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Norbert Elias

Sociologia do processo civilizacional: É um processo pois permite a transformação dos usos


sociais dos corpos (expressão de maneiras de agir). A corporalidade é espelho das nossas
ações. Não sendo um projeto racional, expõe a racionalidade como inerente à modernidade
O conceito de cultura combina tempo e espaço, pelo seu carácter processual, evolutivo, mas
não necessariamente sucessivo. Há avanços e recuos. Hoje, o controlo normativo sobre
comportamentos atravessa um período de relaxamento. Há uma desformalização das relações.
Sociedade de corte (fins idade média- séc. xvii) – Período de aumento da centralidade do rei e
corte. Neste processo surge o estado moderno.
No renascimento nasce a imprensa. Surgem livros sobre os modos urbanos de civilidade, que
trazem para o espaço público um debate sobre como os corpos se devem comportar. Este
conhecimento educa os corpos na correta maneira de exercitar o controlo das emoções, que se
relaciona com o desenvolvimento de uma nova economia psíquica- aprende-se a economizar
os usos sociais dos corpos (moderam gestos, tom...).
Psicogénese dos comportamentos: Cada indivíduo vai ser cada vez mais confrontado com um
exercício de socialização que visa a transformação da expressão de emoções. Dá-se um
processo de recalcamento ou dissimulação (omitir para ter comportamentos aceitáveis).
Psicogénese origina a sociogénese- Psicogénese acarreta transformação social (expressa mais
intensamente a partir da sociedade corte)
Réplicas que economia psíquica tem na sociedade:
A legitimidade da nobreza é posta em causa pelo rei e dá-se um primeiro processo de
monopolizar a legitimidade da violência. Esse poder passa para o rei e corte- como
representantes duma comunidade política, servem todos os habitantes dum determinado
território. Inicia-se aqui a ideia de que monopólio serve bem comum
Deste monopólio decorre outro: Polícia e tropa são exercícios profissionais que trazem
custos. Emerge o monopólio da tributação, exercido pelos funcionários públicos. Entregam-se
os impostos de forma consentida. Daqui deriva a administração pública, pois é necessária a
profissionalização do exercício público.
O rei cria convenções de carácter interno (segurança, administração) e externo (tratados).
A administração pública expõe a competição entre linhagens aristocrática e burguesa.
Competição essa que ocorre em função de obediência, adoção das regras associadas às
convenções. Imposição sobre adequação dos corpos no conflito entre interesses particulares e
públicos. Aristocracia percebe que se não se domesticar, mais depressa é ultrapassada pela
burguesia (que instala novos gostos, sensibilidades). A revolução na economia psíquica e
submissão face ao rei não é determinada pelas condições económicas, mas pelo aumento da
sensibilidade, o lado sensível das interações. Essa sensibilidade expressa uma interdependência
entre nobreza, burguesia e rei. Os comportamentos de uns afetam os dos outros.
Há convenção das boas maneiras (etiqueta) que norteiam o trabalho de administração pública
que caracteriza os Estados modernos. Isto traz três paradoxos:
-Identidade e aparência: Entre identidade real há identidade virtual. Entre o nós individual e
coletivo há possibilidade de dissimulação, representação (e.g palácio de aristocracia falida)
-Proximidade e distância (social): Próximos fisicamente, têm estatutos diferentes ou vice-versa.
Vão assim entendendo qual o seu lugar e limites que este impõe a todos os cidadãos
-Submissão para manter superioridade: Se aristocracia não se submeter às regras de etiqueta,
perde a guerra com a burguesia e vice-versa
Sociologia dos afetos e pudor: morte e praia
Praia- Simbolização da nudez (fato-de-banho) de forma dissimulada. A história da estilização do
fato de banho vai-se transformando. Os corpos não estão inicialmente nus, mas vão
desvendando-se. A excitação é contida, recalcada. Há um jogo previsível dos corpos na praia,
pois se o comportamento imprevisível acontecer é sancionado.
Morte- Sempre houve profunda agonia e aflição para com a morte, mas era um acontecimento
público, permitindo a exposição de emoções à comunidade. Esta deslocação para o privado
acompanha a história da medicina. Há medicalização da morte, que hoje ocorre nos hospitais.
