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Os dilemas das democracias ocidentais: espetacularização da política

e recrudescimento do neofascismo – diálogos entre Nietzsche e Agamben


Coordenadora e pesquisadora Docente PPG - Márcia Rosane Junges
Graduanda em filosofia bolsista - Raquel Aristimunho de Melo - Unisinos

Tema delimitado: A espetacularização das democracias ocidentais e suas


consequências.
Problema de pesquisa: Estabelecer nexos entre a crise das democracias e o
recrudescimento do fascismo.

Objetivos gerais: Analisar a espetacularização da sociedade e a relação com a política


sob a ótica do retorno de ideologias passadas e perigosas para o futuro da
humanidade.

Objetivos específicos:

1.Pensar por que a sociedade do espetáculo é atual e influencia os rumos que a


modernidade segundo o autor Guy Debord.

2.Estabelecer quais as motivações existentes que colocam as liberdades individuais


em perigo nas democracias segundo a obra de Yascha Mounk.

3.Entender a política do “nós” e “eles” nas democracias que culminam em


polarizações e ascensões totalitárias pelo entendimento de Jason Stanley.

Resumo

Neste artigo vamos analisar como a espetacularização da sociedade influenciou a


história a trajetória das democracias no ocidente. A partir disto como as relações se
deram e a importância do consumo. O desenvolvimento de líderes autoritários através
de práticas populistas que podem colocar as liberdades individuais em risco. E as
consequências destes fenômenos como as guerras, ataques terroristas, imigrações e
até mesmo ameaças as nossas liberdades individuais e a continuidade da vida. Por
todas estas questões este debate é urgente.

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Palavras-chave

Democracia – espetáculo - fascismo - liberdades

Introdução

Guy, no final do prefácio nos diz...” é preciso ler este livro tendo em mente que ele foi escrito
com o intuito deliberado de perturbar a sociedade espetacular.” 30 de junho de 1992. Guy
Debord (1931-1994)

Ao longo da história da civilização o homem conquistou o direito à liberdade e a


criação da democracia. Muitos acontecimentos no passado colocaram esta garantia,
que é fundamental para a existência, em risco. A espetacularização da vida segundo
a escrita de Guy Debord na obra “A sociedade do espetáculo” e sua influência nos
rumos que a modernidade seguiu é atual e nela encontram-se muitas questões que
apontam causas para este fenômeno em curso. Apesar de ter sido escrita em 1967, a
obra é relevante para a compreensão das causas através de ideias como: as relações
medidas por imagens, a necessidade da fetichização das mercadorias, a alienação da
plateia e sua passividade. Os agentes sociais tornados robôs e a lógica da pós
verdade, imensamente atual no fenômeno das” fake news”.

Para dar seguimento ao estudo da temática é preciso analisar os acontecimentos


históricos vindouros com a implantação da democracia no período pós final da união
soviética. Na obra de Yascha Mounk, “O povo contra a democracia”, há registros de
tensões entre as democracias ocidentais e suas relações com as elites econômicas.
Desta forma é importante destacar e entender as origens da crise que o autor afirma
estarmos vivendo. As principais causas e efeitos que podem criar as condições para
o ressurgimento de antigas ideologias assustadoras e que cerceiam liberdades. Por
último é aconselhável mostrar algumas possíveis soluções ou remédios.

Neste contexto faz-se necessário estudar conceitos ideológicos. Na obra de Jason


Stanley, “Como funciona o fascismo” encontram-se explicações que permitem o
entendimento de ações totalitárias cometidas na história nos séculos XIX e XX onde
o estudo dos acontecimentos irão guiar e desvelar ações presentes e seus futuros
desdobramentos. É preciso entender estes elementos que trazem à tona o passado,

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como o uso de propagandas, o anti-intelectualismo, a hierarquia, a vitimização e o
impacto dos mitos, que são alguns exemplos que podem indicar respostas.

A atualidade tem apresentado dúvidas em relação ao futuro das liberdades


individuais e que precisam ser analisadas de forma responsável, e é isto que veremos
nesta exposição.

