites. 1ª transformação- A raposa deixa de ser morta pelos homens. Passa a ser morta por cães 2ª transformação- Mata-se pelo prazer de matar e não pelo interesse em comer Mozart: Passa de plano sociogenético (morte, desporto) para ontogenético (Mozart). Na época do compositor ainda não havia mercado de artistas. Sendo dotado artística e criativamente, morre aos 37 por desespero. Duas ambivalências explicam esta a sua condição: -Originalidade e dom como artista e modo como é tratado pelos mecenas- Tem interioridade que o reflete como génio e um estatuto público a que nunca vai chegar. Discrepância entre a ideia elevada que tem de si e a pouca relevância pública que tem -Relação da criança Mozart com o pai- Considera-se indigno por não ser amado por ele enquanto criança, mas pelo que exibe enquanto artista. Do pai há interesse e não amor Marcuse Critica a racionalidade. A lógica de capital tem entrada no campo social, o que provoca catástrofes e impede a revolução. Porque é que em sociedades cada vez com mais desigualdades (capitalismo) os dominados não se rebelam? Porque há uma servidão voluntária? Para dar uma resposta a esta pergunta, faz uma releitura do marxismo e usa Freud para mostrar que dominação não é explicada exclusivamente pelas condições materiais de existência, mas também pela subjetividade humana. Os subordinados têm um desejo inconsciente de participar um processo de dominação de que são vítimas. A dominação capitalista é interiorizada. O dominado é que se autorreprime. Dai a importância da psicanálise, que oferece conceitos para explicar a autorrepressão que surge da racionalidade instrumental. Tudo se torna racionalizável, meios e fins. Não há espaço para outros modos de ser. O sistema capitalista é a personificação da razão e é esta razão que gera a sociedade de consumo Os dominados estão alienados. O sistema, tendo-se desenvolvido, não tem oposição. Não há dialética, porque o sistema personifica a racionalidade. Não há possibilidade de ficar de fora, criticar o sistema. É este o caracter racional da irracionalidade: Racionalidade levada ao extremo deixa de servir o Homem, torna-se irracional. O capitalismo desenvolveu-se graças à cientificação do conhecimento. Conhecimento científico e racionalidade capitalista fundem-se. Por isso é tão difícil opor-se à sociedade. Ciência (e economia) são cúmplices. O dinheiro leva a que Homem se reja pelo critério do valor Sociedade unidimensional (com Homens unidimensionais) - É plana e as forças de oposição estão-lhe vedadas. Não se pode atingir nova dimensão, só esta, baseada no valor. Qualquer tentativa de revolução é convertida numa força acrescida para a sociedade. Qualquer crítica é assimilada pela lei do mercado e convertida numa força capitalista. Sociedades democráticas são totalitárias. O conformismo social é quase absoluto. Há adesão às normas. Dominados continuam dominados porque são felizes. Sistema impõe certas necessidades e permite que estas sejam alcançadas, mas são falsas necessidades. A própria arte entra numa lógica de mercado. Cultura circula na realidade como um valor entre outros. Sistema manipula necessidade e doutrina dos indivíduos. O modo de produção não pode ser criticado porque o dominado a ele adere, porque as suas necessidades são satisfeitas, porque são produzidas por um sistema que doutrina. Não é possível fugir porque cultura tem papel central e impinge consumo. Psicanálise- Porquê adesão a necessidades fictícias? Dessublimação. O indivíduo é o combate entre pulsões de vida e morte, sendo muitas delas censuradas. Sublimação é realizar as pulsões, não diretamente, mas transpondo-as para objetos (ex. obra de arte). O que acontece é que numa sociedade unidimensional, a arte perde o poder transcendente (senão era bidimensional) e torna-se objetiva, mercadoria. Deixando de poder sublimar as nossas pulsões, vamos satisfazê-las através do consumo de mercadoria. Cultura reproduz desigualdades. Se há servidão voluntária, só é possível porque dominados satisfazem as pulsões. Sociedade unidimensional também integra política e ideologia. A classe operária foi tão integrada pela sociedade unidimensional, a nível de consciência (participa na mentalidade