Mesmo quando se morre em casa é no espaço público
Desportização: Expressão da importância do desporto no lazer, como acontecimento que
excita. Corpos vão exibindo o prazer de fazer ou ver desporto. Pode-se ultrapassar limites da
expressão emocional e até da própria violência.
Esta sensibilidade para um aumento do limite começa em Inglaterra com a caça à raposa e o
surgimento do parlamento como coliseu em que políticos lutam, estão em confronto e onde
compreendem que a discussão tem limites.
1ª transformação- A raposa deixa de ser morta pelos homens. Passa a ser morta por cães
2ª transformação- Mata-se pelo prazer de matar e não pelo interesse em comer
Mozart: Passa de plano sociogenético (morte, desporto) para ontogenético (Mozart). Na época
do compositor ainda não havia mercado de artistas. Sendo dotado artística e criativamente,
morre aos 37 por desespero. Duas ambivalências explicam esta a sua condição:
-Originalidade e dom como artista e modo como é tratado pelos mecenas- Tem
interioridade que o reflete como génio e um estatuto público a que nunca vai chegar.
Discrepância entre a ideia elevada que tem de si e a pouca relevância pública que tem
-Relação da criança Mozart com o pai- Considera-se indigno por não ser amado por ele
enquanto criança, mas pelo que exibe enquanto artista. Do pai há interesse e não amor
Marcuse
Critica a racionalidade. A lógica de capital tem entrada no campo social, o que provoca
catástrofes e impede a revolução.
Porque é que em sociedades cada vez com mais desigualdades (capitalismo) os dominados não
se rebelam? Porque há uma servidão voluntária? Para dar uma resposta a esta pergunta, faz
uma releitura do marxismo e usa Freud para mostrar que dominação não é explicada
exclusivamente pelas condições materiais de existência, mas também pela subjetividade
humana. Os subordinados têm um desejo inconsciente de participar um processo de
dominação de que são vítimas.
A dominação capitalista é interiorizada. O dominado é que se autorreprime. Dai a importância
da psicanálise, que oferece conceitos para explicar a autorrepressão que surge da
racionalidade instrumental. Tudo se torna racionalizável, meios e fins. Não há espaço para
outros modos de ser. O sistema capitalista é a personificação da razão e é esta razão que gera a
sociedade de consumo
Os dominados estão alienados. O sistema, tendo-se desenvolvido, não tem oposição. Não há
dialética, porque o sistema personifica a racionalidade. Não há possibilidade de ficar de fora,
criticar o sistema. É este o caracter racional da irracionalidade: Racionalidade levada ao
extremo deixa de servir o Homem, torna-se irracional.
O capitalismo desenvolveu-se graças à cientificação do conhecimento. Conhecimento científico
e racionalidade capitalista fundem-se. Por isso é tão difícil opor-se à sociedade. Ciência (e
economia) são cúmplices. O dinheiro leva a que Homem se reja pelo critério do valor
Sociedade unidimensional (com Homens unidimensionais) - É plana e as forças de oposição
estão-lhe vedadas. Não se pode atingir nova dimensão, só esta, baseada no valor. Qualquer
tentativa de revolução é convertida numa força acrescida para a sociedade. Qualquer crítica é
assimilada pela lei do mercado e convertida numa força capitalista.
Sociedades democráticas são totalitárias. O conformismo social é quase absoluto. Há adesão às
normas. Dominados continuam dominados porque são felizes. Sistema impõe certas
necessidades e permite que estas sejam alcançadas, mas são falsas necessidades. A própria
arte entra numa lógica de mercado. Cultura circula na realidade como um valor entre outros.
Sistema manipula necessidade e doutrina dos indivíduos. O modo de produção não pode ser
criticado porque o dominado a ele adere, porque as suas necessidades são satisfeitas, porque
são produzidas por um sistema que doutrina. Não é possível fugir porque cultura tem papel
central e impinge consumo.
Psicanálise- Porquê adesão a necessidades fictícias? Dessublimação. O indivíduo é o combate
entre pulsões de vida e morte, sendo muitas delas censuradas. Sublimação é realizar as
pulsões, não diretamente, mas transpondo-as para objetos (ex. obra de arte). O que acontece é
que numa sociedade unidimensional, a arte perde o poder transcendente (senão era
bidimensional) e torna-se objetiva, mercadoria. Deixando de poder sublimar as nossas pulsões,
vamos satisfazê-las através do consumo de mercadoria. Cultura reproduz desigualdades. Se há
servidão voluntária, só é possível porque dominados satisfazem as pulsões.