Desenvolvimento

Capítulo 1- A sociedade espetacular

No ano de 1967, Debord ao escrever sobre a espetacularização da sociedade


colocou os consumidores no foco das relações medidas através das imagens e a
certeira descrição do funcionamento econômico, político e social a partir do
desenvolvimento da industrialização no mundo. “Toda a vida das sociedades nas quais
reinam as modernas condições de produção se apresentam como uma imensa acumulação de
espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação.” Debord, pág.13

As pessoas começaram a se relacionar como se estivessem representando por


meio das imagens, mas reconhecendo-se cada vez menos como indivíduos. Nesta
relação social que funciona através das imagens, criam-se ilusões e nelas está a
verdade, que se transforma em uma realidade invertida, onde a verdade é falsa.
Baseando-se em Hegel, Debord descreve que a primeira fase do espetáculo é o ser,
passando para o ter e finalmente para o parecer. A visão passa a ser o sentido mais
importante. “Quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade,
menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo.” Debord pág. .As mídias
passaram a representar os estilos de vida através de personagens e vivencias e
inseriram seu poder de decisão e consumo. Estes personagens são pessoas
destacadas e influentes e se tornaram-se conhecidos exatamente pelo que não eram.
As imagens associaram-se ao controle por meio das intenções do objetivo a ser
alcançado por trás do discurso intencional disfarçado. Na época essa análise era feita
por meio de fotos em jornais e revistas, ou pelo cinema e a televisão. Assim os
produtos e as mercadorias transformavam -se em objetos de desejo. A plateia assistia
a tudo de forma passiva e alienada. E aceitou os novos padrões, permitindo ser
anestesiada pelo consumo cada vez maior, resultado do crescimento explosivo da
produção de bens e serviços em todas as áreas. A mercadoria virou o ator principal
do espetáculo, exibida pelo poder econômico. Ela dominou a economia e ocupou o
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principal lugar na vida social. Em um movimento de banalização, dominou toda a
sociedade moderna. Esta forma de organização transpassou seu modo de operar para
a política. Os homens passaram a ser agentes sociais performáticos e robotizados.
Atuando sob a cátedra de marqueteiros, fizeram e organizaram carreiras bem-
sucedidas e a continuação da organização.

A sociedade seguiu dividida com o advento da industrialização com os


trabalhadores das indústrias (o proletariado), que cresceu rapidamente e com
condições muitas raras de consumir o que eles próprios produziam. E assim iniciaram
os problemas e a divisão cada maior em classes sociais. Se antes a sociedade era
historicamente separada por poderes familiares enraizados em dinastias, agora
passou a ser confrontada pelo surgimento dos operários revolucionários que exigiram
direitos a bens e prazeres. Então os primeiros teóricos filósofos ao fazerem a leitura
destes fatos criaram correntes ideológicas. Rapidamente alguns partidos políticos se
apropriaram destas ideias e alcançaram o poder. A burocracia revolucionária e seus
governos totalitários se desenvolveram desta forma. Mas no período entre guerras os
movimentos verdadeiramente revolucionários foram destruídos. Em contrapartida um
novo movimento surgiu em favor da burguesia aliada a desempregados e outros
trabalhadores decepcionados. Mas o mísero trabalhador seguiu em último lugar na
cadeia espetacular.

A ideologia materializada tornou-se a base do pensamento da sociedade. Porque os


problemas como as angústias e as necessidades vieram à tona e precisavam ser
resolvidos mas não havia espaço para todos.

Assim o espetáculo também se tornou uma ideologia, porém irreal, como um fato
alucinatório. A imagem que é uma ilusão. Todos agora vivem uma consciência
espectadora. “A necessidade anormal de representação compensa o sentimento torturante de
estar a margem da existência.” Gabel.

A era do consumo começou na idade moderna quando a burguesia iniciou o


processo de industrialização. Entre os produtos surge também a cultura como um bem
consumível. Ela é a esfera geral do conhecimento e das representações. O princípio
do desenvolvimento da cultura é a luta da tradição contra a inovação. A inteligência
aqui será parcial assim como a sensibilidade. A cultura tornada mercadoria é a vedete
da sociedade espetacular, sua produção, distribuição e consumo são destaque, como
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por exemplo nos Estados Unidos, onde representa em torno de 25% do PIB. O fim da
cultura é a superação pela história. Ela será mantida agora apenas como objeto de
contemplação.