de consumo) e objetivamente (capitalismo integra-a, retirando-lhe o poder de transformação histórica). Estão ligados ao consumo de necessidades artificiais, já não sentem necessidade de transformar sociedade, estão felizes. Indivíduo identifica-se totalmente com sociedade e não se pode afastar, por isso o pensamento se uniforma, seguindo a lógica de capital. Pela evolução tecnológica, não seria necessário continuar a haver repressão, mas surge até a mais-repressão que se rege pelo princípio de realidade (unidimensional) e desempenho. Mais- repressão trava histórias individuais, unindo-o com princípio de desempenho. Satisfação só se dá por via do consumo. Até o sexo é mercadoria. Esta repressão não atuaria se não fosse suportada por instituições sociais que impõe princípio de realidade, reprimem e impedem a sublimidade. A sociedade impõe modelo de vida de felicidade que querem que sigamos. Goffman - Papeis, bastidores, público, cenário, palco Não é uma sociologia estrutural. Momentos do quotidiano são espécie de “guerra fria”, tensão, no encontro com desconhecidos, porque não sabemos a resposta do outro. Desconhecidos são mais figuras que pessoas. A interação é ritual, não ocorre no vazio, tem regras que permitem que flua. Sociedade é conjunto de interações. O “eu” é social na medida em que se apresenta ao outro e não por condicionantes macrossociais. Ordem ordena: ordem e disposição dos corpos. Por a sociedade ser conjunto de encontros é ordenada, só que ordem social vem do próprio encontro. Encontro envolve sempre previsibilidade dos dois. Podemos pensar ordem sem variáveis macro externas ao próprio encontro. Ação não é mera ocorrência de fatores psicológicos, a intenção implica troca simbólica e esse significado provém duma negociação situada de experiência quotidiana. Interação é ordenada, imana consenso, mas consenso não é necessariamente para sempre. Comporta possibilidade de erro. Significado faz -se na duração da interação. Consenso operacional requer: Definição da situação (para reciprocidade); nexo de reciprocidade de significação (descodificação dos sinais do campo do outro e emissão de sinais, com alguma reciprocidade); experiência (que permite vigiar para aprender com os erros). Interação implica desempenho de papel social (ator social); papeis servem como coesão de ação. O encontro é o propósito comum da interação. Interação desinteressada: passar por alguém na rua, não nos tornamos acessíveis Bastidores- espaço de reflexividade que permite rever os papeis Público: Interação permite continuidade do espetáculo. Interação requer que espetáculo continue para garantir certa definição de realidade Cenário: Espaço onde interação se desenrola, que restringe e habilita Palco: Local onde apresentamos ao outro a nossa identidade pública: aparência (sinais de status-roupa, linguagem) e maneiras (maneira como investimos no desempenho do papel, estilização do papel social). Para que ação flua tem de haver integração de experiência e maneiras e o ambiente Interação implica gestão de impressões que tem como objeto implícito a garantia de que o espetáculo continua. Na interação há veículo de indícios/significados. Significados transmitidos podem ser extraídos pela aparência ou estereótipos. Emitimos sinais/indícios voluntários e involuntários Para ter êxito na manutenção da representação de papéis há duas variáveis: lealdade dramática (acordo relativo às regras, ao outro) e disciplina dramatúrgica (o outro percebe que estamos a representar o papel, investindo emocionalmente nele). Encontro requer que previamente os intervenientes acordem com o que se está a passar. Concordância é possível graças aos quadros de interação. Espaço e tempo não são absolutos. Dependem do encontro entre pessoas. O espaço de uma interação não é só o território físico, mas também o conjunto de disposições e dinâmicas corporais dos intervenientes. O acordo de papeis é negociado. Emerge das próprias situações. Não quer dizer que indivíduos possam desempenhar papéis como quiserem. Não se anula o conflito. Negociação não desemboca num acordo passivo. Há situações, de equívoco, embaraço… Olhamos para uma ardósia num restaurante e numa aula e o mesmo objeto