Sociedade unidimensional também integra política e ideologia. A classe operária foi tão
integrada pela sociedade unidimensional, a nível de consciência (participa na mentalidade de
consumo) e objetivamente (capitalismo integra-a, retirando-lhe o poder de transformação
histórica). Estão ligados ao consumo de necessidades artificiais, já não sentem necessidade de
transformar sociedade, estão felizes. Indivíduo identifica-se totalmente com sociedade e não se
pode afastar, por isso o pensamento se uniforma, seguindo a lógica de capital.
Pela evolução tecnológica, não seria necessário continuar a haver repressão, mas surge até a
mais-repressão que se rege pelo princípio de realidade (unidimensional) e desempenho. Mais-
repressão trava histórias individuais, unindo-o com princípio de desempenho. Satisfação só se
dá por via do consumo. Até o sexo é mercadoria. Esta repressão não atuaria se não fosse
suportada por instituições sociais que impõe princípio de realidade, reprimem e impedem a
sublimidade. A sociedade impõe modelo de vida de felicidade que querem que sigamos.
Goffman - Papeis, bastidores, público, cenário, palco
Não é uma sociologia estrutural. Momentos do quotidiano são espécie de “guerra fria”, tensão,
no encontro com desconhecidos, porque não sabemos a resposta do outro.
Desconhecidos são mais figuras que pessoas. A interação é ritual, não ocorre no vazio, tem
regras que permitem que flua. Sociedade é conjunto de interações. O “eu” é social na medida
em que se apresenta ao outro e não por condicionantes macrossociais.
Ordem ordena: ordem e disposição dos corpos.
Por a sociedade ser conjunto de encontros é ordenada, só que ordem social vem do próprio
encontro. Encontro envolve sempre previsibilidade dos dois. Podemos pensar ordem sem
variáveis macro externas ao próprio encontro. Ação não é mera ocorrência de fatores
psicológicos, a intenção implica troca simbólica e esse significado provém duma negociação
situada de experiência quotidiana.
Interação é ordenada, imana consenso, mas consenso não é necessariamente para sempre.
Comporta possibilidade de erro. Significado faz -se na duração da interação.
Consenso operacional requer: Definição da situação (para reciprocidade); nexo de
reciprocidade de significação (descodificação dos sinais do campo do outro e emissão de sinais,
com alguma reciprocidade); experiência (que permite vigiar para aprender com os erros).
Interação implica desempenho de papel social (ator social); papeis servem como coesão de
ação. O encontro é o propósito comum da interação.
Interação desinteressada: passar por alguém na rua, não nos tornamos acessíveis
Bastidores- espaço de reflexividade que permite rever os papeis
Público: Interação permite continuidade do espetáculo. Interação requer que espetáculo
continue para garantir certa definição de realidade
Cenário: Espaço onde interação se desenrola, que restringe e habilita
Palco: Local onde apresentamos ao outro a nossa identidade pública: aparência (sinais de
status-roupa, linguagem) e maneiras (maneira como investimos no desempenho do papel,
estilização do papel social). Para que ação flua tem de haver integração de experiência e
maneiras e o ambiente
Interação implica gestão de impressões que tem como objeto implícito a garantia de que o
espetáculo continua. Na interação há veículo de indícios/significados. Significados transmitidos
podem ser extraídos pela aparência ou estereótipos. Emitimos sinais/indícios voluntários e
involuntários
Para ter êxito na manutenção da representação de papéis há duas variáveis: lealdade
dramática (acordo relativo às regras, ao outro) e disciplina dramatúrgica (o outro percebe que
estamos a representar o papel, investindo emocionalmente nele).
Encontro requer que previamente os intervenientes acordem com o que se está a passar.
Concordância é possível graças aos quadros de interação.
Espaço e tempo não são absolutos. Dependem do encontro entre pessoas. O espaço de uma
interação não é só o território físico, mas também o conjunto de disposições e dinâmicas
corporais dos intervenientes.