Após a 2ª Guerra mundial aconteceu uma fusão do estado com a economia e


a união das duas transformou o mundo (globalização). “A raiz do espetáculo está no
terreno da economia que se tornou abundante, e daí vem os frutos que tendem afinal a dominar
o mercado espetacular.”pág. Esse acordo foi a alavanca para o desenvolvimento
econômico dar um salto. E as duas formas de poder espetacular sucessivas e rivais,
que eram a forma concentrada em uma personalidade ditatorial (Rússia e Alemanha)
e a outra difusa, a americanização do mundo com as democracias burguesas
tradicionais (EUA). Surge uma nova forma integrando as duas na França e na Itália
com importantes papéis políticos em lados concentrados, um diretor oculto e sem
ideologia clara. Agora o espetáculo produz e direciona uma ignorância coletiva sobre
os fatos. O que é mais importante nunca vai ser descoberto. E causa assim a morte
da história, que é o fator da permanência do poder presente. O discurso espetacular
é criação de narrativas inverificáveis. A mídia trabalha sob este regime e a censura
nuca foi tão perfeita. Todo especialista serve ao seu senhor porque a independência
não é possível neste cenário onde a ciência trabalha para justificar o que é feito, e
com a política de desinformação, é garantido o que é estabelecido, contendo uma
parte de verdade e direcionando as informações para trabalhar a seu favor.

Capítulo 2 – A democracia corre riscos

Na obra “O povo contra a democracia” Yascha Mounk escreve que após o comunismo
ter fracassado a democracia liberal foi o caminho escolhido. Ela trouxe estabilidade
aos países, porém deveria ter um nível econômico e educacional alto ou ela se tornaria
insustentável. Também era necessário instituições neutras, como o judiciário. Há
apenas 25 anos as pessoas acreditavam que a democracia tinha vindo para ficar, mas
hoje estão cada vez mais desconfiados e temerosas pois percebem que a democracia
está ruindo e o cidadão está desiludido com a política. Percebe-se que eleições de
políticos autoritários transformaram as democracias em ditaduras eleitorais e
acabaram destruindo liberdades políticas importantes assim como as de imprensa,
causando caos nas instituições e calando opositores. Populistas tomam decisões
parecidas em seus governos, eles elevam discussões com seus oponentes, dividem

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opiniões, culpam fatores externos ao seu mandato, enchem os tribunais de aliados
transformando o sistema em ativismo judiciário e assumem o controle da mídia. Esse
é o caminho para ser uma democracia hierárquica ou iliberal, pois ser liberal é estar
comprometido com valores básicos como liberdade de expressão, separação de
poderes e proteção dos direitos individuais.

Existem distinções fundamentais entre liberalismo, democracia e instituições.


“Democracia são eleições livres, justas e competitivas. Sufrágio adulto pleno, proteção ampla
liberdades civis, de expressão, de imprensa, ausência de autoridades “tutelares” não eleitas:
militares, monarquias, grupos religiosos, que reprimam a capacidade de governar.”Mounk cita
Robert Dahl pág.44. Já as instituições liberais protegem o Estado de direito e as
liberdades individuais. Mas a democracia liberal pode se desvirtuar e se tornar iIiberal,
ou seja, uma democracia sem direitos.

Outra questão relevante é a força de decisão que entidades governamentais não


eleitas adquiriram. Esses órgãos de burocratas não eleitos removem dos debates os
políticos eleitos e tomam decisões muito importantes, principalmente as econômicas.
São exemplos as ONGS e a agência não governamental mais poderosa do mundo, a
U.E. Mais uma situação alarmante é o ativismo judiciário e a previsão de que
obtenham mais poder ao longo do século, apesar de teóricos do direito indicarem que
os tribunais deveriam atuar para o controle da constitucionalidade. Outro fator
importante é a troca de favores políticos, compra de cargos e inúmeras vantagens
pagas com dinheiro nas decisões políticas resultando corrupção, doações em
campanha, lobby ou até um cargo bem remunerado. E assim legisladores viram reféns
de grupos de pressões. “As origens da perda de poder do povo, sustentam e residem na
tomada de poder pelas elites políticas e financeiras”. Mounk pág.119. Os cidadãos estão cada

vez mais abertos a líderes autoritários.