tem significados distintos. Significado não é mero fenómeno de atribuição reflexiva (não questionamos a ardósia). Esta compreensão é possível graças aos quadros de compreensão. Estes permitem definir a situação e ajustar o desempenho de determinado papel social, que se impõe a determinado encontro. Quadro organiza a experiência e orienta o comportamento. Quadros resultam dum enquadramento da realidade. Definem o que é relevante para a interação. Não se reduz ao pensamento. Para além da cognição, há uma perceção imediata da realidade de maneiras múltiplas. O que é real numa interação não é noutra. Quadros atribuem sentido à experiência. Ordenam peças de forma a criar um conjunto significante para o ator. Interação tem ordem porque o modo como nos apercebemos das características da situação faz-nos perceber que temos de atuar respeitando a ordem das cosias. Os quadros podem ser: Primário: Atividade enquadrada, inteligível, com sentido, em que não existe necessidade de recorrer a outro enquadramento. Ato de atribuir significado a algo que de outra forma estaria desprovido de significado. É fundamental, basilar. Irredutíveis, mas não imutável Secundário: Originados por duas modalidades de transformação dos primários. Atividade enquadrada tem significado reenviável para outros quadros (primários). Remetem para primários porque são resultado de transformação dos mesmos. Modalidades: Tonalização- Quando se adiciona nova camada de sentido, significado, a uma atividade já enquadrada que está a decorrer. (professor mandar calar a turma que faz barulho). Foge ao comportamento normal e expectável da aula. Adicionar camadas implica reposicionamento dos próprios acontecimentos. Há sobreposição de sentidos. Mudança para quadro secundário implica mudança de perceção. Maquinação- Induzir o outro numa falsa convicção do que está a acontecer. Tem objetivo de produzir o engano, desfasamento entre o que acontece e o que o outro pensa que está a acontecer. Está em causa maquinar uma realidade para que o outro não perceba exatamente o que se está a passar. Mais que mentir, é dissimular ou omitir. Transformações são possíveis porque nenhum quadro esgota a realidade. Esta excede sempre o considerado real em cada momento e interação. Há um mundo de acontecimentos laterais. Se o quadro recorta a realidade para poder agir, significa que há algo para além do recorte. É porque o quadro é cercado por acontecimentos laterais-lateralidade- que é possível transformar o quadro. Transformo um quadro primário num secundário recorrendo a camadas que foram inicialmente deixadas de fora. Qualquer interação é, portanto, redutora. Estamos constantemente a emitir sinais e a decifrar sinais de que o outro nos transmite a nós. Emissão é tanto voluntária como involuntária (tiques). Os atores quando interagem estão constantemente a manipular, regular a sua imagem e identidade, modo como nos damos a perceber ao outro. Categoria- Quando nos encontramos com o outro, é com o outro tipificado. Não é um completo estranho. Categorizamo-lo através dos signos que emite. Lido com outro que cabe numa determinada categoria. Esta filtra informações que retiro da aparência e postura do outro. Atributos são sempre transportados pelo corpo, permitido o trabalho de categorização. Expectativas passam pela forma como caracterizamos. Quando não conseguimos categorizar o outro a interação não se ordena. Identidade é contextual e requer tipificações, categorias. Não há identidade social fora da categoria. Estigma- Resulta da categorização do outro. Esta etiqueta vem do facto de haver dissonância entre identidade social virtual e real. Social virtual são as expectativas normativas dirigidas (tendo em conta categorias) ao outro. É o carácter imputado ao outro. Social real são as verdadeiras características encontradas no outro. Identidade funcional é quando as duas entidades se articulam organicamente. Quando há uma discrepância negativa surge o estigma. Mas por vezes esta discrepância funciona em benefício do outro (símbolos de status, prestígio). Estigma é situação em que indivíduo vítima é inabilitado de atingir aceitação social plena. Discrepância de realidades gera fenómeno de desacreditação