O acordo de papeis é negociado. Emerge das próprias situações. Não quer dizer que indivíduos
possam desempenhar papéis como quiserem. Não se anula o conflito. Negociação não
desemboca num acordo passivo. Há situações, de equívoco, embaraço…
Olhamos para uma ardósia num restaurante e numa aula e o mesmo objeto tem significados
distintos. Significado não é mero fenómeno de atribuição reflexiva (não questionamos a
ardósia). Esta compreensão é possível graças aos quadros de compreensão. Estes permitem
definir a situação e ajustar o desempenho de determinado papel social, que se impõe a
determinado encontro. Quadro organiza a experiência e orienta o comportamento.
Quadros resultam dum enquadramento da realidade. Definem o que é relevante para a
interação. Não se reduz ao pensamento. Para além da cognição, há uma perceção imediata da
realidade de maneiras múltiplas. O que é real numa interação não é noutra. Quadros atribuem
sentido à experiência. Ordenam peças de forma a criar um conjunto significante para o ator.
Interação tem ordem porque o modo como nos apercebemos das características da situação
faz-nos perceber que temos de atuar respeitando a ordem das cosias.
Os quadros podem ser:
Primário: Atividade enquadrada, inteligível, com sentido, em que não existe necessidade de
recorrer a outro enquadramento. Ato de atribuir significado a algo que de outra forma estaria
desprovido de significado. É fundamental, basilar. Irredutíveis, mas não imutável
Secundário: Originados por duas modalidades de transformação dos primários. Atividade
enquadrada tem significado reenviável para outros quadros (primários). Remetem para
primários porque são resultado de transformação dos mesmos.
Modalidades:
Tonalização- Quando se adiciona nova camada de sentido, significado, a uma atividade
já enquadrada que está a decorrer. (professor mandar calar a turma que faz barulho). Foge ao
comportamento normal e expectável da aula. Adicionar camadas implica reposicionamento
dos próprios acontecimentos. Há sobreposição de sentidos. Mudança para quadro secundário
implica mudança de perceção.
Maquinação- Induzir o outro numa falsa convicção do que está a acontecer. Tem
objetivo de produzir o engano, desfasamento entre o que acontece e o que o outro pensa que
está a acontecer. Está em causa maquinar uma realidade para que o outro não perceba
exatamente o que se está a passar. Mais que mentir, é dissimular ou omitir.
Transformações são possíveis porque nenhum quadro esgota a realidade. Esta excede sempre
o considerado real em cada momento e interação. Há um mundo de acontecimentos laterais.
Se o quadro recorta a realidade para poder agir, significa que há algo para além do recorte. É
porque o quadro é cercado por acontecimentos laterais-lateralidade- que é possível
transformar o quadro. Transformo um quadro primário num secundário recorrendo a camadas
que foram inicialmente deixadas de fora. Qualquer interação é, portanto, redutora.
Estamos constantemente a emitir sinais e a decifrar sinais de que o outro nos transmite a nós.
Emissão é tanto voluntária como involuntária (tiques). Os atores quando interagem estão
constantemente a manipular, regular a sua imagem e identidade, modo como nos damos a
perceber ao outro.
Categoria- Quando nos encontramos com o outro, é com o outro tipificado. Não é um
completo estranho. Categorizamo-lo através dos signos que emite. Lido com outro que cabe
numa determinada categoria. Esta filtra informações que retiro da aparência e postura do
outro. Atributos são sempre transportados pelo corpo, permitido o trabalho de categorização.
Expectativas passam pela forma como caracterizamos. Quando não conseguimos categorizar o
outro a interação não se ordena. Identidade é contextual e requer tipificações, categorias. Não
há identidade social fora da categoria.
Estigma- Resulta da categorização do outro. Esta etiqueta vem do facto de haver dissonância
entre identidade social virtual e real. Social virtual são as expectativas normativas dirigidas
(tendo em conta categorias) ao outro. É o carácter imputado ao outro. Social real são as
verdadeiras características encontradas no outro. Identidade funcional é quando as duas
entidades se articulam organicamente. Quando há uma discrepância negativa surge o estigma.
Mas por vezes esta discrepância funciona em benefício do outro (símbolos de status, prestígio).
Estigma é situação em que indivíduo vítima é inabilitado de atingir aceitação social plena.