As democracias surgiram estáveis e permaneceram após a 2ª guerra. Algumas


condições iniciais importantes, como os meios de comunicação, limitavam ideias
extremistas. Mas quando surgiu a internet veio a proliferação das notícias. A
comunicação através do desenvolvimento das mídias sociais foi a característica mais
marcante neste jogo. Os principais atores perderam seu papel de controle na mídia
tradicional levando a consideráveis mudanças e grandes efeitos na vida política.
“Muitas situações além do controle da mídia melhoraram e outras pioraram. Um dos males é o
aumento da violência, disseminação de grupos extremistas. Ajudando mais os grupos rebeldes

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do que o status quo.” Mounk Pág.181. Os políticos populistas exploraram muito bem o
poder das mídias e da nova tecnologia. Escreveu Mounk cita George Orwell “O
vencedor no momento, seja quem for, sempre vai parecer invencível. Mas, depois que os
populistas chegam ao poder e passam a quebrar as inúmeras promessas que fizeram, podem
ser bruscamente lembrados do potencial das mídias sociais para empoderar os novos outsiders
contra o governo.” Orwell pág.183. Em relação ao desenvolvimento econômico as
democracias mostraram que seus avanços foram impressionantes e obtiveram
melhora na qualidade de vida das pessoas, apesar desta melhora o desenvolvimento
econômico estagnou. O caso mais grave é nos EUA. Por conta disto a expectativa de
vida também diminuiu. Esses fatores colaboram para o medo de um futuro incerto.

Durante a implantação das democracias a mono etnia era a regra entretanto a


imigração e emigração crescente vem ameaçando sua continuidade. Esse fenômeno
é consequência da população de países em guerra que foge de seus líderes ditadores.
Levantando o questionamento da cultura e das identidades dos povos. Na antiga
Athenas Aristóteles não tinha mãe e pai atenienses portanto não tinha permissão para
participar do governo da cidade. Na história da civilização muitas vezes os períodos
mais inclusivos foram os monárquicos, no século XVIII e após, o movimento por um
clamor nacionalista em busca de uma pureza étnica começou a ressurgir em países
como a Alemanha, Itália, Tchecoslováquia, Eslováquia e Hungria. Moldando as
sociedades democráticas e incentivando guerras e horrores. Na atualidade a Europa
e os EUA vivem um momento de miscigenação cultural intenso por conta da chegada
constante de imigrantes vindos de países em guerra, populações fugindo de governos
autoritários. “Hoje os cidadãos têm de aprender a viver em uma democracia muito mais igual
e diversa.” Mounk Pág.218

Impedir que governos corruptos e populistas cheguem e permaneçam no poder


é um dos remédios que Yasha Mounk indica, assim como descobrir regras e normas
para isso, sair as ruas, unir cidadãos em torno de uma visão comum de suas nações.
Domesticar o nacionalismo é entender que não existia nações nos primórdios, mas
depois que as nações se formaram e as culturas e hábitos locais foram estabelecidos,
mudar isso é uma tarefa muito árdua. Atualmente até países como China e Índia estão
mais nacionalistas. Portanto a liberdade de expressão precisa ser garantida e
nenhuma autoridade tem o poder de proibir declarações, pois infringir essa premissa

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é comprometer um princípio básico da democracia liberal. O patriotismo que deve ser
almejado é o inclusivo.