dos indivíduos na sua própria identidade. Quanto mais acentuados os atributos estigmatizados, menor a aceitação social. Estigmatizar é reduzir o outro a um certo atributo. Critérios de estigmatização: Deformidades físicas- Identificar o outro numa perspetiva que não corresponde à personalidade real. Reduzir o outro aos seus atributos reduzidos. Culpas de carácter- Distúrbios mentais, desemprego, vícios. Quando a partir destes atributos se caracteriza o outro, gera-se um estigma. “o bêbado” Estigmas tribais- Cor da pele, nacionalidade, religião, orientação sexual… Se o estigma leva ao descrédito, há pessoas que têm estes atributos, mas conseguem escondê- los. São pessoas não desacreditadas, mas desacreditáveis Pode-se fugir mantendo em segredo (técnica de encobrimento) ou emitindo sinais ao outro que o conduzam a identificar um outro estigma menos grave (técnica de acobertamento). Foucault O que é o “eu”? - Recorre ao conceito de “sujeito” “Sujeito” é sujeito de (conhecimento na medida em que produz conhecimento) e sujeito a (forças sociais). Ser “sujeito de” como portador de uma subjetividade é uma invenção moderna. O sujeito não é um dado adquirido. “eu” é um produto social. Há duas forças sociais principais que participam na construção do sujeito. O saber e o poder Ao mesmo tempo que nasce o saber científico da psiquiatria surge a figura do doente mental. Sujeito de conhecimento (na psiquiatria) e sujeito a (doente mental). Prisões formam figura de subjetividade que é o delinquente. O sujeito é constituído ao mesmo temo que constitui os seus objetos. Não é identidade individual, mas o resultado de forças sociais que atuam sobre ele. Como é que a partir da produção de um conjunto de discursos (saber é linguagem) o sujeito se constitui? Sujeito é um produto da linguagem. Linguagem é fenómeno social e primeira força que caracteriza sujeito. Distingue três conceitos centrais: Discurso- Não se define por aquilo que quero dizer, mas por um conjunto de regras anónimas, impessoais e históricas. É impessoal, mesmo que saia da boca de alguém. Independentemente daquilo que queira dizer, o sujeito insere-se sempre num conjunto de regras às quais não pode escapar. Vê o outro e a si próprio através da linguagem. As regras, sendo históricas variam de época para época. O que é possível dizer num determinado tempo é diferente do que se pode dizer noutro. Regras só podem mudar na medida em que pessoas atualizam discurso ao longo do tempo. Muda porque cada pessoa individualmente fala ou escreve, mas não depende da sua vontade de mudar. Compara renascimento, época clássica e modernidade e vai mostrar que na época clássica todo o saber se regia por uma regra anónima que é a regra da representação. O nosso saber visa representar, classificar a realidade. Na modernidade há uma alteração fundamental neste regime do saber. Este dissolve-se e é substituído por outro em que o Homem já não é apenas sujeito de conhecimento (visto como separado da realidade que quer representar) mas passa a ser objeto do conhecimento (“sujeito de”). Considera o sujeito moderno “duplo transcendental”. Por um lado, porque é fundamento do saber (cria o saber) mas por outro lado empírico porque ele mesmo é o objeto desse saber. É por isto que as ciências sociais e humanas só nasceram na modernidade. Só no regime de saber moderno foi possível colocar o sujeito como objeto de conhecimento, que é o que ciências sociais e humanas fazem. Saber é conjunto de discursos definidos por regras semelhantes. Saber não é ciência. Há saberes não científicos. É um jogo de veridição. Nem todos os regimes de saber têm de ter como objetivo alcançar a verdade como o conhecimento científico. Por isso se fala em veridição e não em verdade. Veridição na medida em que conjunto de regras é que definem a validade do que dizemos e escrevemos. Evolução histórica não se dá a partir de uma continuidade cumulativa. Essa acumulação existe enquanto estamos dentro de um mesmo regime de saber. Em determinados momentos históricos não foi mais possível acumular conhecimento segundo as regras anónimas e históricas. História progride mediante ruturas, descontinuidades. Caminhamos na história sem meta. Discurso é