Discrepância de realidades gera fenómeno de desacreditação dos indivíduos na sua própria
identidade. Quanto mais acentuados os atributos estigmatizados, menor a aceitação social.
Estigmatizar é reduzir o outro a um certo atributo.
Critérios de estigmatização:
Deformidades físicas- Identificar o outro numa perspetiva que não corresponde à
personalidade real. Reduzir o outro aos seus atributos reduzidos.
Culpas de carácter- Distúrbios mentais, desemprego, vícios. Quando a partir destes
atributos se caracteriza o outro, gera-se um estigma. “o bêbado”
Estigmas tribais- Cor da pele, nacionalidade, religião, orientação sexual…
Se o estigma leva ao descrédito, há pessoas que têm estes atributos, mas conseguem escondê-
los. São pessoas não desacreditadas, mas desacreditáveis
Pode-se fugir mantendo em segredo (técnica de encobrimento) ou emitindo sinais ao outro
que o conduzam a identificar um outro estigma menos grave (técnica de acobertamento).
Foucault
O que é o “eu”? - Recorre ao conceito de “sujeito”
“Sujeito” é sujeito de (conhecimento na medida em que produz conhecimento) e sujeito a
(forças sociais). Ser “sujeito de” como portador de uma subjetividade é uma invenção
moderna. O sujeito não é um dado adquirido. “eu” é um produto social.
Há duas forças sociais principais que participam na construção do sujeito. O saber e o poder
Ao mesmo tempo que nasce o saber científico da psiquiatria surge a figura do doente mental.
Sujeito de conhecimento (na psiquiatria) e sujeito a (doente mental). Prisões formam figura de
subjetividade que é o delinquente.
O sujeito é constituído ao mesmo temo que constitui os seus objetos. Não é identidade
individual, mas o resultado de forças sociais que atuam sobre ele.
Como é que a partir da produção de um conjunto de discursos (saber é linguagem) o sujeito se
constitui? Sujeito é um produto da linguagem. Linguagem é fenómeno social e primeira força
que caracteriza sujeito. Distingue três conceitos centrais:
Discurso- Não se define por aquilo que quero dizer, mas por um conjunto de regras
anónimas, impessoais e históricas. É impessoal, mesmo que saia da boca de alguém.
Independentemente daquilo que queira dizer, o sujeito insere-se sempre num conjunto de
regras às quais não pode escapar. Vê o outro e a si próprio através da linguagem. As regras,
sendo históricas variam de época para época. O que é possível dizer num determinado tempo
é diferente do que se pode dizer noutro. Regras só podem mudar na medida em que pessoas
atualizam discurso ao longo do tempo. Muda porque cada pessoa individualmente fala ou
escreve, mas não depende da sua vontade de mudar.
Compara renascimento, época clássica e modernidade e vai mostrar que na época clássica todo
o saber se regia por uma regra anónima que é a regra da representação. O nosso saber visa
representar, classificar a realidade. Na modernidade há uma alteração fundamental neste
regime do saber. Este dissolve-se e é substituído por outro em que o Homem já não é apenas
sujeito de conhecimento (visto como separado da realidade que quer representar) mas passa a
ser objeto do conhecimento (“sujeito de”).
Considera o sujeito moderno “duplo transcendental”. Por um lado, porque é fundamento do
saber (cria o saber) mas por outro lado empírico porque ele mesmo é o objeto desse saber. É
por isto que as ciências sociais e humanas só nasceram na modernidade. Só no regime de
saber moderno foi possível colocar o sujeito como objeto de conhecimento, que é o que
ciências sociais e humanas fazem.
Saber é conjunto de discursos definidos por regras semelhantes. Saber não é ciência. Há
saberes não científicos. É um jogo de veridição. Nem todos os regimes de saber têm de ter
como objetivo alcançar a verdade como o conhecimento científico. Por isso se fala em
veridição e não em verdade. Veridição na medida em que conjunto de regras é que definem a
validade do que dizemos e escrevemos. Evolução histórica não se dá a partir de uma
continuidade cumulativa. Essa acumulação existe enquanto estamos dentro de um mesmo
regime de saber. Em determinados momentos históricos não foi mais possível acumular
conhecimento segundo as regras anónimas e históricas. História progride mediante ruturas,
descontinuidades. Caminhamos na história sem meta.