A maioria dos medos dos eleitores tem relação com o dinheiro, pois o trabalho
já não é mais uma fonte de segurança na sociedade. As empresas acabam lucrando
mais, entretanto apenas 1% vai para 90% da pirâmide que compõe a sociedade.
Enquanto 42% para 0,1% do topo, além dos impostos cada vez mais baixos para os
ricos formando uma balança longe do equilíbrio e apertar o cerco a comportamentos
como a sonegação de impostos dos mega riscos é esperado. Os preços dos imóveis
explodiram nas maiores cidades do mundo e necessitam uma orientação radical das
políticas habitacionais. Em relação a produtividade economistas apontam para a
pesquisa e a educação, fazendo as políticas educacionais e industriais a
consequência será a mão de obra qualificada e salários adequados. O Estado tem o
dever de proteger os direitos individuais e gerar bem-estar para a sociedade atual,
fazer reformas tributárias, melhorar os sistemas de habitação, ser mais inclusivo com
capacidade de proteção aos vulneráveis e ofertar trabalho com propósito para
garantir dignidade as pessoas e senso de pertencimento. Ameaçados pela era digital
o mundo do trabalho também corre risco. Reconstruir a confiança nos políticos faz-se
necessário, e acordos entre ambos os lados da atual disputa polarizada. Investir na
educação cívica garante que os cidadãos entendam as teias que regem o sistema
político e que saibam então o melhor caminho, garantir isso as crianças faz parte da
resposta que precisamos. “Mas o foco exclusivo nas injustiças de hoje não é
intelectualmente mais honesto do que a exortação impensada da magnífica civilização
ocidental. Para ser fiel aos próprios ideais, a educação cívica precisa apresentar tanto as
verdadeiras injustiças quanto as grandes conquistas da democracia liberal.” Mounk. Assim
entendemos que as redes sociais só exerceram esse impacto negativo na política
porque as bases morais foram esquecidas.

Capítulo 3 – A ameaça do fascismo

Na obra de Jason Stanley, “Como funciona o fascismo” encontram-se explicações


importantes de ações totalitárias ocorridas no passado cometidas nos séculos XIX e
XX. “O sintoma mais importante da política fascista é a divisão. Destina-se a dividir uma
população em “nós” e “eles”. Muitos tipos de movimentos políticos têm essa divisão. Por
exemplo a política comunista utiliza como arma a divisões de classes. Apelando para distinções
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étnicas,religiosas ou raciais e usando essa divisão para moldar a ideologia, e em última análise,
a política.”pág.15

A exaltação do passado é outro sintoma, cuja estrutura sustenta a ideologia


autoritária. Segundo Mussolini o passado mítico é intencional. Pois aproveita o clima
nostálgico e trabalha “os princípios centrais da ideologia: autoritarismo, hierarquia, pureza e
luta.” Pág.21 Disse ainda Volkischer em 1924: “A compreensão e o respeito por nosso próprio
passado mitológico e nossa própria história serão a primeira condição para ancorar mais
firmemente a próxima geração no solo da pátria original da Europa”. Pág.21. Outra
característica importante é a hierarquia e a valorização da figura paterna, o líder da
nação será forte e poderoso e é a única fonte da autoridade. Para o homem o serviço
militar, para a mulher a maternidade. Um dos motivos dos judeus e os ciganos terem
sido perseguidos foi o fato de que para eles as mulheres não eram vistas como
propriedade, diferente da cultura tradicional europeia.

O sentimento nacionalista também marcou a ideologia fascista. Muitos americanos no


período pós-guerras compartilhavam sentimentos pré-fascistas, como o nacionalismo,
Jason descreve. A política americana no século XIX dificultava a imigração de não
brancos e judeus e a chegada de refugiados da guerra. Comparando com o ano de
2016, um slogan “America First”, voltou ao cenário americano e a política de restrição
de entradas ou permanências de refugiados e imigrantes ilegais. O autor aponta para
a volta do discurso nacionalista em países como Rússia, Hungria, Polônia, Índia,
Turquia e EUA.

Outro fator a destacar é a propaganda, onde a política utiliza essa forma de


linguagem para unir as pessoas em prol de seus objetivos. Jason usa como exemplo
a retórica de Nixon da “lei e ordem” e que segundo o autor, foi usada para ocultar
políticas racistas. Outra faceta da política fascista é denunciar a corrupção,
geralmente oculta uma corrupção verdadeira. Ex:pág.40. A prática de desconstrução
de um judiciário independente em formas de acusação e de substituição de juízes
independentes por juízes parciais que trabalhem na proteção de interesses políticos
do partido no poder. No capítulo 8 da República de Platão, Sócrates explica que a
democracia é um sistema autodestrutivo. Pois os homens necessitam de um homem
forte para os conduzir. E a liberdade de expressão abre os caminhos para a chegada
de um demagogo que saberá tirar partido do medo dos homens. Esta é a receita para
a instalação de uma tirania. O fanatismo domina o intelecto na política fascista.
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O anti-intelectualismo é um ataque a educação, a especialização e a
linguagem. Sem o desenvolvimento da intelectualidade o debate torna-se impossível.
Na ideologia fascista só pode haver um ponto de vista, o outro é desrespeitado não
importando a argumentação. O uso de propaganda demagógica através da tática de
atacar instituições de ensino que defendem a razão e o debate público é infectado por
ideologias políticas. Expressões desconectadas são empregadas para dar
legitimidade a essas ferramentas políticas. Os políticos fascistas denunciaram o
governo, a academia, a ciência e a mídia. Rejeitam o debate sofisticado, pois o líder
fascista segue o discurso populista. A linguagem na política fascista é usada para
convencer e é a prova do seu triunfo. “Pois o raciocínio não atrai, mas a emoção sim.”
Pág.64. E a raiva e o medo levam as pessoas as urnas.