sempre uma materialidade. Não há discurso sem performance. Implica um ato, uma prática. Não se define pelo que se passa dentro da minha cabeça, mas pela forma que adota ao exteriorizar-se. Seja pela via da escrita ou da fala. Não existe discurso, função enunciativa, sem resposta institucional. Falar é sempre falar a partir de um lugar. Esse lugar não é igual para todos e é sancionado pelas instituições. Lugar de professor é sancionado pela instituição escola. Discurso, além das características referidas, tem sempre um suporte institucional. Propõe o método arqueológico para aceder às regras. Pretende ler os discursos produzidos em determinada época com um olhar que tenta alcançar essas regras impessoais. O que importa não é o que a pessoa disse, mas as regras que permitiram o que a pessoa disse. (Lógica de escavação.) Discurso fornece condições para cumprir função enunciativa Enunciado- Não é frase nem proposição. Por exemplo, Qwerty não é uma palavra. Mas, num manual, se aparecer qwerty, enuncia, tem sentido, mas só nesse manual. Assim, enunciado é uma função de existência. Significa que é pelo enunciado que o discurso existe. As regras que definem o que é o discurso e oferecem o campo de possibilidades de discurso passam a existir por via do enunciado. Função de existência porque traz à existência o discurso. Enunciado não é questão gramatical. Posso dizer uma frase gramaticalmente correto, mas, se descontextualizada, não estou a enunciar nada. Enunciado faz existir o discurso e, portanto, é identificado se for possível repetir. É possível repetir porque o conjunto de regras é impessoal, ou seja, anuncio algo à luz de certas regras, que são anónimas, e só há enunciado se respeitar essas regras e como são impessoais, podem ser repetidas (por outros). Enunciado aplica um sentido. Depende sempre das regras anónimas que definem determinado campo do saber (psiquiatria, sociologia). Para perceber como a linguagem produz o sujeito, tem de se pensar no conceito de formação discursiva. Formação discursiva: Quando olhando para um conjunto de enunciados, se consegue, apesar da dispersão de enunciados, mesmo que as opiniões manifestadas sejam discordantes, encontrar uma certa regularidade. Formação discursiva é buscar as regularidades por trás de aparentes irregularidades. Grande objetivo da arqueologia do saber é, portanto, desvendar o funcionamento das regras de cada formação discursiva (ex. sociologia, medicina são formações discursivas). Sujeito não é constituído apenas por linguagem, por discurso ou regras, nem apenas instituições definem o lugar do discurso. Há outro fator que participa ativamente na constituição do sujeito- o poder. Não há saber sem poder e vice-versa. Para estudar poder propõe genealogia do poder. Propõe conceitos de disciplinas (poder disciplinar) e bio poder. Não propõe teoria do poder porque este é objeto de estudo que escapa à possibilidade de se teorizar. Propõe antes analítica do poder. Poder não é questão de origem (está em todo lado e sempre cá esteve). O que interessa são relações de poder, que são captáveis a partir não da origem, mas dos efeitos do poder e estes são captados não a partir de uma teoria, mas de uma analítica do poder. Poder define-se pelo modo de funcionamento, de acordo com: -Modo de ação sobre outros modos de ação. -Modo de ação que age sobre modo de ação dos outros- o outro tem de ser reconhecido nas relações de poder. Portanto, não há poder sem resistência. Reciprocidade e, portanto, possibilidade de reação, resistência. Relação de senhor-escravo não são relações de poder porque o meu modo de ação não visa agir sobre o modo de ação do outro porque nem reconheço que ele o tenha. Poder e liberdade têm uma relação dialética. Estado não é ponto de onde emana poder, mas o resultado histórico de concentração de mecanismos de poder. Toda a gente está envolvida em relações de poder, mas o poder não se possui. Poder não se detém, antes exerce-se. É ação, performance, não uma substância. Todas as nossas relações são de poder. Condições da reitora para exercer poder são mais favoráveis que as do professor, não por causa de uma identidade, mas porque há um conjunto de mecanismo e dispositivos que