Discurso é sempre uma materialidade. Não há discurso sem performance. Implica um ato, uma
prática. Não se define pelo que se passa dentro da minha cabeça, mas pela forma que adota ao
exteriorizar-se. Seja pela via da escrita ou da fala. Não existe discurso, função enunciativa, sem
resposta institucional. Falar é sempre falar a partir de um lugar. Esse lugar não é igual para
todos e é sancionado pelas instituições. Lugar de professor é sancionado pela instituição
escola. Discurso, além das características referidas, tem sempre um suporte institucional.
Propõe o método arqueológico para aceder às regras. Pretende ler os discursos produzidos em
determinada época com um olhar que tenta alcançar essas regras impessoais. O que importa
não é o que a pessoa disse, mas as regras que permitiram o que a pessoa disse. (Lógica de
escavação.)
Discurso fornece condições para cumprir função enunciativa
Enunciado- Não é frase nem proposição. Por exemplo, Qwerty não é uma palavra. Mas,
num manual, se aparecer qwerty, enuncia, tem sentido, mas só nesse manual. Assim,
enunciado é uma função de existência. Significa que é pelo enunciado que o discurso existe. As
regras que definem o que é o discurso e oferecem o campo de possibilidades de discurso
passam a existir por via do enunciado. Função de existência porque traz à existência o discurso.
Enunciado não é questão gramatical. Posso dizer uma frase gramaticalmente correto, mas, se
descontextualizada, não estou a enunciar nada. Enunciado faz existir o discurso e, portanto, é
identificado se for possível repetir. É possível repetir porque o conjunto de regras é impessoal,
ou seja, anuncio algo à luz de certas regras, que são anónimas, e só há enunciado se respeitar
essas regras e como são impessoais, podem ser repetidas (por outros). Enunciado aplica um
sentido. Depende sempre das regras anónimas que definem determinado campo do saber
(psiquiatria, sociologia). Para perceber como a linguagem produz o sujeito, tem de se pensar
no conceito de formação discursiva.
Formação discursiva: Quando olhando para um conjunto de enunciados, se consegue, apesar
da dispersão de enunciados, mesmo que as opiniões manifestadas sejam discordantes,
encontrar uma certa regularidade. Formação discursiva é buscar as regularidades por trás de
aparentes irregularidades. Grande objetivo da arqueologia do saber é, portanto, desvendar o
funcionamento das regras de cada formação discursiva (ex. sociologia, medicina são formações
discursivas).
Sujeito não é constituído apenas por linguagem, por discurso ou regras, nem apenas
instituições definem o lugar do discurso. Há outro fator que participa ativamente na
constituição do sujeito- o poder. Não há saber sem poder e vice-versa. Para estudar poder
propõe genealogia do poder. Propõe conceitos de disciplinas (poder disciplinar) e bio poder.
Não propõe teoria do poder porque este é objeto de estudo que escapa à possibilidade de se
teorizar. Propõe antes analítica do poder. Poder não é questão de origem (está em todo lado e
sempre cá esteve). O que interessa são relações de poder, que são captáveis a partir não da
origem, mas dos efeitos do poder e estes são captados não a partir de uma teoria, mas de uma
analítica do poder.
Poder define-se pelo modo de funcionamento, de acordo com:
-Modo de ação sobre outros modos de ação.
-Modo de ação que age sobre modo de ação dos outros- o outro tem de ser reconhecido nas
relações de poder. Portanto, não há poder sem resistência. Reciprocidade e, portanto,
possibilidade de reação, resistência. Relação de senhor-escravo não são relações de poder
porque o meu modo de ação não visa agir sobre o modo de ação do outro porque nem
reconheço que ele o tenha. Poder e liberdade têm uma relação dialética. Estado não é ponto
de onde emana poder, mas o resultado histórico de concentração de mecanismos de poder.
Toda a gente está envolvida em relações de poder, mas o poder não se possui. Poder não se
detém, antes exerce-se. É ação, performance, não uma substância. Todas as nossas relações
são de poder. Condições da reitora para exercer poder são mais favoráveis que as do professor,
não por causa de uma identidade, mas porque há um conjunto de mecanismo e dispositivos
que nela se concentram. Poder reduz campo de possibilidades, mas preserva sempre
possibilidade de resistência.