Um líder fascista substitui a verdade pelo poder, usando como ferramenta a


irrealidade, substituindo a verdade pelo poder. As teorias conspiratórias são armas
para deslegitimar a grande mídia. E tem como objetivo gerar paranoia, medo e
insegurança generalizada. Para haver um debate é necessário premissas comuns,
mas quando não há, pois os lados criam premissas e ocultam verdades. Se objetivo
é vencer isso vai acontecer quando o cidadão não tem mais uma realidade comum. E
o resultado é se formarem identidades tribais. Aqui aparece a desigualdade como fator
impeditivo da florescência da democracia, pois gera ilusões e mascara a realidade.

A partir de dados de desigualdade de renda e a escalada de um medo na crença que


os não brancos ultrapassem os brancos, em números, começaram a surgir
movimentos contrários e a divisão da sociedade. Vista como uma característica da
psicologia em uma luta dos grupos ameaçados ou oprimidos. O líder fascista usa um
sentimento de vitimização e cria assim uma identidade de grupo.

A retórica da lei e ordem é descrita por Stanley como outro fator de divisão em classes.
Pois um Estado saudável deveria tratar todos os seus cidadãos de forma igual e justa.
Como na política fascista é utilizada a divisão alguns, são aceitos enquanto outros
não. Tais ações prejudicam o estado democrático. No livro o autor também cita
pesquisas que mostram encarceramento de afro-americanos com raízes em
propagandas racistas remetidas aos tempos da escravidão.

Outra característica é a ansiedade sexual, remetendo a ameaças de crimes


de estupro, agressão e desvio sexuais. Impondo a sociedade a figura do homem como
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protetor e provedor na sociedade. E estigmatizando os diferentes como predadores
ou colocando os transexuais como culpados pela desvalorização da mulher. “A política
da ansiedade sexual é uma forma poderosa de apresentar a liberdade e a igualdade como
ameaças fundamentais, sem aparentar explicitamente rejeitá-las. Uma presença marcante de
uma política de ansiedade sexual talvez seja o sinal mais evidente da erosão da democracia
liberal.” pág.137

Quando o autor citou “Arbeit Macht Frei” (o trabalho liberta) vem à tona um ponto
relevante na política fascista, em tempos de crise e necessidade o governo de
ideologia fascista ajuda algumas comunidades devastadas em desfavor de outras.
Hannah Arendt, 1951, diz que o fascismo torna os indivíduos atomizados. Ao criar
condições econômicas incertas prospera o medo e o ressentimento em coloca os
cidadãos uns contra os outros. “Assim os movimentos fascistas compartilham com o
darwinismo social a ideia de que a vida é uma competição pelo poder.” pág.170.

A visão fascista da liberdade individual é semelhante à noção libertária onde o direito


de competir não significa ter sucesso e muito menos sobreviver.

Conclusão – Quem é o governante ideal?

“Os desafios que enfrentamos são enormes. Como manter um senso comum de humanidade,
se o medo e a insegurança nos levaram a fugir para os reconfortantes braços da superioridade
mítica, numa busca vã por um senso de dignidade? Perguntas inquietantes definem nossos
tempos.” Stanley Pág.183

O mundo presente se encaixa perfeitamente na visão crítica de Debord, tudo que ele
descreveu é atual. O homem vive hoje a tecnologia em telas inanimadas onde tudo se
torna imagem, e que se vê a todo momento nas redes sociais onde o observador
acredita serem verdadeiramente reais. Vive-se uma ilusão coletiva, onde a mentira é
preferível, as fake News nos tiram a chance de saber a verdade. Um dos motivos disto
estar ocorrendo é a fraqueza que dominou o mundo aliada a ideologia do consumo, o
único prazer a ser alcançado.