nela se concentram. Poder reduz campo de possibilidades, mas preserva sempre possibilidade de resistência. Antagonismo vs agonismo- Vários atores pensam poder como antagonismo. Para ele modelo antagonista não faz sentido. Poder não está nem dum lado nem de outro. Ao contrário, é mais bem compreendido de uma lógica agonista, que remete para a guerra. Diz que modelo de guerra lança melhor luz sobre poder porque o que interessa são táticas e estratégias que permitem afetar o modo de ação do outro. Poder é capacidade de afetar, exercício de afetação. Estado não é aparelho de dominação ideológica, mas concentração de mecanismos de poder. Estado surge porque foi pouco a pouco concentrando os mecanismos de poder. Não temos vida fora das instituições. Tanto o discurso como capacidade para afetar conduta dos outros depende delas. Uma forma de poder tipicamente moderna é o poder disciplinar. Antes era- deixar viver e poder matar. Agora é deixar morrer e dar poder à vida. Poder disciplinar não passa necessariamente por violência física. Consiste numa determinação de espaços e tempos e distribuição de pessoas nesses espaços e tempos. Passa também pela atribuição de tarefas. Pretende docilizar e domesticar os corpos para lhes retirar força. Atua não só em prisões, mas em escolas, famílias… Não se define pelo que proíbe, mas pelo que produz. Poder atua tanto mais eficientemente quanto mais produz. O poder atuou sob a sexualidade produzindo, fazendo falar. É tabu porque houve instituições que nos fizeram falar sobre ele (psicólogo) Poder incita, produz, não é limitado na realidade pré-existente. Faz realidade. Como somos feitos de poder, a sua execução é subtil. Estamos todos domesticados pelo poder. Docilização dos corpos que poder poe em prática tem como objetivo tornar pessoas úteis para o funcionamento da sociedade. Estamos sempre a ser docilizados, a adotar posturas consideradas corretas na instituição em que nos encontramos. Biopoder- Enquanto o poder disciplinar individualiza os corpos, o biopoder incide sobre o corpo coletivo, a população. População só surgiu no século xviii quando os estados se começaram a preocupar com a massa populacional. Um poder e o outro não se excluem. Biopoder é preocupação com população, que se relaciona com perigo. Louco é perigoso. Perigoso para a população. A partir do séc. xviii surgiu necessidade de governo reunir dados sobre a população. Gerindo informação sobre a população, atua politicamente sobre essas variáveis que mexem em nós enquanto corpo individual, mas enquanto espécie (reprodutora), espécie que nasce, vive e morre. Poder disciplinar individualiza, biopoder atua sobre o corpo “espécie”, sobre a população. Poder é tão bem exercido quanto a articulação de poder. Governamentalidade- arte de conduzir a conduta dos outros Panótico: modo do poder atuar sem que haja alguém a exercê-lo. É ver sem ser visto. O que não vê tem medo de ser visto por isso o poder atua sem parar. Estamos sempre com medo e autocontrolo. Relação poder-saber: Não há poder que não esteja associado a um campo de saber. Campo de saber esse que valida e justifica o exercício de poder. Internamento dos loucos só foi possível porque houve um conhecimento do campo do saber psiquiátrico que justificou o perigo dessas pessoas. A própria figura da subjetividade do doente mental é relação deste poder e saber. Relação de poder que o professor exerce é justificada pelo saber pedagógico. Há suporte institucional onde se cruza poder e saber. Aquilo que somos depende das regras anónimas e históricas e da forma como os outros afetam a minha conduta. Modernidade é caracterizada pela racionalização. Em vez de característica inata e universal que evoluirá, a racionalidade é na verdade condicionada por fatores histórico-sociais. O que é racional numa época é irracional noutra. Não é um processo linear, tem ruturas. Racionalidade só é possível na medida em que, numa dada época, se relaciona com as estruturas de poder. Sexualidade- paradigma de cruzamento entre poder disciplinar e biopoder. Está envolvida num conjunto de pudor, práticas corporais (poder disciplinar) e há políticas sobre a sexualidade. Disciplinar os corpos e disciplinar a espécie