Antagonismo vs agonismo- Vários atores pensam poder como antagonismo. Para ele modelo
antagonista não faz sentido. Poder não está nem dum lado nem de outro. Ao contrário, é mais
bem compreendido de uma lógica agonista, que remete para a guerra. Diz que modelo de
guerra lança melhor luz sobre poder porque o que interessa são táticas e estratégias que
permitem afetar o modo de ação do outro. Poder é capacidade de afetar, exercício de afetação.
Estado não é aparelho de dominação ideológica, mas concentração de mecanismos de poder.
Estado surge porque foi pouco a pouco concentrando os mecanismos de poder.
Não temos vida fora das instituições. Tanto o discurso como capacidade para afetar conduta
dos outros depende delas. Uma forma de poder tipicamente moderna é o poder disciplinar.
Antes era- deixar viver e poder matar. Agora é deixar morrer e dar poder à vida. Poder
disciplinar não passa necessariamente por violência física. Consiste numa determinação de
espaços e tempos e distribuição de pessoas nesses espaços e tempos. Passa também pela
atribuição de tarefas. Pretende docilizar e domesticar os corpos para lhes retirar força. Atua
não só em prisões, mas em escolas, famílias… Não se define pelo que proíbe, mas pelo que
produz. Poder atua tanto mais eficientemente quanto mais produz.
O poder atuou sob a sexualidade produzindo, fazendo falar. É tabu porque houve instituições
que nos fizeram falar sobre ele (psicólogo) Poder incita, produz, não é limitado na realidade
pré-existente. Faz realidade. Como somos feitos de poder, a sua execução é subtil. Estamos
todos domesticados pelo poder. Docilização dos corpos que poder poe em prática tem como
objetivo tornar pessoas úteis para o funcionamento da sociedade. Estamos sempre a ser
docilizados, a adotar posturas consideradas corretas na instituição em que nos encontramos.
Biopoder- Enquanto o poder disciplinar individualiza os corpos, o biopoder incide sobre o
corpo coletivo, a população. População só surgiu no século xviii quando os estados se
começaram a preocupar com a massa populacional. Um poder e o outro não se excluem.
Biopoder é preocupação com população, que se relaciona com perigo. Louco é perigoso.
Perigoso para a população. A partir do séc. xviii surgiu necessidade de governo reunir dados
sobre a população. Gerindo informação sobre a população, atua politicamente sobre essas
variáveis que mexem em nós enquanto corpo individual, mas enquanto espécie (reprodutora),
espécie que nasce, vive e morre. Poder disciplinar individualiza, biopoder atua sobre o corpo
“espécie”, sobre a população. Poder é tão bem exercido quanto a articulação de poder.
Governamentalidade- arte de conduzir a conduta dos outros
Panótico: modo do poder atuar sem que haja alguém a exercê-lo. É ver sem ser visto. O que
não vê tem medo de ser visto por isso o poder atua sem parar. Estamos sempre com medo e
autocontrolo.
Relação poder-saber: Não há poder que não esteja associado a um campo de saber. Campo de
saber esse que valida e justifica o exercício de poder. Internamento dos loucos só foi possível
porque houve um conhecimento do campo do saber psiquiátrico que justificou o perigo dessas
pessoas. A própria figura da subjetividade do doente mental é relação deste poder e saber.
Relação de poder que o professor exerce é justificada pelo saber pedagógico. Há suporte
institucional onde se cruza poder e saber. Aquilo que somos depende das regras anónimas e
históricas e da forma como os outros afetam a minha conduta.
Modernidade é caracterizada pela racionalização. Em vez de característica inata e universal que
evoluirá, a racionalidade é na verdade condicionada por fatores histórico-sociais. O que é
racional numa época é irracional noutra. Não é um processo linear, tem ruturas. Racionalidade
só é possível na medida em que, numa dada época, se relaciona com as estruturas de poder.
Sexualidade- paradigma de cruzamento entre poder disciplinar e biopoder. Está envolvida num
conjunto de pudor, práticas corporais (poder disciplinar) e há políticas sobre a sexualidade.
Disciplinar os corpos e disciplinar a espécie

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