Neste cenário político populistas quando chegam ao poder controlam as narrativas.


Mesmo com ideologias distintas, as intenções que levam ao autoritarismo e a ditadura
são as mesmas. A ganância dos grandes líderes do mercado financeiro global e a
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falta de interesse em resolver as questões que assolam a humanidade. Estas
questões deveriam para garantir a dignidade humana, ser resolvidas, mas não são. O
investimento e principal preocupação é manter o sistema funcionando em benefício
próprio. A falta de moralidade e o individualismo são agravantes significativos. Levam
ao aumento da violência, a disseminação de drogas, o tráfico de pessoas, o abuso e
a exploração sexual resultando na desmoralização pessoal, na falta de significado de
existência e senso de propósito e um imenso ressentimento que não sabemos como
mas poderá se tornar uma grande resposta para a humanidade.

Outro problema importante é o da imigração que não pode ser limitado ao


questionamento de inclusão, pois existem outras questões envolvidas como: absorver
estas pessoas e dar vida digna a elas. Por isso é importante questionar se as
condições dos países que recebem os imigrantes serão suficientes. E a população
está protegida para lidar com estes impactos? Esse medo é explorado pelos políticos
populistas. Mas o que as agencias poderosas e o mercado econômico estão fazendo
para que a população se sinta segura? O ressentimento das diferenças étnicas e
econômicas e até religiosas que reivindicam seus direitos são exaltadas pela
globalização e pelo terrorismo. Por isso a ameaça do caos econômico e aumento da
violência é real. Os eventos como o de 11 de setembro de 2001 deram ao mundo
contemporâneo uma grande amostra de que a ameaça chega as vias de fato...
alertando o século XXI que algo está errado. Ataques terroristas e guerras em
andamento estão acontecendo e colocando o mundo em risco. Quando inocentes tem
suas vidas tiradas não existe justificativa.

Ao conhecer a política do “nós” e “eles” podemos entender por que estamos vivendo
divididos. Existe uma tendência a normalização do fascismo. Mesmo que tanto a
história quanto a psicologia não confirmem essa premissa, serve como alerta estudar
estes métodos utilizados no passado para que não nos não deixe cair no
esquecimento as “táticas” já utilizadas de desumanização. Quando nos propomos a
questionar quem deve viver e quem deve morrer?

Na história da civilização humana esta questão sempre ficou a cargo de poucas


pessoas. As decisões de invasões de território, de guerras, de investimentos
econômicos, de fabricação de armas de destruição em massa, de prisões de
opositores ao sistema entre tantas outras que limitam ou tiram a vida são tomadas por

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poucos. Por isso devemos estudar outras formas e outras ideologias pesquisando
fatos históricos para além do fascismo. Cito um pouco divulgado, devido a censura
que era muito forte na época, ocorrido durante a implantação do comunismo na antiga
União Soviética e que dizimou cerca de 14 milhões de pessoas na Ucrânia, chamado
Holodomor. Mas porque estudamos com detalhes o holocausto e esquecemos do
Holodomor?

Os anos passam para nós simples mortais e mesmo vivendo em democracias não há
mudanças positivas gritantes acontecendo na vida das pessoas comuns. Uma saída
para este dilema é a união de grupos com o mesmo propósito. E desconfiar de
políticos demagogos que seguem a tática de dividir opiniões, escondidos atrás de
ideologias mais aceitas, mascaram suas reais intenções.

Estamos entrando em uma nova era da história? O espetáculo se mostra em inúmeras


facetas na sociedade do século XXI. Este debate é sim relevante pois corremos o
sério risco de condenarmos apenas uma ideologia e cairmos talvez em outra mais
perigosa. Para Platão, na República acredita-se que o governante ideal deveria ser
uma espécie de aristocrata, não especificamente o mais rico, mas o mais sábio, o rei-
filósofo. A sabedoria é o caminho para a civilidade que o mundo merece.

Sigamos perguntado...

Bibliografia

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Holodomor, a fome que matou milhões de ucranianos. Entrevista: Rostyslav
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